Vilma Mota QuintelaCapa <strong>de</strong> romance <strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l publicado na década <strong>de</strong> 1940, <strong>de</strong> autoria<strong>de</strong> José Camelo Rezen<strong>de</strong>, editado por Athay<strong>de</strong>, que usa como clichê umafotogravura feita a partir <strong>de</strong> um cartão-postal. Facsímile cedido por RiaL<strong>em</strong>aire, diretora do Fonds Raymond Cantel, Poitiers, França.das capas dos romances (Souza, 1981). Nestes, o apelo ao cin<strong>em</strong>a evi<strong>de</strong>nciase,especialmente <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> editorial dos cordéis. Observa-se a influência dalinguag<strong>em</strong> publicitária e <strong>de</strong> certos gêneros da cultura <strong>de</strong> massa na escolhados títulos, na i<strong>de</strong>ia das capas (feitas a partir da justaposição <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entosque formam um quadro sinóptico da história apresentada, l<strong>em</strong>brandoos cartazes <strong>de</strong> divulgação dos filmes) e também <strong>no</strong> tom sensacionalistadas chamadas do editor, que aparec<strong>em</strong> na primeira página da maioriados romances publicados nesse período, tais como: “Amor! Sofrimento!Luta! Triunfo!” (Nobreza <strong>de</strong> um ladrão), “Degredo! Prisão! Sofrimento!” (Oromance <strong>de</strong> um sentenciado), ou “Romance cheio <strong>de</strong> amor e poesia! Página<strong>de</strong> viva realida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se le<strong>em</strong> as tramas da traição curvar-se ante o altardo amor; a paixão <strong>de</strong> dois jovens que ascen<strong>de</strong>m até aos mais altos po<strong>de</strong>resda existência” (As gran<strong>de</strong>s aventuras <strong>de</strong> Armando e Rosa) 1 .1Todos esses cordéis se encontram disponíveis <strong>em</strong>: http://www.cnfcp.gov.br46
A <strong>edição</strong> <strong>popular</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>A apropriação <strong>de</strong>sses recursos editoriais, b<strong>em</strong> como da linguag<strong>em</strong>própria das narrativas <strong>popular</strong>izadas pelo cin<strong>em</strong>a e pelo jornal, entreoutros meios afins, sugere um forte investimento <strong>em</strong> um perfil <strong>de</strong> leitorespecífico. Provavelmente, essa produção v<strong>em</strong> a aten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> modo particular,certo público urba<strong>no</strong> <strong>em</strong>ergente, que inclui o gênero f<strong>em</strong>ini<strong>no</strong>,formado <strong>em</strong> um contexto cultural oralizado, <strong>no</strong> qual, não obstante, ossímbolos da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> se impunham como força heg<strong>em</strong>ônica.Essa investida <strong>no</strong> sentido da padronização dos folhetos v<strong>em</strong>, s<strong>em</strong>dúvida, fortalecer a sua marca editorial, constituindo também um modo<strong>de</strong> apropriação das obras <strong>de</strong> autoria diversa, por ele negociadas parapublicação. Especialmente <strong>no</strong> caso das obras <strong>de</strong> Leandro, as quais, coma compra dos direitos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, Athay<strong>de</strong> passa a representarlegalmente, a apropriação se dá <strong>de</strong> forma radical. Algumas vezes, comomostram sobretudo as edições posteriores a 1930, as atualizações vão umpouco além da revisão ortográfica e das pequenas mudanças observadas<strong>no</strong> título <strong>de</strong> algumas obras, chegando, <strong>em</strong> muitos casos, a comprometer oreconhecimento da autoria. Essa e outras formas <strong>de</strong> apropriação, que seapresentam, <strong>de</strong> certo ponto <strong>de</strong> vista, como dispositivos <strong>de</strong> salvaguardada proprieda<strong>de</strong> pelo editor, não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser representativas do modocomo, na prática, o mo<strong>no</strong>pólio editorial, por ele exercido, serviu àafirmação da sua posição como autor. Sobretudo a partir da década <strong>de</strong>1930, Athay<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha um papel <strong>de</strong>cisivo na consolidação do sist<strong>em</strong>aliterário do cor<strong>de</strong>l, fomentando e dando vazão à produção <strong>de</strong> poetas que,<strong>em</strong>boraprestigiados <strong>no</strong> meio, não possuíam recursos e <strong>popular</strong>ida<strong>de</strong>suficientes para uma carreira autô<strong>no</strong>ma. Esse é o caso <strong>de</strong> João Ferreira<strong>de</strong> Lima, José Camelo, José Pacheco da Rocha e Delarme Monteiro, esteúltimo, <strong>de</strong> certa maneira, formado sob a influência do editor.Cumpre pon<strong>de</strong>rar: <strong>de</strong>certo o êxito <strong>de</strong> Athay<strong>de</strong> não se <strong>de</strong>veu apenas àdisposição comercial que o caracterizou como editor, <strong>em</strong>bora tal aspectoo tenha colocado <strong>em</strong> uma posição privilegiada <strong>em</strong> relação a seus colegas<strong>de</strong> ofício. Juntamente com isso, a sua experiência como poeta formado<strong>no</strong> ambiente da cantoria e do cor<strong>de</strong>l tor<strong>no</strong>u-o apto a orientar a produção,<strong>de</strong> acordo com as injunções do mercado. Detentor, <strong>em</strong> potencial, domo<strong>no</strong>pólio editorial do gênero, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1920, quando se tor<strong>no</strong>ueditor autorizado das obras <strong>de</strong> Leandro, coube a Athay<strong>de</strong>, <strong>de</strong> certa forma,dar continuida<strong>de</strong> à linha <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>finida por seus antecessores e, poroutro lado, atualizá-la <strong>de</strong> acordo com a <strong>de</strong>manda do público <strong>em</strong>ergente. Aesse respeito, po<strong>de</strong>-se dizer que a sua atuação foi eficaz.À atuação enérgica <strong>de</strong> Athay<strong>de</strong> <strong>no</strong> mercado editorial do cor<strong>de</strong>l, <strong>de</strong>veseo gran<strong>de</strong> prestígio que ele atingiu <strong>em</strong> vida, <strong>em</strong> seu próprio meio e <strong>em</strong>47