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Relação com o Estado na Visão das ONGs - Secretaria-Geral da ...

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1820RELAÇÃO COM O ESTADO NA VISÃO DASONGS: UMA SOCIOLOGIA DAS PERCEPÇÕESFer<strong>na</strong>ndo Lima Neto


1820TEXTO PARA DISCUSSÃOBrasília, março de 2013RELAÇÃO COM O ESTADO NA VISÃO DAS ONGS:UMA SOCIOLOGIA DAS PERCEPÇÕES*Fer<strong>na</strong>ndo Lima Neto*** Este texto integra o projeto coletivo de pesquisa <strong>Estado</strong> e Organizações Civis no Brasil, coorde<strong>na</strong>do pelo Ipea <strong>com</strong>a colaboração de uma rede de diferentes instituições: Núcleo Interdiscipli<strong>na</strong>r de Estudos sobre Desigual<strong>da</strong>de (NIED),Centro Brasileiro Análise Planejamento (CEBRAP), Instituto Pólis, Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC),ActionAid, Fun<strong>da</strong>ção Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (Unitrabalho), além do Ipea, reunidos<strong>na</strong> plataforma do Programa de Apoio a Redes de Pesquisa (PROREDES). Os argumentos aqui discutidos foramconstruídos por meio de um diálogo profícuo <strong>com</strong> muitos pesquisadores. O autor é especialmente grato a ElisaReis, Adrian Gurza-Lavalle, Felix Lopez, Graziella Silva, Enca Moya, Natália Bueno, Rogério Medeiros, Rafael Abreu,Emmanuel Cal<strong><strong>da</strong>s</strong> e Maria Dysman.** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais <strong>da</strong> Pontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica do Rio deJaneiro (PUC-RIO) e no Departamento de Sociologia <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisadordo Núcleo Interdiscipli<strong>na</strong>r de Estudos sobre Desigual<strong>da</strong>de (NIED/UFRJ) e colaborador <strong>da</strong> Diretoria de Estudos ePolíticas do <strong>Estado</strong>, <strong><strong>da</strong>s</strong> Instituições e <strong>da</strong> Democracia (Diest) do Ipea. E-mail: fercaline@gmail.<strong>com</strong>.


Governo Federal<strong>Secretaria</strong> de Assuntos Estratégicos <strong>da</strong>Presidência <strong>da</strong> RepúblicaMinistro interino Marcelo Côrtes NeriTexto paraDiscussãoPublicação cujo objetivo é divulgar resultados de estudosdireta ou indiretamente desenvolvidos pelo Ipea, os quais,por sua relevância, levam informações para profissio<strong>na</strong>isespecializados e estabelecem um espaço para sugestões.Fun<strong>da</strong>ção pública vincula<strong>da</strong> à <strong>Secretaria</strong> deAssuntos Estratégicos <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República,o Ipea fornece suporte técnico e institucio<strong>na</strong>l àsações gover<strong>na</strong>mentais – possibilitando a formulaçãode inúmeras políticas públicas e programas dedesenvolvimento brasileiro – e disponibiliza,para a socie<strong>da</strong>de, pesquisas e estudos realizadospor seus técnicos.PresidenteMarcelo Côrtes NeriDiretor de Desenvolvimento Institucio<strong>na</strong>lLuiz Cezar Loureiro de AzeredoDiretor de Estudos e Relações Econômicas ePolíticas Inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>isRe<strong>na</strong>to Coelho Baumann <strong><strong>da</strong>s</strong> NevesDiretor de Estudos e Políticas do <strong>Estado</strong>, <strong><strong>da</strong>s</strong>Instituições e <strong>da</strong> DemocraciaDaniel Ricardo de Castro CerqueiraDiretor de Estudos e Políticas MacroeconômicasCláudio Hamilton Matos dos Santos© Instituto de Pesquisa Econômica Aplica<strong>da</strong> – ipea 2013Texto para discussão / Instituto de Pesquisa EconômicaAplica<strong>da</strong>.- Brasília : Rio de Janeiro : Ipea , 1990-ISSN 1415-47651.Brasil. 2.Aspectos Econômicos. 3.Aspectos Sociais.I. Instituto de Pesquisa Econômica Aplica<strong>da</strong>.CDD 330.908As opiniões emiti<strong><strong>da</strong>s</strong> nesta publicação são de exclusiva einteira responsabili<strong>da</strong>de do(s) autor(es), não exprimindo,necessariamente, o ponto de vista do Instituto de PesquisaEconômica Aplica<strong>da</strong> ou <strong>da</strong> <strong>Secretaria</strong> de AssuntosEstratégicos <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong> República.É permiti<strong>da</strong> a reprodução deste texto e dos <strong>da</strong>dos nelecontidos, desde que cita<strong>da</strong> a fonte. Reproduções para fins<strong>com</strong>erciais são proibi<strong><strong>da</strong>s</strong>.Diretor de Estudos e Políticas Regio<strong>na</strong>is,Urba<strong>na</strong>s e AmbientaisRogério Boueri Miran<strong>da</strong>Diretora de Estudos e Políticas Setoriaisde Inovação, Regulação e InfraestruturaFer<strong>na</strong>n<strong>da</strong> De NegriDiretor de Estudos e Políticas SociaisRafael Guerreiro OsorioChefe de GabineteSergei Suarez Dillon SoaresAssessor-chefe de Imprensa e ComunicaçãoJoão Cláudio Garcia Rodrigues LimaOuvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.brJEL: Z19


SUMÁRIOSINOPSE1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................72 SOBRE A ANÁLISE DOS DADOS.................................................................................93 AUTODEFINIÇÕES SOBRE ONGS................................................................................104 DIFERENÇAS ENTRE ONGS, ESTADO E MERCADO.....................................................145 VANTAGENS RELATIVAS............................................................................................206 PARCERIAS ENTRE ONGS, ESTADO E MERCADO........................................................247 O PAPEL DAS ONGS NO BRASIL................................................................................278 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................29REFERÊNCIAS .............................................................................................................30BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR..................................................................................32


SINOPSENeste texto, discutem-se os resultados <strong>da</strong> pesquisa realiza<strong>da</strong> pelo Núcleo Interdiscipli<strong>na</strong>rde Estudos sobre Desigual<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio de Janeiro (NIED/UFRJ) sobre percepções de dirigentes de organizações não gover<strong>na</strong>mentais (<strong>ONGs</strong>) noque tange às relações entre <strong>Estado</strong>, mercado e socie<strong>da</strong>de civil no Brasil. Os principaisachados desta pesquisa gravitam em torno <strong>da</strong> relação entre as <strong>ONGs</strong> e o poder públicoe foram sintetizados em uma máxima: a parceria <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> é uma via de mão dupla.De acordo <strong>com</strong> esta máxima, a parceria <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> representa a possibili<strong>da</strong>de de seestabelecer uma parceria estratégica que potencializa os resultados <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>, mas quetraz simultaneamente uma série de obstáculos e impedimentos burocráticos que <strong>com</strong>prometema autonomia destas instituições. A parceria <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> é vista, ao mesmotempo, <strong>com</strong>o um dos principais obstáculos e <strong>com</strong>o uma alavanca para os projetos <strong><strong>da</strong>s</strong><strong>ONGs</strong>. Nesta aparente contradição, reside uma lógica <strong>com</strong>plexa e tensa de representaçõese valores sociais que norteiam as produções de significado sobre estas organizações.A<strong>na</strong>lisam-se diferentes manifestações desta máxima geral identifica<strong>da</strong> nos discursos dosdirigentes de <strong>ONGs</strong>. O principal objetivo <strong>da</strong> análise é identificar regulari<strong>da</strong>des de discursoque permeiam os diferentes perfis de ONG contemplados <strong>na</strong> pesquisa.Palavras-chave: <strong>ONGs</strong>; socie<strong>da</strong>de civil; <strong>Estado</strong> e socie<strong>da</strong>de.


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepções1 IntroduçãoNeste texto, discutem-se os principais resultados <strong>da</strong> pesquisa Atores Públicos e Privados<strong>na</strong> Implementação de Políticas Públicas, sobre percepções de dirigentes de organizaçõesnão gover<strong>na</strong>mentais (<strong>ONGs</strong>) no que tange às relações entre <strong>Estado</strong>, mercado e socie<strong>da</strong>decivil no Brasil. Esta pesquisa foi realiza<strong>da</strong> pelo Núcleo Interdiscipli<strong>na</strong>r de Estudos sobreDesigual<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio de Janeiro (NIED/UFRJ), <strong>na</strong> RegiãoMetropolita<strong>na</strong> do Rio de Janeiro, entre 2007 e 2008. 1 A definição inicial do conceito deONG partiu de três critérios gerais: organizações não orienta<strong><strong>da</strong>s</strong> para o lucro, sem baserepresentativa e independentes do governo. Esta definição ain<strong>da</strong> era demasia<strong>da</strong>mente genéricapara definir a amostra <strong>da</strong> pesquisa. Selecio<strong>na</strong>ram-se, então, ape<strong>na</strong>s as organizaçõesque atuavam <strong>na</strong>s áreas <strong>da</strong> saúde, educação, direitos de minorias e meio ambiente.O foco nestas áreas de atuação foi motivado por duas razões. Primeiramente, isto tornoupossível excluir, entre outras, organizações religiosas, recreativas, culturais e esportivas quecontemplam os três critérios gerais, mas cujos objetivos e discursos são significativamentediferentes <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>. Além disso, trata-se <strong><strong>da</strong>s</strong> mesmas áreas de atuação explora<strong><strong>da</strong>s</strong> em umapesquisa <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l sobre <strong>ONGs</strong>, conduzi<strong>da</strong> pelo NIED em 2004.A partir <strong>da</strong> definição do conceito geral de ONG, o primeiro critério específicopara definição <strong>da</strong> amostra foi o recebimento de recursos públicos. Focalizou-se, então,o fi<strong>na</strong>nciamento federal, selecio<strong>na</strong>ndo <strong>ONGs</strong> por meio <strong>da</strong> base <strong>da</strong> Controladoria-<strong>Geral</strong><strong>da</strong> União (CGU), a partir dos repasses realizados em 2006. Na base <strong>da</strong> CGU, foram encontra<strong><strong>da</strong>s</strong>aproxima<strong>da</strong>mente cem <strong>ONGs</strong>, sendo 36 dentro <strong><strong>da</strong>s</strong> quatro áreas de atuação –saúde, educação, direitos de minorias e meio ambiente – selecio<strong>na</strong><strong><strong>da</strong>s</strong> para a pesquisa.Estas 36 organizações <strong>com</strong>pletaram a amostra em to<strong><strong>da</strong>s</strong> as áreas, exceto <strong>na</strong> área de meioambiente, onde foi preciso <strong>com</strong>plementar a seleção contando <strong>com</strong> a base de organizaçõesca<strong><strong>da</strong>s</strong>tra<strong><strong>da</strong>s</strong> no Conselho Nacio<strong>na</strong>l do Meio Ambiente (Co<strong>na</strong>ma) e também por meiode indicação de outras <strong>ONGs</strong>. Feito isto, <strong>com</strong> auxílio de pesquisa anterior, foram selecio<strong>na</strong><strong><strong>da</strong>s</strong>mais catorze <strong>ONGs</strong> que não recebiam recursos estatais dentro <strong><strong>da</strong>s</strong> quatro áreasmencio<strong>na</strong><strong><strong>da</strong>s</strong>, visando diversificar os pontos de vista e enriquecer a análise. A amostra nãovisou a representativi<strong>da</strong>de estatística. Logo, não se trata aqui de identificar regulari<strong>da</strong>desde discurso segundo as áreas de atuação ou relações <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>, por exemplo. Em ummesmo perfil de ONG, é possível encontrar uma enorme diversi<strong>da</strong>de de percepções e formaçõesdiscursivas. Neste sentido, o principal objetivo <strong>da</strong> análise é identificar regulari<strong>da</strong>desde discurso que permeiam os diferentes perfis de <strong>ONGs</strong> contemplados <strong>na</strong> pesquisa.1. O material <strong>da</strong> pesquisa também foi explorado <strong>na</strong> forma de dissertações de mestrado (Abreu, 2011; Cal<strong><strong>da</strong>s</strong>, 2011;Dysman, 2011) e tese de doutorado (Lima Neto, 2013).7


