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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e PesquisaLato Sensu em Relações Internacionais eDiplomáticas da América do SulPOLÍTICA DE PODER NO CONE SUL: A CRISE DASPAPELARIAS A ENTRE ARGENTINA E URUGUAI (2005-2010)Autor: <strong>Marcio</strong> <strong>Rodrigo</strong> <strong>Penna</strong> <strong>Borges</strong> <strong>Nunes</strong> <strong>Cambraia</strong>Orientador: Msc. Creomar Lima Carvalho de SouzaBrasília - DF20101


POLÍTICA DE PODER NO CONE SUL: A CRISE DAS PAPELERAS ENTREARGENTINA E URUGUAI (2005-2010)“Quando indivíduos têm aversão a Bismarck por causa de seurealismo, o que realmente lhes desagrada é a realidade”.– Martin Wight, A Política do Poder.IntroduçãoO objetivo do presente artigo é analisar a tensão política entre Argentina e Uruguaisurgida em 2005 por ocasião do anúncio, pelo governo uruguaio, da instalação de fábricasde celulose estrangeiras em seu território. A construção de usinas nas margens do rioUruguai levou a reações por parte de sociedade e governo argentinos e a uma escalada detensão entre os dois Estados-parte do Mercado Comum do Sul (Mercosul). O caso ficouconhecido como a crise das papeleras.O trabalho divide-se em cinco partes, além da introdução e da conclusão. Naprimeira, far-se-á breve referencial teórico, que irá permear o restante do trabalho. Asegunda parte contém esboço da história do Mercado Comum do Sul (Mercosul), principalmecanismo de integração regional no seio do qual surge a desavença diplomática. Oterceiro item explica o motivo pelo qual o maior investimento privado da história doUruguai torna-se crise sem precedentes e aborda a escalada de tensão entre Argentina eUruguai explicada em termos de política de poder. A quarta parte trata da omissão do Brasildurante a crise e das implicações dessa atitude para seu papel como potência regional. Aquinta destina-se ao estudo do impacto de um conflito dessa magnitude no processo deintegração regional sul-americano, com especial ênfase nas limitações do Mercosul.Trata-se de estudo de caso (case study) em que utilizamos o método indutivo 1 elançamos mão de autores da escola realista de relações internacionais, como Hans J.Morgenthau e Martin Wight, para embasar as afirmações e conclusões alcançadas. Aanálise dos fatos apóia-se, ainda, em matérias de jornais e revistas.1 Segundo Othon M. Garcia (1998, p. 296), “Pela indução, partimos da observação e análise dos fatos,concretos, específicos, para chegarmos à conclusão, i.e. à norma, regra, lei, princípio, quer dizer, àgeneralização.”3


1. A política de poder: breve referencial teóricoEntende-se por política de poder “a política de força, ou seja, a condução derelações internacionais por intermédio da força ou da ameaça do uso da força, semconsiderações pelo direito ou pela justiça.” (WIGHT, 1985: 20). Ao longo do artigo, o casodas papeleras irá demonstrar que, enquanto regimes 2 são criados para constranger osEstados a seguirem padrões previsíveis de conduta, a política de poder também constrangeos próprios regimes, que se tornam ineficientes caso um ou mais de seus Estados-membrosse recuse veementemente a seguir suas regras ou mesmo a acionar os mecanismos nelecontidos.De acordo com a escola realista de relações internacionais, o sistema de Estadosainda é anárquico, Estados ainda são os atores centrais e as grandes potências aindadominam o cenário internacional. 3 Uma das condições do sistema de Estados moderno é aexistência de unidades políticas independentes que não reconhecem superior político e quese consideram soberanas.(WIGHT, 1985: 15). A crise diplomática entre Argentina eUruguai, analisada a seguir, irá ilustrar como, na ausência de autoridade superior ou de umgoverno mundial, os Estados podem recorrer à coerção utilizando-se de maior poder frentea outro Estado para promover seus interesses na luta pelo poder.2 Adota-se, aqui, a definição de regime como um arranjo de regras, expectativas e preceitos entre atores nasRelações Internacionais, que gera a percepção entre seus membros da necessidade de cooperação baseada nareciprocidade. Dictionary of International Relations. Penguin. p. 465-467. Tradução e adaptação do autor.3 Dictionary of International Relations. Penguin. p. 465-467. Tradução livre.4


