5cial em relação às “branquitudes”, que estes mesmos pesquisa<strong>do</strong>resrepresentam em seus campos de investigação. Como agente reflexivo,o lugar <strong>do</strong> <strong>negro</strong> na academia brasileira é quase o da absoluta ausênciae negação. Este trabalho inicia então um esforço de reflexão sobre aausência e negação <strong>do</strong> <strong>negro</strong> <strong>no</strong> <strong>meio</strong> <strong>acadêmico</strong>, um esforço de entendere explicar porque as relações são como são e assumem uma devidaforma. 5 Minha voz subalterna fala então não apenas de uma opressãoeconômica e racial, mas também de um passa<strong>do</strong> histórico deinacessibilidade a campos de saber e poder legitima<strong>do</strong>s, da contençãode símbolos e valores <strong>negro</strong>-africa<strong>no</strong>s, da restrição à palavra e da dificuldade<strong>do</strong> uso de categorias e conceitos que traduzam a minha experiênciacomo <strong>intelectual</strong> <strong>negro</strong> na academia brasileira.Reelaboran<strong>do</strong> então a questão título deste trabalho, pergunto: qualo lugar <strong>do</strong> <strong>negro</strong> como objeto e como agente reflexivo na academiabrasileira? Qual papel tem desempenha<strong>do</strong>? Como tem si<strong>do</strong> instaurada asua <strong>legitimação</strong>? O que é ser <strong>negro</strong> <strong>no</strong>s corre<strong>do</strong>res e departamentosmais prestigia<strong>do</strong>s da universidade brasileira? Para responder rigorosamenteestas questões precisaria de muitas páginas, teria que coletar eanalisar depoimentos de raros estudantes universitários <strong>negro</strong>s, teria queempreender uma árdua revisão bibliográfica <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s sobre o <strong>negro</strong><strong>no</strong> Brasil. Distante aqui de uma coisa e outra, recortarei a minha faladiscutin<strong>do</strong> trabalhos importantes de quatro clássicos da Antropologiasobre o Negro <strong>no</strong> Brasil – Nina Rodrigues, Ruth Landes, Édison Carneiroe Thales de Azeve<strong>do</strong>.Estes autores foram escolhi<strong>do</strong>s, primeiro, pela importante contribuiçãoque deram ao desenvolvimento <strong>do</strong> pensamento sobre o <strong>negro</strong> <strong>no</strong>Brasil. Segun<strong>do</strong>, pelo esforço de deslocamento que cada um deles, aomeu ver, prometeram fazer, seja Nina Rodrigues, branco, racista, aristoescrita“que invade o espaço e capitaliza o tempo” à palavra “que não vai longe e que não retém”.Dito de outra maneira, se “a escrita isola o significante da presença, a palavra é o corpo quesignifica, enuncia<strong>do</strong> que não se separa <strong>do</strong> ato social de enunciação nem de uma presença que sedá, se gasta ou se perde na <strong>no</strong>minação” (Certeau, “Et<strong>no</strong>-grafia”, p. 217). Neste procedimento, aescrita produz um “resto”, um excesso et<strong>no</strong>gráfico ouvi<strong>do</strong>, visto, mas não compreendi<strong>do</strong>, quenão se escreve, mas também define aquele et<strong>no</strong>grafa<strong>do</strong>.Joan W Scott, “Experience”, in Judith Butler e Joan W Scott (eds). Feminists Theorize thePolitical (NY, Routledge, 1992), pp. 22-40.284 Afro-Ásia, 25-26 (2001), 281-312
