Revista Formação 5 - BVS Ministério da Saúde

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○ ○ ○ ○palavra, os signatários deste tipo decrítica não reconhecem as especificidadesque cercam o sistema dasprofissões. Dois outros tipos decrítica, no entanto, revestem-se demaior pragmatismo e merecem sermais seriamente consideradas, inclusivepelas possibilidades que abremde se criar salvaguardas contra osefeitos maléficos dos monopóliosprofissionais. Alguns autores argumentamque organizações tipicamenteprofissionais, como as de saúde,quando dirigidas pelos própriosprofissionais tendem a desperdiçarrecursos por meio de uma contrataçãoexcessiva de trabalho de paresprofissionais (talvez por mecanismosconscientes e inconscientes de defesacorporativa). A ambigüidade entre opapel de gerente e o de ofertante dosserviços profissionais levaria àcontratação, por essas organizações,de um mix não eficiente de força detrabalho caracterizado pelo aumentoda utilização de serviços de profissionaisde maior qualificação e preços(os pares) em detrimento de umautilização mais intensa de pessoal dequalificação auxiliar. Essa tendênciapara a ineficiência na combinação douso de força de trabalho se verianaturalmente aumentada nos casosem que as atividades gerenciaistambém são regulamentadas comoprivativas ou exclusivas 7 . Um comportamentoeficiente da organizaçãorecomendaria exatamente o contrário:que a gerência dos serviços sejacompartilhada por profissionais deáreas distintas. Por fim, uma outravisão sustenta que o problema decertas profissões regulamentadas nãoreside na escassez de oferta, mas noexcesso de oferta de serviços. Esse,conforme vem sendo apontado emvários estudos, é o caso das profissõesde saúde que, em ambientes laboraisde elevada autonomia profissional ebaixa capacidade de governançagerencial, costumam produzir serviçosmuito além do necessário,levando não apenas a problemas dedesperdício como a excessos iatrogênicos.Uma das soluções ensaiadaspara contornar essa situação foi odesenvolvimento, nos Estados Unidos,ainda na década de 70, dos modelosde atenção baseados na chamadacompetição (Health MaintenanceOrganizations – HMO’s). Os modelosda atenção gerenciada operam numambiente em que várias organizaçõesde provedores de serviços vendem nãoexatamente serviços, mas contratos demanutenção de saúde dos pacientessegurados. A troca da lógica da vendade serviços pela de contratos demanutenção de saúde teria comoefeito introduzir outro tipo deracionalidade, a de corte maiseconômico-gerencial, funcionandocomo poder compensatório à lógicada dominância profissional, comtendência à minimização do problemada superprodução de procedimentose atos profissionais de baixa relaçãocusto-efetividade 8 .Ademais da cristalização de reservasde mercado e da relativa invulnerabilidadeaos legítimos objetivosgerenciais de ampliação da coberturae acesso aos cuidados, os modelos deautogoverno profissional vêm sendocriticados por outras razões, das quaiscitaríamos três de maior visibilidade:a pequena “responsividade” aopúblico; o crescimento do sentimentode injustiça entre as ocupações,ocasionado pela exclusão e subordinaçãohierárquica das ocupações eprofissões de menor status e oestabelecimento de entraves a políticasestatais para coordenação dasprofissões, tendo em vista, porexemplo, a implementação de Políticasde Saúde de corte universalista ede reconhecimento de competênciaslaborais. Esses três problemasdecorrem de uma dificuldadeenfrentada pelas instituições de7 Este é o caso do recente Projeto de Lei do AtoMédico, tramitando no Congresso Nacional, assimcomo da Lei de Exercício da Enfermagem vigenteno Brasil, que definem como privativas dasrespectivas categorias, as atividades de gestão dotrabalho destas profissões.8 Para o conceito de dominância profissional verFreidson (1988); para uma avaliação maisdetalhada ver “Institutional Change and HealthcareOrganizations : From Professional Dominance toManaged Care” Richard W. Scott (Editor), para ocaso do Brasil (Merhy, 2002) .Formação35