2. Histórico do MercosulO Mercosul, bloco regional sul-americano, nasceu em 1991 com a assinatura doTratado de Assunção 4 por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Os signatários tinhamcomo objetivo pôr termo a rivalidades históricas, fortalecer suas economias e melhorar suainserção internacional. Do ponto de vista comercial, negociar de maneira conjunta, e nãoindividual, possibilita aumentar o poder de barganha dos países membros frente a atorespoderosos como os Estados Unidos ou a União Europeia. O agrupamento dos Estadospermite a eles maior mobilidade e exeqüibilidade na gestão de seus interesses (CERVO,2008: 154).Durante os anos de 1990 o Mercosul institucionalizou-se e ganhou densidade.. Em1991, seus membros assinaram o Protocolo de Brasília que estabeleceu sistema de soluçãode controvérsias. Mais tarde, em 1994, o Protocolo de Ouro Preto conferiu ao organismopersonalidade jurídica internacional e ampliou sua estrutura interna. Ao Conselho doMercado Comum (CMC) e ao Grupo Mercado Comum (GMC), órgãos superiores decondução política e de execução, respectivamente, somaram-se outras instâncias, como aComissão de Comércio do Mercosul (CCM), a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) euma secretaria administrativa com sede em Montevidéu.O Mercosul fortaleceu-se politicamente em 1998, quando os Estados membros assinaram,conjuntamente com Bolívia e Chile, o Protocolo de Ushuaia sobre o CompromissoDemocrático, que ficou conhecido como a cláusula democrática do Mercosul. Nessedocumento os países signatários reconheceram a vigência das instituições democráticascomo condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração, e que todaalteração da ordem democrática representava obstáculo inaceitável. 5 O adensamento dasinstituições políticas do Mercosul foi acompanhada de fase de expansão comercial desdesua criação. O comércio intrazona multiplicou-se por cinco (CERVO, 2008: 163).4 Os tratados, protocolos e demais instrumentos normativos do Mercosul citados neste artigo encontram-sedisponíveis em:Acesso em: 3 dez. 2010.5 Disponível em:Acesso em: 5 nov. 2010.5


3. A crise das papeleras e a escalada de tensão entre Argentina e Uruguai.Em que pese o novo contexto de crescimento econômico regional, uma crisediplomática deflagrada entre Argentina e Uruguai a partir de 2005 expôs os limites e ascontradições internas do Mercosul. A chamada crise das papeleras teve início com oanúncio pelo governo uruguaio da instalação de indústrias de celulose na cidade de FrayBentos, às margens do rio Uruguai. A empresa finlandesa Botnia obteve a autorizaçãoambiental para a construção das usinas em 2005. Seria o maior investimento privado dahistória desse país, calculado em cerca de 1,8 bilhão de dólares (VIEIRA; ARAÚJO, 2007:3).Do outro lado do rio, na cidade argentina de Gualeguaychú e proximidades,moradores e grupos ambientalistas, incitados pelo poder público, retaliaram com protestos ebloqueios à ponte internacional San Martín, que une a Argentina ao Uruguai. A alegaçãoera de que as papeleras causariam danos ambientais irreversíveis além de prejuízoseconômicos aos argentinos. O governo da Argentina, por meio do governador de Entre-Ríos e de seu chanceler, incitou os bloqueios, argumentando que os uruguaios teriamviolado o Tratado do rio Uruguai (1975). 7Num primeiro momento, Argentina e Uruguai buscaram chegar a um acordo pormeio da Comissão Administradora do Rio Uruguai (CARU), e, depois, por meio do GrupoTécnico Binacional de Alto Nível (GTAN), comissão bilateral criada pelos PresidentesNestor Kirchner (Argentina) e Tabaré Vázquez (Uruguai) para a avaliação dos possíveisimpactos ambientais das fábricas de celulose. Em 2006, no entanto, o impasse nasnegociações e a intensificação dos protestos do lado argentino instalaram crise diplomáticasem precedentes na história do Mercosul.A crise das papeleras criou situação de tensão e de soma-zero 8 entre os doisvizinhos. Soma-zero é um termo derivado da teoria dos jogos e equivale a uma situação decompetição em que matematicamente as perdas de um jogador equivalem exatamente aos7 Esse tratado foi assinado com o intuito de regulamentar a administração bilateral do rio.8 Oxford Concise Dictionary of Politics. 2003: Oxford University Press. P. 582 e Dictionary of InternationalRelations. Penguin. p. 589. Tradução livre.7


ganhos de outro jogador, e a soma final sempre será zero. Nas relações internacionais,normalmente refere-se a uma situação de conflito absoluto entre dois atores, normalmentedois Estados. Durante a Guerra Fria o termo foi utilizado para descrever a relação entre asduas superpotências, Estados Unidos e União Soviética.No conflito do Cone Sul, nenhum lado quis aparecer cedendo ao outro. 9 Se aArgentina cedesse o Uruguai se beneficiaria, e vice-versa. A perda de um equivaleria aobenefício do outro, tanto internamente quanto externamente. Do ponto de vista doméstico,a vitória no conflito serviria para distrair a atenção de problemas econômicos e políticosnacionais. Já uma derrota teria o efeito inverso, podendo aumentar ainda mais odescontentamento e dificultar a governabilidade. Do ponto de vista internacional, osEstados não podem aparecer como perdedores em um embate sob pena de perderemprestígio perante as demais nações.Diante do impasse diplomático, a Argentina recorreu a uma instância externa aobloco, qual seja, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), na Haia. Em julho de 2006, a CIJnegou, entretanto, a solicitação argentina por medida cautelar que suspendesse a construçãodas usinas de celulose. 10 O Uruguai, por sua vez, ativou o regime de solução decontrovérsias do Mercosul.A construção das plantas de celulose em Fray Bentos gerou protestos, boicotes ebloqueios do lado argentino do rio Uruguai e causou ruptura na tradicionalmente pacíficarelação entre os dois países sul-americanos. A tensão bilateral exacerbou-se quando BuenosAires recusou-se impedir os bloqueios das pontes, considerados pelo Uruguai uma violaçãodas normas do Mercosul.(THE ECONOMIST, 2009)O Estado argentino nada fez para impedir os bloqueios às pontes internacionais, ealguns de seus mandatários demonstraram apoio aos atos ilegais. Jorge Busti, governadorda província argentina de Entre-Ríos, declarou seu apoio aos protestos. O ministro derelações exteriores Rafael Bielsa foi encontrar-se pessoalmente com a população deGualeguaychú. É possivelmente o motivo da omissão no caso tenha sido o fato de oincidente desviar a atenção da mídia e da população de assuntos internos, já que o paísainda se recuperava, em 2005-2006, de grave crise econômica e política iniciada no início9 La Nación. Nadie cede en la crisis por las papeleras.10A petição argentina foi derrubada por 14 votos a um, sendo que o único voto favorável foi emitido por juizargentino.8


