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Monografia - Universidade Católica de Brasília

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BANCA EXAMINADORA______________________________________________Profa. Dra. Mariza Vieira da Silva______________________________________________Profa. MSc. Dalva Del Vigna______________________________________________Prof. Dr. Maurício Lemos Izolan


À minha avó Maria Amélia.


Agra<strong>de</strong>ço a minha orientadora, ProfessoraDra.Mariza Vieira da Silva, que me auxiliouintensamente para a realização <strong>de</strong>sse Trabalho <strong>de</strong>Conclusão <strong>de</strong> Curso.


“...Acordo num tenho trabalho, procuro trabalho,quero trabalhar... O cara me pe<strong>de</strong> diploma, numtenho diploma, num pu<strong>de</strong> estudar... E querem q'euseja educado, q'eu an<strong>de</strong> arrumado q'eu saibafalar..Aquilo que o mundo me pe<strong>de</strong> não é o que omundo me dá...”(Gabriel o Pensador)


ResumoEste Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> Curso teve como objetivo principal compreen<strong>de</strong>r osprocessos <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> sentidos sobre a paz na socieda<strong>de</strong> brasileira e os processos <strong>de</strong>individualização do sujeito que chamaremos <strong>de</strong> “pacífico”, tendo como referencial teórico emetodológico a Análise <strong>de</strong> Discurso e como corpus <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição e análise três dicionários dalíngua portuguesa – Michaelis, Aurélio e Houaiss – e textos retirados <strong>de</strong> sites que tinha comotema e objetivo a paz. Buscamos apreen<strong>de</strong>r nessas análises a existência <strong>de</strong> sentidosestabilizados, mas também a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rupturas, <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamentos. Nesse sentido, oTCC estruturou-se em torno <strong>de</strong> três Capítulos: um sobre o referencial teórico e a constituiçãodo corpus; outro, centrado na análise <strong>de</strong> verbetes dos dicionários e, um terceiro, com foco naanálise dos sites selecionados. Os resultados obtidos permitiram perceber que o sentido <strong>de</strong> pazsó se produz em relação ao <strong>de</strong> violência: o positivo pelo negativo; que há um apagamento,silenciamento do que torna inviável a paz, ou seja, as diferenças econômicas, sociais,culturais. Quanto à construção <strong>de</strong>ssa posição <strong>de</strong> sujeito pacífico – um sujeito social, urbano,escolarizado -, também se faz por silenciamentos e por uma ênfase no individualismo.Palavras-chave: Paz - Discurso – Sujeito - História.


AbstractThis final project had as its main goal comprehend the constitution process of thesignifications about the peace in the Brazilian society and the citizen individualization processthat will be called “peaceful”, having as theoretical and methodological reference theDiscourse Analysis and as <strong>de</strong>scription and analysis corpus three dictionary of the PortugueseLanguage – Michaelis, Aurélio and Houaiss – and texts from websites that had as theme andobjective the peace. We inten<strong>de</strong>d to apprehend with these analyses the existence of stabilizedsignification, but also the possibility of breakage it, dislocate it. In this context, this project isstructured on three Chapters: one about the theoretical reference and the corpus constitution;another, showing the entries of the dictionaries analysis and, the third, with focus on theselected websites analysis. The gained results allow us to perceive that <strong>de</strong> peace significationis only visible against the violence signification: the positive for the negative; that there isneutrality, the leashed arguments that make peace impracticable, so, the economics, socialsand cultural differences. About that construction of the peaceful citizen – a social, urban,lettered citizen - , also is ma<strong>de</strong> by leashed arguments and by an individualization emphasis.Key-words: Peace – Discourse – Citizen – History.


SumárioResumo _________________________________________________________________________________ 6Abstract _________________________________________________________________________________ 7Introdução _______________________________________________________________________________ 9Capítulo 1 - Paz: uma análise discursiva ______________________________________________________ 12Capítulo 2 - A Dicionarização da Paz _________________________________________________________ 19Capítulo 3 - A Administração da PAz__________________________________________________________ 33Conclusão ______________________________________________________________________________ 50Referências Bibliográficas___________________________________________________________________52


9IntroduçãoEste Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> Curso (TCC) dá continuida<strong>de</strong> a uma pesquisa sobre a“paz no trânsito” realizada no semestre anterior, na disciplina <strong>de</strong> Análise do Discurso, tendocomo corpus um folheto distribuído em uma via pública <strong>de</strong> Brasília, por uma OrganizaçãoNão-Governamental (ONG) <strong>de</strong>nominada Rodas da Paz, e como recorte <strong>de</strong> análise um texto<strong>de</strong>nominado “10 mandamentos para uma convivência pacífica”. Neste trabalho, uma questão,contudo, chamou particularmente nossa atenção: a da pluralida<strong>de</strong> e dispersão (aparente?) dotermo e do tema da paz: paz no trânsito, paz na escola, paz na família, paz no trabalho, paz nofutebol, paz no casamento. Observamos, ainda, que o tema da paz trazia para a cenaenunciativa os temas da violência e da guerra em termos internacionais, nacionais e locais,pelas relações entre o dito e o não-dito, entre a polissemia e a paráfrase.Por outro lado, um poema <strong>de</strong> Ori<strong>de</strong>s Fontela (1940-1998), a que tivemos acesso,naquela época, trazia novos sentidos para a palavra “paz”, evi<strong>de</strong>nciando a existência <strong>de</strong>sentidos estabilizados, mas também a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rupturas, <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamentos. Ele nospermitiu enten<strong>de</strong>r melhor o que a Análise <strong>de</strong> Discurso diz sobre a não transparência do tema,da linguagem, dos sentidos e dos sujeitos, sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o sentido sempre ser outro,sobre o fato <strong>de</strong> não haver ritual sem falha, pois nem a língua, nem os homens são máquinas,são autômatos.Nesse sentido, nos dispusemos a prosseguir por esse caminho e elaboramos este TCCtendo como objeto <strong>de</strong> estudo o discurso sobre a paz, com o objetivo <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r osprocessos <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> sentidos e <strong>de</strong> individualização do sujeito que aí se dão. Partimosda seguinte questão norteadora: Como se dá a formulação e a circulação dos sentidos da pazna socieda<strong>de</strong> brasileira?Para uma melhor organização e <strong>de</strong>senvolvimento, este TCC foi estruturado em trêscapítulos. No primeiro Capítulo, explicitamos o nosso referencial teórico, a Análise doDiscurso, e <strong>de</strong>lineamos o modo como construímos nosso dispositivo <strong>de</strong> análise, uma vez queem Análise <strong>de</strong> Discurso (AD) este não está antecipadamente pronto. Ele vinha se construindono trabalho <strong>de</strong> formulação e discussão do tema, <strong>de</strong> uma questão norteadora, <strong>de</strong> contato com abibliografia da área e da compreensão do dispositivo teórico da AD. Isso nos permitiu<strong>de</strong>limitar o nosso corpus em torno do discurso do dicionário e do discurso <strong>de</strong> sites sobre apaz, nas suas relações com outras discursivida<strong>de</strong>s.


10No Capítulo seguinte, proce<strong>de</strong>mos à <strong>de</strong>scrição e análise do discurso do dicionário, apartir dos verbetes sobre a “paz” <strong>de</strong> três dicionários: Aurélio, Michaelis e Houaiss. Seguindoo funcionamento do dicionário, que nos remete <strong>de</strong> um verbete a outro, pu<strong>de</strong>mos irapreen<strong>de</strong>ndo os sentidos e as posições <strong>de</strong> sujeito produzidas neste instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição enormatização <strong>de</strong> uma língua.No terceiro e último Capítulo, <strong>de</strong>screvemos e analisamos a outra parte <strong>de</strong> nossocorpus; os sites que têm como tema ou objeto <strong>de</strong> ação a “paz”. Consi<strong>de</strong>rando o tempo <strong>de</strong> quedispúnhamos para a realização <strong>de</strong>ste TCC, fizemos alguns recortes <strong>de</strong>ntre todos os sitesvisitados.Os resultados obtidos evi<strong>de</strong>nciaram que a multiplicida<strong>de</strong> e a dispersão do tema da“paz” eram aparentes e serviam como forma <strong>de</strong> apagamento (dicionários) e <strong>de</strong> silenciamento(sites) <strong>de</strong> questões outras aí implicadas, como a diferença e os interesses em jogo <strong>de</strong>diferentes grupos sociais. Pu<strong>de</strong>mos ainda perceber como se dá o processo <strong>de</strong> individualizaçãodo “sujeito pacífico”: esse sujeito, mo<strong>de</strong>rno, urbano e escolarizado que vive em umasocieda<strong>de</strong> capitalista.Pu<strong>de</strong>mos, então, concluir que o discurso da paz que recortamos para nossa análise seconstitui a partir do oposto do que é proposto, como no caso das ONGs que falam em paz,mas usando como base <strong>de</strong> seus argumentos a violência. Também concluímos que a paz que osdicionários <strong>de</strong>screvem não é a mesma paz possível <strong>de</strong> acontecer na nossa socieda<strong>de</strong>.


11Capítulo 1Paz: uma análise discursivaO referencial teórico e metodológico <strong>de</strong>ste TCC é a Análise <strong>de</strong> Discurso (AD),fundada por Michel Pêcheux na França da década <strong>de</strong> 60, tendo como base epistemológica oscampos da Lingüística, do Materialismo Histórico e da Psicanálise, o que permitiu<strong>de</strong>slocamentos nas noções <strong>de</strong> língua, <strong>de</strong> sentido e <strong>de</strong> sujeito na leitura e interpretação <strong>de</strong>textos. Para se fazer a AD, <strong>de</strong>ve-se levar em consi<strong>de</strong>ração o simbólico, o social e o históricodo sujeito praticante da linguagem. No Brasil, essa teoria chegou, se difundiu e ganhou suasespecificida<strong>de</strong>s, principalmente, com os trabalhos <strong>de</strong> Eni P. Orlandi e <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong>pesquisadores a ela relacionados.Para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste TCC, gostaríamos <strong>de</strong> mencionar alguns textos quesempre estiveram presentes em nossas reflexões, <strong>de</strong>scrições e análises: LexicografiaDiscursiva, <strong>de</strong> Eni P. Orlandi, que se encontra em um livro chamado “Língua e conhecimentolingüístico: para uma história das idéias no Brasil” (2002), um texto <strong>de</strong> Marilena Chauí, feitopara a Folha <strong>de</strong> S. Paulo, <strong>de</strong>nominado “Uma i<strong>de</strong>ologia perversa”, e o texto <strong>de</strong> José HortaNunes, <strong>de</strong>nominado Lexicologia e lexicografia, que se encontra no livro “Introdução àsciências da linguagem: a palavra e a frase” (2006).A AD <strong>de</strong>fine-se como uma teoria e um instrumento <strong>de</strong>/para leitura e interpretação <strong>de</strong>textos. A Análise do Discurso, segundo Orlandi (1999), não trata da língua nem da gramática,embora esses estudos lhe interessem, mas, sim, do discurso - a prática da linguagem, aobservação do homem falando, ou seja, o discurso como efeito <strong>de</strong> sentido entre locutores. AAnálise do Discurso questiona as diversas maneiras <strong>de</strong> ler, <strong>de</strong> interpretar, <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r asmanifestações da linguagem pela relação que se estabelece entre o dito e não-dito, mastambém entre o dito e o já-dito (histórico). Em outras palavras: “Problematizar outrasmaneiras <strong>de</strong> ler, levar o sujeito falante ou o leitor a se colocarem questões sobre o queproduzem e o que ouvem nas diferentes manifestações da linguagem.” (p. 9).É importante saber que a AD não trabalha com a língua como um sistema abstrato,autônomo, mas como um sistema com autonomia relativa, pois existe a história, pois como jáfoi dito antes, a Análise do Discurso está interessada na prática da linguagem do homem eessa prática está ligada ao mundo. Por sua vez, essas significações e práticas se encontram, oumelhor, se constroem em um contexto social, cultural e histórico em que também constitui o


12sujeito. Assim, para que se interprete, compreenda um discurso é necessário levar emconsi<strong>de</strong>ração as suas condições <strong>de</strong> produção:Levando em conta o homem na sua história, consi<strong>de</strong>ra os processos e as condições <strong>de</strong>produção da linguagem, pela análise da relação estabelecida pela língua com os sujeitosque falam e as situações em que se produz o dizer. Desse modo, para encontrar asregularida<strong>de</strong>s da linguagem em sua produção, o analista <strong>de</strong> discurso relaciona alinguagem à sua exteriorida<strong>de</strong>. (ORLANDI, 1999, p. 16)O estudo que interessa à AD é a língua funcionando, através das condições <strong>de</strong>produção “em diferentes épocas e segundo diferentes perspectivas.” (i<strong>de</strong>m, p.17) 1 . Nessesentido, a AD não trabalha como a análise <strong>de</strong> conteúdo, que procura extrair do texto o que elequer dizer, mas, sim consi<strong>de</strong>rando a linguagem como não transparente, <strong>de</strong>vendo o analistadispor <strong>de</strong> uma teoria para lidar com essa opacida<strong>de</strong> da linguagem. Portanto ela não estáprocurando um sentido por trás do texto, ou nas entrelinhas, ela parte da materialida<strong>de</strong> dotexto, da forma como ele se construiu lingüisticamente, para indagar como o texto significa,quais são as condições <strong>de</strong> sua existência. A AD encara o texto como objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição eanálise, “uma materialida<strong>de</strong> simbólica” do discurso. (ORLANDI, 1999)Outro ponto da Análise <strong>de</strong> Discurso que gostaríamos <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar aqui é a noção <strong>de</strong>sujeito como “posição”, posição essa consi<strong>de</strong>rada como um lugar <strong>de</strong> fala. A AD não lida,pois, com o indivíduo empírico ou com o sujeito intencional, que controla a linguagem e alíngua plenamente, e acredita ser a fonte e a origem do que diz. Pêcheux (1990), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suaprimeira proposta <strong>de</strong> AD, em 1969, a partir do esquema <strong>de</strong> comunicação, faz esse<strong>de</strong>slocamento. Ele diz:Fica bem claro, já <strong>de</strong> início, que os elementos A e B [do esquema <strong>de</strong> comunicação]<strong>de</strong>signam algo diferente da presença física <strong>de</strong> organismos humanos individuais. Se o quedissemos antes faz sentido, resulta pois <strong>de</strong>le que A e B <strong>de</strong>signam lugares <strong>de</strong>terminados naestrutura <strong>de</strong> uma formação social. [....]Nossa hipótese é a <strong>de</strong> que esses lugares estão representados nos processos discursivos emque são colocados em jogo. (p. 82)A posição sujeito acontece quando o indivíduo fala <strong>de</strong> uma posição <strong>de</strong>terminada.Quando a professora está ministrando aula ela está falando na posição <strong>de</strong> professora, e quandoela fala com o filho que chega tar<strong>de</strong> em casa “Isso são horas?” (ORLANDI, 1999) está naposição <strong>de</strong> mãe. Trata-se <strong>de</strong> posições construídas historicamente em que já existe aquilo quepo<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser dito a partir <strong>de</strong> tal posição. Não se trata <strong>de</strong> algo mecânico, em que a1 Fazem parte das condições <strong>de</strong> produção do discurso os interlocutores, a situação imediata (aqui-agora) e ocontexto histórico mais amplo.


