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Guerra e Paz no Curdistão - Freedom for Abdullah Öcalan

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A solução que eu ofereço à sociedade turcaé simples. Nós reivindicamos uma naçãodemocrática. Nós não fazemos oposição à unidadedo Estado e da República. Nós aceitamosa república, sua estrutura unitária e seu caráterlaico. Nós cremos, entretanto, que esta repúblicadeve ser redefinida com o objetivo de <strong>for</strong>marum estado democrático, um estado que respeiteos direitos dos diferentes povos e culturasexistentes em seu território. Sobre esta base, oscurdos devem ser livres para organizar-se de talmaneira que sua língua e cultura possam serexprimidas e que eles possam desenvolver-se<strong>no</strong>s pla<strong>no</strong>s econômico e ecológico. Esta<strong>no</strong>va realidade permitiria a curdos, turcos emembros de outras culturas uma convivênciasob a proteção de uma “Nação DemocráticaTurca”. Isto somente seria possível, <strong>no</strong> entanto,através de uma constituição democrática e deum quadro legal avançado que garantiría orespeito às culturas mi<strong>no</strong>ritárias. Nossa visãode uma nação democrática não é definida porbandeiras ou fronteiras. Nossa visão de umanação democrática é inspirada pelo modelodemocrático e não por um modelo baseadoem estruturas estatais e em origens étnicas.<strong>Guerra</strong> e <strong>Paz</strong> <strong>no</strong> <strong>Curdistão</strong><strong>Abdullah</strong> <strong>Öcalan</strong>International Initiative


<strong>Guerra</strong> e paz <strong>no</strong> <strong>Curdistão</strong>Perspectivas para uma solução políticada questão curda<strong>Abdullah</strong> <strong>Öcalan</strong>3


país pode ter efeitos negativos para a solução do conflito em outros.A topografia montanhosa do <strong>Curdistão</strong> é ideal para a lutaarmada e os curdos tem lutado contra a colonização e a ocupaçãopor parte de potências estrangeiras desde tempos imemoriais. Aresistência tem se trans<strong>for</strong>mado em parte de sua vida e cultura.No começo de um processo para a solução do conflito, estedeve ser reconhecido e definido. Visando a questão curda, umadefinição realista do fenôme<strong>no</strong> curdo é de extrema importância. Éaqui, porém, que começa grande parte do desacordo. Enquantoos árabes chamam os curdos de “árabes do Iêmen”, os turcos osde<strong>no</strong>minam “turcos das montanhas” e os persas os consideramseus alter egos étnicos. Não é surpreendente então que suas posturaspolíticas em relação a questão curda sejam caracterizadaspor debates sobre definições.A questão curda não apareceu do nada. Ela é o produto de umlongo processo histórico e não tem muito em comum com outrosconflitos similares. Na verdade, as peculiaridades e diferençasfundamentais da questão curda são muitas. Elas devem ser bemdefinidas durante o processo de solução. Qualquer política apoiadaunicamente em aparentes semelhanças levaria a uma <strong>no</strong>va sucessãode problemas. Uma política visando uma verdadeira soluçãodeve analisar de maneira realística o fenôme<strong>no</strong>, inclusiveseus antecedentes políticos e sociais, assim como todos os partidosenvolvidos. É fundamental, portanto, reconhecer a existênciado fenôme<strong>no</strong> curdo como tal, o que não seria possível sem antesin<strong>for</strong>mar-se sobre seu contexto histórico.8


Etimologia das palavras curdo e <strong>Curdistão</strong>O <strong>no</strong>me <strong>Curdistão</strong> pode ser remetido à palavra suméria kur, quesignificava algo parecido com montanha há mais de 5000 a<strong>no</strong>s.O sufixo -ti representava uma filiação. A palavra kurti expressavaentão a idéia de tribu da montanha ou povo da montanha. Osluvia<strong>no</strong>s, um povo que viveu <strong>no</strong> oeste da Anatólia cerca de 3000a<strong>no</strong>s atrás chamava o <strong>Curdistão</strong> de Gondwana, que significava emsua língua terra dos vilarejos. Em curdo, a palavra gond significaaté hoje vilarejo. Durante o reinado dos assírios, os curdos eramde<strong>no</strong>minados Nairi, palavra que tem um significado próximo apovo ribeirinho.Durante a Idade Média, sob o reinado dos sultões árabes, a regiãocurda era conhecida como Beled-Ekrat. Os sultões seljúcidos,que utilizavam a língua persa, <strong>for</strong>am os primeiros a utilizar a palavra<strong>Curdistão</strong>, a terra dos curdos, em seus documentos oficiais.Os sultões otoma<strong>no</strong>s também chamavam a área de assentamentoscurdos <strong>Curdistão</strong>. Até a década de 1920, esta era a de<strong>no</strong>minaçãomais frequente. Após 1925 a existência do povo curdo foi negada,especialmente na Turquia.9


A região de população curda e a língua curdaEntretanto, os curdos existem. O <strong>Curdistão</strong> cobre uma extensãode 450.000 quilômetros quadrados, cercada de áreas de populaçãopersa, azeri, árabe e turco-anatólia. Esta região montanhosa éuma das mais ricas em florestas e água de todo o Oriente Médio,bem como é dotada de inúmeras planícies férteis. A agriculturatem existido aqui por milhares de a<strong>no</strong>s. A revolução neolítica nasceuaqui, quando os caçadores-recoletores fixaram-se e passarama lavrar a terra. A região é conhecida também como o berço dacivilização ou área de passagem. Graças a sua posição geográfica,o povo curdo tem podido preservar sua existência como comunidadeétnica até o presente. Por outro lado, a posição e os recursosdo <strong>Curdistão</strong> têm também chamado a atenção de potências estrangeiras,incitando-as a atacar e conquistar a região. A línguacurda reflete a influência da revolução neolítica, a qual acredita-sehaver começado na região das montanhas de Zagros e Taurus. Oidioma curdo pertence a família lingüística indo-européia.10


Uma rápida recapitulação da história curdaÉ muito provável que a língua e a cultura curda tenham começadoa desenvolver-se durante a quarta Era do Gelo (20.000– 15.000 a.C.). O povo curdo constitui assim uma das etníasautóctones mais antigas da região. Em tor<strong>no</strong> de 6.000 a.C. começarama aparecer <strong>no</strong>vas ramificações da etnía curda. A históriaos menciona pela primeira vez como um grupo étnico ligado aoshurritas (3.000 – 2.000 a.C.). Assume-se então que os ancestraisdos curdos, os hurritas, coabitavam em confederações tribais erei<strong>no</strong>s junto a outros povos tais que os mitanni, seus descendentes,os nairi, os urartia<strong>no</strong>s e os medos. Estas estruturas políticasjá apresentavam algumas características estatais rudimentárias. Asestruturas sociais patriarcais da época não estavam definidas. Tantopara a sociedade agrícola neolítica quanto para as estruturassociais curdas, as mulheres ocupavam uma posição proeminente,fato que é realçado durante a revolução neolítica.A religião zoroastriana teve um impacto considerável na culturacurda em algum momento entre 700 e 550 a.C. A religiãopregava um modo de vida caracterizado pelo trabalho agrícola,onde homens e mulheres eram percebidos como iguais. O amoraos animais era considerado importante e a liberdade, um altovalor moral. A cultura zoroastriana influenciou tanto a civilizaçãooriental quanto a ocidental, uma vez que tanto os persas quantoos hele<strong>no</strong>s adotaram muitas destas influências culturais. A civilizaçãopersa, porém, foi fundada pelos medos, os cuais se consideramos antepassado do povo curdo. Nas histórias de Heródoto,11


