○ ○ ○ ○Considerando a regulamentaçãoprofissionalA regulamentação <strong>da</strong>s profissões éum capítulo muito especial <strong>da</strong>regulação econômica e social. Emcerto sentido, poder-se-ia dizer queas profissões são regula<strong>da</strong>s porque, sedeixa<strong>da</strong>s por conta dos mecanismosde mercado, as ativi<strong>da</strong>des e serviçosque elas brin<strong>da</strong>m à socie<strong>da</strong>de seriamalocados em níveis sub ótimos. Emoutras palavras, no balanço entrebenefícios e desvantagens, o exercíciolivre dessas ativi<strong>da</strong>des traria maisprejuízos para a socie<strong>da</strong>de que osporventura ocasionados pela suaregulamentação. Mas essa é apenasuma maneira de enfocar o problema.Conforme bem situa o economistacanadense Robert Evans (1980), aquestão profissional evoca outrasdistinções. Diferentemente de outrasativi<strong>da</strong>des econômicas e ocupações, osnegócios e ativi<strong>da</strong>des profissionaisfuncionam dentro de uma estruturamuito especial de regulação pública,constituí<strong>da</strong> por leis, instituições defiscalização e controle do exercício,que definem e implementam tanto asregras para entra<strong>da</strong> nessas ativi<strong>da</strong>descomo as normas de conduta técnica eética de seus membros. Mais que isso,essa estrutura especial de regulaçãopública é constituí<strong>da</strong> por instituições,em larga parte, representa<strong>da</strong> pororganizações dos próprios paresprofissionais que exercem, pordelegação, autori<strong>da</strong>de de Estado (osconselhos profissionais). De fato, aautori<strong>da</strong>de delega<strong>da</strong> pelo Estado paraautogoverno (ou autonomia corporativa)parece ser, então a característicaque mais diferencia as profissões,não somente dos demais negócios eativi<strong>da</strong>des econômicas, como <strong>da</strong>socupações comuns. O poder deautogoverno concedido a uma profissãoguar<strong>da</strong> dois aspectos essenciais:o poder para licenciar ou autorizar ea habili<strong>da</strong>de para disciplinar osindivíduos licenciados para oexercício profissional. Essencialmente,o significado desse poder é aautori<strong>da</strong>de para decidir sobre questõesrelativas ao direito de prática, ou seja,a quem será permitido ganhar a vi<strong>da</strong>naquela ativi<strong>da</strong>de e a quem não(Casey, 2001, p. 1).Mas por que isso? Por que razãoo Estado e a socie<strong>da</strong>de brin<strong>da</strong>riam aosistema <strong>da</strong>s profissões com estruturasespeciais de regulação pública e,ain<strong>da</strong> por cima, com capaci<strong>da</strong>de deautogoverno? Em geral, apresentamsetrês argumentos básicos:(i) a idéia de que o exercício <strong>da</strong>sativi<strong>da</strong>des exerci<strong>da</strong>s pelas profissõesimplica em riscos que podem afetarprofun<strong>da</strong>mente a saúde pública, asegurança, o patrimônio e o bem-estardo público;(ii) a idéia de que tais ativi<strong>da</strong>desenvolvem habili<strong>da</strong>des complexas, comelevado teor científico e técnico, emgeral não acessíveis sem o concursode sistemas de formação profissionalcomplexos como as universi<strong>da</strong>des;(iii) a idéia de que a quali<strong>da</strong>de eos resultados do trabalho dos profissionaisnão são passíveis de julgamentoespontâneo do público leigo.Os dois últimos argumentos,tecnicamente falando, o problema <strong>da</strong>assimetria informacional e <strong>da</strong>sdecisões errôneas, justificariam asprerrogativas de auto-regulação ouautogoverno concedi<strong>da</strong>s pelo Estadoa muitas profissões.As barreiras legais para entra<strong>da</strong>nos mercados de trabalho – sob aforma do credenciamento educacionale <strong>da</strong> exigência de licenças e diplomas– emana<strong>da</strong>s em grande parte <strong>da</strong>spróprias corporações profissionais,estabelecem padrões mínimos deprática técnica e conduta ética esocial, que efetivamente mantêm osusuários de serviços relativamente asalvo de praticantes inescrupulosos eprofissionais incompetentes.Por outro lado, a existência de umsistema institucional de credenciamentoocupacional, que regula aquestão do direito de prática e do usode títulos profissionais, representauma importante economia para redesde provedores e consumidores individuaiscom a obtenção de infor-Formação33