13singularida<strong>de</strong> não possa ter espaço. Mas, ao mesmo tempo, não é possível negar todos ossentidos ali já construídos e significados para os sujeitos. Dessa forma, a noção <strong>de</strong> posição <strong>de</strong>sujeito se dá a partir do lugar social que esse indivíduo ocupa. E é a partir <strong>de</strong>ssas posições queo sujeito produz sentidos, Orlandi (2005) em seu texto “do Sujeito na História e noSimbólico” explica melhor:O sujeito, na análise <strong>de</strong> discurso, é posição entre outras, subjetivando-se na medidamesmo em que se projeta <strong>de</strong> sua situação (lugar) no mundo para a sua posição nodiscurso. Essa projeção-material transforma a situação social (empírica) em posiçãosujeito(discursiva). (p. 99)Pêcheux (1990) nos alerta que “seria ingênuo supor que o lugar como feixe <strong>de</strong> traçosobjetivos funciona como tal no interior do processo discursivo; pois este se encontra aírepresentado, isto é, presente, mas transformado”. Nesse sentido, esses lugares estão<strong>de</strong>terminados pelos processos discursivos, mas transformados <strong>de</strong> acordo com as chamadasformações imaginárias que:Designam o lugar que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem que eles sefazem <strong>de</strong> seu próprio lugar e do lugar do outro. Se assim ocorre, existem nos mecanismos<strong>de</strong> qualquer formação social regras <strong>de</strong> projeção, que estabelecem as relações entre assituações (objetivamente <strong>de</strong>finíveis) e as posições (representações <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>finições).(p.82)Para exemplificar sua teoria sobre formações imaginárias criou um quadro paraesboçar “a maneira pela qual a posição dos protagonistas do discurso intervém a título <strong>de</strong>condições <strong>de</strong> produção do discurso” (i<strong>de</strong>m, p.83):


14Em nossa pesquisa realizada em sala no semestre anterior, pu<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r essefuncionamento do processo discursivo, ao vermos que interlocutores estavam presentes nofolheto sobre a paz, que estava sendo analisado, e as imagens ali construídas. Na análise dostextos <strong>de</strong> nosso corpus, tivemos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novamente observar esse imagináriofuncionando nos verbetes <strong>de</strong> dicionários e nos sites sobre a paz.Pêcheux (1990) também consi<strong>de</strong>ra o “referente” (aquilo sobre o que falamos, o ponto<strong>de</strong> vista do sujeito) como um objeto imaginário.Nesse sentido, é interessante pensar que não estamos falando da mesma coisa quandofalamos <strong>de</strong> paz, nem <strong>de</strong> sujeito pacífico. O que reafirma que o sentido não está nas palavras,mas na relação entre sujeitos. Daí a noção <strong>de</strong> discurso da AD: “efeito <strong>de</strong> sentidos entrelocutores”.Cabe acrescentar que o sujeito e o sentido andam juntos na articulação da língua com ahistória e que nessa articulação está presente o imaginário e a i<strong>de</strong>ologia. O discursomaterializa a i<strong>de</strong>ologia, constituindo-se no lugar teórico em que se po<strong>de</strong> observar a relação dalíngua com a história.Esse <strong>de</strong>slocamento da noção <strong>de</strong> indivíduo para a <strong>de</strong> sujeito irá sendo <strong>de</strong>senvolvida pelaAD, evi<strong>de</strong>nciando cada vez mais que o sujeito para se constituir <strong>de</strong>ve se submeter à língua, aosimbólico. Antes do indivíduo chegar ao mundo, a língua <strong>de</strong> um povo já estava estruturada esignificando. É, portanto, o indivíduo que é pego pela linguagem. Daí a AD recusar o conceito<strong>de</strong> linguagem como instrumento <strong>de</strong> comunicação; não se trata <strong>de</strong> algo pronto que o homempega e usa como quiser. Diz Orlandi (2005, p. 103):É isso que significa a <strong>de</strong>terminação histórica dos sujeitos e dos sentidos: nem fixados a<strong>de</strong>ternum, nem <strong>de</strong>sligados como se pu<strong>de</strong>ssem ser quaisquer uns. É porque é histórico (nãonatural) é que muda e é porque é histórico que se mantém. Os sentidos e os sujeitospo<strong>de</strong>riam ser sujeitos ou sentidos quaisquer, mas não são. Entre o possível e o


15historicamente <strong>de</strong>terminado é que trabalha a análise <strong>de</strong> discurso. Nesse entremeio, nesseespaço <strong>de</strong> interpretação. A <strong>de</strong>terminação não é uma fatalida<strong>de</strong> mecânica, ela é histórica.Para AD, somos sempre sujeitos. Somos como indivíduos interpelados pela i<strong>de</strong>ologiaem sujeitos; submetemo-nos à linguagem. Uma vez falantes, enquanto sujeitos <strong>de</strong> umasocieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada, somos afetadas pelas instituições que fazem parte <strong>de</strong>ssa socieda<strong>de</strong>. Aíé que temos o que chamamos <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> individualização, <strong>de</strong> subjetivação. No caso<strong>de</strong>sse TCC, queremos ver como os dicionários, os sites constroem, no movimento do sentidoestabilizado e do sentido novo, esse sujeito individualizado, concreto: o sujeito pacífico.As condições <strong>de</strong> produção que constituem os discursos <strong>de</strong>vem levar, ainda, em contaoutras noções da AD, a saber: as relações <strong>de</strong> sentido, as relações <strong>de</strong> força e a antecipação. Asrelações <strong>de</strong> sentido se referem a relações que os sentidos têm com outros sentidos jáexistentes, portanto todo discurso faz parte <strong>de</strong> um outro mais amplo. Quando se fala naposição <strong>de</strong> mãe, os sentidos que ali se produzem, já existem, apenas os retomamos em nossafala, ou seja, “não há, <strong>de</strong>sse modo, começo absoluto nem ponto final para o discurso. Umdizer tem relação com outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis.” (ORLANDI, 1999,p.39). O dicionário se constrói estabelecendo <strong>de</strong> um modo próprio essas relações,possibilitando a estabilização <strong>de</strong> alguns sentidos, consi<strong>de</strong>rados como verda<strong>de</strong>iros, literais.Teremos oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> observar isso no próximo Capítulo.Já no mecanismo <strong>de</strong> antecipação, o sujeito se coloca no lugar do seu interlocutor, ouseja, ele antecipa o sentido que suas palavras produzem (i<strong>de</strong>m, 1999). É o caso <strong>de</strong> quando sefaz um comercial e se procura atingir um certo tipo <strong>de</strong> consumidor, o sujeito, com a intenção<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r seu produto, irá colocar-se no lugar do consumidor e tentará prever quais as suasnecessida<strong>de</strong>s para que este lhe oferte. Os sites que analisamos operam muito com essemecanismo.Temos também as relações <strong>de</strong> força que se <strong>de</strong>finem como “o lugar a partir do qual falao sujeito é constitutivo do que ele diz.” (i<strong>de</strong>m, p.39). O sujeito-mãe fala <strong>de</strong> um lugar em queas suas palavras têm autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada, como o sujeito-polícia, ou um sujeito-professorem relação aos seus alunos. Ou ainda, o sujeito autor <strong>de</strong> dicionário. Por isso que “nossasocieda<strong>de</strong> é constituída por relações hierarquizadas, são relações <strong>de</strong> força, sustentadas nopo<strong>de</strong>r <strong>de</strong>sses diferentes lugares, que se fizeram valer na ‘comunicação’.” (i<strong>de</strong>m, p.40).Pêcheux (1990, p. 77) exemplifica trazendo uma cena enunciativa para reflexão: oplenário <strong>de</strong> uma Câmara <strong>de</strong> Deputados, dizendo que:


16“o <strong>de</strong>putado pertence a um partido político que participa do governo ou a um partido daoposição; é porta-voz <strong>de</strong> tal ou tal grupo que representa tal ou tal interesse, ou então está‘isolado’ etc. Ele está, pois, bem ou mal, situado no interior da relação <strong>de</strong> forçasexistentes entre os elementos antagonistas <strong>de</strong> um campo político dado...”.Uma das noções teóricas que também foram usadas nesse TCC foi a <strong>de</strong> silenciamento,proposta por Orlandi em seu livro “As formas do Silêncio” (1993). Ela afirma que para sefalar do silêncio é necessário colocar-se na “relação do dizível com o indizível” (p.11), nosfazendo correr o risco dos seus efeitos que é o <strong>de</strong> não saber caminhar entre o dizer e o nãodizer. Nisso, Orlandi (1993) <strong>de</strong>stacou, no estudo sobre o “silêncio”, duas partes queconsi<strong>de</strong>rou como mais importantes:1.há um modo <strong>de</strong> estar em silêncio que correspon<strong>de</strong> a um modo <strong>de</strong> estar no sentido e,<strong>de</strong> certa maneira, as próprias palavras transpiram silêncio. Há silêncio nas palavras; 2.o estudo do silenciamento (que já não é silêncio mas “pôr em silêncio”) ... nos mostraque há um processo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> sentidos silenciados que nos faz enten<strong>de</strong>r umadimensão do não-dito absolutamente distinta da que se tem estudado sob a rubrica do“implícito”. (p.12)Ao falarmos sobre o silêncio, é importante acrescentarmos que, Orlandi em seutrabalho, fala <strong>de</strong> duas formas <strong>de</strong> silêncio: o silêncio fundante e a política do silêncio (osilenciamento). No caso da política do silêncio, teríamos o silêncio local, “que é a censura,aquilo que é proibido dizer em certa conjuntura (é o que faz com que o sujeito não diga o quepo<strong>de</strong>ria dizer: numa ditadura não se diz a palavra ditadura não porque não se saiba masporque não se po<strong>de</strong> dizê-lo.)” (ORLANDI, 1999, p.83); e silêncio constitutivo que é o que nosinteressa em nossa análise e se <strong>de</strong>fine pelo fato <strong>de</strong> que “uma palavra apaga outras palavras(para dizer é preciso não-dizer: se digo “sem medo” não digo “com coragem”)”(i<strong>de</strong>m).Determinado pelo caráter fundador do silêncio, o silêncio constitutivo pertence àprópria or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> produção do sentido e presi<strong>de</strong> qualquer produção <strong>de</strong> linguagem.Representa a política do silêncio como um efeito <strong>de</strong> discurso que instala o antiimplícito:se diz “x” para não (<strong>de</strong>ixar) dizer “y”, este sendo o sentido a se <strong>de</strong>scartar do dito. Por aí seapagam os sentidos que se quer evitar, sentidos que po<strong>de</strong>riam instalar o trabalhosignificativo <strong>de</strong> uma “outra” formação discursiva, uma “outra” região <strong>de</strong> sentidos.(ORLANDI, 1993, p. 75-76)Pensar o silêncio é pensar que não há sentido sem silêncio, este é necessário àsignificação. O silêncio não aparece como o dito, ele se mantém como tal: em silêncio. De talforma que “não po<strong>de</strong>mos observá-lo senão por seus efeitos (retóricos, políticos) e pelosmuitos modos <strong>de</strong> construção da significação.” (ORLANDI, 1993, p.47) Quando se trata dosilêncio não temos seus sentidos prontos, temos pistas, através <strong>de</strong> falhas, fissuras, rupturasque ele se mostra, mas “mesmo se o silêncio está lá, ele é efêmero em face do homem, no que


18Capítulo 2A Dicionarização da PazA palavra “paz” tornou-se um lugar comum em nosso dia-a-dia: estamos sempreouvindo falar <strong>de</strong>la e também falamos <strong>de</strong>la em várias circunstâncias <strong>de</strong> nossa vida social,acadêmica, religiosa; enfim, estamos cercados <strong>de</strong> discursos sobre a paz. Como compreen<strong>de</strong>r aproliferação <strong>de</strong>sses discursos e seus diferentes ou mesmos sentidos? Como se dá o processo<strong>de</strong> individualização do sujeito nesses discursos? Quem é o sujeito pacífico? Como ele seconstrói em diferentes discursivida<strong>de</strong>s?No semestre passado, tivemos contato com um poema <strong>de</strong> uma autora candanga, Ori<strong>de</strong>sFontela (1940-1998), que fala da paz. A poesia é o espaço por excelência <strong>de</strong> rupturas, <strong>de</strong>transgressões, <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emergir sentidos outros. Achamos que seria interessantetrazê-lo logo <strong>de</strong> início para a análise <strong>de</strong> nosso corpus, para que ele ficasse ressoando emnossos ouvidos como um contraponto <strong>de</strong> uma outra discursivida<strong>de</strong> que, talvez, fizesse comque “escutássemos” melhor os sentidos presentes no dicionário: o lugar do sentido certo everda<strong>de</strong>iro. No momento, então, o convite é para que o leitor leia apenas o poema <strong>de</strong> Fontela.A Paznão reconstrói: eli<strong>de</strong>a trama e o verbo.A Paznão organiza: explo<strong>de</strong>o núcleo-tempoA PazNão é letal: vivifica.A paznão apazigua: fere.A Paznão acalma: renovao ser e o sangue.O dicionário é consi<strong>de</strong>rado como obra <strong>de</strong> referência <strong>de</strong> uma língua (no caso, oPortuguês do Brasil) normatizada e, também, como um “objeto histórico e <strong>de</strong> representaçãoda relação do falante com sua língua, na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um imaginário <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> da línguanacional” (ORLANDI, 2002, p.103). Assim ao analisarmos o significado da palavra “paz”,


20Um repouso e silêncio que vem precedido <strong>de</strong> “tranqüilida<strong>de</strong> pública” e seguido do enunciado4: “Tranqüilida<strong>de</strong> da alma”. Temos, então, o social e o individual, o público e o privadounidos <strong>de</strong> uma certa maneira, indicando uma direção i<strong>de</strong>ológica 2Se pensarmos a posição do sujeito que se forma nessas <strong>de</strong>finições, veremos que ao<strong>de</strong>finir a paz como “tranqüilida<strong>de</strong> pública” e, ao mesmo tempo, como “repouso, silêncio”,po<strong>de</strong>mos supor que haja uma socieda<strong>de</strong> em que não exista nenhuma forma <strong>de</strong> agitação.Haveria aí, parece, um paradoxo, pois um lugar público <strong>de</strong>ve ter necessariamente algo comocarros nas ruas fazendo barulho com seus motores e buzinas, camelôs gritando e ven<strong>de</strong>ndoseus produtos nas ruas, crianças brincando nas praças e cantando músicas <strong>de</strong> roda, porexemplo. Temos, então, uma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> paz/tranqüilida<strong>de</strong> pública difícil <strong>de</strong> imaginar em umespaço público. Mas, contudo, <strong>de</strong> acordo com o próprio sistema <strong>de</strong> construção dosdicionários, vejamos como o próprio Michaelis <strong>de</strong>fine “tranqüilida<strong>de</strong>”, “repouso”:tran.qüi.li.da.<strong>de</strong>sf (lat tranquilitate) 1 Estado <strong>de</strong> tranqüilo. 2 Paz, sossego. 3 Quietação, serenida<strong>de</strong>. 4Repouso do corpo ou do espírito. Antôn: agitação, <strong>de</strong>sassossego. T. pública: estado <strong>de</strong>segurança, or<strong>de</strong>m e bem-estar, no seio da coletivida<strong>de</strong> social, que resulta da ação eficienteda polícia preventiva.re.pou.sosm (<strong>de</strong>r regressiva <strong>de</strong> repousar) 1 Ação ou efeito <strong>de</strong> repousar. 2 Cessação <strong>de</strong> movimentoou <strong>de</strong> trabalho. 3 Descanso, sossego, tranqüilida<strong>de</strong>. 4 ant V ancoradouro. R. absoluto:imobilida<strong>de</strong> real sem translação no espaço. R. eterno, Rel: o estado que se segue à morte.R. relativo: imobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um corpo relativamente a outros que com ele estão sujeitos aum movimento <strong>de</strong> translação. Perturbar o repouso dos mortos: a) <strong>de</strong>senterrá-los; tirá-losda sepultura; b) injuriar-lhes a memória. Var: repoiso.Ao lermos o verbete referente à “tranqüilida<strong>de</strong>”, encontramos que “tranqüilida<strong>de</strong>pública” (que também faz parte do verbete que <strong>de</strong>fine a paz) é “estado <strong>de</strong> segurança, or<strong>de</strong>m ebem-estar, no seio da coletivida<strong>de</strong> social, que resulta da ação eficiente da polícia preventiva.”A tranqüilida<strong>de</strong> pública funciona, pois, através da ação da polícia, <strong>de</strong> forma “preventiva”, ouseja, pela exclusão do “seio da coletivida<strong>de</strong> social” os causadores da “agitação, do<strong>de</strong>sassossego”. Só assim po<strong>de</strong>rá existir “segurança, or<strong>de</strong>m e bem-estar”. Há, pois, um sujeitoa ser excluído (silenciado) para que tenhamos a paz; um sujeito marcado pela agitação, pelo<strong>de</strong>sassossego. Que sujeitos serão esses? A agitação se dará em que direção? Ele provocará o<strong>de</strong>sassossego <strong>de</strong> quem? Para quem?2 I<strong>de</strong>ologia em AD não se refere a algo oculto, mas a direção <strong>de</strong> sentidos produzidos, <strong>de</strong>sse modo, o trabalho dai<strong>de</strong>ologia é “produzir evidências, colocando o homem na relação imaginária com suas condições materiais <strong>de</strong>existência.” (ORLANDI,1999, p.46)


