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Design, Arte, Moda e Tecnologia - Universidade Anhembi Morumbi

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DAMT<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong><br />

Somente artigos da linha de pesquisa<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong> e <strong>Moda</strong>: Inter-relações<br />

Luisa Paraguai<br />

Jofre Silva<br />

Organização


DAMT: DESIGN, ARTE, MODA e TECNOLOGIA<br />

ORGANIZAÇÃO<br />

Luisa Paraguai<br />

Jofre Silva<br />

DESIGN DIGITAL<br />

CONCEPÇÃO GRÁFICA<br />

Paula Rodrigues<br />

Ursula Reichenbach<br />

PRODUÇÃO DIGITAL<br />

Paula Rodrigues<br />

Ursula Reichenbach<br />

Állan Toledo<br />

PROMOÇÃO<br />

<strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

Pontifícia <strong>Universidade</strong> Católica do Rio Janeiro<br />

<strong>Universidade</strong> Estadual Paulista - UNESP/Bauru<br />

EDIÇÃO<br />

Edições Rosari<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2011<br />

ISBN 978-85-8050-019-6<br />

São Paulo: Novembro de 2011<br />

Número de páginas: ----<br />

Número de artigos: 30


A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Mariano Lopes de Andrade Neto Doutorando em <strong>Design</strong> – NUPECAM/FAAC/UNESP<br />

mlaneto@gmail.com<br />

Livia Marsari Pereira Mestre em <strong>Design</strong> – <strong>Universidade</strong> Tecnológica Federal do Paraná<br />

liviam@utfpr.edu.br<br />

Marizilda dos Santos Menezes Doutora em Arquitetura e Urbanismo – PPG<strong>Design</strong>/FAAC/<br />

UNESP marizil@faac.unesp.br<br />

Paula da Cruz Landim Doutora em Arquitetura e Urbanismo – NUPECAM/FAAC/UNESP<br />

paula@faac.unesp.br<br />

Resumo<br />

Este trabalho traz uma análise sobre a produção científica recente de <strong>Design</strong> de<br />

<strong>Moda</strong> no Brasil. O estudo compreende um levantamento histórico sobre pesquisas<br />

acadêmicas na área da <strong>Moda</strong>, investigações bibliométricas e pesquisas de <strong>Design</strong><br />

de <strong>Moda</strong> presentes em dois dos principais eventos de <strong>Design</strong> do país. Por meio de<br />

uma metodologia adaptada da bibliometria, realizou-se a contagem das publicações<br />

nos Anais dos eventos indicados. Os dados evidenciaram as temáticas mais<br />

abordadas e as instituições e cidades que concentraram as publicações encontradas.<br />

Também foram identificadas tendências e indicadores de pesquisa de <strong>Design</strong><br />

de <strong>Moda</strong> no país.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, Bibliometria.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Introdução<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Nas últimas décadas, devido à visível expansão da ciência e da tecnologia, tornou-se cada vez<br />

mais necessário organizar e avaliar as informações e os avanços trazidos pelas diversas disciplinas<br />

do conhecimento. Na área de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, em franca expansão no Brasil, não é diferente. Em<br />

razão das várias mudanças econômicas e sociais e do aumento expressivo do número de programas<br />

de graduação e pós-graduação, no país, observa-se um crescimento significativo da produção<br />

científica de <strong>Moda</strong>.<br />

A relação entre a <strong>Moda</strong> e o <strong>Design</strong>, no Brasil, recebeu respaldo oficial em 2002, quando a <strong>Moda</strong><br />

foi considerada pelo Ministério da Educação (MEC) como um conteúdo curricular específico do<br />

<strong>Design</strong>. Essa reforma propôs um ensino que compreende um núcleo básico comum de conteúdos<br />

de <strong>Design</strong>, por área de conhecimento, seguido das respectivas habilitações (gráfico, produto,<br />

interiores, moda, entre outros). De acordo com Souza, Neira e Bastian (2010, p.2), a partir desse<br />

momento, a formação em <strong>Moda</strong> “oferecida pela maioria das instituições superiores brasileiras<br />

passou a ser norteada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em <strong>Design</strong>,<br />

consolidadas na Resolução CNE/CES nº 05, de 08 de março de 2004”.<br />

Essas diretrizes provocaram mudanças na academia de <strong>Moda</strong> no Brasil, pois conhecimentos e<br />

práticas do campo do <strong>Design</strong> foram integrados às pesquisas e aos estudos da <strong>Moda</strong>, assim como o<br />

<strong>Design</strong> também se apropriou das experiências específicas dessa outra área.<br />

De acordo com Pires (2010b), em 2007, havia 40 cursos denominados <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> e, no início<br />

de 2010, o número duplicou, o que evidencia que, nos últimos anos, muitos cursos adotaram a<br />

nova denominação sugerida pelo Ministério da Educação (MEC). Tal tendência justifica o foco no<br />

<strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> nesta investigação.<br />

Como este cenário é muito recente, há necessidade de uma produção bibliográfica especializada,<br />

pertinente e de caráter científico, que ofereça suporte ao desenvolvimento tecnológico do setor e à<br />

formação de docentes e discentes. Portinari et al. (2002, p.7) consideram que houve uma ampliação<br />

da produção acadêmica, porém, embora alguns estudos sejam significativos, “não existe uma<br />

tradição [de pesquisa] nessa área do conhecimento”. Para Magnus, Hamester e Gomes (2006, p.1),<br />

a crescente busca de subsídios para o efetivo aprimoramento profissional e, consequentemente,<br />

da Academia, tornam “essencial a ampliação de estudos na área”. Neste sentido, Carneiro et al.<br />

(2010, p.306) comentam que “ainda há muito espaço para aperfeiçoamentos no desenvolvimento<br />

de estudos de caráter científico na área do design de moda, o que pode ser considerado inerente<br />

a uma área [...] que ainda traça os caminhos para sua consolidação”. Pires (2010b, p.38) concorda<br />

com essa tendência ao afirmar que “embora a pesquisa seja vital na prática do design [...], é<br />

ainda muito incipiente o número de publicações em design de moda no Brasil”.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Com base nessas observações, este trabalho tem como objetivo investigar a produtividade<br />

científica do <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, por meio da análise dos Anais de congressos de <strong>Design</strong> ocorridos no<br />

país entre os anos 2002 e 2010. Para tanto, utilizou-se uma metodologia adaptada da bibliometria,<br />

já realizada em outros estudos de <strong>Design</strong> (ANDRADE NETO et al, 2011; ANDRADE NETO et al. 2010;<br />

CARNEIRO et al., 2010; CAMPOS et al., 2010).<br />

Os resultados permitiram traçar um panorama geral das investigações da <strong>Moda</strong> em sua relação<br />

com o <strong>Design</strong>, entretanto, o estudo aqui apresentado não teve a pretensão de avaliar as pesquisas<br />

encontradas, mas divulgar os diferentes indicadores dessa produção científica no Brasil.<br />

O design de moda e a pesquisa acadêmica<br />

O campo educacional da <strong>Moda</strong> no Brasil encontra-se em processo de formação, pesquisas e projetos<br />

nesta área do conhecimento estão crescendo e se consolidando a cada ano. Caracterizados<br />

por serem de interesse acadêmico recente, os estudos de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, no país, vêm sendo<br />

desenvolvidos há pouco tempo, se comparados aos produzidos em outros países (FERRON, 1996;<br />

PIRES 2002a; 2002b; PORTINARI et al., 2002; PIRES, 2010a; 2010b; SOUZA, NEIRA, BASTIAN, 2010).<br />

O primeiro estudo sobre <strong>Moda</strong> desenvolvido no Brasil data de 1926 e foi uma tese de doutorado<br />

denominada Da mulher – proporções, beleza, deformação, hygiene e moda, hygiene e sport,<br />

produzida por Virgilio Mauricio da Rocha, na Escola de Medicina da <strong>Universidade</strong> Federal do Rio de<br />

Janeiro – UFRJ (BONADIO, 2010). Apesar do pioneirismo de Virgilio, o trabalho que se distinguiu<br />

como marco na pesquisa da <strong>Moda</strong> no Brasil foi um estudo realizado por Gilda de Mello e Souza, na<br />

década de 1950 (PIRES, 2002a; 2002b). A autora enfrentou críticas e barreiras ao tratar da <strong>Moda</strong><br />

no meio acadêmico, num estudo que articulava <strong>Moda</strong> e <strong>Arte</strong> e descrevia o vestuário do século XIX.<br />

Após essas duas produções pioneiras, inúmeras transformações ocorreram tanto no campo da<br />

produção acadêmica da <strong>Moda</strong>, como no ensino dessa área do conhecimento. Por longos anos, no<br />

Brasil, os saberes do universo da <strong>Moda</strong> foram, tradicionalmente, ensinados de forma empírica.<br />

Existiam alguns cursos de qualificação profissional para costureiras e alfaiates, mas o estudo<br />

dos processos da <strong>Moda</strong> só era possível em centros de ensino fora do Brasil, como na Europa. A<br />

expansão e o amadurecimento desse setor da economia, no país, porém, trouxeram consigo a<br />

necessidade de um profissional capacitado. Conforme Pires (2002a, p.9), um “valor assegurado no<br />

mercado veio conferir à moda, como produto, um amplo campo de trabalho, exigindo produção<br />

de qualidade, somente obtida com o ensino ofertado pelas <strong>Universidade</strong>s”. Assim, na década de<br />

1980, surgem os primeiros cursos profissionalizantes no eixo Rio/ São Paulo e em Minas Gerais.<br />

De acordo com Portinari et al. (2002), em 1984, foi iniciado um curso de extensão de Estilismo e<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Modelagem do Vestuário, na Escola de Belas <strong>Arte</strong>s da <strong>Universidade</strong> Federal de Minas Gerais, em<br />

nível técnico, que acabou por se tornar um dos mais importantes centros nacionais de criação,<br />

produção e difusão de moda. Somente em 1988, foi criado o primeiro curso superior brasileiro<br />

na área da moda, na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. Segundo Pires (2002b, p.38), a<br />

“Academia [no Brasil] iniciou o ensino da criação de moda primeiro como disciplina, depois como<br />

curso de extensão e, por fim, como graduação. Atualmente, tem investido esforços para formar o<br />

docente, promovendo cursos de pós-graduação”.<br />

Atualmente, este segmento encontra-se em crescimento, pois existem 126 cursos superiores, na<br />

área de moda, em funcionamento no país e, certamente, a produção acadêmica foi impulsionada<br />

pelo surgimento e popularização destes cursos e das pós-graduações stricto sensu (BONADIO,<br />

2010).<br />

A crescente gama de cursos oferecidos e o aumento da produção de teses e dissertações nessa<br />

área, no país, ampliaram, consideravelmente, a pesquisa acadêmica de <strong>Moda</strong>. De acordo com<br />

Bonadio (2010), até 1997, a produção na área não ultrapassava a 10 títulos por ano, número<br />

excedido a partir de 1998, quando 16 trabalhos foram produzidos. A partir de 2004, a produção<br />

ultrapassa a marca dos 30 trabalhos por ano e segue crescendo nos anos posteriores, atingindo um<br />

pico em 2009, com 72 estudos.<br />

Apesar do visível crescimento do número de estudos sobre a <strong>Moda</strong> no Brasil, ainda falta uma<br />

atuação mais dinâmica e agressiva por parte dos designers de moda, no sentido de desenvolver<br />

projetos e estudos. De acordo com Pires (2002a; 2002b), ainda há grandes possibilidades e desafios<br />

para a efetivação de uma nova cultura de projetos e estudos para a pele construída do ser humano,<br />

a roupa.<br />

Os temas pesquisados e as tendências e carências do setor são temas que também devem ser<br />

objeto de estudo, no intuito de se orientar e planejar futuras investigações.<br />

Investigações bibliométricas<br />

Acompanhar a expansão da ciência e da tecnologia torna-se um desafio cada vez maior. O grande<br />

número de informações disponíveis precisa ser organizado para que se possa avaliar os avanços<br />

e as necessidades das diversas áreas do conhecimento. O estudo de um determinado ramo do<br />

conhecimento permite que se conheça as taxas de produção de trabalhos científicos e, assim, se<br />

apresente à sociedade como esse saber vem se desenvolvendo e como utilizar seus resultados para<br />

elaborar previsões e apoiar tomadas de decisões.<br />

Existem diversas formas de medição voltadas para avaliar a ciência e os fluxos de informação, dentre<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

elas, a bibliometria. A bibliometria é uma técnica quantitativa e estatística de medição dos índices<br />

de produção e disseminação do conhecimento científico. Pode-se defini-la como: um instrumento<br />

quantitativo, que permite minimizar a subjetividade inerente à indexação e recuperação das<br />

informações, produzindo conhecimento em determinada área ou assunto (GUEDES & BORSHIVER,<br />

2005). A bibliometria desenvolve padrões e modelos matemáticos para medir processos, por meio<br />

de um conjunto de leis e princípios que contribuem para estabelecer os fundamentos teóricos da<br />

contagem de documentos.<br />

As principais leis da bibliometria são: Lei de Lotka, Lei de Bradford e Lei de Zipf, que são utilizadas<br />

de acordo com o tipo de informação que se pretende obter.<br />

A Lei de Bradford está relacionada à propagação da pesquisa, pois possibilita uma estimativa<br />

da grandeza de determinada área bibliográfica e se configura como uma ferramenta estatística<br />

que permite mapear e gerar diferentes indicadores de tratamento e gestão da informação (VOO,<br />

1974).<br />

O presente estudo utilizou um método adaptado dessa lei para tratar o tema das pesquisas em<br />

<strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. Neste contexto, buscou-se analisar o comportamento dos pesquisadores e suas<br />

decisões para a construção do conhecimento na área de <strong>Moda</strong>, com base na produção apresentada<br />

em dois grandes congressos de <strong>Design</strong> no Brasil.<br />

P&D <strong>Design</strong>, Congresso Brasileiro de Pesquisa em <strong>Design</strong> e CIPED, Congresso Internacional de<br />

Pesquisa em <strong>Design</strong><br />

Dentre os diversos eventos científicos relacionados ao <strong>Design</strong>, no país, o Congresso Brasileiro de<br />

Pesquisa e Desenvolvimento em <strong>Design</strong> (P&D <strong>Design</strong>) e o Congresso Internacional de Pesquisa em<br />

<strong>Design</strong> (CIPED) figuram como os principais. São importantes congressos devido às amplas temáticas<br />

apresentadas e à grande divulgação do evento no meio acadêmico do <strong>Design</strong>.<br />

O P&D <strong>Design</strong>, de periodicidade bianual e caráter interdisciplinar, promovido pela Associação de<br />

Ensino de <strong>Design</strong> do Brasil (AenD-BR), é realizado desde 1994, ano em que ocorreu na cidade de<br />

São Paulo. Suas edições posteriores aconteceram em outras cidades do Brasil: Belo Horizonte/<br />

MG (1996); Rio de Janeiro/RJ (1998); Novo Hamburgo/RS (2000); Brasília/DF (2002); São Paulo/SP<br />

(2004); Curitiba/PR (2006) e São Paulo/SP (2008 e 2010).<br />

O CIPED, que é realizado no Brasil desde 2002, é promovido pela Associação Nacional de Pesquisa<br />

em <strong>Design</strong> (ANPED). A primeira edição ocorreu de forma concomitante ao 5º P&D <strong>Design</strong>, em<br />

Brasília. O Rio de Janeiro sediou as três edições posteriores do evento, em 2003, 2005 e 2007. O 5º<br />

CIPED ocorreu em Bauru/SP, no ano de 2009, e sua última edição aconteceu em Lisboa, em 2011.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Como já citado, ambos os eventos apresentam um ampla temática relativa à área de <strong>Design</strong><br />

e suas habilitações. No Quadro 01, apresenta-se um levantamento do total de categorias ou<br />

temas de cada edição dos eventos. Foi identificado, também, o número de categorias relativas,<br />

especificamente, ao <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> em cada edição (<strong>Design</strong> Têxtil; <strong>Design</strong> Têxtil e Vestuário;<br />

<strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>; <strong>Design</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong> Têxtil).<br />

Total de categorias nas edições do P&D <strong>Design</strong><br />

Ano 2002 2004 2006 2008 2010<br />

Total de Categorias 23 19 26 06 06<br />

Categorias de <strong>Moda</strong> 01 01 02 - -<br />

Total de categorias nas edições do CIPED<br />

Ano 2002 2003 2005 2007 2009<br />

Total de Categorias 23 20 21 21 18<br />

Categorias de <strong>Moda</strong> 01 01 01 01 01<br />

Quadro 01: Número de categorias nas edições dos eventos.<br />

Fonte: Dos autores<br />

Cabe esclarecer que foram encontradas publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> nas diversas categorias<br />

dos eventos, independente do número de áreas temáticas específicas. Nas duas últimas edições<br />

do P&D <strong>Design</strong>, o temário foi reorganizado em categorias mais abrangentes (Teoria e Crítica do<br />

<strong>Design</strong>; História do <strong>Design</strong>; Metodologias do <strong>Design</strong>; Pedagogia do <strong>Design</strong>; Projetos em <strong>Design</strong>; e<br />

<strong>Design</strong> e <strong>Tecnologia</strong>), que incluem todas as habilitações do <strong>Design</strong>.<br />

A análise dos Anais desses congressos permitiu que se tivesse um panorama da produção e da<br />

pesquisa em relação ao <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. No entanto, no caso de P&D <strong>Design</strong> foram utilizados os<br />

Anais dos eventos ocorridos somente a partir de 2002, ano em que as publicações começaram a<br />

ser disponibilizadas em meio digital.<br />

Materiais e métodos<br />

Objeto de Estudo<br />

Foram analisadas as publicações das edições de 2002 a 2008, do P&D <strong>Design</strong>, e de 2002 a 2009, do<br />

CIPED, considerando-se a edição de 2002 dos dois eventos ocorreu de maneira conjunta.<br />

Critérios Avaliados<br />

Buscou-se verificar, em cada edição, o número total de trabalhos de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, em todas<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

as divisões temáticas propostas nos eventos. Não foram considerados os trabalhos que tratavam,<br />

exclusivamente, de materiais ou tecnologias têxteis. Dentre os artigos encontrados, foram<br />

observados os seguintes dados referentes à autoria: a instituição, a cidade, a titulação do primeiro<br />

autor e a temática na qual o trabalho estava inserido, no evento. Na ausência de dados, tais como<br />

Instituição ou área, foi classificado como “não-identificado”.<br />

Procedimentos<br />

Para a coleta dos dados nos Anais, recorreu-se à leitura dos trabalhos, respeitando-se a seqüência<br />

(título, resumo, palavras-chave, corpo do texto), para selecionar apenas as pesquisas relacionadas<br />

ao <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. Todos os trabalhos disponíveis nos anais foram incluídos no estudo, até mesmo<br />

os inseridos nas categorias Resumo, Iniciação Científica e Pôster, em alguns Anais, procedimento<br />

este padronizado para todas as coletas. A organização e análise os dados e os resultados obtidos<br />

foram dispostos em uma planilha. A análise baseou-se em estatística descritiva, com o agrupamento<br />

dos dados segundo critérios definidos anteriormente.<br />

Resultados<br />

Foram encontrados 2.221 trabalhos publicados nas edições do P&D <strong>Design</strong> (a partir de 2002) e 896<br />

do CIPED (a partir de 2003). Do total de publicações dos eventos, 102 artigos (4,59%) abordam o<br />

tema <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, no P&D <strong>Design</strong>, e 61 artigos (6,8%), no CIPED.<br />

Ao longo das edições dos eventos, foi possível acompanhar o crescimento do número de publicações,<br />

reflexo da recente consolidação da pesquisa na área (Quadro 02):<br />

Edições do P&D <strong>Design</strong> Total<br />

Ano 2002 2004 2006 2008 2010 05 Edições<br />

Número de Publicações 08¹ 14 22 19 39 102 artigos<br />

Edições do CIPED Total<br />

Ano 2002 2003 2005 2007 2009 05 Edições<br />

Número de Publicações - 05 20 15 21 61 artigos<br />

Quadro 02: Número de publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> por ano dos eventos avaliados.<br />

Fonte: Dos autores<br />

Os resultados do estudo sobre os aspectos éticos na pesquisa de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, realizado por<br />

Carneiro et al. (2010), também indicaram um considerável crescimento da participação do <strong>Design</strong><br />

de <strong>Moda</strong> ao longo das edições dos dois eventos.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Detalhamento das publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> do P&D <strong>Design</strong> e CIPED (2002)<br />

Na edição do ano de 2002, quando o P&D <strong>Design</strong> e o CIPED ocorreram concomitantemente, foram<br />

publicados 08 trabalhos de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, distribuídos em duas áreas temáticas: 02 publicações<br />

em Ensino e Pesquisa e 06 publicações em <strong>Design</strong> Têxtil. Os outros dados levantados podem ser<br />

visualizados nas Figuras 01, 02 e 03, a seguir.<br />

A análise dos dados comprovou a grande abrangência do evento e evidenciou o caráter interdisciplinar<br />

dos trabalhos e, por conseqüência, do <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. Os autores, além do <strong>Design</strong>, tinham<br />

formação em áreas como Arquitetura, Ciências Domésticas, Engenharia de Produção, História e<br />

Psicologia.<br />

Figura 01: Dados sobre a formação dos autores do P&D <strong>Design</strong> e CIPED 2002.<br />

Fonte: Dos autores<br />

Esses resultados sobre a formação refletem a própria história da implantação do ensino de <strong>Moda</strong><br />

no Brasil, que, como já citado, teve a participação de profissionais de diversas áreas, até o<br />

estabelecimento de programas de graduação e pós-graduação específicos do <strong>Design</strong>.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Todas as instituições apresentaram um número próximo de artigos publicados sobre o tema.<br />

Figura 02: Dados sobre as instituições dos autores do P&D <strong>Design</strong> e CIPED 2002.<br />

Fonte: Dos autores<br />

Atualmente, a PUC/Rio, a UDESC, a UEL e a UFC oferecem curso de graduação de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>,<br />

conforme dados² fornecidos pelos sites dessas instituições.<br />

O número de estados com publicações também é de 05 (RJ; PE; SC; PR; CE).<br />

Figura 03: Dados sobre as cidades do P&D <strong>Design</strong> e CIPED 2002.<br />

Fonte: Dos autores<br />

Esses dados parciais dos eventos revelam que, em 2002, já havia uma distribuição da pesquisa<br />

em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> em diferentes regiões do país. Entretanto, em um panorama mais próximo<br />

da realidade da pesquisa em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, na sequência, são apresentados os resultados das<br />

edições posteriores dos congressos investigados.<br />

Detalhamento das publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> das edições seguintes do P&D <strong>Design</strong><br />

No P&D <strong>Design</strong>, entre os anos de 2004 e 2010, foram encontradas 94 publicações sobre moda, em<br />

13 distintas áreas temáticas, como pode ser observado na Figura 04.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

As publicações concentraram-se em “Projetos em <strong>Design</strong>”, com 24 trabalhos; seguidas por “<strong>Design</strong><br />

de <strong>Moda</strong>”, com 19 publicações.<br />

Figura 04: Dados sobre os Temas do P&D <strong>Design</strong> (2004 a 2010).<br />

Fonte: Dos autores<br />

É interessante destacar que a temática “Projetos de <strong>Design</strong>” foi adotada nas duas últimas edições<br />

do P&D <strong>Design</strong> (2008 e 2010), e que “<strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>” foi uma categoria estabelecida apenas no<br />

evento de 2006.<br />

Em relação à área da titulação do autor (formação), predomina o <strong>Design</strong>, com 24 publicações,<br />

seguida por 10 trabalhos com o primeiro autor formado em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. Quanto às instituições<br />

dos autores, como exposto anteriormente, na Figura 06, foram encontradas 15 diferentes<br />

instituições com apenas uma publicação sobre <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, as quais foram agrupadas na<br />

categoria “Outras”, no gráfico. Apenas uma, entre todas as universidades destacadas, possui<br />

mais de um artigo por edição do evento, o que confirma as indicações dos autores consultados<br />

sobre a área, quando afirmam há muito espaço para o crescimento da pesquisa acadêmica. Esses<br />

resultados estão representados na Figura 05, a seguir.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Na grande maioria (44 trabalhos) das publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> encontradas não havia a<br />

identificação da formação do autor.<br />

A UEL apresentou o maior número de publicações sobre o tema (17 trabalhos). Também foram<br />

encontradas 05 publicações internacionais: 04 da <strong>Universidade</strong> do Minho (Portugal) e 01 da<br />

Manchester Metropolitan University (Reino Unido).<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Figura 05: Dados sobre a formação e as Instituições do P&D <strong>Design</strong> (2004 a 2010).<br />

Fonte: Dos autores<br />

Em relação às cidades, no quesito local das instituições, Londrina (PR) teve a maior representação,<br />

com 17 artigos. As publicações da cidade de São Paulo também somaram 17, entretanto, são de<br />

diferentes instituições (Figura 06).<br />

Assim como no caso das Instituições, as cidades que apresentaram apenas uma publicação foram<br />

agrupadas em “Outras”. E foram 03 as publicações cuja cidade do primeiro autor não estava<br />

identificada.<br />

Figura 06: Dados sobre as Instituições do P&D <strong>Design</strong> (2004 a 2010).<br />

Fonte: Dos autores<br />

Apesar da reduzida pesquisa, esta se mostrou bem distribuída entre as instituições e também<br />

pelos estados do país, fato que pode auxiliar no conhecimento das produções regionais e<br />

fortalecer a identidade, além de aproximar <strong>Moda</strong> e <strong>Design</strong>. Neste sentido, Moraes (2006, p.<br />

261) assinala que “após décadas de aprendizagem, o design no Brasil começa a não se submeter<br />

mais às fórmulas pré-estabelecidas, [...] assimilando os variados aspectos de sua diversidade<br />

multicultural, assemelhando-se à própria cara do país, assumindo sua identidade plural”, uma<br />

tendência inerente a todas as habilitações do <strong>Design</strong>.<br />

Detalhamento das publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> das edições seguintes do CIPED<br />

No CIPED, 61 trabalhos foram encontrados. Conforme a Figura 07, o tema de maior recorrência foi<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

“<strong>Design</strong> Têxtil e de Vestuário”, com 30 publicações. Esse resultado era esperado já que duas das<br />

temáticas mais abordadas tratam de conhecimentos próprios de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>.<br />

As publicações concentraram-se em <strong>Design</strong> Têxtil e de Vestuário (30) e <strong>Design</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong><br />

Têxtil (19).<br />

Figura 07: Dados sobre os Temas do CIPED (2003 a 2009).<br />

Fonte: Dos autores<br />

Cabe observar que a temática “<strong>Design</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong> Têxtil” foi adotada na última edição do<br />

CIPED (2009), reunindo 86,4% das publicações de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> encontradas.<br />

Em relação à área de titulação do autor, naturalmente, predominam <strong>Design</strong> e <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> nos<br />

resultados. No grupo identificado como Outras, onde a formação aparece apenas uma vez, foram<br />

encontradas formações as mais variadas (<strong>Arte</strong>s Visuais, Educação, Engenharia, História Social,<br />

Linguística, Psicologia, entre outras), novamente um reflexo da recente criação de programas<br />

de graduação e pós-graduação específicos. Foram encontradas 25 instituições distintas com<br />

publicações sobre <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>. Destas, 13 tiveram mais de um trabalho publicado nas edições<br />

do CIPED. Os detalhamentos desses resultados estão descritos na Figura 08.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Foram encontradas 20 publicações cujo primeiro autor tinha formação em <strong>Design</strong> e 10 em <strong>Design</strong><br />

de <strong>Moda</strong>. Entre as de formação Não identificada foram 09 os trabalhos destacados.<br />

A UDESC, com 09 publicações, oferece graduação em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, porém, universidades como<br />

UFPE (06 trabalhos) e UNESP (05 trabalhos) oferecem curso superior somente em <strong>Design</strong>.<br />

Figura 08: Dados sobre a Formação de autores e Instituições do CIPED (2003 a 2009).<br />

Fonte: Dos autores<br />

Sobre as cidades, o resultado demonstrou que a distribuição das pesquisas, aqui focalizadas,<br />

estendeu-se para além do eixo Sudeste-Sul, com destaque para a produção das cidades do<br />

Nordeste, como Recife e Fortaleza. As publicações analisadas são oriundas de um total de 15<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

cidades, sendo o estado de São Paulo o que tem o maior número de publicações (14 trabalhos),<br />

seguido do estado de Santa Catarina (11 trabalhos) e do estado do Paraná (09 trabalhos). Esses<br />

dados reforçam a discussão levantada nos resultados anteriores sobre o P&D <strong>Design</strong> e somam-se<br />

aos argumentos apresentados.<br />

O maior número de publicações é de Florianópolis, com 11, seguido por São Paulo, com 08. Apenas<br />

05 cidades apresentaram uma única publicação nas edições do evento, as quais foram agrupadas<br />

na categoria Outras.<br />

Figura 09: Dados sobre as cidades dos autores do CIPED (2003 a 2009).<br />

Fonte: Dos autores<br />

De um modo geral, os resultados obtidos, a partir dos dados levantados sobre o P&D <strong>Design</strong> e o<br />

CIPED, aproximam-se, o que reforça as questões sobre a demanda por mais investigações no setor.<br />

Entretanto, é preciso destacar que o número de pesquisas está crescendo e se consolidando.<br />

Uma das vitrinas desse crescimento é o Colóquio de <strong>Moda</strong>, o maior congresso científico de moda<br />

do país, um evento anual que acontece desde 2005 e “reúne pesquisadores de diversos locais e<br />

especialidades, caracterizando-se por sua diversidade” (CARNEIRO et al., 2010, p.299).<br />

Por se tratar de um evento específico, no qual, evidentemente, todas as publicações tratam de<br />

<strong>Moda</strong>, julgou-se que este evento merece outro tratamento, mais aprofundado, pois diverge do<br />

objetivo determinado para a presente investigação.<br />

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Considerações finais<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

Às vésperas de completar dez anos da regulamentação do MEC, o ensino do <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, no<br />

Brasil tem se voltado, recentemente, para as pesquisas acadêmicas. Se somadas às atenções para<br />

a formação e capacitação de profissionais que atuam na indústria, estas discussões e reflexões são<br />

cada vez mais numerosas.<br />

A produção acadêmica do <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, no país, reflete a sua recente consolidação como área<br />

de pesquisa e ensino no Brasil. Os resultados obtidos nesta investigação reforçam a evidente<br />

tendência de crescimento do número de publicações de <strong>Moda</strong> em eventos de <strong>Design</strong>. Foram<br />

analisados 3.117 artigos no total e, deste universo, 163 trabalhos eram de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, o que<br />

corresponde a 5,23% das publicações nos Anais do P&D <strong>Design</strong> e do CIPED, no período avaliado.<br />

Entre as temáticas dos eventos, a categoria <strong>Design</strong> Têxtil e Vestuário, do P&D <strong>Design</strong>, foi a que<br />

apresentou o maior número de estudos na área. Todavia, a diversidade de assuntos abordados é<br />

representada pelos 20 diferentes temas apresentados nos eventos, dos quais ao menos um era<br />

relacionado ao <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, um reflexo da multidisciplinaridade aliada ao <strong>Design</strong>.<br />

Na análise sobre a formação dos primeiros autores, como esperado, <strong>Design</strong> e <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong><br />

era a formação do maior número de autores de artigos publicados, o que pode evidenciar a<br />

consolidação de um escopo teórico nacional de moda, resultante dos esforços dos pesquisadores<br />

citados no referencial teórico, para a implantação da graduação e formação de docentes para a<br />

Área de <strong>Moda</strong>.<br />

As instituições com maior número de artigos foram respectivamente: UEL, UESDC e UFPE. Como<br />

observado nos dados do CIPED, na UFPE, o curso de graduação em <strong>Design</strong> não oferece a habilitação<br />

específica em <strong>Moda</strong>. Este fato que testemunha a aproximação entre as áreas, <strong>Design</strong> e <strong>Moda</strong>,<br />

também na pesquisa acadêmica.<br />

Entre as cidades com maiores resultados quanto ao número de produções, estão São Paulo, que<br />

apresentou publicações de várias instituições, e Londrina, cuja produção teve origem na UEL.<br />

Entretanto, como destacado na análise dos resultados dos dois eventos, os dados sobre os locais<br />

foram bem distribuídos, pois se percebeu que há uma descentralização da pesquisa de <strong>Moda</strong> no<br />

país.<br />

Por se tratar de um estudo exploratório, seus resultados podem ter diferentes interpretações,<br />

entretanto, o objetivo desta investigação foi obter um retrato inicial, não conclusivo, sobre a<br />

situação da produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil.<br />

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Notas<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

A produção científica de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> no Brasil: um estudo bibliométrico<br />

[1] Total de artigos publicados na edição de 2002 dos dois eventos, os quais ocorreram de maneira<br />

conjunta.<br />

[2] ; ;<br />

, Acesso em: 20 set. 2011.<br />

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17


<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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18


Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

Ana Mae Barbosa Professor Titular USP; <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong><br />

anamae@uol.com.br<br />

Resumo<br />

Depois de afirmar um pensamento em direção à valorização dos diálogos internacionais<br />

e rejeição pela globalização canibalesca que disfarça o colonialismo<br />

contemporâneo, passa este artigo a tecer considerações históricas com base em<br />

pesquisas em revistas e jornais que circulavam entre 1922 a 1949.<br />

Primeiramente se fará uma defesa da necessidade de história para consolidar<br />

qualquer área de estudos humanísticos e finalmente será estudado o arte/educador<br />

chileno Gerardo Seguel, que viveu no Brasil em I930. Amigo de Neruda e<br />

de Cecília Meireles foi também poeta e mais celebrado na Literatura que na Educação.<br />

Apresentaremos parte de um de seus artigos escritos no Diário de Notícias<br />

de 10/07/1930.<br />

Palavras-chave:<br />

História, ensino de arte, Gerardo Seguel.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

Passamos no Brasil o século XX todo tentando nos aproximar e ao mesmo tempo nos afastar dos<br />

outros países Latino Americanos embora sonhando com a Europa, especialmente com Portugal e<br />

com Espanha, nos últimos anos, por serem mais accessíveis do ponto de vista lingüístico e no caso<br />

da Espanha pela política de aproximação e dominação do mercado brasileiro em diversas áreas<br />

como bancária, comunicações, editoração, educação e cultura.<br />

Foi impossível vencer a dificuldade de cortarmos o cordão umbilical com a Europa e hoje acredito<br />

que não seja desejável, sendo a atitude correta o redirecionamento para um equilíbrio intercultural<br />

de forças. Tentamos antropofagiar [1] a Europa e em muitos casos só conseguimos copiá-la<br />

e macaqueá-la. Resta-nos hoje termos consciência das relações históricas que estabelecemos de<br />

submissão, diálogo, ruptura e privilegiar as inter-relações culturais.<br />

Chega de aceitarmos deslumbrados os modelos que países ditos desenvolvidos nos impingem sob<br />

o disfarce da globalização, mas que na realidade representa uma ação de canibalização de nossa<br />

cultura e do nossos modos de vida para facilmente dominarem economicamente.<br />

Estamos convencidos de que neste momento em que somos alvo da gula de países que não souberam<br />

se comportar e controlar sua economia, só a história pode nos salvar. Acreditamos que a<br />

história é regeneradora, reveladora e válvula propulsora em direção ao futuro. Aloísio Magalhães,<br />

designer culturalista que no Brasil rompeu com a hegemonia da Escola de Ulm que importamos,<br />

usava uma metáfora interessante para defender a necessidade de história. Dizia que quanto mais<br />

puxarmos a borracha do estilingue para trás mais longe lançaremos a pedra para frente.<br />

Concordando integralmente com Alfredo Bosi (2010) quando realiza afirmações sobre o ensino da<br />

Literatura e que, são aplicáveis também ao Ensino das <strong>Arte</strong>s e das Culturas Visuais. Dizia ele<br />

Agora, de minha parte, eu continuo achando que, na história o antes<br />

vem antes do depois”. (...) Existe certa experiência cumulativa pelo<br />

tempo. E, se você não conhece esse fluxo que vem do passado, fica<br />

parecendo que cada geração, digamos, inventou a roda. Você não sabe<br />

por que certos temas voltam, e voltam de maneira diferente. Você fica<br />

sem apoios de comparação quando seu estudo é todo assim fragmentado.<br />

(BOSI, 2010, p.14)<br />

Mirzoeff (apud Dussel, 2010) [2] a quem achava eurocêntrico se redimiu numa entrevista a Inês<br />

Dussel dizendo,<br />

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Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

Y el otro punto es que creo que hay que enseñarles historia a los estu-<br />

diantes. Los jóvenes hoy tienen una relación con la historia distinta de<br />

la que nosotros teníamos, y tiene que ver, al menos en parte, con una<br />

comprensión diferente del lugar del futuro, aunque también se predica<br />

algo distinto sobre el pasado... Hay que argumentar por qué es importante<br />

historizar, porque ya no es más evidente por sí solo. La cultura<br />

actual suele decir que, si está en el pasado, ya no importa. Tenemos<br />

que argumentar mejor que el pasado no es sólo pasado sino que sigue<br />

activo en el presente. El tema con la historia es que “no pasó”, sino que<br />

sigue aquí (MIRZOEFF, apud DUSSEL, 2010).<br />

Uma área de estudos sem História é facilmente dominada e manipulada. Revistas e jornais são<br />

fontes ambíguas de informações históricas diferentemente dos livros que buscam argumentar com<br />

improváveis certezas. A diversidade de posições políticas, criticas, ideológicas dos artigos de uma<br />

revista provoca choque de idéias, ambigüidades, incertezas.<br />

Aconteceu durante as décadas de 20 a 40, a modernização do Ensino da <strong>Arte</strong> no Brasil pós –antropofágico.<br />

Tínhamos consciência de nossa condição de colonizados e nos propúnhamos a superála<br />

através da assimilação e transformação isto é aprender com a Europa e transformar o que<br />

aprendêssemos para privilegiar nossa própria cultura que sabíamos ser bem diferente da cultura<br />

de nossos colonizadores. A dominação cultural do colonizador os empodera, submetermo-nos a<br />

cultura do colonizador nos desempodera. Como diz Humberto Maturana,<br />

A democracia é um projeto de convivência que se configura momento<br />

a momento, porém para viver isso, tem-se que dar lugar à sinceridade.<br />

Não é um âmbito de luta. Não se ascende democraticamente ao poder.<br />

Não existe poder. E enquanto pensamos que tudo o que está em jogo é<br />

uma luta pelo poder somente o que vamos criar são dinâmicas tirânicas,<br />

vamos passar de uma pequena tirania a uma outra pequena tirania [3].<br />

Nas nossas pesquisas de jornal e revistas chegamos à conclusão que o período mais rico em discussões<br />

sobre cultura e educação no Brasil foi o que transcorreu entre os anos de 1927 a 1936. Na<br />

metade da década de 30 se instalou no Brasil uma ditadura ferozmente anticomunista e segundo<br />

alguns, pró-nazismo sob o comando de Getúlio Vargas. Perseguiram educadores e instalaram a<br />

censura em todos os meios de comunicação.<br />

Foi no período de efervescência democrática (1927 a 1936) que os esforços para estabelecer<br />

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Internacionalismo Versus Globalização Canibalesca<br />

relações com a América Latina se agudizaram. As novas escolas construídas no Rio de Janeiro,<br />

capital do Brasil na época, tinham nomes de países Latino Americanos e os presidentes dos países<br />

homenageados vinham ao Brasil inaugurar os edifícios, fazer discursos e dar entrevistas a jornais<br />

e revistas. A relação com o México foi potencializada pelas visitas de José Vasconcelos ao Brasil<br />

quando era Reitor da universidade e o equivalente a ministro de cultura.<br />

A escritora Cecília Meireles tinha uma página de Educação no Diário de Notícias onde freqüentemente<br />

escreviam escritores latino americanos, como Gerardo Seguel, que em 1930 escreveu<br />

na página comandada por Cecília Meireles. Este, como a própria Cecília Meireles, foi um ativista<br />

da integração ibero-americana. A decisão em escrever sobre ele para esta publicação deve-se a<br />

sua circulação por onde hoje circulamos com esperanças semelhantes, desejos de integração e<br />

espírito internacionalista democrático. Através dos projetos da Organização dos Estados Ibero<br />

Americanos e de iniciativas de professores que criaram a Rede Ibero Americana estamos respeitando<br />

melhor nossas diferenças e apreciando mais nossas similaridades.<br />

Gerardo Seguel era Professor de Desenho na Escola Normal “José Abelardo Nuñez” do Chile, poeta<br />

e intelectual importante em seu país. Publicou o livro Fisonomia del Mundo Infantil [4]. Trata-se<br />

de um estudo sobre o desenho infantil. No Brasil nos anos 20 temos estudos semelhantes feitos<br />

por Nereu Sampaio [5], Sylvio Rabello [6] e Edgar Sussekind de Mendonça. Segundo L. H. Errázuriz<br />

foi o primeiro livro dedicado de forma específica ao tema no Chile. Diz ainda este mesmo autor<br />

sobre o livro de Seguel:<br />

Este pequeno livro, que foi publicado em Santiago no ano de 1929 pela<br />

Imprenta El Esfuerzo, contem, entre outros temas, referências especificas<br />

às etapas da arte infantil, suas vinculações com a arte primitiva,<br />

uma breve resenha sobre o valor educativo do cine e a reprodução de<br />

desenhos em preto e branco. Cabe destacar que na bibliografia desta<br />

obra se citam autores tais como Freud, Dewey e Ferrière. Neste sentido<br />

há que se ter presente que o interesse pela atividade artística criadora<br />

das crianças esteve fortemente influenciado pelas idéias pedagógicas<br />

da nova educação, a qual, pela sua concepção ativa de escola, privilegiou<br />

a espontaneidade e participação da criança nos processos educativos.<br />

Em consequência, as teorias de Rousseau, Ferrière, Dewey, para<br />

nomear apenas alguns, serão chaves para compreender a origem deste<br />

movimento.<br />

É curioso que a revolução educacional dos anos 20/30 ficou conhecida entre nós no Brasil por Es-<br />

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cola Nova enquanto Seguel e muitos hispano americanos a chamavam de Nova Escola.<br />

Não é estranho Seguel ter colaborado no Brasil com o Diário de Notícias na página de Educação<br />

dirigida por Cecília Meireles. Ambos tinham um perfil intelectual semelhante: os dois eram poetas,<br />

críticos de literatura, professores e apaixonados pela modernização da educação especialmente<br />

pelo cinema na escola. Além disto, não apenas defendiam a integração Latino Americana, mas<br />

também tinham ação e transito cultural entre a América Latina, Portugal e Espanha publicando<br />

em revistas e jornais ibero-americanos. Ainda mais, Seguel, como Cecília era um entusiasta da<br />

Reforma Fernando de Azevedo [7] no Distrito Federal (Rio de Janeiro) e escreveu um belo artigo<br />

elogiando-a na revista Seara Nova de Portugal em 1930 intitulado Significado social da revolução<br />

brasileira.<br />

Foi seu primeiro artigo naquela revista, em 1931 escreveu mais três artigos na Seara Nova: Simon<br />

Bolívar, La accion del magisterio en la América Latina e Um congresso pedagógico em Espanha.<br />

Esta revista portuguesa era tão importante que apesar de ser republicana conseguiu sobreviver<br />

durante a ditadura. Seu primeiro editorial depois da revolução de abril foi escrito por Saramago.<br />

Mesmo assim ironicamente a democracia não tem aliviado os problemas que enfrenta para sobreviver<br />

hoje.<br />

Neste período Seguel morava na Espanha. Visitou os mais importantes centros educacionais europeus<br />

da época uma visita sua consta do livro de visitantes do Instituto de Orientação Profissional,<br />

em Portugal, dirigido pelo pedagogo Faria de Vasconcelos, que também escreveu acerca<br />

do Desenho da criança, assunto recorrente entre os pioneiros da época e deu palestras sobre o<br />

tema no Instituto Jean Jacques Rousseau em Genévè, de fama internacional.<br />

O IJJR era tão famoso naquela época quanto a Escola da Ponte de Portugal ou as escolas de Reggio<br />