existem referências a uma divisão política <strong>no</strong> Império Persa entreambos grupos étnicos. Uma divisão similar se deu <strong>no</strong> impériosucedente, o Império Sassânida.Durante a Antiguidade Clássica, a era helenística deixou marcasprofundas na cultura oriental. Os principados de Abgar, emUrfa, e de Komagene, cujo centro beirava a província de Adiyaman-Samsat,assim como o rei<strong>no</strong> de Palmira, na atual Síria, <strong>for</strong>amprofundamente influenciados pela cultura grega. Poderíamosafirmar que foi nessa região que se encontrou a primeira síntesede influências culturais orientais e ocidentais. Este encontrocultural significante durou até a queda de Palmira frente aosroma<strong>no</strong>s, em 269 d.C., conquista que resultou, a longo prazo,negativa para o desenvolvimento da região. A aparição do ImpérioSassânida tampouco aniquilou a influência curda na região.Podemos constatar que nesta época (216 – 652 d.C.) as estruturasfeudais já haviam sido estabelecidas <strong>no</strong> <strong>Curdistão</strong>. A emergênciado feudalismo representou o começo do fim desta coesão étnica.A sociedade curda desenvolveu cada vez mais seus laços feudais,um processo de construção de uma civilização feudal que contribuiupor sua vez à revolução islâmica. O Islã posicionava-secontra a escravidão, mudando assim as relações pessoais e éticasem um momento chave do processo de urbanização da sociedade.Ao mesmo tempo que as sociedades feudais eram modificadaspela religião, o Islã proporcionava uma base ideológica para talmudança.O declínio do Império Sassânida (650 d.C.) permitiu ao Islã<strong>for</strong>jar uma aristocracia feudal curda, altamente influenciada pelacultura árabe. Esta <strong>for</strong>mação social e política foi uma das maispotentes de sua época. A dinastía curda dos eyyubi (1175 – 1250DC) trans<strong>for</strong>mou-se com o tempo em uma das mais poderosasdinastías do Oriente Médio, exercendo uma grande influênciasobre o povo curdo.Por outro lado, os curdos mantiveram relações estreitas com12


o sultanato seljúcido, que tomou o poder dos abássidas em 1055d.C. Dinastias de descendência curda como os seddadis, buyidis eos marávanides (990 – 1090 DC) tran<strong>for</strong>maram-se em peque<strong>no</strong>sestados feudais. Outros principados seguiram o mesmo exemplo.A aristocracia curda beneficiava assim de uma grande auto<strong>no</strong>mia<strong>no</strong> Império Otoma<strong>no</strong>.O século XIX trouxe consigo grandes rupturas. Paralelamentea uma deterioração progressiva das relações entre curdos e otoma<strong>no</strong>s,sucederam-se muitos focos de insurreição curda. Missionáriosingleses e franceses introduziram nesta época o conceitode separatismo nas igrejas armênias e araméias, contribuindoainda mais para uma situação caótica. Além dos problemas comos otoma<strong>no</strong>s, as relações entre os povos armênio, assírio e curdopioravam cada vez mais. Este processo fatal conheceu um fim em1918 quando, após o fim da segunda guerra mundial, o mundotestemunhou a exterminação física e cultural quase completa dearmênios e arameus, ambos portadores de culturas milenares.Apesar do desgaste da relação entre curdos e turcos, este processosignificou ainda uma outra ruptura os curdos de um lado eos armênios e arameus do outro.13


pretendia proteger gregos da Anatólia, armênios e arameus; poroutro lado o colonialismo incitava os mesmos contra o podercentral, que por sua vez respondia com severas repressões. A campanhade aniquilação que seguiu foi assistida impassivamente pelaspotências européias. Eventualmente, uma tal política logorouantagonizar boa parte das nações do Oriente Médio. Mais umavez, o povo curdo não passava de um peão <strong>no</strong> jogo de interessesestrangeiros. No passado, a aristocracia curda havia colaboradocom as dinastías turca e árabe. Agora, eles consentiam <strong>no</strong>vamenteem serem utilizados por potências estrangeiras em suas intrigascolonialistas. Uma vez conquistada a cooperação dos curdos, osingleses lograram implicar os governantes turcos e árabes comseus interesses. Ainda mais, eles conseguiram limitar ainda maisos povos armênio e arameu, que eram por sua vez pressionadospor seus colaboradores feudais curdos. O Sultão turco, o Xá persae os governantes árabes, porém, não poderiam ser consideradosapenas vítimas de uma política de colonização. Na verdade, elesdesenvolveram o mesmo jogo para assim preservar seu poder efrear a cobiça das potências ocidentais. A única verdadeira vítimafoi o povo.17


Bases ideológicas da repressão colonial e a políticade poder <strong>no</strong> <strong>Curdistão</strong>Tanto a repartição do <strong>Curdistão</strong> quanto a essência dos regimesárabe, persa e turco constituiram obstáculos ao desenvolvimentosocial dos curdos destas regiões. O relativo atraso social doscurdos, que ainda hoje mantêm suas estruturas feudais, é umproduto de tais relações de poder. Com a chegada de estruturascapitalistas, das quais os curdos <strong>for</strong>am em sua maioria excluídos,a brecha entre seu desenvolvimento e o das sociedades hegemônicasárabe, turca e persa aumentou ainda mais. As estruturas depoder do regime feudal se misturaram às estruturas de poder burguesasdo capitalismo, o que ajudou a preservar o domínio dasrespectivas nações sobre o território. Apesar de tais estruturas dependeremdo imperialismo, elas <strong>for</strong>am capazes de construir suasprópias eco<strong>no</strong>mias nacionais, desenvolver progressivamente suasrespectivas culturas e estabilizar suas estruturas estatais. Despontou,apesar das condições, uma <strong>no</strong>va elite nas áreas de ciência etec<strong>no</strong>logía. Todo grupo étnico mi<strong>no</strong>ritário de cada país foi <strong>for</strong>çadoa utilizar exclusivamente a lingua dominante. Com a ajuda deuma política nacionalista tanto doméstica quanto internacional,eles criaram uma classe dominante que se percebia como um poderhegemônico sobre qualquer outro grupo étnico. A polícia e oexército <strong>for</strong>am expandidos e <strong>for</strong>talecidos para suprimir qualquerresistência popular. O povo curdo não soube responder a uma talrepressão. Eles ainda sofriam do impacto de intrigas imperialistasprecedentes. Eles <strong>for</strong>am confrontados a um chauvinismo nacionalistaagressivo da parte dos estados que detinham o poder <strong>no</strong>18