21Segundo Nunes (2006, p. 163):Ao tomarmos o dicionário como um objeto histórico e social, pensamos sua produção nointerior <strong>de</strong> um complexo <strong>de</strong> formações discursivas. O recorte operado pelo lexicógrafoserá sempre permeado <strong>de</strong> exclusões, <strong>de</strong> silenciamentos, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> que o discursose produz com mecanismos <strong>de</strong> esquecimento e <strong>de</strong> que a relação entre sujeito e mundo émarcada pela incompletu<strong>de</strong>. Saber disso é um primeiro gesto do lexicógrafo que selecionauma nomenclatura e formula <strong>de</strong>finições. É sabendo que o sentido po<strong>de</strong> ser outro quelidamos melhor com a incompletu<strong>de</strong>.Continuando, no verbete referente ao “repouso”, chama, ainda, nossa atenção, apresença da “morte” ao associar “repouso”, logo, a “paz”, a “<strong>de</strong>scanso” “repouso absoluto”interpretando, então a expressão “Descanse em paz”, em lápi<strong>de</strong>s nos cemitérios, como um das<strong>de</strong>finições <strong>de</strong> paz. Assim, sendo possível “repouso (paz) absoluto/a” apenas na morte.Lembremos com Nunes (2006, p. 154), que “a sinonímia é estabelecida por meio <strong>de</strong> relaçõesna horizontalida<strong>de</strong> da língua, remetendo-se uma unida<strong>de</strong> a outra e atribuindo-se traços <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> diferença”. O verbete “repouso”, proposto pelo Michaelis, evi<strong>de</strong>ncia esse fato.O verbete “silêncio”, contudo, traz alguns novos dados pra se pensar nesse processo <strong>de</strong>individualização do sujeito pacífico em uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada, <strong>de</strong>sse sujeito que nãoserá excluído, que não irá atrapalhar a tranqüilida<strong>de</strong> pública. Os enunciados <strong>de</strong>finidores estãocentrados no individual, no sujeito. Leiamos, cuidadosamente, o verbete que se segue.si.lên.ciosm (lat silentiu) 1 Ausência completa <strong>de</strong> ruídos; calada. 2 Estado <strong>de</strong> quem se cala ou seabstém <strong>de</strong> falar; recusa <strong>de</strong> falar. 3 Abstenção voluntária <strong>de</strong> falar, <strong>de</strong> pronunciar qualquerpalavra ou som, <strong>de</strong> escrever, <strong>de</strong> manifestar os seus pensamentos. 4 Taciturnida<strong>de</strong>. 5Discrição. 6 Interrupção <strong>de</strong> um ruído qualquer. 7 Abstenção <strong>de</strong> publicar qualquer notíciaou fato, <strong>de</strong> comentar o que é geralmente sabido. 8 Descanso; estado calmo; estado <strong>de</strong> paz,<strong>de</strong> inação. 9 Interrupção <strong>de</strong> correspondência epistolar. 10 Mistério, segredo. 11 Ausência<strong>de</strong> menção; omissão em uma relação verbal. 12 Suspensão que faz no discurso o oradorou a pessoa que fala. 13 Toque <strong>de</strong> corneta nos quartéis, e <strong>de</strong> sineta, nos colégios, para quenão se fale nem produza qualquer ruído <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> certa hora da noite. 14 Mús Pausa emque os cantores ou os instrumentos <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> executar. Antôn (acepção 1): barulho,ruído. interj Voz para mandar cessar o discurso ou a bulha. S. da lei: a) omissão da leiacerca <strong>de</strong> qualquer circunstância; b) circunstância que, sobre um dado ponto da lei, nãofoi prevista ou mencionada pelo legislador. S. moral ou S. sepulcral: silêncio absoluto,completo. Passar em silêncio: omitir. Reduzir ao silêncio: obrigar a calar por meio <strong>de</strong>argumentos convincentes.Certos termos aí presentes parecem muito fortes: “recusa <strong>de</strong> falar”; “abstençãovoluntária <strong>de</strong> manifestar os seus pensamentos”; “abstenção <strong>de</strong> publicar qualquer notícia oufato, <strong>de</strong> comentar o que é geralmente sabido”; “passar em silêncio: omitir”; “reduzir aosilêncio: obrigar a calar por meio <strong>de</strong> argumentos convincentes”. Que paz será esta que se


22obtém a custa <strong>de</strong> tantos silenciamentos? Os argumentos convincentes proce<strong>de</strong>m <strong>de</strong> quem?Que posição <strong>de</strong> sujeito pacífico será daí resultante?Voltemos, então, ao verbete “paz”, nosso principal objeto <strong>de</strong> análise, que para facilitara <strong>de</strong>scrição e análise, transcrevemos novamente.Pazsf (lat pace) 1. Estado <strong>de</strong> um país que não está em guerra; tranqüilida<strong>de</strong> pública. 2.Tratado que mantém ou restabelece esse estado; Assinar a paz. 3. Repouso, silêncio. 4.Tranqüilida<strong>de</strong> da alma. 5. União, Concórdia nas famílias. 6. Sossego. Paz armada:respeito recíproco das nações mantido pelos exércitos e esquadras que elas conservam.Paz-<strong>de</strong>-alma: pessoa bonacheirona, inofensiva, pacífica. Paz-otaviana: gran<strong>de</strong> quietação esossego, como gozou o mundo romano no tempo <strong>de</strong> Otávio. Fazer as pazes: conciliar-se.Ainda em relação ao sujeito, vamos encontrar “tranqüilida<strong>de</strong> da alma” e “paz-<strong>de</strong>alma”,sendo que esta aparece como “pessoa bonacheirona, inofensiva, pacífica”. E quem éesse sujeito que tem “paz-<strong>de</strong>-alma”? O dicionário respon<strong>de</strong> como sendo “uma pessoabonacheirona, inofensiva, pacífica”, que para ele significa:i.no.fen.si.voadj (in+ofensivo) 1 Que não ofen<strong>de</strong>, que não é ofensivo. 2 Que não escandaliza. 3 Quenão faz mal.pa.cí.fi.coadj (lat pacificu) 1 Amigo da paz. 2 Que procura a paz. 3 Sem agitações; sereno. 4Pertencente ou relativo ao Oceano Pacífico. 5 Que é aceito sem disputa ou contestação:Ponto pacífico.bo.na.chei.rãoadj +sm (bom+acho+eiro+ão2) V bonachão. Fem: bonac e heirona.Os silenciamentos têm a ver, parece, com “ofen<strong>de</strong>r”, “escandalizar”; “fazer mal a”. Aquem essas ações se dirigem? O sujeito <strong>de</strong>ve ser inofensivo em relação a quem e a quê?A <strong>de</strong>finição “paz-<strong>de</strong>-alma” nos chamou a atenção no aspecto <strong>de</strong> individualização dosujeito que vai se formando sobre o discurso da paz. Esta “pessoa inofensiva”, segundo odicionário, não ofen<strong>de</strong>, nem escandaliza e não faz o mal; e a “pessoa pacífica” é aquela queaceita sem disputa ou contestação, que não faz agitações, que é serena. Essa “pessoa” quepossui a “paz-<strong>de</strong>-alma”, que aparece nesse verbete, está silenciando algo que é inevitável emqualquer “pessoa”: a diferença. Nós somos sujeitos diferentes, com i<strong>de</strong>ologias diferentes.Mas, para se ter paz é preciso homogeneizar, apagar essas diferenças que se mostram nosconflitos, nos confrontos, na relação com o outro, com o diferente: não ofen<strong>de</strong>r, nãoescandalizar, não fazer o mal.


23A “paz-<strong>de</strong>-alma” parece mostrar um sujeito inoperante em relação a tudo e todos; uma“pessoa inofensiva”, ou seja, um sujeito que não age, não luta por seus i<strong>de</strong>ais ou por algo emprol da socieda<strong>de</strong>, ou até mesmo, por interesses individuais, enfim, um sujeito passivo queaceita todas as situações <strong>de</strong> vida sem reagir. Só assim ele po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido como portador da“paz-<strong>de</strong>-alma”: tipo <strong>de</strong> cidadão i<strong>de</strong>al para qualquer governo.Esse foco no sujeito e na relação com o outro, irá se expandir no enunciado (5) em quediz “União, Concórdia nas famílias”. É interessante <strong>de</strong> se notar, que a questão da paz nafamília aparece apenas no dicionário Michaelis (<strong>de</strong>ntre os selecionados para essa pesquisa).Para o Michaelis, a palavra “união”, possui outros sinônimos como: “juntamente, união,ligação, junta, emenda, concórdia, aliança, pacto, acordo, laço, vínculo, socieda<strong>de</strong>, reuniãoassociação”. “Concórdia nas famílias” vem no mesmo enunciado <strong>de</strong> “união”, separado apenaspor uma vírgula, que por sua vez é especificado pelo espaço em que ocorre a concórdia paraque seja sinônimo <strong>de</strong> paz: nas famílias. A palavra “união” não está acompanhada <strong>de</strong> nenhumcomplemento, po<strong>de</strong>ndo assim remeter essa palavra a vários sentidos; mas a palavra“concórdia” está restrita, “a famílias”. A concórdia <strong>de</strong> que fala o sujeito autor <strong>de</strong>sse dicionáriosó funciona <strong>de</strong>ntro da família e a união po<strong>de</strong> servir para as outras categorias da socieda<strong>de</strong>.Gostaríamos <strong>de</strong> voltar ao enunciado (6), pois ali aparece uma palavra composta <strong>de</strong>termos aparentemente antitéticos: “Sossego. Paz-armada: respeito recíproco das naçõesmantido pelos exércitos e esquadras que elas conservam”. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> “sossego” que odicionário Michaelis nos mostra, traz sinônimos como: “tranqüilida<strong>de</strong>, calma, quietação”. Apalavra “paz-armada”, na sua <strong>de</strong>finição no dicionário Michaelis começa pela palavra“respeito” (“respeito recíproco...”), e tal palavra, ao procurarmos seu verbete no mesmodicionário, encontramos que po<strong>de</strong> ser sinônima <strong>de</strong> “obediência, acoitamento”, ou “sentimento<strong>de</strong> medo”. E se pesquisarmos historicamente <strong>de</strong> on<strong>de</strong> surgiu a expressão “paz-armada”,também <strong>de</strong>scobrimos que foram duas potências militares que se armaram para umenfrentamento que po<strong>de</strong>ria acontecer a qualquer momento, mas que não acontecia, poisexistia o “medo” do ataque do adversário. O que po<strong>de</strong>mos pensar? Que a paz acontece entreas socieda<strong>de</strong>s imposta pelo medo? Através da obediência ao mais forte? Pelo acoitamento???Às imposições do outro? A paz-armada parece contradizer todos os outros conceitos queaparece no verbete, nos mostrando uma paz imposta por regime militar, repressão, medo,explicita o que está sendo silenciado nos outros. Nessa expressão “paz-armada”, acontece oque Nunes (2006, p. 57) aponta como uma contradição, por existirem vários campos lexicaisaí funcionando: “O lexicólogo traça os critérios <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitação dos campos lexicais e coloca


24em prática certos procedimentos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação. Na fronteira entre os campos, sãoexplicitadas as relações <strong>de</strong> aliança, contradição, oposição e silenciamento”.Vamos passar, agora, para a <strong>de</strong>scrição e análise do verbete “paz”, conforme seapresenta no dicionário Aurélio, em sua edição <strong>de</strong> 1999.1. Ausência <strong>de</strong> lutas, violência ou perturbações sociais; tranqüilida<strong>de</strong> pública; concórdia,harmonia. O respeito às leis assegura a paz <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>. 2. Ausência <strong>de</strong> conflitosentre pessoas; bom entendimento, entendimento, harmonia: vive em paz com os vizinhose colegas. 3. Ausência <strong>de</strong> conflitos íntimos; tranqüilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alma, sossego: goza <strong>de</strong> pazabsoluta. 4. Situação <strong>de</strong> um país que não está em guerra cm outro: gran<strong>de</strong>s são osbenefícios das épocas <strong>de</strong> paz. 5. Restabelecimento <strong>de</strong> relações amigáveis entre paísesbeligerantes; cessação <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong>: breve foi a paz entre os dois países. 6. Tratado <strong>de</strong>paz: assinar a paz. 7. Ausência <strong>de</strong> agitação ou ruído; repouso, silêncio, sossego: a paz docampo. Paz podre sossego profundo. Fazer as pazes: reconciliar-se; Jogar à paz: jogarbastante a fim <strong>de</strong> saldar as contas com o parceiro. Ser <strong>de</strong> boa paz: ter índole pacífica.(FERREIRA, 1999, p. 1520)O verbete começa fazendo referência à violência, às lutas e perturbações sociaisdiferentemente do anterior que começa com a paz entre os Estados. Há, pois, uma inversão natopicalização dos enunciados <strong>de</strong>finidores das palavras – fato a ser notado nos três dicionários- on<strong>de</strong> o social é tido como sentido principal. Tais referências (violência, lutas,perturbações...) andam sempre com o discurso da paz, pois para se falar em paz é necessáriofalar da violência 3 e, vice-versa. Esta dualida<strong>de</strong> está sempre presente nos discursos sobre apaz como veremos neste TCC.Em (1) “ausência <strong>de</strong> perturbações sociais”, temos uma <strong>de</strong>finição que nos leva aenten<strong>de</strong>r que a “paz”, em um foco social, po<strong>de</strong> ser, por exemplo, a ausência <strong>de</strong> manifestaçõesestudantis, <strong>de</strong> lutas por direitos da população, por qualquer tipo <strong>de</strong> manifestação social. Issopo<strong>de</strong> ser corroborado pela “Tranqüilida<strong>de</strong> pública” que também aparece nesse verbete e quenos remete ao mesmo sentido <strong>de</strong> não haver manifestações públicas. Em seguida vem a palavra“concórdia” que, segundo o próprio Aurélio, é a “harmonia <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> e/ou <strong>de</strong> opiniões.” Mas“Concórdia” no Michaelis <strong>de</strong>fine-se: “paz e harmonia entre pessoas que possuem espírito <strong>de</strong>compreensão e tolerância.” E <strong>de</strong> acordo com sua etimologia (concórdia): inteligência, acordo.Mas, no verbete que <strong>de</strong>fine a “paz”, do dicionário <strong>de</strong> Michaelis, a palavra “concórdia” vemespecificada como “concórdia nas famílias” o que a diferencia do Aurélio que a <strong>de</strong>fine comfoco no social. Pensemos assim, se a palavra concórdia po<strong>de</strong> ser sinônima <strong>de</strong> inteligência,3 Também po<strong>de</strong>mos perceber que os acontecimentos horrendos e traumáticos em certas socieda<strong>de</strong>s, ou melhor, odiscurso <strong>de</strong> violência/lutas é mais instigante do que o da paz. E percebemos isso ao pesquisar na internet sobre a“paz” e o que mais se encontra é sobre a violência.