dessa década. Segundo documento oficial do governo argentino, essa crise não teveprecedentes na história contemporânea daquele país. 11A Argentina aproveitou-se de seu maior poder 12 em relação ao Uruguai para tentarintimida-lo a reverter a construção das fábricas de celulose. O conceito de poder, segundoMorgenthau (2003, p.51), consiste no controle do homem sobre as mentes e ações de outroshomens. Em relações internacionais, relações de poder ocorrem quando o ator A supera aresistência do ator B, garantindo a complacência deste último. Isso pode ser feito viacoação (agressão ou ameaça de agressão) ou incentivos. Há que se lembrar que o poder nãodeve ser tratado de forma absolta, e sim de maneira relativa. Nas palavras de Morgenthau(2003, p 301):Quando nos referimos ao poder de uma nação, dizendo que essa nação é muitopoderosa enquanto outra é fraca, estamos implicitamente fazendo umacomparação. Ou seja, o conceito de poder é sempre algo relativo. (...) Constituium dos mais elementares e freqüentes equívocos no campo da políticainternacional esquecer este caráter relativo do poder e lidar com o poder de umanação como se se tratasse de algo absoluto.No caso sob análise, o governo argentino optou por permitir e incentivar bloqueiosque acabaram por prejudicar a economia uruguaia, ao cortar importantes fluxos de turismoe de comércio para esse país. O Uruguai não detinha, assim como ainda não detém,instrumentos de poder que pudessem reverter a situação imediatamente frente a uma naçãomuito mais poderosa como a Argentina. Dessa forma, uma vez constatado o fracasso dadiplomacia, viu-se obrigado a recorrer ao Mercosul, acionando o sistema regional desolução de controvérsias.Os governantes argentinos incentivaram suas populações locais para queincorressem em arbitrários bloqueios de pontes internacionais ligando as cidades deGualeguaychú e Fray Bentos e Colón e Paysandú. Essa atitude gerou profundos prejuízos à11“Argentina ha vivido una crisis política, financiera, económica y social de dimensiones nunca antesexperimentadas en su historia contemporánea, como consecuencia de un conjunto de factores que hicieron asu economía altamente vulnerable a cambios en el entorno económico internacional y a su propia dinámicainterna (...)A fines de 2002, Argentina había acumulado en cuatro años una caída del 20% del ProductoInterno Bruto (PIB), dejando a más de la mitad de la población bajo la línea de pobreza.” (ARGENTINA,2011).12 O PIB argentino é dez vezes maior que o da Uruguai (FMI, 2010). Seu exército é o 33º mais poderoso domundo segundo o site www.globalfirepower.com (GLOBAL FIRE POWER, 2010), enquanto o do Uruguaisequer aparece no ranking.9