Brasília, março de 2013Foram escolhi<strong><strong>da</strong>s</strong>, portanto, cinquenta organizações para realização de entrevistasem profundi<strong>da</strong>de <strong>com</strong> seus respectivos dirigentes. As entrevistas tiveram duração médiade duas horas. O roteiro semiestruturado foi dividido em duas partes. Na primeira,exploram-se as percepções dos dirigentes sobre as relações entre <strong>Estado</strong>, mercado e <strong>ONGs</strong>.A segun<strong>da</strong> parte visa colher informações detalha<strong><strong>da</strong>s</strong> sobre o histórico <strong>da</strong> organização e osprojetos que ela desenvolve. As cinquenta entrevistas foram transcritas e a<strong>na</strong>lisa<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>com</strong>o auxílio do software Atlas TI. As variáveis <strong>da</strong> análise – os códigos utilizados no Atlas TI –foram elabora<strong><strong>da</strong>s</strong> após sucessivas reuniões <strong>da</strong> equipe de pesquisa, ocasiões em que separtilhou a leitura de entrevistas e discutiram-se coletivamente as ideias centrais de ca<strong>da</strong>discurso. Seguindo o roteiro de entrevista e <strong>com</strong> base nestas leituras e discussões, codificou-seum conjunto de respostas possíveis para ca<strong>da</strong> pergunta. Neste texto, apresentam-se algunsresultados deste trabalho.Os principais achados <strong>da</strong> pesquisa gravitam em torno <strong>da</strong> relação entre as <strong>ONGs</strong>e o poder público e foram sintetizados em uma máxima: a parceria <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> é umavia de mão dupla. De acordo <strong>com</strong> esta máxima, a parceria <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> representa apossibili<strong>da</strong>de de se estabelecer uma parceria estratégica que potencializa os resultados<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>, mas traz simultaneamente uma série de obstáculos e impedimentos burocráticosque <strong>com</strong>prometem a autonomia destas instituições. Na visão dos entrevistados,os recursos provenientes de parcerias <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> tor<strong>na</strong>m possível a ampliação dopúblico-alvo, a diversificação de serviços e objetivos perseguidos pela enti<strong>da</strong>de e, atémesmo, influenciar políticas públicas. Contudo, estas vantagens em potencial implicamum conjunto de dificul<strong>da</strong>des administrativas que, muitas vezes, influencia negativamentea execução dos projetos <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>. A falta de continui<strong>da</strong>de <strong>na</strong> provisão derecursos e a burocracia são aponta<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>com</strong>o empecilhos <strong>com</strong>uns neste tipo de parceria.Neste texto, são a<strong>na</strong>lisa<strong><strong>da</strong>s</strong> as diferentes manifestações desta máxima geral identifica<strong>da</strong>nos discursos dos dirigentes de <strong>ONGs</strong>.O quadro conceitual mobilizado para a análise desses <strong>da</strong>dos está situado <strong>na</strong> sociologiacultural, um campo emergente <strong>da</strong> teoria sociológica, voltado para a análise <strong>da</strong>centrali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cultura <strong>na</strong> vi<strong>da</strong> social (Lima Neto, 2010). Em vez de considerar a noçãode cultura <strong>com</strong>o um epifenômeno de relações sociais supostamente não culturais, asociologia cultural trabalha a cultura <strong>com</strong>o variável independente <strong>na</strong> abor<strong>da</strong>gem sociológica(Alexander, 2003). Assim, a ideia convencio<strong>na</strong>l de uma “sociologia <strong>da</strong> cultura”,isto é, a ideia de cultura <strong>com</strong>o uma consequência de relações objetivas é substituí<strong>da</strong> poruma abor<strong>da</strong>gem que operacio<strong>na</strong>liza a cultura <strong>com</strong>o um aspecto endêmico de qualquerrelação social. Portanto, no lugar de considerar os valores sociais e as representações8


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepçõessobre as <strong>ONGs</strong> em função de suas áreas de atuação, formatos jurídicos ou estruturas administrativas,propõe-se considerá-los à luz de sua própria arquitetura simbólica inter<strong>na</strong>.2 Sobre a análise dos <strong>da</strong>dosEm meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980, os primeiros passos <strong><strong>da</strong>s</strong> organizações não gover<strong>na</strong>mentaisno Brasil seguiram no país o movimento geral de formação de uma socie<strong>da</strong>de civilorganiza<strong>da</strong> em contraposição ao <strong>Estado</strong>, até então o principal violador dos direitosbásicos <strong>da</strong> população (Reis, 1998). A Constituição Federal promulga<strong>da</strong> em 1988 proporcionouuma ampliação <strong><strong>da</strong>s</strong> are<strong>na</strong>s de atuação política no país, favorecendo o fortalecimentodos laços societários <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil e seu protagonismo <strong>na</strong> formulação econtrole <strong><strong>da</strong>s</strong> políticas públicas <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. Este foi o momento <strong>da</strong> formação <strong>da</strong> maioriados conselhos gestores de política pública, <strong>da</strong> realização de plebiscitos, orçamentosparticipativos e audiências públicas, processos que institucio<strong>na</strong>lizaram a participaçãocívica em território <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (Lavalle, 2010). A criação destes novos ca<strong>na</strong>is de participaçãopolítica no país diversificou não ape<strong>na</strong>s o estatuto e as ativi<strong>da</strong>des dos atores dentro<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil, mas também i<strong>na</strong>ugurou um espaço novo e amplo de parcerias entre<strong>Estado</strong> e socie<strong>da</strong>de civil. Em pouco tempo, já <strong>na</strong> déca<strong>da</strong> de 1990, estes novos ca<strong>na</strong>isde participação acabariam por transformar a própria ideia de socie<strong>da</strong>de civil no país.Os temores e as desconfianças <strong>com</strong> relação ao <strong>Estado</strong> <strong>com</strong>eçaram a cair por terra diantedo enraizamento <strong>da</strong> democracia no país (Melo e Sáez, 2007). As parceiras entre setorespúblicos e privados foram diversifica<strong><strong>da</strong>s</strong> e amplia<strong><strong>da</strong>s</strong> nesta déca<strong>da</strong>. O envolvimento <strong><strong>da</strong>s</strong><strong>ONGs</strong> <strong>com</strong> diversos órgãos e instâncias gover<strong>na</strong>mentais consagrou a formação de novosvínculos entre socie<strong>da</strong>de e <strong>Estado</strong> no Brasil.Adotando-se a definição genérica de ONG <strong>com</strong>o proxy <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil (Reis,2009), essa mu<strong>da</strong>nça gradual “<strong>da</strong> oposição à parceria” <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> também pode serobserva<strong>da</strong> no contexto específico destas organizações. A reversão no papel tradicio<strong>na</strong>l deoposição ao <strong>Estado</strong> não significa, contudo, que as parcerias entre <strong>ONGs</strong> e <strong>Estado</strong> sejamisentas de tensões e contradições, nem que as <strong>ONGs</strong> tenham abando<strong>na</strong>do por <strong>com</strong>pletoas suas avaliações críticas sobre o <strong>Estado</strong>. A máxima <strong>da</strong> parceria <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>com</strong>o via demão dupla traduz a ambivalência que marca a percepção geral do <strong>Estado</strong> pelas <strong>ONGs</strong>.A parceria <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> é vista, simultaneamente, <strong>com</strong>o um dos principais obstáculose <strong>com</strong>o uma alavanca para os projetos <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>. Nesta aparente contradição resideuma lógica <strong>com</strong>plexa e tensa de representações e valores que norteiam as produções designificado sobre estas organizações.9


Brasília, março de 2013Nas seções que seguem, os depoimentos <strong><strong>da</strong>s</strong> pessoas entrevista<strong><strong>da</strong>s</strong> são a<strong>na</strong>lisados<strong>com</strong>o produção simbólica (imputação de sentido) sobre as relações entre <strong>Estado</strong>, mercadoe <strong>ONGs</strong> no Brasil. Para isto, a máxima <strong>da</strong> parceria <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>com</strong>o via de mãodupla será explora<strong>da</strong> em cinco frentes: i) considerando-se as produções de significado<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> sobre si mesmas; ii) explorando-se o modo <strong>com</strong>o os dirigentes destas organizaçõesavaliam as fronteiras entre <strong>Estado</strong>, mercado e socie<strong>da</strong>de; iii) discutindo-se suaspercepções sobre as vantagens e desvantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> em relação ao <strong>Estado</strong> e aomercado; iv) tratando-se <strong><strong>da</strong>s</strong> percepções sobre vantagens e desvantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> parceriasentre <strong>ONGs</strong>, <strong>Estado</strong> e mercado; e v) abor<strong>da</strong>ndo-se as autopercepções sobre os papéisdesempenhados pelas <strong>ONGs</strong> no Brasil.3 Autodefinições sobre <strong>ONGs</strong>Ao serem in<strong>da</strong>gados sobre “o que define uma ONG”, os entrevistados elencaram umconjunto variado tanto de funções quanto de características que seriam caras a estasinstituições. No geral, os critérios utilizados <strong>na</strong> definição <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> dizem respeitoprincipalmente às “funções” desempenha<strong><strong>da</strong>s</strong> por estas organizações, enquanto as“características” formam ape<strong>na</strong>s um conjunto de critérios secundários, que possuemuma frequência consideravelmente menor no conjunto <strong><strong>da</strong>s</strong> entrevistas. No âmbito <strong><strong>da</strong>s</strong>funções, quatro delas tratam <strong>da</strong> relação entre <strong>ONGs</strong> e socie<strong>da</strong>de, enquanto as outrastrês colocam em primeiro plano as relações entre <strong>ONGs</strong> e <strong>Estado</strong>.As quatro funções que tocam a relação entre <strong>ONGs</strong> e socie<strong>da</strong>de foram classifica<strong><strong>da</strong>s</strong><strong>com</strong>o “servir”, “articular”, “representar” e “transformar”. A mais recorrente entre elas(também no conjunto de todos os critérios de autodefinição) foi “servir”. De acordo <strong>com</strong>esta percepção majoritária, a tarefa primordial <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> é oferecer serviços à população,desde os que são tradicio<strong>na</strong>lmente de <strong>com</strong>petência do <strong>Estado</strong>, <strong>com</strong>o saúde e educação, atéaqueles que promovem capacitação profissio<strong>na</strong>l e momentos de lazer, além de serviços deassessoria técnica e jurídica a setores específicos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Não se trata de ape<strong>na</strong>s representarum ou outro grupo, mas, sobretudo, oferecer a eles algum serviço ou bem específico.Nas palavras de um dos entrevistados, dirigente <strong>da</strong> ONG AM06:10Eu diria que as <strong>ONGs</strong>, em princípio, por definição, são organizações de serviços. São organizaçõesque prestam serviços aos movimentos sociais, ou prestam serviços à socie<strong>da</strong>de, de uma forma mais...Você tem organizações que escolhem ser serviço para movimentos sociais orgânicos, e outros queescolhem trabalhar <strong>com</strong> o mundo inorgânico: ou <strong>com</strong> indivíduos ou <strong>com</strong> estruturas muito localiza<strong><strong>da</strong>s</strong>que não têm integração nos chamados movimentos sociais.