25então os sujeitos que não têm a “concórdia nas famílias” também não têm inteligência e logonão têm a paz.Temos agora o enunciado (2), o foco é no indivíduo: “ausência <strong>de</strong> conflitos entrepessoas; bom entendimento, entendimento, harmonia: vive em paz com os vizinhos ecolegas.” Este enunciado, restringe vários sentidos, a começar pela palavra “conflitos” queremete a “entre pessoas”. Na palavra “entendimento”, po<strong>de</strong>mos perceber dois tipos: o “bomentendimento” e simplesmente “entendimento”, assim a paz é sinônimo <strong>de</strong> bom entendimentoe <strong>de</strong> um entendimento qualquer in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente se é bom ou não. Outro termo querestringe o sentido <strong>de</strong> paz é “harmonia”, que vem seguido <strong>de</strong> uma frase: “ vive em paz com osvizinhos e colegas”. Tal <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> harmonia, logo <strong>de</strong> paz, restringe seu sentido a : haverharmonia/paz apenas entre vizinhos e colegas, pensando <strong>de</strong>ssa maneira que o dicionário nosdireciona a enten<strong>de</strong>r que o resto da socieda<strong>de</strong> não vive em harmonia/paz. É apagado nesseenunciado outros fatores necessários para se viver em paz, pois a paz não se resume em viverem harmonia apenas com vizinhos e colegas, mas sim com todos, consi<strong>de</strong>rando as diferençase apren<strong>de</strong>ndo a lidar com elas.Aparece em seguida, o enunciado (3), mas com relação ao (2) na <strong>de</strong>finição “ausência<strong>de</strong> conflitos” que está divido em dois: ausência <strong>de</strong> conflitos entre pessoas (2) e ausência <strong>de</strong>conflitos íntimos (3). Mais uma vez apagando o que po<strong>de</strong>mos questionar: Como um sujeitopo<strong>de</strong> não ter conflitos se este existe até consigo mesmo? Como não ter conflitos íntimos? Osconflitos fazem parte do ser humano, pois não pensamos nem agimos da mesma forma. Criam<strong>de</strong>finições para paz em que não existem possibilida<strong>de</strong>s para que ela se concretize. Se a paz for<strong>de</strong>finida <strong>de</strong> maneira que ninguém consegue alcançá-la, como conseguir promovê-la?Continuando nossa análise. Ainda no enunciado (3), temos a <strong>de</strong>finição: “tranqüilida<strong>de</strong><strong>de</strong> alma, sossego: goza <strong>de</strong> paz absoluta”, como no caso do verbete analisado anteriormente nodicionário Michaelis: “repouso” que po<strong>de</strong> ser associada a morte, portanto, à “paz absoluta”que aparece neste verbete do Aurélio reforçando a idéia <strong>de</strong> que a paz absoluta existe apenasna morte, porque somos sujeitos <strong>de</strong> conflito e nunca conseguiremos, em vida, ter essa paz quefoi <strong>de</strong>finida nesses dicionários.O enunciado que vem em seguida (4) é uma sentença “Situação <strong>de</strong> um país que nãoestá em guerra com outro: gran<strong>de</strong>s são os benefícios das épocas <strong>de</strong> paz” (grifo nosso).Colocamos o termo “épocas” sublinhado para que possamos trabalhar esse novo sentido dapaz que encontramos e que está associado a um “estado” ou “período” <strong>de</strong> tempo, ou seja, apaz é situada historicamente. Por que será que a paz não po<strong>de</strong> ser algo contínuo? Absoluto em


26todos os sentidos em que ela aparece? Ou melhor, a paz po<strong>de</strong> ser contínua no sentido <strong>de</strong> nãohaver nenhum conflito?Po<strong>de</strong> haver união em tudo? O que queremos dizer é que nãoconseguimos ter uma paz contínua porque o homem é um ser histórico em toda a sua relaçãoconsigo mesmo, com o outro e com o mundo – po<strong>de</strong>-se ter ou não conflito em relação a algo,isso irá <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r das i<strong>de</strong>ologias e da história em que o sujeito se constitui e se individualiza.Na <strong>de</strong>finição (5), temos: “Restabelecimento <strong>de</strong> relações amigáveis entre paísesbeligerantes; cessação <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong>: breve foi a paz entre os dois países.” Notemos quequando o Aurélio usa os termos “restabelecimento <strong>de</strong> relações amigáveis”, percebemos – nonão dito - que há outros tipos <strong>de</strong> relações existentes e que, provavelmente, <strong>de</strong>ve ser o opostodas relações amigáveis. Portanto, o restabelecimento <strong>de</strong> relações amigáveis se dá a partir doseu oposto. A próxima “cessação <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong>” nos levou a analisar um outro verbete, pornão ser sido ainda mencionado e acarretar vários sentidos para nossa análise: aquele centradono sujeito.hostil(i) Adj2g 1. Que se opõe claramente a alguém ou a alguma coisa. 2. Que age comoinimigo; agressivo. 3. Próprio <strong>de</strong> inimigo, pouco amistoso. [Pl.:-tis] hos.ti.li.da.<strong>de</strong>sf.;hos.ti.li.men.te adv.Ao vermos o enunciado (5) <strong>de</strong>finindo a paz como “cessação <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong>” e aoprocurarmos, no mesmo dicionário (Aurélio), o verbete “hostil”, conseguimos criar uma novaimagem <strong>de</strong>sse termo, pois foi enca<strong>de</strong>ado à <strong>de</strong>scrição outros termos <strong>de</strong>finidores que levam aoutros sentidos, consi<strong>de</strong>rando que “hostil” seja sinônimo <strong>de</strong>: “que se opõe claramente aalguém ou a alguma coisa; que age como inimigo; agressivo; próprio <strong>de</strong> inimigo, poucoamistoso.” Pensemos em uma paz que existe com cessação <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> – essa hostilida<strong>de</strong><strong>de</strong>finida pelo Aurélio. E temos então, um sujeito que não se opõe a nada, que não é inimigo <strong>de</strong>ninguém, que não é agressivo, um sujeito que o Michaelis <strong>de</strong>fine como “pacífico”.Outro enunciado <strong>de</strong>finidor <strong>de</strong>sse verbete é o da “ausência <strong>de</strong> agitação ou ruído;repouso, silêncio, sossego: a paz do campo”. Reparemos que “repouso” e “silêncio”aparecem, também, no verbete do dicionário Michaelis, mas diferentemente do dicionárioAurélio aparece com uma especificação marcada pela pontuação “:” e seguida <strong>de</strong> “a paz docampo”, trazendo uma nova dicotomia para a nossa reflexão cida<strong>de</strong> X campo, urbano X rural,e direcionado o sujeito a enten<strong>de</strong>r que encontramos repouso e silêncio apenas no campo.Já o sentido <strong>de</strong> “ausência <strong>de</strong> agitação ou ruído” nos traz a idéia <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> algumacoisa: um vazio e, assim, tornando seu sentido negativo. Pois quando se pensa em ausência,


27logo se pensa em não-presença. Acontece então o que Orlandi, em sua obra intitulada “Asformas do Silêncio”, (1993) chama <strong>de</strong> silenciamento, termo que <strong>de</strong>ntro da teoria <strong>de</strong> AD temcomo <strong>de</strong>finição:O silêncio é assim a “respiração” (o fôlego) da significação; um lugar <strong>de</strong> recuo necessáriopara que se possa significar, para que o sentido faça sentido. Reduto do possível, domúltiplo, o silêncio abre espaço para o que não é “um”, para o que permite o movimentodo sujeito. (ORLANDI, 1993, p. 13)E ela prossegue (p.14) quando diz que o silêncio “atravessa as palavras, que existeentre elas, ou que indica que o sentido po<strong>de</strong> sempre ser outro, ou ainda que aquilo que é omais importante nunca se diz, todos esses modos <strong>de</strong> existir dos sentidos e do silêncio noslevam a colocar que o silêncio é ‘fundante’”. (grifo nosso) Nisso, po<strong>de</strong>mos perceber quequando o dicionário dá um sentido a uma palavra ele logo silencia outros sentidos, no caso, adiferença. Somos diferentes porque somos sujeitos históricos e i<strong>de</strong>ológicos. E o papel dai<strong>de</strong>ologia é “produzir evidências, colocando o homem na relação imaginária com suascondições materiais <strong>de</strong> existência.” (ORLANDI, 1999, p. 46).Quando aparece, fazendo parte do enunciado (7), “Ser <strong>de</strong> boa paz: ter índole pacífica”já está em um sentido mais “naturalizado”, pois a palavra “índole” é o mesmo que “caráter”algo com que já nascemos. Então para que um sujeito seja “<strong>de</strong> boa paz” é preciso que já estejageneticamente traçado.Em relação ao termo “pacífico”, termo esse que já foi analisado no dicionárioMichaelis, vale a pena retomá-lo: “Adj.1.amigo da paz; tranqüilo, pacato. 2. aceito semdiscussão ou oposição.” (FERREIRA,2001, p.507). Como já discutimos antes, o sujeitopacífico que o dicionário <strong>de</strong>screve é aquele passivo que “aceita sem discussão ou oposição”os acontecimentos ao seu redor. No Aurélio, um pouco diferente do Michaelis, esse sujeitopacífico não adquire esse caráter, mas nasce com ele.Ao termos uma visão geral do dicionário Aurélio percebemos que é constante apresença do termo “ausência”, nos fazendo pensar que a paz não é isso ou aquilo. Na verda<strong>de</strong>a paz parece ser a ausência <strong>de</strong> algo, algo é silenciado, mas faz parte <strong>de</strong>sse discurso e Orlandifala que “ao invés <strong>de</strong> pensar o silêncio como falta, po<strong>de</strong>mos, ao contrário, pensar a linguagemcomo excesso.” E o que está em excesso nesse verbete é a presença da palavra “ausência” quese complementa com os termos “violência/ lutas/conflitos/perturbações/agitação”.


28Passemos, então, para o verbete do dicionário Houaiss (2007, p.2158):1. Relação entre pessoas que não estão em conflito; acordo; concórdia < a p. vigoranaquela casa > < é uma pessoa que vive em paz>. 2. Relação tranqüila entre cidadãos;ausência <strong>de</strong> problemas, <strong>de</strong> violência < o bom funcionamento da justiça garante a paz> 3.Situação <strong>de</strong> uma nação ou um Estado que não está em guerra; relação dos países que<strong>de</strong>sfrutam <strong>de</strong>ssa situação < tempos <strong>de</strong> paz> 4. Cessação total <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> entre Estadosmediante celebração <strong>de</strong> tratado; armistício < os países beligerantes finalmente vão assinara paz> 5. Estado <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> uma pessoa que não é perturbada por conflitos ouinquietações; calma; quietu<strong>de</strong>, tranqüilida<strong>de</strong> < encontrou a paz na <strong>de</strong>voção religiosa> 6. Estado característico <strong>de</strong> um lugar ou <strong>de</strong> um momento em quenão há barulho e/ou agitação, calma sossego < a paz <strong>de</strong> um mosteiro> paz podretranqüilida<strong>de</strong> resultante da falta <strong>de</strong> ação, da indiferença ou da estagnação. Paz públicaestado <strong>de</strong> tranqüilida<strong>de</strong> e harmonia <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong> assegurada pela or<strong>de</strong>m jurídica;paz social. Jogar à paz. LUD jogar numa só parada (‘lance’) tudo que se ganhou doparceiro para que este tenha oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recuperar o perdido e ficar em paz. Ser <strong>de</strong>boa paz temperamento tranqüilo, pacifico. ETIM lat. pax, pãcis’paz, estado <strong>de</strong> paz,tratado <strong>de</strong> paz. SIN/VR ver antonímia <strong>de</strong> confusão, <strong>de</strong>sinteligência, fúria e rebelião. ANTguerra; ver também sinonímia <strong>de</strong> confusão, <strong>de</strong>sinteligência, fúria e rebelião.O verbete do dicionário <strong>de</strong> Houaiss refere-se, diferentemente dos dois primeirosdicionários, à relação entre pessoas, não mais à relação entre Estados ou entre pessoas <strong>de</strong> umacomunida<strong>de</strong>. No enunciado (2), o verbete, mais uma vez, faz referência à relação entrecidadãos (indivíduos), e os termos “acordo” e “concórdia” que estão no enunciado (1),também fazem parte do mesmo sentido que é o “sentido principal que seria o literal” para oqual ORLANDI (2002, p.107) chama a atenção. Nos outros dicionários – Michaelis e Aurélio-, os enunciados estavam voltados para a paz entre Estado, País, Nação, e a paz no espaçosocial urbano, respectivamente. Po<strong>de</strong>mos perceber, então, que as condições <strong>de</strong> produção dodicionário do Houaiss, o mais mo<strong>de</strong>rno, estão relacionadas ao sujeito urbano, um sujeito cadavez mais individualista, pelo efeito do capitalismo em que o que importa é o aqui-e-agora.Outro aspecto, que também aparece no Houaiss, são os exemplos, que servem pararestringir/<strong>de</strong>limitar os sentidos. No enunciado <strong>de</strong>finidor 1, temos: “1. Relação entre pessoasque não estão em conflito; acordo; concórdia < a p. vigora naquela casa > < é uma pessoa quevive em paz”, o dicionário coloca dois exemplos que irão produzir <strong>de</strong>terminado efeito-leitor:ao lermos o verbete po<strong>de</strong>mos, ou não, nos i<strong>de</strong>ntificar com tal <strong>de</strong>finição, embora na maioriadas vezes nos i<strong>de</strong>ntifiquemos.No enunciado (2), “relação tranqüila entre cidadãos; ausência <strong>de</strong> problemas, <strong>de</strong>violência”, aparecem três <strong>de</strong>finições que, porestarem no mesmo enunciado e por terem apenas um exemplo para os três, possuem relaçãoentre sim. Tais <strong>de</strong>finições resumem-se ao “funcionamento da justiça”, então a relaçãotranqüila entre os cidadãos, a ausência <strong>de</strong> problemas e a ausência <strong>de</strong> violência se resumem em


29um bom funcionamento da justiça para, finalmente, assim, termos a garantia da paz. Mas,pensemos na tranqüilida<strong>de</strong>. Será que apenas a justiça garante isso? E a ausência <strong>de</strong>problemas? Será que é possível a ausência <strong>de</strong> problemas tanto entre cidadãos quanto em umasocieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sigual como a brasileira?O enunciado (5) que também faz referência ao interior do indivíduo acontece tambémnos outros dicionários analisados: “Estado <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> uma pessoa que não é perturbada porconflitos ou inquietações; calma; quietu<strong>de</strong>, tranqüilida<strong>de</strong> < encontrou a paz na <strong>de</strong>voçãoreligiosa>”. Novamente po<strong>de</strong>mos pensar no aqui e agora <strong>de</strong>uma socieda<strong>de</strong> que não suporta limites, dor e a busca da felicida<strong>de</strong>, da vida sem sofrimento éuma constante. A <strong>de</strong>pressão é o mal do século. A paz <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> uma pessoa acontecequando ela não é “perturbada por conflitos ou inquietações”. E seus exemplos nos levam aosentido <strong>de</strong> que a paz <strong>de</strong> espírito será encontrada na <strong>de</strong>voção religiosa – aspecto que não foramencionado nos outros dicionários. Vemos, pois, o discurso religioso fazendo parte, então,dos enunciados da paz 4 . O outro exemplo já transforma a paz em estado <strong>de</strong> consciência, ouseja, a “...pessoa que não é perturbada por conflitos ou inquietações” possui a consciência empaz.Quando chegamos à <strong>de</strong>finição (6), “Estado característico <strong>de</strong> um lugar ou <strong>de</strong> ummomento em que não há barulho e/ou agitação, calma sossego< a paz <strong>de</strong> um mosteiro>”, osujeito <strong>de</strong>sloca o significado <strong>de</strong> paz para o “<strong>de</strong> um lugar ou um momento”; a paz passa aexistir em uma localida<strong>de</strong> – geograficamente (um mosteiro – funcionando, mais uma vez, odiscurso religioso) e, também, algo que acontece através do tempo – como minutos, horas,segundos <strong>de</strong> paz. Ao colocarmos esse sentido em prática po<strong>de</strong>mos imaginar que a paz temlugar e hora para existir.Retomemos o primeiro enunciado, que diz: a paz é “relação entre pessoas que nãoestão em conflito”; o exemplo: “é uma pessoa que vive em paz"; e o terceiro enunciado:“Situação <strong>de</strong> uma nação ou um Estado que não está em guerra”. Nesses e em outrosenunciados <strong>de</strong>sse verbete há, analisando sintaticamente, a presença da oração subordinadaadjetiva restritiva, on<strong>de</strong>, por exemplo, o sentido <strong>de</strong> “relação entre pessoas” se restringeapenas as pessoas que não estão em conflito. Outro aspecto a se notar é a presença constanteda negação nos enunciados <strong>de</strong>finidores. E se ao <strong>de</strong>finir a paz, aparece constantemente a4 É interessante saber que muitas das ONGs e sites sobre a paz usam o discurso religioso como po<strong>de</strong>remosperceber no segundo capítulo <strong>de</strong>sse TCC.