<strong>Curdistão</strong>, enquanto o caráter “legítimo” deste poder era explicadopor construções ideológicas extremas.Negação e abnegaçãoOs poderem hegemônicos (i.e. Turquia, Iraque, Irã e Síria) negaramaos curdos sua existência como grupo étnico. Neste ambiente,os curdos corriam sérios riscos se eles se referíssem a suasorígens. Indivíduos que não se abstinham de tais referências, apesardo perigo, eram raramente apoiados por seu próprio grupo étnico.Para os curdos, comprometer-se abertamente com suas orígense cultura resultava em exclusão de toda relação econômica esocial. Em vista disso, muitos curdos negavam sua descendênciaou escondiam-na, e os respectivos regimes fomentavam sistemáticamentetais práticas. Esta estratégia de negação produziu as maisvariadas e absurdas situações. Para o regime árabe a questão curdasimplesmente não existia. Para eles, não havia sombra de dúvidaque esta questão havia sido resolvida pelo predomínio do Islã. Aúnica nação era o Islã, e essa nação era árabe.Os persas <strong>for</strong>am ainda mais longe e definiram os curdos comoum subgrupo étnico persa. Assim, os direitos do povo curdo seriamgarantidos de <strong>for</strong>ma natural. Os curdos que insistiam emlutar por seus direitos e revindicavam sua identidade étnica eramvistos como indivíduos que denegriam sua própria nação, recebendoconseqüentemente o tratamento apropriado.O regime turco revindicava sua supremacia sobre os curdospelas supostas campanhas de conquista da Anatólia que teriamocorrido mil a<strong>no</strong>s antes. Durante estas campanhas teria-se constatadoque não existiam outros povos na região. Por conseguinte,curdo e <strong>Curdistão</strong> representam não-palavras, não existentes oucuja existência não é permitida segundo a ideología oficial. O usode tais palavras representa um ato terrorista e é punido como tal.Apesar de construções ideológicas deste estilo, o povo curdo representaum dos grupos étnicos autóctones mais antigos da região.19


AssimilaçãoPotências hegemônicas freqüentemente utilizam o conceito deassimilação como arma quando se enfrentam a grupos étnicosdesafiantes. Língua e cultura são vetores de possível resistência,o que pode ser evitado por meio de assimilação. A proibição dalíngua nativa e a aplicação <strong>for</strong>çada de uma língua estrangeira têmse provado armas altamente eficazes. Um povo ao qual o uso desua língua materna é proibido tem tendência a deixar de valorizarsuas características de origem, sejam elas étnicas, geográficas ouculturais. Sem o elemento unificador da língua, a característicaunificadora das idéias coletivas também desaparece. Privados debase comum, as conexões e os conceitos coletivos separam-se eperdem-se. Conseqüentemente, a língua e a cultura hegemônicaganham terre<strong>no</strong> entre os grupos étnicos conquistados. Forçadosa utilizar a língua predominante, o resultado é um desprestígioda língua nativa até que esta última tornar-se irrelevante. Esteprocesso é ainda mais rápido quando a língua nativa não é umalíngua literária, como é o caso da língua curda. A estratégia deassimilação não se limita ao idioma. Ela é aplicada também emtodos os aspectos públicos e sociais controlados pelo estado.O <strong>Curdistão</strong> tem sido sistemáticamente palco para tentativasde assimilação cultural por parte de potências hegemônicas estrangeiras.Os últimos cem a<strong>no</strong>s de sua história, porém, tem sidoos mais destrutivos. A implantação de estruturas de nação-estadomodernas <strong>no</strong>s países hegemônicos e a criação de um sistema dedomínio colonial do <strong>Curdistão</strong> agravaram ainda mais as tentativasde assimilação dirigidas à língua e à cultura curdas.Como o persa e o árabe anteriormente, agora a língua turcator<strong>no</strong>u-se pela <strong>for</strong>ça uma língua hegemônica. Apesar da línguae cultura terem sido preservadas pelos antigos curdos, as mesmas<strong>for</strong>am <strong>for</strong>çadas a se retrair frente às três línguas e culturas hegemônicas,as quais dispunham inclusive de todas as armas e meiosde comunicação. As canções e histórias tradicionais curdas <strong>for</strong>am20


anidas. Assim, a própria existência da língua curda, que haviaproduzido várias obras literárias na antigüidade, foi ameaçada. Acultura e a língua curda <strong>for</strong>am declaradas como elementos subversivos.A educação <strong>no</strong> idioma nativo foi igualmente banida. Aslínguas hegemônicas passaram a ser as únicas línguas permitidas<strong>no</strong> sistema educativo e conseqüêntemente as únicas utilizadaspara ensinar os feitos da época moderna.Religião e nacionalismoA hegemonia também se serve da religião e do nacionalismo parapreservar sua supremacia. Em toda a região do <strong>Curdistão</strong> o Islãé a religião de estado, também utilizada pelas potências predominantescomo instrumento para lograr um maior controle dapopulação. Mesmo que tais regimes se de<strong>no</strong>minem leigos, a interaçãoentre instituições políticas e religiosas é óbvia. Enquanto <strong>no</strong>Irã o poder é detido por um regime abertamente teocrático, emoutros países a instrumentalização da religião com interesses políticosé mais dissimulada. Assim, autoridades religiosas do estadoturco empregam milhares de imames. Nem o próprio Irã possuium tal exército de líderes religiosos. As escolas religiosas tambemestão sob o controle direto do estado.As escolas do Alcorão e os institutos e faculdades de teologiaempregam quase meio milhão de pessoas na Turquia. Fatos comoeste ilustram o quão absurdo parece o postulado constitucionalde laicidade, que serve simplesmente como um placebo.Quando a tais idéias se associam atividades políticas, seguem-seinvariávelmente situações caóticas. Durante os gover<strong>no</strong>s do DP(Partido Democrático) e do AP (Partido da Justiça), a religiãoera abertamente politizada. Os golpes militares de março de 1971e de setembro de 1980 modificaram o marco ideológico da Turquiae redefiniram o papel da religião. Estes eventos iniciaramum <strong>no</strong>vo período de islamização da República turca, similar aosacontecimentos <strong>no</strong> Irã após a toma de poder por Khomeini em21


1979, embora não tão radical. Em 2003 o AKP (Partido de Justiçae Desenvolvimento) subiu ao poder e junto a ele, pela primeiravez, ideólogos islâmicos. Esta vitória não ocorreu por acaso, masfoi o resultado de uma política religiosa de largo prazo da partedo Estado turco.Nacionalismo da classe médiaOutra ferramenta mobilizada pelos poderes predominantes é onacionalismo da classe média. Esta ideologia conheceu seu augedurante os séculos XIX e XX, quando tor<strong>no</strong>u-se a ideologia dominantedas nações-estado. Ela constitui a base para que a classemédia se enfrentara aos interesses da classe trabalhadora e dequalquer tendência do Socialismo real. Com o tempo, o nacionalismosurgiu como um resultado lógico da nação-estado, apresentandocaracterísticas quase religiosas.A <strong>for</strong>ma de nacionalismo turco que surgiu após 1840 era umatentativa de evitar o declínio do Império Otoma<strong>no</strong>, o que já semostrava iminente. Os primeiros nacionalistas turcos eram originalmentelegalistas. Com o tempo, eles se rebelaram contra osultanato de Abdulhamid II e tornaram-se cada vez mais radicais.O nacionalismo difundido pelo movimento dos Jovens Turcosera expressado <strong>no</strong> Comitê pela Unidade e pelo Progresso, que lutavapor uma re<strong>for</strong>ma constitucional do Estado e aspirava ao poder<strong>no</strong> Império. Eles também haviam deixado claras suas intençõesde <strong>for</strong>talecer o Império, que já mostrava fraquezas externas euma certa decadência interna, através de uma modernização política,militar e econômica. A abertura da política externa alemã<strong>no</strong> Oriente Médio e na Ásia Central acrescentou um elementode racismo ao nacionalismo turco. Seguiu-se o ge<strong>no</strong>cídio de armênios,gregos pônticos, arameus e curdos. A República dos JovensTurcos foi marcada por um nacionalismo agressivo e umaconcepção estreita da nação-estado. O slogan “uma língua, umanação, um país” converteu-se num dogma político. Apesar deste22