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepçõesPor sua vez, os entrevistados que mencio<strong>na</strong>ram a função “articular” entendemque as <strong>ONGs</strong> devem promover a participação e a articulação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, oferecendoos instrumentos necessários para que as próprias pessoas reivindiquem seusdireitos. A função “representar” diz respeito ao entendimento <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> <strong>com</strong>o responsáveispela intermediação entre o poder público e a socie<strong>da</strong>de civil, representandosetores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de diante do <strong>Estado</strong>. Mesmo admitindo a forte aproximação entre asduas funções, existem nuances que levam a diferenciar uma <strong>da</strong> outra. Por um lado, afunção “articular” envolve a intenção de empoderar grupos ou setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,desenvolvendo principalmente trabalhos de conscientização e mobilização <strong><strong>da</strong>s</strong> basespopulares para que elas lutem por seus interesses. Por outro lado, a função “representar”implica que são as próprias <strong>ONGs</strong> que reivindicam os direitos e interessesde populações específicas, atuando principalmente junto a <strong>com</strong>issões parlamentares,conselhos e outros fóruns gover<strong>na</strong>mentais. Ambas as funções de “articular” ede “representar” podem ser considera<strong><strong>da</strong>s</strong> versões diferentes do que a literatura especializa<strong>da</strong>convencionou chamar de <strong>ONGs</strong> de “advocacy”, isto é, organizações cujaprincipal razão de ser está <strong>na</strong> promoção e defesa de direitos de populações específicas.Completando o âmbito <strong><strong>da</strong>s</strong> relações entre <strong>ONGs</strong> e socie<strong>da</strong>de, a função “transformar”corresponde a uma representação <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> enquanto agentes transformadores <strong>da</strong>reali<strong>da</strong>de, organizações cuja missão principal é promover mu<strong>da</strong>nças e transformaçõessociais, <strong>com</strong>o a redução <strong><strong>da</strong>s</strong> desigual<strong>da</strong>des sociais.Muitas vezes, a representação <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> <strong>com</strong>o prestadoras de serviços públicosacaba confundindo os papéis delas e do <strong>Estado</strong>. Isto leva ao segundo bloco <strong><strong>da</strong>s</strong> funçõesatribuí<strong><strong>da</strong>s</strong> a estas organizações, ou seja, aquele que diz respeito às relações entre ONG e<strong>Estado</strong>. Os dirigentes <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> entrevista<strong><strong>da</strong>s</strong> destacaram três funções que tratam especificamente<strong><strong>da</strong>s</strong> relações entre <strong>ONGs</strong> e <strong>Estado</strong>: “<strong>com</strong>plementar”, “substituir” e “fiscalizar”.Assim <strong>com</strong>o a função “servir” foi a mais recorrente entre aquelas referentes à relaçãoentre <strong>ONGs</strong> e socie<strong>da</strong>de, a função “<strong>com</strong>plementar” foi também preponderante <strong>na</strong>relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>. No geral, estas duas funções foram também os dois critérios deautodefinição mais invocados pelos entrevistados. A função “<strong>com</strong>plementar” entendeque o objetivo <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> é <strong>com</strong>plementar à ação do <strong>Estado</strong>. As <strong>ONGs</strong> foram apresenta<strong><strong>da</strong>s</strong><strong>com</strong>o agentes mais capacitados para a execução eficiente de políticas públicas, sejaporque possuem uma relação direta <strong>com</strong> as bases ou porque são forma<strong><strong>da</strong>s</strong> por profissio<strong>na</strong>isque possuem expertise sobre determi<strong>na</strong><strong><strong>da</strong>s</strong> questões. Nesta representação, o <strong>Estado</strong>é considerado incapaz de cumprir satisfatoriamente suas principais atribuições sem oauxílio <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>. Embora seja independente do ponto de vista legislativo, o <strong>Estado</strong>11


Brasília, março de 2013necessita <strong>da</strong> parceria <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> para pôr em prática as políticas públicas. Pode-se, aqui,fazer referência à fala de dois entrevistados:E dentro desse temário, a missão <strong>da</strong> ONG se propõe a agluti<strong>na</strong>r setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, <strong>com</strong> diferentesvisões sobre a mesma questão, e tentar de alguma forma contribuir para o aperfeiçoamento <strong>da</strong>organização social. Em determi<strong>na</strong><strong><strong>da</strong>s</strong> situações, cumprindo papéis, até em determi<strong>na</strong>dos momentos,<strong>com</strong>plementares à ação do poder público. Mas são organizações <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civil, <strong>com</strong> uma atribuiçãode aju<strong>da</strong>r a organizar a socie<strong>da</strong>de, a aprofun<strong>da</strong>r conteúdos, debates, integrar visões e buscar umamelhoria <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de uma maneira geral (Dirigente <strong>da</strong> ONG AM08).O papel <strong>da</strong> ONG é de <strong>com</strong>plemento, de aju<strong>da</strong>. Aju<strong>da</strong>dor, não “do” governo. O governo é obrigadoa <strong>da</strong>r escola, o governo é obrigado a <strong>da</strong>r alimento. Obrigado... Mas o governo dá escola?Não dá. Para todos? Não dá. Aí tem as instituições que trabalham <strong>com</strong> as crianças <strong>na</strong> faixa etáriaque o governo não consegue atingir. O governo tem escolas técnicas de qualificação profissio<strong>na</strong>lpara todos? Não tem, tem para alguns. Aí as instituições abrem cursos de qualificação para poderatender esses que não conseguem vagas <strong>na</strong> escola. O <strong>Estado</strong> tem curso de pré-vestibular, tem cursode excelência para poder ingressar esses jovens numa universi<strong>da</strong>de? Não tem. As <strong>ONGs</strong> têm.Então a ONG é um gancho, um <strong>com</strong>plemento <strong>da</strong>quilo que o governo realmente não conseguefazer (Dirigente <strong>da</strong> ONG ED10).Outra função de eleva<strong>da</strong> recorrência foi “substituir”. A ideia de substituir o<strong>Estado</strong> possui uma premissa <strong>com</strong>um à função “<strong>com</strong>plementar”, a saber, a alega<strong>da</strong>insuficiência do <strong>Estado</strong>. Entretanto, enquanto a representação <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> <strong>com</strong>o“<strong>com</strong>plementares” ao <strong>Estado</strong> imprime uma conotação positiva à relação entre ambos(uma colaboração), a representação <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> <strong>com</strong>o “substitutas” do poder púbicoconcebe esta relação sob uma conotação negativa, uma anomalia cujo efeito perversoconsiste <strong>na</strong> legitimação <strong>da</strong> própria precarie<strong>da</strong>de do <strong>Estado</strong>. Esta representação foirecorrente em muitas entrevistas, embora em algumas delas também tenha sido invoca<strong>da</strong>a função “<strong>com</strong>plementar”. Em todo caso, no geral, as funções “<strong>com</strong>plementar”e “substituir” apresentaram percepções antagônicas sobre as relações entre <strong>Estado</strong> e<strong>ONGs</strong>, isto é, ca<strong>da</strong> termo corresponde a uma concepção distinta do que seja o papel<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> <strong>na</strong> promoção de políticas públicas. Embora <strong>com</strong> pouca recorrência, outrafunção também mencio<strong>na</strong><strong>da</strong> foi “fiscalizar”. Poucos dirigentes afirmaram que a função<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> é controlar ou fiscalizar o poder público, sustentando uma perspectiva deconfronto aberto entre <strong>ONGs</strong> e <strong>Estado</strong>.12


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepçõesAlém de definir as <strong>ONGs</strong> <strong>com</strong> base no que eles acreditam ser suas principaisfunções, os dirigentes também o fizeram apontando o que acreditam ser as suas principaiscaracterísticas. Embora tenha sido menos <strong>com</strong>um que as definições basea<strong><strong>da</strong>s</strong>em funções, a ênfase <strong>na</strong>s características abre outra perspectiva para a análise do que as<strong>ONGs</strong> representam para seus dirigentes. “Idealismo”, “diversi<strong>da</strong>de”, “proximi<strong>da</strong>de <strong>com</strong>as bases”, “independência”, “agili<strong>da</strong>de” e “inovação” são, nesta ordem, as característicasmais cita<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>com</strong>o definidoras do que seriam estas organizações. A <strong>com</strong>ponente idealistaganha destaque, porque alimenta o <strong>com</strong>prometimento e as motivações individuaisdestas pessoas para fazer um “trabalho social”. A característica “diversi<strong>da</strong>de” diz respeitoao conjunto variado de temas e ações específicas que, <strong>na</strong> visão dos entrevistados, impedeuma definição mais abrangente a respeito <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>. A “proximi<strong>da</strong>de <strong>com</strong> as bases”também é uma característica importante <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que garante uma percepçãodiferencia<strong>da</strong> dos problemas de ca<strong>da</strong> <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>de ou público-alvo. As <strong>ONGs</strong> tambémforam aponta<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>com</strong>o instituições autônomas, menos sujeitas à interferência de interessespolíticos partidários e aos interesses de mercado (variável “independência”), alémde menos burocráticas e mais eficientes (variável “agili<strong>da</strong>de”). Poucos entrevistadosdestacaram que as <strong>ONGs</strong> são “inovadoras” no sentido de oferecerem soluções criativaspara o enfrentamento dos problemas sociais.TABELA 1Funções e características autoatribuí<strong><strong>da</strong>s</strong> às <strong>ONGs</strong> <strong>na</strong>s definições <strong>da</strong><strong><strong>da</strong>s</strong> pelos dirigentes¹Funções N o (%)Servir 28 56Complementar 25 50Substituir 14 28Representar 9 18Transformar 8 16Articular 6 12Fiscalizar 3 6Outros 2 4Características N o (%)Idealismo 8 16Diversi<strong>da</strong>de e especialização 7 14Proximi<strong>da</strong>de 6 12Independência 5 10Agili<strong>da</strong>de 4 8Outros 3 6Inovação 2 4Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.13


