PERFIL | roniwalter jatobáDe peão a pioneiroO escritor Roniwalter Jatobá não se rende a modernismos literários e acredita que há poucos textos bons direcionados aos jovensTEXTO ie<strong>da</strong> estergil<strong>da</strong> de abreuFOTO jessica rosenA fábrica Nitro Química, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1935 nazona leste de São Paulo, tinha fama de empregarnordestinos para trabalhar em áreas perigosase insalubres, expondo-os a vários tipos de gástóxico. Nos últimos anos, a empresa adotou olivro Crônicas <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> Operária (Boitempo,2004), de Roniwalter Jatobá, para mostrar aostrabalhadores que, dos anos 1940 e 1950 paracá, as coisas haviam mu<strong>da</strong>do. Finalista em 1978do Prêmio Casa <strong>da</strong>s Américas, em Cuba, e já nasétima edição, Crônicas resgata, com lirismo edenúncia, o dia a dia dos operários <strong>da</strong>s fábricasdo ABC paulista. Para o escritor Luiz Ruffato,nesse livro, assim como em outros como Saborde Química (Oficina de Livros, 1976), Paragens(Boitempo, 2004) e Tiziu (Scritta, 1994), o autorpraticamente instaura a literatura proletáriabrasileira. “Jatobá é pioneiro ao alicerçar suaobra no operário”, disse Ruffato.São mais de 15 livros publicados, prêmios importantesconquistados e contos incluídos emdiversas antologias brasileiras e estrangeiras,além de versões traduzi<strong>da</strong>s para o alemão, o inglês,o sueco, o holandês e o italiano. O autor,que acaba de completar 63 anos, diz ser um dospoucos que escrevem sobre o migrante nordestino.“Não tenho intenção de mu<strong>da</strong>r de assuntoou buscar modismos, o que acontece com grandeparte dos escritores brasileiros. Tento, aocontrário, me aprofun<strong>da</strong>r na temática e elaborarca<strong>da</strong> vez mais a linguagem, fugindo, claro, doranço naturalista”, conclui Jatobá.CAMINHOSPara esse filho de baianos, nascido à beira <strong>da</strong> rodoviaem 22 de julho de 1949, em Campanário, MinasGerais, era como se desde cedo enxergasse outrasrotas. Aos 10 anos foi morar na casa de um tio emCampo Formoso, Bahia. Fez o ginásio em um colégioprotestante e lá descobriu a literatura. “Conheciquase todos os títulos <strong>da</strong> pequena biblioteca <strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de: textos de Dostoiévski, Gogol, Kafka. Os jovens,na grande maioria, brigavam para ver quemia ler primeiro as novi<strong>da</strong>des literárias que chegavamde Salvador”, conta. Durante quatro anos, oescritor se esbaldou de ler Graciliano Ramos, JoséLins do Rego e muita prosa americana.Nesse meio-tempo, foi para o Rio de Janeiro,onde trabalhou como office boy. Circulou pelosertão baiano dirigindo um caminhão que serviapara o pai comercializar produtos industrializados,e, nas muitas horas vagas, lia. Incentivadopelos pais analfabetos, mudou para São Paulo.“Minha mãe juntou os últimos trocados que tinhaguar<strong>da</strong>do <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> de umas laranjas e umasgalinhas, comprei a passagem e vim”, relembra.Nos primeiros anos em São Paulo, antes de ser jornalistae escritor, o mineiro radicado em São Pauloprocurou, sem sucesso, trabalho na tal Nitro Química.Conseguiu, em vez disso, uma vaga de aju<strong>da</strong>ntegeral na fábrica de automóveis Karmann-Ghia. Eleconta que ficou três anos empurrando carrinhoscheios de peças para a produção. “Levava tudo atéa montagem e distribuía para as diversas fases. Nãoera exatamente a minha área, mas não tinha maisna<strong>da</strong> para fazer além <strong>da</strong>quilo. Precisava sair.”Depois <strong>da</strong> fábrica, foi trabalhar na gráfica <strong>da</strong> EditoraAbril, já no final de 1973. Cinco anos depois,com auxílio financeiro <strong>da</strong> empresa, formou-sejornalista e conheceu professores que o introduziramna