○ ○ ○ ○mação sobre a quali<strong>da</strong>de dosprofissionais existentes no mercado(Freidson, 1988; Williamson, 1996).Em tese, desde essa perspectiva, podesedizer que o problema dos custosde informação nos mercadosprofissionais cresce na proporçãodireta do tamanho do mercado e emprogressão geométrica, com acomplexi<strong>da</strong>de dos conhecimentosteórico-científicos e habili<strong>da</strong>destécnicas necessárias para o exercício<strong>da</strong> profissão. Sendo essas premissasver<strong>da</strong>deiras, pode-se dizer que estesistema de “sinais de mercado”,propiciado pelos sistemas institucionaisde regulação profissional, tãoserá mais confiável quanto maisrigorosamente for administrado apartir regras de excelência técnica eética que governam internamenteaquele campo de trabalho 4 . Este é ooutro argumento que reforça adelegação de auto-regulação a determina<strong>da</strong>sprofissões, muito particularmenteno campo <strong>da</strong> saúde.Entretanto, ao lado desses benefícios,as leis de exercício tambémcriam ex ante reservas de mercado,que podem implicar em monopóliosprofissionais mais ou menos extensossobre campos de ativi<strong>da</strong>des,dependendo, entre outras coisas, <strong>da</strong>extensão do escopo de práticasconferi<strong>da</strong>s à profissão, do grau deprivativi<strong>da</strong>de ou exclusivi<strong>da</strong>deconferido aos atos específicos <strong>da</strong>profissão, e <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de controleex post <strong>da</strong>s reservas legais pelasinstituições de fiscalização doexercício. Ou seja, a regulaçãoprofissional cria direitos de proprie<strong>da</strong>deao restringir o acesso àprática dos atos regulados comoprivativos e à ostentação de títulosprofissionais no mercado (Girardi,2000). Quanto maior a extensão doescopo de práticas e mais extensa alista de atos exclusivos ou privativosa ela legalmente atribuídos, maiorserá o tamanho de sua proprie<strong>da</strong>de(ou do domínio patrimonial <strong>da</strong>profissão) 5 . Como qualquer políticaque redistribui ganhos e per<strong>da</strong>s nosmercados – e neste caso trata-se deganhos em termos de proprie<strong>da</strong>de oupatrimônio – sua existência deveforçosamente representar um benefíciopúblico, além de considerar nasua concessão reclames de grupos decompetidores que se considerempossivelmente lesados em seu direito.Malgrado seus benefícios públicos,três tipos de crítica têm sido maiscomumente aponta<strong>da</strong>s à questão dosmonopólios profissionais, mais especificamentena área <strong>da</strong> Saúde 6 . Emprimeiro lugar, a crítica maiselementar (à la Milton Friedman)objeta que as restrições de entra<strong>da</strong>inflacionam os custos em duas vias:primeiro, por criarem lucros monopólicospara a profissão ao reduzirartificialmente a oferta de bens eserviços; depois pelo estabelecimentode preços cartelizados. Na ver<strong>da</strong>de,esse argumento encontraria suaprincipal fraqueza numa verificaçãoempírica muito comum pelo menosna Saúde: os profissionais, particularmenteos que têm uma relação diretacom os pacientes e guar<strong>da</strong>m, narelação de serviços, maiores graus deautonomia técnica, costumam gerarsua própria deman<strong>da</strong>, aumentando enão diminuindo os níveis de oferta.Por outro lado, esse tipo de críticanão considera, seriamente, os benefíciosgerados para os usuários emtermos de segurança e bem-estar, emenos ain<strong>da</strong> na questão informacional,tal qual apresentado. Numa4 Saltman & Busse (2002, p. 22) sumarizam asvantagens <strong>da</strong> auto-regulação delega<strong>da</strong> adetermina<strong>da</strong>s profissões relativamente a formasde “heterorregulação”: alto compromisso com aspróprias regras; processo mais informado nodesenho de normas técnicas; baixo custo gerencialcomparativo; maior ajustamento dos protocolos enormas de prática adotados com aqueles vistoscomo razoáveis pelos profissionais que estão naprática; maior abrangência <strong>da</strong>s regras; maiorpotenciali<strong>da</strong>de e aceitação de ajustes; maisfacili<strong>da</strong>de de implementação efetiva <strong>da</strong>s regras epossibili<strong>da</strong>de de combinação com supervisãoexterna (grifo meu). Entre as desvantagens, a autoregulaçãocria regras auto-interessa<strong>da</strong>s e, no limite,pode tender a afrouxar a aplicação <strong>da</strong>s própriasregras que cria, numa espécie de instinto deautodefesa corporativa. Daí outra importantelimitação: a baixa confiança do público.5 Agradeço a Antônio Anastasia, a analogia entre aconcessão de campos de atos privativos e a idéiade patrimônio de uma profissão.6 No seguinte, apoio-me fartamente em Evans(1980).34Nº 05 MAIO DE 2002
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