“<strong>TUDO</strong> <strong>TANTO</strong> SURGIUNATURALMENTE E FOI PRODUZIDOLEVEMENTE, COMO NUMABRINCADEIRA ENTRE AMIGOS.”O grande desafio <strong>da</strong> carreira de um músico nãoé gravar o primeiro disco, e sim <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>deao trabalho com a mesma quali<strong>da</strong>de demonstra<strong>da</strong>anteriormente, além de superar as expectativase não cair na mesmice. Depois de lançar oálbum Efêmera (YP Music, 2010), sucesso de críticae público, <strong>Tulipa</strong> Ruiz opta novamente pelaousadia e mostra quanto é capaz de amadurecere transcender em tão pouco tempo. O trânsitolivre por diversas linguagens e estilos nas composiçõesde Tudo Tanto, seu mais novo trabalho,lançado em julho deste ano, projeta luz a esse saltorumo a algo consistente. A nova fase é umaespécie de afirmação de <strong>Tulipa</strong> como artista e jáa coloca como uma <strong>da</strong>s maiores de sua geração,apesar de não existir nenhum tipo de peso nessacaminha<strong>da</strong>. “Tudo Tanto surgiu naturalmente efoi produzido levemente, como numa brincadeiraentre amigos”, diz a cantora.<strong>Tulipa</strong> recebeu a reportagem <strong>da</strong> CONTINUUM horasdepois de voltar de uma série de shows noReino Unido. Mesmo sob efeito do jet lag, esbanjavabom humor e nos brin<strong>da</strong>va com muitas históriasdeliciosas. “Toquei até numa igreja milenare, quando soube que passaria perto <strong>da</strong> casa doSting, resolvi parar e colocar um disco meu nacaixa de correio”, conta.EFÊMERAApesar de ter nascido em Santos, <strong>Tulipa</strong> Ruiz seconsidera mineira de coração. Foi cria<strong>da</strong> em SãoLourenço, sul de Minas Gerais, para onde se mudoucom a mãe aos 2 anos de i<strong>da</strong>de, logo após aseparação dos pais. A primeira aproximação coma arte aconteceu quando ela fez um programa derádio ao vivo na escola e, graças ao sucesso <strong>da</strong>empreita<strong>da</strong>, foi convi<strong>da</strong><strong>da</strong> a fazer um programadiário numa emissora comunitária. Para produziras vinhetas, contava com a aju<strong>da</strong> do irmão e sempreparceiro Gustavo Ruiz. Ain<strong>da</strong> na adolescência,a cantora entregou panfletos, fez curso paratrabalhar em cassino, foi secretária numa escolade inglês e trabalhou numa loja de discos. A primeiraexperiência, de fato, com a música aconteceuaos 14 anos, num coral, no qual permaneceuaté os 17. Ela fazia parte também de um grupo deimproviso que promovia esquetes e performancespela ci<strong>da</strong>de.Passou a estu<strong>da</strong>r canto lírico e por algum tempoacreditou que esse poderia ser um bom caminhoa seguir. “São Lourenço é uma ci<strong>da</strong>de muito pequena,tem, no máximo, 60 mil habitantes. Quandoeu morava lá, só existia a facul<strong>da</strong>de de administração,então comecei a fazer aulas de canto líricoe também de italiano, para entender o que eucantava”, relembra. “Uma hora pensei: ‘Nossa, issoque estou fazendo é surreal; preciso de algo maisprático, como uma facul<strong>da</strong>de’. Foi aí que me mudeipara São Paulo e comecei a estu<strong>da</strong>r multimeios naPUC, em 2000.” Na universi<strong>da</strong>de, <strong>Tulipa</strong> conheceuos músicos Tatá Aeroplano e Dudu Tsu<strong>da</strong>, que setornariam grandes amigos seus. Com Tsu<strong>da</strong> crioua ban<strong>da</strong> Tugudugune, que se apresentava emfestinhas e bares. Durante esse tempo, trabalhoutambém como arte-educadora e ilustradora. “Nessaépoca eu costumava fazer a arte dos flyers dosshows e <strong>da</strong>s festas dos meus amigos”, conta.TAL PAI, TAL FILHAGrande parte <strong>da</strong> bagagem e do conhecimentomusical de <strong>Tulipa</strong> vem de seu pai, Luiz Chagas,guitarrista, compositor e jornalista que tocou, entretantos outros, com Itamar Assumpção na ban<strong>da</strong>Isca de Polícia. “Tinha essa coisa de ele tocarcom o Itamar e ser crítico de música em São Paulo”,fala <strong>Tulipa</strong>. “Meu pai sempre man<strong>da</strong>va discospara nós e cobria as ban<strong>da</strong>s que eu mais