economia uruguaia, sustentada em boa parte pelo fluxo de turistas que atravessam essaponte, como aponta Deisy Ventura (2006, p.16):(...) a população de Entre Ríos radicalizou-se no extremo oposto: incentivadapelo governo provincial, merecedora da indulgência do governo nacional ereunida em “assembléias ambientais”, promoveu sucessivas obstruções aotráfego, não apenas entre Fray Bentos e Gualeguaychú, mas também entre Colóna Paysandú. Conseguiu impedir, assim, a entrada de turistas argentinos noUruguai.Essas obstruções eram ilegais de acordo com o Tratado de Assunção, mas foramlevadas adiante sem que o Estado argentino tomasse qualquer atitude para impedi-las. AArgentina ignorou as instituições do Mercosul e buscou impor sua vontade ao tratar dacrise, preferindo tratar a questão de forma bilateral e não regional.A Argentina descartou o regime regional como meio de solucionar a crise, o quegerou sensação de esvaziamento do Mercosul, foro natural para dirimir o conflito. Issocorrespondeu a uma estratégia deliberada argentina, acobertada pelo Brasil.(VENTURA,2006: 18). Tratar o assunto de forma bilateral convinha à Argentina, dado seu maior poderrelativo frente ao Uruguai.A apreciação do caso pela CIJ e pelo tribunal ad hoc estabelecido no âmbito doProtocolo de Olivos não impediu danos imediatos e irreparáveis à economia uruguaia.. Asperdas para o Uruguai foram estimadas em aproximadamente 50% da arrecadação deimpostos; US$ 6 milhões no setor de transporte; ao menos, US$ 13 milhões na importaçãode produtos argentinos; e 50% no setor de turismo, somente durante o verão de 2006-07(VENTURA, 2006: 16). Como conseqüência de atitude negligente e condizente do Estadoargentino para com os bloqueios, o Uruguai sofreu impactos econômicos irreversíveis nocurto prazo.Como mencionado acima, a Corte Internacional de Justiça emitiu laudo favorável àconstrução das usinas, derrubando o pedido de medida cautelar pela Argentina. Apesar davitória uruguaia na Haia, os protestos e os bloqueios argentinos prosseguiram, e o poderpúblico nada fez para impedi-los. 13O Uruguai, por sua vez, acionou o regime mercosulino de resolução de desavençasentre os sócios. O governo uruguaio provocou tribunal de arbitragem ad hoc, previsto no13 The Economist. Pulp friction.10


Protocolo de Olivos, para fazer frente aos bloqueios argentinos. A decisão de se ampararem regime sul-americano corresponde a estratégia de auto-defesa do Uruguai. Dado o seureduzido poder frente aos argentinos, percebeu-se que seria mais vantajoso levar ocontencioso para o campo multilateral do que mantê-lo na âmbito bilateral.Nesse momento, os uruguaios reforçaram o discurso pró-Mercosul, como forma deangariar apoio dos países do bloco. O subsecretário de meio ambiente do Uruguai, JaimeIgorra, declarou que a intenção de levar o caso ao Mercosul era reflexo do compromisso deseu país com a região e com o organismo regional. 14 Indiretamente, constituía apelo aoBrasil para que, na condição de potência regional , encontrasse uma solução para a tensãoentre os dois vizinhos.Montevidéu buscou amparo em regime internacional regional em função de seumenor poder em relação à Argentina. Estados com menos poder tendem a recorrer aregimes multilaterais para fortalecer sua posição no sistema internacional.Trata-se deatitude de auto-ajuda (self-help): para a corrente realista de relações internacionais, a autoajudaé elemento endêmico à estrutura anárquica do sistema de Estados. 15 Dado que osEstados são independentes e não há governo mundial, devem se defender e, para isso,recorrem à auto-defesa, a mecanismos de segurança coletiva e/ou a regimes multilaterais(regionais ou internacionais). A história diplomática brasileira confirma essa constatação.Tradicionalmente, o Brasil deu ênfase ao pacifismo e ao multilateralismo em sua políticaexterna como forma de compensar sua deficiência em termos de poder frente aos demaisEstados no sistema internacional. A presença em órgãos multilaterais, por exemplo, denotanão somente a importância atribuída à negociação multilateral, mas também “a necessidadede reforçar o minguado poder de que desfruta o país no cenário internacional” (CERVO,2008: p 114).Diplomacia, instâncias multilaterais e mesmo regimes internacionais são, em muitoscasos, ineficientes para resolver crises entre dois Estados. Os Estados criam regimes,vinculam-se a eles juridicamente (abrindo mão, por meio de tratados e acordos, de parcelasde soberania), mas, na prática, com freqüência ignoram as regras às quais eles mesmosaderiram em favor do interesse nacional ou do prestígio internacional. Na visão de14 La Nación. Tabaré busca una solución regional.15 Dictionary of International Relations. Penguin. p. 499. Tradução livre.11


Morgenthau (2003, p. 163), “Sejam quais forem os objetivos finais da política externa deuma nação, o seu prestígio - a saber, a sua reputação de dispor de poder - constitui sempreum fator importante, e por vezes decisivo, na determinação do sucesso ou da falência desua política externa. Portanto, uma política de prestígio constitui um elementoindispensável em uma política exterior que se queira racional.” No caso em tela,entendemos que a Argentina percebeu como inaceitável o fato de um país vizinho muitomenor, e não ela, ter sido escolhido por uma multinacional para receber volumososinvestimentos que impulsionariam a economia local e gerariam empregos. Dessa forma, aopção por boicotar pontos no plano interno corresponde, no plano externo, a uma políticade prestígio, conquanto não declarada.Não se trata apenas de política de prestígio como um fim em si mesmo e sim comoinstrumento para a obtenção de resultados concretos, quais sejam: evitar a implantação dasusinas de papel em solo uruguaio, impor sua vontade ao vizinho e, no plano interno,possivelmente desviar a atenção de questões políticas delicadas e de problemaseconômicos. Note-se que a economia Argentina ainda se recuperava de uma crisefinanceira sem precedentes no início dos anos 2000.A política de prestígio encampada pela Argentina teve o intuito de evitar anecessidade de empregar recursos concretos de poder, como, por exemplo, o uso força.Ainda nas palavras de Morgenthau (2003: 164), “Uma política de prestígio alcança o seuverdadeiro triunfo quando consegue assegurar ã nação que a pratica uma tal reputação depoderio, que esta se sente dispensada de recorrer ao emprego concreto do instrumento depoder.”O caso das papeleras entre Argentina e Uruguai demonstrou que a existência demecanismo regional de solução de controvérsias, no seio de um bloco integracionista, nãofoi capaz de deter a escalada da tensão diplomática e a disputa de poder entre dois vizinhos.Isso demonstra que regimes não são capazes, ainda, de constranger os Estados em todas asocasiões. Disputas por poder ainda existem. Nesse sentido, a política internacional nãopode ser reduzida a regras e instituições legais”(MORGENTHAU, 2003: 31). A Argentinaoptou por ignorar o regime de Olivos porquanto calculou que teria mais chance de vencer adisputa se ela se desse de forma isolada, entre dois Estados soberanos, sem interferência doBrasil, do Mercosul ou de qualquer sistema de regras (mesmo que tenha subscrito a elas).12