○ ○ ○ ○autogoverno com autoridade governamentaldelegada (os nossos conselhosprofissionais) no que respeitaà interpretação de sua missão. Instituídase socialmente legitimadascomo agentes do Estado para monitorara qualidade técnica e o processodisciplinar do exercício profissionalpara a proteção do público, essas instituições,muitas vezes, na vigência deconflitos de interesses, costumam agirde forma “auto-interessada”, protegendoseus pares. Daí a pequena confiançaque elas inspiram ao público.Pode-se dizer que essa ambigüidadena interpretação de seu papel levamuitas vezes a que dirigentes bemintencionados dessas instituiçõespleiteiem estratégias como a fusãocom as organizações sindicais e associaçõesprofissionais, com o intuitode fortalecer a profissão. Essa mesmaambigüidade de papéis dificulta queinstituições adotem, de forma espontânea,estratégias de ação coletivavisando à cooperação interprofissional,o trabalho multidisciplinar e omútuo reconhecimento de competências.Daí, também, a necessidade deinstâncias “supraprofissionais”, comautoridade de governo para coordenaras políticas de Estado para as profissões.Mas, ironicamente, na raiz dasresistências à implementação dessaspolíticas, encontra-se essa dificuldadedas instituições de autogoverno profissionaisse interpretarem comoagentes do Estado.Novas experiências de regulamentaçãodas profissões na área da Saúde:buscando um novo paradigma para aregulamentação profissionalEm resposta a problemas comoestes, países como o Canadá e os EstadosUnidos e blocos regionais comoa Comunidade Econômica, Européiavêm desenvolvendo, ao longo dasúltimas décadas, esforços parareformar seus sistemas de regulamentaçãopública das profissões,perguntando-se essencialmente sobreduas questões:(i) Os modelos de autogoverno sãoos que servem melhor para a proteçãoe o bem-estar públicos?(ii)Qual a extensão e níveis deexclusividade devem ser conferidos àsreservas de mercado e monopóliosprofissionais?Resultados de diversas investigaçõesconduzidas no Canadá – país quetomou a dianteira nestas reformas –entre o final da década de 60 e inícioda 70, reconheceram as vantagens (emesmo uma certa inevitabilidade) daauto-regulação profissional, porémrecomendaram que, ao mesmotempo, se emprestasse maior ênfaseno desenho de mecanismos institucionaisde prestação de contas aopúblico e de proteção dos direitos deindivíduos e grupos, especialmenteaqueles em maior desvantagem nosmercados (Casey, 2001) 9 .Não se pretende, aqui, realizar uminventário desses esforços e menosainda avaliar seus resultados. O objetivo,nesta última sessão, é o de discutiralgumas questões colocadasmais recentemente na arena da regulamentaçãoprofissional no Brasil, aexemplo dos Projetos de Lei do “AtoMédico” e do “Ato de Enfermagem”,à luz de elementos comuns retiradosdas experiências mais significativas einfluentes ocorridas nas Américas,que vêm se constituindo numa espéciede novo paradigma de regulamentaçãoprofissional, forjado especialmentea partir da área da Saúde 10 .9 Um dos relatórios pioneiros sobre o tema, reportaresultados de diversas investigações conduzidas noCanadá entre o final da década de 60 e início da70, foi o Relatório Mc Ruer, Toronto, 1968-1971.10 O argumento fundamenta-se especialmente nosresultados de um estudo sobre regulamentaçãoprofissional em países da América Latina, EUA eCanadá, realizado entre 1997 e 1999, peloPrograma de Recursos Humanos – OrganizaciónPanamericana de la Salud – OPS/OMS,Washington, DC sob a coordenação de DanielPurcallas e Sábado Girardi. O estudo contoucom a participação de pesquisadores do México,Colômbia e Chile, além do Brasil. As informaçõessobre o Canadá e os Estados Unidos foram obtidaspor meio de entrevistas diretas e análise depublicações. Foram analisadas as experiênciaspioneiras de Ontário e Québec, e a experiênciada Pew Health Professions Commission, cujostrabalhos, iniciados em 1989, tratamessencialmente de assuntos concernentes àregulamentação de profissões de saúde nos EstadosUnidos. Diferentemente do caso canadense, emque as iniciativas são governamentais, no casoamericano, a comissão é constituída no âmbito dasociedade civil.36Nº 05 MAIO DE 2002