Brasília, março de 2013De modo geral, o predomínio <strong><strong>da</strong>s</strong> funções “servir à socie<strong>da</strong>de” e “<strong>com</strong>plementara atuação do <strong>Estado</strong>” <strong>com</strong>o os principais elementos de autodefinição <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> corroboraa máxima <strong>da</strong> parceria <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>com</strong>o via de mão dupla. Toma<strong><strong>da</strong>s</strong> em conjunto,estas duas funções traduzem uma relação de dependência mútua entre <strong>Estado</strong> e <strong>ONGs</strong>.Por um lado, existe a constatação generaliza<strong>da</strong> de que dificilmente as <strong>ONGs</strong> poderiamrealizar satisfatoriamente as tarefas às quais se propõem executar sem as parcerias <strong>com</strong> o<strong>Estado</strong>, já que este é um provedor importante de recursos materiais e um ator estratégico<strong>na</strong> elaboração e execução de políticas públicas. Por outro lado, existe também umaconcordância em direção oposta, isto é, a ideia de insuficiência do <strong>Estado</strong>, que depende<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> para ampliar e potencializar os resultados <strong><strong>da</strong>s</strong> políticas públicas. O equilíbriotenso destas duas posições contraditórias é aqui traduzi<strong>da</strong> <strong>na</strong> máxima <strong>da</strong> parceria <strong>com</strong> o<strong>Estado</strong> <strong>com</strong>o uma via de mão dupla, que sintetiza uma representação ambivalente sobreo <strong>Estado</strong>, apresentado, simultaneamente, <strong>com</strong>o principal obstáculo e <strong>com</strong>o parceiroestratégico <strong>na</strong> atuação <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>. Na seção seguinte, esta máxima será novamente postaà prova ao se avaliarem os principais critérios que os dirigentes utilizam para diferenciaras <strong>ONGs</strong>, o <strong>Estado</strong> e o mercado.4 Diferenças entre <strong>ONGs</strong>, <strong>Estado</strong> e mercadoQualquer processo de construção identitária envolve necessariamente um processo correlatode demarcação de alteri<strong>da</strong>des. A história de formação do campo <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> no Brasilnão é diferente e está repleta de disputas simbólicas em torno <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de destasinstituições, um processo que nunca resultou em uma forma social acaba<strong>da</strong>, mas vemdefinindo um conjunto de valores e práticas sociais que conferem um sentido específicoa estas organizações (Lima Neto, 2013; 2010; Landim, 1998). Na esteira deste processo,as <strong>ONGs</strong> termi<strong>na</strong>m produzindo significado não ape<strong>na</strong>s sobre si mesmas, mas tambémsobre as outras instituições <strong>com</strong> as quais ela se relacio<strong>na</strong>. Nesta seção, são explora<strong><strong>da</strong>s</strong> asrepresentações identitárias pauta<strong><strong>da</strong>s</strong> pelo contraste ente as <strong>ONGs</strong> e dois dos seus principais“outros” significativos: o <strong>Estado</strong> (<strong>na</strong>s entrevistas, o governo) e o mercado (<strong>na</strong>sentrevistas, as empresas).14


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepçõesQuando in<strong>da</strong>gado sobre as diferenças entre <strong>ONGs</strong>, <strong>Estado</strong> e mercado, pediu-se queos entrevistados fornecessem tanto definições genéricas quanto específicas. No primeirocaso, a resposta deveria levar em consideração as <strong>ONGs</strong> em geral, enquanto, no segundocaso, a referência seria a própria ONG entrevista<strong>da</strong>. Em ambos os posicio<strong>na</strong>mentos (gerale particular), observou-se a utilização dos mesmos critérios de avaliação <strong><strong>da</strong>s</strong> diferenças.Quando o objeto <strong>da</strong> diferenciação foram as empresas, os entrevistados não ape<strong>na</strong>s mobilizaramos mesmos critérios <strong>com</strong>o também o fizeram em proporções semelhantes.Assim, a característica não lucrativa foi aponta<strong>da</strong> <strong>com</strong>o principal diferença entre as empresase as <strong>ONGs</strong>, seja no plano genérico ou no caso particular <strong>da</strong> ONG entrevista<strong>da</strong>.Para muitos, a ausência do lucro <strong>com</strong>o objetivo está relacio<strong>na</strong><strong>da</strong> a outra diferença, quediz respeito ao tipo de <strong>com</strong>prometimento ideológico de quem trabalha <strong>com</strong> as <strong>ONGs</strong>.Neste registro, por exemplo, o trabalho voluntário é apontado <strong>com</strong>o um esforço pessoalem prol de um ideal específico. Portanto, o “engajamento idealista”, que já havia sidoidentificado no quesito <strong><strong>da</strong>s</strong> autodefinições sobre <strong>ONGs</strong>, serve também <strong>com</strong>o critériopara diferenciar <strong>ONGs</strong> e empresas no entendimento dos entrevistados. Muitas vezes,a fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de lucrativa <strong><strong>da</strong>s</strong> empresas também foi contraposta à fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de pública <strong><strong>da</strong>s</strong><strong>ONGs</strong>. Mesmo os projetos sociais desenvolvidos pelas empresas são encarados <strong>com</strong> desconfiançapelos dirigentes entrevistados. De modo geral, estes resultados indicam que o<strong>com</strong>prometimento <strong>com</strong> as causas sociais são avaliados segundo os interesses específicos emjogo. Os dirigentes de <strong>ONGs</strong> corroboraram a percepção tradicio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> ação voluntária ousocial <strong>com</strong>o um ato desprovido de interesses egoístas. Portanto, nesta visão, os interessestípicos do mercado <strong>com</strong>prometeriam a legitimi<strong>da</strong>de do engajamento social <strong><strong>da</strong>s</strong> empresas:TABELA 2Diferenças aponta<strong><strong>da</strong>s</strong> pelos dirigentes entre empresas e a ONG entrevista<strong>da</strong>¹Diferenças N o (%)ONG não visa o lucro 32 64ONG visa o bem geral 11 22Idealismo <strong>da</strong> ONG 10 20Semelhantes 04 08Abor<strong>da</strong>gem 04 08Estrutura 03 06Outros 03 06Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.15


Brasília, março de 2013TABELA 3Diferenças aponta<strong><strong>da</strong>s</strong> pelos dirigentes entre empresas e <strong>ONGs</strong> em geral¹Diferenças N o (%)<strong>ONGs</strong> não visam o lucro 40 80<strong>ONGs</strong> visam o bem <strong>com</strong>um 13 26Idealismo <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> 13 26Semelhantes 07 14Gerenciamento 05 10Estrutura 04 08Outros 04 08Independência <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> 02 04Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.Nas <strong>com</strong>parações <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>, os critérios de diferenciação são os mesmos quandose trata de <strong>ONGs</strong> em geral e <strong>da</strong> ONG em particular, embora mude a sua ordem derecorrência. No plano geral, as diferenças mais lembra<strong><strong>da</strong>s</strong> enfatizaram a maior “agili<strong>da</strong>de”e “independência” <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>. Novamente, trata-se de duas características lembra<strong><strong>da</strong>s</strong> noquesito <strong><strong>da</strong>s</strong> autodefinições. Contudo, não se trata mais de critérios secundários, mas, sim,dos principais critérios de diferenciação entre ONG e <strong>Estado</strong>. A maior parte dos entrevistadosacredita que as <strong>ONGs</strong> são instituições autônomas, mais enxutas e mais eficientes doque o <strong>Estado</strong>, <strong>com</strong> sua pesa<strong>da</strong> burocracia. A palavra “engessamento” foi muito emprega<strong>da</strong>neste contexto de discussão, isto é, a ideia de que os entraves burocráticos do <strong>Estado</strong>limitam a sua própria capaci<strong>da</strong>de de ação. Além disto, este engessamento é apontado <strong>com</strong>ocausador de um efeito deletério no trabalho de <strong>ONGs</strong> que dependem de fi<strong>na</strong>nciamentoestatal. Entretanto, os entrevistados acreditam que estas organizações podem procurarsuperar tais obstáculos justamente em função de sua maior flexibili<strong>da</strong>de. Por sua vez,a noção de “independência” foi evoca<strong>da</strong> de forma bastante genérica, remetendo aosinteresses <strong>da</strong> política partidária e de outros interesses e setores organizados <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>deno gerenciamento <strong><strong>da</strong>s</strong> funções de governo.Ao lado dos critérios “agili<strong>da</strong>de” e “independência”, outro critério de grande recorrência<strong>na</strong> fala dos entrevistados traduz a ideia de que, diferentemente do <strong>Estado</strong>, as <strong>ONGs</strong>promovem “serviços de caráter não universal”, isto é, elas não atendem a socie<strong>da</strong>de <strong>com</strong>oum todo, mas ape<strong>na</strong>s populações específicas. Esta diferente <strong>com</strong>preensão do que seja opropósito público do <strong>Estado</strong> e <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> implica também percepções diferencia<strong><strong>da</strong>s</strong> sobrea ideia de representação política. De acordo <strong>com</strong> esta perspectiva, amplamente sustenta<strong>da</strong>16


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepçõespelos dirigentes entrevistados, as <strong>ONGs</strong> são concebi<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>com</strong>o responsáveis pela formaçãode novos modelos de representação política, cuja legitimi<strong>da</strong>de não é garanti<strong>da</strong> pelo voto,mas por intermédio do seu papel de mediação entre o <strong>Estado</strong> e os setores pouco ou nãorepresentados (Lavalle, Houtzager e Castelo, 2006). Assim, o fun<strong>da</strong>mento que conferelegitimi<strong>da</strong>de a este modelo de representação não é a sua “autorização” formal chancela<strong>da</strong>pelo processo eleitoral, mas as diferentes formas de “accountability” que são gera<strong><strong>da</strong>s</strong>por estas organizações (Koslinski e Reis, 2009; Lavalle e Castello, 2008). O idealismo <strong><strong>da</strong>s</strong>pessoas que trabalham <strong>na</strong>s <strong>ONGs</strong>, a maior proximi<strong>da</strong>de <strong>com</strong> o público-alvo, a carência derecursos fi<strong>na</strong>nceiros e materiais e o caráter de <strong>com</strong>plementari<strong>da</strong>de <strong><strong>da</strong>s</strong> ativi<strong>da</strong>des <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>e do governo também foram exemplos recorrentes <strong>da</strong> diferença entre ambos. Embora <strong>com</strong>menor frequência, houve ain<strong>da</strong> quem mencio<strong>na</strong>sse a maior transparência <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>, o queimplicaria uma menor susceptibili<strong>da</strong>de à corrupção, e os que argumentaram o fato de elasterem por objetivo fiscalizar o governo. A tabela 4 apresenta estes <strong>da</strong>dos.TABELA 4Diferenças entre governo e <strong>ONGs</strong> em geral¹Diferenças N o (%)Agili<strong>da</strong>de 22 44Maior independência <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> 19 38Públicos-alvo específicos 18 36Idealismo <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> 12 24Proximi<strong>da</strong>de 8 16Estrutura 8 16Complementares 6 12Inovação <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> 6 12<strong>ONGs</strong> fiscalizam governo 5 10Maior transparência <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> 5 10Outros 5 10Abor<strong>da</strong>gem 4 8Legitimi<strong>da</strong>de 4 8Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.Em geral, os entrevistados entendem que, embora os propósitos públicos <strong><strong>da</strong>s</strong><strong>ONGs</strong> e do <strong>Estado</strong> não sejam os mesmos, há entre eles uma forte aproximação no quetange aos objetivos visados pelos projetos sociais e pelas políticas públicas. Esta ideiajá havia sido identifica<strong>da</strong> no quesito <strong><strong>da</strong>s</strong> autopercepções, quando a maior parte dosentrevistados afirmou que a principal função <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> é “<strong>com</strong>plementar” o trabalho17