A opção argentina gerou fortes críticas uruguaias ao atual modelo de integração, emespecial ao desrespeito às normas vigentes e em particular aos laudos arbitrais. De acordocom Seitenfus (2007: 3), o Uruguai queixa-se de que(...) a inobservância dos mecanismos de arbitragem e solução de controvérsiascolocam em xeque o edifício institucional do bloco, fragilizando-o econduzindo-o à “beira do desmoronamento”. Ao constatar o desrespeito asnormas livremente acordadas entre os sócios, o Uruguai não somente se autodefendemas também acusa os parceiros, mormente os que dispõem de amplosmercados e que deveriam desempenhar uma liderança natural do processo, deserem, de fato, os principais entraves ao funcionamento institucional doMERCOSUL.A afirmação supracitada demonstra que na sociedade internacional existemelementos antagônicos que convivem em um mesmo sistema. Ao mesmo tempo em queexiste a cooperação e a formação de um arcabouço de regras e normas no seio do Mercosul,dois de seus membros, que possuem histórico de cordialidade, envolveram-se em gravedisputa diplomática. Hedley Bull (2002: 51) propõe a tese de que(...) os elementos de uma sociedade sempre estiverarn presentes, e continuampresentes no sistema internacional moderno embora, por vezes, esteja presentesó um desses elementos e de sobrevivência precária. Com efeito, o sistemainternacional moderno reflete todos os três elementos singularizadosrespectivamente pela tradição hobbesiana, kantiana e grociana: a guerra e adisputa pelo poder entre os estados, o conflito e a solidariedade transnacionais,superando as fronteiras dos estados, e a cooperação e o intercâmbio reguladoentre os estados. Em diferentes fases históricas do sistema de estados, emdistintos teatros geográficos do seu funcionamento, e nas políticas adotadas pordiferentes estados e estadistas um desses três elementos pode predominar sobreos outros.Não há como negar que a disputa pelo poder entre os Estados é elementoconstitutivo da sociedade internacional, por vezes se sobrepondo ao elemento decooperação, por vezes sendo superposto por este último. Amiúde, tem-se a impressão deque o componente de conflito encontra-se dormente; ou de que está sendo suplantado,gradativamente, pela cooperação e pela integração. Isso talvez seja reflexo da crescenteimportância atribuída ao direito internacional como elemento de regulação e deconstrangimento dos mais fortes nas relações entre os Estados. Não obstante, a desavençaque surgiu entre Argentina e Uruguai trouxe à tona a dúvida sobre qual direitointernacional deve-se aplicar em cada caso (por exemplo, se as regras da Haia ou de13


Olivos) e demonstrou que o direito pode ser insuficiente para conter conflitos que podemretardar, se não pôr a perder, o adensamento da cooperação entre dois vizinhos.14