○ ○ ○ ○autogoverno com autori<strong>da</strong>de governamentaldelega<strong>da</strong> (os nossos conselhosprofissionais) no que respeitaà interpretação de sua missão. Instituí<strong>da</strong>se socialmente legitima<strong>da</strong>scomo agentes do Estado para monitorara quali<strong>da</strong>de técnica e o processodisciplinar do exercício profissionalpara a proteção do público, essas instituições,muitas vezes, na vigência deconflitos de interesses, costumam agirde forma “auto-interessa<strong>da</strong>”, protegendoseus pares. Daí a pequena confiançaque elas inspiram ao público.Pode-se dizer que essa ambigüi<strong>da</strong>dena interpretação de seu papel levamuitas vezes a que dirigentes bemintencionados dessas instituiçõespleiteiem estratégias como a fusãocom as organizações sindicais e associaçõesprofissionais, com o intuitode fortalecer a profissão. Essa mesmaambigüi<strong>da</strong>de de papéis dificulta queinstituições adotem, de forma espontânea,estratégias de ação coletivavisando à cooperação interprofissional,o trabalho multidisciplinar e omútuo reconhecimento de competências.Daí, também, a necessi<strong>da</strong>de deinstâncias “supraprofissionais”, comautori<strong>da</strong>de de governo para coordenaras políticas de Estado para as profissões.Mas, ironicamente, na raiz <strong>da</strong>sresistências à implementação dessaspolíticas, encontra-se essa dificul<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s instituições de autogoverno profissionaisse interpretarem comoagentes do Estado.Novas experiências de regulamentação<strong>da</strong>s profissões na área <strong>da</strong> Saúde:buscando um novo paradigma para aregulamentação profissionalEm resposta a problemas comoestes, países como o Canadá e os EstadosUnidos e blocos regionais comoa Comuni<strong>da</strong>de Econômica, Européiavêm desenvolvendo, ao longo <strong>da</strong>súltimas déca<strong>da</strong>s, esforços parareformar seus sistemas de regulamentaçãopública <strong>da</strong>s profissões,perguntando-se essencialmente sobreduas questões:(i) Os modelos de autogoverno sãoos que servem melhor para a proteçãoe o bem-estar públicos?(ii)Qual a extensão e níveis deexclusivi<strong>da</strong>de devem ser conferidos àsreservas de mercado e monopóliosprofissionais?Resultados de diversas investigaçõesconduzi<strong>da</strong>s no Canadá – país quetomou a dianteira nestas reformas –entre o final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60 e início<strong>da</strong> 70, reconheceram as vantagens (emesmo uma certa inevitabili<strong>da</strong>de) <strong>da</strong>auto-regulação profissional, porémrecomen<strong>da</strong>ram que, ao mesmotempo, se emprestasse maior ênfaseno desenho de mecanismos institucionaisde prestação de contas aopúblico e de proteção dos direitos deindivíduos e grupos, especialmenteaqueles em maior desvantagem nosmercados (Casey, 2001) 9 .Não se pretende, aqui, realizar uminventário desses esforços e menosain<strong>da</strong> avaliar seus resultados. O objetivo,nesta última sessão, é o de discutiralgumas questões coloca<strong>da</strong>smais recentemente na arena <strong>da</strong> regulamentaçãoprofissional no Brasil, aexemplo dos Projetos de Lei do “AtoMédico” e do “Ato de Enfermagem”,à luz de elementos comuns retirados<strong>da</strong>s experiências mais significativas einfluentes ocorri<strong>da</strong>s nas Américas,que vêm se constituindo numa espéciede novo paradigma de regulamentaçãoprofissional, forjado especialmentea partir <strong>da</strong> área <strong>da</strong> Saúde 10 .9 Um dos relatórios pioneiros sobre o tema, reportaresultados de diversas investigações conduzi<strong>da</strong>s noCanadá entre o final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 60 e início <strong>da</strong>70, foi o Relatório Mc Ruer, Toronto, 1968-1971.10 O argumento fun<strong>da</strong>menta-se especialmente nosresultados de um estudo sobre regulamentaçãoprofissional em países <strong>da</strong> América Latina, EUA eCanadá, realizado entre 1997 e 1999, peloPrograma de Recursos Humanos – OrganizaciónPanamericana de la Salud – OPS/OMS,Washington, DC sob a coordenação de DanielPurcallas e Sábado Girardi. O estudo contoucom a participação de pesquisadores do México,Colômbia e Chile, além do Brasil. As informaçõessobre o Canadá e os Estados Unidos foram obti<strong>da</strong>spor meio de entrevistas diretas e análise depublicações. Foram analisa<strong>da</strong>s as experiênciaspioneiras de Ontário e Québec, e a experiência<strong>da</strong> Pew Health Professions Commission, cujostrabalhos, iniciados em 1989, tratamessencialmente de assuntos concernentes àregulamentação de profissões de saúde nos EstadosUnidos. Diferentemente do caso canadense, emque as iniciativas são governamentais, no casoamericano, a comissão é constituí<strong>da</strong> no âmbito <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de civil.36Nº 05 MAIO DE 2002

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