crata, logo após o fim da escravidão, <strong>no</strong>s primórdios das ciências sociais,defenden<strong>do</strong> a necessidade de se transformar o “<strong>negro</strong>” em objetode ciência; seja Ruth Landes lapidan<strong>do</strong> um olhar estrangeiro sobre aquestão racial brasileira; seja Edison Carneiro, <strong>negro</strong> de classe média,realizan<strong>do</strong>, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 30, bastante inconsciente, uma socioantropologiaauto-reflexiva; seja Thales de Azeve<strong>do</strong>, minan<strong>do</strong> a reificação que elepróprio fez da democracia racial brasileira emblematicamentepresentificada <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong>, nas relações sociais de uma Bahia hierárquica,estamental e clientelista da década de 50.Além <strong>do</strong> trabalho destes autores, vou considerar o “drama social” 6que tenho vivi<strong>do</strong> como <strong>do</strong>utoran<strong>do</strong> <strong>no</strong> Programa de Pós-Graduação emAntropologia Social-PPGAS — da Universidade de Brasília (UnB), depoisde uma injusta e mal versada reprovação numa disciplina obrigatóriaministrada pelo professor Dr. Klaas Woortmann, eminente <strong>no</strong>me daAntropologia <strong>do</strong> Parentesco, <strong>no</strong> Brasil. Acomoda<strong>do</strong> ao status de “excelente”que adquiriu ao longo <strong>do</strong>s seus quase 30 a<strong>no</strong>s de existência, esteprograma é um consistente resíduo conserva<strong>do</strong>r <strong>no</strong> Brasil. Resiste adiscutir uma questão tabu na sociedade e na academia brasileira como aquestão racial. Não possui sequer um professor <strong>negro</strong> ou que se apresentecomo tal. Apesar de ser um <strong>do</strong>s seus raros alu<strong>no</strong>s <strong>negro</strong>s, numauniversidade visivelmente branca 7 , o corpo de <strong>do</strong>centes que controla asinstâncias de poder e decisão <strong>do</strong> PPGAS vem tentan<strong>do</strong> sufocar as tensõese os conflitos gera<strong>do</strong>s pela minha presença negra através de umdiscurso universalista e meritocrático. Discurso este, contraditório umavez que referenda o humanismo parcial que, <strong>no</strong> Brasil, favorece o segmentosocial branco. Ou seja, é a condição, a fala e presença brancaque se reatualiza como universal, positiva, neutra e contínua. Enquantoa negra parece só poder se inscrever como tal pela afirmação de umconflito de caráter histórico e político <strong>do</strong> qual sou personagem.67Victor Turner, Schism and Continuity in an African Society. A Study of Ndembu Village Life,Lusaka/New York, Institute for African Studies/University of Manchester, 1972.A propósito <strong>do</strong> alto grau de embranquecimento da UnB, evidente para nós estudantes <strong>negro</strong>sautoconscientes, recentemente a inédita pesquisa “Desigualdades Raciais <strong>no</strong> Ensi<strong>no</strong> Superior”,realizada pela Profa. Delcele M. Queiroz ,<strong>do</strong> Programa A Cor da Bahia, da UFBA, apontouda<strong>do</strong>s impactantes.Afro-Ásia, 25-26 (2001), 281-312 285
- Page 1: A LEGITIMAÇÃO DO INTELECTUAL NEGR
- Page 6 and 7: Construindo o negro como objeto de
- Page 8 and 9: entífica e revoltante a exploraç
- Page 10 and 11: acordou todos, para a presença de
- Page 12 and 13: não fossem aquelas intermediadas p
- Page 14 and 15: do, no decorrer do tempo, de uma po
- Page 16 and 17: Arthur Ramos, um dos principais art
- Page 18 and 19: meu) somente através de alteraçõ
- Page 20 and 21: sentido, escreve Thales de Azevedo
- Page 22 and 23: ca, da expectativa que até mesmo i
- Page 24 and 25: tes de cor isoladamente, em francê
- Page 26 and 27: cipada de si mesmo? Ele provém de
- Page 28 and 29: Minha reprovação gerou uma crise
- Page 30 and 31: discutir métodos de avaliação, d
- Page 32: acismo, e negando, como anti-nacion