Brasília, março de 2013do <strong>Estado</strong>. Assim, a diferença no propósito público e a confusão dos papéis desempenhadosnão devem ser toma<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>com</strong>o elementos contraditórios, <strong>com</strong>o poderiamparecer à primeira vista. De acordo <strong>com</strong> esta perspectiva, mesmo que desenvolvamfunções análogas (servir ao bem <strong>com</strong>um), as <strong>ONGs</strong> e o <strong>Estado</strong> trabalham em um horizonteque contempla gra<strong>da</strong>ções diferentes <strong>da</strong> “vi<strong>da</strong> pública” no país. As falas a seguirilustram bem esta ideia:O órgão gover<strong>na</strong>mental é um órgão de governo, o governo está constituído <strong>com</strong>o uma representativi<strong>da</strong>de,pelo menos <strong>na</strong>s democracias ocidentais, <strong>com</strong> uma representativi<strong>da</strong>de e <strong>com</strong>uma responsabili<strong>da</strong>de e <strong>com</strong> uma legitimi<strong>da</strong>de para conduzir o <strong>Estado</strong>, num determi<strong>na</strong>domomento, numa determi<strong>na</strong><strong>da</strong> interseção. Um determi<strong>na</strong>do período de tempo que se supõeestar representando conjunto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Uma ONG não necessariamente tem <strong>na</strong><strong>da</strong> a ver<strong>com</strong> isso. Ela pode ser feita por um grupo de meia dúzia de pessoas e ser tão legítima quantoem termos <strong>da</strong> sua deman<strong>da</strong>, enfim, <strong>da</strong> sua constituição. Mas são lugares e dimensões absolutamentedistintas. O governo tem uma pauta mais <strong>com</strong>plexa, que está media<strong>da</strong> por inúmerosatores sociais, pelos órgãos representativos, pelos órgãos de governo, coisa que a ONG nãonecessariamente está. Eu acho que são muito distintos (Dirigente <strong>da</strong> ONG SA03).As <strong>ONGs</strong>, <strong>na</strong> sua maioria, trabalham <strong>com</strong> ações muito específicas. Quem trabalha <strong>com</strong> criançae adolescente, quem trabalha em área de saúde, não tem o tudo que tem o governo. E aí, <strong>na</strong>medi<strong>da</strong> em que ela trabalha <strong>com</strong> um pe<strong>da</strong>ço dessa socie<strong>da</strong>de, um pe<strong>da</strong>ço <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, elatem condição de monitorar, contribuir <strong>com</strong> reflexões, <strong>com</strong> análises, <strong>com</strong> informações paraconstruir esses conselhos, para construir essas políticas, porque tem uma parte <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>deorganiza<strong>da</strong> dizendo: “tô chamando atenção para esse assunto que você no global não tá vendo”(Dirigente <strong>da</strong> ONG ED 05).Na diferenciação entre os organismos gover<strong>na</strong>mentais e a organização específica,os entrevistados citaram “serviços de caráter não universal”, “proximi<strong>da</strong>de <strong>com</strong> as bases”e “abor<strong>da</strong>gem” <strong>com</strong>o as principais diferenças. Enquanto as duas primeiras possuem forteincidência <strong>na</strong> diferenciação geral, a última é relevante ape<strong>na</strong>s no contexto de diferenciaçãoespecífica. Nesta perspectiva, a abor<strong>da</strong>gem <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> diz respeito a uma concepçãodiferencia<strong>da</strong> sobre os produtos (resultados) e a eficiência <strong><strong>da</strong>s</strong> ações. Reitera<strong><strong>da</strong>s</strong> vezes, osentrevistados argumentaram que, diferentemente do governo, suas <strong>ONGs</strong> estão menosinteressa<strong><strong>da</strong>s</strong> em números e mais interessa<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>na</strong>s pessoas:18Esse olhar mais aprofun<strong>da</strong>do, mais denso <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Na empresa é uma ação para legitimar aatuação deles, para minimizar, enfim, um passivo que eles tenham. Então para eles o que importaé um número no fi<strong>na</strong>l, enquanto pra gente é o resultado qualitativo. Para eles, o que importa é oquantitativo, para a ONG, é o resultado qualitativo (Dirigente <strong>da</strong> ONG ED01).


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepçõesA maior agili<strong>da</strong>de, a maior independência, a função fiscalizadora e o idealismo <strong><strong>da</strong>s</strong><strong>ONGs</strong> também foram diferenças invoca<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>na</strong> <strong>com</strong>paração entre organizações gover<strong>na</strong>mentaise a organização específica. Poucas pessoas mencio<strong>na</strong>ram o critério “inovação<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>”, que consiste <strong>na</strong> percepção <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> <strong>com</strong>o soluções precursoras ou <strong>com</strong>oalter<strong>na</strong>tivas criativas no enfrentamento dos problemas sociais. A tabela 5 apresenta asdiferenças entre governo e a ONG entrevista<strong>da</strong>.TABELA 5Diferenças aponta<strong><strong>da</strong>s</strong> pelos dirigentes entre governo e ONG entrevista<strong>da</strong>¹Diferenças N o (%)Públicos-alvo específicos 12 24Proximi<strong>da</strong>de 11 22Abor<strong>da</strong>gem 9 18Agili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ONG 8 16Maior independência <strong>da</strong> ONG 7 14Outros 7 14ONG fiscaliza governo 6 12Complementares 3 6Idealismo <strong>da</strong> ONG 3 6Inovação <strong>da</strong> ONG 3 6Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.Levando em consideração os critérios de diferenciação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> e <strong>com</strong> omercado, a máxima <strong>da</strong> parceria do <strong>Estado</strong> <strong>com</strong>o via de mão dupla pode ser mais umavez destaca<strong>da</strong> no conjunto <strong><strong>da</strong>s</strong> percepções aqui a<strong>na</strong>lisa<strong><strong>da</strong>s</strong>. Às diferenças entre empresase <strong>ONGs</strong> é possível sobrepor funções de <strong>na</strong>tureza e objetivos igualmente diversos:de um lado, a busca pelo lucro e, de outro, a busca pelo bem <strong>com</strong>um. Por sua vez,<strong>na</strong> <strong>com</strong>paração <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>, a diferença entre eles não implica o cumprimentode funções distintas, <strong>com</strong>o já foi mencio<strong>na</strong>do. Neste sentido, ao contrário do queacontece <strong>na</strong>s relações <strong>com</strong> as empresas, os entrevistados entendem que a interaçãoou o conflito <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> é algo praticamente inevitável no cotidianode suas ações, pois ambos dividem funções sociais semelhantes, mesmo que <strong>com</strong>perspectivas e abor<strong>da</strong>gens diferentes.19


Brasília, março de 20135 Vantagens RelativasOutro modo de estabelecer um termo de <strong>com</strong>paração entre <strong>ONGs</strong>, <strong>Estado</strong> e mercadoé focalizar as vantagens relativas. Perguntou-se aos entrevistados quais as vantagens<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> em relação ao <strong>Estado</strong> e ao mercado. Na <strong>com</strong>paração <strong>com</strong> as empresas,a fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de não lucrativa <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> é um ponto de parti<strong>da</strong> <strong>com</strong>um que orienta as diferentespercepções sobre as vantagens destas instituições. O fato de não ter as ativi<strong>da</strong>despauta<strong><strong>da</strong>s</strong> por uma busca pelo lucro leva a uma percepção generaliza<strong>da</strong> dos objetivos<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> <strong>com</strong>o causas mais nobres do que os objetivos <strong><strong>da</strong>s</strong> empresas. Assim, as justificativasmorais foram, de longe, as mais lembra<strong><strong>da</strong>s</strong>. Frequentemente, os entrevistadosmencio<strong>na</strong>ram o <strong>com</strong>prometimento idealista-individual de pessoas que chegam a recusarofertas de trabalho <strong>com</strong> melhor remuneração para fazer trabalho social em ONG.Seguindo este argumento, um requisito fun<strong>da</strong>mental para uma pessoa fazer trabalhosocial em uma ONG é possuir empatia <strong>com</strong> o trabalho, isto é, “fazer o que gosta”,“amar o que faz”.A principal vantagem de não estar numa empresa priva<strong>da</strong> é não ter que pensar no lucro, nodinheiro, porque eu acho isso um horror... Eu tenho sorte que a minha mãe é funcionária públicae ela pode sustentar as loucuras que eu faço aqui dentro (risos). Então a principal vantagem é isso,é não pensar no lucro fi<strong>na</strong>l, não ter um produto pensando no lucro fi<strong>na</strong>l para o meu sustento.Eu faço isso por amor. A gente está militando por amor... Essa é a maior vantagem e ponto fi<strong>na</strong>l.O nosso produto é a felici<strong>da</strong>de de alguém. Eu acho que essa é a principal vantagem (Dirigente<strong>da</strong> ONG MI04).Outra vantagem mencio<strong>na</strong><strong>da</strong> pelos entrevistados diz respeito à maior independência<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>, que, diferentemente <strong><strong>da</strong>s</strong> empresas <strong>com</strong> suas metas de mercado,possuem mais liber<strong>da</strong>de <strong>na</strong>s toma<strong><strong>da</strong>s</strong> de decisões. Esta percepção também reforça o<strong>com</strong>prometimento ideológico <strong><strong>da</strong>s</strong> pessoas que trabalham em <strong>ONGs</strong>. Ao se tor<strong>na</strong>remmais independentes <strong><strong>da</strong>s</strong> amarras do mercado e <strong>da</strong> política, as <strong>ONGs</strong> fortalecem os<strong>com</strong>promissos <strong>com</strong> as suas causas. Isto acaba por fazer <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> instituições maiseficientes que as empresas no âmbito do trabalho social. Os dirigentes que apontaramesta eficiência <strong>com</strong>o uma vantagem <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> consideram não ape<strong>na</strong>s o impactoimediato de suas ativi<strong>da</strong>des, mas, sobretudo, seus resultados em longo prazo. Outravantagem lembra<strong>da</strong> diz respeito ao melhor ambiente de trabalho, menos <strong>com</strong>petitivo emais amistoso (tabela 6).20