30restrição e a negação, então a paz é (atualmente) aquilo que restringe e nega alguma coisa.Portanto, a individualização do sujeito se dá pela negação e restrição. Chegamos então, maisuma vez, ao que já foi dito anteriormente: o silenciamento <strong>de</strong> outros sentidos.Esse silenciamento funciona <strong>de</strong> diferentes formas. Alguns enunciados <strong>de</strong>finidoresaparecem em um dicionário e não aparecem em outros. O Michaelis é o único em que há umarelação entre “União, concórdia nas famílias.” A palavra “união” não está no dicionário maisatualizado (Houaiss). Que sentidos são esses que vão mudando a casa instante, mas que nãoestão perto da realida<strong>de</strong> em que vive a socieda<strong>de</strong> que necessita encontrar uma forma <strong>de</strong> vivera paz? Na teoria <strong>de</strong> Análise <strong>de</strong> Discurso, tais questões são respondidas pelo fato <strong>de</strong> que ossentidos funcionam através da história e:...a Análise <strong>de</strong> Discurso pressupõe o legado do materialismo histórico, isto é, o <strong>de</strong> que háum real da história <strong>de</strong> tal forma que o homem faz história mas esta também não étransparente. Daí conjugando a língua com a história na produção dossentidos....”(ORLANDI, 1993,p.19)Depois <strong>de</strong>sse percurso, talvez seja interessante retomarmos o poema <strong>de</strong> Ori<strong>de</strong>s Fontelaque transcrevemos no início do Capítulo e observarmos como ela sabe falar tão bem do quefoi silenciado, apagado.A Paznão reconstrói: eli<strong>de</strong>a trama e o verbo.A Paznão organiza: explo<strong>de</strong>o núcleo-tempoA PazNão é letal: vivifica.A paznão apazigua: fere.A Paznão acalma: renovao ser e o sangue.Ao lermos o poema, já percebemos que é um discurso diferente do queencontramos nos dicionários: a autora inverte toda a concepção <strong>de</strong> paz que vimos atéagora. Essa nova discursivida<strong>de</strong> reconstrói o conceito <strong>de</strong> paz e esses novos conceitospo<strong>de</strong>m ser conhecidos como efeito metafórico que, segundo Pêcheux (1969) em umacitação <strong>de</strong> Orlandi (1999), é “o fenômeno semântico produzido por uma substituiçãocontextual, lembrando que este <strong>de</strong>slizamento <strong>de</strong> sentido entre x e y é constitutivo tanto dosentido <strong>de</strong>signado por x como por y.” (p.78) Assim a metáfora não é vista como


31substituição <strong>de</strong> sentido, mas sim <strong>de</strong> transferência, ou seja, um sentido vai passando paraoutro diferente,“mas essa diferença é sustentada em um mesmo ponto que <strong>de</strong>sliza <strong>de</strong> próximo empróximo, o que nos leva a dizer que há um mesmo nessa diferença... Tanto o diferentecomo o mesmo são produção da história, são afetados pelo efeito metafórico.”(ORLANDI, 1999, p.79)O que acontece é o resultado do “mesmo e o diferente” sendo que, aqui prevalece odiferente, a polissemia, evi<strong>de</strong>nciando o que foi silenciado. O que aconteceu foi o<strong>de</strong>slocamento para outros possíveis sentidos. Vemos aí, também, funcionando o silêncio e nãonos esqueçamos <strong>de</strong> que para a AD “o silêncio não fala. O silêncio é. Ele significa. Ou melhor:no silêncio o sentido é.” (ORLANDI, 1993, p.33) Portanto o sentido mostrado pela autorapo<strong>de</strong> não aparecer nos dicionários, mas ele existe.Quando ela começa o poema dizendo que a paz “não reconstrói” - está em nossamemória o discurso que a paz reconstrói, pois após as duas guerras mundiais para que sepu<strong>de</strong>sse reconstruir as cida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>struídas, até mesmo as vidas das pessoas, era necessário quea guerra cessasse e fosse <strong>de</strong>clarada a “paz”. A autora reescreve essa história/memória aoacrescentar : “eli<strong>de</strong> a trama e o verbo”, on<strong>de</strong> além <strong>de</strong> negar essa memória <strong>de</strong> “reconstruçãoque a paz nos traz, ela dá uma nova significação para tal conceito.Outra palavra que a autora nega é “apaziguar” que tem como sinônimo “pacificar” quetambém <strong>de</strong>riva da palavra latina que significa paz; a poeta diz que “fere.” Po<strong>de</strong>mos pensar empacificar como tendo o sentido <strong>de</strong> acalmar o comportamento infantil, mas também <strong>de</strong>repressão militar. E aí fere.Quando ela diz que a paz não “organiza: explo<strong>de</strong>”, po<strong>de</strong>mos pensar no sujeito que osdicionários analisados <strong>de</strong>screvem como pacífico: aquele que não causa perturbações sociais,aquele que não está em conflito consigo mesmo. Pois um sujeito assim jamais iria se alterar:“explodir”, <strong>de</strong> acordo com os dicionários. Fontela, nesse verso, nos anuncia que esse sujeitopacífico iria explodir, pois não somos máquinas e somos diferentes uns dos outros.A poesia, um outro espaço simbólico <strong>de</strong> individualização do sujeito feito <strong>de</strong> negação,mas agora significando diferentemente: a paz não reconstrói, não organiza, não é letal, nãoapazigua, não acalma. Uma outra possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> significar o mundo e a si mesmo. Um outrosujeito pacífico.


32CAPÍTULO 3A administração da PazDepois <strong>de</strong> uma nova prática <strong>de</strong> leitura <strong>de</strong> dicionários, mediada pela AD, por meio <strong>de</strong>verbetes que nos ajudaram a compreen<strong>de</strong>r os sentidos da “paz” em nossa socieda<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>mospassar para outra etapa <strong>de</strong> nossa pesquisa, <strong>de</strong> acordo com o corpus construído: a <strong>de</strong>scrição eanálise <strong>de</strong>, alguns sites sobre a paz, por on<strong>de</strong>, na verda<strong>de</strong>, iniciamos um trabalho na disciplinada Análise do Discurso no semestre passado e on<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrimos que a paz po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>sdobrarem vários tipos <strong>de</strong> paz como: a paz na escola, na família, no trabalho, no futebol, no trânsito.Enfim, um tipo <strong>de</strong> paz para cada necessida<strong>de</strong> do cidadão da nossa socieda<strong>de</strong>.Marilena Chauí, em uma matéria feita para a Folha <strong>de</strong> S. Paulo, intitulado “Umai<strong>de</strong>ologia perversa”, em seu Ca<strong>de</strong>rno Mais!, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999, trata da questão daviolência em relação à ética na socieda<strong>de</strong> brasileira. Ali, ela fala que existe também umamultiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> éticas – “ética política, ética familiar, ética escolar, ética <strong>de</strong> cada categoriaprofissional, ética do futebol, ética da empresa” -, o que leva a uma negação <strong>de</strong> qualqueruniversalida<strong>de</strong> e a consi<strong>de</strong>rar a ética como “competência específica <strong>de</strong> especialistas”. Pareceque o mesmo ocorre com a paz. Além disso, ela diz que:Aqui, confun<strong>de</strong>-se ética e organização administrativa, isto é, a ética é tomada como umcódigo <strong>de</strong> condutas que <strong>de</strong>fine hierarquias, cargos e funções, das quais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>mresponsabilida<strong>de</strong>s funcionais para o bom andamento <strong>de</strong> uma organização. Além <strong>de</strong>confundir-se com a funcionalida<strong>de</strong> administrativa, a pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> éticas tambémexprime a forma contemporânea da alienação, isto é, <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> totalmentefragmentada e dispersa que não consegue estabelecer para si mesma nem sequer aimagem da unida<strong>de</strong> que daria sentido a sua própria dispersão. (grifo nosso)Pêcheux, em seu livro “Discurso: estrutura ou acontecimento” (1990, p. 30), tambémirá falar <strong>de</strong> um outro modo, <strong>de</strong>ssa administração do que ele chama <strong>de</strong> espaços discursivoslogicamente estabilizados em que se faz a gestão social dos indivíduos através <strong>de</strong> umamultiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> técnicas, marcando-os, i<strong>de</strong>ntificando-os, classificando-os, colocando-os emor<strong>de</strong>m, em colunas, em tabelas, reunindo-os e separando-os segundo critérios <strong>de</strong>finidos, “afim <strong>de</strong> colocá-los no trabalho, a fim <strong>de</strong> instruí-los, <strong>de</strong> fazê-los sonhar ou <strong>de</strong>lirar, <strong>de</strong> protegêlose <strong>de</strong> vigiá-los, <strong>de</strong> levá-los à guerra e <strong>de</strong> lhe fazer filhos...”.E ele prossegue, dizendo que as coerções não são impostas ao sujeito somente poralgo/alguém externo a ele, mas pelo próprio sujeito que ele chama <strong>de</strong> sujeito pragmático, “istoé, cada um <strong>de</strong> nós, os ‘simples particulares’ face às diversas urgências <strong>de</strong> sua vida”. (p. 33)Po<strong>de</strong>mos, então, nos perguntar como esse <strong>de</strong>sdobramento da paz reflete um modo <strong>de</strong> gestão


33<strong>de</strong>sse sujeito mo<strong>de</strong>rno, urbano, escolarizado da socieda<strong>de</strong> capitalista? Que sentidos aí seproduzem? Até que ponto temos o mesmo sob a forma do diferente nesses espaçosdiscursivos da paz?A gran<strong>de</strong> maioria dos sites a que tivemos acesso, pertence às ONGs – Organizaçõesnão Governamentais, evi<strong>de</strong>nciando uma pluralida<strong>de</strong>, também, <strong>de</strong>ssas organizações, que vêmcrescendo <strong>de</strong> forma assustadora. Os sites foram os que se seguem.1. www.educapaz.org.br2. www.soudapaz.org3. www.calendariodapaz.com.br4. www.rodasdapaz.org.br5. www.rio<strong>de</strong>paz.org.br6. www.pazagora.com.br7. www.gabrielasoudapaz.org/8. www.londrinapazeando.org.br9.Estudos para a paz: http://www.ces.uc.pt/nucleos/nep/apresentacao.php10. Programa Paz na Escola: http://www.mj.gov.br/sedh/paznasescolas/11. A paz na família: http://my.hobi.com.br/albano/mandamentos.html12. Paz no casamento: http://humor.stupidnews.com.br/viewtopic.php?t=182&sid=adbf550a677ccf509fb9 e516dbf86b8013. A paz no trabalho: http://www.crabauru.org.br/noticia.php?news_id=303&acao=ler14. Projeto paz no futebol: http://www.procon.sp.gov.br/noticia.asp?id=37315. Paz no trânsito: http://www.revelacaoonline.uniube.br/a2002/cida<strong>de</strong>/transito.html16. Origens religiosas da palavra paz: http://www.hermeneutica.com/estudos/paz_2.html17. Site <strong>de</strong> palavras <strong>de</strong> paz: www.palavra<strong>de</strong>paz.com.br18. 10 mandamentos do Papa-http://g1.globo.com/Noticias/0,,PIO54741-5602,00.htmlA lista acima contém sites <strong>de</strong> ONGs sobre a paz e sites em que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>seu conteúdo, tratam <strong>de</strong> algum tipo <strong>de</strong> paz, como acontece no site da “paz na família”, quepertence a uma empresa que atua no fornecimento <strong>de</strong> equipamentos para indústria <strong>de</strong>processamento <strong>de</strong> carnes. Portanto, é importante sabermos as condições <strong>de</strong> produção que sedão em tais “tipos <strong>de</strong> paz”, para que se compreenda os sentidos e sujeitos que aí seconstituem.Os discursos das ONGs, voltados para a paz, têm como contraparte necessária aviolência, mostrando, por exemplo, exemplos <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> violência contra as pessoas, comoacontece com o discurso do dicionário, em que não se po<strong>de</strong> falar <strong>de</strong> paz sem falar <strong>de</strong>violência. No Aurélio, por exemplo, a estrutura e o funcionamento do verbete “paz” émarcado pela palavra “ausência”: ausência <strong>de</strong> luta, <strong>de</strong> violência, <strong>de</strong> perturbações, <strong>de</strong> conflitos,<strong>de</strong> agitações, <strong>de</strong> ruídos.Chauí, no texto anteriormente, mencionado, ao mostrar que a ética está semprevinculada também à violência, diz que esta significa:


34... 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza <strong>de</strong> algum ser (é <strong>de</strong>snaturar);2) todo ato <strong>de</strong> força contra a espontaneida<strong>de</strong>, a vonta<strong>de</strong> e a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguém (é coagir,constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato <strong>de</strong> violação da natureza <strong>de</strong> alguém ou <strong>de</strong>alguma coisa valorizada positivamente por uma socieda<strong>de</strong> (é violar); 4) todo ato <strong>de</strong>transgressão contra o que alguém ou uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>fine como justo e como um direito.Conseqüentemente, a violência é um ato <strong>de</strong> brutalida<strong>de</strong>, sevícia e abuso físico e/oupsíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais <strong>de</strong>finidas pelaopressão e intimidação pelo medo e o terror.Po<strong>de</strong>mos observar que o foco, nessa forma <strong>de</strong> conceber a violência, está centrado nosujeito, apagando o econômico, o social e o político. Trata-se <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong> individualização<strong>de</strong>sse sujeito mo<strong>de</strong>rno, urbano, escolarizado.Por outro lado, a mesma autora chama a nossa atenção para o que é apagado,silenciado, quando a violência, logo a ética, (no nosso caso, a paz), está centrada em ações doe para o sujeito, apagando a violência estrutural da socieda<strong>de</strong> brasileira: uma socieda<strong>de</strong> queestruturou suas relações sociais e intersubjetivas nos mol<strong>de</strong>s da escravidão, seja dos índios,seja dos africanos. Para ela, o que está sendo apagado nessa relação entre violência e ética,seria o dispositivo em que a violência é caracterizada apenas como crime contra “aproprieda<strong>de</strong> e a vida”, seria o dispositivo jurídico. Fala também do dispositivo sociológicoque consi<strong>de</strong>ra a violência como um momento <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência na socieda<strong>de</strong> em que os grupossociais menos <strong>de</strong>senvolvidos, ou melhor, “atrasados”, entram em atrito com os grupos sociaismais <strong>de</strong>senvolvidos. Outro dispositivo é o da exclusão on<strong>de</strong> os sujeitos são divididos em osviolentos e os não-violentos e, por último, a violência como um aci<strong>de</strong>nte, ou como algo queacontece do nada, e que percebemos isso quando os meios <strong>de</strong> comunicação “se referem àviolência com as palavras “surto”, “onda”, “epi<strong>de</strong>mia” “crise”, isto é, termos que indicamalgo passageiro e aci<strong>de</strong>ntal.” (CHAUI, 1999)Em se tratando da relação entre violência e paz, o que estará sendo apagado, silenciadonos discursos <strong>de</strong>ssas ONGs? Orlandi, em seu livro as “As formas do silêncio” (1990), irámostrar como isso funciona em termos <strong>de</strong> Análise <strong>de</strong> Discurso: “O funcionamento do silêncioatesta o movimento do discurso que se faz na contradição entre o ‘um’ e o ‘múltiplo’, omesmo e o diferente, entre paráfrase e polissemia.” (p.17). A autora prossegue sua análisedizendo que “para se compreen<strong>de</strong>r a linguagem é preciso enten<strong>de</strong>r o silêncio para além <strong>de</strong> suadimensão política... chegando a hipótese <strong>de</strong> que o silêncio é a matéria significante porexcelência, um continuum significante. O real da significação é o silêncio” (p.31)No <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>sse capítulo vamos percebendo que esse silenciamento que, segundoOrlandi, significa, e que também é discurso está silenciando coisas diferentes, como os


