senti<strong>do</strong>, escreve Thales de Azeve<strong>do</strong> queBrancos são, de mo<strong>do</strong> geral, os indivíduos de fenótipo caucasóide;as pessoas mais alvas, de olhos claros, de cabelos igualmenteclaros e fi<strong>no</strong>s são, muitas vezes, chamadas de brancos fi<strong>no</strong>s pornão apresentarem indícios de mistura com tipos de cor. Podemser chama<strong>do</strong>s de brancos também os ricos ou pessoas de statuseleva<strong>do</strong>, seja qual for o seu aspecto: quem ouvisse uma pessoahumilde qualquer, uma empregada <strong>do</strong>méstica ou um trabalha<strong>do</strong>rrural, branco ou preto, referir-se a “meu branco”, dificilmentepoderia convencer-se de que o termo estaria sen<strong>do</strong> aplica<strong>do</strong> aum mestiço bastante escuro. 45Enfim, é o <strong>negro</strong> protegi<strong>do</strong>, escolariza<strong>do</strong>, eco<strong>no</strong>micamente privilegia<strong>do</strong>,mas vigia<strong>do</strong> e embranqueci<strong>do</strong>, que se insere ou é inseri<strong>do</strong> <strong>no</strong>mun<strong>do</strong> branco que — sob o risco de enegrecer-se, como já afirmavaNina Rodrigues diante de tamanha presença física e cultural <strong>do</strong>s <strong>negro</strong>s— controla a eco<strong>no</strong>mia, a política, determina os valores <strong>do</strong> religioso, dacultura e <strong>do</strong> saber científico. Enquadrada, a discussão <strong>do</strong> autor em tor<strong>no</strong>da integração social das “pessoas de cor”, e da inexistência de conflitoracial, é tão ambígua quanto a fala de seus informantes. Ao mesmotempo em que promove este modelo de acomodação, aponta, originalmente,sutis fontes de conflitos estruturais que não explora. Em As elitesde cor, as relações interpessoais legitimam a idéia da harmonia e <strong>do</strong>mínimo de tensões raciais, ratificam as posições hierárquicas e desiguaisentre brancos e <strong>negro</strong>s. Mas, por outro la<strong>do</strong>, sugerem a constantesuspeita e ameaça de que o <strong>negro</strong> assimila<strong>do</strong>, por seu status adquiri<strong>do</strong>,pode reviver seus defeitos de temperamento, posturas corporais, caráterou mentalidade desequilibrada. 46Tal como Édison Carneiro, que mesmo ao reconhecer os erros meto<strong>do</strong>lógicose o racismo de Nina Rodrigues, continuou ten<strong>do</strong>-o como “um<strong>do</strong>s <strong>no</strong>ssos”, um luta<strong>do</strong>r “contra a escravidão <strong>intelectual</strong> <strong>do</strong> <strong>negro</strong> naAmérica Portuguesa” 47 , Thales de Azeve<strong>do</strong> entrevê algo mais, porém se45Azeve<strong>do</strong>, As elites de cor, pp. 34-35.46Azeve<strong>do</strong>, As elites de cor, pp. 57-58.47Carneiro, Ursa Maior, pp. 56-57.48Donald Pierson, Brancos e Pretos na Bahia, São Paulo, Companhia Editora Nacional. 1967.300 Afro-Ásia, 25-26 (2001), 281-312
acomoda <strong>no</strong> argumento de Donald Pierson 48 , sobre a assimilação eaculturação <strong>do</strong> <strong>negro</strong> ao mun<strong>do</strong> branco, e na idéia de que a Bahia é umasociedade multirracial de classes. De fato, naquele contexto, em que umautor branco, <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>, numa obra de repercussão internacional,já havia corrobora<strong>do</strong> a desigualdade racial, As elites de cor, contrarian<strong>do</strong>as <strong>no</strong>tas et<strong>no</strong>gráficas <strong>do</strong> seu autor, foi “uma mo<strong>no</strong>grafia engajada comuma certa política racial e com um programa anti-racista bem defini<strong>do</strong>,encampa<strong>do</strong> pela Unesco. Tratava-se de demonstrar a possibilidade empíricade convivência de raças e etnias diversas, com o mínimo de tensão econflito raciais”. 