paradigma interclassista e frater<strong>no</strong>, os instrumentos para uma realimplementação de tal conceito nunca existiram. Seu caráter abstratodava asas ao perigo do fanatismo religioso. O nacionalismodegradou-se assim em uma ferramenta da classe dominante e erausado antes de tudo para encobrir os erros desta última. Sob abandeira de uma “identidade turca superior”, a sociedade inteirase confiou a um nacionalismo agressivo.A guerra <strong>no</strong> <strong>Curdistão</strong> e o terrorismo de estado dirigido à estaquestao criaram um bloco de poder separado. Como ocorre emoutros sistemas, onde certos blocos derivam seu poder de seu potencialmilitar e baseiam sua existência na guerra, a sociedade turcafoi moldada desta <strong>for</strong>ma.Esta é outra razão que explica a incapacidade do atual sistemapolítico para resolver conflitos. Este é um sistema que foi <strong>for</strong>jadopela guerra e pelo terrorismo de estado, onde ainda não está claroquais centros de poder correspondem a quais interesses e objetivos,o que tem efeitos igualmente desastrosos para as comunidadesturca e curda.23


Identidade curda e resistência curdaO processo de identificação do povo curdo como nação ocorreurelativamente tarde. Apesar do caráter iminentemente curdo aparentenas rebeliões do século XIX, estas não passaram de umaoposição ao Sultanato e ao poder do Xá. Não existiam concepçõesde modos de vida alternativos. O dito comprometimento com aidentidade curda estava ligado à criação de um Rei<strong>no</strong> Curdo àimagem e semelhança dos sultanatos tradicionais. De tal maneira,o povo curdo passou muito tempo sem conceber-se realmentecomo nação. Foi somente na segunda metade do século XX que a<strong>no</strong>ção de uma identidade curda começou a desenvolver-se a partirde debates entre intelectuais, em sua grande maioria representantesda esquerda política turca. No entanto, esta tendência careciade potencial intelectual para superar <strong>no</strong>ções mais tradicionais deuma identidade curda associada à ordem tribal e aos xeiques. Ospartidos comunistas com tendências real-socialistas e os partidosliberais ou feudais passavam longe da <strong>no</strong>ção de uma nação curdaou dos curdos como grupo étnico. Somente <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 70, coma aparição do movimento estudantil de tendências esquerdistas,uma conscientização da existência de uma identidade curda foidifundida.O processo de identificação étnica descrito acima ajudou a desenvolverrelações conflitantes entre a percepção nacional chauvinistaturca e a percepção nacional feudal curda. De um ladoexistia a confrontação com a hegemonia ideológica do sistema,muitas vezes dissimulada como esquerdista, e do outro lado, a24


confrontação com a aristocracia curda, que tradicionalmente cooperavacom o sistema. Livrar-se destas <strong>for</strong>ças sociais, políticas eideológicas não foi fácil, exigindo potencial intelectual e trabalhoprático e organizacional. Isto levou diretamente à resistência.Desde a década de 70, quando os es<strong>for</strong>ços curdos pró-emancipaçãocomeçavam a amadurecer, trinta e cinco a<strong>no</strong>s já haviamse passado. Este tempo ajudou não somente a esclarecer o povocurdo sobre sua identidade, oferecendo possíveis abordagens paraa solução da questão curda, como também é prova de que o povocurdo e sua causa não podem ser suprimidos pela <strong>for</strong>ça a longoprazo. Sistema algum pode sobreviver por um periodo tão longose pretende superar as contradições sociais por meio da <strong>for</strong>ça. Aluta pela emancipação curda tambem mostra que as pessoas nãopodem desenvolver-se sem antes reconquistar sua dignidade social.25


O Partido dos Trabalhadores do <strong>Curdistão</strong> (PKK)Breve esquema da história e origens do PKKEm abril de 1973 um grupo seis pessoas se reuniram para <strong>for</strong>maruma organização política curda independente. Supondo sero <strong>Curdistão</strong>, como toda colônia clássica, uma nação cujo direitode auto-determinação havia sido negado pela <strong>for</strong>ça, este grupo estabeleceucomo seu objetivo principal mudar esta realidade. Estareunião pode ser vista como o nascimento de um <strong>no</strong>vo movimentocurdo.Com o tempo, este grupo encontrou <strong>no</strong>vos seguidores que oajudaram a disseminar sua convicção entre a população rural do<strong>Curdistão</strong>. Os choques contra as <strong>for</strong>ças armadas turcas, contramembros armados da aristocracia curda e contra grupos políticosrivais eram cada vez mais freqüentes, pois estes atacaram violentamenteo jovem movimento. No dia 27 de <strong>no</strong>vembro de 1978, oPartido dos Trabalhadores do <strong>Curdistão</strong> (PKK) foi fundado emum peque<strong>no</strong> povoado na região de Diyarbakir. Vinte e dois membrosdestacados do movimento participaram da reunião inauguralcom o objetivo de estabelecer estruturas mais profissionais para omovimento. Sabendo que o movimento não sobreviveria em umambiente urba<strong>no</strong>, as atividades do Partido se concentraram nasregiões rurais do <strong>Curdistão</strong>.As autoridades turcas reagiram severamente às tentativas deexpansão do PKK. Seguiram-se detenções e choques armados,causando perdas para ambos os lados. A situação na Turquia, <strong>no</strong>entanto, aproximava-se de um ponto crítico. Os primeiros sinais26


do golpe militar iminente ja eram tangíveis em 1979. A respostado PKK foi de retirar-se da Turquia para as montanhas ou paraoutros países do Oriente Médio. Somente um número reduzidode ativistas permaneceu <strong>no</strong> país. Esta estratégia permitiu ao PKKassegurar sua sobrevivência. No dia 12 de setembro de 1980 oexército turco depôs o gover<strong>no</strong> civil e tomou o poder. A maioriados membro do PKK presentes na Turquia nesse momento <strong>for</strong>ampresos pela junta militar.Nesta situação, o PKK se viu obrigado a decidir entre pasara ser uma organização exilada ou um movimento de libertaçãonacional moder<strong>no</strong>. Após uma curta fase de reorganização, a grandemaioria dos membros do partido retornaram ao <strong>Curdistão</strong> elideraram uma resistência armada contra a junta fascista. Comos ataques às instalações militares em Eruh e Semdili <strong>no</strong> dia 15 deagoso de 1984, proclamou-se oficialmente o início da resistênciaarmada. Apesar das carências, o primeiro passo em direção a ummovimento de libertação nacional havia sido feito.No início, as autoridades turcas – Turgut Özal acabava de sereleito primeiro-ministro – tentaram minimizar a importância dosincidentes. A propaganda de Estado classificava a guerrilha comoum “punhado de bandidos”, o que revela a mentalidade dos indivíduosentão <strong>no</strong> poder. A preocupação política pelo conflito foiimperceptível. Enquanto isso, os choques se multiplicaram, numaguerra que fazia numerosas vítimas de ambos os lados.Foi somente na década de 1990 que a situação pareceu mudar,quando o Estado finalmente pareceu aberto a uma solução política.As declarações da parte de Turgut Özal e de Suleyman Demirel,então Presidente da República, assumindo o reconhecimentoda identidade curda, alimentaram a esperança de um fim para oconflito. O PKK tentou colaborar com este processo declarandoum cessar-fogo em 1993.A morte repentina de Turgut Özal privou este processo de umde seus protagonistas mais importantes. Outros obstáculos po-27