35interesses capitalistas e a presença constante da violência como sustentação para se promovera paz. E dado o tempo que dispúnhamos para o trabalho, resolvemos selecionar alguns sites edividi-los em grupos que tivessem algo em comum. Analisamos, pois, três grupos: a) a paz narelação entre o discurso religioso e o discurso social; b) a paz no discurso voltado para o<strong>de</strong>senvolvimento financeiro: negócios/mercado. c) a paz tendo como foco a não-violência.Fazem parte do primeiro grupo os seguintes sites: a paz na família: http://my.hobi.com.br/albano/mandamentos.html; e paz no trânsito: http://www.rodasdapaz.org.br 5 .Falamos da presença do discurso religioso pelo o fato <strong>de</strong> eles trazerem para a cena enunciativaos 10 mandamentos <strong>de</strong> forma explícita. Como contraponto a estes sites, analisamos tambémas “Diretrizes para o cuidado pastoral da estrada”, elaboradas pelo Papa Bento XVI:http://g1.globo.com/Noticias/0,,PIO54741-5602,00.htmlPara compreen<strong>de</strong>r a paz em relação aos negócios/mercado, trabalhamos os seguintessites: a paz no trabalho: http://www.crabauru.org.br/ noticia.php?news_id=303&acao=Ler; e apaz no futebol: http://www.procon.sp.gov.br/ noticia.asp?id=373.No terceiro grupo, trabalhamos com os seguintes sites: “http://www.gabrielasoudapaz.org”; “http://www.londrinapazeando .org.br” e, por último, uma nova discursivida<strong>de</strong>: umapiada tendo como referente a “paz no casamento”: http://humor.stupidnews.com.br/viewtopic.php?t=182&sid=adbf550a677ccf509fb9e516dbf86b80, nos trazendo um outro sentidoque, mesmo no contexto da comédia, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser fato que acontece na socieda<strong>de</strong>.Comecemos nossa análise com o primeiro grupo, aqueles que se estruturam tomandocomo referência explícita os “10 mandamentos”. Dez mandamentos para a paz na família e osDez mandamentos do Trânsito, produzindo um efeito <strong>de</strong> consenso nos que têm acesso a essesdiscursos. No discurso religioso, os mandamentos são um conjunto <strong>de</strong> regras que <strong>de</strong>vem serseguidas para que os fiéis alcancem a salvação eterna. No caso dos discursos que estamosanalisando, o objetivo está voltado para a vida social da população, mas <strong>de</strong> diferentesmaneiras.Vamos começar nossa <strong>de</strong>scrição e análise com os mandamentos para a paz na família.Abaixo segue um quadro com os <strong>de</strong>z mandamentos para a paz na família:5 Utilizamos neste TCC um folheto contendo os 10 mandamentos ... , que foi analisado em trabalho realizadopara a disciplina Análise do Discurso no semestre passado. Naquela época, o folheto podia ser encontrado nosite: www.rodasdapaz.org.br. Atualmente, ele já não se encontra ali.


3610 Mandamentos para a Paz na Família1. Tenha fé e viva a Palavra <strong>de</strong> Deus, amando o próximo como a si mesmo.2. Ame-se, confie em si mesmo, em sua família e aju<strong>de</strong> a criar um ambiente <strong>de</strong> amor e paz ao seuredor.3. Reserve momentos para brincar e se divertir com sua família, pois a criança apren<strong>de</strong> brincando ea diversão aproxima as pessoas.4. Eduque seu filho através da conversa, do carinho e do apoio e tome cuidado: quem bate paraensinar está ensinando a bater.5. Participe com sua família da vida da comunida<strong>de</strong>, evitando as más companhias e diversões queincentivam a violência.6. Procure resolver os problemas com calma e aprenda com as situações difíceis, buscando em tudoo seu lado positivo.7. Partilhe seus sentimentos com sincerida<strong>de</strong>, dizendo o que você pensa e ouvindo o que os outrostêm para dizer.8. Respeite as pessoas que pensam diferente <strong>de</strong> você, pois as diferenças são uma verda<strong>de</strong>ira riquezapara cada um e para o grupo.9. Dê bons exemplos, pois a melhor palavra é o nosso jeito <strong>de</strong> ser.10. Peça <strong>de</strong>sculpas quando ofen<strong>de</strong>r alguém e perdoe <strong>de</strong> coração quando se sentir ofendido, pois operdão é o maior gesto <strong>de</strong> amor que po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstrar.O primeiro aspecto a se notar diz respeito às condições <strong>de</strong> produção em termos <strong>de</strong> seusinterlocutores. Esses mandamentos para a paz na família, como já dissemos foi encontrado emum site <strong>de</strong> uma empresa que atua no fornecimento <strong>de</strong> equipamentos para indústria <strong>de</strong>processamento <strong>de</strong> carnes <strong>de</strong> nome “Electra Tecnologia”. Tal site não tem nenhuma ligação“aparente” com o que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> “discurso sobre a família”, mas como já dissemosque os sentidos não estão escancarados e que quando usamos um discurso apagamos outros etambém, que a linguagem funciona histórica e i<strong>de</strong>ologicamente, então po<strong>de</strong>mos afirmar que arelação <strong>de</strong>ssa empresa com o discurso da paz na família é o consumo 6 , pois quem compracarne, quem consome, quem dá lucro é a família.O site não tem logotipos, nem imagens; um site simples com o nome e telefone <strong>de</strong>contato da empresa, mas que contêm os “10 mandamentos para a paz na família”.Por que a família não está em paz? E se a família não está em paz é porque osmandamentos que são listados não estão em prática. O mandamento (2), por exemplo, diz“Ame-se, confie em si mesmo, em sua família e aju<strong>de</strong> a criar um ambiente <strong>de</strong> amor e paz ao6 Nos comerciais <strong>de</strong> televisão sempre que o produto é alimentício os cenários são construídos com famílias queestão aparentemente felizes. Portanto, para se ven<strong>de</strong>r comida ou algo do gênero, é necessário utilizar noimaginário do público alvo <strong>de</strong>sse consumo: a família.


37seu redor.” Se o dito significa em relação ao não dito po<strong>de</strong>ríamos fazer uma paráfrase e dizerque na família não se ama, algo que chocaria, pois no imaginário, família é sinônimo <strong>de</strong> amor.O discurso da “paz na família” traz sentidos voltados para sujeitos que têm comopriorida<strong>de</strong> na vida a sua família; o pai, a mãe, responsáveis por adquirir o que há <strong>de</strong> essencialpara a família, como a comida. Conforme Orlandi (1999), a i<strong>de</strong>ologia trabalha colocando oindivíduo “na relação imaginária com suas condições materiais <strong>de</strong> existência”.No mandamento (9), “Dê bons exemplos, pois a melhor palavra é o nosso jeito <strong>de</strong>ser.”, é interessante os termos “jeito <strong>de</strong> ser”, pois está relacionado ao natural do homem, comoele nasce. Se associarmos isso ao que é dito nos dicionários, po<strong>de</strong>mos dizer que esse “jeito <strong>de</strong>ser” está ligado ao sujeito pacífico, inofensivo, bonacheirão que o dicionário Michaelis <strong>de</strong>finecomo sendo o que não ofen<strong>de</strong>, que não escandaliza, que não faz mal, ou, que é aceito semdisputa ou contestação. Tal sujeito é aquele que permite que a família esteja em paz.Po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar, inicialmente, como discurso principal, o discurso religiososervindo como principal efeito i<strong>de</strong>ológico. Mas, ao caminharmos na análise, observamos queele está, na verda<strong>de</strong>, dominado pelo discurso econômico (ven<strong>de</strong>r carne).Observamos, ainda, analisando o mandamento 3 – “reserve momentos para brincar ese divertir com sua família, pois a criança apren<strong>de</strong> brincando, e a diversão aproxima aspessoas”, a presença <strong>de</strong> uma discursivida<strong>de</strong> que estimula o individualismo e não aconvivência coletiva. Teremos, então, cada família fechada em si mesma. Isso acontece nodiscurso do dicionário Houaiss que tem como sentido principal o indivíduo e não aconvivência social. E se pensarmos o que diz Orlandi a respeito <strong>de</strong> que os sentidos funcionampor paráfrase, po<strong>de</strong>mos dizer que esse discurso da paz na família, mais uma vez, diminui oque po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> humanização, ou seja, quando afunilamos certos conceitos, estamosindividualizando-os. Através do discurso religioso, o sujeito (pensando ser autônomo e livrenas <strong>de</strong>cisões) se submete aos interesses do mercado, no caso, aos interesses <strong>de</strong> uma indústria<strong>de</strong> carnes.Po<strong>de</strong>mos concluir que esse discurso individualiza, restringe as ações do sujeito afuncionar apenas <strong>de</strong>ntro da família, assim excluindo a socieda<strong>de</strong> como algo mais amplo emque exerceria sua cidadania.Passemos agora para o folheto sobre a paz no trânsito que foi entregue nas ruas doDistrito Fe<strong>de</strong>ral e também estava disponível no site da ONG “Rodas da Paz”, uma ONG“Rodas da Paz” voltada para os ciclistas: a “paz no trânsito” para os ciclistas.


38Por que o trânsito precisa <strong>de</strong> paz ou <strong>de</strong> convivência pacífica? Outra questão. Notrânsito só existem ciclistas e motoristas? E os pe<strong>de</strong>stres? A ONG é voltada para a segurançados ciclistas no trânsito, então o seu discurso será sempre em benefício dos ciclistas, portantoos pe<strong>de</strong>stres e os próprios motoristas não têm vez nesse discurso.Outra característica interessante presente no folheto, ou seja, mais uma fragmentação.Ele é dividido em cinco “mandamentos” para os ciclistas e cinco “mandamentos” para osmotoristas. Se afirma, também, que para se ter “uma convivência pacífica no trânsito” <strong>de</strong>ve-seobe<strong>de</strong>cer a tais “mandamentos” que aparecem no folheto, sustentados por uma chamada “ÉLEI”, que está em um círculo pontilhado que nos lembra uma placa <strong>de</strong> trânsito. Tendo abaixouma frase “Com respeito, a gente vai longe”. Interessante lembrar que em nossa análise dosdicionários, a palavra “respeito”, que aparece fazendo parte dos enunciados <strong>de</strong>finidores <strong>de</strong>“paz”, nos trazia outros sentido:”obediência”, “acoitamento”, ou “sentimento <strong>de</strong> medo”,transformando essa frase-slogan em um discurso autoritário, levando-nos ao que Orlandi(1999, p.31) chama <strong>de</strong> interdiscurso que “é <strong>de</strong>finido como aquilo que fala antes, em outrolugar, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente. Ou seja, “é o que chamamos <strong>de</strong> memória discursiva: o saberdiscursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, ou jáditoque está na base do dizível sustentando cada tomada da palavra.”.Discurso religioso, discurso jurídico, discurso da moral. Qual será o dominante? Oprocesso <strong>de</strong> individualização do sujeito que se dá no discurso da “paz no trânsito” estarámarcado principalmente por qual <strong>de</strong>ssas discursivida<strong>de</strong>s? Será um sujeito jurídico, um sujeito


39da moral ou um sujeito religioso que se espera produzir para se ter uma convivência pacífica?Uma convivência pacífica <strong>de</strong> sujeitos pacíficos.O discurso da ONG “Rodas da Paz” silencia outros sentidos (carência <strong>de</strong> transportescoletivos, lucro das empresas automotivas), <strong>de</strong> diferentes maneiras (dividindo osmandamentos, vendo o trânsito da perspectiva só dos ciclistas, etc), individualizando erestringindo as necessida<strong>de</strong>s do sujeito que precisa da “paz no trânsito”, mas não como tendodireitos e <strong>de</strong>veres – sujeito jurídico -, mas um sujeito religioso que <strong>de</strong>ve seguir mandamentose ainda como um sujeito da moral, que <strong>de</strong>ve transformar direitos e <strong>de</strong>veres em respeitoindividual. Esse sujeito que aí se constitui po<strong>de</strong> ser comparado ao sujeito que os dicionáriosque analisamos propõem: “pacífico, sem agitações, silencioso; harmonioso, tranqüilo”.Como estávamos analisando sites que tinham como textualida<strong>de</strong> traços dosmandamentos da Igreja, achamos interessante trazer para o trabalho, as “Diretrizes para ocuidado pastoral da estrada”, lançadas em junho pela Igreja Católica, inspiradas nos <strong>de</strong>zmandamentos da Bíblia. Além <strong>de</strong> sair em vários jornais, também apareceu em alguns sites <strong>de</strong>notícias. Nós o retiramos do site <strong>de</strong> notícias da re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão.“Diretrizes para o cuidado pastoral da estrada"1) Não matarás2) A estrada seja para ti um instrumento <strong>de</strong> ligação entre as pessoas, não <strong>de</strong> morte3) Cortesia, correção e prudência para te ajudar a superar os imprevistos4) Ajudar o próximo, principalmente se for vítima <strong>de</strong> um aci<strong>de</strong>nte5) Que o automóvel não seja um lugar <strong>de</strong> dominação e nem lugar <strong>de</strong> pecado6) Convencer os jovens sem licença a não dirigir7) Dar apoio às famílias que tenham parentes vítimas em aci<strong>de</strong>ntes8) Reúna-se com a vítima com o motorista agressor em um momento oportuno para quepossa viver a experiência libertadora do perdão9) Proteger o mais vulnerável10) Você é o responsável pelos outrosA partir do título, já po<strong>de</strong>mos ir observando as diferenças em relação aosmandamentos dos sites anteriores. Trata-se <strong>de</strong> “diretrizes” da Igreja e não do Papa, enquantoparte <strong>de</strong> uma ação maior da Igreja: a ação pastoral. E o espaço não é mais o urbano, mas o dasestradas. Trata-se, ainda, <strong>de</strong> uma proposta dirigida aos cristãos <strong>de</strong> todo o mundo. São outros,pois, os efeitos <strong>de</strong> sentido. A posição do sujeito nesse discurso religioso é a <strong>de</strong> um sujeito que


40se constituiu em uma doutrina religiosa <strong>de</strong>terminada e que os sentidos fazem parte <strong>de</strong> umamemória discursiva.Notamos no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ste TCC, que o discurso religioso sobre a paz não éhomogêneo e vem articulado a outros discursos. Percebemos isso mais claramente quandoanalisamos os mandamentos para a “paz na família”, que tem como principal objetivo ven<strong>de</strong>rcarnes; o da paz no trânsito, proposto pela ONG “Rodas da Paz”, com o objetivo <strong>de</strong> darsegurança apenas aos ciclistas; o da “paz nas estradas”, proposto pela Igreja Católica, com oobjetivo <strong>de</strong> fazer com que as pessoas pratiquem no trânsito os preceitos religiosos. Portanto, odiscurso religioso, não aparece apenas <strong>de</strong> uma forma, ele <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá das condições <strong>de</strong>produção em que aparece. Assim, se for usado por uma empresa que tem como objetivo olucro, então o sujeito que será afetado por esse discurso é o consumidor; se for usado por umainstituição religiosa que tem como objetivo a conversão, então seu discurso irá visar umsujeito que necessita <strong>de</strong> conversão.No segundo grupo, selecionamos dois tipos <strong>de</strong> sites: o da “paz no trabalho” e o da“paz no futebol” em que o discurso dominante é o econômico <strong>de</strong> forma explícita.Começaremos pela paz no trabalho on<strong>de</strong> selecionamos um artigo que explicava o porquê danecessida<strong>de</strong> da paz no trabalho para uma empresa que quer crescer:A Paz No trabalho é um bom Negócio12/07/2007"Quem vislumbrar o futuro e investir em um bom relacionamento entre as equipes terámais produtivida<strong>de</strong> e sucesso". A previsão é <strong>de</strong> Luciane Beretta, vice-presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>marketing da Associação Brasileira <strong>de</strong> Recursos Humanos no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Elalembra que os problemas <strong>de</strong> relacionamento entre os colegas <strong>de</strong> trabalho são as principaiscausas <strong>de</strong> <strong>de</strong>missões em empresas. Luciane enten<strong>de</strong> que o investimento em um bom climana empresa po<strong>de</strong> até gerar divi<strong>de</strong>ndos para as companhias – na medida em que reduz oíndice <strong>de</strong> rotativida<strong>de</strong> entre os funcionários. "Se levarmos em conta questões como osgastos com rescisão, seleção e treinamento – além, é claro, da produtivida<strong>de</strong> –, veremosque a rotativida<strong>de</strong> é muito prejudicial", explica.A tese <strong>de</strong> Luciane é corroborada por dados <strong>de</strong> uma pesquisa da consultoria Produtive, <strong>de</strong>Porto Alegre. A empresa ouviu 146 executivos em processo <strong>de</strong> recolocação no mercado econstatou que 60% <strong>de</strong>les haviam sido <strong>de</strong>mitidos por questões comportamentais. "Sãopontos como a alta <strong>de</strong> adaptação a mudanças, insubordinação, atitu<strong>de</strong>s negativistas,instabilida<strong>de</strong> emocional e falta <strong>de</strong> comunicação", explica Luciana Saldanha, psicóloga daProdutive e responsável pela pesquisa. Segundo ela, a maior parte dos casos estáassociada a mudanças em cargo <strong>de</strong> gerência e diretoria. "Há resistência para as pessoasaceitarem novas chefias. É preciso rever a postura e evitar fazer juízo <strong>de</strong> valorantecipado", recomenda a psicóloga. A vice-presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> marketing da ABRH–RSassina embaixo. "É necessário tomar pé da situação antes <strong>de</strong> implantar uma política <strong>de</strong>or<strong>de</strong>ns, compreen<strong>de</strong>ndo o contexto <strong>de</strong> vida dos funcionários e do local".(http://www.crabauru.org.br/noticia.php?news_id=303&acao=ler