literatura. “Lembro como se fosse hojede Ana Teresa, professora e minha primeira leitora.Tinha olhar atento, incentivador. Em sala deaula, ela me passou a ideia de que eu poderia serescritor e, se possível, um bom escritor.”DA POESIA AO ROMANCERoniwalter escrevia poesia no ginásio, mas dizque era só por vontade poética. “Gosto do gêneroe leio bastante, sempre acompanhando os grandespoetas. Pena que não saiba fazer, mas usomuito o ritmo <strong>da</strong> poesia no meu texto.” Naqueletempo, o maldito Augusto dos Anjos era lido erecitado nos bares de Campo Formoso. “Fiqueifascinado e escrevi uns versos, que foram elogiadospela minha professora de português. Até meempolguei, mas continuei só lendo.”Ele, que já foi cronista do Diário Popular, hoje segueescrevendo em blogs como o <strong>da</strong> Boitempo eo Tu<strong>da</strong>-Papel Eletrônico. “Não gosto <strong>da</strong> crônicaque você é obrigado a fazer todos os dias, mas<strong>da</strong>quela que tem quase a mesma estrutura doconto, aquela que não envelhece.”Na apresentação do primeiro romance de Jatobá,Filhos do Medo (1979), o escritor e pesquisadorValdomiro Santana diz que o autor sentiu medode não ter fôlego para encarar a mu<strong>da</strong>nça de estilo.“Embora o conto também seja complexo, a estruturaé mais curta. Achava realmente que no romanceeu fosse me atrapalhar”, explica. “A novelaTiziu, quase um romance, foi reescrita oito vezesna máquina de escrever. Ca<strong>da</strong> vez que lia achava
um problema e voltava ao começo, por isso nuncame arrisquei num romance de 400, 500 páginas.”Roniwalter acredita que sua obra se deve à experiênciacomo re<strong>da</strong>tor dos fascículos Nosso Séculoe Retrato do Brasil. “Não escrevíamos ficção, mas,sim, história conta<strong>da</strong> com uma liber<strong>da</strong>de poéticaque, de certa forma, ilustrava as belas fotos.” Parao público jovem, editou Juazeiro: a Guerra noSertão (1996), sobre o padre Cícero, e A Crise doRegime Militar (1997). O romance que está escrevendoagora se passa nos anos 1920, na Chapa<strong>da</strong>Diamantina, em um colégio presbiteriano. Há umentrelaçamento entre a visão protestante em conflitocom o catolicismo na região, experiência vivi<strong>da</strong>pelo autor, e a passagem <strong>da</strong> Coluna Prestes.“O leitor jovem não tem vícios. Você entrega umtexto agradável, que flui, e ele vai embora”, enfatiza.“Há escassez de bons textos para esse público.Eles sentem falta de uma literatura que aponterumos num momento de formação <strong>da</strong> sua personali<strong>da</strong>de”,acredita. Mais recentemente, publicoupara a Coleção Jovens sem Fronteiras O JovemChe Guevara (2004), O Jovem JK (2005), O JovemFidel Castro (2008), O Jovem Luiz Gonzaga (2009)e O Jovem Monteiro Lobato, este lançado em julhode 2012 com o novo livro de contos, Cheiro de Chocolatee Outras Histórias. Ao apresentá-lo, Ruy EspinheiraFilho diz que “a arte de Roniwalter Jatobáse mostra por inteiro neste volume aparentementedespretensioso e que é, na ver<strong>da</strong>de, tecido comas fontes profun<strong>da</strong>s que trazem à superfície fria docotidiano o que nos faz mais dignos na vi<strong>da</strong> e quese chama calor humano”.Embora surjam convites para atuar no jornalismo,Roniwalter agora só quer fazer literatura,com tranquili<strong>da</strong>de, mesmo sabendo que não dápara viver dos seus livros. “O que ganho com direitosautorais complementa alguma coisa, masain<strong>da</strong> bem que tenho a aposentadoria.” E não faltamtrabalhos, como a seleção e apresentação dosegundo livro de crônicas de Lourenço Diafériae um do poeta Álvaro Alves de Faria, sobre Domitila,a marquesa de Santos. “Este reproduz ascartas de dom Pedro e, como as cartas-resposta<strong>da</strong> Domitila foram extravia<strong>da</strong>s, o Álvaro as respondecom poesia. Ficou muito legal.”23CONTINUUM22