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepçõesTABELA 6Vantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> em relação às empresas¹Vantagens N o (%)Moral 29 58Independência 8 16Maior eficiência nos trabalhos sociais 4 8Melhor ambiente de trabalho 4 8Outros 3 6Processos mais democráticos 2 4Não há 1 2Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.No que tange às desvantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> diante <strong><strong>da</strong>s</strong> empresas, também foi possívelidentificar uma percepção largamente majoritária: a ideia de carência de recursos, isto é, ofato de as <strong>ONGs</strong> contarem <strong>com</strong> recursos fi<strong>na</strong>nceiros mais instáveis e <strong>com</strong> menor volumeque as empresas. Além desta percepção, alguns dirigentes fizeram também referência àsdiferenças no âmbito <strong>da</strong> gestão, visto que as empresas possuem profissio<strong>na</strong>is mais capacitadostecnicamente para li<strong>da</strong>r <strong>com</strong> a administração <strong>da</strong> instituição. As desvantagens <strong>na</strong>remuneração e no pagamento de impostos – a ideia de <strong>ONGs</strong> sofrerem mais <strong>com</strong> osimpostos que as empresas – também apareceram <strong>na</strong>s entrevistas.TABELA 7Desvantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> em relação às empresas¹Desvantagens N o (%)Carência de recursos 24 48Administração 5 10Salários 3 6Tributos 2 4Outros 2 4Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.Por sua vez, <strong>na</strong> <strong>com</strong>paração <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>, os entrevistados elencaram a noçãode “agili<strong>da</strong>de” <strong>com</strong>o a principal vantagem <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>. Assim <strong>com</strong>o aconteceu emoutros quesitos, os dirigentes insistiram no peso burocrático dos trâmites institucio<strong>na</strong>isgover<strong>na</strong>mentais. A esta burocracia, os dirigentes opuseram a flexibili<strong>da</strong>de <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>,isto é, a imagem de um <strong>Estado</strong> inchado e engessado foi contraposta à maior liber<strong>da</strong>de21


Brasília, março de 2013<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> para definir suas agen<strong><strong>da</strong>s</strong>. Segundo esta visão, uma consequência destedi<strong>na</strong>mismo institucio<strong>na</strong>l é a maior eficiência no âmbito dos resultados. Outra vantagemrecorrente foi a “proximi<strong>da</strong>de <strong>com</strong> as bases”. O trabalho voltado para <strong>com</strong>uni<strong>da</strong>des évisto aqui <strong>com</strong>o um ingrediente fun<strong>da</strong>mental para superar o formalismo e a distânciado <strong>Estado</strong> em relação a seus ci<strong>da</strong>dãos. Deste modo, a proximi<strong>da</strong>de <strong>com</strong> o público-alvopermite às <strong>ONGs</strong> um a<strong>com</strong>panhamento mais individualizado de suas ações, exigindouma sensibili<strong>da</strong>de particular:Mas... mal <strong>com</strong>parando, se a gente fosse pensar mais <strong>na</strong>s áreas liga<strong><strong>da</strong>s</strong> a política social, programade infraestrutura, enfim, nos temas mais afins <strong>com</strong> que a gente trabalha... Eu acho que a gentetem uma política de ouvir, de escutar, de a<strong>com</strong>panhar, de saber, de ter um retorno dos grupos, <strong><strong>da</strong>s</strong><strong>com</strong>uni<strong>da</strong>des maior do que o governo faz normalmente (Dirigente <strong>da</strong> ONG MI12).Muitos dirigentes destacaram o fato de as <strong>ONGs</strong> serem organizações mais “inovadoras”que o <strong>Estado</strong>, isto é, as <strong>ONGs</strong> são mais abertas à experimentação de abor<strong>da</strong>gens menosusuais em seus projetos. Aqueles que mencio<strong>na</strong>ram as vantagens do idealismo <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>destacaram o <strong>com</strong>promisso ético de pessoas que, muitas vezes, abrem mão de um saláriomaior para poder trabalhar em uma ONG. Por sua vez, a noção de “independência” <strong>com</strong>ovantagem <strong>da</strong> ONG <strong>com</strong> relação ao <strong>Estado</strong> aponta para o fato de elas estarem menos sujeitasàs influências <strong>da</strong> política. A tabela 8 apresenta estes <strong>da</strong>dos.TABELA 8Vantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> em relação ao governo aponta<strong><strong>da</strong>s</strong> pelos dirigentes¹Vantagens N o (%)Agili<strong>da</strong>de 29 58Proximi<strong>da</strong>de 25 50Inovação 15 30Idealismo 14 28Independência 14 28Expertise 8 16Transparência 6 12Outros 4 8Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.22


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepçõesQuando in<strong>da</strong>gado sobre as desvantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> em relação ao governo, a“carência de recursos” foi o ponto mais ressaltado no conjunto <strong><strong>da</strong>s</strong> entrevistas, quandoos dirigentes reiteraram o desafio de manter a sustentabili<strong>da</strong>de fi<strong>na</strong>nceira de suas instituições.Na ausência de recursos fi<strong>na</strong>nceiros e materiais, eles entendem que as <strong>ONGs</strong>termi<strong>na</strong>m por alimentar uma relação de dependência <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>, sujeitando-se àsincertezas e descontinui<strong>da</strong>des do fi<strong>na</strong>nciamento gover<strong>na</strong>mental. Outras desvantagensrecorrentes foram “obstáculos legais” e “abrangência”. A primeira trata de questões<strong>com</strong>o a ausência de uma legislação específica sobre <strong>ONGs</strong> ou a impossibili<strong>da</strong>de deremunerar os seus dirigentes. Por sua vez, a noção de abrangência consiste em uma autocríticaao alcance limitado <strong><strong>da</strong>s</strong> ações <strong>da</strong> <strong>ONGs</strong>, que não possuem o mesmo impactosocial que uma política pública.TABELA 9Desvantagens entre <strong>ONGs</strong> e governo aponta<strong><strong>da</strong>s</strong> pelos dirigentes ¹Desvantagens N o (%)Carência de recursos 23 46Menor abrangência 07 14Obstáculos legais 07 14Outros 06 12Instabili<strong>da</strong>de administrativa 02 04Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.É importante observar que, de acordo <strong>com</strong> a percepção dos entrevistados,o alcance limitado (escala reduzi<strong>da</strong>) <strong><strong>da</strong>s</strong> ações <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> pode representar tanto umavantagem quanto uma desvantagem destas frente ao <strong>Estado</strong>. No primeiro caso, porexemplo, as <strong>ONGs</strong> são aponta<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>com</strong>o instituições mais capacita<strong><strong>da</strong>s</strong> para acessardetermi<strong>na</strong><strong><strong>da</strong>s</strong> locali<strong>da</strong>des e públicos-alvo, devido à proximi<strong>da</strong>de que mantêm <strong>com</strong>as pessoas. No segundo caso, o trabalho <strong>com</strong>unitário é visto <strong>com</strong>o uma limitação.Ape<strong>na</strong>s <strong>com</strong> apoio do <strong>Estado</strong> é que as <strong>ONGs</strong> podem alcançar populações maisdistantes e, deste modo, ampliar seus resultados. Assim, mais uma vez, agora soboutro ponto de vista, os entrevistados corroboraram uma percepção ambivalente<strong>com</strong> relação às suas interações <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>. A ampliação do escopo de atuaçãovia parcerias <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> pode eventualmente <strong>com</strong>prometer um aspecto positivodestas organizações: a sua proximi<strong>da</strong>de <strong>com</strong> as pessoas.23


Brasília, março de 20136 Parcerias entre <strong>ONGs</strong>, <strong>Estado</strong> e MercadoApós ter explorado o conjunto de percepções dos entrevistados sobre as diferenças, vantagense desvantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> em relação ao <strong>Estado</strong> e ao mercado, a pesquisa voltou-separa suas percepções sobre vantagens e desvantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> parcerias que desenvolvem <strong>com</strong>estas duas instâncias. No que tange às parcerias <strong>com</strong> as empresas, a vantagem preponderantefoi o fato de encontrarem menos burocracia que <strong>na</strong>s parcerias <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>.Para alguns deles, as empresas são instituições mais objetivas, seu interesse primordialestá nos resultados e não no procedimento, o que acaba por assegurar a boa organizaçãoe autonomia dos trabalhos <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>. Este modo particular de as empresas monitoraremos trabalhos <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> remete à segun<strong>da</strong> vantagem mais mencio<strong>na</strong><strong>da</strong>, a maiormobili<strong>da</strong>de <strong>na</strong> aplicação dos recursos. Conforme argumentou um dos dirigentes, <strong>com</strong>fi<strong>na</strong>nciamento privado, é possível, por exemplo, pagar aluguel <strong>da</strong> sede e telefone, o quenormalmente não acontece <strong>com</strong> o fi<strong>na</strong>nciamento público. Outras vantagens lembra<strong><strong>da</strong>s</strong>foram a própria experiência (isto é, o a<strong>com</strong>panhamento ou troca de questões técnicas),o fato do pagamento ser feito de maneira continua<strong>da</strong> e dentro dos prazos estipulados, acaptação de recursos e as facili<strong>da</strong>des de <strong>com</strong>unicação:TABELA 10Vantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> parcerias entre <strong>ONGs</strong> e empresas¹Vantagens N o (%)Menor burocracia 18 36Utilização dos recursos 9 18Experiência 7 14Pagamento no prazo 4 8Captar recursos 4 8Comunicação/proximi<strong>da</strong>de 4 8Outros 3 6Visibili<strong>da</strong>de 2 4Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.A despeito <strong><strong>da</strong>s</strong> vantagens mencio<strong>na</strong><strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>na</strong>s parcerias <strong>com</strong> as empresas, muitosentrevistados afirmaram que estas parcerias podem <strong>com</strong>prometer a reputação <strong><strong>da</strong>s</strong><strong>ONGs</strong> em favor <strong>da</strong> promoção <strong>da</strong> empresa. Os dirigentes acusam as empresas de lançaremprojetos sociais <strong>com</strong> o único propósito de fazer publici<strong>da</strong>de de suas marcas.24