dem também ser identificados: alguns membros mais radicais doPKK continuaram com a luta armada; a situação entre os líderesde Estado turcos era complexa e marcada por interesses opostos;e a postura dos líderes curdos do Iraque Talabani e Barzanitampouco ajudou o processo pela paz. Esta época representou amaior oportunidade para uma solução pacífica da questão curdaaté então, e ela foi perdida.Subseqüentemente, o conflito intensificou-se. Ambos os ladossofreram grandes perdas. A intensificação, porém, não modificouo impasse. Os a<strong>no</strong>s de guerra entre 1994 e 1998 <strong>for</strong>am a<strong>no</strong>s perdidos.Apesar de vários cessar-fogo da parte do PKK, o Estadoturco insistia em buscar uma solução militar. O cessar-fogo de1998 tampouco obteve resposta. Pelo contrário, ele incitou umatensão militar entre a Turquia e a Síria que levou ambos os paísesà beira de uma guerra. Em 1998 eu viajei à Europa como presidentedo PKK para promover uma solução política. A odisséiaque se seguiu é <strong>no</strong>tória. Eu fui seqüestrado <strong>no</strong> Quênia e trazidode volta à Turquia, violando a legislação internacional ao respeito.Este seqüestro foi orquestrado por uma aliança de serviços secretose o público esperava que o conflito se intensificaria a partirdesse momento. Contudo, o julgamento na ilha-prisão turca deImrali marcou uma virada súbita para o conflito e ofereceu <strong>no</strong>vasperspectivas para uma solução política. Ao mesmo tempo, tal viradalevou o PKK a reorientar-se política e ideológicamente. Euestive estudando e trabalhando nestes pontos antes mesmo de serseqüestrado. Este evento marcou uma verdadeira ruptura políticae ideológica. Quais <strong>for</strong>am, então, os motivos desta ruptura?Principais críticasSem dúvida, meu seqüestro foi um golpe duro para o PKK. Nãoobstante, esta não foi a verdadeira razão para esta virada políticae ideológica. O PKK foi concebido e organizado, como muitospartidos, com base numa estrutura hierárquica similar à uma es-28


trutura estatal. Este tipo de estrutura, <strong>no</strong> entanto, constitui umacontradição dialética com os princípios de democracia, liberdadee igualdade, independentemente da filosofia do partido em questão.Apesar de que o PKK se pretendia em favor das liberdades,nós não haviamos conseguido deixar de pensar em termos de hierarquia.Outra grande contradição repousava na busca pelo poder políticoinstitucional por parte do PKK, fato que ajudou a <strong>for</strong>jar ealinhar o partido. Estruturas alinhadas segundo o poder institucional,porém, entram em conflito com uma democratização dasociedade, que por sua vez era o objetivo fundamental proclamadopelo PKK. Militantes de partidos como o descrito acima têmtendência a orientar-se pelos seus superiores e não pela própriasociedade, ou, segundo o caso, simplesmente aspiram uma posiçãosuperior para eles memos.As três grandes tendências ideológicas baseadas numa emancipaçãosocial têm-se confrontado com tais contradições. Quandoo Socialismo Real, a democracia social e os movimentos de libertaçãonacional tentaram desenvolver alternativas ao capitalismo,as mesmas não puderam livrar-se das constrições ideológicas dosistema capitalista. Assim, tais alternativas trans<strong>for</strong>maram-se rapidamenteem re<strong>for</strong>ços do sistema capitalista, procurando poderpolítico institucionalizado em lugar de concentrar-se na democratizaçãoda sociedade.Outra grande contradição é o significado da guerra na posiçãopolítica e ideológica do PKK. A guerra era percebida como a continuaçãoda politica por meios alternativos e romantizada comoum instrumento estratégico.Isto representa uma contradição evidente com a <strong>no</strong>ssa própriadefinição como um movimento de luta pela libertação da sociedade.Segundo <strong>no</strong>ssa ideologia, a utilização de armas justifica-seunicamente <strong>no</strong> caso de auto-defesa necessária. Qualquer utilizaçãoalém desta constituiria uma violação da linha de conduta29


socialmente emancipativa à qual o PKK comprometia-se, umavez que todo regime repressivo ao longo da história apoiou-seem uma lógica bélica. O PKK acreditava que a luta armada seriasuficiente para ganhar os direitos que haviam sido negados aopovo curdo. Uma <strong>no</strong>ção tão determinista da guerra não pode sersocialista ou democrática, embora o PKK se definisse como umpartido democrático. Um partido verdadeiramente socialista evitatanto estruturas do tipo estatal e hierárquica quanto a aspiraçãoao poder político institucional, o qual é baseado na proteção dosinteresses e <strong>no</strong> poder através da guerra.A suposta derrota do PKK que as autoridades turcas acreditaramalcançar através de meu seqüestro tor<strong>no</strong>u-se uma razão paraanalizar de uma maneira crítica e aberta as razões que haviamimpedido até então um maior sucesso de <strong>no</strong>sso movimento. Estaruptura ideológica e política do PKK trans<strong>for</strong>mou uma aparentederrota numa porta aberta a <strong>no</strong>vos horizontes.30


Novas posições estratégicas, filosóficas e políticasdo movimento de libertação curdoNão é possível detalhar aqui de uma maneira aprofundada todosos elementos estratégicos, ideológicos, filosóficos e políticos queanimam o movimento. Os principais fundamentos, <strong>no</strong> entanto,podem ser resumidos da seguinte maneira:• A abordagem filosófica, política e ideológica do re<strong>no</strong>vadoPKK encontra sua expressão mais adeqüada através do conceitode “socialismo democrático”.• O PKK não procura alcançar a criação de um <strong>no</strong>vo estadonaçãocurdo a partir do direito de autodeterminação de povos.Este direito se entende como a base para o estabelecimento de democraciasde base, sem a necessidade de procurar <strong>no</strong>vas fronteiraspolíticas. É a tarefa do PKK convencer o povo curdo desta suaconvicção. O mesmo é válido para o diálogo com os países hegemônicosque influenciam o <strong>Curdistão</strong>. Esta convicção é a basepara a solução dos conflitos existentes.• Os países atualmente existentes nesta região necessitam sujeitar-sea profundas re<strong>for</strong>mas democráticas. No entanto, a aboliçãoimediata do estado não é uma opção viável, o que não significaque o estado atual deve ser aceito tal qual. A estrutura estatalclássica e sua concepção despótica do poder são inaceitáveis. Oestado institucional deve ser sujeito a mudanças democráticas. Aofinal deste processo, o estado deve constituir uma instituição políticamais modesta, com objetivo de regular funções <strong>no</strong> campoda segurança e na provisão de serviços sociais. Esta concepção de31


