meu) somente através de alterações profundas e substanciais das condiçõesobjetivas e subjetivas arcaicas de que são certamente o reflexo”.40 Ao contrário destes três primeiros autores, Thales de Azeve<strong>do</strong>não se concentra <strong>no</strong> estu<strong>do</strong> da religião. Como fez Édison Carneiro, Thalesde Azeve<strong>do</strong> não defende a inferioridade atávica <strong>do</strong> <strong>negro</strong>. Porém, assimila<strong>do</strong>como este último autor, Azeve<strong>do</strong> é me<strong>no</strong>s crítico <strong>do</strong> que poderiaser em seu trabalho de maior impacto, mais repercuti<strong>do</strong> e discuti<strong>do</strong>,sobre o qual farei, finalmente, algumas considerações. 41 A edição queconsultei é apresentada e prefaciada por Maria Azeve<strong>do</strong> Brandão, trazem anexo um outro trabalho de Thales de Azeve<strong>do</strong>, “Classes sociais egrupos de prestígio”, ausente da primeira edição patrocinada pela Unesco,em 1953.No Prefácio, Maria Brandão contextualiza a obra, uma solicitaçãoda Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas, encaminhadapelo Departamento de Ciências Sociais da Unesco, que sob ostraumas <strong>do</strong> ódio racial e étnico vivi<strong>do</strong>s na Segunda Guerra, interessousepor uma análise da questão racial <strong>no</strong> Brasil, “país modelar <strong>no</strong> quedizia respeito a positiva convivência entre brancos e <strong>negro</strong>s”. No início,o projeto da Unesco contemplava apenas a Bahia, concorren<strong>do</strong> paraesta decisão, a tradição de estu<strong>do</strong>s sobre o <strong>negro</strong> na cidade de Salva<strong>do</strong>rdesde o final <strong>do</strong> século XIX, e a atração que este lugar e seu modelo derelações raciais “harmoniosas” exerceu sobre vários autores estrangeiros,<strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 30 e 40. 42 A partir de 1951, Alfred Metraux foi encarrega<strong>do</strong>de orientar pesquisas e publicações sobre o tema realizadas em SãoPaulo, Rio, Bahia e Recife. Na Bahia, Anísio Teixeira, então Secretáriode Educação e Saúde, coorde<strong>no</strong>u este projeto da Unesco, através deum convênio entre o Programa de Pesquisas Sociais <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Bahiae a Columbia University (1949-53). Thales de Azeve<strong>do</strong>, amigo desde ainfância de Anísio Teixeira, foi o <strong>intelectual</strong> escolhi<strong>do</strong> para desenvolvere aplicar o projeto.4142Thales Azeve<strong>do</strong>, As elites de cor numa Cidade Brasileira. Um estu<strong>do</strong> de Ascensão Social &Classes sociais e grupos de prestígio, Salva<strong>do</strong>r, EdUfba/EGBA, 1996.Marcos Chor Maio, “O Projeto Unesco e a agenda das ciências sociais <strong>no</strong> Brasil <strong>do</strong>s a<strong>no</strong>s 40 e 50”,Revista Brasileira de Ciências Sociais, V. 14, nº 41, São Paulo (Outubro de 1999), pp.141-158.298 Afro-Ásia, 25-26 (2001), 281-312