41Ao lermos atentamente esse artigo, po<strong>de</strong>mos perceber qual o propósito da “Paz noTrabalho”: lucro. É dito no texto que a principal causa <strong>de</strong> <strong>de</strong>missões em empresas estárelacionada aos “problemas <strong>de</strong> relacionamento entre os colegas <strong>de</strong> trabalho”, levando aempresa a fazer novas contratações e per<strong>de</strong>ndo dinheiro com isso. Pois bem, se lembrarmosda nossa análise nos dicionários no Capítulo anterior, po<strong>de</strong>remos nos lembrar <strong>de</strong> que osdicionários ao criarem conceitos para a paz, acabaram apagando outros, pois, segundoNUNES (2006, p.56), na fronteira entre os campos lexicais:...são explicitadas as relações discursivas, a abordagem do campo lexical pressupõe aexistência da polissemia, das contradições, das ambigüida<strong>de</strong>s; dos efeitos <strong>de</strong> sustentação e <strong>de</strong>silenciamento, enfim, <strong>de</strong> tudo aquilo que caracteriza o campo lexical como uma série <strong>de</strong> fatossociais.O que os dicionários apagaram foram as diferenças entre sujeitos: sociais, econômicas,culturais, políticas, raciais etc. Se não apren<strong>de</strong>rmos a (com-)viver com a diferença do outronão po<strong>de</strong>remos obter a paz possível <strong>de</strong> acontecer. Quando se fala em “problemas <strong>de</strong>relacionamento entre os colegas <strong>de</strong> trabalho”, existe aí não a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um sujeitopacífico como o dicionário <strong>de</strong>screve. Na verda<strong>de</strong>, o que é silenciado, neste caso, é que osrelacionamentos no trabalho se tornam cada dia mais difíceis, tendo em vista acompetitivida<strong>de</strong> estimulada pelo próprio sistema, a ausência <strong>de</strong> empregos, o interesse dasempresas apenas em gerar lucro. Assim, as pessoas estão em constante pressão para conseguirum emprego, ou mantê-lo, ou para subir <strong>de</strong> cargo.Outro aspecto a ser analisado neste texto é a presença <strong>de</strong> dados quantitativos equalitativos, que produzem um efeito <strong>de</strong> objetivida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> da argumentação.O outro tipo <strong>de</strong> paz que analisaremos será a paz no futebol. Encontramos um artigo daCâmara Técnica do Desporto, em que lança um “plano para a melhoria das condições dostorcedores nos estádios”. Como esse texto é longo, fizemos alguns recortes, consi<strong>de</strong>rando oque já vínhamos analisando, as regularida<strong>de</strong>s sempre presentes nessas discursivida<strong>de</strong>s.A atual realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> insegurança, violência e vandalismo que cercam os eventosesportivos, especialmente o futebol, contribui para o esvaziamento dos estádios. Segundodados da Comissão Paz no Esporte, do Ministério dos Esportes e da Justiça, 79% dostorcedores <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ir aos campos <strong>de</strong> futebol <strong>de</strong>vido à violência, além <strong>de</strong> outros 14%motivados pelo <strong>de</strong>sconforto. Esta realida<strong>de</strong> é fruto <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social e cultural,mas principalmente <strong>de</strong>vido a impunida<strong>de</strong>. A apatia dos organizadores do evento e a falta<strong>de</strong> maior integração entre as entida<strong>de</strong>s envolvidas nos espetáculos futebolísticos, agravameste quadro. (http://www.procon.sp.gov.br/noticia.asp?id=373)


42A “paz no futebol”, nesse discurso, está relacionada aos torcedores das arquibancadasdos estádios durante os jogos: ao sujeito torcedor. Torcedores que significam uma boaquantia em dinheiro para os empresários do futebol. Se não houver mais torcedores nasarquibancadas será muita perda <strong>de</strong> dinheiro, então se <strong>de</strong>ve tomar uma atitu<strong>de</strong>. A principalcausa para se promover a “Paz no Futebol” é “o esvaziamento dos estádios”. Po<strong>de</strong>mos dizerque é a principal causa, porque foi o primeiro argumento usando pela “Câmara Técnica doDesporto”. A “paz no futebol”, em outras palavras, é para que se continue a ter torcedores emestádios <strong>de</strong> futebol, para se ter lucro.Os motivos do esvaziamento dos estádios, segundo o texto, são: 79% da violência,14% por causa do <strong>de</strong>sconforto, “mas principalmente <strong>de</strong>vido a impunida<strong>de</strong>”. Para se obter apaz no futebol é necessário acabar com a violência, com o <strong>de</strong>sconforto e com a impunida<strong>de</strong>.Ao pesquisarmos sobre a violência em estádios encontramos em um site um trabalho <strong>de</strong> pósgraduação<strong>de</strong> uma estudante da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Viçosa (MG), intitulado “A violêncianos estádios <strong>de</strong> futebol: uma análise dos pontos <strong>de</strong> vista intrínseco e extrínseco” 7 , que nosmostra alguns motivos para a causa da violência nos estádios que variam <strong>de</strong>:... no momento em que uma pessoa participa <strong>de</strong> uma torcida organizada, ela está sendoconstituída <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> expansão <strong>de</strong> várias emoções, muitas vezes reprimidas pelomeio social do cotidiano. Desta forma, é diante da torcida que essa pessoa <strong>de</strong>monstra suai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e começa a manifestar e agir <strong>de</strong> maneira que não faria isoladamente,colocando para fora todo sentimento <strong>de</strong> impotência e frustração pessoal, que foramdiluídas no coletivo das arquibancadas.Uma das formas mais cruéis <strong>de</strong> violência no futebol, presente tanto no campo quanto nasarquibancadas, é o racismo, que por sinal existe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios do futebol, quandosomente brancos e ricos aristocratas podiam praticar esse esporte....a agressivida<strong>de</strong> está presente em nossas vidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as origens do mundo e da nossahistória. Acreditam que a violência constitui um componente essencial da vida humana e,ainda, está inscrita no coração do homem e no ser do mundo... (copiado do site)O que po<strong>de</strong>mos perceber <strong>de</strong>sses trechos da pesquisa que citamos é que a existência <strong>de</strong>violência nos esportes, e, em particular, no futebol, é algo que vai além do que a CâmaraTécnica cita como a “falta <strong>de</strong> impunida<strong>de</strong>”. Aí estão presentes as emoções dos torcedores nasarquibancadas, o contexto histórico em que se formou esse esporte, e principalmente, “aagressivida<strong>de</strong> [que] está presente em nossas vidas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as origens do mundo e da nossahistória.” Portanto a “onda” <strong>de</strong> violência que está acontecendo em estádios <strong>de</strong> futebol, não éalgo passageiro que irá acabar apenas com punição.7 O trabalho está disponível no site http://www.ef<strong>de</strong>portes.com/efd113/a-violencia-nos-estadios-<strong>de</strong>-futebol.htm.


43Agora vamos passar para o terceiro grupo, iniciando com o site:http://www.gabrielasoudapaz.org/, que traz como incentivo para a filiação na ONG, a históriada tragédia da menina Gabriela, <strong>de</strong> quatorze anos, que foi atingida por uma bala perdida nometrô do Rio. Após sua morte seus pais promoveram várias campanhas pela paz, criaram umsite com o nome “Gabriela sou da paz”, tendo como logotipo uma das últimas fotos da garotafazendo um gesto como <strong>de</strong> um pombo com as duas mãos.O discurso do site “Gabriela sou da Paz”, aparentemente <strong>de</strong> uma ONG que luta pelapaz, é na verda<strong>de</strong>, um site que tem como principal abordagem, a história do ato <strong>de</strong> violênciaque matou a adolescente Gabriela: composto <strong>de</strong> galeria <strong>de</strong> fotos da garota, reportagens emjornais sobre sua morte e, também reportagens feitas pela televisão. Além <strong>de</strong> ter uma músicaem homenagem a Gabriela, e até, uma Avenida no Rio, que recebeu o nome da adolescente.Na parte “notícias” do site, convidam as pessoas a participarem da comunida<strong>de</strong> no Orkut 8 daONG “Gabriela sou da Paz” e pe<strong>de</strong>m que comprem a camiseta da ONG para “dar visibilida<strong>de</strong>à nossa campanha contra a impunida<strong>de</strong>”.Uma das partes do site é o Blog 9 , on<strong>de</strong> aparecem as notícias atuais sobre fatos <strong>de</strong>violência ligados à morte <strong>de</strong> inocentes. Na nossa última visita ao site, estava como“manchete” no Blog o julgamento <strong>de</strong> um dos algozes da estudante Maria Cláudia, que foi8 Orkut é um site <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> social que tem como objetivo ajudar seus membros a criar novas amiza<strong>de</strong>s emanter relacionamentos.9 Blog é uma abreviação <strong>de</strong> weblog, qualquer registro freqüente <strong>de</strong> informações po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um blog(últimas notícias <strong>de</strong> um jornal on-line, por exemplo).


44assassinada pelos caseiros e enterrada <strong>de</strong>baixo da escada da própria casa. Além <strong>de</strong> notícias dotipo, também são acompanhadas todas as manifestações que os pais <strong>de</strong> Gabriela fazem com afrase “diga não a impunida<strong>de</strong>”.Para observamos o funcionamento da posição <strong>de</strong> sujeito no discurso <strong>de</strong>ssa ONG,selecionamos uma das partes do site em que é mostrado para quem é <strong>de</strong>stinada essa ONG:Nossa nova ban<strong>de</strong>ira !Os pais <strong>de</strong> Gabriela Prado Maia (assassinada por bala perdida), a mãe <strong>de</strong> Priscila Belfort(<strong>de</strong>saparecida), os pais <strong>de</strong> André Francavilla Luz (seqüestrado e assassinado), a mãe <strong>de</strong>Marcos José Aloise (assassinado num assalto), estão se unindo para fazer esta colcha <strong>de</strong>retalhos para, mais uma vez, chamar a atenção das autorida<strong>de</strong>s, fazer uma homenagem àsvítimas da violência <strong>de</strong> todo o Brasil e tentar mobilizar a socieda<strong>de</strong> para que outrasfamílias não sintam esta eterna dor! Se você sente essa dor <strong>de</strong> ter um ente querido<strong>de</strong>saparecido ou que tenha sido vítima fatal ou mutilada pela violência, participe <strong>de</strong>ssa.(grifos nossos)Notemos que as pessoas, que estão “unidas” para fazer a colcha <strong>de</strong> retalhos, estão“unidas” por causa <strong>de</strong> algo em comum: a violência. Em outras palavras: eles estão “unidos”não pela paz, mas, sim, pela violência; se não tiverem tido a experiência <strong>de</strong> violência, nãofarão parte <strong>de</strong>ssa comunida<strong>de</strong>. Uma comunida<strong>de</strong> que é uma colcha <strong>de</strong> retalho: o somatório <strong>de</strong>casos pessoais, costurados pela violência. Os efeitos <strong>de</strong> sentido entre os interlocutores, nestesite, se darão do lugar da violência, mesmo que seja para negá-la. Po<strong>de</strong>remos dizer que temosaí a posição <strong>de</strong> sujeito pacífico produzida pelos dicionários? O que move essas pessoas?Ao analisar os nomes dos que participam e o porquê <strong>de</strong> sua participação (que apareceem parênteses), o sentido que aí aparece é o <strong>de</strong> que essas pessoas só estão unidas pela paz porcausa da experiência <strong>de</strong> violência que sofreram! Po<strong>de</strong>mos perceber também que a partícula“se”, que aparece grifado, funciona como condição, ou, até mesmo, como exclusão, pois nessediscurso só “se você sente essa dor <strong>de</strong> ter um ente querido <strong>de</strong>saparecido ou que tenha sidovítima...” po<strong>de</strong>rá participar <strong>de</strong>ssa comunida<strong>de</strong>. O sujeito que não passou por essa experiênciaestá excluído da participação, ou pelo menos, da confecção da colcha <strong>de</strong> retalhos. O sujeitoque nunca sofreu violência não necessita da paz? O sentimento <strong>de</strong> paz existe quando aviolência acontece com o sujeito, enquanto algo individual. Aqui parece se dar o que Chauí(1999) chama <strong>de</strong> “vitimização”, fazendo com o que o agir e o pensar fiquem nas mãos dossofredores, das vítimas; fazendo com que a paz (no nosso caso) seja tomada como compaixãopelos que sofreram a violência, apagando todo o lado social, econômico, político implicadosna paz-violência. Chauí acrescenta:


45Além disso, a imagem do Mal e a da vítima são dotadas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r midiático: sãopo<strong>de</strong>rosas imagens <strong>de</strong> espetáculo para nossa indignação e compaixão, acalmando nossaconsciência. Precisamos das imagens da violência e do Mal para nos consi<strong>de</strong>rarmossujeitos éticos.Outro dispositivo a se analisar nesse site, que reafirma essa posição <strong>de</strong> sujeito pacíficoconstruída na e pela violência, é uma carta que o pai <strong>de</strong> Gabriela escreveu para quem entrasseno site, em que para “nós” não esperarmos o <strong>de</strong>sastre acontecer conosco para que possamoslutar pela paz, como aconteceu com ele. Nós temos que ter uma experiência catastrófica paraque <strong>de</strong>sejemos ter o oposto <strong>de</strong>la. Para que <strong>de</strong>sejemos a paz temos que ter uma experiência <strong>de</strong>não-paz.O que o discurso da ONG “Gabriela sou da paz” silencia, o que ele não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> dizer?Para se respon<strong>de</strong>r essa pergunta o analista <strong>de</strong>ve não levar em consi<strong>de</strong>ração tudo o que não foidito em relação ao que foi dito (ORLANDI, 1999, p. 83), mas <strong>de</strong>verá ter um método <strong>de</strong>análise, porque:... partimos do dizer, <strong>de</strong> suas condições e da relação com a memória, com o saberdiscursivo para <strong>de</strong>linearmos as margens do não-dito que faz os contornos do ditosignificantemente. Não é tudo que não foi dito, é só o não dito relevante para aquelasituação significativa.Fizemos, então, um recorte dos não-ditos que nos ajudassem a compreen<strong>de</strong>r o discurso“sobre” a paz, que é o objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>sta pesquisa. E ao recortar, <strong>de</strong>scobrimos que o nãodito mais interessante é o da exclusão do sujeito que não possui experiência <strong>de</strong> violência;também, silencia a busca da paz pela paz, a paz é necessária por causa do seu oposto. Temosaí, como nos dicionários, discursivamente, a relação tensa entre o mesmo e o diferente, com omesmo prevalecendo.O site da ONG “Londrina Pazeando” tendo como logotipo a imagem 10 abaixo, traznovamente a paz centrada no individual.10 Não conseguimos copiar a imagem completa do logotipo do site “Londrina Pazeando” que tem como fraseslogan: “Por uma cultura <strong>de</strong> paz e não-violência”.