Estado não tem nada em comum com o caráter autoritário do estadoclássico, mas seria concebido como uma autoridade social.• O movimento curdo pela libertação procura para o <strong>Curdistão</strong>um sistema de auto-organização democrática em <strong>for</strong>ma deconfederação. O Confederalismo Democrática deve ser entendidacomo um modelo de coordenação de uma nação democrática.Tal sistema proporcionaria os marcos dentro dos quais toda comunidade,grupo confessional, coletivo específico de gênero e/ougrupo étnico mi<strong>no</strong>ritário, entre outros, podería organizar-se demaneira autô<strong>no</strong>ma. O mesmo proporcionaria também os meiosde organização para qualquer nação e cultura democráticas. Oprocesso de democratização <strong>no</strong> <strong>Curdistão</strong> não se limita, <strong>no</strong> entanto,a uma questão de <strong>for</strong>ma, mas abrange um amplo projetosocial visando a soberania econômica, social e política de todasas partes da sociedade, assim como a criação dos órgãos e instituiçõesnecessárias e a elaboração dos instrumentos que possamgarantir e possibilitar à sociedade um auto-gover<strong>no</strong> e um controledemocrático. É um processo de longo e contínuo. As eleiçõesnão são o único meio neste contexto. Ao contrário, este é umprocesso político dinâmico que necessita intervenções diretas daparte do sobera<strong>no</strong>, o povo. Assim, a população deve estar diretamenteenvolvida em cada processo decisório da sociedade. Estemodelo é construido sobre a auto-gestão de comunidades locais eé organizado em conselhos abertos, conselhos de município, parlamentoslocais e congressos gerais. Os próprios cidadãos são osatores de um auto-gover<strong>no</strong> deste gênero. O principio de uma auto-gestãoconfederal não apresenta restrições. Tal sistema poderiaaté atravessar fronteiras para assim criar estruturas democráticasmultinacionais. No seio de um sistema democrático de confederação,somente hierarquias horizontais favoreceriam o processodecisório <strong>no</strong> nível comunitário.• O modelo detalhado acima pode ser descrito como um gover<strong>no</strong>democrático de auto-gestão, onde os direitos ‘sobera<strong>no</strong>s’ do32


estado seriam limitados. Um tal modelo permite uma implementaçãomais adequada de valores básicos como liberdade e igualdadeem comparação com os modelos administrativos tradicionais.Este <strong>no</strong>vo modelo não é limitado ao caso da Turquia, muito pelocontrário, ele é igualmente aplicável em outras partes do <strong>Curdistão</strong>.Ele é adequado para a construção de estruturas administrativasconfederais em toda região de assentamentos curdos na Síria,Turquia, Iraque e Irã. Deste modo, a construção de estruturasconfederais na totalidade do <strong>Curdistão</strong> é possibilitada, sem queisto signifique um questionamento de fronteiras políticas já existentes.• Um dos fatores que resultaram na queda do real-socialismofoi a maneira como os países socialistas utilizaram seu poderinterna e externamente, assim como sua concepção errônea daimportância da questão do gênero. Mulher e poder parecem, segundoesta ideologia, conceitos quase contraditórios. A questãodos direitos da mulher foi relativamente renegada por regimes socialistas;afirmava-se que esta questão seria resolvida automáticamenteuma vez solucionados os problemas econômicos e outrosproblemas sociais. As mulheres, porém, podem ser consideradascomo uma classe ou uma nação oprimida: um gênero oprimido.Enquanto a liberdade e os direitos da mulher não <strong>for</strong>em discutidosem um contexto histórico e social, enquanto uma teoria adequadanão <strong>for</strong> <strong>for</strong>mulada, tampouco existirá prática adequada.Em vista disso, a liberdade e os direitos da mulher devem constituiruma parte estratégica da luta pela liberdade e democracia <strong>no</strong><strong>Curdistão</strong>.• Hoje em dia, a democratização da política constitui o desafiomais urgente. Uma política democrática, <strong>no</strong> entanto, somentepoderia existir a partir de partidos democráticos. Enquanto nãohouverem partidos e instituções afiliadas a partidos cujos interessesvão além da simples execução de ordens ditadas pelo estado,uma democratização do estado sera impossível. Na Turquia, os33


partidos não passam de ferramentas para a divulgação de propagandapolítica por parte do estado. Sua trans<strong>for</strong>mação em partidosíntegros e engajados exclusivamente com o bem-estar social,assim como o desenvolvimento jurídico adequado neste contexto,constituiriam um avanço importante <strong>no</strong> sentido de uma verdadeirare<strong>for</strong>ma política. A fundação de partidos políticos exibindoa palavra <strong>Curdistão</strong> em seu <strong>no</strong>me é considerada ainda hoje umato crimi<strong>no</strong>so. Partidos independentes sofrem inúmeras obstruçõesda parte do estado. Coalizões e partidos relacionados ao<strong>Curdistão</strong> servem à democratização e não advogam separatismoou violência.• Existe a disseminação de um espirito subserviente tanto <strong>no</strong>nivel individual como institucional, o que representa um grandeobstáculo à democratização. A única maneira de superar este sentimentoé através da conscientização da sociedade. Cada cidadãodeve ser convidado a engajar-se ativamente na causa democrática.Para o povo curdo, isto significa apoiar a construção de estruturasdemocráticas <strong>no</strong> <strong>Curdistão</strong> e em toda região abrigando comunidadescurdas, com o objetivo de fomentar a participação ativa navida política de cada comunidade. Da mesma maneira, mi<strong>no</strong>riasresidentes <strong>no</strong> <strong>Curdistão</strong> devem ser convidadas a participar de taisprojetos. O desenvolvimento de estruturas democráticas autóctonesassim como a abordagem prática de tais estruturas devem sertratados como prioridade máxima. As mesmas devem ainda servistas como necessárias em regiões onde os direitos básicos de umademocracia não são respeitados, como é o caso do Oriente Médio.• A política depende da existência de meios de comunicaçãoindependentes. Na ausência destes, as estruturas estatais não logramdesenvolver uma sensibilidade às questões democráticas. Olivre acesso à in<strong>for</strong>mação é não somente um direito individual,mas uma questão social essencial. Midias independentes representamum mandato social. Sua comunicação com o publicodeve ser caracteizada por um equilíbrio democrático.34


• Instituições feudais como tribus e seitas, resquícios da IdadeMédia, também representam obstáculos à democratização. Taisinstituições parasitárias devem ser instigadas a integrar-se na lutapor uma mudança democrática.• O direito à educação na língua nativa deve ser garantido.Mesmo se as autoridades não desenvolvem tal educação, elas nãodevem impedir es<strong>for</strong>ços civis visando criar instituições especializadas<strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> da língua e cultura curdas. Além disso, o sistemade saúde deve ser garantido tanto pelo estado como pela sociedadecivil.• Um modelo social ecológico é por essência um modelo socialista.Um equilíbrio ecológico somente será possível durante a fasede transição entre uma sociedade alienada baseada <strong>no</strong> despotismoe uma sociedade socialista. Seria ilusão acreditar que a preservaçãodo meio ambiente é compatível com o sistema capitalista.Pelo contrário, o sistema capitalista contribui ávidamente para adevastação do meio ambiente. A proteção do meio ambiente deveser levada em consideração seriamente durante o processo de mudançasocial.• A solução para a questão curda deve ser tentada em conjuntocom um processo de democratização de todos os países que exercemseu poder sobre o <strong>Curdistão</strong> de maneira hegemônica. Esteprocesso, porém, não é limitado a tais países, mas deve estendersepor todo o Oriente Médio. A paz <strong>no</strong> <strong>Curdistão</strong> está intimamenteligada à democracia <strong>no</strong> Oriente Médio. Um <strong>Curdistão</strong>livre somente é concebível como um <strong>Curdistão</strong> democrático.• A liberdade individual de expressão e de decisão é imperativa.Nenhum país, nenhum estado, nenhuma sociedade tem o direitode restringir tais liberdades, independentemente das razõesalegadas. Sem liberdade individual, a liberdade social não poderáexistir, assim como a liberdade pessoal é impossível se a sociedadenão <strong>for</strong> livre.35