Sobre As elites de cor numa cidade brasileira, Antônio SérgioGuimarães, cita<strong>do</strong> por Maria Brandão, afirma que “<strong>do</strong> ponto de vistateórico, o estu<strong>do</strong> pouco i<strong>no</strong>va em relação a Pierson, a quem, de fato,toma empresta<strong>do</strong> a tese de que o Brasil é uma sociedade multirracialde classes. Do ponto de vista et<strong>no</strong>gráfico, entretanto, o ensaio i<strong>no</strong>vamuito ao constatar e <strong>do</strong>cumentar a importância <strong>do</strong> status atribuí<strong>do</strong>, principalmentea origem familiar e a cor, sobre o status adquiri<strong>do</strong>, comoaquele proveniente da riqueza e da ocupação”. 43Concor<strong>do</strong> que a originalidade de As elites de cor contribuiu muitopara os estu<strong>do</strong>s das relações raciais <strong>no</strong> Brasil. Ao a<strong>no</strong>tar e definir categoriasnativas de cor — branco, preto, mulato, par<strong>do</strong>, more<strong>no</strong> e caboclo—, Thales de Azeve<strong>do</strong> explicita os imbricamentos entre classe, cor estatus já sugeri<strong>do</strong>s em Ruth Landes e até mesmo em Nina Rodrigues,quan<strong>do</strong> distingue o <strong>negro</strong> dig<strong>no</strong> de respeito, <strong>do</strong> <strong>negro</strong> como grupo racial.Enfatizan<strong>do</strong> estas categorias, institui <strong>no</strong>s estu<strong>do</strong>s das relações raciaisum <strong>no</strong>vo “background et<strong>no</strong>-racial” que revela o “gosto étnico” e racial<strong>do</strong>s seus nativos. Este “gosto étnico” e racial manifesta<strong>do</strong> sempre deforma ambígua, relacional, num contexto racializa<strong>do</strong>, <strong>no</strong> qual ainda éconstrange<strong>do</strong>r falar sobre discriminação racial e preconceito, vai conduzirThales de Azeve<strong>do</strong> a desenvolver, em “Classes sociais e grupos deprestígio”, a fundamental distinção entre “status atribuí<strong>do</strong>” e “statusadquiri<strong>do</strong>”.Porém, assim como Édison Carneiro, Thales de Azeve<strong>do</strong> não discutenem explicita o seu insiderism <strong>no</strong> campo de pesquisa, ou seja, atendência em se acreditar que as melhores ou as únicas interpretaçõespossíveis de um fenôme<strong>no</strong> sociocultural são aquelas <strong>do</strong>s nativos, <strong>do</strong>sinsiders. 44 Tanto é assim que da<strong>do</strong>s e depoimentos ambíguos, duranteto<strong>do</strong> o livro, são apenas descritos, as falas <strong>do</strong>s informantes se tornam aconfirmação de uma sociedade multirracial de classes, <strong>no</strong> qual o mun<strong>do</strong>branco tende à integridade racial e cultural e o <strong>negro</strong> é descontínuo econtraditório em tantas categorias de cor, atribuídas e adquiridas. Neste4344Azeve<strong>do</strong>, As elites de cor, p. 16.Livio Sansone, “O Olhar Forasteiro: Seduções e Ambigüidades das Relações Raciais <strong>no</strong> Brasil”,in Jeferson Bacelar e Carlos Caroso, Brasil: um país de <strong>negro</strong>s? (Rio de Janeiro/Salva<strong>do</strong>r, Pallas/CEAO, 1999), pp.15-33.Afro-Ásia, 25-26 (2001), 281-312 299
- Page 1: A LEGITIMAÇÃO DO INTELECTUAL NEGR
- Page 4 and 5: 5cial em relação às “branquitu
- Page 6 and 7: Construindo o negro como objeto de
- Page 8 and 9: entífica e revoltante a exploraç
- Page 10 and 11: acordou todos, para a presença de
- Page 12 and 13: não fossem aquelas intermediadas p
- Page 14 and 15: do, no decorrer do tempo, de uma po
- Page 16 and 17: Arthur Ramos, um dos principais art
- Page 20 and 21: sentido, escreve Thales de Azevedo
- Page 22 and 23: ca, da expectativa que até mesmo i
- Page 24 and 25: tes de cor isoladamente, em francê
- Page 26 and 27: cipada de si mesmo? Ele provém de
- Page 28 and 29: Minha reprovação gerou uma crise
- Page 30 and 31: discutir métodos de avaliação, d
- Page 32: acismo, e negando, como anti-nacion