gostavaquando adolescente. Uma vez ele me ligou dizendoque ia entrevistar o Slash [guitarrista dosGuns N’ Roses]. Eu fiquei enlouqueci<strong>da</strong>!”Chagas atualizava <strong>Tulipa</strong>, que cresceu ouvindodiscos frescos, além, é claro, de ter acesso ao ricoacervo que ele mantinha – recheado de clássicosdo tropicalismo, do Clube <strong>da</strong> Esquina, entre tantosoutros – e que acabou indo para São Lourençocom a cantora. “Hoje em dia ele toca com agente. É engraçado quando me perguntam <strong>da</strong>nova geração, porque tem gente de to<strong>da</strong>s as i<strong>da</strong>destocando comigo. A ban<strong>da</strong> tem essa característicaatemporal. Mas eu diria que meu pai é ocara mais jovem de todos. Sempre atento às novi<strong>da</strong>des,antenado. É uma influência para mim epara todos os meus amigos. Um cara que transitano recorte <strong>da</strong> cena musical paulistana.”OK, SOU <strong>CANTORA</strong><strong>Tulipa</strong> sempre deu canjas em apresentações deamigos e frequentou os palcos de artistas comoJunio Barreto e Ortinho em casas de shows quesurgiam junto à cena musical que se formava nacapital paulista. Participou ain<strong>da</strong> <strong>da</strong> ban<strong>da</strong> NaRo<strong>da</strong>, com músicos do Teatro Oficina, de discosdo Cérebro Eletrônico, Dona Zica e Nhocuné Soule de shows de seu pai, como backing vocal. Desdeentão, foram vários projetos até se consoli<strong>da</strong>rcomo cantora e compositora. Com outros amigostambém criou a ban<strong>da</strong> Doutor Arnaldo paraquatro apresentações na Vila Ma<strong>da</strong>lena, em SãoPaulo, cuja proposta era bem performática. “Combineicom a Fernan<strong>da</strong> [Couto – atual assessora decomunicação <strong>da</strong> artista] que quem não estivessecantando teria de fazer tricô com guizos”, relembrarindo. “Nessa época eu ain<strong>da</strong> não me via comocantora”, enfatiza.Por influência do cantor e amigo Thiago Pethit,finalmente <strong>Tulipa</strong> criou um perfil no MySpace[myspace.com/tuliparuiz], site utilizado por artistas,sobretudo músicos, para divulgar seus trabalhos.“Foi quando falei: ‘Ok, sou cantora’.” Surgiuentão um convite para tocar no Teatro Oficina,uma oportuni<strong>da</strong>de de testar suas músicas, assimcomo no projeto Prata <strong>da</strong> Casa, do Sesc, e na casanoturna Grazie a Dio. “Quando chegou janeiro de2010 eu tinha de gravar. O Gustavo [Ruiz] haviafechado uma <strong>da</strong>ta no Auditório Ibirapuera parao lançamento do disco, mas ele nem sequer existia.Nós só tínhamos o repertório, mas chegamosà YB Music e fechamos a gravação”, conta. Resultado:gravado a toque de caixa, o disco ficoupronto a tempo, e, no dia <strong>da</strong> estreia, 150 pessoasficaram para fora do show.
AMADURECIMENTODois anos após Efêmera, <strong>Tulipa</strong> Ruiz lança TudoTanto, no qual assina, sozinha ou com parceiros, to<strong>da</strong>sas 11 faixas. A produção é de Gustavo Ruiz e osarranjos de cor<strong>da</strong>s e sopros são de Jacques Mathias.O trabalho foi selecionado no edital Natura Musicale tem apresentações confirma<strong>da</strong>s em Salvador, noTeatro Castro Alves; em São Paulo, no Auditório Ibirapuera;no Rio de Janeiro, no Circo Voador; e emCuritiba, no Sesc <strong>da</strong> Esquina.O PALCO É O MEU LUGAR. QUALQUER MICROFONIA,RESPIRAÇÃO ERRADA, QUALQUER DESAFINADA PODESER LINGUAGEM, PODE TRABALHAR A MEU FAVOR.”Nesse novo disco, a cantora está ain<strong>da</strong> mais vigorosae à vontade. <strong>Tulipa</strong> explora novos caminhosde sua extensão vocal, experimentados eaperfeiçoados no palco durante o intervalo entreos dois trabalhos. “Desta vez fizemos o caminhocontrário. Antes de gravar Efêmera, havíamosfeito uma série de shows. Com o Tudo Tanto,primeiro gravamos para depois pensar no palco.Estou mais à vontade, pois aconteceu justamenteo que me disseram: fazer o segundo disco émuito mais divertido que o primeiro, já que nãohá mais aquela tensão do lançamento. Eu guardeiesse conselho e isso me apaziguou”, explica.