• Uma redistribuição justa de recursos econômicos que se encontramatualmente nas mãos do estado é igualmente de extremaimportância para o processo de liberação social. Abundância econômicanão deve trans<strong>for</strong>mar-se em uma ferramenta do poder doestado com o objetivo de facilitar o exercício deste poder sobre apopulação. Riquezas econômicas não são propriedade do estadomas da sociedade.• Uma eco<strong>no</strong>mia próxima à população deve ser baseada nestaredistribuição; ela deve ainda ser baseada em benefícios em lugarde visar exclusivamente a acumulação de lucros e o aumentoda circulação monetária. Atualmente, as estruturas econômicaslocais deterioram tanto a sociedade quanto o meio ambiente.Uma das principais razões da decadência da sociedade é o efeitodos mercados financeiros locais. A produção artificial de bens, aprocura interminável por <strong>no</strong>vos mercados de consumo e a cobiçasem limites por lucros cada vez maiores são responsáveis pela diferençacada vez mais abismal entre pobres e ricos, acrescentandodiariamente indivíduos ao batalhão dos que vivem abaixo do nivelde pobreza e mesmo dos que morrem de fome. Uma políticaeconômica deste tipo não pode mais ser tolerada. Este é então omaior desafio para a política socialista: implementar uma políticaeconômica alternativa que não vise unicamente o lucro mas simuma distribuição justa dos recursos e a satisfação das necessidadesbásicas naturais para todos.• Embora a tradição curda valorize altamente a familia, estaúltima segue sendo uma entidade onde a liberdade não é garantida.Carência de recursos financeiros assim como o difícil acessoà educação e aos serviços de saúde não deixam espaço parao desenvolvimento da unidade familiar. A situação de criançase mulheres é desastrosa. Asassinatos “de honra” de mulheres dafamilia ilustram este desastre. Mulheres podem virar o alvo deuma <strong>no</strong>ção de honra arcaica que reflete a decadência da sociedade36


como tal. A frustração masculina em relação as condições existentesé dirigida contra o suposto membro “frágil” da família: amulher. A família como instituição social está em crise. A soluçãodesta crise familiar, assim como de outras crises detalhadas acima,se encontra <strong>no</strong> contexto de uma democratização completa.37


A situação atual e sugestões para uma soluçãoAs relações entre curdos e turcos na Turquia exerce um papel decisivona busca por uma solução à questão curda. Neste aspecto,as comunidades curdas <strong>no</strong> Iraque, Irã e Síria não poderiam senãoapoiar alguma possível solução, sem maior potencial de participação.Os curdos do Iraque ilustram bem esta última afirmação.A auto<strong>no</strong>mia de um quasi-estado curdo é um resultado indiretode es<strong>for</strong>ços internacionais entre a Turquia, os Estados Unidose seus aliados em sua tentativa de denunciar o PKK como umaorganização terrorista. Sem o consentimento de Ankara, esta “solução”nunca teria sido possível. O caos causado por esta soluçãoé evidente, assim como seus resultados são inimagináveis. Tampoucoestá clara a direção que pretende tomar a autoridade nacionalfeudal-liberal de curdos <strong>no</strong> Iraque, assim como as possíveisconseqüências de sua existência na atual situação <strong>no</strong> Irã, na Síriae na Turquia. O perigo de uma intensificação regional do conflito,similar ao ocorrido <strong>no</strong> conflito Israel-Palestina é real. Umainflamação de nacionalismo curdo poderia radicalizar ainda maisnacionalistas persas, árabes e turcos, dificultando todavia mais aprocura por uma solução.Este pa<strong>no</strong>rama deve ser confrontado por meio de uma soluçãoisenta de aspirações nacionalistas e que reconheça as fronteiras nacionaisexistentes. No entanto, o status do povo curdo deve ser contempladonas respectivas constituições, garantindo assim seus direitosculturais, lingüísticos e políticos. Um modelo assim estaria amplamentede acordo com as realidades históricas e sociais da região.38


Desta maneira, fazer a paz com o povo curdo parece inevitável.É improvável que esta guerra, seja <strong>no</strong> presente ou <strong>no</strong> futuro, levea algo mais que uma vitória de Pirro. Por isso, esta guerra deveser terminada. Ela tem se arrastado por demasiado tempo. É dointeresse de todos os países da região começar a tomar as medidasnecessárias.O povo curdo somente exige que sua existência seja respeitada;eles exigem liberdade para preservar sua cultura e um sistema integralmentedemocrático. Almejar uma solução mais humana emodesta é impossível. Os exemplos da África do Sul, Palestina,País de Gales, Irlanda do Norte, Escócia e Córsega são exemplosdos métodos aplicados por diferentes países moder<strong>no</strong>s para resolverou administrar problemas similares, <strong>no</strong> curso da história. Taiscomparações <strong>no</strong>s ajudam a encontrar a abordagem mais objetivapossível para <strong>no</strong>sso próprio problema.Dar as costas à violência para resolver a questão curda e superar,ao me<strong>no</strong>s em parte, a repressiva política de negação são conceitosintimamente ligados ao fato que nós apoiamos a opção democrática.A proibição da língua, cultura, educação e comunicação dopovo curdo é em sua essência um ato terrorista e praticamenteconvida a uma retaliação violenta. A violência, <strong>no</strong> entanto, temsido usada por ambos os lados até um ponto claramente além dalegítima defesa.Vários movimentos atuais tomam medidas muito mais extremadas.Nós temos declarado, <strong>no</strong> entanto, vários cessar-fogo, temosretirado grandes quantidades de <strong>no</strong>ssos guerrilheiros do territorioturco, refutando assim as acusações de terrorismo. Nossoses<strong>for</strong>ços pela paz tem sido, contudo, sistematicamente ig<strong>no</strong>radosa<strong>no</strong> após a<strong>no</strong>. Nossas iniciativas nunca encontraram resposta.Muito pelo contrário, um grupo de políticos curdos enviadoscomo embaixadores da paz <strong>for</strong>am presos e condenados a longaspenas. Nossos es<strong>for</strong>ços pela paz tem sido errôneamente interpretadoscomo sinais de fraqueza. Não existe outra explicação para39