4. Atitude brasileira perante a criseOs formuladores da política externa brasileira durante o governo de FernandoCollor de Mello (1990-1992) buscavam, com a criação do Mercosul, a melhor inserçãointernacional do Brasil, no marco da liberalização econômica que estava sendo levada acabo no país. O governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) deu continuidade àpolítica de projeção internacional, buscando posicionar o Brasil como potência regional.Sua preponderância no Cone Sul propiciaria prestígio e poder, e permitiria ao país fazerfrente aos Estados Unidos e a suas iniciativas hemisféricas, como a Área de LivreComércio das Américas (ALCA). Por último, a política externa de Luiz Inácio Lula daSilva (2003-2010) procurou, de forma pragmática, ascender a posição brasileira nahierarquia de poder mundial, o que dependia, também, de plataforma regional quesustentasse essa projeção (BERNAL-MEZA, 2008: 160).O Brasil demonstrou, desde os primórdios do Mercosul, preocupação em não perdersoberania durante o processo de aproximação com seus vizinhos sul-americanos. O paísdeu impulso à criação do Mercosul, nos anos 1990, porém sem esforço em criar instituiçõescomunitárias que significassem perda de autonomia decisória. Nesse sentido, afima Bernal-Meza (2008:157) que(...) la enorme diferencia en las dimensiones geográficas, demográficas y delPBI, puso de relevancia el peso relevante de Brasil, respecto de sus socios, y susesfuerzos por mantener la autonomia de la decisión de políticas nacionalessobre la creación de instituciones comunitárias.O esforço do Brasil em projetar poder internacionalmente e, ao mesmo temporepresenta limite às possibilidades de aprofundamento da integração. Conquanto potênciaregional, não emite sinais de que esteja disposto a abrir mão de parte de seu poder em favorde instituições regionais comunitárias. A atitude brasileira contemporânea tem sido,portanto, pragmática e realista.No caso da desavença diplomática entre Argentina e Uruguai, por ocasião daspapeleras, o distanciamento brasileiro pode ser explicado, em parte, pelo pragmatismo. Opaís não deseja se indispor com seu maior parceiro comercial na região, a Argentina.Benral-Meza (2004, p. 170) afirma que boa parte da academia brasileira em relaçõesinternacionais coincide com setor majoritário do Itamaraty no sentido de que a Argentina é,15


e continuará sendo, o sócio estratégico mais importante na América do Sul, com quem arelação deve ser preservada. Ademais, ainda existe, na percepção argentina, certo temorcom relação à hegemonia brasileira na região. A entrada do Brasil no grupo de sóciosestratégicos da União Européia causou especial apreensão no país vizinho de que adiplomacia brasileira passe a tratar assuntos com outros blocos de forma bi-lateral, semimplicar os demais sócios do Mercosul. O Brasil quer limitar ou pelo menos evitar quecresçam essas percepções, ao não se imiscuir em assuntos que envolvam interessesnacionais argentinos (caso das usinas de celulose) e ao reiterar, no discurso, a importânciaatribuída ao Mercosul e, em particular, à parceria estratégica com a Argentina.Outra parte da explicação para o distanciamento do Brasil no caso das papeleraspode ser buscada na tradição pacifista e de não-intervenção do país. O governo brasileiroadota o paradigma da “cordialidade oficial”, tradicional substrato da diplomacia do paíspara a região sul-americana (CERVO, 2008: 202). A não-intervenção reflete também oreceio da diplomacia brasileira de que, dado seu maior peso em relação aos vizinhos, suasações possam ser interpretadas como ingerência ou mesmo imperialismo (sobretudo naótica de vizinhos menores como Uruguai e Paraguai). No caso das usinas de celulose,entretanto, não se trataria de ingerência em assuntos internos, e sim da tentativa de um líderregional de solucionar um problema regional.O Brasil é potência regional na América do Sul. Liderança regional implica nãosomente maior poder bruto, mas também poder brando, ou soft power: a capacidade demoldar as preferências dos demais, de atrair e seduzir os outros para a sua esfera deinfluência sem a necessidade de usar a coerção ou mesmo oferecer compensaçãoeconômica (NYE, 2004:5-6) Isso requer, em alguns casos, tomar para si a responsabilidadede buscar a solução de conflitos em sua área de influência, convencendo os atoresenvolvidos a agirem na direção que você deseja. O governo brasileiro preferiu omitir-se autilizar seu poder brando no caso das papeleras.O Brasil não tem apresentado projetos de interesse para seus vizinhos, ou seja, nãoestá utilizando de forma eficaz o seu poder brando para liderar o processo de integraçãoregional. Amado Cervo (2008, p.217) cita vários exemplos que ilustram o distanciamentoda liderança brasileira na América do Sul:(...) Hugo Chávez, fazendo valer os recursos do petróleo, toma a dianteira, napercepção de outros governos. Evo Morales nacionaliza o setor de16


hidrocarbonetos e surpreende a Petrobras e outras empresas brasileiras que láinvestem. Nicanor Duarte aproveita para requisitar a revisão de preços daenergia gerada em Itaipu. Tabaré Vázquez sonha com acordo de livre-comércioentre Uruguai e Estados Unidos. Nestor Kirchner, enfim, ironiza a liderançaprocurada, porém vazia do Brasil na região.O Brasil, ao optar por não utilizar seu poder brando e não querer pagar os custos deuma liderança, manteve-se à margem de uma disputa diplomática no coração do Mercosulque poderia ter levado o bloco à ruína. O realismo do poder sob Lula orientou a políticaexterna brasileira nos últimos oito anos no sentido de buscar poder e prestígiointernacionais (busca incessante por um assento permanente no Conselho de Segurança daONU, interlocução direta com a UE etc.), sem pagar os custos econômicos doaprofundamento da integração regional. A utilização do Mercosul, pelo Brasil, meramentecomo plataforma para se tornar global player tem gerado percepções negativas entre seusvizinhos e desilução em relação ao potencial de integração (BERNAL-MEZA, 2008: 173-174).17


