Minha reprovação gerou uma crise que transcendeu a sala de aula, oDepartamento de Antropologia e a UnB.Meu “drama” começou <strong>no</strong> primeiro semestre letivo de 1998 quan<strong>do</strong>,recém-aprova<strong>do</strong> <strong>no</strong> PPGAS da UnB, cursei uma disciplina chamada“Organização Social e Parentesco”, ministrada pelo professor Dr. KlaasWoortmann. Trabalhei arduamente neste curso. No final <strong>do</strong> semestre,entretanto, fui sumariamente reprova<strong>do</strong>. Encaminhei pedi<strong>do</strong>s para a revisãode menção final, a três instâncias administrativas da UnB, todaselas indeferiram meu recurso. Finalmente, em 19 de maio de 2000, umaquarta instância, o CEPE-Conselho de Ensi<strong>no</strong> Pesquisa e Extensão —discutiu, pela segunda vez, o processo e reconheceu (22 votos a favor x 4contra) que fui injustamente reprova<strong>do</strong> e me concedeu o crédito devi<strong>do</strong>.É fato que o professor Klaas Woortmann ditou sua disciplina comseriedade professoral. Mas é fato também que neste primeiro semestreletivo fui aprova<strong>do</strong> nas demais disciplinas que cursei com menções SS,equivalente a 10 (dez) numa escala de 0(zero) a 10 (dez). Ainda assim,fui reprova<strong>do</strong> em Organização Social e Parentesco sem ter recebi<strong>do</strong>nenhuma indicação prévia de que meu rendimento durante o curso fosseinsatisfatório. Um outro alu<strong>no</strong> reprova<strong>do</strong> não realizou to<strong>do</strong>s os trabalhosparciais durante o semestre, se ausentou de muitas aulas e já tinhauma reprovação em uma disciplina que cursou em semestre anterior.Como se pode constatar foi muito estranho o comportamento <strong>do</strong> professore obviamente excessivo o rigor que utilizou para julgar um trabalhoresulta<strong>do</strong> de um semestre letivo inteiro de árduo trabalho. Quais motivoso levaram a se comportar assim?O professor Klaas Woortmann não aceitou negociar uma soluçãopara o caso, como por exemplo, melhorar ou refazer o trabalho. Aocontrário, na conversa que tive com ele em sua sala, bastante agressivo,disse-me, na presença de vários colegas, que era “uma nulidade”, quemeu trabalho “era muito ruim mesmo”. Além disso, ao questioná-lo, <strong>no</strong>primeiro pedi<strong>do</strong> de revisão, por que não deu a devida atenção aos meustrabalhos parciais afirmou por escrito que: ”sobre trabalhos medíocresnão há o que comentar”. Por que o professor, numa atitude antiética eantipedagógica, me negou como alu<strong>no</strong> e interlocutor, independentementeda qualidade <strong>do</strong>s meus trabalhos? O professor demonstrou, to<strong>do</strong> o308 Afro-Ásia, 25-26 (2001), 281-312
tempo, sua incoerência e iníqua avaliação. Por exemplo, a uma alunatambém prejudicada com baixa menção, afirmou que só não a reprovoucom MI (<strong>do</strong>is) porque seus outros trabalhos, apresenta<strong>do</strong>s durante ocurso, possuíam nível satisfatório. Ao mesmo tempo, afirmou que apenaso trabalho final definia a menção <strong>do</strong> curso. Esta mesma aluna impetrourecurso em primeira instância e obteve uma média mais alta. Por queum tratamento diferencia<strong>do</strong> para uma outra aluna cujo trabalho o professorconsiderou também, a princípio, de nível MI?Ao iniciar o processo <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> de revisão, a então Coordena<strong>do</strong>ra<strong>do</strong> PPGAS pediu ao então Diretor <strong>do</strong> Instituto de CiênciasSociais (ICS), responsável pela constituição da comissão que julgaria osegun<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong>, que garantisse a isenção <strong>do</strong> processo, <strong>no</strong>mean<strong>do</strong> professoresde departamentos diferentes e distantes <strong>do</strong> professor questiona<strong>do</strong>.Ao contrário disso, o Diretor <strong>do</strong> ICS constituiu uma comissão detrês professores <strong>do</strong> PPGAS, bastante próximos ao professor KlaasWoortmann. Com um deles, inclusive, o referi<strong>do</strong> professor dividia sala.Além disso, o Diretor <strong>do</strong> ICS pré-julgou o parecer da comissão, afirman<strong>do</strong>,em conversa que tive com ele, que considerava “muito difícil,quase impossível que a comissão <strong>no</strong>meada revertesse o quadro”. Porque tanto desinteresse pela isenção e lisura <strong>no</strong> processo? Por que umevidente interesse em proteger o professor e me prejudicar? A comissão<strong>no</strong>meada pelo Diretor <strong>do</strong> ICS produziu um parecer lastimável, burocráticoe compromete<strong>do</strong>r de sua isenção: não considerou o contexto dadisciplina, não avaliou ou fez quaisquer comentários aos procedimentosantiéticos e antipedagógicos <strong>do</strong> professor Klaas Woortmann. Que espéciede futuros pesquisa<strong>do</strong>res e professores este programa pretende formar?Por que tanto descaso à subjetividade de alu<strong>no</strong>s?Desde quan<strong>do</strong> to<strong>do</strong> este processo estourou, boa parte <strong>do</strong>s alu<strong>no</strong>se uma grande maioria <strong>do</strong>s professores <strong>do</strong> Departamento de Antropologia,foi omissa ou se manifestou <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de proteger a si mesmos e àcorporação a que pertencem. Estes professores perderam a chance de65A propósito, mais uma vez Guimarães, Racismo e Anti-racismo, p.123 observa que na configuração<strong>do</strong> racismo ao mo<strong>do</strong> <strong>brasileiro</strong>, “baia<strong>no</strong>”, é mais um epíteto que evidencia a naturalizaçãoda hierarquia social entre brancos e <strong>negro</strong>s.Afro-Ásia, 25-26 (2001), 281-312 309
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