afirmações como “o PKK e Ocalan estão praticamente acabados”ou que <strong>no</strong>ssas iniciativas não passam de estratagemas. Assim, elesreivindicaram que somente seria necessário continuar os ataquescom um pouco mais de <strong>for</strong>ça para destruir o PKK. Assim, elesaumentaram os ataques ao movimento de libertação curdo. Ninguémse pergunta, <strong>no</strong> entanto, por que eles nunca tiveram sucesso?A questão curda é impossível de solucionar pela violência. Apostura descrita acima também contribuiu ao malogro do cessarfogoque comecou <strong>no</strong> dia 1 de outubro de 2006. Eu propus aoPKK oferecer este cessar-fogo. Alguns intelectuais e organizaçõesnão-governamentais haviam pedido uma medida deste gênero.Mais uma vez, <strong>no</strong> entanto, esta medida não foi levada a sério.Pelo contrário, racismo e chauvinismo <strong>for</strong>am incitados, criandouma atmosfera de confrontação. Além disso, nós não podemosesquecer que o AKP também utiliza esta questão para distrair asatenções de seus problemas com a elite Kemalista através de acordoscom as Forças Armadas e especulações sobre um agravamentodo problema curdo. No presente, o gover<strong>no</strong> se restringe a poucasmedidas medíocres em sua tentativa de conseguir algumas concessõesda parte da União Européia. Desta maneira, eles tentamganhar tempo com a ajuda das leis de harmonização criadas <strong>no</strong>contexto da possível ascensão da Turquia à UE. Na realidade, estassupostas re<strong>for</strong>mas não passam de pura demagogia.O agravamento do conflito é preocupante. Ainda assim, eu nãoabro mão de minha esperança de lograr uma paz justa. Ela podeser alcançada a qualquer momento.A solução que eu ofereço à sociedade turca é simples. Nós reivindicamosuma nação democrática. Nós não fazemos oposiçãoà unidade do Estado e da República. Nós aceitamos a república,sua estrutura unitária e seu caráter laico. Nós cremos, entretanto,que esta república deve ser redefinida com o objetivo de <strong>for</strong>marum estado democrático, um estado que respeite os direitos dosdiferentes povos e culturas existentes em seu território. Sobre esta40


ase, os curdos devem ser livres para organizar-se de tal maneiraque sua língua e cultura possam exprimidas e que eles possam desenvolver-se<strong>no</strong>s pla<strong>no</strong>s econômico e ecológico. Esta <strong>no</strong>va realidadepermitiria a curdos, turcos e membros de outras culturas umaconvivência sob a proteção de uma “Nação Democrática Turca”.Isto somente seria possível, <strong>no</strong> entanto, através de uma constituiçãodemocrática e de um quadro legal avançado que garantiría orespeito às culturas mi<strong>no</strong>ritárias. Nossa visão de uma nação democráticanão é definida por bandeiras ou fronteiras. Nossa visãode uma nação democrática é inspirada pelo modelo democráticoe não por um modelo baseado em estruturas estatais e em origensétnicas. A Turquia deve redefinir-se como país, buscando integrartodos os grupos étnicos. Este <strong>no</strong>vo modelo teria como base o respeitoaos direitos huma<strong>no</strong>s e não a diferenciação entre religiões eraças. Nossa visão de uma nação democrática incorpora todos osgrupos étnicos e todas as culturas.A partir deste quadro, segue um resumo de minha proposta desolução:• A questão curda deve ser tratada como uma questão fundamental<strong>no</strong> processo de democratização. A identidade curda deveser integrada à constituição e ao sistema jurídico. Esta <strong>no</strong>va constituiçãodeve conter um artigo exprimindo o seguinte : « A constituiçãoda república da Turquia reconhece a existência e a expressãode todas as suas culturas de uma maneira democrática. » Istoseria o suficiente.• Direitos culturais e de idioma devem ser protegidos pela lei.Restrição e censura nas rádios, canais de televisão e na imprensadevem ser abolidas. Programas curdos e programas em qualqueroutro idioma devem ser tratados sob as mesmas regras que programasturcos.• A língua curda deve ser ensinada em escolas do ensi<strong>no</strong> fundamental.Famílias interessadas em proporcionar às suas crianças tal41


educação devem poder enviá-las a tais escolas. Escolas do ensi<strong>no</strong>médio devem oferecer aulas de cultura, língua e literatura curdacomo opções eletivas. Já <strong>no</strong> ensi<strong>no</strong> superior, toda universidadedeve ser livre para implantar institutos especializados em cultura,língua, literatura e história curda.• A liberdade de expressão e de organização não deve ser restringida.Atividades políticas não devem ser reguladas ou proibidaspelo estado. Esta liberdade é fundamental <strong>no</strong> contexto dacausa curda.• Partidos e eleições devem sofrer uma re<strong>for</strong>ma democrática.Leis devem garantir a participação da população curda e de todooutro grupo étnico mi<strong>no</strong>ritário <strong>no</strong> processo decisório.• O sistema de policiamento de povoados assim como as redesilegais funcionando dentro das estruturas estatais devem ser extintas.• O retor<strong>no</strong> imediato de pessoas desalojadas de seus vilarejosdurante a guerra deve ser permitido. Todas as medidas administrativas,legais, econômicas e/ou sociais devem ser tomadas paraproporcionar este retor<strong>no</strong>. No mais, a implementação de um programade desenvolvimento econômico visando uma melhoria donivel de vida da população curda é igualmente uma necessidade.• Uma lei pela paz e pela participação social deve ser criada,permitindo assim a participação na vida pública de membros daguerrilha, prisioneiros e exilados.Ademais, medidas imediatas que poderiam conduzir a uma soluçãodevem ser discutidas. Um pla<strong>no</strong> de ação democrática deveser <strong>for</strong>mulado e posto em prática. Na tentativa de reconciliar asociedade, comissões de transparência e justiça devem ser estabelecidas.Ambos os lados devem reconhecer suas falhas e discuti-lasabertamente. Este é o único caminho para alcançar uma reconciliação.42Na instância onde estados ou organizações não lograrem um


entendimento, intelectuais podem servir de mediadores. Algunsexemplos onde este modelo teve êxito são os casos da África doSul, Irlanda do Norte e Sierra Leone. Tais intelectuais podemservir de árbitros, encaminhando ambos os lados em direção auma paz justa. Estes podem ser advogados, médicos ou cientistas.Quando chegar o dia de baixarmos as armas, estas serão entreguesa uma tal comissão, desde que esta última esteja determinada afazer justiça.Por que entregaríamos <strong>no</strong>ssas armas sem uma perspectiva dejustiça? O desencadeamento do processo de desarmamento dependede boa vontade e de diálogo. Quando e se um diálogo <strong>for</strong>estabelecido, aí mesmo começará um processo similar ao do últimocessar-fogo ilimitado.Eu estou preparado para fazer tudo o que estiver ao meu alcance.O gover<strong>no</strong>, <strong>no</strong> entanto, deve demonstrar a sua vontade detrazer a paz de volta à Turquia e tomar a iniciativa. E assim devefazer, se não desejar ser responsabilizado pelas possíveis conseqüências.Caso <strong>no</strong>ssos es<strong>for</strong>ços por uma solução pacífica falhem ou sejamsacrificados por uma política de imediatista ou pela busca insaciávelpor poder e/ou por benefícios financeiros, o conflito nãodeixará de intensificar-se e seu fim poderá tornar-se inconcebível.O caos que se seguirá não terá vencedores.Finalmente, a Turquia deve encontrar a coragem para reconhecersua própria realidade, a realidade da existência do povo curdoe de uma dinâmica mundial. Qualquer estado que se nega a aceitara realidade se encontrará eventualmente e inevitávelmente aponto de deixar de existir.É imperativo, portanto, dar os primeiros passos que levarãoeste país a uma paz duradoura.<strong>Abdullah</strong> <strong>Öcalan</strong>Prisão individual, Ilha de Imrali43


Published by:International Initiative<strong>Freedom</strong> <strong>for</strong> <strong>Abdullah</strong> Ocalan – Peace in Kurdistan

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