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepçõesConforme já fora constatado no quesito sobre diferenças entre <strong>ONGs</strong> e empresas,os dirigentes entendem que responsabili<strong>da</strong>de social não pode ser consequência de açõesorienta<strong><strong>da</strong>s</strong> para o lucro, <strong>com</strong>prometendo a legitimi<strong>da</strong>de dos projetos sociais <strong><strong>da</strong>s</strong> organizaçõesdo mercado. Outro ponto bastante mencio<strong>na</strong>do diz respeito às divergênciasquanto ao tipo de ação a ser implementa<strong>da</strong>, pois, muitas vezes, as empresas exigemresultados materiais, quantificáveis, desprezando o impacto qualitativo <strong><strong>da</strong>s</strong> ativi<strong>da</strong>des.A descontinui<strong>da</strong>de <strong><strong>da</strong>s</strong> ações, o que implica a preferência por projetos de curto prazo,e a interferência <strong>da</strong> empresa no planejamento e execução dos projetos também foramdesvantagens lembra<strong><strong>da</strong>s</strong>. Alguns dirigentes alegaram não haver desvantagem <strong>na</strong>s parcerias<strong>com</strong> as empresas, o que não aconteceu quando tratamos <strong><strong>da</strong>s</strong> vantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>em relação ao <strong>Estado</strong>.TABELA 11Desvantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> parcerias entre <strong>ONGs</strong> e empresas¹Desvantagens N o (%)Má reputação 18 36Divergência de concepções 13 26Descontinui<strong>da</strong>de 6 12Ingerência 6 12Não há 5 10Outros 1 2Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.A principal vantagem que os dirigentes afirmaram existir <strong>na</strong>s parcerias entre <strong>ONGs</strong>e <strong>Estado</strong> é a própria experiência <strong>da</strong> parceria, que permite tanto um melhor conhecimento<strong><strong>da</strong>s</strong> engre<strong>na</strong>gens estatais <strong>com</strong>o também propicia ganhos de credibili<strong>da</strong>de e, sobretudo,visibili<strong>da</strong>de para a ONG. Outra vantagem recorrente é a abrangência <strong><strong>da</strong>s</strong> ações, que,conforme mencio<strong>na</strong>do anteriormente, permite à enti<strong>da</strong>de ampliar a escala de suas ações,diversificando seu público-alvo e potencializando seus resultados. A possibili<strong>da</strong>de de influenciara política pública também é uma vantagem <strong>na</strong> parceria <strong>com</strong> órgãos gover<strong>na</strong>mentais.Mais ain<strong>da</strong>, por intermédio <strong><strong>da</strong>s</strong> políticas públicas, as <strong>ONGs</strong> podem atestar o impactosocial de um projeto, bem <strong>com</strong>o sua continui<strong>da</strong>de ao longo do tempo (o que dificilmenteaconteceria sem a participação do <strong>Estado</strong>). A captação de recursos e o estabelecimentode um ca<strong>na</strong>l de <strong>com</strong>unicação <strong>com</strong> o governo também foram percebidos <strong>com</strong>o vantagensimportantes <strong>na</strong>s parcerias <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>.25


Brasília, março de 2013TABELA 12Vantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> parcerias entre <strong>ONGs</strong> e governo¹N o (%)Experiência 21 42Abrangência 14 28Influenciar políticas públicas 12 24Obtenção de recursos 12 24Diálogo 10 20Outros 5 10Questões técnicas 3 6Não há 2 4Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.Conforme já enunciado, a burocracia constitui a principal desvantagem que osdirigentes de ONG atribuem às parcerias <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>. Entre os maiores obstáculosgerados por esta burocracia gover<strong>na</strong>mental, foi mencio<strong>na</strong><strong>da</strong> a dificul<strong>da</strong>de para respondera editais demasia<strong>da</strong>mente específicos e as dificul<strong>da</strong>des <strong>na</strong> hora de fazer a prestaçãode contas. A descontinui<strong>da</strong>de <strong><strong>da</strong>s</strong> ações, decorrente <strong><strong>da</strong>s</strong> mu<strong>da</strong>nças de governos e <strong>da</strong>preferência por projetos de curto prazo, é vista <strong>com</strong>o um problema mais recorrenteque <strong>na</strong>s parcerias <strong>com</strong> as empresas. A ingerência do governo, o atraso nos pagamentose a rigidez dos gastos também foram apresentados <strong>com</strong>o fatores <strong>com</strong>plicadores destaparceria. Na tabela 13, apresenta-se a frequência destas variáveis.TABELA 13Desvantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> parcerias entre <strong>ONGs</strong> e governo¹N o (%)Burocracia 34 68Descontinui<strong>da</strong>de 15 30Ingerência 14 28Atraso 11 22Rigidez de gastos 10 20Corrupção 5 10Falta de envolvimento 3 6Outros 3 6Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.26


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepções7 O Papel <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> no BrasilNo último bloco <strong><strong>da</strong>s</strong> questões <strong>da</strong> primeira parte <strong>da</strong> pesquisa, os dirigentes foram questio<strong>na</strong>dossobre qual deveria ser o papel <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> no Brasil e qual o papel que elas realmentedesempenham no país. Novamente, foi elencado um conjunto de percepções que já haviamsido mencio<strong>na</strong><strong><strong>da</strong>s</strong> em outros contextos <strong>da</strong> entrevista. No plano ideal, por exemplo,os papéis mais mencio<strong>na</strong>dos foram “<strong>com</strong>plementar a ação do <strong>Estado</strong>”, “fiscalizar o <strong>Estado</strong>”,“representar a socie<strong>da</strong>de”, “influenciar a opinião pública”, “influenciar as políticas públicas”e “articular a socie<strong>da</strong>de”. To<strong><strong>da</strong>s</strong> estas variáveis possuem uma frequência próxima e reiteramuma espécie de dupla necessi<strong>da</strong>de <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: colaborar <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>, sem deixar de manterum distanciamento crítico em relação a este. Outros dirigentes recorreram a percepçõesde ordem mais instrumental sobre o papel <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> no Brasil ao afirmarem que elasdevem “identificar” e/ou “solucio<strong>na</strong>r os problemas sociais”, além de outros que apontaramo papel de “promover transformações sociais”.TABELA 14Papel ideal <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>¹N o (%)Complementar 7 14Fiscalizar 7 14Representar socie<strong>da</strong>de 7 14Influenciar opinião pública 7 14Influenciar políticas públicas 6 12Organizar/articular socie<strong>da</strong>de 6 12Identificar problemas 4 8Solucio<strong>na</strong>r problemas 4 8Promover mu<strong>da</strong>nças 3 6Outros 2 4Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.Quando se deixou o plano ideal para in<strong>da</strong>gar qual é o papel real <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> noBrasil, a maior parte dos entrevistados não hesitou em identificá-las <strong>com</strong>o agentes decorrupção e clientelismo. Embora alguns tenham feito ressalvas para a não generalização,prevaleceu a ideia depreciativa sobre o papel atualmente desempenhado pelas <strong>ONGs</strong>no país. No geral, foram critica<strong><strong>da</strong>s</strong> tanto as “<strong>ONGs</strong> de facha<strong>da</strong>”, isto é, organizaçõesque pertencem ou servem a interesses de políticos, quanto as <strong>ONGs</strong> que, mesmo nãosendo de facha<strong>da</strong>, preocupam-se ape<strong>na</strong>s <strong>com</strong> o acesso a fi<strong>na</strong>nciamentos, isto é, <strong>ONGs</strong>27


Brasília, março de 2013que procuram executar políticas públicas, mas sem intenção de discutir sua formulaçãoou exercer algum distanciamento crítico em relação ao <strong>Estado</strong>. Embora os entrevistadosreconheçam que as primeiras são minoria no universo <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>, as últimas sãoaponta<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>com</strong>o mais frequentes. Foi <strong>com</strong>um o posicio<strong>na</strong>mento que reconhecia a generalizaçãode <strong>ONGs</strong> classifica<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>com</strong>o oportunistas, volta<strong><strong>da</strong>s</strong> quase exclusivamente paracaptação de recursos. Os trechos a seguir, extraídos <strong><strong>da</strong>s</strong> entrevistas, aludem a esses doismodelos de autocrítica.Há <strong>ONGs</strong> gover<strong>na</strong>mentais e há <strong>ONGs</strong> não gover<strong>na</strong>mentais. E você não sabe que são <strong>ONGs</strong>gover<strong>na</strong>mentais. Várias secretarias de governo de estados e municípios têm a sua própriaONG. Vários ministros, vários secretários de <strong>Estado</strong>, secretários municipais, têm suas próprias<strong>ONGs</strong>. Isso é mentira, você sabe, então fazer essa pergunta depende <strong>da</strong> ONG que vocêsestão trabalhando. Nós aqui não somos desse tipo de ONG, nenhuma de nós está liga<strong>da</strong> anenhum tipo de governo. Você vê estourando, de vez em quando, um monte de escân<strong>da</strong>losaí <strong>com</strong> <strong>ONGs</strong> liga<strong><strong>da</strong>s</strong> diretamente a pessoas gover<strong>na</strong>mentais. Onde um secretário de <strong>Estado</strong>,por exemplo, ou de município, cria uma ONG e quando ele vira secretário, logicamente ele seafasta <strong>da</strong>quela ONG enquanto secretário: “Não faço parte mais disso”, mas privilegia isso todoo tempo (Dirigente <strong>da</strong> ONG MI07).Eu acho, primeiro, você definir bem a condição <strong>da</strong> ONG. Porque acho que também está havendomuita confusão, e até existem as <strong>ONGs</strong> que se apropriam desse título e que no fundo não têmuma ideologia, não têm uma diretriz social. São quase que, não diria empresas, mas estão muitolonge de um <strong>com</strong>promisso <strong>com</strong> o social. E essas <strong>ONGs</strong> até acabam levando as outras para umasituação de descrédito, uma certa visão negativa por conta de que são <strong>ONGs</strong> que sustentam osrecursos... são mal aplicados, ou que não estão desti<strong>na</strong>dos exatamente para os fins que se propõe.Então há uma certa distorção por conta dessas <strong>ONGs</strong> que se intitulam <strong>ONGs</strong>, mas que, <strong>na</strong>reali<strong>da</strong>de, não são (Dirigente <strong>da</strong> ONG MI03).Confirmando a autoavaliação depreciativa feita sobre o papel desempenhadopelas <strong>ONGs</strong> no Brasil, o segundo papel mais recorrente no conjunto <strong><strong>da</strong>s</strong> entrevistas foi“substituir o governo”. As percepções positivas vêm logo depois: “<strong>com</strong>plementar açãogover<strong>na</strong>mental”, “fiscalizar o <strong>Estado</strong>”, “influenciar políticas públicas”, “influenciar aopinião pública”, “identificar” e “solucio<strong>na</strong>r” os problemas sociais. O <strong>da</strong>do talvez maissurpreendente neste quesito é a baixa frequência do papel “servir à socie<strong>da</strong>de”, que foium critério predomi<strong>na</strong>nte <strong>na</strong> autodefinição <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>. Isto termi<strong>na</strong> por corroborar aautoavaliação negativa destas organizações, visto que o principal critério de autodefiniçãofoi, justamente, aquele apontado <strong>com</strong>o um dos menos recorrentes no conjunto<strong><strong>da</strong>s</strong> ativi<strong>da</strong>des desempenha<strong><strong>da</strong>s</strong> pelas <strong>ONGs</strong>.28