49 Este engajamento é curioso se lembramos que, em1953, Alfred Metraux, o coordena<strong>do</strong>r das pesquisas da Unesco <strong>no</strong> Brasil,solicitou de Thales de Azeve<strong>do</strong> a exclusão de <strong>do</strong>is outros artigos da ediçãoem francês de As elites de cor e, apenas três a<strong>no</strong>s depois, o autor publicou“Classes sociais e grupos de prestígio”, <strong>no</strong>s Arquivos da Universidadeda Bahia; Faculdade de Filosofia, permitin<strong>do</strong> a criação da controvérsiasobre se, de fato, teria si<strong>do</strong> este o segun<strong>do</strong> artigo excluí<strong>do</strong>. 50Como leva a crer Guimarães 51 , Thales de Azeve<strong>do</strong>, já em Aselites de cor, tinha consciência <strong>do</strong> forte ideário assimilacionista da épo-495051Antonio Sérgio Alfre<strong>do</strong> Guimarães, Racismo e Anti-racismo <strong>no</strong> Brasil, São Paulo, Ed. 34. 1999,p. 130.Na edição de 1996, sobre “Classes sociais e grupos de prestígio”, anexa<strong>do</strong> a As elites de cornuma Cidade Brasileira, Maria Azeve<strong>do</strong> Brandão escreveu a seguinte <strong>no</strong>ta: “Este ensaio foipublica<strong>do</strong> pela primeira vez em 1956, <strong>no</strong>s Arquivos da Universidade da Bahia; Faculdade deFilosofia, Salva<strong>do</strong>r, vol.5, p.81-91,1956, porém fora originalmente esboça<strong>do</strong> para integrar, juntamentecom Índios, brancos e pretos <strong>no</strong> Brasil Colonial, 1953, o trabalho que viria a ser Aselites de cor. No prefácio a Ensaios de Antropologia, Salva<strong>do</strong>r, Universidade da Bahia, 1959,que inclui esses <strong>do</strong>is textos, o autor informa que a exclusão <strong>do</strong>s mesmos de Les élites não teriaocorri<strong>do</strong> ‘...não houvesse deseja<strong>do</strong> Métraux o tipo de apresentação indica<strong>do</strong>..., (isto é) um livrosobre uma situação, a das relações raciais e a da ascensão social das pessoas de cor em umacidade brasileira, que servisse para mostrar a outros povos uma solução para o problema <strong>do</strong>convívio entre tipos étnicos diferentes’. Mas a importância deste ensaio não poderia dispensá-lodesta edição” (Azeve<strong>do</strong> Brandão, in Azeve<strong>do</strong>, As elites de cor, p.167). Para Guimarães, Racismoe Anti-racismo <strong>no</strong> Brasil, p. 130, se parece óbvio que Thales de Azeve<strong>do</strong> se refere a “Índios,brancos e pretos <strong>no</strong> Brasil colonial: as relações interraciais na cidade da Bahia” como um <strong>do</strong>sartigos excluí<strong>do</strong>s por sugestão de Metraux, de fato, é mais difícil aceitar que o outro fosse “Classessociais e grupos de prestígio”. Publica<strong>do</strong> apenas em 1956, traz cinco referências, <strong>do</strong> total de<strong>no</strong>ve, a obras publicadas depois de 1954. De qualquer mo<strong>do</strong>, Guimarães não descarta a possibilidade<strong>do</strong> segun<strong>do</strong> artigo excluí<strong>do</strong> ter si<strong>do</strong> realmente “Classes sociais e grupos de prestígio”.Além disso, tanto Guimarães quanto Brandão parecem concordar que “Índios, brancos e pretos<strong>no</strong> Brasil colonial” já significava uma ênfase <strong>no</strong> preconceito e discriminação racial.Guimarães, Racismo e Anti-racismo, p. 131.Afro-Ásia, 25-26 (2001), 281-312 301