<strong>Tulipa</strong> conta que, mesmo tendo amadurecido asmúsicas em shows, o período de gravação de Efêmerafoi muito curto. “A gente se apresentou comformações diferentes e ca<strong>da</strong> músico contribuiu deum jeito. Saiu até uma crítica dizendo que eu fiz umdisco diferente do show. Fiquei com isso na cabeçae foi aí que percebi que gravar um disco é como fazeruma fotografia <strong>da</strong> música. Depois que você fotografa,coisas acontecem, outros músicos chegam,é algo que está constantemente em processo.”O amadurecimento <strong>da</strong> cantora é facilmente perceptívelno novo trabalho. Sua voz navega comsegurança tanto em tons mais graves quanto emagudos extremos, desenhando melodias sinuosas.No entanto, em termos de texto e temática,as composições não abandonaram o humor ea irreverência <strong>da</strong> produção anterior. “No TudoTanto eu cheguei despreocupa<strong>da</strong>. Fui fazendoas músicas, sem saber ain<strong>da</strong> o nome do disco, fuisentindo tudo aos poucos; tive muito tempo paragravar voz e isso foi muito gostoso. O anterior foimuito rápido. Palco é uma coisa, estúdio é outra,e antes, para mim, era muito difícil gravar voz”,confessa. “Não sei se vou dizer isso <strong>da</strong>qui a 20anos, mas o palco é o meu lugar. Qualquer microfonia,respiração erra<strong>da</strong>, qualquer desafina<strong>da</strong>pode ser linguagem, pode trabalhar a meu favor.No estúdio não; é como se fosse um zoom nasua voz. Então qualquer respiração é diferente. Écomo se enxergássemos os nossos poros. Eu demoreia começar a curtir isso. Nesse disco fiqueimais relaxa<strong>da</strong>, desfrutei mais do processo.”O trabalho atual, segundo a cantora, é consequênciado que aconteceu com o anterior. “Acredito queas pessoas esperam escutar coisas novas, diferentes.Se eu fizesse o Efêmera 2 ia ser mais do mesmo.Nós não vemos a hora de começar a tocar asmúsicas novas e ver o que acontece.” O disco incluitambém uma parceria com Criolo e participaçãode Lulu Santos, São Paulo Underground, DanielGanjaman, Kassin, Rafael Castro, entre outros.LULU NO MEU NOVO DISCO?<strong>Tulipa</strong> e Gustavo Ruiz tinham como missão criaruma música para o novo trabalho, durante umcafé, antes de chegar ao ensaio. “Levamos umgravador, ficamos assoviando um tema, chegamose perguntamos para a ban<strong>da</strong> o que achavam”,conta. “A música rolou legal, ensaiamosa tarde inteira só com a melodia. A ban<strong>da</strong> fezum intervalo para tomar um café e prometi que,quando eles voltassem, eu teria uma letra.”Quando começaram a ensaiar a música completa,perceberam que ela se parecia muito com asbala<strong>da</strong>s de Lulu Santos e decidiram fazer o convite.“Eu o conheci durante um show que fiz emSalvador. Rolava uma empatia. Depois fui vê-loem São Paulo e trocamos uma ideia. É impressionantecomo to<strong>da</strong>s as músicas que ouvi ali faziamparte <strong>da</strong> minha linha do tempo afetiva”, diz.“É uma ideia que existe na cabeça e não tem amenor pretensão de acontecer”, cantarola. “Isso élindo! Esse show mexeu muito comigo.”Após o encontro com Lulu, <strong>Tulipa</strong> arrumou oe-mail do cantor e escreveu para ele com o assunto:Lulu no meu novo disco?. “Passou um diae ele respondeu: boa pergunta! E se prontificou agravar, amarradão. O processo foi muito legal, amelodia chegou nele.” No final, a música foi batiza<strong>da</strong>de “Dois Cafés”, justamente por ter sidocomposta no intervalo entre um café e outro.Quanto à carreira internacional, <strong>Tulipa</strong> considerauma grande responsabili<strong>da</strong>de levar nossa músicapara fora do país, já que existe uma pressão por parte<strong>da</strong>s pessoas e <strong>da</strong> imprensa em saber tudo sobre oBrasil. A cantora, que já se apresentou nos EstadosUnidos, na Europa, na Argentina e na Colômbia,para citar alguns, conta que os artistas brasileirosviraram uma espécie de pequenos embaixadores.“Temos de explicar o que é samba, o que é bossanova, quem é Tom Jobim, até finalmente perguntaremsobre o que estamos fazendo no momento.Mas, ao mesmo tempo, é interessante a formacomo a música transcende o idioma”, conclui.CONTINUUM18 19