Emilia o são hoje. Faria de Vasconcelos também trabalhou com grande sucesso na Bolívia tendo se<br />

casado com uma boliviana.<br />

Comprovamos que Seguel esteve no Brasil em 1930, pois consta no texto Notas de viaje a Ouro<br />

Preto de Jules Supervielle publicado na Revista Sur a seguinte frase: Sábado 12 de julio de 1930<br />

“Sin embargo mañana dejaré esta ciudad que conozco tan mal todavía (referia-se ao Rio de Janeiro)...”.<br />

“Rumbo a Ouro Preto con mi amigo Gerardo Seguel, amigo de Neruda y de Díaz Casanueva,<br />

notables poetas chilenos los tres” (SUPERVIELLE, 1931, p.74-75).<br />

Alem disto Seguel entrevistou Claparede na chegada dele ao Rio, ainda no navio no dia 14 de<br />

setembro de 1930. Quando Seguel voltou da Espanha havia se tornado comunista. Não há confir-<br />

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mação de sua participação na Guerra Civil Espanhola. Morreu cedo, em 1950 [8], aos 48 anos e<br />

deixou duas obras sobre poetas chilenos citadas até hoje e livros de poesia. Portanto a Educação<br />

Artística o esqueceu, mas a Literatura guarda sua memória e o comemora.<br />

Encontramos dois artigos dele sem data no livro de recortes de Fernando de Azevedo no Instituto<br />

de Estudos Brasileiros da <strong>Universidade</strong> de São Paulo (IEB/USP). Posteriormente, no Diário de Notícias,<br />

mais um artigo assinado por ele datado de 13 de julho de 1930. Supomos que os três artigos<br />

também tenham sido publicados na década de 30 pois não foi encontrado nenhum outro datado de<br />

outros anos. Curiosamente, encontramos também no IEB/USP uma carta de Cecília Meireles para<br />

Fernando de Azevedo de 20 de julho de 1931 que diz,<br />

Junto com esta carta envio a pedido de meu amigo Prof. Gerardo Seguel<br />

um número da Revista Pedagógica de Madrid em que vem um artigo<br />

sobre sua reforma. Isto servirá para lhe demonstrar mais uma vez que<br />

não houve, apenas, mas continuará a haver um grupo de criaturas dispostas<br />

a defender essa obra que o Sr. quis oferecer ao Brasil.<br />

Acrescentava ainda o endereço de Gerardo Seguel, Españoleto, 12, Madrid, numa delicada sugestão<br />

para Fernando Azevedo responder a ele. Contudo Seguel já era conhecido de Fernando de<br />

Azevedo pelo menos através dos artigos que encontrei nos riquíssimos livros de recortes que Fernando<br />

de Azevedo legou para a posteridade. Transcreveremos a seguir pequenos textos de um dos<br />

artigos de Seguel (1930),<br />

A escola tem sido sem dúvida uma das mais acentuadas preocupação<br />

humanas destes últimos tempos, talvez porque nela vemos refletir-se<br />

toda uma época. Apesar das hesitações naturais que sofre, hoje já podemos<br />

extrair a substância espiritual que a anima, buscar seu denominador<br />

comum. É por isso mesmo que já podemos evitar as confusões<br />

prejudiciais ou as subordinações interessadas.<br />

(...) Sem dúvida de muito longe vem a Nova Educação, elaborando-se a<br />

cada passo que dava, até encher sua medida ideal. Por isso, em todas<br />

as formas da nova educação encontramos algo que nos fala das outras<br />

preocupações da vida atual. Do ponto de vista histórico, a zona onde<br />

começa a ser visível o espírito da educação ativa, é Pestalozzi, nele,<br />

apesar do caráter marcadamente finalista da “Casa de Educação para<br />

os Pobres”, se salva pela abundância fervorosa da alma desse educador;<br />

continua-se com Froebel o mesmo sentido educativo.<br />

(...) Depois deles ninguém manteve os verdadeiros tributos pedagógi-<br />

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assim tão puros, até a época atual, quando uma imensa quantidade de<br />

preocupações afins lhe emprestam sua solidariedade. A atual educação,<br />

mais do que um corpo metodológico, significa um novo conceito da<br />

vida infantil e da vida total, sobretudo representa uma esperança da<br />

humanidade.<br />

Esta atitude é francamente solidária com a Escola Intuitiva de Pestalozzi.<br />

Dessa aspiração e do ambiente de atividade nasce agora com Bovet<br />

o nome de Escola Ativa, com Claparede o de Educação Fundamental:<br />

na Itália com Lombardo Radice, denominando-se Escola Serena, e na<br />

Alemanha, com Kerchensteiner, Escola do Trabalho, e posteriormente,<br />

na Rússia, Escola Produtiva.<br />

No fundo inicial todos estes nomes obedecem ao mesmo princípio de<br />

constante atividade criadora que deve proporcionar a escola e é só em<br />

algumas particularidades que eles se diferenciam, particularidades que<br />

às vezes, não passam de simples nomes diversos mas que, em outras,<br />

obedecem a interesses estranhos à educação que penetraram o campo<br />

desta. Mas já é hora de assinalá-los para manter íntegro o prestígio da<br />

intenção essencial.<br />

Ao novo sentido da atividade, associa-se o conceito já expresso por<br />

Locke: “Nada existe no intelecto que não tenha passado antes pelos<br />

sentidos. E Dewey, nos Estados Unidos dizia: “Não existe nenhum trabalho<br />

manual que não precise de um complexo exercício psíquico”.<br />

Neste setor da escola do trabalho, encontramos agora os pedagogos<br />

russos Bolskij e Pistrak [10]. Eles respeitam o processo educativo no<br />

seu sentido de extensão ou seja em fases sucessivas: mas o saturam de<br />

preocupações industrialistas. Obedecem ao desejo de fazer predominar<br />

na sociedade o tipo de produtor manual. As idéias de Dewey, embora<br />

mais amplas, pertencem na sua intenção a este conceito, dominante<br />

também nos Estados Unidos.<br />

Não pode ser estranha, a quem penetrar, sem partidarismo, interessado<br />

no estado psicológico da América do Norte e da Rússia, essa fraternização<br />

básica dos seus sistemas educativos, porque ambos os países<br />

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obedece a um exercício de predomínio materialista na vida humana.<br />

Trata-se de duas sociedades de diferentes orientações, mas dentro do<br />

mesmo plano psíquico. (Assim se explicam facilmente os elogios de<br />

Dewey, quase sem reservas, à escola soviética)....Sem ir mais longe,<br />

na Reforma do Distrito Federal, encontram-se ligeiros rasgos neste sentido<br />

que através de Dewey se deixaram ver. Igualmente na organização<br />

mexicana. “A nova educação não compreende o direito de fazer das<br />

crianças o que se quiser. A educação, como diz Wineken [11] pertence<br />

ao domínio do espírito e não aos acidentes políticos” (Diário de Notícias<br />

10/07/1930).<br />

Seguel termina um de seus artigos com a citação do pedagogo espanhol Domingo Barnes, que<br />

foi Ministro da Educação do período republicano, impulsionador de experiências educacionais<br />

admiráveis. Até hoje há na Espanha uma certa nostalgia pela perda da vitalidade educacional<br />

que dominava a segunda Republica (1931-1939). Estive em 2008 em um evento que finalizou um<br />

curso de atualização de professores em Madri e todos que falaram se referiam com entusiasmo ao<br />

modelo educacional da Republica. É, pois com a fala apreendida por Gerardo Seguel de um herói<br />

educacional da Republica espanhola que termino este trabalho desejando que se intensifique os<br />

diálogos interculturais na <strong>Arte</strong>/Educação ibero-americana resignificando nossa relação para além<br />

do neo-colonialismo.<br />

A vida está tecida de sonhos e muitos deste sonhos foram sonhados<br />

na infância. A criança espreita para reviver no homem enfraquecido;<br />

no homem melancólico ou nostálgico; no homem cansado; quando<br />

sobrevém o medo e também quando florescem sentimentos novos<br />

(BARNES, apud SEGUEL, 1930).<br />

Notas<br />

[1] Referência ao movimento Antropofágico deflagrado por Oswald de Andrade nos anos 20.<br />

[2] DUSSEL, Ines. Entrevista con Nicholas Mirzoeff. La cultura visual contemporánea: política y<br />

pedagogía para este tiempo. Buenos Aires: Propuesta Educativa 31, 2009, p.69-79.<br />

[3] Texto enviado por e-mail por Hélio Rôla do Ceará sem referências bibliográficas.<br />

[4] Luís Hernán Errázuriz. Historia de um área marginal: la enseñanza artística em Chile,1797-1993.<br />

Santiago: Ediciones Universidad Católica de Chile,1994, p.126.<br />

[5] Ver em Ana Mae Barbosa. John Dewey e o ensino da <strong>Arte</strong> no Brasil, São Paulo: Cortez, 2001.<br />

[6] Ver Rejane Coutinho em Ana Mae Barbosa (org) Ensino da <strong>Arte</strong>: memória e história. SP: Perspectiva,<br />

2008.<br />

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[8] O diario chileno “La Hora em 7 de julio de 1950, con el título “Gerardo Seguel: Elegía y adiós”<br />

dedica um tributo a este escritor que foi vice presidente da Aliança de Intelectuais do Chile.<br />

[10] Trata-se de pedagogo russo cuja obra só foi traduzida no Brasil em 1981 pela necessidade de<br />

resolver os problemas educacionais propostos ao país pelo movimento dos sem terra.<br />

[11] WINEKEN, Gustav. (1875-1964). Escreveu o livro Escola e cultura juvenil. (1912)<br />

Referências<br />

BOSI, A. Entrevista. In Revista É. São Paulo: SESC, janeiro de 2010, n.7, ano16, p.14.<br />

DUSSEL, I. Entrevista con Nicholas Mirzoeff. In La cultura visual contemporánea: política y<br />

pedagogía para este tiempo. Buenos Aires: Propuesta Educativa 31, p.69-79.<br />

ERRÁZURIZ, L. H. (1994) Historia de um área marginal: la enseñanza artística em<br />

Chile,1797-1993. Santiago: Ediciones Universidad Católica de Chile.<br />

PISTRAK, M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1981.<br />

ROS, R. María Cardá; CAPELL, Heliodoro Carpintero. Domingo Barnés: biografia de um educador<br />

avanzado. In Boletín de la Institución Libre de Enseñanza, n.12, 1991, p.63-74.<br />

SEGUEL, Gerardo. Rio de Janeiro, Diário de Notícias 10/07/1930. Arquivos de Fernando de<br />

Azevedo , IEB, USP<br />

SUPERVIELLE, J. Notas de viaje a Ouro Preto. In Revista Sur, Verano, 1931, ano 1, Buenos Aires,<br />

p.74-75.<br />

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Plissados: variações e tesselações – o resgate da beleza atemporal<br />

Nelson Yoshiharu Kume Mestrando em Têxtil e <strong>Moda</strong>: Escola de <strong>Arte</strong>s, Ciências e Humanidades<br />

da <strong>Universidade</strong> de São Paulo nelsonk@usp.br<br />

Isabel Cristina Italiano Profa. Dra. do curso de Pós-Graduação em Têxtil e <strong>Moda</strong>: Escola<br />

de <strong>Arte</strong>s, Ciências e Humanidades da <strong>Universidade</strong> de São Paulo isabel.italiano@usp.br<br />

Resumo<br />

Os plissados são configurações de dobras feitas no tecido. Prega, pregueado e plissado,<br />

são termos utilizados de modos equivalentes, mas merecem investigação.<br />

Característica dos plissados, a textura, é um dos elementos essenciais do design,<br />

que por sua vez constituem seus princípios, importantes ferramentas estéticas e o<br />

meio pelo qual os estilistas podem sutilmente ajustar o foco e os efeitos da roupa.<br />

Sua obtenção pode ser feita por técnicas manuais e industriais, e seus padrões ou<br />

módulos, vão do simples até os elaborados, como a tesselação. As inspirações e<br />

influências têm origens dedicadas à história e às tradições.<br />

Palavras-chave:<br />

moda, plissado, tesselação.<br />

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Introdução<br />

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Plissados: variações e tesselações – o resgate da beleza atemporal<br />

Os plissados pertencentes ao campo da moda e do vestuário serão tratados aqui, sob o ponto de<br />

vista do design, seus princípios e a matéria do tecido. Segundo Treptow (2007),<br />

os tecidos são a matéria-prima de moda. É por meio dos tecidos que<br />

as ideias do designer são transformadas em produtos de vestuário.<br />

Christian Dior afirmou que ‘os tecidos não apenas expressam o sonho<br />

de um designer, mas também estimulam suas ideias. Eles podem ser<br />

uma fonte de inspiração. Muitos de meus vestidos nasceram a partir (da<br />

inspiração) do tecido’. Logo, é importante que o designer conheça suas<br />

características, suas classificações e suas propriedades de caimento e<br />

de adequação (TREPTOW, 2007, p.115).<br />

Jones (2005, p.103) afirma que, “o tecido ou os materiais com que a roupa é feita podem fazer<br />

o sucesso ou o fracasso de um estilo que parecia bom no papel”. É o elemento ao mesmo tempo<br />

visual e sensual de um modelo (de roupa). De fato, muitos estilistas escolhem o tecido antes de<br />

fazer o desenho do modelo. Eles preferem se inspirar na textura e no manuseio do material para<br />

depois procurar algo que tenha o caimento perfeito para o seu desenho. Um estilista precisa ter<br />

experiência sobre o comportamento dos tecidos. O tecido é escolhido por sua compatibilidade<br />

com parâmetros como a estação, as linhas e as silhuetas desejadas, o preço para o mercadoalvo<br />

e a cor. A cor pode ser ajustada em uma etapa posterior, mudando-se as especificações de<br />

tingimento, mas a textura e as demais propriedades permanecem constantes.<br />

Sob o olhar do pensamento complexo de Morin (2011), a desordem é a ideia de dispersão e a<br />

ordem, constrangimento imposto. Sob aspecto físico e material, no design, a ordem e desordem<br />

são elementos essenciais para as texturas, intrínseco aos plissados, pregueados e suas variações.<br />

Mais adiante será abordada a equivalência, na terminologia, entre pregas e plissados.<br />

Dior (2009) compartilhou sua visão sobre o tema:<br />

Há anos as pregas são, e vão continuar a ser, um ponto alto da moda.<br />

Eu as adoro porque são femininas, eficazes, e dão movimento. Sempre<br />

proporcionam um visual de simplicidade e que admiro muito. São muito<br />

joviais. Com as pregas, você consegue colocar o maior volume em um<br />

vestido sem torná-lo estufado. São muito emagrecedoras e ficam bem<br />

em quase todas as mulheres. São muito versáteis também – você pode<br />

ter pregas tipo box, sanfona, não prensadas, invertidas e raio-de-sol – e<br />

todas têm seu uso (DIOR, 2009, p.89).<br />

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Plissados: variações e tesselações – o resgate da beleza atemporal<br />

Os plissados merecem ser utilizados, explorados e extrapolados. Para a potencialização, torna-se<br />

fundamentalmente importante considerar os aspectos de <strong>Design</strong>. Para contextualização, partimos<br />

do princípios do design e o grande conjunto dos elementos do design. Os princípios, contêm as<br />

texturas, onde os plissados e suas variações se inscrevem.<br />

Os princípios do design para a criação em moda, segundo Treptow (2007, p.115), significa gerar novos<br />

arranjos para elementos conhecidos. O talento do designer reside em utilizar estas ferramentas<br />

para combinações originais que estimulem o consumo. Segundo Jones (2005, p102-110) “são uma<br />

parte importante do conjunto de ferramentas estéticas e o meio pelo qual os estilistas podem,<br />

sutilmente, ajustar o foco ou os efeitos de um modelo... são a chave para entender porque um<br />

modelo deu certo ou não”. Acrescenta, ainda, que a utilização rigorosa, assim como o deliberado<br />

desprezo desses princípios são igualmente válidos se a mensagem for compreendida.<br />

Jones (ibid, p.108-109) estabelece nove princípios de design: repetição, ritmo, gradação,<br />

radiação, contraste, harmonia, equilíbrio, proporção e sensação corporal. Alguns destes princípios<br />

merecem ser aqui destacados. A repetição, refere-se ao uso de elementos de estilo, detalhes ou<br />

acabamentos, na mesma roupa, repetidos de modo regular ou irregular. “A repetição pode ser parte<br />

da estrutura da roupa, como as pregas... de uma saia... Quebrar o padrão tem o efeito de chocar<br />

e atrair olhares” (IBIDEM). O ritmo, tal como a música, pode criar efeitos marcantes por repetição<br />

regular de características da roupa ou desenhos das estampas. A radiação compreende o uso de<br />

linhas que se abrem em forma de leque a partir de um eixo central. “Uma saia plissada rodada é<br />

um bom exemplo” (IBIDEM). O contraste constitui um dos mais úteis princípios de criação; faz com<br />

que o olhar reavalie a importância de uma área focal em relação à outra. O efeito contrastante<br />

pode ser dado pelo tipo de superfície – fosca, brilhante, rústica e outras - ou pelas cores e ainda,<br />

os “contrastes de texturas aumentam o efeito de cada tecido” (IBIDEM). A sensação corporal<br />

proporciona a experiência tátil. “Contrastes de texturas enfatizam as diferenças entre roupa e as<br />

formas corporais e a própria pele, e acrescentam estilo, clima e charme à roupa” (IBIDEM).<br />

Os principais elementos do design, na criação de moda são: silhueta, linha e textura. A silhueta é<br />

o contorno geral da roupa, que se altera de acordo com o ângulo de observação, assim como pelos<br />

movimentos do corpo. A linha, usada em infinitas variedades, em várias direções, duras ou suaves,<br />

promove reações emocionais, psicológicas e estéticas, enfatizando ou disfarçando os traços do<br />

corpo.<br />

A textura<br />

A relação da roupa com o corpo não é apenas visual, é, também,<br />

sensorial. Por isso as texturas são de imensa importância. O designer<br />

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deve estar familiarizado com as propriedades dos diferentes tecidos.<br />

O caimento de um traje será determinado pelo tecido no qual ele for<br />

confeccionado. O designer pode transferir muitas ideias para o papel<br />

ou para a tela do computador, mas se não souber escolher a textura<br />

adequada (gramatura, toque, composição do tecido), não chega ao<br />

resultado desejado (TREPTOW, 2007, p. 133).<br />

Para Castellani (2003, p.673), textura é o aspecto da superfície do tecido; às vezes o termo se e<br />

refere ao próprio toque.<br />

Os termos: plissados, pregas e outros<br />

Em Dior (2009, p.89) pleats é traduzido como pregas. Seguindo esta tradução, para Wolff (1996,<br />

p.88), pregas/pleats “são dobras medidas, formadas na borda de um pedaço de tecido onde<br />

são seguros por costura”. Abaixo dos pontos de costura, as pregas tornam-se dobras soltas que<br />

continuam naturalmente ao longo do tecido. Na borda, as pregas são elevadas ou manipuladas<br />

para se projetarem dando novas e atraentes configurações. Para Castellani (2003, p.604), prega<br />

é “dobra do tecido de largura variável... dobrada para dar corpo a uma peça” e preguear é o<br />

“ato de fazer pregas.” Segundo Ferreira (1988, p.524) prega é “parte do tecido ou outro material<br />

propositalmente dobrada sobre si mesma, e que serve para dar maior folga ao mesmo ou para<br />

ornamentá-la”. De acordo com Jones (2005, p.230), “as pregas podem ser feitas por meio da<br />

manipulação do tecido em uma pala ou tira ou por processos industriais de passar a ferro”.<br />

O plissado ou plissê, segundo Ferreira (1988, p.512), “são série de pregas feita num tecido, em<br />

geral com máquina para marcá-las e que, graças à ação do calor, não se desmancham”. O plissado<br />

ou plissê, conforme Castellani (2003, p.604) é o “tecido que apresenta pregas fixadas por calor<br />

ou processo químico”. No Grande Livro da Costura (1988, p.182-183), coloca como parâmetro<br />

de classificação, o desenho. Assim, o plissado trata-se de “pregas muito estreitas” ou “muito<br />

elaboradas”, que “deve ser executado por um profissional especializado”.<br />

Autores e tradutores utilizam os termos plissado e pregas como equivalentes, em pleats, da<br />

língua inglesa. Na indústria de confecção, pregas equivalem a dobras em menor número, feitos no<br />

processo de costura. Os plissados referem-se a dobras em maior número, de dimensões menores,<br />

em maiores quantidades de tecido, com fixação permanente por calor, e geralmente, são realizados<br />

por empresas especializadas.<br />

Passadoria<br />

A passadoria é feita uma ou mais vezes durante a formação dos tecidos plissados, com o ferro<br />

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de passar, uma ferramenta essencial. Na execução dos efeitos pelas manipulações de tecidos,<br />

“algumas vezes o calor, o vapor e a compressão são tão parte da preparação do plissado quanto<br />

a agulha e a linha (de costura)” (WOLFF, 1996, p.89). Outras vezes o vapor termina o trabalho,<br />

preservando o arranjo de dobras. Tal operação está mais ligada ao fato de passar as dobras de<br />

plissados planos ou parcialmente planos em vincos definidos e permanentes. Após o alinhavo do<br />

arranjo das dobras, uma leve passadoria a vapor fixa os vincos preliminares. Em escala industrial,<br />

ou em empresas especializadas, são utilizadas outras técnicas de aquecimento, com equipamento<br />

específico.<br />

Um fator diferencial da prega é a passadoria, sendo uma operação opcional. Para Fresia (2011,<br />

p.130), as pregas, com a passadoria, têm vincos definidos nas dobras, dando uma aparência<br />

ajustada ao corpo e, sem passadoria, “adiciona leve volume ao vestuário sem muitos franzidos”.<br />

Pregas planas<br />

São dobras paralelas elevadas da superfície do tecido e tombadas para o lado, representadas na<br />

figura 1. As dobras, organizadas de modo sistemático, quando realizadas manualmente, são fixadas<br />

por pontos de costura no topo e soltas abaixo. As variações das pregas planas são componentes<br />

de design que possibilitam as diferentes configurações, sendo: pregas-faca, pregas-box e pregas<br />

invertidas.<br />

Pregas-faca (knife pleats) ou pregas tombadas: dobras são deitadas ou viradas para a mesma<br />

direção (WOLFF, 1996, p.91).<br />

Pregas-box (box pleats): nome dado a prega que tem “duas dobras internas, adjacentes, de mesma<br />

profundidade, viradas direções opostas” (WOLFF, 1992, p.91). Ainda, é a “prega que tem as duas<br />

dobras idênticas e viradas para dentro, como se fossem formar uma caixa. Também chamadas<br />

pregas-macho. É o oposto da prega fêmea” (CASTELLANI, 2003, p.604). É mais esclarecedor ao se<br />

afirmar que “as (bordas das) dobras se encontram (juntando-se) no lado avesso da peça”, como<br />

afirmado por Domingo (2008, p.114).<br />

Pregas invertidas (inverted pleats) ou pregas fêmeas são o oposto das pregas-macho; são dobras<br />

adjacentes de profundidades iguais voltadas para se encontrarem no centro. Ou segundo Castellani<br />

(2003, p.604), “é a prega que tem as duas dobras idênticas e viradas para fora, uma para o lado<br />

direito e outra para o lado esquerdo” e as bordas das “dobras se encontram (juntando-se) no lado<br />

direito da peça” (DOMINGO, 2008, p.114).<br />

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Pregas Parciais ou Fendas<br />

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Figura 1: Pregas Planas<br />

Fonte: (WOLFF,1996).<br />

As pregas parciais ou fendas são pregas planas que se abrem abaixo do topo do tecido com a<br />

camada da dobra interna, retirada acima dos pontos do início da fenda, como na figura 2.<br />

Pregas Projetadas<br />

Figura 2: Pregas parciais ou fendas.<br />

Fonte: (WOLFF, 1996).<br />

Nestas, as dobras que se projetam da superfície do tecido e estruturado no topo ou cabeça, em<br />

estruturas roliças que se salientam para fora do tecido em si. Abaixo, deles, as pregas caem em<br />

dobras profundas, regulares e arredondadas na borda livre. Um exemplo deste tipo de pregas<br />

pode ser visto na figura 3.<br />

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Figura 3: Pregas projetadas.<br />

Fonte: http://www.threadsmagazine.com/assets/uploads/posts/14259/pleats79_lg.jpg<br />

Acessado em 10/10/2011.<br />

Pregas e plissados Acordeão ou Sanfona<br />

Neste tipo, o tecido é dobrado alternadamente para dentro e para fora com espaços iguais entre<br />

dobras paralelas. Esse arranjo lembra a aparência das dobras de um acordeão, que podem ser<br />

vistas na figura 4. O plissado raio-de-sol é uma variação desta, onde as linhas convergem para um<br />

único ponto.<br />

Figura 4. Pregas acordeão, de Amaya Arzuaga, inspirada nas asas e vôo das mariposas. Madrid<br />

Fashion Week 2009, coleção Primavera-Verão 2010.<br />

Fonte: (ARROYO, 2011).<br />

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Plissados enrugados ou amassados<br />

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São formadas por cristas e sulcos irregulares amontoados e amassados a úmido, segurando-se<br />

firmemente e deixando secar. Um exemplo criado por Issey Miyake está representado na figura 5.<br />

Pregas de duplo controle<br />

Figura 5. Plissados amassados, de Issey Miyake, coleção Outono 1994.<br />

Fonte: (PALOMO-LOVINSKI, 2010).<br />

Pregas confinadas nas duas extremidades, com dobras soltas ao centro..As pregas estabilizadas ou<br />

fixas, podem ser viradas para qualquer direção.<br />

Texturizando a vida: os plissados e a influência nipônica<br />

Para McCarty (2000, p.11-15) os têxteis estão entre as mais antigas e persuasivas formas de<br />

arte. Devido ao fato de se integrarem às vidas das pessoas de inúmeras maneiras e de poderem<br />

ser feitos de qualquer material, continuam a dar aos artistas e designers, oportunidades para<br />

imaginação e inspiração. Este empenho é reafirmado pelos têxteis japoneses contemporâneos,<br />

com alguns dos mais engenhosos e dinâmicos artefatos sendo feitos hoje. Sua beleza e qualidades<br />

misteriosas e intrigantes estão enraizadas, não somente nas tradições asiáticas, mas, também,<br />

em surpreendentes inovações técnicas que apresentam descobertas inesperadas. Sua faixa de<br />

materiais inclui desde a etérea seda, cuja atmosfera de fios vaporosos lembram feixes de ar, até<br />

os imutáveis fios de aço inoxidável.<br />

<strong>Arte</strong>, design de interiores e moda são áreas primárias da atividade têxtil. Muitos dos artistas,<br />

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Plissados: variações e tesselações – o resgate da beleza atemporal<br />

empregando tear e métodos de tingimento tradicionais e materiais naturais ou sintéticos, formam<br />

obras únicas, que são planas ou esculturais. Em contraste, os designers têxteis colaboram com<br />

tintureiros, tecelões e fabricantes, usando tecnologias complexas e técnicas de manipulação<br />

complexas para criar novas texturas, processos de acabamento e efeitos visuais extraordinários<br />

que são, então, produzidos industrialmente. Seus têxteis são usados para interiores residenciais e<br />

comerciais, moda e aplicações práticas. Todas estas obras, entretanto, são conseqüência natural<br />

das ricas tradições japonesas em fiação, tingimento, tecelagem, manipulação e acabamento de<br />

tecido.<br />

Ao longo de sua história, os japoneses têm mostrado sua grande sensibilidade em relação à<br />

natureza e amor por sua beleza. A religião indígena japonesa, Shinto, centra-se na adoração e<br />

comunhão com o espírito da natureza. Isto, unido à escassez de recursos naturais, tem inculcado<br />

em seu povo um elevado respeito por todos os materiais, naturais ou sintéticos. Uma habilidade<br />

para maximizar recursos limitados e reverenciar a característica inerente de cada material é um<br />

aspecto firmado profundamente da cultura japonesa.<br />

Apesar das grandes fábricas serem tecnicamente modernas e automatizadas, a maioria é composta<br />

por pequenas e simples. Muitas destas fábricas antes manufaturavam quimonos e outros artigos de<br />

vestuário, e têm existido por gerações. Cada uma delas tende a se especializar em uma técnica<br />

– corte, gravura química, tear de liço, plissado ou flocagem, por exemplo – mas eles se orgulham<br />

do desafio do desenvolvimento de um novo processo ou textura.<br />

A maioria destes têxteis se origina como novas extensões de poliéster. Tal como uma folha em<br />

branco, o poliéster oferece praticamente possibilidades ilimitadas. Uma vez considerada uma<br />

fibra inferior para vestuário e mobiliário, seu status foi elevado por meio de uma constante<br />

reinvenção e com visão de futuro. Este tecido prosaico tem sido avivado pela texturização de sua<br />

superfície, uma abordagem frequentemente usada para esconder defeitos, em graus menores,<br />

em plásticos e vidro. Aquecimento, vaporização, agulhagem, dissolução em ácido, polimento,<br />

aparagem, navalhagem – tratamentos abusivos associados com materiais duráveis como pedra,<br />

cerâmica ou vidro – transforma poliéster em tecido que desafia nossa noção do que os têxteis<br />

podem ser. Dobras ordenadas, pregas ou texturas enrugadas são indelevelmente ‘cozidas’ nestes<br />

tecidos sintéticos, cujas propriedades termoplásticas apresentam ‘memória’ por calor. Suas<br />

texturas diversificadas são características prediletas da cultura japonesa, por sua assimetria e<br />

imperfeição elegantes, encontradas na maioria de suas formas de arte.<br />

Muitos designers com sede em Tóquio têm se superado na transformação destes materiais<br />

prosaicos, como poliéster, em superfícies mágicas com grande finesse. Eles os experimentam<br />

com várias fibras e processos de acabamento para explorar as características físicas do material,<br />

frequentemente dando novas interpretações a técnicas antigas. Assim como seus homólogos das<br />

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Plissados: variações e tesselações – o resgate da beleza atemporal<br />

áreas rurais, eles também buscam inspiração em seus arredores, mas seu meio ambiente é a<br />

paisagem urbana bruta. O caráter de seus têxteis reflete frenesi, brilho, movimento, agitação da<br />

vida urbana, carregado de energia.<br />

<strong>Design</strong>ers visionários incorporam ambos, métodos antigos e tecnologias experimentais, nos modos<br />

atípicos de trabalho com têxteis. Eles transfiguram tecido plano em baixo-relevo por manipulação<br />

química ou queima; fios com características opostas são justapostos para criarem o equivalente<br />

à renda; ácidos são usados para esticar ou encolher tramas separadas de linhas, criando uma<br />

textura empolada. Eles tecem janelas e orifícios em tecido e aquecem a vapor, criando tecidos<br />

distorcidos, superfícies filtradas e perfuradas. Em alguns casos, este tratamento revolucionário de<br />

têxteis e moda não só tem reformulado a aparência do corpo e o modo das pessoas se vestirem,<br />

mas também, redefinem o modo delas andarem e movimentarem-se.<br />

Transformações<br />

O processo e a técnica nos têxteis japoneses contemporâneos são descritos por McCarty e McQuaid<br />

(2000, p.17-28).<br />

A mudança e a acomodação de nova tecnologia aos métodos criativos tradicionais impõem um<br />

desafio para a vida contemporânea. A maioria das culturas do mundo tem se confrontado com uma<br />

fusão de técnicas antigas e a indústria do século XX. Os têxteis não têm sido isentos deste fenômeno;<br />

como eles estão ligados inseparavelmente às atividades e linguagem diárias, fornecem um meio<br />

exemplar desta integração do velho com o novo. No Japão, uma tradição têxtil particularmente<br />

rica tem transformado em uma das indústrias mais inovadoras no campo. As fábricas com cinco ou<br />

mais gerações, que se acostumaram à especialização em algum aspecto da produção de quimonos,<br />

agora desenvolvem materiais e tecnologias que contribuem significantemente para a cultura têxtil<br />

contemporânea. Técnicas ancestrais não têm sido substituídas, mas adaptadas e expandidas.<br />

Assim o quimono, por exemplo, tem permanecido uma unidade simbólica de medida de tecido,<br />

tal como tatami para a arquitetura japonesa.<br />

Tecido Esculpido<br />

Segundo McCarty e McQuaid (2000, p.25-28) qualquer material que tenha a propriedade de ser<br />

moldado ou perfilado em um modo particular pode ser esculpido – pedras são cinzeladas, metal<br />

é fundido, argila é sovada ou moldada. Quando superfícies têxteis são esculpidas e altamente<br />

articuladas, paisagens individuais são formadas pela manipulação e revelação do comportamento<br />

interior dos fios. O calor tem papel instrumental e muitos tecidos esculpidos são, na verdade,<br />

cozidos. Eles são frequentemente impressos com, ou aderidos a uma substância que responde ao<br />

calor que determinará o resultado da textura.<br />

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O Jellyfish (ver figura 6) de Sudo usa um processo no qual um policloreto de vinil industrial,<br />

originalmente desenvolvido para a indústria de estofamento automobilístico e com uma razão<br />

preestabelecida de cinquenta por cento de encolhimento térmico, recebe, parcialmente, camadas<br />

sobre o tecido de poliéster por meio de serigrafia. É, então, aquecido. Isto causa ao poliéster<br />

enrugamento onde o vinil adere. Por causa dos sintéticos como poliéster terem características<br />

termoplásticas, ou a habilidade ser moldados permanentemente por calor, cada tecido retém a<br />

superfície irregular depois do cloreto de vinil ser removido. Este design, conduzido industrialmente,<br />

produz planos ondulados de cor e textura que imita o efeito de pregas frequentemente produzido<br />

pelo tingimento do shibori.<br />

Figura 6: Jellyfish.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

Há três tipos de plissados – pregas prensadas manualmente com ferro; plissado à máquina – pregas<br />

paralelas são feitas pela passagem de um rolo de tecido entre cilindros aquecidos e criando uma<br />

prega em faca; e plissado a mão – o tecido pré-cortado é colocado entre duas folhas de papel<br />

dobrado em padronagens, quimicamente tratado, que é aquecido para formar as pregas. Inoue<br />

Pleats foi a primeira empresa a produzir plissados em larga escala no Japão. Eles e ainda mais,<br />

Issey Miyake, popularizaram os plissados na moda contemporânea mundial. Há muitas variações,<br />

tal como em Wrinkle P, representado na figura 7. Desenvolvida pela Inoue Company e produzida<br />

pelo amassamento aleatório de tecido de poliéster num pequeno contenedor, colocando-o em<br />

uma máquina de termo-fixação onde as pregas são fixadas permanentemente.<br />

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Figura 7: Wrinkle P.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

A plissagem manual e à máquina são combinadas para criar Crystal ∑ (ver figura 8). Pregas verticais<br />

são feitas num primeiro estágio, seguido de um método manual especial que comprime o tecido<br />

plissado a uma largura que é, aproximadamente, um terço do tamanho original. O resultado é uma<br />

transformação de um poliéster anônimo para uma pele texturizada ou, como Sudo descreve Mica,<br />

um tecido ‘ouro dos tolos’ de múltiplas camadas. Este tecido é mostrado na figura 9.<br />

Figura 8: Crystal ∑.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

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Figura 9: Mica.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

Os plissados podem também ser produzidos usando máquina de impressão transfer (por calor) como<br />

Fluctuation (ver figura 10) de Junichi Arai, e criando um tecido tipo crinolina, ou combinando<br />

processo à máquina com processo de plissado à mão como se vê no movimento de dobra e desdobra<br />

de Origami pleat scarf, mostrado na figura 11.<br />

Figura 10: Fluctuation.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

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Figura 11: Origami pleat scarf.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

Este trabalho, desenvolvido por Sudo e Mizue Okada, abre para uma construção tridimensional<br />

e torna-se completamente plano com um toque. O tecido Harmony, criado pela Urase Company<br />

e mostrado na figura 12, também contém o elemento surpresa, que requer a interação humana<br />

para revelar seu segredo. Como um pedaço estático de tecido, parece elegantemente enrugado;<br />

entretanto, quando as rugas são abertas como para endireitar o tecido, uma outra cor interior é<br />

revelada. A impressão por transfer, térmico, sobre a superfície já enrugada é parte do processo.<br />

A Urase Company é uma grande empresa têxtil, que produz bilhões de metros de poliéster, mas,<br />

também, trabalha de forma independente e com designers externos para criar texturas e estruturas<br />

inovadoras.<br />

Figura12: Harmony.<br />

Fonte: (McCARTY e McQUAID, 2000).<br />

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Tesselações<br />

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Plissados: variações e tesselações – o resgate da beleza atemporal<br />

Segundo Rutzky e Palmer (2010, p.11) “um tipo especial de motivo composto por formas colocadas<br />

juntas, sem espaços entre eles, é chamado de tesselação.” Exemplos conhecidos incluem<br />

muitos módulos antigos usados no ornamento de paredes, pisos e tetos. “Módulo é a unidade da<br />

padronagem, isto é, a menor área que inclui todos os elementos visuais que constituem o desenho”<br />

(RUTHSCHILLING, 2008, p.64). Quadrados costurados juntos, tais como blocos de patchwork,<br />

também formam a tesselação. Mosaicos cerâmicos, em particular, são feitos de uma variedade<br />

impressionante de formas encaixadas juntas para formar uma composição. Apesar das tesselações<br />

poderem ter bordas curvas, os módulos feitos de pregas dobradas são feitas com linhas retas.<br />

Estes polígonos, então, se encaixam para preencher uma determinada área, conforme exemplo<br />

mostrado na figura 12.<br />

Figura 13: Tesselação translúcida shadowfold.<br />

Fonte: (RUTZKY e PALMER, 2011).<br />

Muitas formas de arte usam módulos e tesselações para decorar e ornamentar, frequentemente<br />

expressando um estilo específico de uma determinada região geográfica ou cultura. Exemplos são<br />

os anéis que fazem motivos repetidos na cerâmica asiática, blocos cerâmicos do centro-oeste<br />

europeu que formam vastos mosaicos e as colchas americanas com a união de blocos de tecido.<br />

Exemplos mais específicos estão nos palácios e mesquitas no meio-oeste e sul da Espanha, na<br />

região da Andaluzia, na cidade de Granada e no palácio Alhambra, mostrados na figura 14.<br />

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Figura 14: Painéis perfurados do Palácio Alhambra.<br />

Fonte: (RUTZKY e PALMER, 2011).<br />

As tesselações de Rutzky e Palmer (2010, p.13) são chamadas shadowfolds, conforme mostram<br />

as figuras 15, 16 e 17. A translucidez dos tecidos é a única propriedade que faz esses plissados<br />

diferentes dos demais materiais. Inicialmente, eles produziam blocos independentes que eram,<br />

então, costurados uns aos outros, como no patchwork. Depois passaram a fazê-los em uma única<br />

folha de tecido. O mentor dessa ideia é o “pai” da tesselação em papel plissado, o japonês Shuzo<br />

Fujimoto. Seu trabalho tem uma aparência classicamente nipônica, pelo uso de módulos em<br />

hexágonos, quadrados e triângulos.<br />

Figura15: Tesselação shadowfold translúcida (esquerda) e vista através da luz (direita).<br />

Fonte: (RUTZKY e PALMER, 2011).<br />

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Figura 16: Zillij Twelvefold, seda, 48x30 pol, translúcido e visto através da luz.<br />

Fonte: (RUTZKY e PALMER, 2011).<br />

Figura17: Dodecágono em seda, 72x15 pol, translúcido e visto através da luz.<br />

Fonte: (RUTZKY e PALMER, 2011).<br />

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Plissados de padrões complexos<br />

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Os tecidos plissados têm a característica de se moverem mais livremente que os tecidos. Segundo<br />

Rutzky e Palmer (2010, p.16), “os exemplos mais altamente desenvolvidos de plissados em tecidos<br />

foram feitos, no século passado, pelos artesãos franceses utilizando molde sanduíche”. Neste<br />

método utilizam-se pares de tesselações em papelão plissado em cada lado do tecido. Quando os<br />

moldes de papelão se encaixam, o tecido é forçado a dobrar-se, conforme as camadas externas.<br />

Este conjunto é, então, aquecido para fixar o motivo no tecido. O molde é desdobrado e retirado<br />

e o tecido retém o motivo plissado que pode ser usado em uma variedade de aplicações. A figura<br />

18 mostra um exemplo deste tipo de plissado.<br />

Figura 18: Gérard Lognon em Paris. O tecido é colocado entre dois moldes de papelão.<br />

Fonte: (RUTZKY e PALMER, 2011).<br />

Considerações Finais<br />

Sob o aspecto do design voltado para o vestuário, os plissados em configurações simples, como os<br />

descritos por Christian Dior, agregam valor em diversos aspectos. Funcionalmente, dão amplidão e<br />

conforto. Esteticamente, mantêm a silhueta feminina alongada e proporciona linhas elegantes ao<br />

movimento do corpo. Culturalmente, para seus usuários, os plissados tradicionais estão associados<br />

a características fora da tendência, desagregada da imagem de juventude tão cultuada no presente.<br />

As características têxteis dos plissados, guardando, porém, a técnica tradicional como identidade<br />

diferencial das empresas, são mantidas por especialistas como os de Gérard Lognon em Paris, a<br />

serviço da alta-costura francesa. Esta categoria da moda, pelos valores associados ao aspecto<br />

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ético do produto, pelo aspecto estético da beleza incontestável e intrínseca do trabalho manual<br />

de altíssimo nível, pelo aspecto cultural da herança de uma história desde Worth, é mantida<br />

viva, com uma aura de idealidade e de unicidade controversa ao contemporâneo. Entre outros<br />

possíveis valores e emoções associadas, é reconhecida como um patrimônio, assim, mantê-la, tem<br />

significação de dimensões extensas.<br />

O futuro pode ser a maior disseminação do enigmático e hipnótico efeito das tesselações e suas<br />

configurações geométricas complexas. Ou, em contraste a essa possibilidade, há a pureza na<br />

releitura das outras tradições orientais. Ambas cultuam o passado, mas se apropriam ou podem<br />

se apropriar ainda mais dos materiais e tecnologias presentes, para disseminarem uma beleza<br />

atemporal, onde vale ousar dizer, eterna.<br />

Referências<br />

ARROYO, Natalio Martín. Secretos de Atelier. Barcelona: Maomao, 2011.<br />

BRADDOCK, Sarah E., O’MAHONY, Marie. Techno textiles 2 – revolutionary fabrics for fashion<br />

and design. London: Thames and Hudson, 2007.<br />

CASTELLANI, Regina Maria. Dicionário ilustrado de A a Z. Barueri: Editora Manole, 2003.<br />

DIOR, Christian. O pequeno dicionário da moda. Trad. de Luciana Garcia. São Paulo: Martins<br />

Fontes, 2009.<br />

DOMINGO, Jesús (ed.). Manual completo de costura. Madrid: Drac, 2008.<br />

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio básico da língua portuguesa. Rio de<br />

Janeiro: Nova Fronteira, 1988.<br />

FISCHER, Anette. Construção do vestuário. Trad. de Camila Bisol Brum Scherer. Porto Alegre:<br />

Bookman, 2010.<br />

O grande livro da costura. Porto: Reader’s Digest, 1980.<br />

FRESIA, Carol (ed.). Threads sewing guide. Newtown: Tauton Press, 2011.<br />

JONES, Sue Jenkyn. Fashion design - manual do estilista. Trad. de Iara Biderman. São Paulo:<br />

Cosac Naify, 2005.<br />

McCARTY, Cara, McQUAID, Matilda. Structure and surface: contemporary Japanese textiles.<br />

New York: MoMA, 2000.<br />

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Trad. de Eliane Lisboa. Porto Alegre: Editora<br />

Sulina, 2011.<br />

PALOMO-LOVINSKI, Noel. Estilitas de moda mais influentes do mundo: a história e a influência<br />

dos eternos ícones da moda. Trad. de Rodrigo Popotic. Barueri: Girassol, 2010.<br />