46As condições <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>sse discurso são diferentes das do site “Gabriela sou dapaz”, pois o mesmo é <strong>de</strong>stinado à promoção da paz in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> um acontecimentoespecífico <strong>de</strong> violência. Ele usa um discurso generalizado sobre a violência.A pagina principal do site, além <strong>de</strong> ter o logotipo acima, tem em <strong>de</strong>staque os órgãosque fazem parceria com a ONG, com uma barra <strong>de</strong> rolagem listando as últimas notícias do“Londrina Pazeando”. Do lado esquerdo, há a listagem do conteúdo do site: leis, projetos,artigos, jogos, rádio, ví<strong>de</strong>os os que eles já fizeram, os que já “pazearam”, entre outros. A fraseque o site usa como logomarca - “por uma cultura <strong>de</strong> paz e não-violência” -, já nos faz pensar,mais uma vez, no discurso dos dicionários que tem a paz como a ausência <strong>de</strong> algo, no caso, aviolência. O não dito <strong>de</strong>sse discurso continua sendo a violência.Uma parte do site “eles pazearam”, lista uma porção <strong>de</strong> pessoas conhecidas que,segundo o site promoveram a paz. Dentre os citados temos: Jesus Cristo, Dalai Lama, ChicoMen<strong>de</strong>s, Chico Xavier, John Lennon, Madre Tereza <strong>de</strong> Calcutá. Tais nomes causam no leitorum efeito <strong>de</strong> consenso e <strong>de</strong> evidência entre diferentes discursos (religioso, político, jurídico),pois, no fim todos estariam falando do mesmo referente, e o leitor <strong>de</strong> diferentes filiaçõesi<strong>de</strong>ológicas po<strong>de</strong>rá se i<strong>de</strong>ntificar com esse discurso. Uma paz <strong>de</strong> todos e <strong>de</strong> ninguém; uma pazpara todos e para ninguém.Trata-se <strong>de</strong> um site construído com características educativas, portanto, prevalecendoum discurso pedagógico para se falar da paz. Usando frases como “apren<strong>de</strong>r a educar para apaz” ou “a paz se apren<strong>de</strong> jogando”, propondo também a confecção <strong>de</strong> gibis para o públicoinfantil, um curso para apren<strong>de</strong>r sobre a cultura da paz, um prêmio chamado “mídia da paz”,dirigido ao meio <strong>de</strong> comunicação que melhor promover a cultura da paz e a não-violência. Osujeito para quem é <strong>de</strong>stinado esse discurso é o que precisa ser ensinado para que pratique apaz.Po<strong>de</strong>ríamos concluir, analisando esses dois sites, parafraseando Chauí, ao falar daética como i<strong>de</strong>ologia, que a paz como i<strong>de</strong>ologia (direção <strong>de</strong> sentidos para a AD):... significa que em vez <strong>de</strong> a ação reunir os seres humanos em torno <strong>de</strong> idéias e práticaspositivas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e felicida<strong>de</strong>, ela os reúne pelo consenso sobre o Mal, e essai<strong>de</strong>ologia é duplamente perversa: por um lado, procura fixar-se numa imagem dopresente como se este não só fosse eterno, mas sobretudo como se fosse <strong>de</strong>stino, como seexistisse por si mesmo e não fosse efeito das ações humanas; em suma, reduz o presenteao instante imediato, sem memória e sem porvir. Por outro lado, procura mostrar quequalquer idéia positiva do bem, da felicida<strong>de</strong> e da liberda<strong>de</strong>, da justiça e da emancipaçãohumana é o Mal.


47O último texto sobre paz que vamos analisar é o da “paz no casamento”, queencontramos em um site <strong>de</strong> humor: uma piada, que tem como título “paz no casamento”.Assim a encontramos:Paz no casamentoUm casal foi entrevistado pelo Fantástico, porque os dois eram realmente um fenômeno:estavam casados há 50 anos e nunca tinham brigado! O repórter, curioso, pergunta amulher:- Mas vocês nunca brigaram mesmo? Nem uma discussãozinha?- Não, nunca!- ela respon<strong>de</strong>, resoluta, enquanto marido só encara <strong>de</strong> rabo <strong>de</strong> olho.- Mas como isso é possível? - Questiona o jornalista.E a mulher conta a história:- Bem... quando nos casamos, levávamos uma vidinha simples <strong>de</strong> interior. Meu maridotinha uma égua <strong>de</strong> estimação, a criatura que ele mais amava na vida. No dia do nossocasamento, fomos para a lua-<strong>de</strong>-mel <strong>de</strong> carroça, puxada pela egüinha. Andamos algunsmetros e a coitada da égua tropeçou. Meu marido olhou bem firme para o animal e disse:"UM!!!". Mais alguns metros e a égua tropeça <strong>de</strong> novo. Meu marido volta a encarar obicho e diz: "DOIS!!!". Na terceira vez que ela tropeçou ele sacou a espingarda e <strong>de</strong>u uns5 tiros na bichinha. Fiquei apavorada e perguntei: "Mas porque você fez uma malda<strong>de</strong><strong>de</strong>ssas, homem?". Meu marido me encarou e disse: "UM !!!". Depois disso, nunca maisbrigamos...Oinc!Este site <strong>de</strong> humor é divido em categorias: piada <strong>de</strong> bêbado, velhos, crianças,relacionamentos, sogras, religiosas, políticas. A piada “paz no casamento” está na categoria“relacionamentos”. Como se percebe é uma nova discursivida<strong>de</strong> sobre a paz, umadiscursivida<strong>de</strong> que, até agora, ainda não fora mencionada. Mas será que esse discursorealmente é diferente? Será que não há um “mesmo” nesse discurso? A individualização dosujeito que aí acontece é através da imposição, do medo, como acontece, por exemplo, com a“paz-armada” dos dicionários, que se caracteriza como “respeito recíproco das naçõesmantido pelos exércitos e esquadras que elas conservam”. No caso do discurso da “paz nocasamento”, o respeito não é recíproco, pois quem teme é apenas a esposa. E essa palavra“respeito”, mais uma vez, nos cabe lembrar, que po<strong>de</strong> ser sinônimo <strong>de</strong> “obediência”,“acoitamento”, “sentimento <strong>de</strong> medo”.Essa piada evi<strong>de</strong>ncia o funcionamento <strong>de</strong> umamemória discursiva, retomando já-ditos, sobre a forma <strong>de</strong> humor. E o interessante é que rimosda piada, evi<strong>de</strong>nciando também a nossa i<strong>de</strong>ntificação, a nossa parte, enquanto sujeitos, nessamemória.Nessa perspectiva, o discurso da “paz no casamento” traz a marca do mesmo ou dodiferente? Po<strong>de</strong>mos dizer que aí a questão fica mais ambígua pelo gênero textual utilizado: a


48piada. Assim, ao mesmo tempo em que afirma que “a paz no casamento” acontece pelaimposição, pelo medo, pela violência, há o humor, o sarcasmo criando condições para outrossentidos emergirem.Como o poema “Paz” <strong>de</strong> Ori<strong>de</strong>s Fontela, temos aí o discurso do diferente sobre omesmo. No caso do poema, usou-se o recurso literário que funciona através do estético, napiada, temos também uma crítica, mas através do humor. Tanto no poema quanto na piada onão-dito aparece para respon<strong>de</strong>r a algumas das indagações que fizemos no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ssapesquisa. Também reafirmam a teoria <strong>de</strong> que o silenciamento também significa e faz parte dodiscurso, mas que não está sempre visível para o leitor. Assim “o silêncio não é observável eno entanto ele não é vazio, mesmo do ponto <strong>de</strong> vista da percepção: nós o sentimos, ele está‘lá’ ( no sorriso da Gioconda, no amarelo <strong>de</strong> Van Gogh, nas gran<strong>de</strong>s extensões, nas pausas).”(ORLANDI, 1993, p.47)


49ConclusãoEstudar o discurso da paz, tendo como corpus os verbetes <strong>de</strong> três dicionáriosrespeitados e textos sobre a paz retirados <strong>de</strong> sites, foi um percurso cansativo, mas instigante; eque precisou <strong>de</strong> muita persistência. À medida que a teoria ia se confirmando na análise e<strong>de</strong>scrição, conseguimos nos colocar na posição <strong>de</strong> analista, procurando compreen<strong>de</strong>r comofunciona a posição <strong>de</strong> sujeito, a i<strong>de</strong>ologia, o sentido, a história no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> umtema que estava disperso e que nos instigou justo por essa dispersão e multiplicida<strong>de</strong>,levando-nos a questionar como se dava a formulação e a circulação dos sentidos sobre a pazna socieda<strong>de</strong> brasileira. Como o nosso objeto <strong>de</strong> análise não está pronto e para se fazer umapesquisa percorremos caminhos pelos quais nem sempre esperávamos passar, mas que, parase obter o que procuramos é necessário, acabamos <strong>de</strong>scobrindo novos caminhos a percorrer.Para não cair em armadilhas i<strong>de</strong>ológicas <strong>de</strong> textos falando da paz, resolvemoshistoricizá-la através dos verbetes dos dicionários; percurso cansativo, mas necessário parapo<strong>de</strong>r compreen<strong>de</strong>r como funciona o discurso sobre a paz em um instrumento lingüísticolegitimado como contendo os sentidos verda<strong>de</strong>iros. Depois <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>talhada passeada pelosverbetes, pu<strong>de</strong>mos, então, partir para os “tipos <strong>de</strong> paz”, que os sites traziam, e que tantoprovocaram a nossa curiosida<strong>de</strong>. As posições <strong>de</strong> sujeito pacífico que encontramos nosdicionários também apareceram nos discursos dos “tipos <strong>de</strong> paz”. No caso do sujeito quefreqüenta um estádio <strong>de</strong> futebol, agressivo e violento, pareceu-nos, a primeira estarmos diante<strong>de</strong> uma nova posição, mas na verda<strong>de</strong>, ele <strong>de</strong>veria ser domesticado para se tornar um sujeitopacífico.Na análise dos dicionários, pu<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r melhor essa questão das condições<strong>de</strong> produção em relação ao aqui e agora. A ênfase em cada um dos dicionários vai mudandoao longo dos anos, conforme a forma que a urbanização vai tomando na socieda<strong>de</strong> brasileira eo neoliberalismo, centrado no individualismo, vai crescendo: o foco da paz no Estado, País,Nação, em Michaelis, o foco na comunida<strong>de</strong> como social, urbano, no Aurélio e o foco noindividual: pessoa, cidadão, em Houaiss.Também percebemos no discurso dos dicionários analisados outros discursos,apagados, silenciados, mas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para compreen<strong>de</strong>rmos o discurso sobre apaz – a diferença, ou seja, os dicionários silenciam o fato da paz estar nas relações sociaisentre grupos estruturalmente <strong>de</strong>siguais; além disso, essas relações (<strong>de</strong> sentidos) significam


50inter-agir, e nessa interação <strong>de</strong>ve-se levar em consi<strong>de</strong>ração que somos diferentes, temosculturas, histórias diferentes. E como nós somos sujeitos históricos e como a história está emconstante transformação, então é inevitável que sejamos sujeitos diferentes. Os dicionários<strong>de</strong>screvem uma paz que não se ajusta aos padrões reais, silenciando um importante fatornecessário para que esta se torne possível. Após esta pesquisa, po<strong>de</strong>mos sugerir, um outroenunciado <strong>de</strong>finidor para paz “apren<strong>de</strong>r a conviver com a diferença para que se possapromover uma paz possível”.Em nossa pesquisa sobre a paz <strong>de</strong>scobrimos sujeitos que se constituem a partir dooposto <strong>de</strong> que estão falando: as ONGs que tinham, no dito, um discurso contra a violência,produzem na verda<strong>de</strong> um efeito sujeito oposto: para se querer a paz é necessário ter sofridoalgum tipo <strong>de</strong> violência; a paz para um interesse particular, individual, a paz como pretextopara se conseguir algo. Um discurso em que esses interesses são silenciados para que oleitor/ouvinte, tomado pela comoção, o tome como indispensável. A paz, nesse sentido, queanalisamos, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada, como Chauí chama <strong>de</strong> “Uma I<strong>de</strong>ologia Perversa”.Claro que essas conclusões que tiramos ainda são parciais, pelo fato <strong>de</strong> ser um TCCfeito em tempo tão restrito. De qualquer forma, acreditamos ter podido apren<strong>de</strong>r muito emrelação à Análise <strong>de</strong> Discurso e aos processos discursivos sobre a paz na socieda<strong>de</strong> brasileira,e termos nos tornado capazes <strong>de</strong> uma relação menos ingênua com a linguagem. O trabalhopermitiu-nos, ainda, começar a <strong>de</strong>svendar esse mundo instigante do processo <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>conhecimento, e serviu <strong>de</strong> convite para prosseguirmos.


51Referências BibliográficasCHAUI, Marilena. Uma I<strong>de</strong>ologia Perversa. Jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo. 14 <strong>de</strong> mar.1999.FERREIRA, Aurélio Buarque <strong>de</strong> Holanda. Dicionário <strong>de</strong> Língua Portuguesa. 3ª Ed. – Rio<strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 1999.HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro <strong>de</strong> Salles. Dicionário Houaiss da LínguaPortuguesa. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Objetiva, 2001.MICHAELIS. Michaelis: Novo Dicionário <strong>de</strong> Língua Portuguesa. São Paulo,Melhoramentos, 1998.NUNES, José Horta. Lexicologia e Lexicografia. In: Guimarães, E, e Zoppi – Santana, M(orgs) “Introdução às ciências da Linguagem: a palavra e a frase.” Campinas, SP: Pontes,2006, p. 147-172.ORLANDI, Eni. P. Análise <strong>de</strong> Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP:Pontes, 1999.ORLANDI, Eni. Lexicografia Discursiva. In.: Língua e Conhecimento Lingüístico: Parauma História das Idéias no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002, p. 101-119.ORLANDI, Eni Puccinelli. As Formas do Silêncio. Campinas, SP: Editora da Unicamp,1993.ORLANDI, Eni P. Discurso e Texto. In: Do sujeito na história e no simbólico. São Paulo:Pontes, 2005, p. 99-108.PÊCHEUX, Michel; tradução Eni Puccinelli Orlandi. O Discurso: Estrutura ouAcontecimento. Campinas, SP: Pontes, 1997.PÊCHEUX, Michel. Por uma Análise Automática do Discurso: uma introdução à obra <strong>de</strong>Pêcheux / Organizadores Françoise Ga<strong>de</strong>t; Tony Hak; Tradutores Bethânia S. mariani... [etal.] – 3ª Ed. São Paulo: Editora da Unicamp, 1997.Referências EletrônicasA paz na família. Disponível em: . Data<strong>de</strong> acesso: 06/08/2007.A paz no trânsito. Disponível em: . Data <strong>de</strong> acesso: 06/08/2007


52Diretrizes para o cuidado pastoral da estrada. Disponível em: < http://g1.globo.com/Noticias/0,,PIO54741-5602,00.html>. Data <strong>de</strong> acesso: 21/11/2007.Raízes religiosas da palavra paz. Disponível em: . Data <strong>de</strong> acesso: 06/08/2007A paz no casamento. Disponível em:< http://humor.stupidnews.com.br/viewtopic.php?t=182&sid=adbf5 50a677ccf509fb9e516dbf86b80>. Data <strong>de</strong> acesso: 06/08/2007.A paz no trabalho. Disponível em: < http://www.crabauru.org.br/noticia.php?news_id=303&acao=ler>. Data <strong>de</strong> acesso: 06/08/2007A paz no futebol. Disponível em: < http://www.procon.sp.gov.br/noticia.asp?id=373 >. Data<strong>de</strong> acesso: 06/08/207.Gabriela sou da Paz. Disponível em: < www.gabrielasoudapaz.org/>. Data <strong>de</strong> acesso:06/08/2007.Londrina pazeando. Disponível em: < www.londrinapazeando.org.br>. Data <strong>de</strong> acesso:06/08/2007.Fernando Afonso Men<strong>de</strong>s Junior; Silvia Maria Saraiva Valente Chiapeta. A violência nos estádios<strong>de</strong> futebol: uma análise dos pontos <strong>de</strong> vista intrínseco e extrínseco. Disponível em:. Data <strong>de</strong> acesso:21/11/2007.

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