5. Limites do MercosulOs processos de integração regional surgem porque os Estados que a eles aderemacreditam que terão mais benefícios políticos e econômicos com a adesão do que secontinuarem isolados. (BERNAL-MEZA, 2008: 154). Porém, no caso do Mercosul, aderira um bloco não significa, para seus membros, ceder soberania em favor de uma instituiçãosupranacional.O Mercosul é um bloco intergovernamental. 16 Suas instituições foram estruturadas,desde 1991, de forma estritamente intergovernamental e sem qualquer tipo de referênciaformal a uma política exterior comum. Não possui instituições supranacionais nos moldesda União Europeia (UE), nem no que tange à política no interior do bloco, nem no que serefere à política externa. O modelo de integração é uma opção política que responde apreocupações dos Estados membros em manter soberania.Os Estados membros do Mercosul são reticentes em abrir mão de poder em favor deuma instituição, de modo a não limitar sua capacidade de ação. Parte da explicação residenas rivalidades históricas que ainda têm efeitos na vida política dessas nações. Essasrivalidades com freqüência têm raízes no nacionalismo e são alimentadas pela autoimagem,pelo temor do outro, pelo culto do passado e do destino próprio, além de fatoresconjunturais. A existência da rivalidade é uma realidade no Mercosul, e tem peso suficientepara retardar ou obstruir o processo de integração. Países sul-americanos tendem a utilizaruma diplomacia de obstrução dos interesses do outro na vizinhança, o que compromete acooperação regional (CERVO, 2008: 154-155).A desavença pelas fábricas de celulose no rio Uruguai expôs uma escalada denacionalismo e desconfiança no Cone Sul, que gerou uma política de obstrução dosinteresses do Uruguai pela Argentina. Consequentemente, o ceticismo acerca do Mercosulaumentou entre os uruguaios, que passaram a ver com bons olhos a possibilidade de umacordo de livre comércio com os Estados Unidos:16 Modelo de Organização Internacional (OI) em que a tomada de decisões é feita por meio da cooperaçãoentre Estados membros, que, no entanto, retêm sua soberania. Diferentemente de organismos supranacionais,em que há delegação formal de autoridade, em organizações intergovernamentais os Estados nãocompartilham o poder com outros atores a tomam decisões por unanimidade. Oxford Concise Dictionary ofPolitics. Tradução livre.18


O embate público, com graves acusações mútuas entre as autoridades nacionais(incluídos até mesmo os Presidentes), fez crescer vertiginosamente umanacrônico nacionalismo - o que deteriorou o frágil sentido de pertencimento dasociedade civil ao Mercosul. Recentes pesquisas de opinião revelam que 58%dos uruguaios apóiam a assinatura de um tratado de livre comércio com osEstados Unidos, enquanto 46% acreditam que o Uruguai deve abandonar oMercosul. Assim, se o dano ao comércio pode ser medido, o dano ao futuro seafigura imensurável. (VENTURA, 2006: 18)Nos últimos anos, percebe-se paulatina erosão do sentimento de pertencimentoregional e o retorno de plataformas nacionalistas na América do Sul. A “consciênciaregional” 17 diminuiu, e, com ela, reduziu-se a percepção de que a cooperação éindispensável para a inserção competitiva em um mundo globalizado.Em 2006, a Bolívia nacionalizou a cadeia produtiva de petróleo, comprometendoinvestimentos da brasileira Petrobrás naquele país. O episódio correspondeu à necessidadedo presidente Evo Morales de cumprir promessa eleitoral e obter base de apoio político emseu país. O petróleo era visto como recurso imprescindível ao desenvolvimento da Bolívia.A existência do Mercosul e de acordos internacionais que protegessem osinvestimentos da Petrobrás foi insuficiente para conter o ato soberano de nacionalização dasrefinarias brasileiras pelos bolivianos. Praticamente ao mesmo tempo, iniciaram osprotestos do lado argentino do rio Uruguai devido à implantação de fábricas de celulose nacidade uruguaia de Fray Bentos. O episódio ganhou contornos de crise diplomática erevelou a ineficácia das regras multilaterais em conter a soberania dos Estados. Apredisposição argentina de descartar o Mercosul como foro para negociar uma saída para acrise revela os limites do atual modelo de integração.Os problemas no âmbito do Mercosul são tratados de forma bilateral ou multilateral.Não existem órgãos supranacionais, o que implica menos interdependência e faz com quegovernos nacionais sejam os únicos atores soberanos capazes de dar impulso real aoprocesso de integração. Porém, esses governos instintivamente relutam em ceder parcelasde sua soberania em favor de um objetivo regional comum.Não há, consequentemente, o spillover: delegação e compartilhamento de poder dedecisão no âmbito de um bloco, de forma a aumentar o escopo e o nível decomprometimento mútuo em favor de um projeto de integração. O autor argumenta que oprincipal problema do Mercosul não é déficit democrático, e sim a ausência de adesão às17 HURREL (1994), apud BERNAL-MEZA (2008: 154).19