RUTZKY, Jeffery, PALMER, Chris K. Shadowfolds: surprisingly easy-to-make geometric designs in<br />

fabric. New York: Kodansha, 2011.<br />

RUTHSCHILLING, Evelise Anicet. <strong>Design</strong> de Superfície. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2008.<br />

TREPTOW, Doris. Invetando moda: planejamento de coleção. Brusque: D. Treptow, 2007.<br />

WOLFF, Colette. The art of manipulating fabric. Iowa: Krause Publica<br />

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O Projeto Interdisciplinas em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> como Troca de Experiências<br />

Adriana Ferreira de Martinez Mestre, UAM<br />

adriana_prof2004@yahoo.com.br<br />

Resumo<br />

O presente artigo exibe propostas educacionais que possam estimular a atividade<br />

criativa dentro do curso de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> da <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>.<br />

Mostra-se o papel do educador como agente impulsionador na construção de ideias<br />

autônomas com o propósito de gerar criações singulares. Pela vivência na orientação<br />

de projetos interdisciplinares foi possível identificar em cada etapa a<br />

demanda de processos diferenciados para conquistar a materialização e as dificuldades<br />

que precisam ser superadas em cada período. A sala de aula concebida como<br />

espaço de constantes trocas de saberes e laboratório de experiências proporciona<br />

oportunidades para incentivar reflexões e encontrar soluções originais.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Design</strong>, moda, educação, experiências.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Experimentações (sobre educação)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O Projeto Interdisciplinas em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> como Troca de Experiências<br />

“... o pensar deve ser aprendido como deve ser aprendido o dançar”<br />

F. Nietzsche (2001)<br />

Abordar o tema educação é transitar pela historia da formação de ideias, desde os gregos à contemporaneidade,<br />

do ensino disciplinar ao libertário. O papel do educador, muitas vezes confundido<br />

pelos estudantes como protetor, autoritário, amigo ou confidente é um dos mais complexos.<br />

Esse emaranhado de atribuições decorre porque ele (o professor) cumpre um pouco cada uma<br />

dessas concepções, porém, sem se formatar a nenhuma delas. A sua responsabilidade repousa<br />

em contribuir com a formação de seres capazes de gerar novas experiências na vida profissional,<br />

pessoal e coletiva.<br />

A autoridade que um educador detém, provém tanto do saber adquirido mediante estudos<br />

acadêmicos, quanto da vivência como docente. Cabe aqui esclarecer que autoridade não pode<br />

ser confundida com imposição. A autoridade está intimamente relacionada ao domínio de conhecimentos<br />

cultivados que precisam despertar a vontade de ampliar saberes nos estudantes e<br />

propiciar caminhos para criar. Já na imposição, o professor coloca-se de maneira hierárquica e<br />

verticaliza suas informações carregadas de valores que prejulgam e predeterminam; reduzindo,<br />

assim, as possibilidades de produções intelectuais autônomas.<br />

Para o filósofo Gilles Deleuze (2004), na contemporaneidade, pode-se dizer que as sociedades<br />

disciplinares estudadas por Foucault e caracterizadas por espaços de confinamentos (como as<br />

escolas), nos quais se praticavam técnicas de vigilância sobre os corpos individuais e coletivos<br />

com o intuito de moldar seres adestrados para ampliar sua utilização e aperfeiçoar a extração do<br />

trabalho, foram perdendo sua força. Não obstante, ainda encontramos resquícios dessa prática<br />

dentro de sala de aula, seja porque o estudante se acostumou com o treinamento comandado,<br />

seja porque o professor exige apenas a submissão e cumprimento de normas.<br />

Desse modo, como ultrapassar essas barreiras e despertar o entusiasmo? Ao retomar o percurso da<br />

educação, deparamo-nos inicialmente com Sócrates. Seu discípulo Platão assinala que o diálogo<br />

era a principal atividade de seu mestre, uma prática direcionada para que o interlocutor reconhecesse<br />

como aquilo que achava saber de fato não conhecia. Segundo Pessanha (1991), o filósofo<br />

grego andava pelas ruas e mercados de Atenas indagando às pessoas sobre alguma área de interesse;<br />

suas perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, confusos, indignados.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O Projeto Interdisciplinas em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> como Troca de Experiências<br />

Seu método estava composto de dois momentos. Numa primeira instância utilizava a ironia, partiado<br />

princípio de querer saber sobre um assunto qualquer e forçava o interlocutor a expressar<br />

suas idéias. Conduzindo com habilidade o diálogo provocava no participante o reconhecimento da<br />

própria ignorância daquilo que supunha ter certeza. Era uma espécie de catarse “(...) uma purificação<br />

da alma por via da expulsão das idéias turvas, das ilusões e dos equívocos que distanciavam<br />

a alma de si mesma” (PESSANHA, 1991, p.18).<br />

A segunda parte consistia em recapitular o debate e dirigir a pessoa, paulatinamente, para que<br />

elaborasse suas próprias ideias, com isso, o interlocutor, agora já discípulo, percebia que até esse<br />

momento só tinha reproduzido concepções de outros.<br />

Esse método ele denominou de maiêutica, que significa “dar a luz uma ideia”. Filho de parteira<br />

considerava que o papel do filósofo era justamente colaborar para que as ideias fossem geradas,<br />

elas não podiam vir de fora ou serem aceitas sem nenhum questionamento. Significava, portanto,<br />

encontrar-se a si mesmo ou fazer do seu pensamento o ponto de partida. Daí a célebre frase de<br />

Sócrates “conhece-te a ti mesmo”.<br />

Entretanto, o filósofo francês Michel Foucault (2004) em seus estudos sobre os gregos evidenciou<br />

que conhecer-se a si estava estreitamente ligado a “cuida-te a ti mesmo”, como princípio racional<br />

ético e de liberdade.<br />

Longe de ser uma ação egocêntrica, o cuidado de si é também uma maneira de cuidar dos outros,<br />

porquanto aquele que sabe governar livre e adequadamente a sua vida saberá como cuidar dos<br />

demais. Desse modo, o mestre, o conselheiro, o guia, devia ensinar esse preceito.<br />

Tomemos o exemplo de Sócrates: é precisamente ele quem interpela<br />

as pessoas na rua, os jovens no ginásio perguntando: ‘Tu te ocupas de<br />

ti?’ (...) é sua missão, e ele não a abandonará, mesmo no momento<br />

em que for ameaçado de morte. Ele é certamente o homem que<br />

cuida do cuidado dos outros: esta é a posição particular do filósofo<br />

(FOUCAULT, 2004, p.271).<br />

Ensinar a lapidação constante da própria existência não é incutir um sistema de regras a serem<br />

obedecidas com vista a um sucesso futuro, trata-se de um esforço para transformar a vida em uma<br />

obra de arte, na qual seja possível “se reconhecer [e] ser reconhecido pelos outros” (FOUCAULT,<br />

2004, p. 290).<br />

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Experiências (o curso)<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O Projeto Interdisciplinas em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> como Troca de Experiências<br />

“A educação não pode ser um simples adestramento, ela deve desenvolver nos estudantes a<br />

capacidade de criadores.”<br />

I. Beltrão (2000)<br />

Muitas vezes, como educadores nos perguntamos de que maneira devemos agir para despertar<br />

vontades nos estudantes que estamos preparando, ou melhor, estimular as vontades que estão<br />

contidas em cada um deles. Barrué (2001) ao discorrer sobre Stirner assinala que o Saber não deve<br />

mais ser considerado o objetivo supremo da educação, mas o Querer.<br />

A partir do momento que a educação se tornou massificada é muito difícil identificar quais são os<br />

quereres individuais e como fazer para que eles venham à tona. “Onde se formam indivíduos que<br />

criam e não indivíduos que aprendem? Onde o mestre se transforma em companheiro de trabalho<br />

e reconhece que o Saber deve tornar-se Vontade?” (STIRNER, 2001, p.78)<br />

No curso de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> da <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, ao desempenhar o papel de orientadora<br />

em projetos interdisciplinares, encontrei brechas que possibilitaram experimentações<br />

plausíveis de materializar criações livres.<br />

Cada um desses projetos oferece um tema e uma série de subtemas que os estudantes precisam<br />

desenvolver para atingir, após o processo, a concretização de uma ideia. Percebi, por meio da<br />

vivência, que cada etapa demanda um andamento distinto no procedimento e, justamente, o<br />

amadurecimento deste processo conquista o desejo de realização. Não pretendo deter-me em<br />

todos os semestres, nem efetuar um detalhamento de cada um dos projetos, o que interessa<br />

neste momento é apresentar os períodos contidos do início até a metade do curso e suas particularidades.<br />

Quando um estudante ingressa à universidade se depara com uma realidade diferente ao que está<br />

habituado, porém quer ainda manter atitudes de seu estágio anterior. É um período de transição,<br />

entre aquilo que lhe era exequível e, para o que deve desembrenhar; da passagem do conhecido<br />

para o estranho.<br />

Soma-se a isso uma cultura obstinada em difundir a ideia de ser a carreira universitária a única<br />

saída viável para um destino triunfal, há séculos que a universidade é subordinada à economia e<br />

seus derivativos: conforto, reconhecimento, conquistas. Entretanto, abordar em sala de aula o<br />

estudo de todos os problemas que a vida impõe sugere uma tarefa insensata, querer alcançar esse<br />

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absolutismo iria extenuar-nos (educadores e estudantes), porque o fardo é pesado demais. O que<br />

podemos então é preparar seres singulares aptos para pensar diferentemente do que se pensa, a<br />

fim de transformar e recriar.<br />

Desse modo, o primeiro contato deve ser lúdico, deixar livre a imaginação, incentivar a curiosidade,<br />

promover a brincadeira, estimular a criança que pouco tempo atrás deixaram em algum<br />

canto do quarto. Não há nada mais sério que uma brincadeira de criança, nenhuma delas entra<br />

no jogo para perder, ela diz SIM à vida, sem medo, nem anteparos: ARRISCA. “Sim, para o jogo da<br />

criação (...)” (NIETZSCHE, 2006, p.32).<br />

Isso não significa deixar a orientação à deriva, pelo contrário, nesta fase é necessário ser integrante<br />

da brincadeira, e, como criança, perguntar os porquês, inventar artimanhas juntos, demonstrar<br />

desagrado quando o jogo foge dos princípios combinados.<br />

E se uma criança diz SIM à vida ela sabe (ou neste caso precisa saber) que esta é cheia de percalços<br />

e desencantamentos, mas é inevitável o confronto. Nisto consiste a segunda etapa do curso. Novas<br />

experiências requerem ser desbravadas, territórios pantanosos – dos quais os jovens querem fugir<br />

– defrontam-se como muralhas a serem transpostas. Cabe a mim, orientadora, mostrar que devem<br />

ser fortes o suficiente para ultrapassar qualquer obstáculo: aprender a voar. Trata-se da confiança<br />

em si mesmo, da valorização de suas potencialidades.<br />

A dedicação do orientador precisa ser redobrada, não para conduzir pela mão por caminhos já<br />

percorridos, mas com o propósito de enveredar por trajetos desconhecidos, desbravar com coragem<br />

as dificuldades muitas vezes herdadas de um ensino tecnicista que abandonou a reflexão e<br />

a inventividade.<br />

Fortalecidos, os alunos atingem a próxima fase com passo mais firme e amadurecimento intelectual/criativo.<br />

Chega o momento de perceberem a sua importância como seres sociais capazes de<br />

interferir no âmbito coletivo.<br />

Saber que toda criação pressupõe uma construção sobre o plano da comunidade humana é primordial<br />

no entendimento da ética. Isto significa igualmente dizer que desde o início deve haver a<br />

compreensão de que toda materialização da ideia (que lhes é própria) não se esgota nela mesma,<br />

mas abriga passados e se projeta para futuros nos quais outros personagens irão cultivá-las. Ao<br />

pensar desse modo, atina-se para a questão da utilidade ou mesmo do inadequado da materialização,<br />

e como esta pode ser constantemente modificada.<br />

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Encerra-se esse período e desabrocha outro no qual concepções do universo mercadológico<br />

começam a se interpor entre a inovação e a reprodução do mesmo. Muitos dos estudantes nesta<br />

fase ingressam em estágios ou empresas da área. Fato totalmente válido para que comecem a<br />

ensaiar o futuro, entretanto, nota-se um desânimo e enrijecimento das competências até então<br />

estimuladas.estimuladas.<br />

Aquilo que incita qualquer atividade criativa está contido no repertório e nas subjetividades sensíveis,<br />

dotadas da capacidade de perceber facilmente as impressões ou sensações externas, em<br />

outras palavras, talento para realizar produções singulares.<br />

Ousar inovar, contra o hábito, é produção do desejo de resistir (...).<br />

Assim, a resistência re-cria o desejo e este produz artefatos, saberes,<br />

modos de ser. A produção, se marcada pela singularidade, faz a diferença.<br />

E aí nada mais permanece o mesmo (BELTRÃO, 2000, p.21).<br />

Estes jovens, assim como todo ser, não sabem como será o porvir, ninguém possui esse privilégio,<br />

contudo, quando solidificadas as bases do conhecimento e encorajadas as faculdades criativas,<br />

podem afirmar-se ímpares fora dos muros da <strong>Universidade</strong>.<br />

Sendo assim, torna-se primordial mostrar que, longe de aceitar condicionamentos e opiniões<br />

prontas, é necessário não deixar escapar as ideias mesmo que sejam, nesse momento, apenas<br />

esboços. “Perdemos sem cessar nossas idéias. É por isso que queremos tanto agarrarmo-nos a<br />

opiniões prontas” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p.259).<br />

Duas vertentes, a meu ver, são meritórias. A primeira consiste em evidenciar o sinuoso caminho<br />

da pesquisa. Para tanto, é indispensável suscitar o prazer pela leitura de saberes considerados por<br />

eles complexos; provocar o exercício de reflexão e compreensão; despertar o debate argumentativo<br />

que desafia qualquer clichê. “é importante a familiarização com as idéias alheias, com o que<br />

já foi feito ou investigado (...). Dessa maneira, garante-se que o (...) produto, quando vier a ser<br />

concebido, seja original (...)” (WECHSLER, 1998, p.51).<br />

A segunda versa em incentivar a originalidade e a paixão pelo experimental. Essa conquista radica<br />

em espreitar para além do que é dado no mercado, “é preciso de início apagar, limpar, laminar,<br />

mesmo estraçalhar para fazer passar uma corrente de ar (...)” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p.262).<br />

Aprender a utilizar a pesquisa e a aprendizagem, não como um mero cumprimento de tarefas que<br />

tem como moeda de troca a nota e o título. Porém, conseguir desfrutar do domínio alcançado pelo<br />

esforço individual e associativo quando a finalização do projeto e da carreira.<br />

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Abalos afetivos sem preguiça de recomeçar; algo que contamine a vontade de sentir/criar irá<br />

gerar materializações surpreendentes para os próprios autores. E é dessa forma que estarão verdadeiramente<br />

preparados para o futuro, porque farão toda a diferença.<br />

Espaço de trocas (criar)<br />

“... quando arde a chama do espírito, a madeira deve pegar fogo.”<br />

M. Stirner (2001)<br />

A sala de aula deve ser o espaço de trocas entre estudantes e educador, uma prática de mão dupla,<br />

em que os dois lados necessitam estar receptivos para aprender e ensinar. Mais precisamente,<br />

o papel que nos tange como educadores é assinalar como podem construir o próprio pensamento<br />

criativo para além daquilo que lhes foi legado, descobrir uma linguagem própria materializada no<br />

término de cada semestre.<br />

Segundo Cragnolini e Kaminsky (1996), é primevo e crucial ensinar que nada é permanente e que<br />

tudo pode mudar. Destacar como o permanente provoca o uniforme e incita a ausência do diferente.<br />

O medo dessa mudança e a vontade de se ater àquilo que proporciona segurança não podem<br />

sobrepor-se ao aprimoramento das habilidades particulares.<br />

A transformação precisa introduzir soluções diferentes capazes de resistir a concepções de sistemas<br />

cristalizados que engessam o ato de pensar. Sentir segurança ante trajetos aparentemente<br />

desordenados, fortalece a vontade de se expressar como singular.<br />

Desse modo, quais as destrezas educativas a serem aplicadas no decorrer das orientações para<br />

alcançar a ação desejada na concretização do projeto? Isso contando com um tempo exíguo para<br />

ponderar e desenvolver compreensão e criatividade. O processo inicia-se pela pesquisa do referencial<br />

teórico que fornecerá subsídios pertinentes para as futuras formas, volumes, cores, texturas,<br />

harmonia no conjunto.<br />

Os estágios do processo criativo amadurecem de formas diferenciadas para cada um, mas nenhuma<br />

“criatividade aparece subitamente, como se fosse um estalo, uma inspiração divina ou um<br />

momento de sorte” (WECHSLER, 1998, p.50). Há nesse quesito o inevitável esforço intelectual<br />

dirigido a um tema e seu desdobramento.<br />

Investigar, ler, anotar, explorar, questionar são tarefas supostamente fáceis para os jovens acos-<br />

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tumados a terem acesso às enxurradas de informações proporcionadas pelo desenvolvimento da<br />

informática e comunicação. Entretanto, como saber selecioná-las, entendê-las e ainda gerar uma<br />

ação criativa? No programa Café Filosófico veiculado no dia 02/10/2011 a professora Marilena<br />

Chauí discorreu precisamente sobre este assunto, alertando que se vive um momento de transição<br />

no qual o exercício do pensar ficou comprometido.<br />

Não se trata de negar a tecnologia, porém, diferentemente do que falam os entusiastas, muitos<br />

destes jovens não conseguem perceber como o uso indiscriminado desta ferramenta impede a<br />

iniciativa pessoal de formar ideias próprias. Desde quando o fato de realizar diferentes atividades<br />

ao mesmo tempo é sinônimo de refletir?<br />

Apertar botões, recortar textos e colar, comunicar-se com centenas de pessoas em simultâneo,<br />

repetir infinitamente as mesmas coisas veiculadas em todos os sites; tudo isso não equivale a<br />

elaborar uma pesquisa e muito menos um pensamento autônomo, em todo caso diríamos que<br />

se forma um autômato. Portanto, longe de curvar-se sobre si para esmiuçar o absorvido, dar-se<br />

o devido tempo para descobrir e elaborar, reproduzem e imitam de maneira imediatista. Ante<br />

esta situação não se formam argumentos consistentes e tropeçam em respostas esteriotipadas e<br />

chavões relativizantes [1], como por exemplo, “é minha opinião ou meu ponto de vista”.<br />

O processo criativo demanda um esforço mental dirigido a um tema qualquer com o propósito<br />

de encontrar soluções inovadoras. É preciso no início que os estudantes sintam inquietação, procurem<br />

leituras sobre o assunto sugerido. Nesta etapa de preparação precisam deter-se sobre os<br />

dados, saber o porquê dessas informações. Orientar tal fase requer parcimônia, encontrar tempo<br />

suficiente para forçar a reflexão. Perguntar o que foi entendido, qual é a importância dentro do<br />

contexto profissional e pessoal, ler conjuntamente para perceber a coerência textual, discutir os<br />

argumentos. Este exercício precisa ser sólido para que se possa optar sobre o desdobramento do<br />

projeto, começar a focar o objetivo de interesse e eleger, entre as inúmeras alternativas, aquela<br />

que será o alicerce da criação.<br />

Neste ponto, a sensação de estagnação se manifesta tanto para os estudantes quanto para o orientador,<br />

trata-se do tempo para incubar o tema pesquisado. Por vezes os estudantes não apresentam<br />

nenhum comportamento de interesse relativo à preferência de assuntos, seja porque lhes é<br />

difícil perceber como prosseguir, seja porque escolher lhes causa a impressão errônea de exaurir o<br />

repertório. Uma etapa arriscada e até desalentadora a ponto de poder perder o alvo pretendido.<br />

Insistir novamente em que a complexidade caracteriza a particularidade, bem como, assinalar<br />

que estreitar a pesquisa enriquece o resultado, torna-se fundamental.<br />

Sendo assim, uma vez efetuada a escolha, o afunilamento irá atingir o foco que promoverá o elo<br />

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entre a investigação e a concepção. É o momento de provocar o aumento de leituras concernentes<br />

à eleição. Explicar a importância de perscrutar minuciosa e rigorosamente o estudo do objeto selecionado,<br />

como se deve olhá-lo de todos os ângulos, envolver-se e dominá-lo. Inchá-lo, deixá-lo<br />

grávido de informaçõesgrávido de informações porque nele está contido o conceito de criação.<br />

O conceito nasce de uma percepção aparentemente espontânea, mas na realidade a preparação<br />

anterior forneceu inconscientemente elementos que serviram de base para o processo cognitivo.<br />

Esse conceito precisa transitar nas veias, pulsar, ser o oxigênio de todos os componentes do grupo,<br />

pois ele deve contaminar cada parte constituinte da materialização. Todavia, isto não garante o<br />

desenvolvimento dos recursos projetuais, porque entre o objeto pesquisado e o conceito de criação<br />

está o ato de saber interpretar.<br />

Ensinar a interpretar deve ser uma das tarefas mais árduas para qualquer orientador. Como explicar<br />

a necessidade de desvelar o contido nas entrelinhas, que o conceito não é uma suposição infundada,<br />

voltar ao objeto selecionado e entender, pelo viés do conceito encontrado, os significados.<br />

A ação interpretativa envolve a unificação daquilo que é pesquisado com a multiplicidade sensorial<br />

própria da imaginação. Logo, a racionalidade imaginativa é capaz de operar em itinerários já<br />

traçados para refazê-los diferentes. Para os autores Cragnolini e Kaminsky (1996), versar sobre<br />

uma construção de interpretações de caráter provisório abre possibilidades para desconstruir e<br />

construir incessantemente o tangível. Isto assegura que não haja um único estilo, mas copiosas<br />

maneiras de criar.<br />

Nesse sentido, o conteúdo adquirido no referencial teórico, necessariamente, irá expressar-se<br />

naquilo que foi solicitado, porém, entre a divisão forma/conteúdo encontra-se o modo singular<br />

contido nos próprios sentidos, que não são um mero acidente da forma. Dito de outra maneira,<br />

quando o processo foi devidamente registrado em anotações soltas, imagens, desenhos e referências,<br />

os sentidos permitem aventurar-se em formas originais. Desse modo, caderno de registros<br />

e painel semântico são pilares da criação, pois colaboram na decodificação, releituras coesas e<br />

materializações peculiares.<br />

A interpretação também faz parte da identificação do usuário das peças ou coleção que irão<br />

desenvolver. Reconhecer códigos e símbolos, “ler” atitudes, compreender as escolhas alheias e<br />

contextualizar essas realidades antecedem qualquer metodologia aplicada. Operação difícil para<br />

estudantes que não são das áreas das ciências sociais ou psicologia e, portanto, sem recursos específicos<br />

para tal tarefa. Nesta instância, para além da pesquisa de campo, o estímulo a leituras<br />

conjunturais e o questionamento das percepções precisam ser práticas habituais.<br />

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A partir deste momento, exercitar os laboratórios criativos colabora sobremaneira com a finalização<br />

do projeto. Pintar e repintar com diversos materiais para investigar cores; desenhar de modo<br />

aleatório formas para descobrir as mais apropriadas;aleatório formas para descobrir as mais apropriadas;<br />

incentivar a atividade de desenvolver volumes para aprimorar os mais adequados, enfim,<br />

excitar os sentidos e deixá-los à flor da pele.<br />

Neste estágio, alguns conseguem encontrar soluções rápidas, enquanto outros deixam questões<br />

em aberto. O importante é que não abandonem a motivação. Por isso, às vezes, resolver de forma<br />

imediata não significa envolvimento, mas querer encerrar o ciclo e cumprir burocraticamente o<br />

solicitado. Sendo assim, a junção de processos que proporcionem a intensidade persistente, em<br />

direção ao desenvolvimento das próprias atividades individuais, precisa estar latente até o fim do<br />

processo.<br />

Por conseguinte, a satisfação final se dá por essas trocas conjuntas que brindam a oportunidade de<br />

compartilhar saberes e aprendizagens, mostrando como aquilo que está no mundo do porvir já não<br />

é mais circunscrito só à criação, senão que são laços constitutivos da construção de experiências<br />

e vivências.<br />

Notas<br />

[1] Não se trata do relativo diante do todo, mas colocar o relativo como o próprio todo.<br />

Referencias<br />

BARRUÉ, Jean. Da educação. In: Stirner, M. O falso princípio de nossa educação. Introdução. São<br />

Paulo: Editora Imaginário. 2001.<br />

BELTRÃO, Ieracê R. Corpos dóceis, mentes vazias, corações frios: o discurso científico do disciplinamento.<br />

São Paulo: Editora Imaginário, 2000.<br />

CRAGNOLINI, M.B./ KAMINSKY, G. De la risa disolvente a la risa constructiva: Una Indagacion Nietzscheana.<br />

In: Nietzsche actual e inactual, Vol II, Buenos Aires: Oficina de Publicaciones del CBC,<br />

1996.<br />

DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004.<br />

DELEUZE, G. GUATTARI, F. O que é filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 2000.<br />

FOUCAULT, Michel. Ética, Sexualidade, Política. Ditos & Escritos V. Rio de Janeiro: Forense Uni-<br />

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versitária, 2004.<br />

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O Projeto Interdisciplinas em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> como Troca de Experiências<br />

NIETZSCHE, Friedrich W. Assim falava Zaratustra: o livro para todos e para ninguém. São Paulo:<br />

Ed. Escala, 2006. Col. Grandes Obras do Pensamento Universal 1<br />

PESSANHA, José Américo M. Sócrates. 5ª ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1991. Col. Os pensadores.<br />

STINER, Max. O falso princípio da nossa educação. São Paulo: Editora Imaginário, 2001.<br />

Ed. Escala, 2006. Col. Grandes Obras do Pensamento Universal 1<br />

PESSANHA, José Américo M. Sócrates. 5ª ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1991. Col. Os pensadores.<br />

STINER, Max. O falso princípio da nossa educação. São Paulo: Editora Imaginário, 2001.<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

Profa. Dra. Márcia Merlo PPG em <strong>Design</strong> da <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong> mmerlo@anhembi.br<br />

Resumo<br />

Pensar o conceito de identidade, apesar da polêmica que este gera, está na ordem<br />

do dia. Por mais que se debata sobre usar ou não este conceito, hoje precisamos<br />

refletir acerca de sua história e consequências, em função da contemporaneidade<br />

- das antíteses e das sínteses que certas mudanças vêm ocasionando nas relações<br />

interpessoais, no plano da cultura e da sociedade em geral. Neste capítulo trataremos<br />

de pensá-lo dentro de sua abrangência cultural e de sua expressividade (especificidade)<br />

na moda. Desta forma, iniciaremos com pinçamentos teóricos para<br />

assim pensar em situações vividas e realizar algumas conexões com a moda, no<br />

sentido de contribuir, de alguma maneira, com o debate em torno da construção<br />

de identidades hoje.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Moda</strong>, antropologia, política das identidades.<br />

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Introdução<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

É sempre em relação ao outro que se coloca a questão da identidade.<br />

(AUGE, 1998)<br />

Se a identidade se constrói no plano do social, podemos, então, perceber que mudanças no plano<br />

da cultura não deixam de ser (ou apoiar) formas de afirmar identidades. Isto fica claro quando<br />

pensamos em alguns grupos de estilo que promoveram a chamada “contracultura” – negação de<br />

uma imposição cultural que oprime e reprime outras formas de expressão sócio-cultural que não<br />

sejam as padronizadas ou do que se quer hegemônico. Os adeptos da contracultura passam a ser<br />

vistos como os que negam o que está instituído, negam se identificar com o que é convencional<br />

e aceito socialmente, e, tendem a criar outros modos, estilos, padrões e até mesmo chegam a<br />

inventar “novas identidades”, ou expressões diferenciadoras delas. Porém, um rápido olhar sobre<br />

a história revela que em uma sociedade baseada na mercantilização de qualquer forma de<br />

produção, distribuição e consumo aquilo ou aquele de que compunha a diferença logo se transforma<br />

no mesmo, no desejado, no consumível, ou melhor, ele se torna diferente porque se torna<br />

exótico, mas também, estranho, bizarro, ou “contrário”. Não que seja o mesmo necessariamente,<br />

mas passa a ser reconhecido dentro do que o torna idêntico e estes elementos rapidamente são<br />

reproduzidos. Este é um movimento captado e captável no universo da moda como sistema.<br />

Por outro lado, podemos captar outra faceta deste pertencimento/reconhecimento, às vezes ser<br />

contrário a algo que se apresenta como padrão comportamental aceito socialmente, pode transformar<br />

o diferente em outro, aberrante, podendo ser rejeitado, excluído ou tornado indiferente,<br />

o que o encerra em sua situação que não o representa em sua completude. E, aqui não se coloca<br />

somente a questão da diferença, mas também a das desigualdades. Segundo Godelier (2001),<br />

existe inegavelmente no coração do capitalismo um fonte permanente<br />

de desigualdades sociais, e isto significa que nesse sistema, como em<br />

todos os outros, há coisas a serem recalcadas, coisas sobre as quais “é<br />

preciso” silenciar ou que “é preciso” travestir de “interesse comum.<br />

(GODELIER, 2001, p.310)<br />

Nesses movimentos da identidade o processo de tornar igual o diferente, por vezes, ocorre rapidamente,<br />

em outras o silenciamento de tal diferença se coloca de formas sutis, dependendo do<br />

que está em jogo. Por isso pode-se dizer que<br />

Não existe afirmação identitária sem redefinição das relações de al-<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

teridade, como não há cultura sem criação cultural. A própria referên-<br />

cia do passado é um ato de criação e, pode-se dizer, de mobilização.<br />

(AUGE, 1998, p.28)<br />

Em outras palavras, identidades e cultura são construções, processos. Assim, a questão da identidade<br />

está ligada, ao mesmo tempo, ao sentimento individual de pertencimento e de reconhecimento,<br />

a uma autocompreensão e autodefinição do lugar que se ocupa e do quem somos, mas<br />

também do contexto coletivo onde indivíduo e grupo participam e se relacionam no processo de<br />

construção, negociação, negação e defesa das identidades.<br />

É muito comum a interpretação de que a identidade representa uma resposta para algo externo e<br />

diferente dela – um outro. E este movimento da identidade de fato ocorre e precisa ser pensado.<br />

Quem somos, então? O que nos define? O que nos iguala e/ou nos diferencia?<br />

O poder da Identidade.<br />

Para Castells (1999) a identidade pode ser entendida como fonte de significado e experiência de<br />

um povo. Inclusive inicia a temática sobre a construção da identidade citando Calhoun, que diz:<br />

Não temos conhecimento de um povo que não tenha nomes, idiomas ou<br />

culturas em que alguma forma de distinção entre o eu e o outro, nós e<br />

eles, não seja estabelecida... O autoconhecimento – invariavelmente<br />

uma construção, não importa o quanto possa parecer uma descoberta<br />

– nunca está totalmente dissociado da necessidade de ser conhecido,<br />

de modos específicos, pelos outros. (CALHOUN apud CASTELLS, 1999,<br />

p.22)<br />

Castells (1999) define identidade partindo da distinção entre identidade e papéis sociais. Em suas<br />

palavras:<br />

No que diz respeito a atores sociais, entendo por identidade o processo<br />

de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda<br />

um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o (s) qual (is)<br />

prevalece (m) sobre outras fontes de significado. Para um determinado<br />

indivíduo ou ainda um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas.<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

No entanto, essa pluralidade é fonte de tensão e contradição tanto<br />

na auto-representação quanto na ação social. Isso porque é necessário<br />

estabelecer a distinção entre a identidade e o que tradicionalmente os<br />

sociólogos têm chamado de papéis, e conjunto de papéis. Papéis (por<br />

exemplo, ser trabalhador, mãe, vizinho, militante socialista, sindicalista,<br />

jogador de basquete, freqüentador de uma determinada igreja e fumante,<br />

ao mesmo tempo) são definidos por normas estruturadas pelas<br />

instituições e organizações da sociedade. A importância relativa dos<br />

papéis no ato de influenciar o comportamento das pessoas depende de<br />

negociações e acordos entre os indivíduos e essas instituições e organizações.<br />

Identidades, por sua vez, constituem fontes de significado para<br />

os próprios atores, por eles originadas, e construídas por meio de um<br />

processo de individuação. Embora, [...] as identidades também possam<br />

ser formadas a partir de instituições dominantes, somente assumem tal<br />

condição quando e se os atores sociais as internalizam, construindo seu<br />

significado com base nessa internalização. (CASTELLS, 1999, p.22-23)<br />

Em sua conceituação o autor aponta uma distinção básica; enquanto identidades organizam significados,<br />

papéis organizam funções.<br />

Também, pensar a identidade como construção é valer-se do repertório constituído de elementos<br />

fornecidos pela<br />

história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas,<br />

pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder<br />

e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados<br />

pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam<br />

seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais<br />

enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/<br />

espaço. (IBID, p.22-23)<br />

Outro autor, Jacques d’Adesky (2001), inicia sua tese sobre Pluralismo Étnico e Multiculturalismo,<br />

onde enfatiza a questão dos racismos e anti-racismos no Brasil, com a conceituação de identidade<br />

buscando apoio em outros autores e enriquece o debate. A partir de Malek Chebel, aparece<br />

a identidade como uma estrutura subjetiva marcada por uma representação do “eu” oriunda da<br />

interação entre o indivíduo, os outros e o meio. Ou seja, é,<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

ao mesmo tempo, um estado da pessoa, em um dado momento de sua<br />

existência, no qual uma das vertentes, negativa ou positiva, pode predominar,<br />

sendo que a harmonia está sempre em projeto. Ao longo da<br />

existência, acrescenta ele, a identificação do indivíduo aos ideais que<br />

lhe são propostos constitui o elemento dominante de uma marca que<br />

é, ao mesmo tempo, subjetiva e objetiva. Dessa forma, a identidade<br />

remete a um estado, uma estrutura ou uma disposição caracterizada<br />

e definível externamente à referência temporal. A identificação evoca<br />

o processo que leva a esse estado. (CHEBEL apud ADESKY, 2001, p.40)<br />

Dando continuidade às idéias de diversos autores, temos as abordagens de Raymond Ledrut que se<br />

inspira na unidade matemática, assim,<br />

o que é idêntico é o que dotado de identidade, o que permanece idêntico<br />

é o que é e assim permanece. [...] O que é o mesmo pode ser um ou<br />

múltiplo. Mas a identidade, ressalta ele, é em sua essência relacional,<br />

uma vez que implica a relação do mesmo e do outro, bem como daqueles<br />

que são os mesmos em suas diferenças, sujeitos que são semelhantes e<br />

constituem um mesmo conjunto, um mesmo todo. A ausência completa<br />

de unidade exclui toda identidade. Assim, a identidade introduz as relações<br />

entre a diferença e a universalidade, supondo a presença de um<br />

ou diversos fatores de unificação. (LEDRUT apud ADESKY, 2001, p.40)<br />

Nessa interação com os outros, a imagem de identidade que é transmitida pode ser aceita ou não,<br />

e neste sentido, se percebe a força do olhar sobre o outro. Esse olhar faz aparecer as diferenças<br />

e, desta forma, a consciência de uma identidade como em um jogo de espelhos, como acrescenta<br />

o autor Erik Erikson quando diz que esse o olhar individual ao mesmo tempo que o olhar crítico<br />

ou lisonjeiro dos outros identificado como um jogo de espelhos permite sucessivos ajustamentos<br />

nesse processo de identificação, mas acrescenta que o “fenômeno da identificação social é de<br />

uma complexidade extraordinária.” Já que esse processo é “em sua maior parte, inconsciente,<br />

exceto nos casos em que condições internas e circunstâncias externas se combinam para reforçar<br />

uma consciência de identidade dolorosa ou exaltada” (ERIKSON apud ADESKY, 2001, p.40-41).<br />

Ainda em Jacques d’Adesky citando Chebel, a noção de identidade em interação entre o indivíduo<br />

e o grupo evidencia-se, já que<br />

cada indivíduo participa de diversas almas coletivas que são as da sua<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

raça, da sua classe, da sua comunidade confessional, de seu país. O<br />

ideal do“eu” tem um grande papel na compreensão da psicologia do<br />

grupo, pois paralelamente ao seu aspecto individual, possui também<br />

um caráter social. (CHEBEL apud ADESKY, 2001, p.41)<br />

Mas a identidade coletiva não pode ser resumida como um simples sentimento de pertencimento,<br />

pois é, também, o produto de um processo de identificação. Ledrut observa que<br />

a identificação social é um conjunto de processos pelos quais um indivíduo<br />

se define socialmente, isto é, se reconhece como membro de<br />

um grupo e se reconhece nesse grupo. Pertencimento e sentimento<br />

de pertencimento são, portanto, ligados à identificação, sem com ela<br />

confundir-se. [...] Mas a identidade coletiva é também a presença do<br />

“mesmo” nos outros. Nessa interação, o grupo torna-se realmente uma<br />

coletividade cujas estruturação e unificação permitem o acesso, de alguma<br />

forma, a um nível mais seguro de existência. De agregado, o<br />

grupo passa a um estado mais consciente de si próprio. (LEDRUT apud<br />

ADESKY, 2001, p.41)<br />

Todavia, não podemos esquecer o papel da cultura no processo de identificação, mas também<br />

dentro de um contexto marcado por relações de poder. Já que quando pensamos em cultura, logo<br />

vem em mente o conjunto de todas as ordens (normas, conceitos, símbolos e valores) que pode<br />

ser vivido pelo indivíduo de forma harmoniosa ou conflitante, se, dentro de um contexto de interação,<br />

esta (cultura) aparecer como uma perda de identidade ou aculturação. Segundo d’Adesky<br />

(2001) a perda de identidade pode ocorrer no seio do grupo onde coexistem diversas culturas, mas<br />

uma se sobressai mantendo uma hegemonia sobre as demais e, no caso, de sociedades pluriétnicas,<br />

as minorias étnicas ou os grupos subalternos sofrerão mais perdas. Neste sentido, também as<br />

reivindicações por direito à diferença demonstram o repúdio à tentativa de uniformização e homogeneização<br />

dos Estados-Nações, mas podemos acrescentar que, também, apontam para formas<br />

de inserção no contexto da democratização colocada pelas sociedades globais hoje de indivíduos<br />

e grupos étnico-raciais que em nome da diferença lutam pelo direito de pertencimento e reconhecimento<br />

pela exclusão sofrida.<br />

Complementando esta idéia, guardadas as devidas proporções, Castells (1999), propõe uma distinção<br />

entre três formas e origens de construção de identidades – identidade legitimadora; identidade<br />

de resistência e identidade de projeto.<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

De forma sucinta, a identidade legitimadora está relacionada a um conjunto de organizações e<br />

instituições, bem como uma série de atores sociais estruturados e organizados dentro de uma sociedade<br />

civil, ou seja, há uma continuidade, mesmo que haja conflitos, da relação entre as instituições<br />

da sociedade civil e os aparatos de poder do Estado, organizados em torno de uma identidade<br />

semelhante (cidadania, democracia, politização da transformação social, confinamento do<br />

poder ao Estado, etc..).<br />

A “identidade de resistência” caminha na contramão da legitimadora criando o que autor denomina<br />

de trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes daqueles que<br />

permeiam as instituições da sociedade. Geralmente, os indivíduos ou grupos que se encontram<br />

nesse processo são estigmatizados ou desvalorizados dentro de uma lógica de dominação sóciopolítico-econômica<br />

e cultural. Segundo Castells (1999), o<br />

fundamentalismo religioso, as comunidades territoriais, a auto-afirmação<br />

nacionalista ou mesmo o orgulho de denegrir-se a si próprio, invertendo<br />

os termos do discurso opressivo (como na cultura das “bichas<br />

loucas” de algumas tendências do movimento gay), são todas manifestações<br />

do que denomino exclusão dos que excluem pelos excluídos,<br />

ou seja, a construção de uma identidade defensiva nos termos das instituições/ideologias<br />

dominantes, revertendo o julgamento de valores<br />

e, ao mesmo tempo, reforçando os limites da resistência. Nesse caso,<br />

surge uma questão quanto à comunicabilidade recíproca entre essas<br />

identidades excluídas/excludentes. A resposta a essa questão, que somente<br />

pode ser empírica e histórica, determina se as sociedades permanecem<br />

como tais ou fragmentam-se em uma constelação de tribos,<br />

por vezes renomeadas eufemisticamente de comunidades. (CASTELLS,<br />

1999, p.25-26)<br />

A “identidade de projeto” consiste em um projeto de uma vida diferente. Partindo de uma identidade<br />

oprimida, como no caso das mulheres em sociedades patriarcais e a luta pela liberação feminina<br />

que ocasiona uma transformação social expandindo a condição identitária anterior. Tais projetos<br />

estão ligados, todavia, a um contexto social situado historicamente. Aqui podemos pensar,<br />

por exemplo, o que significaram os anos 20 e 30 para a moda e, sobretudo, para a mulher e para o<br />

homem. Transformações de caráter político-econômico impulsionaram outros tantos movimentos<br />

identitários que remexeram nas estruturas das sociedades e culturas da época, inclusive abrangendo<br />

classes sociais distintas. O que quer dizer que, segundo Castells (1999), uma identidade de<br />

resistência pode se transformar em projeto e ser legitimada com o tempo.<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

A história da indumentária acompanhou e acompanha alguns desses movimentos sociais e apresenta,<br />

em geral, o forte vínculo entre o vestuário, os acessórios e o comportamento com a identidade<br />

que se constrói nesse processo de escolhas, que, também, passa pelas transgressões e pela busca<br />

de pertencimento social. Todavia, os movimentos da moda marcam a história social e são marcados<br />

por esta, em relação ao duplo movimento de imitação e distinção e suas variáveis analíticas,<br />

assim como o repensar tais movimentos na atualidade a partir do que Lipovetsky (1989) aponta<br />

como uma tripla operação: a sedução, a efemeridade e o desejo de indiferenciação marginal,<br />

evidenciando outras relações dentro da forma-moda e dos novos processos identitários.<br />

E como ficam as escolhas nos dias atuais quando se coloca em pauta, na contemporaneidade, a<br />

crise de identidades ou de sentidos?<br />

Na tentativa de responder a questão, recorremos a uma argumentação de Hall (2000), acerca das<br />

transformações ocorridas nas sociedades modernas no final do século XX e como isto vem afetando<br />

as identidades culturais. As identidades modernas estão sendo “descentradas”, isto é, deslocadas<br />

ou fragmentadas e, neste sentido, estão entrando em colapso. Uma mudança estrutural está<br />

modificando as sociedades modernas e este fenômeno está fragmentando as paisagens culturais<br />

de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que no passado, nos tinham fornecido<br />

sólidas localizações como indivíduos sociais. Hoje, no entanto, esses processos de mudança,<br />

tomados em conjunto, representam um processo de transformação tão<br />

fundamental e abrangente que somos compelidos a perguntar se não é<br />

a própria modernidade que está sendo transformada. [...] a afirmação<br />

de que naquilo que é descrito, algumas vezes, como nosso mundo pósmoderno,<br />

nós somos também “pós” relativamente a qualquer concepção<br />

essencialista ou fixa de identidade – algo que, desde o Iluminismo, se<br />

supõe definir o próprio núcleo ou essência de nosso ser e fundamentar<br />

a nossa existência como sujeitos humanos. (HALL, 2000, p.10)<br />

Hall (2000) distingue três concepções de identidade: a do sujeito do Iluminismo; a do sujeito sociológico<br />

e a do sujeito pós-moderno. Quando se refere ao sujeito do Iluminismo, aponta para um<br />

indivíduo centrado, unificado, dotado das capacidades da razão, da consciência e da ação, cujo<br />

centro consistia em um núcleo interior que emergia ao nascimento e permanecia com o sujeito –<br />

contínuo e idêntico. “O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa” (IBID, p.11). Esta<br />

era uma concepção individualista do sujeito e de sua identidade.<br />

A identidade do sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a<br />

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consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era<br />

formado na relação com outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o sujeito os<br />

valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele/ela habitava. Trata-se de uma concepção<br />

interativa da identidade e do eu e que já conota a identidade como aquilo que vem do<br />

meio e dos outros na minha formação. Assim o sujeito tem um núcleo ou essência interior que é<br />

o “eu real”,<br />

mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos<br />

culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem.<br />

A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o<br />

“interior” e o “exterior” – entre o mundo pessoal e o mundo público. O<br />

fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais,<br />

ao mesmo tempo em que internalizamos seus significados e valores,<br />

tornando-os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos<br />

subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e<br />

cultural. (HALL, 2000, p.11-12)<br />

Então, se a identidade costura o indivíduo à estrutura, no sentido de criar uma estabilidade ao<br />

sujeito e ao mundo que ele habita, tornando-os mais previsíveis e unificados, está em franca mudança,<br />

pois o que se projeta na atualidade é exatamente uma variação, provisória e problemática<br />

das identidades. E, aqui entramos, no sujeito pós-moderno. Este é conceituado como não tendo<br />

uma identidade fixa, essencial ou permanente,<br />

A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada<br />

continuamente em relação às formas pelas quais somos representados<br />

ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. (IBID,<br />

p.12-13)<br />

A identidade é definida histórica e não biologicamente. O sujeito assume identidade diferentes<br />

em diferentes momentos, que não são unificadas em torno de um “eu” coerente.<br />

Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes<br />

direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente<br />

deslocadas. (IBID, p.13)<br />

Podemos até afirmar que a identidade é relacional por excelência, desde que aceitemos que também<br />

neste campo há uma negociação, a que podemos denominar como uma política de identidade<br />

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como bem esclarece Montero (1997)<br />

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a identidade não é mais definida como um modo de ser cuja natu-<br />

reza profunda é preciso revelar, mas como um jogo simbólico no qual<br />

a eficácia depende do manejo competente de elementos culturais. No<br />

contexto da cena contemporânea, a identidade cultural e a diversidade<br />

se carregam pois de significados simbólicos capazes de mobilizar<br />

poderosamente e criar, à sua imagem, os grupos que elas designam.<br />

(MONTERO, 1997, p.63)<br />

Em Bauman (2005) encontramos uma análise digna de reflexão, que nos posiciona a pensar que se<br />

há um “jogo de identidades” este não é uma invenção da “pós-modernidade” ou de outro grupo<br />

que tenha e venha revolucionando os costumes, mas é algo intrínseco à modernidade. Diz<br />

A natureza provisória de toda e qualquer identidade e de toda e qualquer<br />

escolha entre a infinitude de modelos culturais à disposição não é uma<br />

descoberta das feministas, muito menos invenção delas.<br />

A idéia de que nada na condição humana é dado de uma por todas ou<br />

imposto sem direito de apelo ou reforma – de que tudo que é precisa<br />

primeiro ser “feito” e, uma vez feito, pode ser mudado infinitamente<br />

– acompanhou a era moderna desde o início. De fato, a mudança obsessiva<br />

e compulsiva (chamada de várias maneiras: “modernização”,<br />

“progresso”, “aperfeiçoamento”, “desenvolvimento”, “atualização”)<br />

é a essência do modo moderno de ser. Você deixa de ser “moderno”<br />

quando pára de “modernizar-se”, quando abaixa as mãos e pára de<br />

remendar o que você é e o que é o mundo a sua volta. (BAUMAN, 2005,<br />

p. 90)<br />

Dentro desse “modernizar-se”, posicionar-se como “ser moderno”, ainda algo para pensar a<br />

identidade se coloca em relação à cultura da aparência tão presente no universo da moda. Para<br />

Bauman (2005), a<br />

liberdade de alterar qualquer aspecto e aparência individual é algo que<br />

a maioria das pessoas considera prontamente acessível, ou pelo menos<br />

vê como uma perspectiva realista para o futuro próximo.<br />

Selecionar os meios necessários para conseguir uma identidade alternativa<br />

de sua escolha não é mais um problema (isto é, se você tem<br />

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dinheiro suficiente para adquirir a parafernália obrigatória). Está à sua<br />

espera nas lojas de traje que vai transformá-lo imediatamente no personagem<br />

que você quer ser, quer ser visto sendo e quer ser reconhecido<br />

como tal. (IBID, p.91)<br />

Mas aqui também e de novo aparece um problema: Se posso “escolher” qual personagem quero<br />

ser, ou melhor, qual das identidades alternativas escolher, até quando ser isto ou aquilo diante de<br />

outras experimentações dá coerência e consistência ao meu eu real? Qual é o meu projeto e o que<br />

está em processo na construção de minha identidade, ou melhor, do meu ser no mundo? Tal incerteza<br />

gera conflitos. O sociólogo polonês nos coloca diante de outra problemática da construção<br />

da identidade na contemporaneidade. Diz:<br />

Se no passado a “arte da vida” consistia principalmente em encontrar<br />

os meios adequados para atingir determinados fins, agora se trata de<br />

testar, um após o outro, todos os (infinitamente numerosos) fins que se<br />

possam atingir com a ajuda dos meios que já se possui ou que estão ao<br />

alcance. A construção da identidade assumiu a forma de uma experimentação<br />

infindável. Os experimentos jamais terminam. Você assume<br />

uma identidade num momento, mas muitas outras, ainda não testadas,<br />

estão na esquina esperando que você as escolha. Muitas outras identidades<br />

não sonhadas ainda estão por ser inventadas e cobiçadas durante<br />

a sua vida. Você nunca saberá ao certo se a identidade que agora exibe<br />

é a melhor que pode obter e a que provavelmente lhe trará maior satisfação.<br />

(IBID, p. 91-92)<br />

Nesta corrida desvairada, ensandecida, ansiosa e esperançosa por satisfação, o sujeito pode estar<br />

revelando, sem dúvida, o desejo de diferenciação e/ou de indiferenciação social e/ou marginal,<br />

assim como a busca de pertencimento e reconhecimento, porque não... Ou simplesmente, o desejo<br />

do desejo de satisfação que nunca ocorre, pois o próprio Bauman (1999) aponta para a questão<br />

de que o azar do desejo é a satisfação, já que o desejo deseja o desejo. Hoje o desejo não tem<br />

limite, principalmente ao retratar o movimento dos consumidores na sociedade do consumo. Ao<br />

referir-se a tal busca, diz que não é tanto<br />

a avidez de adquirir, de possuir, não o acúmulo de riqueza no seu sentido<br />

material, palpável, mas a excitação de uma sensação nova, ainda<br />

não experimentada – este é o jogo do consumidor. Os consumidores são<br />

primeiro e acima de tudo acumuladores de sensações; são coleciona-<br />

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dores de coisas apenas num sentido secundário e derivativo. (BAU-<br />

MAN, 1999, p.91)<br />

E em relação às novas tribos ou “tribos urbanas” [1]?<br />

Os anos pós-guerras nos faz pensar naqueles jovens rebeldes de algumas décadas atrás, sobretudo<br />

em alguns de seus ideários e em imagens marcantes que apoiam a análise dos acontecimentos e<br />

recaio na questão da identidade. Como a <strong>Moda</strong> atua na mobilização de novos agrupamentos em<br />

torno de novas imagens e plásticas do corpo e da moda, enfim, na cena contemporânea, a questão<br />

que fica é de como isto vem acontecendo com as tais “tribos urbanas”, ou como esses jovens dos<br />

anos 80 e 90 se inseriram no consumo e na procriação do mix de estilos?<br />

Outra abordagem a ser feita e que está em total relação com a <strong>Moda</strong> refere-se ao termo “tribos<br />

urbanas” e que se relaciona com os conceitos e contemporaneidade tratados anteriormente, é<br />

claro. Mas para pensar em tribo urbana é preciso começar por quem é este sujeito urbano e se<br />

cabe denominar os agrupamentos entre os “urbanos” de tribos? Vamos começar pela vida na cidade<br />

e isto nos remete ao século XIX [2]. Para Simmel,<br />

a vida na metrópole é caracterizada por um relativo crescimento na<br />

estimulação mental. A existência rural ou a vida numa pequena comunidade<br />

é mais emocional e estável, ainda que falte a ela a liberdade<br />

pessoal. A superestimulação da vida metropolitana, porém, paradoxalmente<br />

ameaça o indivíduo em busca da identidade. (SIMMEL apud<br />

EDGAR & SEDGWICH, 2003, p.354)<br />

Pensamento correspondente, também, nos primeiros anos do séc. XX e explicitado por outros autores<br />

que conceituaram esse indivíduo das metrópoles em relação aos não-urbanos:<br />

O excesso de estímulo e a ameaça dos outros levam a uma atitude<br />

reservada, ou indiferente, expressa na busca eterna por novidade e<br />

excentricidade. A análise de Benjamin sobre Paris do século XIX proporciona<br />

uma impressionante gama de leituras fragmentárias sobre a cidade,<br />

sendo a mais famosa delas a imagem do flâneur. O flâneur passeia<br />

anonimamente pela cidade (como em O homem da multidão, de Edgar<br />

Alan Poe), contemplando-a numa sucessão de impressões efêmeras.<br />

(IBID, p.354)<br />

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No entanto, o flâneur é um amante da cidade, ele se lança na multidão, no anonimato, mas esta<br />

não passa despercebida por ele.<br />

Mas, qual a relação entre esse sujeito anônimo em meio à multidão e a formação de tribos urbanas?<br />

Que conceito é este?<br />

No conceito etnológico, a tribo aparece com fronteiras bem definidas e, geralmente, apresenta<br />

poucas mudanças internas ao longo dos anos, comparativamente aos padrões da modernidade.<br />

Outro aspecto que merece ser dito é que tribo remete a uma organização político-administrativa<br />

maior e, geralmente, corresponde a uma associação política entre sociedades com finalidade mais<br />

amplas e não restritivas como se lê no termo, via de regra. Por isto mesmo é que as novas abordagens<br />

em torno da pós-modernidade, a partir da revisitação e alargamento dos conceitos de etnia,<br />

raça, nação, etc., colocam-nos impertinências nesta conceituação.<br />

O antropólogo Magnani, em um artigo intitulado Tribos Urbanas: Metáfora ou Categoria?, chamanos<br />

a atenção para alguns paradoxos no uso do conceito e que merecem ser pensados.<br />

E o que é que vem à mente quando se fala em “tribos urbanas”? Exatamente<br />

o contrário dessa acepção: pensa-se logo em pequenos grupos<br />

bem delimitados, com regras e costumes particulares em contraste<br />

com o caráter homogêneo e massificado que comumente se atribui ao<br />

estilo de vida das grandes cidades. Não deixa de ser paradoxal o uso<br />

de um termo para conotar exatamente o contrário daquilo que seu<br />

emprego técnico denota: no contexto das sociedades indígenas “tribo”<br />

aponta para alianças mais amplas; nas sociedades urbano-industriais<br />

evoca particularismos, estabelece pequenos recortes, exibe símbolos e<br />

marcas de uso e significado restritos.<br />

Por isso é que não se pode tomar um termo de um contexto e usá-lo<br />

em outro, sem mais - ou ao menos sem ter presente as reduções que<br />

tal transposição acarreta. Como categoria, tribo quer dizer uma coisa;<br />

enquanto metáfora, é forçada a dizer outras, até mesmo contra aquele<br />

sentido original. Sendo metáfora, “tribo” evoca, mais do que recorta.<br />

E evoca o quê? Primitivo, selvagem, natural, comunitário – características<br />

que se supõe estarem associadas, acertadamente ou não, ao modo<br />

de vida de povos que apresentam, num certo nível, a organização tribal.<br />

O fato de substituir a precisão do significado original por imagens<br />

associadas de forma livre (e algumas delas incorretamente) é que dá ao<br />

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termo “tribo” seu poder evocativo, permitindo-lhe designar realidades<br />

e situações bastante heterogêneas. (www.n-a-u.org/Magnani.html) [3]<br />

Dito isto, o antropólogo nos apresenta de forma clara como o uso de uma classificação fora do<br />

contexto histórico e social do grupo, altera o entendimento, assim como pode estabelecer visões<br />

negativas acerca dos indivíduos associados por inúmeros motivos a um certo grupo urbano, que<br />

nem sempre representa o grupo social ao qual ele pertencente, de fato. Desta forma, ser visto e<br />

classificado dentro de um contexto que não abrange a sua existência social pode ser prejudicial<br />

às relações sociais, políticas e econômicas estabelecidas ou em o que em potencial poderia vir a<br />

acontecer. Dito de outra forma, tal tipologia marca o indivíduo e o grupo.<br />

Mira (1997) refletindo sobre a relação entre o local e o global aponta, também, algumas possibilidades<br />

para pensarmos o conceito de tribo aqui. Diz:<br />

os antropólogos sabem que para uma tribo o centro do mundo é o centro<br />

da aldeia. Mas a aldeia global possui muitos centros e um indivíduo<br />

doravante descentrado, que pode construir sua identidade vinculada a<br />

lugares distantes, da mesma maneira pode mudar de identidade. A idéia<br />

de muitos centros descarta a noção de uma realidade e, portanto, de<br />

uma identidade absoluta, total e fechada em si mesmo. Às tribos urbanas<br />

não se é fiel para sempre, como nas sociedades primitivas. Porém,<br />

a separação entre espaço e lugar não exclui os lugares: sejam os de<br />

raiz, sejam os pontos de encontro, lojas, danceterias, templos, centros<br />

de cultura e tradição, onde a comunidade se materializa. (MIRA, 1997,<br />

p.147-148)<br />

Nota-se assim que o conceito de “tribos urbanas” para definir o comportamento da juventude<br />

contemporânea, a princípio é um conceito que apresenta um limite.<br />

O limite aqui apresentado revela a necessidade de compreendermos a dinâmica social dos grupos<br />

sociais hoje. Estamos vivendo outros tempos, onde tudo ocorre de forma instantânea, sobretudo<br />

quando se está no âmbito do urbano, pois neste sentido é onde mais se apresenta os paradoxos<br />

do global e do local. Nesta busca de um lugar reconhecido é que o não lugar vira um ponto de<br />

encontro e a apropriação de um espaço que não era o meu, mas passa a ser nos defronta com<br />

novas abordagens. O que nos coloca a necessidade de ampliarmos nossas visões sobre as coisas, as<br />

pessoas, os conceitos, a vida.<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

Torna-se perceptível o esforço intelectual em melhor definir comportamentos dentro dos termos:<br />

tribos urbanas, supermercado de estilos [4], grupos de estilo, novos agrupamentos sociais e/<br />

ou urbanos. Culturas juvenis, linguagens juvenis, jovens urbanos, estilos... Ou estamos falando<br />

simplesmente de indivíduos em busca de pertencimento social (a tão desejada aceitação e visibilidade)?<br />

Uma busca de estilos próprios? Mas, se está associada à tribo um estilo próprio que, inclusive,<br />

contribui ou define-a perante comparações, o que vem a ser estilo? O que significa ter um?<br />

De antemão, podemos dizer que é uma palavra carregada de significados ou nuances de significados.<br />

Consideremos, em um primeiro momento, a associação de estilo com a moda, ou com um<br />

estilo de vestimenta (seja ele um estilo na moda ou não); o que temos? Há diferença em dizer:<br />

Apresentar-se com estilo ou num estilo distinguível de outros estilos?<br />

Se por um lado, o termo estilo aparece carregado de valores, estes, sem dúvida alguma, são de<br />

ordem estética, significados dentro de um tempo e espaço. Dessa forma, os estilos podem ser<br />

compreendidos como expressão dos valores e da identidade de grupos sociais.<br />

Por outro lado, quando associamos ao “estilo” a sua legitimidade sócio-cultural,<br />

os estilos de vida podem ser entendidos como um foco de identidade<br />

individual ou de grupo, desde que o indivíduo expresse-se valendo-se<br />

de escolha significativa de determinados itens ou padrões de comportamento,<br />

como códigos simbólicos, de uma pluralidade de possibilidades.<br />

A escolha de um estilo de vida pode ser vista como uma forma de resistência<br />

à ordem social dominante. Entretanto, a análise de estilos de<br />

vida também tem de se voltar ao problema de até onde a escolha do<br />

estilo de vida representa uma escolha genuinamente livre e criativa, e<br />

até onde ela representa a influência da propaganda e de outras mídias<br />

de massa sobre a vida cotidiana, e, portanto, sobre a incorporação do<br />

indivíduo na ordem social dominante. (EDGAR & SEDGWICK, op. cit.,<br />

p.110)<br />

Outro ponto interessante desse conceito é o de como ele foi colocado por alguns membros de<br />

movimentos de contracultura em oposição à moda vigente.<br />

<strong>Moda</strong> é a antítese de estilo. <strong>Moda</strong> é o que é seguido por pessoas que não<br />

sabem quem são, pessoas que dependem de revistas de moda para criar<br />

uma identidade para elas. Estilo é decidir quem você é e perpetuar<br />

essa decisão. Ou, dizendo de outro modo, ter estilo é ser você mesmo<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

mas com propósito. (CRISP apud BIVAR, 1982, p.77)<br />

Dito desta forma, estilo aparece como um modo de diferenciar-se e de ser reconhecido pela diferença;<br />

ou seja, o indivíduo passa a ser identificado pela diferença que apresenta em relação ao<br />

mesmo que se coloca pela cultura (ou modos) em geral. Mas nem sempre se trata de indivíduo,<br />

mas de indivíduos que passam a se apropriar de estilos próprios e serem identificados como um<br />

grupo. Segundo Carmo (2003),<br />

cria-se a ilusão de que há uma escolha intencional e pessoal, que distingue<br />

do padrão, do lugar-comum. O uso de peças fora de seu contexto<br />

original e recolocadas num novo e inusitado conjunto, semelhante a um<br />

processo de colagem (pendurar gilete como brinco, por exemplo), permitiria<br />

criar significações novas e identidade única de pertencimento<br />

grupal.<br />

O grupo e o indivíduo passam a ser reconhecidos pelos adereços e vestimentas<br />

que usam, e o estilo torna-se importante expressão da identidade<br />

do grupo e dos ideais por ele adotado. Enquanto a moda aparece<br />

como cópia de um conjunto de traços já aceitos, o estilo supostamente<br />

envolveria um processo de criação em que um grupo social explicitaria<br />

sua identidade, suas formas de atuação e seus questionamentos.<br />

(CARMO, 2003, p.203)<br />

No mais, como explicar as explosões dos movimentos que surgem e ressurgem e que representam<br />

forças que nos empurram para cá ou para lá no jogo das identidades que são constantemente negociadas<br />

social e politicamente? Como compreender os anos rebeldes e olhar para os dias atuais,<br />

em que a rebeldia juvenil aparece na quebradeira da Av. Paulista em um dia de comemoração de<br />

final de campeonato de futebol? Quem são os novos rebeldes que quebram estabelecimentos comerciais,<br />

aparentemente sem uma causa social, o que transparece violência por violência? É claro<br />

que eles estão dizendo algo? Serão essas as novas “tribos urbanas”?<br />

Também não é novidade para ninguém o papel dos meios de comunicação no sentido de ditar<br />

modas (modismos) e interferências no comportamento em geral e é claro que isso não ocorre sem<br />

interesses, e na maior parte das vezes de grupos econômicos. No entanto, Carmo (2003) enfatiza<br />

a idéia de que se alguns jovens caem na tentação midiática e consomem para se tornar mais um<br />

entre tantos, nem todos os jovens agem (ou agiam) da mesma maneira. E ao associar à roupa uma<br />

forma de contestação, diz<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

O crescimento de grupos de jovens reunidos em torno de um ideal ou<br />

organizados em tribos e gangues e, juntamente com eles, uma preocupação<br />

maior com o vestuário tiveram incremento no início dos anos<br />

50. Essa época marca não apenas a ampliação do consumo de massa,<br />

mas também maior liberdade do jovem em relação à sociedade e ao<br />

meio familiar. Certa independência financeira lhe possibilitou consumir<br />

para diferenciar-se, bem como para criar espaços próprio para seus<br />

encontros e lazer. (IBID, p. 192)<br />

Mas também de consumo, apontando para novas relações, que geraria novos comportamentos,<br />

rapidamente aproximados e reproduzidos pelo sistema- moda. O autor continua:<br />

No fim dos anos 50 consolidava-se a percepção da juventude de que<br />

pertencia a uma camada mais autônoma com características próprias.<br />

Surgiam as primeiras modas ou antimodas minoritárias. Na França, os<br />

jovens se destacavam por sua paixão pelo jazz e pela elegância espalhafatosa;<br />

nos Estados Unidos, pelo despojamento dos beatniks; na<br />

Inglaterra, os mods, teddy boys e rockers rivalizavam entre si em suas<br />

vestes.<br />

Nos anos 50, o blusão de couro preto tornou-se uma marca dos motociclistas,<br />

símbolo da vida em bando, de união e até mesmo de identificação<br />

entre alguns grupos, chamados “blusões negros”. Já nos anos<br />

60, os jovens europeus, com maior disponibilidade financeira, exerciam<br />

seu poder de decisão na compra e adoção de certos produtos de interesse<br />

próprio. “Essa geração cresceu em uma sociedade prospera, a primeira<br />

deste século a ter dinheiro para gastar”, diz o historiador inglês<br />

Eric Hobsbawm. (IBID, p.192)<br />

E ainda, em relação ao poder da roupa como um elemento contestador e o papel do consumo triunfando<br />

na época, Carmo (2003) comenta:<br />

Num ato mágico, a juventude européia acreditava que o poder e a virtude<br />

da América do Norte estavam presentes no jeans Levis e que seriam<br />

automaticamente transferidos para ela. Hoje, cada tribo se identifica<br />

por sua roupa e adereços; a marca da roupa, com ou sem grife,<br />

vale como carteira de identidade grupal. A partir dos anos 60, ganharão<br />

maior abrangência as ondas hippie, skinhead, punk, new wave, ras-<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

tafári, surfista, gótico, skatista, grunge, clubber, rapper. (IBID, p.192)<br />

Dessa forma reitera-se uma questão: a de que não é novidade alguma, hoje no próprio world fashion,<br />

que a Antropologia com o seu arcabouço teórico e experiência etnográfica, guardadas as devidas<br />

proporções, para a captação de tais comportamentos. O que se faz cada vez mais necessário,<br />

uma vez que podemos dizer que as identidades plurais apresentadas dentro desse “supermercado<br />

de estilos” tornam-se cada vez menos reveladoras, pois o que se apresenta em termos da aparência<br />

não corresponde ou abarca todos os significados contidos no ato de vestir ou na leitura simplificada<br />

dos trajes, já que se trata de expressões humanas e inserção social. Polhemus (2004) em uma<br />

entrevista, deixa transparecer sua visão de antropólogo nesta relação entre moda e visualidade:<br />

WF: “O que é mais essencial, intelectualmente falando, para um relato<br />

antropológico sobre a moda? A visão da ‘atualidade vivenciada’ e/ou o<br />

mergulho histórico?”<br />

TP: “O essencial para uma abordagem antropológica de estilo – prefiro<br />

esse termo ao mais limitado ‘moda’ – é uma apreciação dos extraordinários<br />

poderes da comunicação visual e um sentido da importância<br />

vital – mesmo hoje – dessa forma de expressão humana.”<br />

WF: “<strong>Moda</strong> e comportamento são palavras que se interagem e coexistem?<br />

Como o sr. vê essa inter-relação?<br />

TP: “O estilo visual é parte do comportamento humano e na minha<br />

concepção, é uma parte vital. Tanto no nível individual como no social,<br />

ambos o estilo e a aparência (e isso vale para todas as culturas e<br />

eras históricas) refletem outros comportamentos e (é defensável que o<br />

fazem mais perfeitamente do que outros meios, incluindo a expressão<br />

verbal) os expressam.” (POLHEMUS, 2004, p.16)<br />

Mesquita (2004) reflete sobre os movimentos da moda contemporânea e nos dá outras pistas para<br />

interpretarmos a moda como linguagem no sentido de lermos, interpretarmos novos códigos de<br />

estilos ou de <strong>Moda</strong>, ao afirmar que:<br />

A insistente idéia de se considerar a <strong>Moda</strong> como linguagem deve ser<br />

constantemente encarada sob a ótica de uma rede complexa de mensagens,<br />

nada simples de serem identificadas. Por exemplo, se considerarmos<br />

o mix de referências comum à <strong>Moda</strong> contemporânea, as influências<br />

que o processo de globalização produz, e até mesmo a apropriação que<br />

o consumidor faz dos códigos de <strong>Moda</strong>, devemos ter extremo cuidado<br />

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ao “rotular” estilos ou interpretar mensagens. A <strong>Moda</strong>, especialmente<br />

a partir da década de 1990, confunde muito mais que revela. Mistura<br />

códigos sociais, econômicos, geográficos, além de exaltar a linguagem<br />

individual em detrimento da coletiva, o que torna ainda mais particularmente<br />

complicado o exercício de decifração. (MESQUITA, 2004, p.77)<br />

E aí aparece uma resposta, ainda que esteja na ponta do iceberg, àquela pergunta inicial sobre o<br />

que nos diriam os jovens dos anos rebeldes e que nós somos alguns deles hoje, de que acontecimentos<br />

de uma década levaram a outros em outra época, sem que fossem apagados totalmente,<br />

pois um fato esteve (está) tecido a outro, assim como uma década se interpõem a outra, mesmo<br />

que seja para não “reproduzi-la”... Os fios emaranhados de um tempo em outro foram (vão) tecendo<br />

outras possibilidades a partir do que não se queria mais idêntico, mas ainda assim o outro<br />

estava repleto daquilo que ele tanto repugnava, pois, no fundo, passou a existir para apagar um<br />

passado que se continuava carregando e que desejava mudar, mas também, por vezes, carregava<br />

para conservar.<br />

E na atualidade, como isso acontece? Como este sujeito dos tempos presentes aparece nas linguagens<br />

da <strong>Moda</strong> e é por ela refletido, representado?<br />

O sujeito da atualidade é colocado diante de uma infinidade de informações e de uma complexidade<br />

de valores, sentidos e significados, por vezes, contraditórios. Como diz a antropóloga Mira,<br />

a partir do momento em que as pessoas são colocadas diante de um<br />

número de informações tão grande, de um circuito de trocas culturais<br />

tão amplo, cria-se o contexto que propicia a construção de identidades<br />

plurais e transitórias. Para o sujeito ‘pós-moderno’, é possível transitar<br />

entre diferentes identidades. (MIRA, 1997, p.145)<br />

Assim, no próprio indivíduo se refletem as contradições do sentir pertencendo e o jogo das identidades<br />

se faz em momentos oportunos em que a afirmação da identidade se dá de múltiplas formas,<br />

e se torna “necessária” no momento em que se deixa de ser igual e se precisa firmar o ser<br />

– eu sou perante o outro para não deixar de ser, para não morrer, no sentido mais amplo do termo.<br />

A velocidade com que as imagens e informações chegam até nós hoje qualifica nossas relações<br />

com os outros sujeitos, bens e saberes. A aceleração da história nos desloca assim como altera<br />

nossas relações pessoais e interpessoais. Desejamos o novo, desejamos consumi-lo. Desejamos<br />

possuir os objetos e os qualificamos como possuidores de uma magia que nos proporcionará algo a<br />

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mais, como um feitiço, somos atraídos pelo fetiche da mercadoria e, principalmente, por tudo o<br />

que depositamos (transferimos, projetamos, esperamos) neles (sentimentos, sentidos, memórias),<br />

mas nem sempre pensamos nas reais dimensões de tudo o que adotamos e consumimos. Nós<br />

possuímos nossos bens ou eles nos possuem?<br />

Contudo, podemos perceber o quanto a efemeridade nos embriagou (embriaga), porque através<br />

dela desejamos ter para ser,<br />

(...) a sede de imagens e de espetáculos, o gosto pela autonomia, o culto<br />

ao corpo, a embriaguez das sensações e do novo. Consome-se cada<br />

vez menos para ofuscar o Outro e ganhar consideração social e cada vez<br />

mais para si mesmo. Consome-se pelos serviços objetivos e existenciais<br />

que as coisas nos prestam, por seu self-service; assim caminha o individualismo<br />

narcísico, que não corresponde apenas ao desenvolvimento<br />

do furor psi e corporal, mas também a uma nova relação com os outros<br />

e com as coisas. (LIPOVETSKY, 1989, p.173)<br />

Essa relação neo-narcísica, segundo Lipovetsky (1989),<br />

reduz nossa dependência e nosso fascínio em relação às normas sociais,<br />

individualiza nossa relação com o standing; o que conta é menos<br />

a opinião dos outros do que a gestão sob medida de nosso tempo, de<br />

nosso meio material, de nosso próprio prazer. (IBID, p.173)<br />

O que Lipovetsky aponta aqui pode ser encarado como um prenúncio dos anos 90 e primórdios do<br />

século XXI, nos tais “tempos hipermodernos”? Sébastien Charles pensando Lipovetsky (2005) diz:<br />

O sistema final da moda sacraliza a felicidade privada das pessoas e<br />

destrói em benefício de reivindicações e preocupações pessoais as solidariedades<br />

e consciências de classe. E, de certa maneira, o maio de 68<br />

pode ser visto como a aplicação da lógica da moda à Revolução. Esse<br />

acontecimento ilustra bem a oposição entre um individualismo hedonista<br />

declarado e os conservadorismos sociais de outra época, que davam<br />

continuidade a diferenciações hierárquicas e autoritárias, sobretudo no<br />

plano sexual. (LIPOVETSKY, 2005, p.30)<br />

Pensando esse sistema que “deglute e assimila”, apoiando-se nas palavras de Carmo (2003), para<br />

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refletir a referência que Lipovetsky (2005) faz ao sistema final da moda e à aplicação de maio de<br />

68 a uma lógica da <strong>Moda</strong>, o autor escreve:<br />

Se, nos anos 60, uma vanguarda colocou em xeque toda a sociedade,<br />

modificando seus valores, modos e até mesmo objetos, as décadas seguintes<br />

promoveram uma espécie de “filtragem” dessa revolução, ou<br />

melhor, um “assentamento” dos exageros.<br />

O chamado sistema absorveu e incorporou os que queriam transformar<br />

e destruir, ou os transformou em produto e dinheiro para ficar ainda<br />

mais forte e poderoso. A criação contestadora foi absorvida e expandida<br />

para fora dos grupos de onde primeiramente se originou e assim<br />

desagregou-se ou diluiu-se (CARMO, 2003, p. 203).<br />

E aqui é possível captarmos mais um movimento de descentramento do sujeito pós-moderno. Sua<br />

identidade não se multiplica necessariamente, ela pode entrar em um movimento de diluição, o<br />

que faz este indivíduo sofrer incertezas, inseguranças e lançar-se a novas investidas que o mercado<br />

capta e passa a oferecer em forma de produtos culturais consumíveis em massa. Este também<br />

é um movimento captado pela moda pensada como sistema, mas que contribui para o esvaziamento<br />

de sentidos, sobretudo dos significados iniciais daqueles que propunham novas abordagens<br />

em relação à constituição de estilos, e por vezes, os significados eram contestadores aos padrões<br />

estabelecidos. O autor continua:<br />

Nesse processo de diluição, os agentes do mercado exercem importante<br />

papel, no sentido de que passam a se apropriar das inovações a<br />

fim de dar continuidade à ininterrupta e lucrativa produção de novidades.<br />

Diante disso, os grupos contestadores passam a preocupar-se<br />

em tentar evitar a transformação do seu estilo em modismo, já que isso<br />

diluiria seu propósito expressivo. Mas estão em permanente perigo de<br />

ser novamente apropriados e digeridos pela indústria cultural e, assim,<br />

padronizados e devolvidos à normalidade como produtos da moda. A<br />

vanguarda logo vê ser esvaziado o significado original de seus gestos e<br />

estilos.<br />

Mesmo os grupos mais radicais enfrentam o problema. Os punks criaram<br />

sinais repugnantes, como a suástica nazista e o lixo do consumo<br />

como seus símbolos de identidade, na crença de escapar à incorporação<br />

pelo mercado. Mas, passado o primeiro impacto, a indústria e a mídia<br />

começaram a perceber a possibilidade de tirar proveito do espaço aberto<br />

por eles. (IBID, p.203-204)<br />

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t Um exemplo disto é a rapidez com que se reproduzem esteticamente em produtos as formas<br />

criadas por estes grupos originais e nem sempre correspondem ao consumo do próprio grupo que<br />

“ofereceu” a referência inicial, pois também entra em debate a questão da acessibilidade dos<br />

bens e da imaterialidade inspiratória de suas criações. Sem purismos, entramos no mundo dos<br />

negócios da moda e assim ele se revela,<br />

A joalheria H. Stern, por exemplo, criou uma coleção denominada new<br />

wave, reproduzindo fielmente as formas e desenhos inventados pelos<br />

punks como seus adornos originais. O que fora objeto de agressão<br />

acabou se convertendo em jóia cara. Brincos, pulseiras e broches, colares<br />

que se assemelhavam a uma corrente de prender cachorro foram<br />

produzidos com platina, um dos metais mais valiosos.<br />

Como se vê, o uso da roupa incorporada como estilo não consegue se<br />

manter por muito tempo como manifestação genuína que visa provocar<br />

reações; logo se torna apenas travessura ou mania juvenil, esvaziada de<br />

seu significado original. O preço da difusão de movimentos vanguardistas<br />

é a diluição estética e a perda de seu vigor inventivo. (IBID, p.204)<br />

Pensando moda como sistema, à medida que integra aparentemente nivelando indivíduos e produzindo,<br />

de forma geral, uma sensação de pertencimento, uma vez que a roupa demarca padrão de<br />

vida e transmite informações, mesmo que esta não corresponda à realidade social do indivíduo<br />

que a veste, ela [5] se torna o lugar do desejo de inovar, imitar, renovar, ou seja, ela reitera dialeticamente,<br />

por um lado, a competição de prestígio entre grupos que pretendem distinguir-se<br />

e por outro, reforça através da própria imagem sinais que possam assegurar ou trazer um sentimento<br />

de pertencimento por definir identidade, ou no mínimo qualificá-la.<br />

Isto porque o sistema de moda está diretamente relacionado ao sistema de produção e transmissão<br />

de significados culturais aos bens e destes aos indivíduos, segundo McCracken (2003)<br />

O sistema de moda, em uma de suas capacidades, opera uma transferência<br />

de significado do mundo culturalmente constituído para os bens<br />

de consumo notavelmente similar em caráter e em efeito à transferência<br />

feita pela publicidade. Na mídia de uma revista ou de um jornal,<br />

evidencia-se o mesmo esforço em conjugar o bem a aspectos do<br />

mundo, com o objetivo de chegar ao mesmo processo de entrever similaridades.<br />

O sistema de moda, nesta capacidade, toma novos estilos<br />

de se vestir ou de mobiliar a casa e os associa a categorias e princípios<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

culturais estabelecidos. Assim, o significado transporta-se do mundo<br />

culturalmente constituído para o bem. Este é o aspecto mais simples<br />

desta capacidade do sistema de moda de disponibilizar significado [...].<br />

Uma segunda capacidade do sistema de moda é que ele realmente inventa,<br />

de modo modesto, novos significados culturais. Esta invenção é<br />

empreendida por “lideres de opinião”, que ajudam a moldar e a refinar<br />

o significado cultural existente, encorajando a reforma de categorias e<br />

princípios culturais. Estes são lideres de opinião “distantes”: indivíduos<br />

que, em virtude de seu nascimento, beleza, celebridade ou façanhas,<br />

são tidos em alta conta. Esses grupos e indivíduos são fontes de significado<br />

para os de posição mais baixa. (McCRACKEN, 2003, p.190-191)<br />

E ainda expõe uma terceira capacidade do sistema de moda,<br />

a de se engajar não apenas na invenção de significados culturais, mas<br />

também em sua reforma radical. Parte do significado cultural das sociedades<br />

industriais ocidentais está submetida a mudanças constantes<br />

e profundas. [...] Com efeito, não é exagerado dizer que as sociedades<br />

quentes (as sociedades ocidentais na expressão de Claude Lévi-Strauss)<br />

demandam tais mudanças e dependem delas para conduzir certos setores<br />

econômicos, sociais e culturais do mundo ocidental. O sistema de<br />

moda funciona como um dos canais de captura e de movimento desta<br />

categoria de significado altamente inovador.<br />

Os grupos responsáveis por esta reforma radical do significado são, normalmente,<br />

aqueles que vivem à margem da sociedade: hippies, punks<br />

ou gays. (IBID, p.110-111)<br />

O autor se estende um pouco mais nessa terceira capacidade de inovação do sistema de moda,<br />

principalmente ao contemplar os grupos responsáveis pela reforma radical e como se tornam grupos<br />

“provedores de significado”, reafirmando o caráter institucionalizante da moda de engendrar<br />

as invenções culturais praticadas por grupos a margem do sistema capitalista, mas que passam a<br />

ser fonte inspiradora e de inovação para “fazer caminhar” o consumo como uma fonte inesgotável<br />

de novas possibilidades, mesmo que esvaziando os sentidos, sentimentos, significados individuais/<br />

grupais de seus reais valores. Em outras palavras, “se as fontes de significado são mais dinâmicas<br />

e numerosas, assim também o são os agentes que apanham esse significado e realizam sua transferência<br />

para os bens de consumo” (McCRACKEN, 2003, p.111).<br />

Também, nesse sentido, os consumidores se apropriam do produto realizado de transferências e<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

ao consumi-lo ainda projetam tantas outras histórias [6]. Dito isto, podemos tomar como exemplo<br />

o debate em torno do luxo emocional, do luxo e a festa, dos sentidos do luxo trazido por Lipovetsky<br />

(2005) que o aproxima da Antropologia. O que podemos pensar, todavia, do processo de criação<br />

dos produtos de luxo da moda? O filósofo argumenta que<br />

o management do luxo não se reduz a promover produtos raros e caros,<br />

pois ele tem de orquestrar o fator tempo. Por um lado, é preciso inovar,<br />

criar, espetacularizar, rejuvenescer a imagem da marca: é o tempo<br />

curto, o da moda, que é convocado. Mas, por outro lado, é necessário<br />

dar tempo ao tempo, perpetuar uma memória, criar um halo de intemporalidade,<br />

uma imagem de “eternidade” da marca: as estratégias<br />

empregadas são, então, de capitalização e de sedimentação do tempo.<br />

Ora um tempo de atualidade, o tempo rápido e versátil da moda; ora o<br />

imóvel, o que não está sujeito a sair de moda, a temporalidade longa<br />

da memória: uma marca de luxo não pode ser edificada sem esse trabalho<br />

paradoxal que mobiliza exigências temporais de natureza oposta.<br />

(LIPOVETSKY, 2005, p.84)<br />

O ser humano sempre se relacionou com o luxo. A criação do luxo também se relaciona com o existir,<br />

pois seria insuportável ver a realidade nua e crua e assim as sociedades e culturas humanas<br />

(re)inventam sua existência através de uma construção simbólica da realidade vivida, presente<br />

e também assim projetam o futuro. Nesta perspectiva atemporal colocada em um tempo e lugar<br />

onde se explora a relação do individuo com a materialidade/imaterialidade contida nos bens além<br />

de suas utilidades, temos ai a consagração do luxo moderno, que permeia nossa cultura e consumo,<br />

portanto nos identifica com nossa ancestralidade em busca de marcar sua existência através<br />

dos tempos pelas obras, objetos, heróis sacralizados para exprimir o desejo de imortalidade tão<br />

almejada pelas humanidades em sua diversidade e nas palavras de Lipovetsky (2005), desvela-se,<br />

ainda hoje, nas culturas mercantis dessacralizadas redimensionadas aos objetos e nossas relações<br />

com eles, que estão muito aquém de serem concretas, no sentido, de altamente objetivas. Diz<br />

Em conseqüência de sua relação com a continuidade e com o “fora do<br />

tempo”, o luxo de hoje não deixa de ter analogia com o pensamento<br />

mítico imemorial. Se essa comparação é legítima, é pelo fato de que<br />

tanto um como o outro fazem referência a acontecimentos passados<br />

fundadores e que, além disso, exigem ser reatualizados por ritos cerimoniais.<br />

Nos dois casos são afirmados “heróis”, atos criadores e o<br />

que Éliade chama “o prestígio dos primeiros passos”, uma eternidade<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

sempre atual, um “eterno presente” a ser venerado, do qual provém a<br />

ordem das coisas. É assim que um dos princípios que fundam a consagração<br />

do luxo moderno – a origem prestigiosa – é o mesmo que alimentava<br />

os sistemas de crenças selvagens. Considerado sob esse aspecto,<br />

o luxo apresenta-se como o que perpetua uma forma de pensamento<br />

mítico no próprio coração das culturas mercantis dessacralizadas. (IBID,<br />

p.84)<br />

A moda entra nesse mecanismo e brinca (brinda) os sentidos, sentimentos, transcendendo-os. E o<br />

mercado (lê-se, também, indústria da <strong>Moda</strong>) utiliza-se, aliado ao delírio publicitário, na busca de<br />

cifras fenomenais, de movimentos que se alicerçam em jogos identitários, revestidos de prestígio,<br />

imitação, sedução, efemeridade, desejo de diferenciação e, também, de indiferenciação<br />

[7], da lógica do humano aqui pensado como um complexo sócio-cultural, assim como político e<br />

econômico.<br />

O antropólogo Sahlins (1979), em Cultura e Razão Prática, compõe esta ideia com o pensamento:<br />

“o que vestimos e do que nos vestimos, talvez”; portanto, outro dilema reaparece e contradiz a<br />

suposta linearidade do fio que se tece. Mais uma fonte inesgotável para se pensar o humano.<br />

Kuper (2002) ao analisar Marshall Sahlins levanta mais um aspecto aqui tecido ao se discutir de<br />

onde vêm nossas vontades. Em uma sociedade baseada na “livre iniciativa” e no consumo, a exemplo<br />

da norte-americana, e aqui cabe pensarmos, sobretudo, a nossa realidade. Assim,<br />

‘Necessidades’ vem entre aspas porque são culturalmente construídas,<br />

e o que os americanos produzem para satisfazer essas necessidades culturalmente<br />

especificas não são coisas úteis, mas símbolos. Os Estados<br />

Unidos [8] são uma cultura de consumo, em que as relações aparecem<br />

vestidas de objetos manufaturados. Esses são os totens americanos,<br />

mas eles representam simplesmente posições na sociedade (jeans como<br />

uniforme dos trabalhadores ou dos jovens). Novas mercadorias estão<br />

permanentemente sendo lançadas no mercado, e elas evocam novas<br />

identidades. (KUPER, 2002, p. 221)<br />

Resta-nos refletir hsobre as nossas necessidades pessoais e culturais, tecendo novas considerações<br />

acerca de nós mesmos, o porquê de nos identificarmos e também o de, por vezes, desejarmos a<br />

indiferenciação, para além do movimento da imitação e distinção social.<br />

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Considerações finais<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

Considerando que a relação com o belo, a vaidade, a inovação, o consumo, o luxo estão presentes<br />

em todas as humanidades nos mais diversos universos culturais imaginados expõe-se a intrínseca e<br />

não tão recente relação entre a antropologia e a moda. A preocupação em compreender o homem,<br />

sua vida, seus hábitos e costumes, seus comportamentos, seus modos e modas, seus sonhos, mitos<br />

e possibilidades está no centro das questões antropológicas.<br />

O antropólogo Carvalho (2003, p.18), explicita tal pensamento ao nos revelar que “cabe ao Antropólogo<br />

transcender o estreito limite de manifestação da diversidade das regras culturais, para<br />

atingir o homem em sua inteireza, mesmo que ela seja sempre indeterminada e provisória”. Sendo<br />

assim, estamos falando de pensamentos e situações complexas em que se inserem os antropólogos<br />

e as modas. <strong>Moda</strong> pensada aqui como inserção social e expressão humana e, portanto, em estreita<br />

relação com os estudos antropológicos no pensar a vida social em sua totalidade.<br />

Por isto, este texto apresenta uma discussão conceitual em torno de identidade, identidades,<br />

diferença ou consumo?, e, algumas conexões com a moda, aproximando experiências diversas das<br />

chamadas novas tribos urbanas para refletir a busca de pertencimento social e também da tentativa<br />

de individualização de estilos. Estilos estes que, uma vez aproximados e apropriados pelo<br />

sistema moda tomam uma forma e se transformam em discursos e produtos de moda.<br />