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepçõesTABELA 15Papel desempenhado pelas <strong>ONGs</strong> no Brasil¹N o (%)Corrupção 17 34Substituir governo 14 28Complementar 11 22Fiscalizar 8 16Influenciar políticas públicas 7 14Identificar problemas 7 14Influenciar opinião pública 7 14Promover mu<strong>da</strong>nças 4 8Solucio<strong>na</strong>r problemas 4Organizar/articular a socie<strong>da</strong>de 3 6Prestar serviços 2 4Representar socie<strong>da</strong>de 1 2Fonte: NIED (2011).Nota: ¹ A soma <strong><strong>da</strong>s</strong> menções ultrapassa 50 (100%) porque os entrevistados podem mencio<strong>na</strong>r mais de uma diferença.8 Considerações Fi<strong>na</strong>isNas seções precedentes, procurou-se explorar a máxima <strong>da</strong> parceria <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>com</strong>ouma via de mão dupla sob ângulos diferentes. Inicialmente, no tópico sobre a autodefinição<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>, a relação de ambivalência <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> foi atesta<strong>da</strong> pelo predomínio<strong><strong>da</strong>s</strong> funções “servir à socie<strong>da</strong>de” e “<strong>com</strong>plementar a atuação do <strong>Estado</strong>”. Por um lado,os entrevistados acreditam que dificilmente as <strong>ONGs</strong> poderiam realizar satisfatoriamenteas tarefas a que se propõem executar sem as parcerias <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>, já que esteé um provedor importante de recursos materiais e um ator estratégico <strong>na</strong> elaboraçãoe execução de políticas públicas. Por outro lado, a maior parte dos entrevistados reconheceque o <strong>Estado</strong> depende <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> para ampliar e potencializar os resultados <strong><strong>da</strong>s</strong>políticas públicas. No tópico sobre as diferenças entre <strong>ONGs</strong>, <strong>Estado</strong> e mercado, osentrevistados reconheceram a fi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de pública tanto do <strong>Estado</strong> quanto <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>,mas ressaltaram que se trata de concepções diferentes de bem <strong>com</strong>um. Neste sentido,<strong>ONGs</strong> e <strong>Estado</strong> desempenham funções análogas, misturam seus papéis, mas tudo istoem um horizonte que contempla gra<strong>da</strong>ções diferentes <strong>da</strong> “vi<strong>da</strong> pública” no país.29


Brasília, março de 2013Nos tópicos sobre as vantagens e desvantagens <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> diante do <strong>Estado</strong>, essadiferença no propósito público é avalia<strong>da</strong> tanto <strong>com</strong>o vantagem quanto desvantagem<strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> diante do <strong>Estado</strong>. O fato de focalizar ações de escala reduzi<strong>da</strong> (se <strong>com</strong>para<strong><strong>da</strong>s</strong>às ações do <strong>Estado</strong>) é considerado algo vantajoso por favorecer o acesso <strong>da</strong> organizaçãoa determi<strong>na</strong><strong><strong>da</strong>s</strong> locali<strong>da</strong>des e populações em que o <strong>Estado</strong> tem dificul<strong>da</strong>de deadentrar. Contudo, muitos entrevistados entendem que as <strong>ONGs</strong> deveriam ampliarseus horizontes de atuação, o que não seria possível sem a parceria <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>.Esta parceria foi reitera<strong>da</strong>mente apresenta<strong>da</strong> <strong>com</strong>o uma faca de dois gumes: a possibili<strong>da</strong>dede influenciar políticas públicas e os entraves <strong>da</strong> burocracia. A ambivalência <strong>da</strong>parceria também foi manifesta nos tópicos sobre os papéis <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira.Houve um nítido contraste entre o virtuosismo de seu papel ideal e as distorçõesdestes ideais <strong>na</strong>s suas relações <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong>.A máxima <strong>da</strong> parceria <strong>com</strong>o uma via de mão dupla destaca as ambivalências,tensões e contradições presentes <strong>na</strong>s relações entre <strong>ONGs</strong> e <strong>Estado</strong>. Em linhas gerais,estas parcerias envolvem, simultaneamente, tanto cooperação quanto conflito entreambas as partes (Medeiros, 2009). Esta ambivalência pode ser interpreta<strong>da</strong> <strong>com</strong>o umaconsequência do desenvolvimento <strong>da</strong> democracia no Brasil. Afi<strong>na</strong>l, reflete o ambientepluralista e aberto <strong><strong>da</strong>s</strong> organizações que vêm construindo a socie<strong>da</strong>de civil <strong>na</strong>s últimasdéca<strong><strong>da</strong>s</strong>. Esta construção é, portanto, produto de um longo aprendizado iniciado noconflito entre a socie<strong>da</strong>de civil e o <strong>Estado</strong>, que, posteriormente, transformou-se emuma relação de cooperação <strong>com</strong> distanciamento crítico. O estudo aqui apresentadopode contribuir para a reflexão sobre o que fazer para atingir um equilíbrio ideal <strong>na</strong>relação entre <strong>ONGs</strong> e <strong>Estado</strong>, isto é, o desafio de <strong>com</strong>o a<strong>com</strong>o<strong>da</strong>r confronto e colaboraçãonesta relação. Se, por um lado, a cooperação sem conflito ameaça o pensamentocrítico e a autonomia <strong><strong>da</strong>s</strong> organizações, por outro lado, o conflito sem cooperação representa,hoje, uma posição ultrapassa<strong>da</strong> que pouco contribui para o amadurecimento<strong><strong>da</strong>s</strong> instituições públicas e <strong>da</strong> democracia no país.ReferênciasABREU, R. Parcerias entre <strong>Estado</strong> e socie<strong>da</strong>de civil: velhas questões para uma nova dinâmica.2011. Dissertação (Mestrado) – Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.ALEXANDER, J. The meanings of social life: a cultural sociology. New York: Oxford UniversityPress, 2003.30


Texto paraDiscussão1 8 2 0Relação <strong>com</strong> o <strong>Estado</strong> <strong>na</strong> Visão <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>: uma sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepçõesCALDAS, E. Fronteiras simbólicas e reivindicação de representativi<strong>da</strong>de: estudo sobre aconstrução de legitimi<strong>da</strong>de <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong>. 2011. Dissertação (Mestrado) – Universi<strong>da</strong>de Federaldo Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.DYSMAN, M. Um estudo sobre a institucio<strong>na</strong>lização <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> no Brasil. 2011. Dissertação(Mestrado) – Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.KOSLINSKI, M; REIS, E. Trans<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l and domestic relations of NGOs in Brazil, Worlddevelopment, v. 37, p. 714-725, 2009.LANDIM, L. (Org). Ações em socie<strong>da</strong>de: militância, cari<strong>da</strong>de, assistência, etc. Rio de Janeiro:NAU, 1998.LAVALLE, A. G. Civil society s claims to political representation in Brazil. Comparativeinter<strong>na</strong>tio<strong>na</strong>l development, v. 45, p. 43-77, 2010.LAVALLE, A. G.; CASTELLO, G. Socie<strong>da</strong>de civil, representação e a dupla face <strong>da</strong> accountability:Ci<strong>da</strong>de do México e São Paulo. Caderno CRH, Salvador, v. 21, p. 67-86, 2008.LAVALLE, A. G.; HOUTZAGER, P; CASTELLO, G. Representação política e organizaçõescivis: novas instâncias de mediação e os desafios <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de. Revista brasileira de ciênciassociais, São Paulo, v. 21, n. 60, p. 43-65, 2006.LIMA NETO, F. O sentido <strong><strong>da</strong>s</strong> <strong>ONGs</strong> no Brasil: justiça social, filantropia e ecologia. 2013.Tese (Doutorado) – Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. École des HautesÉtudes en Sciences Sociales, Paris, 2013. A ser publicado.______. Sobre <strong>ONGs</strong> no Brasil: uma sociologia dos significados. In: ENCONTRO ANUALDA ANPOCS, 34., Caxambu, 2010. Mimeografado.MEDEIROS, R. Between conflict and cooperation: dilemmas in the relations betweennon-governmental organization and the state in Brazil. 2009. Tese (Doutorado) – UniversityGraduate School of Arts and Sciences, Boston, 2009.MELO, C.-R.; SÁEZ, M.-A. (Org.). A democracia brasileira: balanço e perspectivas para oséculo 21. Belo Horizonte: Editora <strong>da</strong> UFMG, 2007.NIED – NÚCLEO INTERDISCIPLINAR DE ESTUDOS SOBRE DESIGUALDADE.Sociologia <strong><strong>da</strong>s</strong> percepções sobre <strong>ONGs</strong> no Brasil: relatório de pesquisa Proredes. Brasília,Ipea, 2011.REIS, E. New ways of relating authority and soli<strong>da</strong>rity: theoretical and empirical explorations.In: DENNIS, A.; KALEKIN-FISHMAN, D. (Org.). The ISA handbook in contemporarysociology. London: Sage, 2009.______. Processos e escolhas. Rio de Janeiro: ContraCapa, 1998.31


Brasília, março de 2013Bibliografia <strong>com</strong>plementarABREU, R; DYSMAN, M; CALDAS, E. Socie<strong>da</strong>de civil e <strong>Estado</strong>: um estudo dos convêniosentre o governo federal e <strong>ONGs</strong>. Revista Habitus, Rio de Janeiro, v. 7, p. 33-44, 2009.KOSLINSKI, M. Um estudo sobre ONGS e suas relações de accountability. 2007.Tese (Doutorado) – Universi<strong>da</strong>de Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.LAVALLE, A. G.; BUENO, N.- S. Waves of change within civil society in Latin America.Politics & society, London, v. 39, n. 3, p. 415-450, 2011.32


Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplica<strong>da</strong>EDITORIALCoorde<strong>na</strong>çãoCláudio Passos de OliveiraSupervisãoEverson <strong>da</strong> Silva MouraRegi<strong>na</strong>ldo <strong>da</strong> Silva DomingosRevisãoAndressa Vieira BuenoClícia Silveira RodriguesI<strong>da</strong>li<strong>na</strong> Barbara de CastroLaeticia Jensen EbleLeo<strong>na</strong>rdo Moreira de SouzaLucia<strong>na</strong> DiasMarcelo Araújo de Sales AguiarMarco Aurélio Dias PiresOlavo Mesquita de CarvalhoCelma Tavares de Oliveira (estagiária)Patrícia Firmi<strong>na</strong> de Oliveira Figueiredo (estagiária)EditoraçãoAline Rodrigues LimaBer<strong>na</strong>r José VieiraDaniella Silva NogueiraDanilo Leite de Macedo TavaresJeovah Herculano Szervinsk JuniorLeo<strong>na</strong>rdo Hideki HigaDaniel Alves de Sousa Júnior (estagiário)Diego André Souza Santos (estagiário)CapaLuís Cláudio Cardoso <strong>da</strong> SilvaProjeto GráficoRe<strong>na</strong>to Rodrigues BuenoLivraria do IpeaSBS – Quadra 1 - Bloco J - Ed. BNDES, Térreo.70076-900 – Brasília – DFFone: (61) 3315-5336Correio eletrônico: livraria@ipea.gov.br


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