egras, tornando o Mercosul uma associação com normas que raramente são executadas(MALAMUD, 2008: 130-132). Como apontam Ventura e Miola (2009: 18): “Chama aatenção que sócios em um bloco econômico recorram à [Corte Internacional de Justiça(CIJ)], do outro lado do Oceano Atlântico, para resolver suas contendas.”Ainda sobre a ausência de instituições comunitárias, ressalta Amado Cervo (2008:166) que “O Mercado Comum do Sul, Mercosul, é contraditório em seus termos ao nãocriar instituições comunitárias. Enfraquece a negociação internacional e entre os membrospor recusar limites à soberania dos Estados.”Instituições intergovernamentais como o Mercosul, em que Estados nacionaiscoordenam processos de integração sem ceder soberania, são propensas a sediar disputascomo a que envolveu a Argentina e o Uruguai. Ainda segundo Cervo (2008: 170):Na comemoração dos quinze anos do Mercosul, em 2006, não há festa, em meioa atritos entre Argentina e Uruguai sobre fábricas de celulose nas margens do riofronteiriço, atritos comerciais entre Brasil e Argentina e queixas de Uruguai eParaguai, os quais ameaçam assinar em separado acordos de comércio comterceiros. (...) o bloco chega à encruzilhada: ou promove profundoaperfeiçoamento do ordenamento jurídico e institucional, o que implica certaperda de soberania, ou fica estagnado e pode até retroceder comercialmente.As atuais regras e instituições do Mercosul são insuficientes para conter a política depoder dos Estados membros e os conseqüentes atritos entre eles, tal qual demonstram oscasos acima. No Cone Sul, a raison d`état, em alguns casos, ainda se sobrepõe à raison desystème.20


ConclusãoA crise diplomática deflagrada a partir de 2005 entre Argentina e Uruguai, doisvizinhos e parceiros sul-americanos, expôs os limites do processo de integração no ConeSul, a fragilidade do Mercosul e o distanciamento por parte do Brasil.A contenda sul-americana ilustrou como a Argentina buscou, por meio da incitaçãoaos bloqueios, forçar Montevidéu a rever sua decisão de construir as usinas de celulose.Procurou manter a bilateralidade em todo momento, aproveitando-se de sua superioridadefrente aos uruguaios. Ao mesmo tempo, buscou legitimar sua causa levando a desavença àCorte da Haia com argumentos de violação de regras ambientais. Em nenhum momento aArgentina deixou de projetar poder frente ao Uruguai, para impor sua superioridade no subsistemaregional de poder. O poder, per se, não é necessariamente a finalidade da políticaexterna de um Estado, mas, sim, meio para alcançar outros fins. Dessa feita, a políticainternacional, como toda política, consiste em uma luta pelo poder. Sejam quais forem osfins da política internacional, o poder constitui sempre o objetivo imediato(MORGENTHAU, 2003: 49).O governo argentino promoveu sua política de poder às custas de se indispor comum parceiro de bloco e com um vizinho com quem mantém convivência pacífica hádécadas. Apesar do contexto de integração no bojo do Mercosul, a atitude da Argentinarefletiu a constatação de Martin Wight (1985: 77) de que “No sistema de política do poder,considera-se que o principal dever de cada governo seja o de preservar os interesses dopovo que governa e representa face aos interesses rivais de outros povos”; e de que “(...)seus próprios interesses são sua principal preocupação. Um Ministro do Exterior éescolhido e pago para que cuide dos interesses do seu país, e não para que seja um delegadoda raça humana”. Os governantes do Estado argentino, como ao longo do artigo, adotaramatitude realista, impondo sua vontade frente a um vizinho mais fraco de modo a obterganhos e obstruir interesses desse outro Estado. Embora o processo de integração sulamericana,por meio de organismos como o Mercosul, seja um fato, “(...) o regionalismonão tem como escapar da dura realidade da viabilidade econômica e da lógica fria do podere do interesse.” (HURREL, 2009: 261).21


Em pleno processo de integração, iniciado formalmente em 1991, o estudo de casoilustrou como a política de poder pode superar a cooperação e representar um entrave àconsolidação de regimes internacionais. O episódio demonstrou que, ainda nos dias de hoje,países com mais poder tendem a recorrer à bilateralidade (caso da Argentina), enquantopaíses com menos poder tendem a recorrer a meios regionais para dirimir conflitos, comoforma de auto-ajuda (caso do Uruguai).A sociedade internacional é anárquica (BULL, 2002: 72), porquanto não possuigoverno. A ausência de ordem ditada por instância superior aos Estados leva a que estesnão se sintam constrangidos, em suas ações, por regimes que eles mesmos criaram. Issoocorre, sobretudo, quando interesses maiores estão em jogo. Os Estados, de formainstintiva, buscam aumentar seus recursos de poder, obter ganhos econômicos, e, por vezes,promover ações que desviem a atenção de problemas internos, mesmo às custas de seuvizinho, como foi visto na escalada de tensão entre Argentina e Uruguai em torno daspapeleras. O estudo de caso serve para demonstrar que rivalidades, nacionalismos edisputas de poder entre Estados podem comprometer a cooperação e a construção daconfiança necessárias ao êxito de processos de integração regional.22


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