Em um sistema que clama pelo novo em um processo de sedução constante, a diferença torna-se<br />

o fator identificador de novos estilos. Tendências viram estilos e produtos consumíveis, se agradar<br />

aos olhos, corações, mentes e bolsos. Esvaziamento de sentidos, sim, mas movimento permanente<br />

em busca de novos pertencimentos e reconhecimentos, portanto, criação e recriação de identidades,<br />

pois ninguém, parece, quer passar completamente despercebido em meio à multidão. Em<br />

tais manifestações encontram-se a busca pela inteireza ainda que em um processo variável, provisório,<br />

fragmentado e emblemático.<br />

Entre o imaginado e o vivido, o visto e o fato, o visível e o invisível, o poder denotativo e conotativo<br />

de expressar situações e mensagens perpassa a complexidade exposta por todos os autores<br />

aqui trabalhados. Diante da contemporaneidade em que vivemos nos vemos sendo contextualizados,<br />

de uma forma ou de outra, em uma internacionalização de códigos e costumes e dentro do<br />

paradoxo da globalização, em uma aparente e latente oposição ao global, representado na volta<br />

idílica a um passado harmonioso, nostálgico de tempos vividos em abundância e liberdade, ou na<br />

contraposição de que tudo o que passou não serve, é velho, arcaico ou não é “moderno”; retornos<br />

tantos e outros que pretendem marcar posições diante de perdas, antíteses e também das novas<br />

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Identidade, Diferença ou Consumo? Algumas conexões com a moda<br />

sínteses. Ao antropólogo se levanta o que é ainda um desafio para os estudiosos do homem e que<br />

se coloca a qualquer área de estudo que se propõe compreender ou, no mínimo, atingir o humano.<br />

A Antropologia na <strong>Moda</strong> torna-se necessária para repensarmos também o nosso lugar na produção<br />

humana em geral, incluindo a do conhecimento, das assimilações e novas sínteses construídas a<br />

partir de saberes diversos, tendo em foco o próprio homem, pensando particularidades, similaridades<br />

e diferenças – diversidades e adversidades, pertinências e impertinências. Diverso, diferente,<br />

desigual, tolerante e intolerante – também aqui há muito que se pensar e discutir. Questões<br />

que não se encerram neste artigo, mas que nos fazem iniciar, simplesmente, com elas tantas e<br />

novas possibilidades de refletir sobre o lugar que ocupamos e quem somos afinal.<br />

Notas<br />

[1] O uso aqui do termo “tribos urbanas” não aparece em concordância com a autora, mas pelo<br />

uso e abuso dentro de mídias diversas e até pouco tempo muito presente em textos jornalísticos<br />

de moda e em geral. Tal conceituação é ampliada pela Antropologia e hoje já compreendida dentro<br />

do universo da <strong>Moda</strong>, nos estudos de comportamento.<br />

[2] Outra leitura indispensável é o trabalho da historiadora social Maria do Carmo Teixeira Rainho<br />

sobre as transformações ocorridas no Rio de Janeiro, no processo de modernização, no século XIX<br />

e sua relação com a <strong>Moda</strong>. A obra é: RAINHO, Maria do Carmo Teixeira (2002). A cidade e a moda:<br />

novas pretensões, novas distinções – Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro: Editora <strong>Universidade</strong><br />

de Brasília.<br />

[3] Artigo originalmente publicado em “Cadernos de Campo - Revista dos alunos de pós-graduação<br />

em Antropologia”. Departamento de Antropologia, FFLCH/USP, São Paulo, ano 2, nº 2, 1992.<br />

[4] Para saber mais ler o trabalho do antropólogo Ted Polhemus - THAMES AND HUDSON. Ted Polhemus,<br />

Streetstyle. 1994. London. Só há referência em inglês, o autor não traduziu o livro.<br />

[5] Ela aqui se refere à moda que se torna uma entidade, uma poderosa instituição social aliada,<br />

ainda, a um conteúdo mágico, quase mítico no sentido mais ideológico (fetichista no sentido dado<br />

por Karl Marx) do que tradicional, diga-se de passagem. Também, pode-se traduzir ela à roupa,<br />

pensada aqui como elemento arquetípico da moda.<br />

[6] Esta análise aponta um caminho para se pensar a relação consumidor/objeto (bens) de consumo<br />

da anteriormente abordada por Zigmunt Bauman, mas que se apresenta neste livro como<br />

uma idéia complementar diante da complexidade do debate da criação e recriação de identidades<br />

na contemporaneidade e mesmo da questão em torno de <strong>Moda</strong> e Consumo. Mais do que distintas<br />

são análises necessárias para ampliarmos nossas visões.<br />

[7] Aqui também tomo por referência o trabalho de Gilles Lipovetsky em O Império do Efêmero.<br />

[8] Lê-se mundo hoje, nota da autora.<br />

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Referências<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo [1]<br />

Cristiane Mesquita Dra. em Psicologia, PUC/SP cfmesquita@anhembi.br<br />

Juliana Teixeira Joaquim Graduanda em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>, UAM/SP<br />

j.juteixeira@gmail.com<br />

Resumo<br />

O presente artigo tem como intuito investigar o movimento feminista, identificar<br />

ideologias e propostas de ruptura e evidenciar alguns de seus questionamentos na<br />

moda. A breve investigação da história do feminismo articulada à moda do século<br />

XX aponta para a recriação da identidade feminina a partir do discurso feminista.<br />

Esta articulação entre o contexto social e modos de vestir é produtiva para a<br />

compreensão do campo do design de moda como um fenômeno social e como uma<br />

linguagem que carrega em si valores individuais, políticos e sociais. Para tanto,<br />

Alves e Pitanguy, Goldenberg e Toscano, e Baudot são os principais referenciais<br />

teóricos e iconográficos.<br />

Palavras-chave:<br />

Movimento feminista, <strong>Design</strong> de moda, Gênero.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Introdução<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

No desenvolvimento deste artigo, apresentaremos uma abordagem do movimento feminista ao<br />

longo de sua evolução, enfocaremos os principais momentos do feminismo na segunda metade do<br />

século XX. Na sequência, investigaremos brevemente a silhueta e a moda feminina ao longo do<br />

século XX e delinearemos alguns aspectos do feminismo ligados à questão da moda.<br />

O feminismo é definido discursivamente como uma teoria de igualdade política, econômica e<br />

social. Para Ergas (1991) é mais uma questão histórica do que uma questão de definição [2],<br />

ou seja, não é tal como um substantivo cujas propriedades possam ser determinadas de forma<br />

precisa e definitiva. O discurso feminista surgiu a partir da conscientização de uma opressão<br />

que atingia as mulheres, articulado por conjuntos variados de teorias e discursos centrados na<br />

constituição e legitimação dos interesses femininos. Para se contraporem, as mulheres passaram a<br />

elaborar discursos políticos próprios e a se definir como um grupo social com identidade própria: as<br />

feministas. Sendo assim, é preciso identificar o feminismo tanto como teoria que busca analisar as<br />

relações entre os sexos, quanto como movimento social que luta pela superação das desigualdades,<br />

e a equiparação dos direitos das mulheres aos dos homens.<br />

A proliferação do feminismo no século XIX esteve intimamente ligada às mudanças concretas na<br />

organização da sociedade, pode ser associada a vários fenômenos, principalmente à Revolução<br />

Francesa [3] e ao processo de implementação e consolidação do capitalismo [4].<br />

Por meio da luta por seus direitos, as mulheres romperam o silêncio e projetaram suas reivindicações<br />

na esfera pública. Como resultado, o século XIX caracterizou-se pela existência de dois movimentos<br />

paralelos: de um lado, a luta por melhores condições de trabalho, centrada na desigualdade de<br />

direitos trabalhistas e na exploração da mão de obra feminina; de outro, a luta pela conquista<br />

de direitos civis, como o direito ao voto e à participação política. Esses movimentos, apesar de<br />

diferirem na origem e nos objetivos, foram organizações que questionaram o papel social da<br />

mulher e lutaram pela emancipação feminina (ALVES e PITANGUY, 1982, p.41-42).<br />

O feminismo de 1960 a 1980: identidades e relações de gênero<br />

Embora não se possa estabelecer uma relação direta entre as primeiras feministas, que atuaram<br />

no decorrer do século XIX e no início do século XX, e os movimentos feministas que se iniciam<br />

na década de 1960, foi a partir das manifestações das primeiras intelectuais que lutaram pela<br />

emancipação da mulher que se começou a questionar e desestruturar as relações de gênero<br />

vigentes. Alguns fatores contribuíram, no decorrer do século XIX e princípios do século XX, para<br />

se formular novos questionamentos nas relações entre homens e mulheres: o acesso a atividades<br />

remuneradas, a crescente escolarização, a participação política feminina, a expansão de uma<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

produção intelectual e a divulgação das ideias feministas através de periódicos e outras publicações<br />

(MÉNDEZ, 2005, p.56).<br />

O período da Segunda Grande Guerra foi um momento crucial no processo de incorporação das<br />

mulheres ao mercado de trabalho, durante o qual se valorizou não só o trabalho feminino, mas<br />

também a inclusão da mulher na esfera social. A necessidade de mão de obra levou as mulheres a<br />

ocuparem espaços estritamente masculinos na esfera do trabalho.<br />

A manipulação da participação pública feminina se deu por uma ideologia aparentemente<br />

progressista para incorporar a mulher ao mercado de trabalho. No entanto, com o fim do conflito<br />

e o retorno da força de trabalho masculina, uma contraideologia, que valorizava a diferença<br />

sexual dos papéis sociais e atribuía à condição feminina o espaço doméstico, foi fortemente<br />

reativada com o intuito de retirar as mulheres da esfera pública. Novamente a inserção da mulher<br />

no mercado de trabalho foi desvalorizada, e as mulheres voltaram ao cotidiano doméstico. Assim,<br />

a afirmação de igualdade entre os sexos se confundiu com a necessidade econômica daquele<br />

período. Esse processo ocorreu com maior intensidade nos países diretamente envolvidos no<br />

conflito, em particular nos EUA e na Inglaterra. Desse modo, o modelo normativo de mulher que<br />

exaltava as virtudes “naturais” do sexo feminino, que cobrava sua permanência no lar e associava<br />

a imagem de mulher ideal ao casamento e aos cuidados dos filhos constituía ainda um obstáculo<br />

para a emancipação feminina.<br />

No fim da década de 1940, Simone de Beauvoir (1980) lança o livro intitulado O segundo sexo, nele<br />

a autora apontou para a necessidade de se romper com o papel tradicional feminino, para que<br />

então a mulher pudesse libertar-se das obrigações impostas pela sua condição sexual:<br />

Em verdade, a natureza, como realidade histórica, não é um dado<br />

imutável. Se a mulher se enxerga como o inessencial que nunca<br />

retorna ao essencial é porque não opera, ela própria, esse retorno.<br />

[...] Os homens dizem ‘as mulheres’, e elas usam essas palavras para<br />

se designarem a si mesmas: mas não se põem autenticamente como<br />

Sujeito (BEAUVOIR, 1980, p.13).<br />

A libertação feminina só seria possível se as mulheres tomassem consciência de que sofriam<br />

uma opressão específica gerada pela sua condição de sexo, e passassem a se reconhecer como<br />

sujeito, com uma identidade social própria. Essa análise de Simone de Beauvoir foi essencial na<br />

fundamentação do discurso feminista que ressurgiu a partir dos anos 1960. Foi nesse momento<br />

histórico que o feminismo incorporou novos discursos, além das reivindicações voltadas para as<br />

desigualdades políticas e econômicas que já estavam presentes desde seus primórdios; consolidouse<br />

um discurso que também questionava as raízes culturais dessas desigualdades.<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

Na luta pela emancipação da mulher e pela consolidação da identidade feminina, nasceu um<br />

contradiscurso feminista, que utilizou do conceito de gênero para desnaturalizar as identidades<br />

atribuídas às mulheres, evidenciando a diferença entre sexo e gênero. Enquanto a palavra sexo<br />

faz referência às diferenças biológicas entre machos e fêmeas, pelo contrário, gênero é um termo<br />

que diz respeito à classificação social em masculino e feminino, remete a um produto cultural e<br />

histórico. Oakley (apud TILLY, 1994, p.42) afirma que “deve-se admitir a invariância do sexo tanto<br />

quanto deve-se admitir a variabilidade do gênero”.<br />

Assim, compartilhar o mesmo sexo biológico não significa compartir do mesmo estado social, pois<br />

o sexo biológico não determina o gênero, mas também não pode ser isolado completamente em<br />

sua construção.<br />

A identidade de gênero, ou seja, o masculino e o feminino são considerados como construções<br />

culturais adquiridas pelo processo de socialização. A diferença sexual que inferioriza um dos<br />

sexos é construída pelos discursos que a fundam e a legitimam. Stolke (apud GIFFIN, 1991, p.194)<br />

afirma que “expressar as relações sociais em termos biológicos é um mecanismo ideológico para<br />

tornar fatos que são sociais, naturais e, deste modo, imutáveis”. A natureza da mulher legitimava<br />

a assimetria sexual, e este reducionismo biológico camuflava as raízes de opressão feminina, que<br />

é resultado de relações sociais e não de uma natureza imutável.<br />

Há uma construção cultural da identidade feminina que é evidenciada pelo questionamento<br />

da divisão tradicional dos papéis sociais, e nesse sentido Rago (1998, p.7) afirma que “(...) há<br />

um aporte feminista específico, diferenciador, libertário, que rompe com um enquadramento<br />

conceitual normativo”.<br />

Os principais fatores constitutivos dessa mudança são decorrentes da entrada da mulher no<br />

mercado de trabalho e da separação entre a sexualidade e a reprodução. Com o advento da pílula<br />

anticoncepcional a mulher pode exercer maior controle de sua sexualidade, o que possibilitou o<br />

livre arbítrio sobre a função biológica de seu corpo e o acesso a uma sexualidade não reprodutiva.<br />

Esses fatores provocaram uma crise nas referências simbólicas organizadoras da sociedade, a<br />

partir do deslocamento das fronteiras entre homem e mulher.<br />

A partir de então, o padrão tradicional de ser mulher passa a ser questionado, e aquele ideário<br />

que busca a igualdade sexual entre homens e mulheres passa a ser difundido, em detrimento<br />

do modelo que exigia da mulher a negação de sua sexualidade e a contenção de seu exercício<br />

sexual com fins de procriação. Deste modo, o feminismo propõe que o exercício da sexualidade se<br />

desassocie da função biológica de reprodução da mulher.<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

O contradiscurso feminista que emerge na segunda metade do século XX teve como característica<br />

a transgressão de padrões de valores pré-estabelecidos, não no sentido de uma negação absoluta<br />

dos limites estabelecidos, mas de um movimento que afirma novos valores, outros limites.<br />

O movimento feminista constituiu-se em um dos casos expressivos do<br />

processo de assimilação que foi lentamente depurando os aspectos<br />

de contestação e sobretudo obscurecendo o caráter de movimento<br />

cultural, até ficar reduzido a algumas conquistas usufruídas hoje<br />

normalmente pelas novas gerações, mas sem que elas possam ter a<br />

dimensão histórica desses comportamentos como resultados de amplos<br />

movimentos de natureza política e cultural. (HAUG, apud CARDOSO,<br />

2005, p.194).<br />

Nesse sentido, Haug aponta que as transformações que os movimentos feministas tinham produzido<br />

durante séculos eram absorvidas mais como produto inevitável do progresso tecnológico e da<br />

expansão econômica do que como resultado de uma luta contra a hierarquia entre os sexos. Os<br />

anos 1980 se caracterizaram por uma profunda indiferença manifestada pela nova geração de<br />

lutas feministas. Esse momento, denominado por Ergas (1991) de “pós-feminismo”, é marcado<br />

por uma desmobilização política muito grande, um retraimento de todos os movimentos sociais<br />

organizados que, aos poucos, perderam o peso político-social que tiveram nas décadas anteriores.<br />

Breve histórico do movimento feminista no Brasil<br />

No Brasil, o feminismo apresentou-se desde o seu surgimento, como um reflexo do que acontecia<br />

na Europa e nos Estados Unidos. Contudo, esse movimento apresentou particularidades que só<br />

podem ser entendidas no contexto da formação cultural e econômica da sociedade brasileira. A<br />

situação de dependência em relação ao colonizador, atrelada à escravidão, e a influência da igreja<br />

católica como força política e instrumento de controle social são fatores diretamente responsáveis<br />

pelo patriarcalismo, conservadorismo e machismo brasileiros, elementos que permitem entender<br />

as especificidades do feminismo no Brasil (GOLDENBERG e TOSCANO, 1992, p.25).<br />

O feminismo como movimento organizado no Brasil se expressou na reivindicação pelo direito ao<br />

voto e pela conquista dos direitos civis, no final do século XIX e no decorrer da segunda década do<br />

século XX. Nesse sentido, pode ser associado à consolidação do capitalismo, ao crescente processo<br />

de industrialização e urbanização que provocou mudanças significativas nas estruturas sociais,<br />

políticas e econômicas da sociedade brasileira. O ingresso da mulher no mercado de trabalho<br />

explicitou para o âmbito público os antagonismos de gênero presentes na sociedade brasileira,<br />

que estruturada pelo patriarcalismo e pelos conceitos pregados pela religião consolidou papéis<br />

sociais desiguais.<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

No entanto, mesmo em meio ao intercâmbio de ideias feministas que vieram da frequência das<br />

relações internacionais com intelectuais estrangeiros, durante o período da Primeira Guerra<br />

Mundial, o direito ao voto da mulher encontrava resistência entre os mais conservadores. A tese<br />

que justificava a posição do congresso contra o voto feminino pode ser exemplificada pelo discurso<br />

do senador Muniz Freire:<br />

Estender o voto à mulher é uma ideia imoral e anárquica, porque no dia<br />

em que for convertido em lei, ficará decretada a dissolução da família<br />

brasileira. A concorrência dos sexos nas relações da vida ativa anula<br />

os laços sagrados da família. (FREIRE, apud GOLDENBERG e TOSCANO,<br />

1992, p.27).<br />

O reconhecimento do direito da mulher ao voto encontrava resistência na moral burguesa, no<br />

ideal de família. Este seria afetado pela presença feminina na esfera pública, uma vez que<br />

significava uma ruptura com a antiga divisão mulher/privado, homem/público [5], logo a família<br />

seria ameaçada pela emancipação feminina.<br />

Por maior que fossem as resistências masculinas, fundamentadas no conservadorismo e nos<br />

discursos autoritários, a influência dos padrões de comportamento importados dos países do<br />

centro do sistema capitalista contribuiu para mudanças, mesmo que de forma lenta e gradual, em<br />

diferentes âmbitos da sociedade. Entre essas mudanças destaca-se a concessão do direito ao voto<br />

feminino de 1932 (GOLDENBERG e TOSCANO, 1992, p.28).<br />

O período de maior expressão do movimento de mulheres no Brasil foi na década de 1970.<br />

O feminismo no Brasil foi mais diluído, não foi tão intenso e radical quanto no exterior, e as<br />

reivindicações e organizações das mulheres ocorreram dez anos depois, se comparado aos<br />

movimentos que se desenvolveram na Europa e nos Estados Unidos.<br />

No Brasil, o feminismo pode ser classificado, à semelhança do ocorrido no exterior, em dois<br />

principais momentos. O primeiro momento do feminismo organizado e atuante no Brasil esteve<br />

articulado a outros movimentos socioeconômicos do período, como movimentos populares por<br />

melhores condições de vida e movimentos políticos contra a ditadura militar. A participação da<br />

mulher na resistência à ditadura durante a fase de repressão política iniciada em 1964 contribuiu<br />

não apenas para insurgir contra a política vigente, mas caracterizou uma transgressão ao espaço<br />

tradicionalmente feminino, estabelecendo um conflito com padrões tradicionais de valores.<br />

Segundo Toscano (1992), este foi um período de ampla conscientização a respeito da situação da<br />

mulher na sociedade brasileira [6].<br />

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Em um segundo momento, o feminismo brasileiro foi marcado por questionamentos específicos à<br />

condição feminina. Denominada de “o novo feminismo”, a organização das mulheres no Brasil a<br />

partir desse período tem como ponto de partida a tese de Simone de Beauvoir de que “não se nasce<br />

mulher, torna-se mulher”. As teorias feministas defenderam a igualdade de direitos, mas com a<br />

preservação das diferenças de gênero, porque, segundo Saffioti (GOLDENBERG e TOSCANO, 1992,<br />

p.63) “o que distingue, de um lado, a desigualdade e, de outro, a diferença é que a diferença não<br />

é fonte de discriminação, enquanto a desigualdade o é”. Esse segundo momento do feminismo<br />

caracteriza-se por uma liberação da sexualidade feminina, a luta pela igualdade entre homens e<br />

mulheres se estende para o campo da sexualidade, e grandes transformações ocorrem em função<br />

da dissociação entre o livre exercício da sexualidade feminina e a procriação.<br />

O feminismo foi impondo-se e questionando a relação homem-mulher. Logo, foram criadas<br />

organizações de mulheres que propunham análise e reflexão sobre a condição estereotipada da<br />

mulher brasileira. Entre encontros e publicações, algumas séries de jornais feministas circulavam<br />

no decorrer da década de 1970 e 1980; entre eles, o Brasil Mulher (1975-1979), Nós Mulheres<br />

(1975-1978) e o Mulherio (1981-1988). Aos poucos a sociedade assimilou as reivindicações e<br />

questões levantadas pelo movimento feminista.<br />

O fim dos anos 1980 se caracterizou no Brasil por uma desmobilização política intensa, um<br />

retraimento dos movimentos sociais organizados. Após a luta contra o regime militar, as campanhas<br />

pelas eleições diretas marcam uma nova fase de reestruturação político-partidária do país; o<br />

feminismo deixou de ser específico e tornou-se difuso com a dissolução de muitas das organizações<br />

de feministas, que passaram a militar em partidos políticos e organizações não governamentais.<br />

O movimento feminista é associado a mudanças sociais em outras esferas, tais como o surgimento<br />

e o crescimento dos movimentos políticos, a expansão dos meios de comunicação de massa e o<br />

próprio processo de redemocratização do Brasil. Todos eles tiveram influência determinante nas<br />

mudanças dos comportamentos de homens e mulheres no país. O feminismo suscitou discussões<br />

sobre questões específicas da mulher e criou fatos políticos que não podem ser ignorados e que,<br />

aos poucos, foram assimilados, tornando essas mudanças parte do cotidiano.<br />

A moda e a silhueta feminina no século XX<br />

A moda como sistema é uma formação essencialmente sócio-histórica, circunscrita a um tipo de<br />

sociedade e delimitada em sua extensão histórica.<br />

É verdade que a moda, desde que está instalada no Ocidente, não tem<br />

conteúdo próprio; forma específica da mudança social, ela não está<br />

ligada a um objeto determinado, mas é, em primeiro lugar, um dispositivo<br />

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RUPTURAS DO VESTIR: Articulações entre <strong>Moda</strong> e Feminismo<br />

social caracterizado por uma temporalidade particularmente breve,<br />

por reviravoltas mais ou menos fantasiosas, podendo, por isso, afetar<br />

esferas muito diversas da vida coletiva. Mas até os séculos XIX e XX foi<br />

o vestuário, sem dúvida alguma, que encarnou mais ostensivamente o<br />

processo de moda. (LIPOVETSKY, 2004, p.6).<br />

Nesse sentido, a moda pode ser reconhecida como um processo de metamorfoses incessantes,<br />

associada à inconstância e à renovação de formas e linguagens. O vestuário, como setor inserido<br />

no processo da moda, consiste em uma linguagem constituída de significantes cujas conotações<br />

mudam constantemente, desvinculadas de seu contexto social específico.<br />

A moda que antecedeu o período da primeira guerra mundial conservava uma silhueta longilínea<br />

que, em forma de ampulheta, dividia o corpo feminino acentuando a cintura pelo uso do rígido<br />

espartilho. O período de 1910 a 1914 caracterizou-se pelo primeiro conflito mundial. Como<br />

qualquer conflito preside a uma mudança de costumes, naturalmente a moda do período sofreu<br />

algumas mudanças. A necessidade de a mulher assumir espaços tradicionalmente ocupados por<br />

homens estimulou a transformação radical da moda. Libertar o corpo feminino do espartilho foi<br />

inevitável, uma vez que a necessidade de a mulher ocupar o mercado de trabalho exigia o uso de<br />

roupas adequadas para o desempenho de atividades industriais. Dessa forma, Braga (2005) aponta<br />

que as principais características da moda dos anos de 1920 já estavam definidas em fins da década<br />

de 1910.<br />

Chamados de “anos loucos”, a segunda década do século procedeu a rupturas. A silhueta curta e<br />

tubular caracterizou o aspecto dessa moda associada à simplificação de formas, negando qualquer<br />

referência curvilínea. As saias e vestidos encurtaram ficando logo abaixo dos joelhos, e logo, a<br />

mulher mostrou as pernas. O corpo mudou, o deslocamento da cintura para a altura do quadril,<br />

os achatadores de seios usados para manter a silhueta reta, e as cintas que anulavam o volume do<br />

quadril deixaram a mulher desse período andrógina.<br />

O aniquilamento das formas curvilíneas foi contestado pela moda dos anos 1930. Momento em<br />

que os padrões tradicionais de feminilidade são revalorizados. A cintura levemente acentuada por<br />

uma cinta ou espartilho volta para evidenciar as formas femininas, negando o corpo andrógino<br />

característico da década anterior.<br />

Entretanto, o vestuário feminino do fim dos anos 1930 e começo da década de 1940 foi marcado<br />

por certa masculinização, sobretudo nas formas. Com o prenúncio da Segunda Guerra Mundial, e o<br />

regresso das mulheres ao trabalho na indústria, as roupas femininas passaram a ser influenciadas<br />

especialmente pelos uniformes masculinos, o que originou ombros marcados e modelagens<br />

estruturadas.<br />

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Essa feminilidade perdida durante o período bélico foi resgatada por Christian Dior nos últimos<br />

anos da década de 1940 [7]. A silhueta de cintura marcada e saias volumosas da mulher no pósguerra<br />

remete a um modelo clássico de beleza feminina. No fim da década a moda tornou-se<br />

novamente feminina, a cintura voltou a ser afinada e as saias em godê guarda-chuva traziam<br />

volume aos quadris, verdadeiro gosto daquele momento.<br />

A moda da segunda metade do século XX marcou-se por inúmeras mudanças, de 1960 a 1980 a<br />

transformação da moda ocidental foi radical. A partir desse período não houve mais uma proposição<br />

de moda unívoca, mas uma diversificação de estilos como referências de moda.<br />

De maneira geral, os anos de 1960 foram caracterizados por um período de inúmeras transformações<br />

na sociedade, no qual a juventude se manifestou e se impôs. O visual de contestação dos jovens<br />

expressou-se em uma moda autônoma, própria das camadas jovens da sociedade (BAUDOT,<br />

2002, p.188). A moda passou a se concentrar na juventude e a ser associada a determinados<br />

comportamentos, por meio dela os jovens buscavam uma identidade própria. Probert (2006)<br />

aponta que essas mudanças foram consequências de uma incerteza quanto ao futuro e de um<br />

desejo de se rebelar; assim, os jovens foram firmando seus valores e suas modas (LAVER, 2006,<br />

p.261).<br />

Essa rebeldia manifestou-se em uma espécie de popularização na maneira de se vestir de modo que<br />

a semelhança da roupa impedia classificar as diferentes classes sociais. Outro fator que favoreceu<br />

a popularização da moda, bem como a multiplicação de seus discursos foi o desenvolvimento de<br />

uma nova maneira de produzir roupas, o ready to wear [8], com a produção de moda em escala<br />

industrial, o que possibilitava a reprodução de um mesmo modelo em numeração variada.<br />

As roupas da década de 1960, em relação à silhueta, estabeleceram uma nova tendência. Descritas<br />

por Laver (2006, p.261) como “duras e geométricas, eram eróticas no quanto desnudavam (ou<br />

quase) o corpo”. Em meados da década as saias chegaram à altura das coxas, eram mais curtas<br />

do que haviam sido durante o século, mesmo nos “anos loucos”, na década de 1920 quando pela<br />

primeira vez as saias encurtaram e as mulheres mostraram de fato as pernas. A moda de ruptura<br />

simbolizou os anos 1960, do corpo revelado sob a minissaia [9] junto com o visual de menina. De<br />

modo geral, Mendes e Haye (2003) apontam para Twiggy como o ideal de modelo da década de<br />

1960; ela difundiu um corpo adolescente, uma aparência de menina com cílios postiços nos olhos,<br />

além do uso de cabelos penteados para o lado como os de um garoto.<br />

Mais para o fim da década Yves Saint Laurent introduz em suas coleções elementos do vestuário<br />

formal masculino. Apropriou-se do smoking para criar uma alternativa ao vestido de noite, com<br />

calças, o Le smoking. Uma versão feminina do traje clássico masculino, adaptada das técnicas da<br />

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alfaiataria masculina.<br />

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Orientada pela juventude, a moda da década de 1970 tornou-se cada vez mais diversificada,<br />

e essa pluralidade de opções proporcionou sua grande democratização. Houve dois elementos<br />

marcantes nesse período: a substituição da silhueta rígida e geométrica da minissaia por linhas<br />

longas e desestruturadas, e a crescente masculinização visual da mulher, que almejava se firmar<br />

como independente e trabalhadora, fazendo, assim, o uso constante de calças e roupas de cortes<br />

masculinos. O corpo é novamente revelado pelas roupas que o cobriam, como na década de 1950,<br />

ao invés de o ser pela roupa que havia sido retirada conforme ocorreu nos anos 1960.<br />

Durante os anos 1980, houve uma tendência de vestuário que foi reflexo de um posicionamento<br />

feminino no mercado de trabalho, paletós, jaquetas e calças apresentaram cortes masculinos<br />

ao longo de toda a década e início dos anos 1980. Os empréstimos entre o vestuário feminino e<br />

masculino tornaram-se frequentes a partir de 1960, a moda unissex que surgiu na segunda metade<br />

da década consolidou-se nos anos 1970, quando a mesma moda passou a ser usada por ambos os<br />

sexos. Nesse sentido, Braga (2005, p.97) aponta que “todas as tribos (urbanas) eram compostas<br />

por ambos os sexos e as características visuais pertenciam a todos com sutis peculiaridades do que<br />

era do masculino e do que pertencia ao feminino”. Não havia mais tanta diferença de linguagens<br />

entre o vestuário masculino e feminino. Cada vez mais aquilo que foi a moda unissex caminhava<br />

para o aspecto de androginia, uma das características da década de 1980.<br />

Para as mulheres, o power suit com ombreiras que acentuavam os ombros, típico de meados<br />

da década de 1980, tornou-se afirmação de autoridade, símbolo de confiança e ambição que<br />

projetava a ideia de uma mulher de negócios, os cabelos curtos penteados para trás completavam<br />

o visual de poder.<br />

A década de 1980 propiciou uma proliferação de múltiplas formas, uma profusão de linguagens e<br />

contrastes, em que os opostos começaram a conviver em harmonia.<br />

Articulações entre moda e feminismo<br />

O vestuário, sendo uma das formas mais significantes inserida no sistema da moda, adquire<br />

fundamental importância na construção social do sujeito. A moda, como portadora de significados<br />

ideológicos, determina em contextos históricos e culturais específicos, aspectos das relações<br />

sociais de poder e gênero. Favorável, segundo Crane (2006, p. 21), para manter ou subverter<br />

fronteiras simbólicas entre os sexos.<br />

Ainda segundo a autora: “nas décadas de 1920 e 1960, a pauta da moda revelou-se mais progressista<br />

para as mulheres ao reformular sua aparência em consonância com as mudanças ocorridas em<br />

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seus papéis sociais e no restante da sociedade” (CRANE, 2006, p.53). O uso do vestuário foi um<br />

dispositivo social que estabeleceu o que o autor define como pauta social, o vestir motivado pelo<br />

contexto social em que foi inserido.<br />

Thébaud define o século XX como delineado por imagens de mulheres[10] que “tomaram o<br />

controle de suas identidades visuais, sublinhando o desafio político da representação, quebraram<br />

o estereótipo e propuseram múltiplas vias de representação social” (THÉBAUD, apud DUBY e<br />

PERROT, 1991). Nesse sentido, o modo de vestir nesse momento histórico assumiu um caráter<br />

eminentemente político. Seu potencial crítico, subversivo e desestabilizador rompeu com padrões<br />

de representação feminina, particularmente os que têm fortes associações de gênero, propondo,<br />

assim, múltiplas concepções de subjetividade.<br />

Apesar de os anos 1920 serem classificados como anos de ruptura, foi somente após a Segunda<br />

Guerra Mundial que houve uma verdadeira modificação nas relações masculino/feminino.<br />

O período das duas guerras mundiais contribuiu para desestabilizar os papéis sociais de gênero,<br />

uma vez que possibilitou integrar a mulher à sociedade pela necessidade de substituir a mão de<br />

obra masculina na indústria. Entretanto, esse fenômeno era mais uma necessidade econômica<br />

gerada pela guerra, do que uma afirmação de igualdade entre os sexos; assim, com o fim da guerra,<br />

restaurou-se uma perspectiva profundamente conservadora em relação aos gêneros, atribuindose<br />

novamente à mulher o espaço doméstico.<br />

Até a década de 1950, acreditava-se na ideologia que valorizava a diferenciação de papéis sociais,<br />

e na crença de identidades de gênero fixas fundamentada em fatores biológicos. Dessa forma,<br />

o vestuário apresentava-se como um elemento de controle social por meio do qual a ideologia<br />

dominante se impunha. A moda feminina constituía-se um dos mecanismos que reforçava a distinção<br />

de gênero, ao acentuar os atributos simbólicos de feminilidade [11] e limitar para homens e<br />

mulheres posições sociais distintas e opostas.<br />

A silhueta feminina e a moda que permearam os anos de 1960 e 1970 foram símbolo de uma<br />

mudança no comportamento da mulher. A roupa libertava o corpo e a silhueta magra e esguia<br />

afrontava a feminilidade padronizada dos anos pós-guerra. Esse comportamento pertinente às<br />

mulheres emancipadas pode ser associado ao advento do feminismo, especificamente do discurso<br />

de gênero. Desse modo, as mulheres romperam padrões e a incorporação de alguns elementos no<br />

vestuário, como a calça, pode ser vista como forma de protesto à sociedade conservadora.<br />

O uso generalizado da calça comprida, bem como a apropriação de blazers, jaquetas masculinas e<br />

smokings (figura 1), significava sutilmente a apropriação de elementos anteriormente restritos ao<br />

masculino. Pode ser visto como uma reivindicação de igualdade para além do âmbito econômico<br />

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e social, uma forma de resistência às fronteiras de gênero, a partir do questionamento do papel<br />

tradicional da mulher, visando à liberdade e igualdade.<br />

Figura 1: A linha homem.<br />

Fonte: (VEJA,1983, p.80)<br />

A imagem acima deixa perceber que a incorporação de calças, camisas, ternos e gravatas,<br />

tradicionalmente associados ao universo do homem, possibilitou mesmo que visualmente, uma<br />

certa diluição dos papéis sexuais. Nota-se pelo modo de vestir o corpo, bem como pela sua<br />

expressão, uma proposta de concepção de beleza e feminilidade que rompe com padrões de<br />

subjetividades tradicionalmente ligadas ao feminino. Nesse sentido, segundo Prost<br />

o desaparecimento dos papéis sexuais pode ser lido com clareza na<br />

diminuição do uso de saias: em 1965, é a primeira vez que a produção<br />

de calças de mulher supera a de saias, e em 1971 são fabricados 14<br />

milhões de calças, num total de 15 milhões de roupas (PROUST, apud<br />

KLANOVICZ, 2008, p.184).<br />

A popularização do uso da calça entre as mulheres foi incorporada principalmente pelo uso do<br />

unissex (figura 2). A demarcação das fronteiras entre os sexos parecia irrelevante, contribuindo<br />

para diminuir as distâncias entre a moda masculina e a moda feminina.<br />

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Figura 2: Sonny and Cher.<br />

Fonte: (BAUDOT, 2008, p.227)<br />

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De modo geral, a perspectiva de igualdade de papéis sociais fez com que a mulher começasse<br />

a impor um vestir que procurava questionar, e até certo ponto eliminar as diferenças entre os<br />

vestuários femininos e masculinos. As noções fixas de identidade de gênero foram gradualmente<br />

desaparecendo, e a diversidade de linguagens de vestuário, ao final do século XX, aponta para<br />

uma multiplicidade de identidades femininas.<br />

Considerações finais<br />

A investigação da história do feminismo articulada à moda do século XX aponta para a recriação<br />

do feminino por meio da elaboração de um contradiscurso feminista. Este afrontou uma cultura de<br />

unanimidade e conformidade, questionou normas e papéis pré-estabelecidos, subverteu modelos<br />

e padrões.<br />

A partir da percepção do feminino como uma construção social, o discurso feminista promoveu<br />

uma recriação da identidade da mulher que negava o determinismo biológico. Os campos do<br />

design de moda e da imagem de moda são capazes de revelar a complexidade das relações de<br />

gênero e das subjetividades surgidas a partir de seu reconhecimento como cenário de construções<br />

culturais, ao longo da história. Alguns dos aspectos dessas construções caracterizam modas que<br />

podem ser identificadas à emancipação da mulher.<br />

Nesse sentido, podemos considerar que a moda desfigurou algumas das fronteiras simbólicas entre<br />

o masculino e o feminino, sendo motor e reflexo das mudanças da condição feminina.<br />

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Notas<br />

[1] Este artigo apresenta parte de uma pesquisa de iniciação científica realizada sob orientação da<br />

Profa. Dra. Cristiane Mesquita, e com apoio da pró-reitoria acadêmica <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>.<br />

[2] Ergas aponta não para um movimento feminista, mas para uma série de teorias feministas<br />

que desencadearam movimentos particulares e adquiriram significados diferentes para contextos<br />

diferentes. O termo feminismo traduz um processo, e como todo processo contém transformações<br />

e contradições. (ERGAS, 1991, p.587-588).<br />

[3] A mulher participou junto ao homem na defesa dos princípios da Revolução Francesa. Os<br />

ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade serviram de apoio para as reivindicações<br />

das mulheres que buscavam seus direitos sociais e políticos que até então eram exclusivamente<br />

masculinos.<br />

[4] A necessidade de mão de obra no processo da revolução industrial possibilitou a inserção<br />

feminina no mercado de trabalho e a ampla participação da mulher na esfera pública. O capitalismo<br />

contribuiu para desestabilizar os papéis sociais. A relação capitalismo, trabalho e feminismo é<br />

abordada por MÉNDEZ (2005).<br />

[5] Alves e Pitanguy apontam que o feminismo, com maior intensidade a partir dos anos 1960,<br />

questionava a ideia de que homens e mulheres estariam predeterminados, por natureza, a cumprir<br />

papéis sociais opostos. Enquanto a mulher estaria predestinada ao mundo interno, devido a sua<br />

função de procriação, o mundo externo estaria reservado ao homem. (ALVES e PITANGUY, 1982,<br />

p.54-55).<br />

[6] O Movimento Feminino pela Anistia, organização criada em 1975, tinha como objetivo a ação<br />

organizada de mulheres contra prisões, torturas, cassações de mandato e assassinatos provocados<br />

pelo governo militar.<br />

[7] Christian Dior lançou em 1947 uma proposta de moda feminina, denominada New Look, inspirada<br />

nas cinturas marcadas e saias volumosas da segunda metade do século XIX. (BRAGA, 2005, p.82).<br />

[8] Os franceses se apropriaram do termo transformando o ready to wear, pronto para uso, em<br />

prêt-à-porter.<br />

[9] A difusão da minissaia pode ser associada a André Courrèges, designer de moda francês que deu<br />

aspecto de dinamismo e modernidade com seus minivestidos, saias muito curtas. Na Inglaterra,<br />

a influência foi de Mary Quant, que difundiu a minissaia Saint-Tropez: modelo de saia cujo corte<br />

era feito de forma que a peça ficasse justa nos quadris, logo abaixo da cintura. (O’HARA, 1993,<br />

p.242).<br />

[10] As imagens a que Thébaud se refere são: a garçonne consequencia do movimento feminista<br />

do começo do século e da primeira grande guerra, a “mulher emancipada”, produto da pílula<br />

anticoncepcional, e a superwoman, resultado do feminismo nos anos 1980.<br />

[11] O que é entendido por tipicamente feminino e tipicamente masculino não são imagens que<br />

correspondem a valores universais e atemporais. São construções culturais que foram naturalizadas<br />

historicamente. “As feministas veem a feminilidade hegemônica como um conceito de feminilidade<br />

baseado em padrões masculinos de aparência feminina, os quais enfatizam atributos físicos e<br />

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sexualidade e estimulam as mulheres a olhar para si mesmas como os homens as olhariam”.<br />

(CRANE, 2006, p.51).<br />

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MÉNDEZ, Natalia Pietra. Do lar às ruas: Capitalismo, trabalho e feminismo. Disponível em:<br />

http://www.fee.tche.br/sitefee/download/mulher/2005/artigo3.pdf. Acesso em: 13/06/2010.<br />

RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gênero e história. Disponível em: http://www.<br />

nutead.org/gde/downloads/epistemologia_feminista.pdf. Acesso em: 17/03/2011.<br />

TILLY, Louise A. Gênero, história das mulheres e história socia. Disponível em: http://www.ifch.<br />

unicamp.br/pagu/sites/www.ifch.unicamp.br.pagu/files/pagu03.03.pdf. Acesso em: 17/03/2011.<br />

VEJA. A linha homem. São Paulo: Abril, n.769, p.80, 01 jun. 1983.<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

Marcelo Mostaro Mestre em <strong>Design</strong> - PPG em <strong>Design</strong> da <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong> Coordenador do<br />

Curso Superior de <strong>Tecnologia</strong> em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> CES/JF lmostaro@ig.com.br<br />

Márcia Merlo Doutora em Antropologia – Pesquisadora e professora do PPG em <strong>Design</strong> da<br />

<strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong> mmerlo@anhembi.br<br />

Resumo<br />

O capítulo propõe uma articulação entre o design, a moda e trabalho do stylist e<br />

ou do produtor de moda, partindo das abordagens teóricas de Garcia e Miranda<br />

(2010) e Castilho e Martins (2008). Observaremos os editoriais de moda das revistas<br />

Elle Brasil, no editorial intitulado de “Em Algum Lugar do Passado”, de 22 de<br />

Maio de 2010 e a Mag!, número 25 de 2011, por meio dos quais podemos reconhecer<br />

uma peça da coleção do designer João Pimenta no editorial com o tema “<br />

Almas Pagãs: A anunciação”, para refletirmos a recriação de novas combinações<br />

de looks, pelo meio da estilização no campo do design de moda, a partir da leitura<br />

de Cardoso (2008).<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Design</strong>, Styling, Editoriais de <strong>Moda</strong>.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O <strong>Design</strong> e a <strong>Moda</strong><br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

O design, segundo Cardoso (2008, p.20), pode ser pensado como uma “atividade que gera projetos,<br />

no sentido de planos, esboço ou modelos”; porém, no repertório da vestimenta poderemos dizer<br />

“que o design é a forma que surge entre o corpo e o contexto, já que a roupa é um elemento<br />

relativo, cuja proposta surge de uma relação: porque veste, cobre, descobre e modifica o corpo<br />

em função de um contexto específico” (SALTZMAN, 2008, p.305). Justamente no contexto e no<br />

corpo é que o produtor e o stylist operam o seu ofício de configurar futuros looks, onde o próprio<br />

reelabora peças de roupas advindas de várias coleções de moda, dando-as uma nova proposta de<br />

look.<br />

Observar ou entender o look no contexto da moda, segundo o sociólogo francês Lipovetsky (1989,<br />

p.128), é perceber a “embriaguez dos artifícios, do espetáculo, da criação, correspondem a uma<br />

sociedade em que os valores culturais primordiais são o prazer e a liberdade individual”. Isto<br />

agregado à valorização da liberdade de expressão proporcionada por meio da vestimenta, leva à<br />

reflexão de que se trata, também, de pensar a “organização na construção de uma determinada<br />

roupa, associada à postura corporal, à atitude, cabelo etc.”. (GARCIA e MIRANDA, 2005, p.37).<br />

