O Brasil de Betinho - Ibase

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12.07.2015 Views

“A nossa experiência deinfância é uma experiênciaonde isso que se chama morte,tragédia, tudo que denominam de anormal, fazia parte do nosso cotidiano. Omeu cotidiano na infância foi viver numa penitenciária. Isso não é cotidianopara ninguém. Na minha adolescência, o meu cotidiano passou a ser viver numafunerária. Ali estava ninguém mais ninguém menos que o meu próprio pai.Então, onde é que meu pai trabalhava, que é a pessoa que você mais quer viva?Numa funerária. A nossa casa pertencia à Santa Casa de Misericórdia e era umaextensão da funerária. O Henfil sempre brincou ali, entre os caixões. Brincar coma morte. Nós brincávamos com os símbolos da morte. E a própria ideia da mortese confundia com as nossas brincadeiras. O gerente da morte era o nosso pai. (...)O nosso começo estava no fim, e o nosso fim no começo.”[ Betinho, em Sem vergonha da utopia, p. 8 e 9 ]Betinho contraiu aos15 anos de idadetuberculose. Ficou trêsanos confinado em casapor causa da doença.Na página ao lado,Betinho, doente,no quintal de casa.“Tive uma infância marcada (...)pelo fato de ter passado oito anosmorando com minha famílianuma penitenciária, onde meu paitrabalhava. Uma parte da infância eda adolescência eu vivi num outroambiente inusitado, uma funerária.Acho que ninguém nasceu numapenitenciária e se criou numafunerária. Eu acho que é umacombinação altamente política.”[ Betinho, na revista Teoria eDebate, nº 16 ]Acima e à direita, betinho na infância26

“Naquele sanatório particularíssimo, eu escuteitodas as novelas do rádio. Li todos os livros queme chegavam às mãos, fiz aeromodelismo, aprendiradiotécnica, tentei a escultura. Três vezes ao diaeu tomava a temperatura. Invariavelmente 37 a 38graus de febre. (...) As minhas chances de salvaçãoeram muito poucas, ou quase nenhuma. Todomundo chorava. Ninguém desconhecia oresultado desta equação fatal: hemofilia maistuberculose igual à morte.”[ Betinho, em Sem vergonha da utopia, p. 49 ]“Ao ler o último número da revista semanalO Cruzeiro, a mais importante na época,do grupo de Assis Chateaubriand, eu vi oanúncio de um remédio, Idrazida, apesentadocomo a mais nova descoberta na cura datuberculose. Deu-se então em mim uma certezainstantânea: este remédio vai me curar. Entrever o anúncio e estar tomando o primeirocomprimido se passaram outros três meses detensa expectativa, até que a Idrazida chegouao comércio de Belo Horizonte. O efeito foiigualmente fulminante. Logo nas doses iniciaiseu comecei a engordar. Três meses mais tardeeu tirei uma radiografia limpa, a mancha haviadesaparecido completamente.”[ Betinho, em Sem vergonha da utopia, p. 51 ]“A família chorouminha morte e decidiuque eu não iria paraum sanatório, mas para o fundodo quintal, para o quarto de Maria Leal [empregada dacasa], agora transformado em meu sanatório particular, oúnico de Belo Horizonte. Um quarto com duas camas, naoutra dormia seu Henrique [pai de Betinho], declaradominha companhia. Foi construída uma porteira demadeira que me isolava, atrás das grades, de meus irmãose irmãs. (...) Durante três anos aquele quarto foi minhatrincheira onde poucos entravam. O mundo para mimestava dividido entre os tuberculosos e os sãos.”[ Betinho, em “Eu”, Arquivo Herbert de Souza, CPDOC/FGV ]O nascimento na Revolta27

“A nossa experiência <strong>de</strong>infância é uma experiênciaon<strong>de</strong> isso que se chama morte,tragédia, tudo que <strong>de</strong>nominam <strong>de</strong> anormal, fazia parte do nosso cotidiano. Omeu cotidiano na infância foi viver numa penitenciária. Isso não é cotidianopara ninguém. Na minha adolescência, o meu cotidiano passou a ser viver numafunerária. Ali estava ninguém mais ninguém menos que o meu próprio pai.Então, on<strong>de</strong> é que meu pai trabalhava, que é a pessoa que você mais quer viva?Numa funerária. A nossa casa pertencia à Santa Casa <strong>de</strong> Misericórdia e era umaextensão da funerária. O Henfil sempre brincou ali, entre os caixões. Brincar coma morte. Nós brincávamos com os símbolos da morte. E a própria i<strong>de</strong>ia da mortese confundia com as nossas brinca<strong>de</strong>iras. O gerente da morte era o nosso pai. (...)O nosso começo estava no fim, e o nosso fim no começo.”[ <strong>Betinho</strong>, em Sem vergonha da utopia, p. 8 e 9 ]<strong>Betinho</strong> contraiu aos15 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>tuberculose. Ficou trêsanos confinado em casapor causa da doença.Na página ao lado,<strong>Betinho</strong>, doente,no quintal <strong>de</strong> casa.“Tive uma infância marcada (...)pelo fato <strong>de</strong> ter passado oito anosmorando com minha famílianuma penitenciária, on<strong>de</strong> meu paitrabalhava. Uma parte da infância eda adolescência eu vivi num outroambiente inusitado, uma funerária.Acho que ninguém nasceu numapenitenciária e se criou numafunerária. Eu acho que é umacombinação altamente política.”[ <strong>Betinho</strong>, na revista Teoria eDebate, nº 16 ]Acima e à direita, betinho na infância26

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