A essa organização de combinação de peças, de atitude, de expressão individual, de postura, de<br />

cabelo e da maquiagem é que poderemos chamar de look.<br />

A combinação de peças fica reconhecida como o produto final de uma coleção de moda e entre<br />

vários possíveis meios de divulgação dessa proposta, que pretende transmitir ao público, via de<br />

regra, uma nova tendência de moda, encontra-se o desfile de moda. Esses desfiles são divididos<br />

em primavera/verão e outono/inverno.<br />

A moda tem como um dos seus ápices os desfiles, segundo Castilho e Martins (2008), que<br />

descrevem essa trajetória em um quadro onde a reflexão aponta o percurso do estilista/marca<br />

[1] e o percurso do consumidor/usuário. Para a nossa leitura elaboraremos um breve resumo das<br />

trajetórias descritas pelos autores, conforme quadro 1 e quadro 2.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

O estilista e ou marca percorrem os seguintes cronograma:<br />

Manipulação O estilista elabora uma coleção; Processo de desenvolvimento;<br />

<strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>.<br />

Competência Pesquisas de tecnologia, material e pesquisa de tendências.<br />

Performance Desfile<br />

Sanção Será dividida em duas:<br />

Cognitiva Compradores e mídia<br />

reconhecem o valor da<br />

coleção<br />

Pragmática Após o reconhecimento<br />

cognitivo o consumidor adere<br />

à moda proposta<br />

Esse cronograma está completo e o estilista retornará a Manipulação<br />

Quadro 01: Cronograma da relação estilista e/ou marca.<br />

Fonte: Do autor.<br />

O cronograma do consumidor começa na performance do estilista e ou marca:<br />

Manipulação Na apresentação ou propriamente dito desfile o consumidor<br />

deseja comprar.<br />

Competência O sujeito comprador tem dinheiro para comprar o objeto<br />

desejo.<br />

Performance Aquisição do bem e apresentação do mesmo ao seu meio<br />

social.<br />

Sanção Novamente dividida por duas:<br />

Cognitiva O sujeito é reconhecido por<br />

ser portador de um objeto de<br />

desejo.<br />

Pragmática É aceito por estar usando este<br />

objeto de desejo.<br />

Este ciclo completa-se e o consumidor retorna a sua manipulação<br />

Quadro 02: Cronograma do consumidor.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Poderemos considerar, por meio dessa demonstração, que o cronograma do design de moda<br />

termina onde começa o cronograma do consumidor. A partir da performance do desfile, e inseridos<br />

no mesmo, encontraremos o produtor e o stylist de moda.<br />

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O Produtor e o Stylist de <strong>Moda</strong><br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

Conforme o exemplo demonstrado nos quadros, a performance tem um papel importante, sendo<br />

o primeiro contato com a manipulação do cronograma do consumidor. Na sanção do cronograma<br />

do percurso do estilista-criador/marca percebemos que o produtor e o stylist de moda, por meio<br />

da estilização, poderão reelaborar o look proposto do estilista-criador/marca.<br />

Para distinguir a função do produtor e do stylist de moda, conceituaremos a produção de moda<br />

como o “captar a atmosfera desejada pela editora de moda ou diretor de arte”. (SABINO, 2007,<br />

p.503). Portanto, ele não confere à produção a linguagem final do desfile e ou editorial, essa será<br />

a função do stylist de moda.<br />

O stylist é a pessoa que tem como ofício a profissão de styling e sendo que o “styling ou estilização<br />

[...] consiste em dar a qualquer objeto um tratamento superficial de reformulação estética – ou<br />

seja, de reduzir a uma questão de projetar novas embalagens para velhos produtos” (CARDOSO,<br />

2008, p.146). Pelo conceito de styling apresentado na obra de Cardoso (2008), poderemos definir<br />

que o stylist projeta novas formas de combinações de peças e dessa recombinação cria novos<br />

looks. Ao citar ambas as forma de trabalho – produtor e stylist – procuraremos relacioná-los ao<br />

desempenho de seus papéis na produção de moda, tanto para desfiles quanto editoriais.<br />

Para a realização da leitura dos looks observados, utilizaremos como referência um look de um<br />

desfile de moda e outra advinda de um editorial. Por não ter encontrado no site oficial do evento,<br />

o São Paulo Fashion Week a referência da ficha técnica do desfile de Lourenço, o estudo abordará<br />

as duas temáticas: a do produtor e a do stylist, para chegarmos a uma provável conclusão do<br />

artigo. Deduzimos por esse motivo, que ambos os desfiles contaram com um ou outro profissional<br />

na elaboração do look apresentado nas respectivas performances.<br />

A estilização dos produtos criados pelo design de moda por intermédio do stylist, que se valeu de<br />

seu processo de criação para reelaborar futuros looks, agrega uma postura criativa e inovadora.<br />

A postura inovadora apoia-se na fotografia de moda, para transmitir uma linguagem única a ser<br />

divulgada nos editoriais de moda.<br />

O stylist é um super-produtor de moda. É aquele que vai definir a imagem<br />

final do trabalho. No caso de um desfile, trabalha com o estilista e<br />

com os diretores de criação – e muitas vezes o de arte também – para<br />

resolver como será o look. Conversa com o chefe dos maquiadores, fala<br />

com o cabeleireiro e faz a ponte entre os envolvidos.<br />

O stylist (ou a stylist) deve conhecer a história da arte e história da moda<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

e acompanhar o mundo da música e cinema. Deve ter grande referência<br />

visual, que possibilite criar um look original e único, se possível nunca<br />

visto, ou então inspirado – de modo criativo – no passado. É permitido<br />

trazer à tona lembranças familiares, do imaginário coletivo ou mesmo<br />

do imaginário fashionista, mas tudo isto deve ser feito de maneira nova,<br />

fresca (PALOMINO, 2003, p.40).<br />

Ao optamos em trabalhar com dois exemplos de editoriais de moda, conforme apontado<br />

anteriormente, para entendermos o ofício do stylist e o seu papel no design de moda.<br />

Um olhar sobre os editoriais de moda das revistas Elle Brasil e Mag<br />

O resultado da criação do stylist será um look processado, advindo do sistema da moda. É por essa<br />

combinação que o consumidor orientará suas futuras combinações de peças de roupas. Para ilustrar<br />

esse processamento usaremos como recurso metodológico a observação e leitura de editoriais de<br />

moda das revistas de moda Elle Brasil e a Mag! e o website para relacioná-los com os desfiles de<br />

dois designers brasileiros: Reinaldo Lourenço e João Pimenta.<br />

Para a primeira leitura, articularemos a criação do designer Reinaldo Lourenço para a coleção<br />

outono/inverno 2010 dentro do exposto na revista de moda Elle Brasil, que na edição de número<br />

22, em 5 de maio de 2010, página 265, traz o editorial intitulado “Em Algum Lugar do Passado”. No<br />

editorial encontramos o look proposto, formado por cinco peças: vestido de Reinaldo Lourenço,<br />

colar de Gloria Coelho, colar usado na cabeça da Iódice, pulseira de Marco Apollonio e meia<br />

arrastão da Fogal. (Figura 01).<br />

Dispondo da produção referente ao look produzido na revista Elle Brasil, faremos uma reflexão<br />

sobre o look elaborado, no desfile do designer de moda Reinaldo Lourenço. O desfile ocorreu<br />

na semana de moda do São Paulo Fashion Week, para a edição de outono/inverno 2010, sendo<br />

realizado no dia 18 de janeiro, na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), em São Paulo -<br />

capital. (Figura 01).<br />

A editora de moda Erika Palomino, confere ao desfile os seguintes comentários:<br />

Reinaldo Lourenço opõe os rigores do militarismo com roupas de<br />

inspiração elevada, com pontos de luz como alegorias para a busca da<br />

espiritualidade. A primeira parte, como se pode prever, mais fácil de<br />

materializar.<br />

O que se espreme dessas referências, entretanto, é mais uma sorte de<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

libertação estilística, entre aspas, numa coleção mais solta do que as<br />

anteriores (a do café, por exemplo, mais monotemática). Os blocos da<br />

edição são bem definidos, entretanto, unificados pelo cabelo à lá anos<br />

40, sobrancelha fininha redesenhada.<br />

O desfile começa com a poética série de coletes e “visitas”, contidos<br />

nas mangas que se abrem somente à altura da bainha, arrematadas por<br />

golas de pele e botas pontudas, com uma meia longa preta conferindo<br />

certa bossa e contemporaneidade aos looks.<br />

O aspecto nobre se reforça com a organza bordada em flores com paetês,<br />

desdobrada nos vestidos de comprimento 40’s, abaixo do joelho.<br />

E zap. Entra uma blusa transparente com escritos em aramaico (em<br />

cada letra do alfabeto mora um anjo, parece). E assim o desfile segue,<br />

sem proporcionar muito no que o espectador se segurar. Quando uma<br />

ideia fixa em nossa mente, logo ela se esvai. Claro que isso na loja<br />

pouco importa. E daí que quem se identifica com o estilo de Reinaldo<br />

Lourenço vai poder comemorar e comprar os espertos looks em couro;<br />

as peças de ombros pontudos; os difíceis verdes que na mão do designer<br />

crescem e passam a ser ‘certos’.<br />

Os dois últimos blocos do desfile, com os exóticos “vestidos-comenda”,<br />

aparentemente precisariam mais tempo para ser afinados, retrabalhados<br />

no ateliê, e nem de longe estão entre os melhores momentos da<br />

trajetória do estilista. Fiquemos, então, com o militarismo streetwise<br />

lá do miolo do desfile. Esses são Reinaldo Lourenço at his Best [2]<br />

(PALOMINO, 2010).<br />

Todas as referências citadas por Palomino serão destituídas no editorial de moda da revista Elle<br />

Brasil, onde o tema abordado é a década de 1920. O editorial conta com quatorze páginas, sendo<br />

que o look observado encontra-se na página 265. A chamada do editorial transmite-nos como será<br />

a ambientação a ser vista. O tema “Em Algum lugar do Passado” conta com o seguinte subtexto:<br />

“Com pitadas subjetivas, o glamour dos anos 1920 encontra a rebeldia de 2010 em looks prontos<br />

para a festa” (ELLE BRASIL, 2010, p.256).<br />

A ficha técnica que acompanha o editorial é composta por: Fotos de Fábio Bartelt (Abá MGT);<br />

Edição: Susana Barbosa; Cabelo e maquiagem: Ricardo dos Anjos; Coordenação de <strong>Moda</strong>: Patrícia<br />

Emi Kurati; Produção de <strong>Moda</strong>: Luana Nigro e Beatriz Perotti; Produção Executiva: Heitor Lima<br />

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(Abá MGT); Tratamento de Imagem: Alex Wink (foto).<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

Para uma melhor compreensão do tema abordado no editorial de moda da revista ELLE Brasil,<br />

mencionaremos alguns dos elementos que constituem o look com referências dos anos de 1920. A<br />

década de 1920 foi marcada por:<br />

Um hábito que se tornou grande na moda foi a maquiagem acentuada<br />

sobre a pele. Pó-de-arroz no rosto e batom vermelho sobre os lábios<br />

em pequenas e evidenciadas bocas, chamadas “boquinha de coração”,<br />

além da acentuação dos cílios; não esquecendo dos cabelos, que se<br />

tornaram bem curtos, à altura do queixo, um reflexo da emancipação<br />

feminina e, mais curtos ainda com o famoso corte `a la garçonne, ou<br />

seja, “à maneira dos meninos (BRAGA, 2008, p.77).<br />

Figura 01: Da direita para a esquerda. Looks propostos: revista Elle Brasil e foto do desfile de<br />

Reinaldo Loureço.<br />

Fonte: (ELLE BRASIL, 2010, p.265)<br />

Finalizada a pesquisa da primeira fonte, voltaremos nosso olhar para compilar outras fontes<br />

referentes ao trabalho de João Pimenta. Trata-se de olhar para a coleção outono/inverno 2011,<br />

desfilada no dia 02 de fevereiro , na Semana de <strong>Moda</strong> do São Paulo Fashion Week.<br />

Na descrição do site do evento, encontramos a seguinte ficha técnica do desfile, onde também<br />

não foi encontrado o crédito pelo comentário:<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

Direção criativa: João Pimenta; Beleza: Ricardo dos Anjos; Trilha: Roque<br />

Castro e Kbeça. Tema: Estudos sobre a forma trapézio para a moda<br />

masculina, aplicados aos universos ambientes militares e litúrgicos<br />

(religiosos). Cartela de cores: Cinza, preto, branco, off-white e pitadas<br />

de azul marinho e vinho. Materiais: Veludo, sarja emborrachada e<br />

lã. Formas: Trapézio nas partes de cima (quase sempre acinturadas)<br />

e arredondadas nas de baixo, principalmente na região do quadril.<br />

Acessórios: Sapatos e botas de pegada militares e bicos levemente<br />

torcidos para cima. Highlights: A limpeza visual que João Pimenta se<br />

propõe trabalhar nessa temporada. A melhor parte vem na alfaiataria.<br />

Mais afiada do que nunca. O aspecto feminino que continua sempre<br />

presente, agora permeado por um aspecto religioso bem interessante<br />

[3] (FFW, 2011).<br />

A partir deste comentário acerca do desfile de Pimenta, confeccionaremos um olhar para o<br />

editorial da revista Mag! nº 25 de 2011, que traz em um dos seus editoriais o próximo enfoque<br />

desse ensaio. O editorial com o tema “Almas Pagãs: A anunciação” ocupa cinquenta e nove páginas<br />

e o look observado encontra-se na página 74. (Imagem 02). O texto de abertura traz a seguinte<br />

descrição: “Santificados sejam os lances do inverno; O antídoto para os entraves eclesiásticos vem<br />

das entrelinhas do livro; O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós; E que os deuses iluminem à<br />

moda. Por: Bob Wolfenson; Edição de moda: Paulo Martines”. (MAG!, 2011, p.69).<br />

Na ficha técnica, encontramos para a formação do look, as seguintes peças: casaco Bonker, camisa<br />

Lacoste, Gravata Petulan, saia e bota João Pimenta, colar Otávio Giora. A ficha técnica do editorial<br />

traz os seguintes nomes:<br />

Beauty: Catia Marques (Capa Mgt); Produção de <strong>Moda</strong>: Júlia Cosentino<br />

e Larissa Lucchese; Assistente de fotografia: Pedro Bonacina, Renata<br />

Terepins, Caiuá Franco e Aecio do Amaral; Assistente de Camarim: Maura<br />

Soares (Camarim SP); Cenografia: Luis Rossi (FCR Produções Artísticas)<br />

e tratamento de imagem: RG Imagem (Mag!, 2011, p.128).<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

Figura 02: Da direita para a esquerda. Look propostos: revista Mag! e foto do desfile de João<br />

Pimenta.<br />

Fonte: Da direita para esquerda: (MAG!, 2011, p.69) e (http://ffw.com.br/wp-content/themes/<br />

ffw/popup-desfile.php?d=3778&t=1&p=20).<br />

Conforme o cronograma de Castilho e Martins (2008), onde após a performance do desfile de moda<br />

do estilista-criador, encontramos inseridos nos intermediários da sanção cognitiva (quadro 01 e 02),<br />

os produtores e stylist de moda. Estes profissionais, pelo meio de seu ofício, destituem o conceito<br />

do look gerado pelo estilista-criador/marca, originando novos looks para serem apresentados ao<br />

consumidor na sanção cognitiva.<br />

Podemos perceber que as peças (a de Lourenço - um vestido na cor preta; a de Pimenta - uma saia<br />

plissada na cor branca) são as mesmas desfiladas em seus respectivos desfiles, porém, por meio da<br />

produção e de stylist de moda dos editoriais de moda, as peças foram combinadas de outra forma<br />

e, por meio dessa nova formatação, destituíram os looks propostos pelos seus estilistas-criador/<br />

marca em sua apresentação ao público através da performance.<br />

Ambas as leituras têm como premissa as recombinações dos elementos já citados que constituem<br />

o look. Não abordaremos as prováveis interseções que possam ser feitas nas peças de roupa e<br />

ou acessório, para as próprias terem sua função trocada, mesmo que em um dos exemplos - na<br />

coleção de Lourenço – observarmos um colar sendo usado na cabeça, conforme sua ficha técnica<br />

descreve.<br />

Para fins comparativos e de melhor visualização dos looks propostos, foram construídos esses dois<br />

quadros abaixo:<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

Quadro 3: Reinaldo Lourenço<br />

Estilista Criador/Marca Stylist e ou Produtor de <strong>Moda</strong><br />

Luna Nigro e Beatriz Perotti<br />

Look da Performance Look do Editorial<br />

Revista Elle Brasil<br />

Cabelos anos de 1940 com sobrancelhas finas.<br />

Comprimento do vestido muito utilizado nos<br />

anos de 1940<br />

Meias 3/4 preta e scarpin<br />

Nenhuma ornamentação de acessórios<br />

Postura da modelo fria transmitindo firmeza<br />

Quadro 03: Reinaldo Lourenço referente figura 01.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Cabelos e maquiagem dos anos de 1920<br />

Esmalte nas unhas de cor preto<br />

Comprimento do vestido muito utilizado nos<br />

anos de 1940 – Marca Reinaldo Lourenço<br />

Meias calça estilo arrastão – Marca Folga<br />

Colar usado na cabeça – Marca Gloria Coelho<br />

Pulseira – Estilista Marco Apollonio<br />

Postura da modelo leve transmitindo doçura<br />

Quadro 4: João Pimenta<br />

Estilista-Criador/Marca Stylist e ou Produtor de <strong>Moda</strong><br />

Júlia Cosentino<br />

Look da Performance Look do Editorial<br />

Revista Mag!<br />

Saia plissada na cor branca<br />

Sapatos e botas militares<br />

Bordados militares na parte da sobreposição<br />

da camisa branca com colarinho alto.<br />

Nenhuma ornamentação de acessórios<br />

Postura da modelo fria transmitindo firmeza<br />

Maquiagem e cabelos limpos, sem excesso.<br />

Quadro 04: João Pimenta referente figura 02.<br />

Fonte: Do autor.<br />

Saia plissada na cor branca – Estilista João<br />

Pimenta<br />

Casaco estilo militar – Marca Bonker<br />

Camisa listrada – Marca Lacoste<br />

Gravata – Marca Pelulan<br />

Colar crucifixo usado na mão como terço –<br />

Estilista Otávio Giora<br />

Postura da modelo leve transmitindo doçura<br />

Maquiagem e cabelos limpos, sem excesso.<br />

Por intermédio dos quadros que descrevem as possíveis leituras dos looks proporcionados pelos<br />

Estilista-Criador/Marca e aos que foram concebidos pelos produtores de moda de ambas as revistas.<br />

Observamos que: na ELLE Brasil as produtoras Luna Nigro e Beatriz Perotti, para produzirem o seu<br />

look, contaram com quatro peças criadas por diferentes Estilista-Criador/Marca; já Júlia Cosentino<br />

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O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

da revista Mag!, necessitaram de cinco peças para elaborar o look apresentado no editorial de<br />

moda. Todas as produtoras utilizaram entre para a formatação dos looks, as peças que foram<br />

observadas para a realização de nossa leitura. As peças são as mesmas, porém, na construção do<br />

look, foram modificadas a postura, a maquiagem dos modelos e, também, a ambientação. A partir<br />

desse arranjo proporcionaram uma nova leitura do look em relação àquele proposto pelo Estilista-<br />

Criador/Marca.<br />

Conclusão<br />

No decorrer do texto, levantamos algumas possíveis articulações sobre o design, a moda e como<br />

o stylist e ou produtor de moda utiliza a estilização para recriar novas combinações de looks.<br />

Por meio da estilização, esses profissionais acarretam uma construção notória de looks na mídia<br />

contemporânea.<br />

Nas abordagens decorrentes de Lourenço e Pimenta podemos chegar à conclusão de que o look<br />

proposto pelo estilista-criador/marca é reelaborado para transmitir uma nova maneira de usar as<br />

roupas; esse conceito é pertinente ao produtor e ao stylist. Vale lembrar que com a falta da ficha<br />

técnica do desfile de Loureço e Pimenta para objetivar o presente estudo, escolhemos somente<br />

como fonte de pesquisa o website oficial do São Paulo Fashion Week (http://www.ffw.com.br).<br />

Determinada a premissa de fonte de dados, podemos relatar que chegamos a mesma conclusão<br />

de Dingemans (1999), em seu estudo sobre o styling, quando o autor confere a esse profissional<br />

os seguintes fatores:<br />

Se você olha para as páginas de moda de uma revista ou jornal,<br />

você verá que as roupas, cabelos e maquiagem são assessorados e<br />

estilizados em um modo particular. Este é o trabalho do stylist, criar<br />

uma imagem que os leitores possam almejar, retratar roupas que<br />

eles querem comprar e mostrar a eles modos de usá-las, assim como<br />

informá-los onde encontrá-las e quanto custam. Os stylists de roupas<br />

serão os instigadores da imagem, trabalhando com fotógrafos, modelos<br />

e cabeleireiros/maquiadores, para criar a imagem. [...] (DINGEMANS,<br />

1999, p.1).<br />

Os instigadores organizam o look que será fotografado e registrado por meio da fotografia de<br />

moda, sendo esse registro confirmador do conceito gerado pelo estilista-criador/marca ou não,<br />

que pode ser percebido nos dois casos apresentados nas figuras 01 e 02. A figura 01 referente a um<br />

look de Lourenço recriado pelo stylist, que descaracteriza a linguagem do conceito gerado pelo<br />

estilista-criador /marca. Em nosso outro exemplo, podemos confirmar que a imagem confirma o<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

conceito criativo do look de Pimenta, utilizando de outros agrupamentos de peças para gerar o<br />

look a ser fotografado. A imagem 02 confirma o conceito da fotografia, porém elabora um look<br />

diferente daquele apresentado pelo estilista-criador/marca em sua performance.<br />

Feitas as leituras relatadas, poderemos refletir que o estilista-criador/marca serve como fonte<br />

embasadora para o produtor e o stylist reinventa novas formatações de recentes produtos de<br />

moda, valendo-se de um plausível “design de estilização”, que em nosso olhar, confere ao<br />

produtor e ao stylist de moda fazê-lo. Essa articulação é um desdobramento de Cardoso (2008),<br />

sendo o design referente “tanto à ideia de plano, desígnio, intenção, quanto à de configurar,<br />

arranjo e estrutura” (CARDOSO, 2008, p.20). Todos esses tópicos referentes ao que seria o design,<br />

podem ser identificados na estilização promovida pelo produtor e o stylist pelo meio de novas<br />

combinações de look, utilizando para tal feito, recentes produtos lançados no mercado pelos<br />

designers de moda.<br />

Notas<br />

[1] Estamos nos referindo ao estilista em nosso texto como design/designer. O estilista será<br />

mantido quando o autor citado assim se referir e para dar continuidade ao contexto advindo do<br />

autor.<br />

[2] Disponível em: http://www.ffw.com.br/desfiles/sao-paulo/inverno-2010-rtw/reinaldolourenco/home/<br />

Acesso em 20 Ago. 2011.<br />

[3] Disponível em: http://www.ffw.com.br/desfiles/sao-paulo/inverno-2011-rtw123/joaopimenta/home/<br />

Acesso em 20 Ago. 2011.<br />

Referências<br />

Livros:<br />

BRAGA, João. História da <strong>Moda</strong>: Uma Narrativa. São Paulo: <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2008.<br />

CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do <strong>Design</strong>. São Paulo: Blucher, 2008.<br />

CASTILHO, Kathia; MARTINS, Marcelo M. Discursos da <strong>Moda</strong>: Semiótica, design e corpo. São<br />

Paulo: <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2008.<br />

DINGEMANS, Jo. Mastering Fahion Styling. Londres: Macmillan Press, 1999.<br />

GARCIA, Carol; MIRANDA, Ana Paula. <strong>Moda</strong> é Comunicação: Experiência, memoria, veículos. São<br />

Paulo: <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2005.<br />

LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São<br />

Paulo: Companhia da Letras, 1989.<br />

PALOMINO, Erika. A <strong>Moda</strong>. São Paulo: Publifolha, 2003.<br />

SABINO, Marco. Dicionário da <strong>Moda</strong>. Rio de Janeiro: Elsevir, 2007.<br />

SALTZMAN, Andrea. O <strong>Design</strong> Vivo. In: <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong>: Olhares diversos. São Paulo: Estação das<br />

Letras e Cores, 2008. p. 305-318.<br />

113


Revistas:<br />

ELLE Brasil. Ano 22, n. 5. Maio de 2010. p. 265.<br />

Mag! n. 25, 2011. p.69.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O stylist e o seu ofício de estilização de looks em editoriais de moda<br />

Documentos eletrônicos:<br />

João Pimenta. Disponível em: http://ffw.com.br/desfiles/sao-paulo/inverno-2011-rtw123/joaopimenta/home/<br />

Acesso em 20 Ago. 2011.<br />

João Pimenta. Imagem do desfile de inverno 2011. Disponível em: http://ffw.com.br/wp-content/<br />

themes/ffw/popup-desfile.php?d=3778&t=1&p=20 Acesso em 20 Ago. 2011.<br />

Reinaldo Lourenço. Imagem do desfile de inverno 2010. Disponível em: http://ffw.com.br/wpcontent/themes/ffw/popup-desfile.php?d=334&t=1&p=11<br />

Acesso em 20 Ago. 2011.<br />

Reinaldo Lourenço. Disponível em: http://ffw.com.br/desfiles/sao-paulo/inverno-2010-rtw/<br />

reinaldo-lourenco/home/ Acesso em 20 Ago. 2011.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Livia Marsari Pereira Mestre em <strong>Design</strong> <strong>Universidade</strong> Tecnológica Federal do Paraná<br />

liviam@utfpr.edu.br<br />

Marizilda dos Santos Menezes Doutora em Arquitetura e Urbanismo PPG<strong>Design</strong>/FAAC/<br />

UNESP marizil@faac.unesp.br<br />

Lívia Laura Matté Mestranda em Comunicação <strong>Universidade</strong> Estadual de Londrina<br />

livialauramatte@yahoo.com.br<br />

Paloma Laura Aparecida de Almeida Especialista <strong>Universidade</strong> Tecnológica Federal do<br />

Paraná palomaalmeida@utfpr.edu.br<br />

Resumo<br />

Dentre as tendências atuais para as roupas infantis, encontra-se o uso do vestuário<br />

com intuito de contribuir para o desenvolvimento e aprendizado das crianças por<br />

meio da interação com o mesmo. Desta forma, esse estudo apresenta uma investigação,<br />

por meio de uma revisão bibliográfica e de um estudo de caso sobre<br />

o lúdico inserido no vestuário infantil, cujo foco principal são as possibilidades<br />

de aprendizagem que podem ocorrer. Os dados levantados indicaram que as roupas<br />

podem ser trabalhadas como um recurso pedagógico para crianças, pois elas<br />

interagem com seus elementos e demonstram interesse pelas imagens, textos e<br />

acessórios que as compõem.<br />

Palavras-chave:<br />

Vestuário infantil, aprendizagem, lúdico.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Introdução<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

A criança inicia seu aprendizado desde que nasce e seu crescimento depende das experiências<br />

vividas, com as quais aprende. Desta maneira, a infância foi estabelecida pela humanidade como<br />

um período de preparação para a vida adulta, durante o qual a criança adquire conhecimentos,<br />

qualidades psíquicas e as propriedades individuais necessárias.<br />

A roupa também faz parte desse meio externo que pode contribuir para a formação e para o<br />

desenvolvimento da infância, pois está presente na maior parte do tempo como uma extensão<br />

do corpo e interage com o organismo humano de maneira generalizada e direta. Nesse contexto,<br />

situa-se o vestuário com conceitos lúdicos de aprendizagem, que é utilizado como um instrumento<br />

de ensino, pois contribui para a formação e para o desenvolvimento das crianças pelo ato de se<br />

vestir e pela interação que essa relação possibilita.<br />

O termo moda ou vestuário pedagógico foi cunhado por Fante (2010) e diz respeito a roupas infantis<br />

educativas que consideram fatores que podem, além de vestir, educar e divertir as crianças.<br />

Qualquer roupa infantil pode explorar o processo de aprendizagem que ocorre pela consciência<br />

visual, tátil, olfativa e auditiva, de modo a auxiliar o desenvolvimento da criança, dentro das<br />

etapas naturais, de forma lúdica.<br />

Para que a interação criança/roupa ocorra, o vestuário infantil apropria-se de uma multiplicidade<br />

de unidades básicas de informação que atuam, simultaneamente, como um dinâmico canal de<br />

comunicação e como um recurso pedagógico. É neste sentido que este estudo visa a investigar se a<br />

aprendizagem pode ocorrer de forma lúdica, por meio da interação das crianças com suas roupas.<br />

Assim, buscou-se pesquisar as possíveis relações entre moda e educação.<br />

Para tanto, foi realizado um levantamento teórico sobre a aprendizagem infantil, a relação do lúdico<br />

com a educação e os vestuários projetados com conceitos de aprendizagem, para fundamentar<br />

um estudo de caso que foi desenvolvido em dez escolas particulares da cidade de Bauru-SP, com<br />

o objetivo obter dados referentes à vivência das crianças com suas roupas e suas preferências,<br />

atitudes e formas de raciocínio.<br />

Aprendizagem<br />

O desenvolvimento é um processo de sucessivas mudanças que acompanha o ser humano em todos<br />

os seus aspectos, englobando fases desde o nascimento até o seu mais completo grau de maturidade<br />

e estabilidade. Biaggio (1976) conceitua desenvolvimento como processos intraorganísmicos e de<br />

eventos ambientais que ocorrem dentro de determinada faixa de tempo.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

O desenvolvimento humano refere-se ao amadurecimento mental e ao crescimento orgânico que se<br />

dá em diversos aspectos que se relacionam permanentemente, que são: físico-motor, intelectual,<br />

afetivo-emocional e social.<br />

Para Piaget (2007, p.11), o desenvolvimento é “uma equilibração progressiva, uma passagem<br />

contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior”. Desta forma, o<br />

desenvolvimento representa um padrão de características inter-relacionadas que se traduz como<br />

uma evolução de estágios em que cada indivíduo vivencia os mesmos processos.<br />

Piaget (1974) entende que o desenvolvimento é o processo essencial que dá suporte para<br />

cada nova experiência de aprendizagem, isto é, cada aprendizagem ocorre como resultado do<br />

desenvolvimento total e não como um fator que o explica. Desta forma, o autor elucida:<br />

Primeiro, eu gostaria de esclarecer a diferença entre dois problemas:<br />

o problema do desenvolvimento e o da aprendizagem. (...)<br />

desenvolvimento é um processo que diz respeito à totalidade das<br />

estruturas de conhecimento. Aprendizagem apresenta o caso oposto.<br />

Em geral, a aprendizagem é provocada por situações – provocada por<br />

psicólogos experimentais; ou por professores em relação a um tópico<br />

específico; ou por uma situação externa. Em geral, é provocada e<br />

não espontânea. Além disso, é um processo limitado – limitado a<br />

um problema único ou a uma estrutura única. Assim, eu penso que<br />

desenvolvimento explica aprendizagem, e essa opinião é contrária à<br />

opinião amplamente difundida de que o desenvolvimento é uma soma<br />

de experiências discretas de aprendizagem (PIAGET, 1964, p.176).<br />

Nessa visão, a noção de aprendizagem restringe-se à aquisição de um conhecimento novo e<br />

específico, derivado do meio. Para Piaget (1964), o indivíduo assimila o estímulo e, após uma<br />

interação ativa, emite uma resposta, ou seja, o conhecimento adquirido não resulta de uma ação<br />

unilateral do meio (estímulo) sobre o sujeito passivo, mas de uma interação nos dois sentidos: do<br />

estímulo sobre o sujeito e ao mesmo tempo do sujeito sobre o estímulo.<br />

A aprendizagem ocorre mediante a consolidação das estruturas de pensamento, portanto, sempre<br />

ocorre após a consolidação do esquema que a suporta, da mesma forma que a passagem de um<br />

estágio a outro estaria dependente da consolidação e superação do anterior. Assim, para que<br />

ocorra a construção de um novo conhecimento, é necessário que se estabeleça um desequilíbrio<br />

nas estruturas mentais, isto é, os conceitos já assimilados necessitam passar por um processo<br />

de desorganização para que possam, novamente, a partir do contato com novos conceitos,<br />

reorganizarem-se, estabelecendo um novo conhecimento. Este mecanismo pode ser denominado<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

de equilibração das estruturas mentais, pois há a transformação de um conhecimento prévio em<br />

um novo.<br />

Para construir esse conhecimento, as concepções infantis combinam-se às informações advindas<br />

do meio. Desse modo, o conhecimento não é concebido, de forma espontânea, pela criança, nem<br />

transmitido de forma mecânica pelo meio exterior ou pelos adultos, mas é o resultado de uma<br />

interação, na qual o sujeito é sempre um elemento ativo, que procura compreender o mundo que<br />

o cerca e que busca resolver as interrogações que esse mundo provoca. Assim, a criança aprende,<br />

basicamente pelas suas próprias ações sobre os objetos e constrói suas próprias categorias de<br />

pensamento ao mesmo tempo em que organiza seu mundo.<br />

A educação e o lúdico<br />

O ser humano, em todas as fases de sua vida, mas, principalmente, na infância, encontra-se,<br />

constantemente, em busca de novos conhecimentos e aprendizados, tanto pelo contato com seus<br />

semelhantes como pelo domínio sobre o meio em que vive.<br />

Essa busca, troca, interação e apropriação do conhecimento é denominada educação. Almeida<br />

(2000) explica que educar não é um ato ingênuo, indefinido, imprevisível, mas uma atitude histórica<br />

(tempo), cultural (valores), social (relação), psicológica, intelectual, afetiva e existencial. Educar<br />

significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens que possam<br />

contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis.<br />

O lúdico representa um fator de grande importância no processo de educação e de socialização<br />

da criança, pois lhe proporciona novas descobertas a cada momento, conforme o contexto no<br />

qual está inserida. Almeida (2000, p.26) explica que “está bastante claro que a atividade lúdica<br />

é o berço obrigatório das atividades intelectuais e sociais superiores, por isso, indispensáveis à<br />

prática educativa”. Desta forma, a atividade lúdica proporciona um desenvolvimento cognitivo,<br />

motor, social afetivo às crianças. Neste sentido, Zatz e Halaban (2006) afirmam que:<br />

A brincadeira é uma atividade inerente ao ser humano. Durante a<br />

infância, ela desempenha um papel fundamental na formação e no<br />

desenvolvimento físico, emocional e intelectual do futuro adulto.<br />

Brincar é essencial para a criança, pois deste modo que ela descobre<br />

o mundo à sua volta e aprende a interagir com ele (ZATZ E HALABAN,<br />

2006, p.13).<br />

A criança, ao brincar, interage com objetos e outras crianças, o que estimula a criatividade,<br />

a autoconfiança, a autonomia e a curiosidade e garante a aquisição de novos conhecimentos.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Paniagua & Palácios (2007) analisam que as crianças aprendem, fundamentalmente, por meio<br />

de uma ação direta sobre os objetos e da participação direta em situações, portanto, convém<br />

proporcionar a elas um ambiente rico em objetos, situações, experiências e relações.<br />

As atividades lúdicas possuem valor educacional intrínseco, mas, além desse valor que lhes é<br />

inerente, são utilizadas como recurso pedagógico. Essas atividades podem ser destinadas a ensinar<br />

e estimular o raciocínio, a atenção, a concentração, a compreensão, a coordenação motora, a<br />

percepção visual, noções de sequência e a memorização, além da compreensão de números e de<br />

operações matemáticas. Desse modo, várias são as razões que levam os educadores a empregar<br />

atividades lúdicas no processo de ensino/aprendizagem.<br />

Vestuário com conceitos lúdicos de aprendizagem<br />

O vestuário pode ser entendido como um produto que determina uma situação que ultrapassa a<br />

própria utilidade da indumentária. O corpo funciona como um dinâmico veículo de comunicação,<br />

onde gestos, expressões e mesmo a escolha das roupas produzem sentido e comunicam. Bernard<br />

(2003, p.52) afirma que “uma roupa, um item de moda ou indumentária, seria o meio ou canal<br />

pelo qual uma pessoa “diria” uma coisa à outra”. Desta forma, a peça de roupa é um suporte<br />

que transmite mensagens e comunica, ou seja, é um signo portador de mensagens que falam do<br />

indivíduo que a veste e da sociedade que a produziu.<br />

No ato da observação das roupas registram-se informações, desenvolvendo-se, assim, diálogo.<br />

Castilho e Garcia (2001, p.13) afirmam que “moda é comunicação, é mídia que se expressa<br />

visualmente”. A construção dos significados ocorre a partir do suporte material empregado, pois<br />

essas informações estão presentes nos elementos que compõem cada peça do vestuário: o tecido,<br />

os aviamentos, as texturas, as imagens e até os textos que podem estar inseridos na mesma.<br />

Silva (2001, p.82) explica que a vestimenta “apresenta também um plano de representação<br />

e significação, então podemos afirmar que o vestuário constitui-se também como linguagem,<br />

estando, portanto, apto a cumprir uma função de comunicação”. Ao analisar a linguagem mostrada<br />

nas peças do vestuário e como sua força de atuação eleva a moda a outros significados, Castilho<br />

(2006) afirma que a roupa fala e é um sistema de códigos. Sendo assim, ao se compreender a<br />

indumentária como expressão de um conteúdo, ela pode ser lida como um texto que veicula um<br />

discurso.<br />

Ao assumir o posto de mídia, a moda assume as responsabilidades de um veículo comunicador<br />

e criador de ambientes comunicacionais. Entre estas responsabilidades, está a de despertar os<br />

sentidos como um todo, sem se restringir ao domínio da visão, sentido comumente relacionado à<br />

luz, ao conhecimento e à aprendizagem. Para Baitello (2006)<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

A moda vai até as pessoas e as pessoas carregam a moda. O vestir não<br />

é mais meramente funcional, como era antes – estar protegido para<br />

o dia-a-dia, para a labuta, com as roupas durando 10 anos. Hoje as<br />

pessoas carregam uma “não coisa” com a roupa: esse vestir funcional é<br />

revestido de uma função estética permanente. E aí, tudo acaba sendo<br />

penetrado, todos os espaços acabam sendo perfurados, permeáveis<br />

à mídia, e portanto a mídia tem um enorme poder de persuasão das<br />

pessoas. E a própria mídia pode ser um fator chave para o retorno da<br />

humanidade aos outros sentidos (BAITELLO, 2006, p.1).<br />

O vestuário infantil com possibilidades de aprendizagem explora o processo de aquisição de<br />

conhecimentos que ocorre pela consciência visual, tátil, olfativa e auditiva, permitindo que a<br />

criança se desenvolva dentro das etapas naturais e de forma lúdica, por meio de uma multiplicidade<br />

de unidades básicas de informação que atuam, simultaneamente, como um dinâmico canal de<br />

comunicação e como um recurso pedagógico.<br />

O vestuário com conceitos lúdicos de aprendizagem propõe-se a contribuir para o desenvolvimento<br />

e aprendizagem das crianças por meio da interação destas com suas roupas. A interação com<br />

elementos das roupas possibilita que conteúdos e assuntos inerentes ao universo infantil sejam<br />

transmitidos às crianças de forma lúdica. Para isso, técnicas e materiais diferenciados são<br />

empregados nas roupas, tais como: estampas, bordados, texturas e acessórios.<br />

Bezerra e Waechter (2008, p.254) assinalam que “cores e formas aplicadas nas peças vêm sendo<br />

comuns no mercado, aliando diversão ao ato de vestir, ao se utilizarem do repertório lúdico –<br />

comparando-se a jogos e brincadeiras – da criança”.<br />

Esse novo conceito de uso das roupas pode proporcionar diferentes formas de interação entre o<br />

vestuário e a criança, de modo a estimular a linguagem, o desenvolvimento motor, o raciocínio e<br />

a criatividade. A Figura 1 mostra roupas que exemplificam o conceito de vestuário voltado para a<br />

aprendizagem.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Figura 1. Vestuário com conceitos de aprendizagem<br />

Fonte: (ZIG ZIG ZAA, 2010)<br />

A peça da menina possui radiofrequência nos olhos da flor, o que favorece a criatividade, a<br />

experiência tátil e visual e desperta a curiosidade. Já a peça do menino é composta por um<br />

bordado em forma de nuvem que recebe um chip musical, com o objetivo de instigar o tato, a<br />

visão e, principalmente, a audição. Os elementos visuais compostos e combinados, em forma de<br />

texto, imagens, texturas e cores, no vestuário, tornam-se um dinâmico canal de comunicação.<br />

Stefani (2005, p.69) ressalta que “a indumentária, ao cobrir o corpo, também transmite<br />

informações”. Assim, pela proximidade e freqüência de contato com o corpo, o vestuário infantil,<br />

pode estabelecer-se como um poderoso instrumento de brincadeira, comunicação e aprendizagem.<br />

A Figura 2 mostra peças que podem ser classificadas como roupas infantis com conceitos de<br />

aprendizagem.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Figura 2. Vestuário com conceitos de aprendizagem<br />

Fonte: (OWOKO, 2010)<br />

Essas peças possuem acessórios que se desprendem das roupas e podem ser inseridos em novos<br />

lugares, além de elementos que produzem sons ou emitem cheiros, o que contribui para o<br />

desenvolvimento do raciocínio e da coordenação motora e estimula o olfato.<br />

Bezerra e Waechter (2008) assinalam que aplicações externas, como cores e cheiros, são utilizados,<br />

nas roupas infantis, na atualidade, com o objetivo de atrair esse público, fazendo-o entrar no seu<br />

mundo de diversão. Além disso, acessórios como chaveiros, aviamentos aparentes e até estímulos<br />

sonoros, aplicados ao vestuário infantil, são utilizados por confecções como recursos auxiliares<br />

do desenvolvimento infantil. A Figura 3 apresenta camisetas com estampas que podem auxiliar na<br />

aprendizagem das crianças.<br />

Figura 3. Vestuário com conceitos de aprendizagem<br />

Fonte: (UBANG BABBLECHAT, S.D.)<br />

As peças acima apresentam estampas de animais, o que possibilita a transmissão de informações<br />

sobre as formas e as cores dos mesmos. As peças apresentam, também, textura e tridimensionalidade<br />

nas patas do caranguejo e na face do gorila, o que auxilia no desenvolvimento do tato e dos<br />

conhecimentos por associação. Cândido (2008, p.5) afirma que “a partir do momento em que a<br />

estampa da camiseta é descoberta, como nova mídia, jamais deixará de ser utilizada com esse<br />

intuito”.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

É possível perceber, a partir dessas análises, que as roupas são colocadas como uma página em<br />

branco ou um espaço vazio, e elementos como: imagens, texturas, formas e cores a preenchem<br />

com informações que entretêm, ajudam no desenvolvimento e despertam a curiosidade das<br />

crianças.<br />

Materiais e métodos<br />

A presente pesquisa classifica-se como descritiva, pois trata de fatos que foram observados,<br />

registrados, analisados e interpretados, sem que o pesquisador interferisse sobre eles. Por<br />

estabelecer-se uma conexão ascendente, do particular para o geral, o método de abordagem<br />

escolhido para esse estudo foi o indutivo. Andrade (1997, p.21) afirma que, nesse método, “as<br />

constatações particulares é que levam às leis gerais”.<br />

O método empregado é o monográfico ou estudo de caso, já que é uma investigação empírica<br />

que averigua um fenômeno contemporâneo, dentro do seu contexto de vida real, com base no<br />

desenvolvimento prévio de proposições teóricas para a condução da coleta e da análise dos<br />

dados. Segundo Andrade (1997, p.23) este estudo consiste “na observação de determinados<br />

indivíduos, profissões, condições, instituições, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter<br />

generalizações”. No caso do presente estudo, o objetivo foi conhecer como se dá a percepção<br />

infantil e quais são os princípios de design que estimulam a aprendizagem das crianças.<br />

Um das técnicas de pesquisa utilizada foi a entrevista sistemática e não-participante, por meio<br />

de um modelo de protocolo elaborado pela pesquisadora, que teve como fonte de informação a<br />

pesquisa bibliográfica.<br />

O trabalho de campo foi conduzido no ambiente escolar. As escolas particulares foram selecionadas,<br />

uma vez que as roupas desenvolvidas especificamente com noções educativas têm um custo<br />

elevado e esses locais oferecem maior possibilidade de encontrar o público que possui condições<br />

para adquiri-las.<br />

O protocolo foi aplicado junto a pedagogas, psicólogas e professoras de dez escolas privadas,<br />

do ensino fundamental, da cidade de Bauru-SP. Esses profissionais foram escolhidos uma vez que<br />

possuem formações diferentes e têm contato diário com crianças.<br />

Para o tratamento dos dados da pesquisa foi utilizado um método misto, pois algumas questões<br />

foram tratadas qualitativamente e outras, quantitativamente. Essa escolha ocorreu devido à<br />

possibilidade de respostas diferenciadas. Os dados apresentados a seguir representam o resultado<br />

parcial da entrevista.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Os aspectos éticos também foram contemplados na pesquisa, pois os pesquisados foram instruídos<br />

quanto aos procedimentos a que seriam submetidos e lhes foi apresentado o Termo de Consentimento<br />

Livre e Esclarecido (TCLE), que os conscientizou de que a adesão à entrevista era espontânea,<br />

sem remuneração e isenta de qualquer tipo de pressão ou constrangimento.<br />

Resultados<br />

A primeira questão indaga os participantes da pesquisa sobre a possibilidade da aprendizagem<br />

das crianças ocorrer de forma lúdica. Todos os participantes, independente da área profissional,<br />

acreditam que a criança pode aprender de forma lúdica. Assim como explica a teoria (ALMEIDA,<br />

2000; ZATZ E HALABAN, 2006; PANIAGUA & PALÁCIOS, 2007), os participantes também acreditam<br />

que essa prática auxilia as crianças no processo de aprendizagem e desenvolvimento. Os<br />

entrevistados relatam que o lúdico, na educação, torna o conteúdo estudado atrativo e motivador,<br />

aproximando-o da realidade, dos interesses e da linguagem das crianças. Desta forma, acreditam<br />

que a criança passa a assimilar melhor o assunto estudado, associando-o com o concreto e<br />

produzindo a interatividade. Tais levantamentos podem ser observados na Tabela 1.<br />

Escola Profissional Resposta<br />

A Pedagoga Sim. A criança necessita de diferentes recursos para aprender.<br />

Professora Sim. Porque percebemos que através de materiais concretos a<br />

aprendizagem é mais significativa.<br />

Psicóloga Sim. É por meio da brincadeira que as crianças aprendem a se inserir no<br />

mundo adulto e se tornam ativas na construção de seu conhecimento.<br />

B Pedagoga Sim. É mais interessante e faz parte dos interesses das crianças.<br />

Professora Sim. Porque brincando a criança aprende com mais facilidade.<br />

Psicóloga Sim. O lúdico estimula a atenção, o interesse e a criatividade.<br />

C Pedagoga Sim. A fantasia e a brincadeira fazem parte do mundo infantil.<br />

Professora Sim. A ludicidade é a linguagem que mais se aproxima da criança.<br />

Psicóloga Sim. O lúdico é um suporte para a mediação do professor que desafia o<br />

raciocínio das crianças e torna possível o aprender.<br />

D Pedagoga Sim. É a linguagem mais próxima do concreto da criança.<br />

Professora Sim. Com a vivência de forma lúdica, a criança internaliza os<br />

conhecimentos aprendidos.<br />

E Pedagoga Sim. A criança absorve o que ela vivencia através da forma lúdica.<br />

Professora Sim. Porque brincando ela aprende mais.<br />

Psicóloga Sim. Devido à facilidade de aprendizagem.<br />

F Pedagoga Sim. Brincando, adquire conhecimentos fundamentais para a infância.<br />

Professora Sim. Este momento se torna gratificante e prazeroso para criança,<br />

trazendo maior interesse e participação no conteúdo.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Psicóloga Sim. Toda criança é criativa, ao brincar ela elabora conflitos e constrói<br />

seu conhecimento.<br />

G Pedagoga Sim. Pela ludicidade ela entra em contato direto com o mundo real.<br />

Professora Sim. Porque brincando acontece a interação e o conhecimento, pois a<br />

criança se expressa livremente.<br />

H Pedagoga Sim. Porque a brincadeira atrai a criança e ela acaba absorvendo<br />

conhecimentos e informações<br />

Professora Sim. Porque facilita, pois a criança vê e toca para uma melhor<br />

aprendizagem.<br />

I Pedagoga Sim. O lúdico é usado em várias situações em meio a aprendizagem, pois<br />

é uma forma da criança aprender por meio de brincadeiras.<br />

Professora Sim. Porque existe a interação entre alunos e professores.<br />

J Pedagoga Sim. Porque quando a criança interage com o objeto estudado o seu<br />

aprendizado se consolida mais facilmente.<br />

Professora Sim. O brincar é importante, estimula e envolve a criança, ela aprende<br />

sem pressão ou imposição, mas por interação.<br />

Tabela 1. Respostas da Questão 1: Você acredita que a criança pode aprender de forma lúdica?<br />

Por qual razão?<br />

Fonte: Do autor<br />

Questionou-se, então, se, na convivência com crianças, os participantes percebem a ocorrência da<br />

interação criança/roupas. A maioria dos participantes da pesquisa acredita que há interação entre<br />

as crianças e suas roupas. Nesta questão, 44% dos respondentes acreditam que a intensidade dessa<br />

interação é alta; 40%, razoável; e 16%; pouca. Eles explicam que essa interação ocorre de variadas<br />

formas: por meio da observação, por se sentirem personagem da roupa, pela oportunidade de se<br />

mostrarem às pessoas e por exercitarem a escolha.<br />

Escola Profissional Resposta<br />

A Pedagoga Não. Muita.<br />

Professora Sim. Razoável. Através de combinações.<br />

Psicóloga Sim. Muita. Observando e tocando.<br />

B Pedagoga Sim. Muita. Principalmente, socialmente.<br />

Professora Sim. Razoável. Não informou.<br />

Psicóloga Sim. Muita. Ela observa os detalhes e mostra aos outros.<br />

C Pedagoga Sim. Pouca. Observação, manuseio e troca.<br />

Professora Sim. Muita. Observando os detalhes.<br />

Psicóloga Sim. Muita. Mostrando para as pessoas.<br />

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São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

D Pedagoga Sim. Pouca. Dependendo da idade, o foco ou interesse muda.<br />

Professora Sim. Razoável. Ela se sente personagem da roupa que veste.<br />

E Pedagoga Sim. Razoável. Quando ela veste algo que não se sente bem ela<br />

automaticamente avisa.<br />

Professora Sim. Razoável. Em suas brincadeiras e com os colegas.<br />

Psicóloga Sim. Razoável. Cores e formas.<br />

F Pedagoga Sim. Muita. Usando o uniforme diariamente.<br />

Professora Sim. Muita. De maneira que ela passa a fazer parte de todo o cenário da<br />

roupa.<br />

Psicóloga Sim. Razoável. Dependendo das suas escolhas.<br />

G Pedagoga Sim. Razoável. Salientando cores e formas.<br />

Professora Sim. Muita. Ela se sente participando da sua roupa quando há imagens e<br />

desenhos, ela também é o personagem.<br />

H Pedagoga Sim. Muita. Mostrando cores e desenhos.<br />

Professora Sim. Razoável. Através das cores e ilustrações (percepção visual).<br />

I Pedagoga Sim. Pouca. Mostrando aos amigos o desenho da roupa, principalmente se<br />

for de bonecas ou de super heróis.<br />

Professora Sim. Razoável. Gostam de mostrar detalhes.<br />

J Pedagoga Sim. Muita. Interagindo com os detalhes que chamaram sua atenção.<br />

Professora Sim. Pouca. Contando para os amigos as coisas que chamaram a sua<br />

atenção na sua roupa.<br />

Tabela 2. Respostas da Questão 2: Você percebe se a criança interage com a roupa que veste? Se<br />

sim, qual a intensidade dessa interação e que forma ela dá?<br />

Fonte: Do autor.<br />

A terceira questão averigua se durante a convivência com as crianças os profissionais da educação<br />

percebem demonstrações de interesse por elementos contidos em sua própria roupa. Todos os<br />

participantes da pesquisa confirmam o interesse das crianças por elementos que a roupa possa<br />

conter e explicam que os itens que mais despertam a atenção são: acessórios pendurados, imagens,<br />

estampas, texturas, botões, bordados, zíperes, personagens conhecidos e cores. A roupa foi<br />

apontada como um grande recurso de interação e interesse no universo infantil. Estas informações<br />

estão presentes na Tabela 3.<br />

Escola Profissional Resposta<br />

A Pedagoga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados. Geralmente,<br />

o interesse é maior dos amigos que estão em volta, desta forma, a criança<br />

adora ser o centro das atenções.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Professora Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e<br />

Estampas. Tudo o que há de diferente e moderno se torna mais atrativo<br />

para as crianças.<br />

Psicóloga Sim. Botão, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e<br />

Estampas. Manipulando esses objetos e buscando uma interação com os<br />

colegas.<br />

B Pedagoga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados<br />

e Estampas. Se em fase de alfabetização, preocupam-se com letras e<br />

palavras nas roupas.<br />

Professora Sim. Imagens, Acessórios pendurados e Estampas. Mexendo, tocando e<br />

prendendo a sua atenção.<br />

Psicóloga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e<br />

Estampas. Mostrando às pessoas.<br />

C Pedagoga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e<br />

Estampas. Através da percepção e contato.<br />

Professora Sim. Imagens, Acessórios pendurados e Estampas. Primeiramente pegando<br />

e depois mostrando para os amigos.<br />

Psicóloga Sim. Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e Estampas. As<br />

crianças ficam tocando e entretidos.<br />

D Pedagoga Sim. Botão, Imagens, Acessórios pendurados. Querem exibir e colocam as<br />

mãos nos detalhes e fazem questão de falar sobre eles.<br />

Professora Sim. Botão, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados e Estampas. Através<br />

da manipulação e exposição da roupa.<br />

E Pedagoga Sim. Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e Estampas.<br />

Com os amiguinhos.<br />

Professora Sim. Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e Estampas.<br />

Quando os elementos que existentes nas roupas os atraem ou chamam a<br />

atenção.<br />

Psicóloga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados e Estampas.<br />

Roupas com acessórios prendem a atenção das crianças.<br />

F Pedagoga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Estampas,<br />

Personagens conhecidos. A criança demonstra interesse por esse tipo de<br />

vestimenta e solicita a compra.<br />

Professora Sim. Acessórios pendurados. Diariamente ocorre esse interesse<br />

principalmente com as meninas, que fim comparando a roupa umas com<br />

as outras.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Psicóloga Sim. Botão, Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados e Estampas.<br />

As crianças em sua maioria escolhem suas roupas e estes elementos fazem<br />

com que elas comprem ou não.<br />

G Pedagoga Sim. Botão, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Estampas e Cores.<br />

Quando ela espontaneamente mostra aos amigos.<br />

Professora Sim. Imagens. Hoje em dia as crianças se interessam por personagens<br />

divulgados na mídia.<br />

H Pedagoga Sim. Zíper, Imagens, Texturas, Acessórios pendurados e Bordados. Por<br />

exemplo, quando roupas têm um cadarço, as crianças gostam desfazer o<br />

laço só para ver como vai ficar.<br />

Professora Sim. Imagens, Acessórios pendurados e Estampas. Através do tato<br />

(manipulação) e percepção visual (visualização).<br />

I Pedagoga Sim. Botões e Acessórios pendurados. Ficam colocando a mão e isso os<br />

deixa bem entretidos.<br />

Professora Sim. Imagens, Acessórios pendurados e Bordados. Esses elementos<br />

despertam a atenção da criança e de seus amigos, surgindo diálogos sobre<br />

os elementos.<br />

J Pedagoga Sim. Imagens, Texturas, Acessórios pendurados, Bordados e Estampas.<br />

Costumam ficar mexendo e mostrando para os amigos.<br />

Professora Sim. Botões, Imagens, Acessórios pendurados e Estampas. Gostam de<br />

exibi-los, falam constantemente sobre eles.<br />

Tabela 3. Respostas da Questão 3: Durante a convivência com crianças você percebe se elas<br />

demonstram interesse por elementos contidos na sua própria roupa? Se sim, quais são os<br />

principais elementos e de que forma esse interesse acontece?<br />

Fonte: Do autor.<br />

A quarta questão indaga aos profissionais da escola, se as roupas, por meio do seu uso, podem<br />

trazer ensinamentos às crianças. Todos os profissionais participantes da pesquisa acreditam que<br />

as roupas podem ser utilizadas como um recurso pedagógico e como um suporte de conteúdos<br />

variados que fazem parte do universo infantil. Desta forma, os entrevistados apresentam alguns<br />

dos aspectos das roupas infantis que podem auxiliar as crianças em seu desenvolvimento, tais<br />

como: imagens, textos, cores, formas, texturas, customização e acessórios. Para verificação de<br />

todas as respostas, foi elaborada a Tabela 4.<br />

Escola Profissional Resposta<br />

A Pedagoga Sim. Com imagens e escrita que traduzam exemplos.<br />

Professora Sim. Através de texto (escrita, frase, palavra) e imagens que transmitem<br />

bons ensinamentos (tamanhos, pequeno, grande, fino grosso).<br />

Psicóloga Sim. Por meio da escolha de cores, formas e elementos inseridos.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

B Pedagoga Sim. Manipulação e interação com elementos, texturas, formas, imagens<br />

e palavras.<br />

Professora Sim. Através de sua expressão.<br />

Psicóloga Sim. Por meio de cores, formas e texturas.<br />

C Pedagoga Sim. Através do contato e manuseio de acessórios.<br />

Professora Sim. De que certas vestimentas têm o lugar para serem usadas como:<br />

roupa de passeio, escola, praia e assim por diante.<br />

Psicóloga Sim. A roupa assim como jogos e livros podem ser suporte de conteúdos<br />

diversos.<br />

D Pedagoga Sim. Valores, cultura e higiene.<br />

Professora Sim. Desenhos e texturas.<br />

E Pedagoga Sim. Roupas coloridas e com detalhes podem ensinar várias noções às<br />

crianças.<br />

Professora Sim. Em situações diversas, hora de brincar, de estudar, de passear.<br />

Psicóloga Sim. Roupas com acessórios lúdicos (cores, formas e tamanhos).<br />

F Pedagoga Sim. Através das cores, formas, personagens, letras e outros.<br />

Professora Sim. Desde que o educador seja mediador da situação e proporcione uma<br />

aprendizagem de maneira organizada.<br />

Psicóloga Sim. Com frases, desenhos, natureza e outros.<br />

G Pedagoga Sim. Pelas cores, formas, texturas, tamanhos etc.<br />

Professora Sim. Através das cores, formas e imagens.<br />

H Pedagoga Sim. Para crianças de 3 anos se tiver algo que dá para tirar uma ideia, já<br />

é o bastante para passar algum conhecimento.<br />

Professora Sim. Através do dialogo, identificação e customização.<br />

I Pedagoga Sim. Por suas imagens e textos.<br />

Professora Sim. Onde deve ficar cada peça e qual sua importância e necessidade.<br />

J Pedagoga Sim. Texturas, formas, acessórios pendurados.<br />

Professora Sim. Cuidados, valores, cores, formas, combinações etc.<br />

Tabela 4. Respostas da Questão 4: Você acredita que a roupa pode transmitir ensinamentos às<br />

crianças por meio do seu uso? Se sim, de que maneira?<br />

Fonte: Do autor.<br />

A quinta questão refere-se à contribuição das roupas para o desenvolvimento das crianças. Os<br />

participantes da pesquisa apontaram algumas contribuições do vestuário como suporte para o<br />

ensino de postura, higiene e cuidado e para o desenvolvimento de percepções táteis e visuais, da<br />

coordenação, da imaginação, da alfabetização, entre outros. Percebe-se, pelas repostas a essa<br />

questão, que as roupas podem servir como recurso de aprendizagem sobre assuntos diversos,<br />

auxiliando as crianças no seu desenvolvimento. Todas as respostas podem ser conferidas na Tabela<br />

5.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

Escola Profissional Resposta<br />

A Pedagoga Postura, higiene e cuidado etc.<br />

Professora Os desenvolvimentos das percepções táteis e visuais.<br />

Psicóloga Desenvolvimento do raciocínio, motor e criativo.<br />

B Pedagoga Postura, higiene e cuidado.<br />

Professora Faz com que a criança identifique cores, tamanho e desenhos.<br />

Psicóloga Desenvolve noções básicas: grande/pequeno, cores, estimula a imaginação.<br />

C Pedagoga Autonomia e cuidado.<br />

Professora A roupa exerce uma influência histórica, por este motivo expressa épocas,<br />

culturas e muitas referências.<br />

Psicóloga Desenvolvimento da imaginação, da lógica e aprimoramento dos<br />

movimentos.<br />

D Pedagoga Mobilidade, conforto, classificação, imaginação e sensações.<br />

Professora Desenvolve a coordenação e imaginação.<br />

E Pedagoga Não informou.<br />

Professora Conhecimentos gerais.<br />

Psicóloga A roupa contribui se tiver detalhes e estampas que possam ser trabalhadas<br />

pó meio de brincadeiras.<br />

F Pedagoga Caracteriza o que a criança gosta e prefere.<br />

Professora As crianças se tornam sujeitos da situação, assim despertando maior<br />

interesse tanto por conteúdos lúdicos ou teóricos.<br />

Psicóloga Imaginação, criatividade, desenvolvimento do raciocínio e motor.<br />

G Pedagoga A atitude de observação, seriação, identificação e reconhecimento.<br />

Professora Mensagens com conteúdos que fazem parte do cotidiano e da curiosidade<br />

das crianças.<br />

H Pedagoga Inserindo figuras principalmente de animais, onde poderia ser trabalhada<br />

a imaginação em contos e histórias.<br />

Professora Os tipos de vestimenta (cultura) e alfabetização.<br />

I Pedagoga Personalidade e aceitação social.<br />

Professora Desenvolvimento do raciocínio.<br />

Respostas da Questão 5: Em sua opinião, quais as principais contribuições que a roupa pode dar<br />

para o desenvolvimento das crianças?<br />

Fonte: Do autor.<br />

Considerações finais<br />

A análise dos dados coletados com os protocolos mostrou que a visão de cada grupo de profissionais<br />

(pedagogas, professoras e psicólogas) não diverge em relação aos conhecimentos pessoais<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

e profissionais. Foi possível verificar que, apesar de terem formações diferentes, a forma de<br />

raciocínio em relação às respostas das questões apresenta-se de maneira semelhante. Assim, com<br />

base na revisão de literatura e nos dados levantados pelo estudo de caso, existem alguns pontos<br />

que devem ser observados.<br />

Ao iniciar a pesquisa, observou-se, rapidamente, a carência de estudos que tratassem da relação<br />

roupa e educação, no que diz respeito à vestimenta infantil como um instrumento de ensino e<br />

aprendizagem para as crianças. Desta forma, esse trabalho almejou dar sua contribuição sobre<br />

o vestuário infantil como recurso pedagógico, de maneira a tornar sua compreensão acessível a<br />

todos.<br />

Por meio do estudo, da análise e da comparação entre a revisão de literatura e os dados levantados<br />

pelos protocolos aplicados, diagnosticou-se que o lúdico é um importante instrumento utilizado<br />

amplamente nas escolas para ensinar os mais variados conteúdos. A utilização do lúdico é uma<br />

estratégia que estimula o aprendizado, pois a brincadeira faz parte da vida e do cotidiano na<br />

infância.<br />

Desta forma, a aplicação do lúdico no vestuário pode auxiliar no desenvolvimento das crianças,<br />

pois é uma ferramenta de ensino comprovada tanto pela teoria quanto pela prática, como se<br />

confirmou no decorrer da pesquisa.<br />

Todas as roupas podem ser trabalhadas como um recurso pedagógico, visto que as crianças<br />

interagem com seus elementos e demonstram interesse pelas imagens, textos e acessórios que as<br />

compõem. Com a certeza de que se estabelece uma comunicação entre roupa e criança, os mais<br />

diversos conteúdos que auxiliam o seu desenvolvimento podem ser trabalhados.<br />

As roupas infantis podem ser dotadas de acessórios para auxiliar as crianças em seu desenvolvimento<br />

motor. Bolsos, elásticos, zíperes, botões, velcro, fitas, entre outros elementos, podem ser inseridos<br />

na vestimenta infantil e, assim, possibilitar à criança situações de interação que estimulem a<br />

destreza e a coordenação dos movimentos. Já o desenvolvimento do raciocínio pode ser estimulado,<br />

no vestuário infantil, por meio de imagens e textos, inseridos nas peças, que trazem informações<br />

do interesse das crianças e podem vir em forma de investigações, hipóteses, sequências, histórias,<br />

entre outras.<br />

As peças do vestuário infantil que visam à aprendizagem de forma lúdica também podem ser<br />

analisadas com base no tipo de exploração que desenvolvem:<br />

• Tátil – por meio de estampas que produzem relevo e toque diferenciado, composição dos<br />

tecidos, manipulação dos tecidos, patchwork e bordados.<br />

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O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

• Visual – por meio de estampas, bordados, textos, imagens e distribuição de volumes na peça.<br />

• Auditivo – por meio de chips musicais, velcro e guizos.<br />

• Olfativo – por meio de estampas, aplicações, lavagens e tecidos dotados de cheiro.<br />

Novas pesquisas poderão ser dirigidas de modo a ampliar a investigação sobre as questões relativas<br />

ao design no vestuário infantil, principalmente, nas peças que auxiliam o desenvolvimento das<br />

crianças. Devido às poucas pesquisas nessa área, novas investigações poderão tanto descobrir<br />

de que forma a criança percebe sua roupa, bem como, testar como os elementos das peças<br />

interagem com esse público, o que enriquecerá o conhecimento científico no campo do design de<br />

moda infantil.<br />

Referências<br />

ANDRADE, Maria Margarida. Como preparar trabalhos para cursos de pós-graduação: Noções<br />

práticas. 2. Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A.,1997.<br />

ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação lúdica: técnicas e jogos pedagógicos. São Paulo: Loyola,<br />

2000.<br />

BAITELLO Jr., Norval. Entrevista AntennaWeb Norval Baitello Junior. Antennaweb, São Paulo,<br />

edição 3, 2006. Disponível em: . Acesso em: Outubro 2010.<br />

BERNARD, Malcolm. <strong>Moda</strong> e comunicação. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.<br />

BEZERRA, M. F.; WAECHTER, H. Brincando com a roupa um estudo sobre a compreensão do<br />

uso de elementos lúdicos na moda infantil. In Anais 80 congresso brasileiro de pesquisa e<br />

desenvolvimento em design. São Paulo, 2008.<br />

BIAGGIO, A. M. B. Psicologia do desenvolvimento. Vozes: Petrópolis, 1976.<br />

CÂNDIDO, Mário. A estampa de camiseta como atributo de expressão, comunicação e relação<br />

com o corpo. Anais Colóquio de moda, 4, 2008. Novo Hamburgo.<br />

CASTILHO, Kathia. <strong>Moda</strong> e linguagem. São Paulo: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2006.<br />

CASTILHO, Kathia; GARCIA, Carol. <strong>Moda</strong> Brasil: fragmentos de um vestir tropical. São Paulo:<br />

<strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2001.<br />

FANTE, Vania Goeliner dos Santos. <strong>Moda</strong> pedagógica. B D Revista. Sábado, domingo e segunda -<br />

21, 22 e 23 de agosto de 2010. Disponível em: . Acesso em: Dezembro 2011.<br />

OWOKO. Disponível em: . Acesso em: Setembro 2010.<br />

PANIAGUA, G.; PALÁCIOS, J. Educação infantil: Resposta educativa à diversidade. 1ªed. Porto<br />

Alegre: Artmed, 2007.<br />

PIAGET, J. A psicologia da criança. 3ed. Difel: Rio de Janeiro, 2007.<br />

_______ Aprendizagem e conhecimento. Freitas bastos: Rio de Janeiro, 1974.<br />

_______Seis estudos de Psicologia. Forense: Rio de Janeiro, 1964.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O lúdico no vestuário infantil: possibilidades de aprendizagem<br />

SILVA, Carla Cilene Baptista. O lugar do brinquedo e do jogo nas escolas especiais de educação<br />

infantil. Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da <strong>Universidade</strong> de São Paulo. São Paulo,<br />

2003.<br />

STEFANI, Patrícia da Silva. <strong>Moda</strong> e comunicação: a indumentária como forma de expressão.<br />

Monografia apresentada à Faculdade de Comunicação Social da <strong>Universidade</strong> Federal de Juiz de<br />

Fora. 2005. Disponível em: .<br />

Acesso em: Julho 2010.<br />

UBANG BABBLECHAT. Disponível em: . Acesso em: Março 2012.<br />

ZATZ, S.; ZATZ, A.; HALABAN, S. Brinca comigo! tudo sobre brincar e os brinquedos. Marco Zero:<br />

São Paulo, 2006.<br />

ZIG ZIG ZAA. Disponível em: . Acesso em: Outubro 2010.<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno<br />

Harry Potter<br />

Pinheiro, Gabriela Coutinho Bacharel em <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> / <strong>Universidade</strong> Federal do Ceará<br />

gabrielapinheiro@gmail.com<br />

De Castro, Marta Sorélia Felix Me. Docente do curso de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> / <strong>Universidade</strong><br />

Federal do Ceará martasorelia@gmail.com<br />

Resumo<br />

O presente artigo busca determinar a relação entre o cinema e a moda ao longo<br />

da história, bem como a sua influência nos hábitos e costumes da juventude. Apresentando<br />

reflexões sobre a evolução da parceria estética entre estas duas grandes<br />

indústrias e de como se tornaram formadores de opinião e comportamento, tomamos<br />

como exemplo a obra cinematográfica Harry Potter, de grande inserção no<br />

público jovem, evidenciando a exploração da imagem dos seus atores na indústria<br />

da moda. Tomando o surgimento do cosplay como expressão de manifestação<br />

artística que extrapola a tela para materializar-se no mundo real, foram aplicados<br />

instrumentos investigativos junto aos cosplayers de Harry Potter na cidade de Fortaleza<br />

(CE), procurando refletir sobre a evolução conceitual destas manifestações<br />

culturais em nossa sociedade, promovendo objetos de desejo e consumo.<br />

Palavras-chave:<br />

<strong>Moda</strong>, Cinema, Juventude, Cosplay, Figurino de Cinema.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Introdução<br />

A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

O universo da <strong>Moda</strong> e da <strong>Arte</strong> sempre estiveram intrinsecamente ligados um ao outro: desde<br />

as primeiras manifestações de arte, a indumentária se mostrava presente; a representação<br />

da vestimenta nos tempos antigos só é possível através da arte. Com o surgimento da arte<br />

cinematográfica, datando um período impreciso que vai de 1893 a 1895, estes dois universos<br />

começaram a se unir mais uma vez: a indumentária era necessária, cobrindo o corpo humano,<br />

mostrado agora através das lentes dos filmes. Muito embora as imagens da época – chamada<br />

de Primeiro Cinema ¬– não passassem de experimentações acerca de novas possibilidades de<br />

captação do movimento, começava a surgir uma forma promissora de arte, que viria a se tornar<br />

uma das mais populares nos anos que se seguiam.<br />

Não apenas com a função de cobrir o corpo, mas a moda e o cinema trocavam inspirações em suas<br />

composições estéticas. Estilistas famosos eram convidados para vestir atrizes em seus papéis,<br />

caracterizando as suas personagens; assim como o cinema passou a ser lugar constante na busca<br />

de temáticas/inspiração para coleções de moda.<br />

Hoje, a íntima relação entre a moda e a arte está presente nas formas do nosso cotidiano, e em<br />

todos os lugares ao nosso redor. Com a facilidade advinda da revolução tecnológica, o cinema<br />

tornou-se uma experiência ainda mais envolvente, e as informações são cada vez mais acessíveis<br />

e disseminadas; ao ponto de que nem sempre é necessário ir ao cinema assistir um filme para terse<br />

conhecimento sobre detalhes de sua produção, tais como a concepção do figurino e quais os<br />

aspecto de sua criação, relacionados com a moda. É inegável a relação entre essas duas áreas,<br />

mas até que ponto? Quem influencia quem? O cinema influência a moda ou a moda é influenciada<br />

pelo cinema? Esta reflexão nos remete a outra máxima: a vida imita a arte ou a arte imita a vida?<br />

A partir de uma breve retrospectiva histórica, faremos o percurso que essas duas áreas percorreram<br />

até encontrar-se, em que paradoxalmente exercem o poder como instrumento formador de opinião<br />

e reflexo da sociedade, capaz de construir ícones e ditar posturas de comportamento.<br />

1. A Breve História do Cinema<br />

Partindo do conceito das “fotografias animadas” das primeiras experimentações, o cinema deixava<br />

o público maravilhado com aquelas projeções tão fiéis da vida real. Este público tornava-se<br />

cativo, absorvendo as imagens refletidas com entusiasmo, e durante todo o século XIX multidões<br />

se reuniam em salas escuras para participarem uma vez mais daquele momento. Como pontuado<br />

por Miucci [1], o conhecimento não um motivo pelo qual às massas visitavam estas salas escuras;<br />

nessas exibições, o público podia realizar regressões, deixar o inconsciente lado a lado com os<br />

fantasmas interiores, e deixar a imaginação correr.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

A indústria do cinema durante o século XX, segundo De Carli (2007), cresceu de acordo com<br />

a demanda da população de trabalhadores, crescente nas periferias das grandes cidades. Os<br />

trabalhadores demandavam uma nova forma de lazer “[...] e de diversão que possam alimentar<br />

o imaginário” (De Carli, 2007, p.52). O cinema surgiu como uma possibilidade de entretenimento<br />

para este público.<br />

No início do século XX, o cinema - enquanto componente histórico e<br />

social - transformou-se, acompanhando as realidades sociais nas quais<br />

estava inserido. Neste sentido, seu foco e objetivos modificaram-se,<br />

bem como as discussçoes a respeito de suas funções na sociedade. O<br />

cinema é reflexo de seu tempo e da sociedade que o produziu e, por isso<br />

mesmo, expressa os condicionamentos sociais de sua época. (PEREIRA,<br />

2010, p.02)<br />

Essas projeções, entretanto, dividiam espaço com outras modalidades de espetáculo, que eram<br />

populares na época. Por serem muito curtas, não ultrapassando os cinco minutos, jamais eram<br />

consideradas atrações principais. Artistas de circo, aberrações, números de dança e qualquer que<br />

fosse a habilidade encontrada pelos artistas dividiam o palco com o cinema – tudo que fosse capaz<br />

de entreter o público era bem vindo nestes teatros de variedades. Essa enorme multiplicidade do<br />

entretenimento remetia a temas muitas vezes grosseiros, e o preço cobrado pela entrada era tão<br />

baixo que não poderia haver separação das classes sociais.<br />

A ascensão da burguesia, nos Estados Unidos, fez com que a indústria do cinema tivesse que passar<br />

por mudanças, e também ascendesse socialmente. Os temas tratados nas obras cinematográficas<br />

tiveram que se adaptar à classe que crescia, tornando-se então um produto da indústria cultural,<br />

e não apenas um simples foco de entretenimento acessível. Como De Carli (2007, p.53) pontua<br />

“esse público mais sofisticado, mais aculturado demandava outro tipo de fabulação”.<br />

As projeções fantasmagóricas, ao lado de exibições de artistas de circo, já não eram suficientes:<br />

a sociedade pedia uma nova forma de entretenimento, mais condizente com as necessidades que<br />

surgiam.<br />

Em contraponto, a popularidade das projeções crescia com imagens de vedetes, caracterizadas<br />

por sua indumentária provocante e excessivamente adornada. Até então, a pouca duração do<br />

filme e as imagens não conseguiam dispensar a presença de um narrador, explicando o que estava<br />

acontecendo.<br />

Começou então uma tentativa de elevar o nível do cinema, e muitos poetas e escritores foram<br />

convidados a desenvolver roteiros, superando preconceitos e tentando agraciar as classes mais<br />

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elevadas.<br />

A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

Conforme avançava a primeira década do século, as fantasias, os delírios,<br />

as extravagâncias dos primeiros filmes entram em declínio e são aos poucos<br />

substituídos por um outro tipo de espetáculo, mais doméstico, preocupado<br />

com a verossimilhança dos eventos, seriamente empenhado em se converter<br />

no espelho do mundo para refletir a vida num nível superior de contemplação.<br />

O naturalismo começa a se impor então como uma espécie de ideologia da<br />

representação, a fábula legitimada pela mimese (MIUCCI, 2011, p.4).<br />

A influência do teatro, a necessidade de modernização – tudo isso acabou por impulsionar este<br />

novo cinema, tornando a atividade como uma forma de cultura aceita pela sociedade. Os primeiros<br />

filmes surgiram a partir dos anos 1900, oscilando entre produções de documentários e os primeiros<br />

filmes de ficção. Georges Méliès desponta como um pai da arte do cinema, mostrado como um<br />

dos pioneiros a preocupar-se com a utilização correta de atores, cenários, figurinos e maquiagem,<br />

opondo-se pela primeira vez ao estilo de documentário vigente.<br />

A década de 1920 marca o nascimento da indústria cinematográfica de Hollywood, com a<br />

consolidação dos primeiros grandes estúdios. Passa a existir a popularização de novos gêneros,<br />

como a comédia, e também o início de um verdadeiro encantamento pelos atores, passados então<br />

a ser tratados como astros. Nessa época, destaca-se a comédia muda de Charles Chaplin.<br />

O advento do som, no final da década de 1920 e início da década de 1930, acarretou em mais uma<br />

grande mudança na indústria. Todos os estúdios passavam a ter a obrigação de produzir filmes<br />

falados para competir com os seus adversários, e o gênero musical ganha destaque. Em 1938 até<br />

1939, Hollywood vive o seu período de ouro, com a consagração das estrelas e dos filmes, e os<br />

estúdios passam a produzir filmes de todos os gêneros: musicais, comédias, western, terror e<br />

filmes policiais.<br />

2. Breve História da <strong>Moda</strong><br />

A indumentária também foi impulsionada com o advento e a influência da burguesia. O mercantilismo,<br />

o comercio proeminente das inúmeras viagens marítimas fez com que os homens se deparassem<br />

com uma nova forma de consumo. Como afirma Leite (2002, p.37) “o conflito entre a burguesia<br />

em evolução e a aristocracia em declínio ensejou uma batalha que incluía a indumentária como<br />

uma de suas armas”.<br />

A indumentária representava o ato de vestir, não apenas de cobrir-se. A roupa representava status,<br />

refletia a sociedade em que estava inserida – entretanto, a indumentária era a mesma para todos,<br />

havendo pouca distinção entre as diferentes sociedades. Foi somente partir do século XIV que<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

uma nova forma da indumentária despontava, tornando possível certa autonomia proeminente<br />

dos seus usuários, deslocando-se um pouco do até então vestir-se padronizado – era a moda. Até<br />

então proibidos de vestir-se com roupas semelhantes às da nobreza, os plebeus agora queriam<br />

imitar a indumentária nobre. Em contraponto, os nobres passaram a mudar as roupas com mais<br />

frequência, fugindo das imitações.<br />

A moda estava diretamente relacionada com questões socioculturais, e com as constantes<br />

transformações da sociedade. Laver (2008, p.235) resume: “A função da moda é mudar”. É uma<br />

manifestação tanto coletiva quanto individual, de forma que representa os valores e morais<br />

da sociedade em que se enquadra, mas também procura imprimir individualidade em cada um<br />

separadamente.<br />

A moda vem acompanhando o compasso das transformações da história<br />

ocidental. Para fins elucidativos, podemos dividir o fenômeno em três<br />

grandes fases: a primeira, a partir do século XVI, o período de grande<br />

desenvolvimento comercial, quando a vestimenta adquire uma característica<br />

ao mesmo tempo nacional e pessoal, começando a submeter-se a variações<br />

frequentes. Cada nação forma um estilo de suas vestimentas e cada pessoa<br />

(dentro das possibilidades) segue seu gosto pessoal. Surge o que chamamos<br />

de traje civil. A segunda fase começa na segunda metade do século XIX e<br />

caracteriza-se pelo aparecimento de um traje cada vez menos pessoal e mais<br />

internacional. Como contrapeso, nesse período nasce a alta-costura, que<br />

une a possibilidade do costume pessoal e o imperativo da moda, cada vez<br />

mais mutante, servindo aos privilégios de uma classe em que o senso de luxo<br />

tradicional e o poder do dinheiro imperam. Um terceiro momento surge após<br />

a Segunda Guerra Mundial com o aparecimento do prêt-à-porter, maneira de<br />

fomentar a produção industrial, popularizando a moda dos grandes criadores<br />

e o estilo casual americano (LEITE, 2002, p.42).<br />

A Revolução Industrial também produziu mudanças na moda: o que antes era produzido<br />

exclusivamente por artesãos ou em casa, em pequena escala, agora poderia ser produzido com o<br />

auxílio de máquinas. Mercadores passaram a fabricar e comercializar roupas por um preço mais<br />

baixo, e elas eram manufaturadas com maior frequência. Mesmo assim, os que possuíam maior<br />

poder aquisitivo eram os únicos que poderiam dar-se ao luxo de trocar o guarda-roupa com a<br />

frequência proposta pelas últimas tendências de moda.<br />

Ao longo da revolução, entretanto, o luxo esbanjado passou a ser um risco à nobreza; com medo<br />

da guilhotina, acabaram por adotar roupas mais simples.<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

No início do século XX, a moda sofreu profundas mudanças. As roupas ostensivas, os espartilhos e<br />

toda a pompa foram substituídos por uma inspiração oriental, e um desejo de libertação feminina.<br />

O início dos anos 1920 foi marcado pelo jazz e pela modernidade: sentindo a necessidade de<br />

roupas que permitissem dançar, a moda feminina criou uma silhueta tubular, nos quais os braços e<br />

as pernas pudessem ficar de fora. Era permitido mostrar as pernas – embora geralmente cobertas<br />

de meia-calça ¬– e usar maquiagem.<br />

A sociedade dos anos 20, além da ópera ou do teatro, também frequentava<br />

os cinematógrafos, que exibiam os filmes de Hollywood e seus astros, como<br />

Rodolfo Valentino e Douglas Fairbanks. As mulheres copiavam as roupas e os<br />

trejeitos das atrizes famosas, como Gloria Swanson e Mary Pickford (BESSA,<br />

2008, p.46).<br />

O cinema despontava como fonte de entretenimento para toda a sociedade, e as estrelas do<br />

cinema como ícones de moda e comportamento. Começava então uma relação próxima entre<br />

esses dois universos.<br />

3. Relação <strong>Moda</strong> x Cinema<br />

3.1. A <strong>Moda</strong>, as Mulheres e o Cinema<br />

No momento em que a indústria cinematográfica começou a produzir ficções, surgiu a necessidade<br />

de ponderar sobre a utilização de um figurino. Os personagens criados nas telas eram parte crucial<br />

de um enredo, e a sua caracterização é de extrema importância para que o espectador conseguisse<br />

compreender imediatamente os personagens.<br />

É necessário que haja, no primeiro momento de contato entre o espectador e personagem, uma<br />

identificação instantânea. São frequentes então os estereótipos: se um personagem está vestido<br />

de branco e porta um estetoscópio em torno do pescoço, ele é instantaneamente identificado<br />

como um médico.<br />

O figurino, mais plástico, mais detalhista, mais evidenciado em close-up<br />

do que o cenário ou a contra-regragem, está sempre nos possibilitando<br />

compreender em níveis múltiplos, mais explícitos ou inconscientes. Podemos<br />

não nos aperceber de todos os detalhes: mas o todo nos transmite um recado,<br />

uma informação ou mesmo uma pequena sinopse narrativa a respeito do<br />

presente, do passado e mesmo do futuro do personagem. Os figurinistas<br />

precisam, portanto, de formação cultura ampla, e de um grande sentido de<br />

observação. (LEITE, 2002, p.11)<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

Os figurinistas, como Leite afirma, são versados em conhecimentos que ultrapassam simplesmente<br />

a moda. Entretanto, no início do cinema, era recorrente a utilização de grandes estilistas como<br />

encarregados dos figurinos dos filmes. A influência das suas criações nos filmes ia diretamente<br />

para às ruas, e suas peças eram criadas para vestir não somente personagens, mas atrizes. Assim,<br />

figurinistas e estilistas dividiam a tarefa de influenciar a sociedade.<br />

Já em 1927, um figurinista francês – Jacques Doucet – decidiu subir as saias ao ponto de mostrar as<br />

ligas rendadas, causando furor na sociedade conservadora. Embora as mulheres da época tivessem<br />

subido o comprimento da barra, aumentado o decote e também exposto os braços, tamanha<br />

afronta ao decoro contribuiu para a imagem sensualizada dos tornozelos femininos.<br />

A década de 1930 iniciou com uma elegância refinada na silhueta feminina, abandonando a ousadia<br />

das melindrosas.<br />

Ombros largos e quadris estreitos pareciam ser o ideal de toda mulher,<br />

exemplificado na figura de Greta Garbo. Na década de 30, em especial, as<br />

atrizes do cinema eram quase árbitros da moda, sendo suas roupas criadas<br />

por estilistas como Gilbert Adrian (LAVER, 1989, p.240).<br />

Greta Garbo brilhou em 1931 personificando a dançarina acusada de espionagem. Seu figurino<br />

coberto de ouro, e a sua personalidade forte e imponente transparecia na tela, ditando também o<br />

ideal de beleza da mulher magra e saudável. A maquiagem utilizada por Greta também se tornou<br />

ícone da época, com as sobrancelhas pintadas e arqueadas, os olhos com os côncavos fundos e<br />

marcados, contribuindo para um olhar lânguido, e os lábios pintados de batom.<br />

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Figura 1: Greta Garbo como Mata Hari<br />

Fonte: http://www.imdb.com<br />

Outras atrizes, como Katharine Hepburn e Marlene Dietrich também brilhavam em seu pódio de<br />

estrelas, e estilistas como Gilbert Adrian e Edith Head eram exemplos de talentos que assinavam<br />

os figurinos dos filmes da década.<br />

Em Hollywood, as atrizes começaram a ser tratadas como estrelas do cinema, de fato. Estilistas<br />

eram convidados para vestí-las em especial, destacando-as ainda mais da produção. Coco Chanel<br />

foi convidada, em 1931, a vestir a atriz Charlotte Greenwood no longa Palmy Days. Elsa Schiaparelli,<br />

que em muito se diferia do convencional, também assinou o figurino da atriz Mae West em Every<br />

Day’s a Hollyday (1937).<br />

Na década de 1940, a Segunda Guerra Mundial já havia eclodido na Europa, e com ela o<br />

racionamento. Muitas maisons francesas fecharam, e o governo limitava a quantidade de tecidos<br />

que poderia ser adquirido para a fabricação de roupas. Assim, as mulheres tinham que buscar<br />

alternativas em tecidos pouco utilizados, e reformando as roupas que já tinham.<br />

Durante a guerra, o chamado “ready-to-wear” (pronto para usar), que é<br />

a forma de produzir roupas de qualidade em grande escala, realmente se<br />

desenvolveu. Através dos catálogos de venda por correspondência com os<br />

últimos modelos, os pedidos podiam ser feitos de qualquer lugar e entregues<br />

em 24 horas pelos fabricantes. Sem dúvida, o isolamento de Paris fez com<br />

que os americanos se sentissem mais livres para inventar sua própria moda.<br />

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[...] Com a libertação de Paris em 1944, a alegria invadiu as ruas, assim como<br />

os ritmos do jazz e as meias de náilon americanas, trazidas pelos soldados,<br />

que levaram de volta para suas mulheres o perfume Chanel nº 5 (BESSA,<br />

2008, p.51).<br />

Chegado ao fim o racionamento de tecidos e da guerra, o início da década seguinte trouxe à<br />

mulher o poder de dar-se ao luxo de voltar a ser feminina e glamorosa. Christian Dior e o seu<br />

new look, criado em 1947, tornaram-se muito utilizados, e a beleza voltou a ser um tema de<br />

grande importância. Grandes empresas de cosmético surgiram, produzindo maquiagens que iam<br />

de acordo com a beleza proposta, e as mulheres começaram a preocupar-se ainda mais com os<br />

cabelos, criando alisantes e tintas.<br />

Audrey Hepburn, com a sua beleza inocente e elegante, fazia contraponto à beleza sensual das<br />

atrizes Rita Hayworth e Ava Gardner. Sempre vestida por Humbert de Givenchy, Audrey estrelou<br />

filmes marcantes como a Princesa e o Plebeu (1953) e Sabrina (1954). Em Sabrina, Audrey utiliza<br />

um marcante vestido assinado por Givenchy, um ícone para a época.<br />

Figura 2: Audrey Hepburn como Sabrina<br />

Fonte: http://www.imdb.com<br />

Entretanto, as atrizes que uniam a beleza inocente com a sensual tornaram-se o maior símbolo<br />

dos anos 1950. Bridgitte Bardot e Marilyn Monroe brilharam com a jovialidade, inocência e<br />

sensualidade exacerbada. A cena de O Pecado Mora ao Lado (1955), em que Marilyn está de<br />

vestido branco sentindo o vento advindo do metrô, é um clássico da época. O vestido fora criado<br />

pelo figurinista Billy Travilla, e a cena tornou-se um ícone atemporal.<br />

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3.2. A <strong>Moda</strong>, os Jovens e o Cinema<br />

A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

Figura 3: Marilyn Monroe<br />

Fonte: www.desmodando.com.br<br />

Em 1950 surgia o rock’n’roll, e a juventude passou a procurar, pela primeira vez, a sua própria<br />

moda.<br />

Assim, apareceu a moda colegial, que teve origem no sportswear. As<br />

moças agora usavam, além das saias rodadas, calças cigarrete até os<br />

tornozelos, sapatos baixos, suéter e jeans. O cinema lançou a moda<br />

do garoto rebelde, simbolizada por James Dean, no filme “Juventude<br />

Transviada” (1955), que usava blusão de couro e jeans. Marlon Brando<br />

também sugeria um visual displicente no filme “Um Bonde Chamado<br />

Desejo” (1951), transformando a camiseta branca em um símbolo da<br />

juventude (BESSA, 2008, p.55).<br />

O mercado então mudou, compreendendo os jovens como consumidores, e passando a criar uma<br />

moda específica para eles, ao invés de uma que espelhasse o que os pais estavam usando. A<br />

rebeldia sem causa de James Dean e Marlon Brando tornaram-se ícones da juventude, e todos os<br />

jovens aderiam à moda. Até mesmo as garotas, até então moças bem comportadas em suas saias<br />

rodadas de Dior, começavam a utilizar as calças cigarette e clamar por ideais de liberdade.<br />

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Figura 4: James Dean Figura 5: Marlon Brando<br />

Fonte: http://cindereladescaida.blogspot.com/ Fonte: http://www.imdb.com<br />

Os anos 1960 chegaram, e os ideais de liberdade se uniram à uma oposição da sociedade de<br />

consumo. A moda mudou: agora, dividia-se em várias tendências pela primeira vez, simultâneas<br />

e muito diferentes entre si. Havia o natural, o futurista, o psicodélico, além da popularização do<br />

jeans básico.<br />

O estilo dos Beatles, em Londres, havia conquistado o mundo, e os jovens enlouqueciam ao som<br />

do rock. Londres passou a ditar a moda vigente. No final dos anos 1960, entretanto, San Francisco<br />

atraía a atenção dos jovens com um novo movimento: o poder da paz e do amor dos hippies.<br />

Os grandes estilistas haviam parado de participar exclusivamente da criação dos figurinos dos<br />

filmes; a juventude parecia ter tomado à dianteira nas tendências. Os comportamentos mutáveis<br />

dos jovens influenciava a moda. Artistas como Andy Warhol e sua estética pop também cruzavam<br />

o caminho da moda, e o cinema europeu ganhava um novo fôlego com a nouvelle vague francesa.<br />

[...] ainda que figurino e moda andem lado a lado, é preciso diferenciálos.<br />

É claro que os figurinistas precisam entender de moda, e podem<br />

utilizar produtos e artefatos já ‘prontos para vestir’ seus personagens.<br />

E é claro também que a coisa pode funcionar no sentido inverso, e o<br />

figurinista pode, como ocorre frequentemente, através de telenovelas,<br />

lançar moda. É fato, também, que a maior parte dos estilistas trabalha,<br />

até certo ponto, dentro do registro do ficcional, fantástico ou fantasioso.<br />

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Isso não pode obscurecer o fato, entretanto, de que a moda faz parte<br />

de um sistema industrial e de mercado (LEITE, 2002, p.11).<br />

A moda começava a ter uma força maior, sendo um reflexo dos acontecimentos da juventude.<br />

Assim, os caminhos do figurino do cinema pareciam ter apoio nesses modismos, em filmes que<br />

retratavam a geração vigente.<br />

3.3. Uma nova face dos figurinos: as fantasias<br />

Na década de 1980, um novo gênero de filmes começa a tomar maior fôlego: a ficção científica.<br />

Já no final da década de 1970 é lançado o primeiro filme produzido da série Star Wars – Uma Nova<br />

Esperança (1977). Estreias de grandes produções, como a continuação de Star Wars, em O Império<br />

Contra Ataca (1980), Blade Runner (1981), e também E.T. O Extraterrestre (1982) lançam um novo<br />

olhar sobre o futuro, e também sobre a moda. Nesses filmes, uma estética espacial e moderna é<br />

lançada, mas, além disso, as produções levantam questionamentos sobre o futuro.<br />

Em 1985, surge outro grande clássico para a juventude: De Volta para o Futuro. A mistura entre<br />

a ficção científica e o cotidiano dos jovens provou-se como um grande sucesso, e o personagem<br />

Marty McFly também se tornou um ícone.<br />

O guarda-roupa serve de suporte à narrativa cinematográfica, à<br />

construção do espaço cénico e na composição da imagem, auxiliando<br />

a contar a história também pelos figurinos. Esta é uma tarefa mais<br />

complexa do que aparenta ser. Na composição de um figurino estão<br />

implícitos simbolismos, signos e significados, que o público percebe,<br />

mas dos quais não consegue articular o seu fundamento (CONCEIÇÃO,<br />

2010, p.22).<br />

Nos filmes que retratam o presente, os figurinos reflectem a moda vigente, o estilo predominante<br />

da altura, adaptados à imagem em particular da actriz ou da personagem. Por outro lado, nos filmes<br />

de época, embora também possam reflectir a moda e estética contemporânea, estes transportam<br />

para a actualidade o vestuário de uma outra época e introduzem conceitos que não fazem parte<br />

da estética corrente. Sendo assim, enquanto os figurinos de época são influenciados pela estética<br />

contemporânea, os elementos desconhecidos do vestuário de outro tempo, frequentemente se<br />

tornam na origem de novas ideias e tendências inovadoras do design de moda (IBIDEM, p.61).<br />

Os figurinistas de filmes de ficção científica, então, tem liberdade para criar os figurinos relacionando<br />

a concepção de futuro com a realidade e a moda da época. O figurino dos personagens de ficção<br />

varia de acordo com o meio em que os filmes estão inseridos: enquanto em Blade Runner existe<br />

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uma grande utilização de couro e peças de cunho até fetichista; o caso de Marty McFly, entretanto,<br />

apesar dos apetrechos utilizados para mandá-lo ao futuro, não se difere do já utilizado pelos<br />

jovens dos anos 1980: camisetas largas, calça jeans e tênis de cano alto, enormes.<br />

A indumentária de Star Wars oscila entre trajes de tons terrosos para os Jedi e armaduras<br />

complexas para os inimigos. Há uma cena, entretanto, em que uma das personagens principais – a<br />

Princesa Leia, vivida pela atriz Carrie Fischer – é escravizada e utiliza um biquíni, completamente<br />

diferente do figurino com o qual os fãs estavam acostumados a vê-la. A mudança entre o corpo<br />

inteiramente coberto de Carrie Fischer para o biquíni de escrava da Princesa Leia permaneceu no<br />

imaginário dos fãs.<br />

Figura 6: Princesa Leia Figura 7: Princesa Leia vestida de Escrava<br />

Fonte: http://nitrolicious.com Fonte: http://nitrolicious.com<br />

Esse tipo de grande produção surge com uma nova movimentação na sociedade: os fãs das séries<br />

de ficção científica começam a procurar uns aos outros, criando eventos sobre o gênero. Esses<br />

eventos reúnem mostras de filmes, exposição de objetos cenográficos, comercialização de produtos<br />

licenciados, e também uma grande quantidade de fãs fantasiados.<br />

Os filmes de ficção científica não somente influenciam a moda: eles despertam o desejo de vestirse<br />

igual aos personagens em questão, copiando seus trajes e seus trejeitos. O figurino ganha às<br />

ruas, mas sendo utilizado numa versão literal em eventos especiais.<br />

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Entretanto, é importante ressaltar que o fenômeno de fantasiar-se dessa forma não surgiu nesse<br />

momento. De acordo com o site Costuming.org [2], na Primeira Feira Mundial de Ficção Científica,<br />

que reuniu 185 pessoas em Nova York no ano de 1939, um rapaz de 22 anos chamado Forrest J.<br />

Ackerman e sua amiga Myrtle R. Jones apareceram utilizando fantasias de Ficção Científica pela<br />

primeira vez. Ele estava vestido de piloto estelar, e a sua companheira usava uma réplica de<br />

um vestido utilizado no filme Things to Come (1933). Tal aparição causou enorme impacto nos<br />

presentes, e o hábito de fantasiar-se começou a se popularizar.<br />

Em 1984 cunhou-se o termo cosplay, que funde duas palavras da língua inglesa: costume (figurino)<br />

playing (brincar). O hábito de fazer cosplay popularizou-se no Japão, com os fãs começando a<br />

fantasiar-se como personagens das animações japonesas, chamadas de animes.<br />

Eventos de grande porte, como a inicial Feira Mundial de Ficção Científica, ou o atual Comic-Con<br />

de San Diego, que reúne também fãs de quadrinho, são palco para a utilização dos cosplays, com<br />

concursos de melhores fantasias e também a chance de socializar com os outros fãs, e mostrar a<br />

sua réplica de figurino.<br />

Entretanto, havia algumas manifestações isoladas, e fãs que se reuniam em outros momentos<br />

fantasiados, onde não havia concursos. Fãs se reuniam em estreias de filmes, inteiramente<br />

fantasiados, sem nenhum motivo aparente a não ser o prazer de fantasiar-se. O que é esse<br />

fenômeno, e que os fãs tinham a dizer?<br />

4. O Fenômeno Harry Potter<br />

A série de livros escrita desde 1997 pela britânica J. K. Rowling é um sucesso mundial, vendendo<br />

mais de 400 milhões de cópias pelo mundo inteiro, e recrutando milhões de fãs. Os livros contam a<br />

história de um garoto chamado Harry Potter, que, prestes a completar seu aniversário de 11 anos,<br />

descobre que é um bruxo. Ele então passa a estudar na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts,<br />

e descobre que seus pais (que, até então, ele acreditava terem morrido num acidente de carro)<br />

foram assassinados pelo maior e mais temido bruxo de todos os tempos, Lord Voldemort – e, por<br />

um motivo no qual está selado todo o enredo da série, Harry Potter conseguiu sobreviver.<br />

Os livros acompanharam a infância e adolescência de inúmeros fãs, hoje adultos, que cresceram<br />

ao lado de Harry e seus amigos. No final da série, o bruxo já alcançou a maioridade, e enfrenta o<br />

seu destino: destruir Voldemort, pelo fim de salvar toda a humanidade Bruxa.<br />

Em 2001, os livros começaram a ser adaptados para o cinema, o que acarretou numa grande<br />

revolução no mundo dos fãs. Tendo as estreias dos filmes como um lugar para se reunir, todos<br />

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acompanham os lançamentos de perto, muitas vezes inteiramente caracterizados como personagens<br />

do universo de Rowling. Além disso, a imagem proporcionada pelo cinema possibilita níveis muito<br />

maiores de identificação com a série, e tudo aquilo que anteriormente havia sido imaginado por<br />

diversos fãs individualmente, agora tomava uma imagem clara e definida.<br />

Figura 8: Os malões e o trem para<br />

Hogwarts<br />

Fonte: http://www.tumblr.com<br />

O primeiro filme tinha estreado em novembro; eu havia viajado para<br />

a cidade de minha faculdade, Washington, D.C., para vê-lo no Uptown<br />

Theater, que tinha uma tela mais ou menos do tamanho de um prédio. Lá<br />

fiquei na fila durante horas para conseguir uma cadeira bem localizada,<br />

e enquanto fazia isso pessoas fantasiadas pareciam estar por toda parte<br />

ao meu redor. Eu esperei entre um Hagrid e uma RIta Skeeter, sentei<br />

junto com eles enquanto a velha sala de cinema ficava lotada de fãs de<br />

todas as idades, e tagarelei inquieta de excitação, como todo mundo.<br />

Quando as luzes se apagaram e o logotipo da WB apareceu na tela, os<br />

gritos e vivas fizeram meu corpo tremer de emoção. Para mim, nenhum<br />

momento de filme de Harry Potter jamais se compararia à primeira<br />

vez em que vi as palavras Privet Drive emergirem da escuridão na tela<br />

(ANELLI, 2011, p.99).<br />

Além disso, os primeiros filmes em muito diferem da estética dos últimos. Inicialmente contando<br />

a história de um bruxinho e suas aventuras, a série tomou um aspecto mais sombrio conforme o<br />

desenrolar da história (e o amadurecimento dos fãs que a acompanhavam), sua evolução visível<br />

até mesmo nos pôsteres dos filmes.<br />

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Figura 9: Harry e Hagrid no Beco Diagonal, no<br />

filme Harry Potter e a Pedra Filosofal<br />

Fonte: http://titadreamland.blogspot.<br />

com/2010/05/cantinho-harry-potter-diagonal.html<br />

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Figura 10: Os Pôsteres dos filmes da saga Harry Potter<br />

Fonte: http://www.tumblr.com<br />

Os fãs de Harry Potter adquiriram o hábito de fantasiar-se, indo não somente às estreias, mas<br />

também às já abordadas Feiras e Convenções de Ficção Científica e afins. Com ajuda dos sites<br />

especializados sobre Harry Potter, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, feito por fãs e<br />

para fãs, houve uma grande disseminação de informações sobre o filme, e os fãs puderam se<br />

conhecer através de fóruns e trocar experiências próprias.<br />

Os primeiros sites de fãs, de maneira geral, também estavam se tornando<br />

conhecidos, e como Harry Potter era a história do momento, e os fãs de<br />

Harry Potter nunca foram conhecidos por deixar passar um bom detalhe<br />

obsessivo intocado, os sites de Harry Potter estavam se tornando os<br />

sites de fãs mais bem estruturados e detalhados na Net. A natureza<br />

do enredo de Harry Potter, como qualquer boa história de mistério,<br />

era deixar os fãs desesperados tentando descobrir qual seria o passo<br />

seguinte. À medida que se tornou mais fácil navegar e se comunicar<br />

via internet, através de páginas rudimentares, adolescentes precoces<br />

aprenderam como criar aquelas páginas rudimentares e colocá-las<br />

online (ANELLI, 2011, p.109).<br />

Dessa forma, um nível maior de interação entre os fãs acabou surgindo, tornando o movimento<br />

muito mais forte.<br />

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4.1. A Estética Harry Potter<br />

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A série de livros e filmes de Harry Potter conta com centenas de personagens, a grande maioria<br />

imersa na estética bruxa. Boa parte dos personagens, entretanto, frequenta a Escola de Magia e<br />

Bruxaria de Hogwarts, sendo professores ou alunos.<br />

O uniforme dos alunos pouco se difere dos uniformes utilizados normalmente pelos colégios<br />

internos do Reino Unido, em tons de cinza. A diferença reside na capa de bruxo, e também no<br />

chapéu pontudo utilizado somente no primeiro filme. O estudante tradicional de Hogwarts é a<br />

caracterização com maior fama pelos fãs de Harry Potter: a base da fantasia pode ser facilmente<br />

encontrada no guarda-roupa do dia-a-dia (blusa branca social, colete preto e saia preta para as<br />

meninas, enquanto os rapazes usam calça social), sendo necessário adquirir apenas a gravata<br />

temática com as cores da Escola, e, claro, uma varinha.<br />

Existe uma boa quantidade de sites especiais que vendem tais artefatos, e vários fãs também<br />

uniram as habilidades manuais com essa necessidade do mercado, e começaram a produzir<br />

varinhas e artefatos mágicos de Harry Potter para vender.<br />

Os fãs fazem pesquisas intensas antes das estreias dos filmes, criando geralmente um banco de<br />

imagens do personagem que queiram copiar o figurino. Obviamente, existem muitas diferenças<br />

entre os próprios fãs e o modo como fazem essas fantasias – alguns demoram semanas para fazêlas,<br />

levando em costureiras e gastando o que for preciso para que ela fique o mais próxima do real<br />

possível; assim como existem fãs que apenas adaptam o que já possuem.<br />

Figura 11: Proposta de Figurino<br />

para a personagem de Hermione<br />

em Harry Potter e o Cálice de Fogo<br />

Fonte: http://ww.oclumencia.<br />

com.br/galeria<br />

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Figura 12: Cenas do filme Harry<br />

Potter e o Cálice de Fogo<br />

Fonte: http://ww.oclumencia.<br />

com.br/galeria<br />

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Figura 13: Cosplay de uma fã<br />

Fonte: http://www.cosplay.com<br />

Os vilões da série também tem muito apelo na construção de cosplays: personagens como Belatriz<br />

Lestrange, interpretada pela atriz Helena Bonham-Carter, a família Malfoy e também o exército<br />

de bruxos das trevas, chamados Comensais da Morte são frequentemente representados.<br />

Outro ponto importante é a fama atribuída aos atores que representam o trio principal – Harry,<br />

Rony e Hermione –, tornando-se ícones para a geração. O estilo despojado, com influencias de rock<br />

em camisetas estampadas e tênis all-star do ator ruivo Rupert Grint, utilizados com frequência<br />

com terno, denotam uma atitude de rebeldia juvenil comparável aos ícones dos anos 1950.<br />

Figura 14: Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint<br />

Fonte: Empire Magazine (2009)<br />

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Contudo, a maior influência vem da atriz Emma Watson, que representa Hermione Granger na<br />

série. A atriz de apenas 21 anos tornou-se um ícone fashion, e ao encerrar as filmagens do último<br />

filme da saga Harry Potter, cortou o seu cabelo curtíssimo, semelhante ao de Mia Farrow em O<br />

Bebê de Rosemary (1968). A garota foi escolhida como garota propaganda da marca Burberry, além<br />

de ter assinado uma coleção em parceria com a marca People Tree, em 2010. A atriz também foi<br />

agraciada com o prêmio de ícone da moda da Elle Style Awards em 2011, e em fevereiro do mesmo<br />

ano anunciada como novo rosto da marca de cosméticos Lancôme.<br />

Figura 15: Capa da revista Marie<br />

Claire – Dezembro de 2010<br />

Fonte: http://www.juliapetit.<br />

com.br<br />

Dona de uma beleza singular, além de carregar uma grande influência sobre os jovens que a<br />

observaram crescer, a presença de Emma Watson como garota propaganda de diversas marcas só<br />

reafirma o seu status de novo ícone de moda.<br />

5. Metodologia da Pesquisa<br />

A investigação tem início a partir da observação de campo da temática Harry Potter. Será estudada<br />

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Figura 16: Campanha para a<br />

marca People Tree<br />

Fonte: http://www.juliapetit.<br />

com.br<br />

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a repercussão da série de livros e filmes, em especial o comportamento dos fãs que se fantasiam de<br />

personagens da série em eventos, como estreias de filmes e lançamento dos livros. Sendo assim,<br />

a pesquisa seria classificada como um Estudo de Caso. Os estudos de caso “visam explorar, deste<br />

modo, um caso singular, situado na vida real contemporânea, bem delimitado e contextuado em<br />

tempo e lugar para realizar uma busca circunstanciada de informações sobre um caso específico”<br />

(Chizzotti, 2006, p.136).<br />

De acordo com Becker (1993)<br />

O cientista social que realiza um estudo de caso de uma comunidade ou<br />

organização tipicamente faz uso de método de observação participante<br />

em uma de suas muitas variações, muitas vezes em ligação com outros<br />

métodos mais estruturados, tais como entrevistas. A observação<br />

dá acesso a uma ampla gama de dados, inclusive os tipos de dados<br />

cuja existência o investigador pode não ter previsto no momento em<br />

que começou a estudar, e, portanto é um método bem adequado aos<br />

propósitos de estudo de caso (BECKER, 1993, p.118).<br />

Para melhor compreender a relação entre os fãs e o ato de fantasiar-se, será necessária a utilização<br />

de questionários.<br />

Foram selecionados 20 representantes do fandom [3] de Harry Potter, a maioria de Fortaleza –<br />

Ceará. Estes fãs foram escolhidos durante um evento da série Harry Potter em Fortaleza; após<br />

apresentações, todos revelaram a utilização fantasias dos personagens da série com frequência.<br />

No momento inicial, após a observação participante, houve alguns questionamentos que foram<br />

imediatamente respondidos; então feita a proposta para a participação na pesquisa. O questionário<br />

estruturado em doze perguntas, então, foi passada por email para os fãs que concordaram.<br />

Um dos principais problemas das entrevistas e questionários é detectar<br />

o grau de veracidade dos depoimentos. Trabalhando com estes<br />

instrumentos de pesquisa é bom lembrar que lidamos como o que o<br />

indivíduo deseja revelar, o que deseja ocultar e a imagem que quer<br />

projetar de si mesmo e de outros. A personalidade e as atitudes do<br />

pesquisador também interferem no tipo de respostas que ele consegue<br />

de seus entrevistados (GOLDENBERG, 2003, p.86).<br />

Além disso, também foi utilizado o compartilhamento de informações através das redes sociais,<br />

solicitando a participação na pesquisa àqueles que também tinham o hábito de fantasiar-se de<br />

Harry Potter. Por fim, foi postada uma mensagem no fórum do site Potterish [4], portal em que<br />

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muitos fãs utilizam para comunicar-se.<br />

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O questionário foi padronizado, porém com perguntas abertas, possibilitando uma resposta<br />

livre. Todas as perguntas foram elaboradas tendo em vista os objetivos da pesquisa, abrangendo<br />

diversos pontos de vista, mas trilhando o caminho para obter as informações desejadas. Embora<br />

o questionário enviado pela internet impossibilite algumas observações diretas – como o ato do<br />

entrevistado de responder as perguntas, a sua linguagem corporal, e o aprofundamento de algumas<br />

questões, além da possibilidade de fazer perguntas específicas para cada caso –, por outro lado este<br />

instrumento permite uma maior reflexão por parte dos entrevistados para responder as perguntas.<br />

Além disso, pelo seu caráter impessoal, os entrevistados podem sentir-se mais à vontade para<br />

responder as perguntas com mais franqueza, especialmente pelo fato do instrumento garantir<br />

anonimato.<br />

6. Resultados e Discussão<br />

Metade dos entrevistados tem de 20 a 25 anos, e estão cursando o ensino superior. Começaram a<br />

ler a série de Harry Potter no momento do seu lançamento no Brasil, ou seja, há aproximadamente<br />

dez anos. É comum que eles usem as fantasias nas estreias ou eventos promovidos pelos fãs – como<br />

lançamento de DVDS, livros relacionados à história, e também eventos de anime promovidos em<br />

Fortaleza, como o SANA –, mas também utilizam ocasionalmente em festas à fantasia. A grande<br />

maioria afirma interessar-se por moda, porém sem segui-la inteiramente, por possuírem um estilo<br />

próprio.<br />

O lançamento do segundo filme da saga – Harry Potter e a Câmara Secreta (2002) – marcou o<br />

início da produção de cosplays em Fortaleza. 20% dos entrevistados afirmaram ter feito a primeira<br />

fantasia a partir do segundo filme.<br />

Há nove anos, desde a estreia de Harry Potter e a Câmara Secreta, onde<br />

me fantasiei de estudante até Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban.<br />

Mudei para o cosplay de Rita Skeeter a partir de Harry Potter e o Cálice<br />

de Fogo, e não parei mais. Ela é ótima! [...] Quando estou de cosplay,<br />

eu me sinto ela, eu sou ela. Só falta virar um animago (Rita [5], 26 anos)<br />

O feitio da fantasia é o momento de maior preparação para os fãs. É necessário escolher um<br />

personagem dentre os criados por J. K. Rowling, que são escolhidos por quesitos como preferências,<br />

ou similaridade. Muitos dos cosplayers aproveitam atributos que já possuem e que são similares<br />

aos personagens escolhidos – como a cor e a textura do cabelo, ou o tom dos olhos.<br />

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Entretanto, às vezes o desejo de encarnar o personagem favorito é mais forte, e necessita de<br />

um maior esforço por parte do cosplayer. Para representar a personagem Luna Lovegood, famosa<br />

pela sua excentricidade e seus longos cabelos ondulados loiro-claro, uma entrevistada afirmou<br />

descolorir o cabelo e usar lentes de contato antes da estreia do filme.<br />

Os personagens principais (Harry, Rony e Hermione) possuem mais apelo, mas também há um enorme<br />

número de quem se fantasie de Comensais da Morte (os vilões), ou personagens mais incomuns,<br />

como funcionários do Ministério da Magia. Ainda há quem não escolha nenhum personagem em<br />

especial, e apenas vista a farda da escola de Hogwarts, incluindo-se assim como um figurante da<br />

história.<br />

Figura 17: Fãs de Fortaleza (CE) caracterizados como Comensais da<br />

Morte na estreia de Harry Potter e as Relíquias da Morte, parte I<br />

Fonte: Acervo Pessoal<br />

Adquirir a fantasia tornou-se mais fácil com a popularização da tecnologia: hoje, existem inúmeras<br />

lojas no mundo inteiro que vendam produtos licenciados ou inspirados em Harry Potter, úteis<br />

na hora de fazer o cosplay. Pode-se encontrar o uniforme completo de Hogwarts, incluindo as<br />

gravatas listradas que são um ícone da saga; varinhas; chapéus e óculos especialmente para<br />

alguns personagens, como o próprio Harry Potter e seu conhecido óculos de aro redondo.<br />

Mesmo assim, boa parte dos entrevistados afirmou comprar os tecidos e mandá-los à costureira,<br />

junto com muitas imagens de referências. Há quem se vista de uma forma aproximada, mas<br />

também há quem se preocupe com todos os detalhes: desde a veracidade dos detalhes bordados<br />

do brasão da escola, como o tecido que a capa original do filme foi feita, para então ter uma<br />

réplica mais próxima do modelo ideal.<br />

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O fator identificação com o personagem que está se fantasiando é um dos mais importantes para<br />

os entrevistados: por mais que o cosplay não tenha sido feito com toda a precisão de detalhes, ou<br />

ele não se assemelhe muito ao personagem que escolheu, o importante é sentir-se mais próximo<br />

ao personagem favorito.<br />

Sempre fui de Harry Potter [...] Por ser o personagem principal, mas não<br />

é só esse o motivo. Mas pelo fato dele não ser perfeito, tem defeitos<br />

e qualidades, o que o torna tão humano quanto qualquer um de nós.<br />

(Antonio, 20 anos)<br />

É um pouco elitista, mas é uma sensação gostosa estar usando as roupas<br />

de um mundo ‘fechado’, onde quem não conhece não entende o que<br />

acontece. Eu não tenho o corpo bonito como o de muitas cosplayers,<br />

mas o uniforme de Hogwarts carrega tantos significados, tem um peso<br />

muito grande e é uma satisfação imensa poder me associar com esse<br />

mundo, mesmo que seja de uma forma breve. (Emília, 22 anos)<br />

Utilizar o cosplay de Harry Potter é sentir-se incluído no mundo mágico em que ele está inserido:<br />

é tornar tudo aquilo real por um momento. Nos dias das estreias, todos os fãs compartilham este<br />

momento, encenando partes dos livros, conversando ou tirando fotos uns dos outros. Por mais<br />

diferentes, todos tem o mesmo objetivo vestindo-se com ali com aquelas fantasias: são todos fãs,<br />

que anseiam que a magia seja real.<br />

O grande lance não é a fantasia em si ou a ideia de incorporar o<br />

personagem (como alguns falam ser legal), pessoalmente gosto da<br />

ideia de contribuir para a mágica do local... Quando todos no recinto<br />

estão de cosplay a sensação é como se você estivesse em Hogwarts –<br />

principalmente se o evento que você estiver for a um local histórico,<br />

como nos que fui/organizei, onde o chão e as paredes pareciam de<br />

castelo. (David, 19 anos)<br />

Poucos fãs afirmam utilizar partes do cosplay ou seguir a estética londrina proposta pelos livros<br />

e filmes na vida real. A divergência entre o clima do Reino Unido e do Brasil é um fator decisivo,<br />

entretanto, alguns elementos ainda são utilizados em ocasiões especiais. Alguns entrevistados<br />

do sexo masculino afirmam sempre utilizar as gravatas das Casas de Hogwarts com ternos em<br />

ocasiões como casamentos.<br />

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Figura 18: Gravata das Casas de Hogwarts<br />

Fonte: http://www.costumecraze.com<br />

Também há a procura por peças que se remetam, de alguma forma, à série. Dois entrevistados<br />

afirmaram terem adquirido moletons por terem as mesmas cores da casa da Grifinória (vermelho<br />

escuro e dourado). Outra peça utilizada com frequência é o cachecol, também com a variação de<br />

cores dependendo da casa de Hogwarts.<br />

O estilo a ser copiado deixa de ser o proposto pelos figurinistas do filme, e sim o dos próprios<br />

atores. Ambos estão incluídos na mesma faixa etária, e cresceram conforme o decorrer dos filmes,<br />

juntos. O estilo dos atores Daniel Radcliffe e Rupert Grint e da atriz Emma Watson passou a<br />

ser constantemente observado, e também copiado. A grande quantidade de fotos de paparazzi<br />

postadas na internet dos atores em sua vida real, utilizando suas roupas normais, auxilia os fãs<br />

nessa observação.<br />

Dos entrevistados, 65% afirmou acompanhar efetivamente o que os atores estão usando no<br />

momento. Desses entrevistados, quase metade afirma se sentir influenciado de alguma forma, e<br />

procura vestir-se de forma parecida aos atores.<br />

Sim, a Emma é perfeita! Sabe usar a peça de roupa ideal para cada<br />

ocasião, além de ser maravilhosa. (Ana, 13 anos)<br />

Eu acho muito estiloso como o Dan e o Rupert se vestem, e tento seguilos<br />

de alguma forma. (Vinícius, 20 anos)<br />

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Sim, a Emma Watson é linda e se veste muito bem atualmente! Além<br />

dela, eu acompanho mais ou menos a Evanna Lynch, que é a Luna<br />

Lovegood. Mas quem influencia mesmo é a Emma por ter se tornado um<br />

ícone (e não só para mim). (Alicia, 19 anos)<br />

Sim, acompanho. De certa forma, talvez por eles terem a minha mesma<br />

idade, e ser meus atores preferidos, às vezes acabo comprando algo<br />

porque sei que vi algum deles usando. (Marcos, 23 anos)<br />

O cosplay, então, apesar de forma de expressão de estilo próprio nos eventos, não reproduz o<br />

estilo dos fãs na vida real. A admiração que sentem pela série fez com que tudo que nela estivesse<br />

incluído também tivesse o seu valor, e a vida fora das telas dos seus personagens preferidos também<br />

se tornou alvo de admiração. Os atores Dan, Rupert e Emma deixaram de ser apenas intérpretes<br />

de Harry, Rony e Hermione, para tornarem-se ícones para a juventude que os acompanha.<br />

Conclusão<br />

A indústria cinematográfica sempre foi de muita influência para a indústria da moda, e vice-versa.<br />

Através da retrospectiva histórica, tornou-se claro como a criação de ícones de estilo através<br />

de filmes marcantes foi importante para o desenvolvimento da moda na juventude, e também<br />

em determinados períodos da sociedade. Desde os primeiros grandes sucessos Hollywoodianos,<br />

a indústria do cinema passou a exercer influência sobre a moda jovem – e a permuta entre<br />

elementos estéticos que se tangenciavam das telonas para as passarelas das grandes capitais da<br />

<strong>Moda</strong> ficou cada vez mais explícita com o passar das décadas. Desde o início da parceria destes dois<br />

grandes sistemas, ‘moda x cinema’, os estilistas obtiveram grande influência no comportamento<br />

da sociedade, graças ao acúmulo de funções de costureiros e figurinistas.<br />

Percebe-se que esta evolução continua influenciando as transformações dos códigos de<br />

comportamento que extrapolam as normas de realidade e ficção, antes delimitadas e restritas<br />

as condições de uso do vestuário em sociedade. Surge então o elemento cosplay que nada mais é<br />

que o personagem que ‘foge da tela’ e passa a coexistir no espaço real. Atualmente, entretanto,<br />

mais do que o desenvolvimento de um filme especial para marcar uma geração, a Indústria passa<br />

a focar-se na idealização da imagem dos atores como exemplos de estilo. Além dos figurinos da<br />

produção cinematográfica, que tendem a influenciar os hábitos e costumes, hoje se fabrica uma<br />

celebridade para ditar comportamento e moda que extrapola as fronteiras das grandes telas<br />

para ditar moda na vida real. Os antigos fãs passaram a ser seguidores fiéis destas celebridades e<br />

tendem a imitá-las em tudo, não apenas o personagem que por ele é interpretado. De forma que:<br />

a vida real dos atores passa a ser um ícone para a juventude, e seu modo de vestir torna-se algo<br />

a ser desejado, e, enfim, consumido.<br />

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Notas<br />

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[1] Disponivel em: http://www.mnemocine.com.br. Data de acesso: 23 de maio de 2011, às 23:00.<br />

[2] Disponível em: http://www.costuming.org/history.html. Última visualização: 24 de maio de<br />

2011, às 14:00.<br />

[3] Palavra derivada da língua inglesa (Fan Kingdom – reino dos fãs, em tradução livre), que se<br />

refere a um determinado conjunto de fãs de uma série de livros, de filmes ou de algum fenômeno<br />

em particular.<br />

[4] Disponível em: Última visualização: 3 de junho de 2011.<br />

[5] Todos os nomes foram alterados para preservar a identidade dos entrevistados.<br />

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A <strong>Moda</strong>, o Cinema e os Jovens da Era Cosplay: Um Estudo sobre o Fenômeno Harry Potter<br />

APÊNDICE – QUESTIONÁRIO COSPLAY<br />

1. Nome:<br />

2. Email:<br />

3. Idade:<br />

4. Sexo:<br />

5. Profissão (caso seja estudante, diga a sua série/curso):<br />

6. Há quanto tempo você é leitor de Harry Potter?<br />

7. Há quanto tempo você se fantasia de algum personagem do Harry Potter?<br />

8. Como você adquiriu esta fantasia?<br />

9. Em que momentos você utiliza esta fantasia? Você frequenta eventos de Harry Potter com<br />

outros fãs?<br />

10. Você tem algum personagem em mente quando produz/adquire a sua fantasia? Quem?<br />

11. Qual a relação que você sente com o personagem que você se fantasia? Há alguma preferência,<br />

ou você procura variar?<br />

12. O que você sente quando está caracterizado de personagem de Harry Potter?<br />

13. Você possui alguma informação de moda?<br />

a. Não me interesso por moda e nem me preocupo com a forma que me visto<br />

b. Tenho um estilo próprio, independente da moda<br />

c. Me interesso por moda, mas só visto o que me agrada<br />

d. Me interesso por moda e procuro segui-la<br />

14. Você incorpora elementos da indumentária Harry Potter no seu dia-a-dia?<br />

15. Você acompanha o que os atores (Dan Radcliffe, Rupert Grint, Emma Watson ou outro da série)<br />

estão usando? Você se sente influenciado de alguma forma por eles?<br />

16. Você se fantasia/já se fantasiou de outros personagens de filmes/livros/animes, sem ser da<br />

saga Harry Potter?<br />

17. Qual a sua expectativa com o lançamento da parte 2 do último filme? Você irá fantasiado para<br />

a estreia?<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de<br />

Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

Nélio Pinheiro; Mestrando em <strong>Design</strong>: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru nelio@utfpr.edu.br<br />

Franciele Menegucci; Mestranda em <strong>Design</strong>: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru franciele_<br />

menegucci@yahoo.com.br<br />

Aniceh F. Neves; Doutora: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru aniceh@faac.unesp.br<br />

Abílio G. Santos Filho; Doutor: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru abilio@feb.unesp.br<br />

Marizilda M. Santos; Doutora: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru marizilda.menezes@gmail.com<br />

Luis Carlos Paschoarelli; Livre Docente: PPG <strong>Design</strong> UNESP/Bauru<br />

paschoarelli@faac.unesp.br<br />

Resumo<br />

Este artigo apresenta uma breve revisão bibliográfica sobre a comunicação visual<br />

e a linguagem no design de moda e uma reflexão sobre a utilização da moda como<br />

instrumento de comunicação em manifestações políticas e sociais. Para isto, são<br />

analisados dois exemplos de contribuições femininas no campo do design de moda:<br />

a trajetória e produção de Zuzu Angel, com a primeira coleção de moda política e<br />

a grife Daspu, uma etiqueta alternativa que usa a moda para propagar a legalização<br />

dos direitos das prostitutas.<br />

Palavras-chave:<br />

comunicação visual; design e moda<br />

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Introdução<br />

A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

Inúmeros lugares pelos quais passamos nos oferecem estímulos por meio das imagens, das cores,<br />

das formas, das texturas, dos cheiros, dos sons ou sabores. Para comunicar não é essencial<br />

obedecer às regras da linguagem formal. No cotidiano são expostos fachadas, outdoors, vitrines,<br />

sinalizações, cartazes e intervenções urbanas com o objetivo interagir e comunicar-se com o<br />

observador e o mesmo ocorre com as roupas.<br />

Ao selecionar um conjunto de peças para vestir o indivíduo, consciente ou não, os indivíduos<br />

fazem escolhas sobre como querem ser observados e qual imagem quer transmitir: seriedade,<br />

descontração, comprometimento, indignação, entre outras. A expressão ocorre por meio dos<br />

trajes vestidos, o que caracteriza uma linguagem que possui códigos próprios.<br />

O presente estudo propôs elaborar uma revisão bibliográfica sobre comunicação visual, linguagem<br />

e significado no design de moda, com o objetivo de compreender como ocorre a expressão de<br />

conteúdo por meio das roupas. Para isto, foi desenvolvida uma reflexão sobre a utilização da<br />

moda como forma de manifestação política e social, a partir de dois exemplos de contribuições<br />

femininas no campo do design: o trabalho de Zuzu Angel que, na década de 1970 desenvolveu<br />

a primeira coleção de moda política que se tem notícias, particularmente com a finalidade de<br />

denunciar o desaparecimento e morte de seu filho e “contar” para o mundo o que acontecia no<br />

Brasil durante o regime militar; e o trabalho da grife Daspu, idealizada por prostitutas junto a<br />

ONG Davida que luta pela legalização das profissionais do sexo no país e no combate a AIDS, a qual<br />

utiliza-se da moda como um meio de inserção social do grupo para promoção e valorização.<br />

A comunicação visual e as roupas<br />

A linguagem utilizada no design de moda é constituída por cores, formas, tecidos, texturas,<br />

acessórios, imagens (até mesmo as tipográficas) e o corpo, que como suporte, atua no processo<br />

de comunicação. Trata-se de uma linguagem não verbalizada, uma forma de comunicação visual.<br />

O design de moda se constitui em uma linguagem onde as imagens tem um papel fundamental e,<br />

para compreender como ocorre este processo, torna-se necessário definir alguns conceitos acerca<br />

da comunicação visual.<br />

Conforme expõe Domiciniano (2008), a comunicação pela imagem é própria do homem que, antes<br />

de desenvolver uma linguagem verbal codificada, já entendia seu mundo pelas mensagens que<br />

este lhe transmitia, através de seus sentidos. A linguagem visual “fala” por meio de mensagens<br />

diversas, nas quais os elementos se relacionam: cores, imagens, formas (as formas da própria<br />

tipografia no caso da presença de informação verbal), aspecto gráfico (diagramação), tons,<br />

proporção e texturas (BONNICI, 2000).<br />

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Munari (1997) indica, de forma simples, que a comunicação visual é:<br />

“Praticamente tudo o que vê nossos olhos: uma nuvem, uma flor, um<br />

desenho técnico, um sapato, um cartaz, uma libélula, um telegrama<br />

(excluindo seu conteúdo), uma bandeira. Imagens que, como todas<br />

as outras, têm um valor diferente segundo o contexto em que estão<br />

inseridas, dando informações diferentes (MUNARI, 1997, p.65).<br />

Esta definição sugere que o significado é mutável em virtude do contexto. Na linguagem utilizada<br />

no design de moda a interpretação do significado depende do comportamento do usuário e<br />

receptores, do lugar, da temporalidade e do corpo.<br />

A semiótica, ciência que estuda os signos e representações, traz algumas definições sobre linguagens.<br />

Camargo (1997) cita que no campo dos estudos semiológicos, as linguagens podem se constituir em<br />

diversos sistemas de signos: verbais, visuais, sonoros, táteis e outros que podem ser percebidos<br />

e interpretados. Também é a base de qualquer sistema de comunicação o estabelecimento, ou<br />

identificação de elementos capazes de serem interpretados entre os indivíduos, formulando um<br />

repertório comum entre eles.<br />

No entanto, as linguagens não verbais dependem do desenvolvimento de sistemas próprios ou de<br />

análises correlacionadas entre o verbal e o não verbal, possibilitando traduzi-las, interpretá-las ou<br />

mesmo decodificá-las. Como toda a linguagem falada e escrita, o idioma da moda está sempre em<br />

mutação, novas formas de comunicação, idéias e estilos surgem em todas as estações e também<br />

são relidos e revividos, geralmente com uma significação diferente.<br />

Segundo Lurie (1997) o vocabulário das roupas inclui não apenas peças de roupas, mas também<br />

estilos de cabelos, acessórios, jóias, maquiagem e decoração do corpo. Teoricamente, pelo menos,<br />

esse vocabulário é tão ou mais vasto do que o de qualquer língua falada, visto que inclui cada<br />

peça, estilo de cabelo e tipo de decoração do corpo já inventado.<br />

A moda, com suas várias possibilidades, também é um grande sinalizador dos papéis sociais<br />

exercidos e indica possíveis comportamentos. Neste sentido, Jones (2005) afirma que tanto nas<br />

sociedades mais primitivas como nas mais sofisticadas, as roupas e ornamentos emitem informações<br />

sociais e pessoais. A autora cita alguns itens do vestuário ocidental do século XX usados para<br />

transmitir mensagens como: gravatas e ternos (masculinidade), saias, decotes e cintura definida<br />

(feminilidade), roupas rasgadas, cores escuras, tatuagens e piercings (rebeldia).<br />

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A linguagem e significado: na moda e no design<br />

A roupa é vista antes como signo portador de mensagens que “informam” tanto do indivíduo que<br />

a veste quanto da sociedade que a produz.<br />

A moda, a de vestir, é antes de tudo um sistema de sinais significantes,<br />

uma linguagem: a maneira mais cômoda, mas também a mais importante<br />

e mais direta que o indivíduo possa usar para se exprimir, para além da<br />

palavra. Poderemos dizer que esta é mesmo a mais rica, porque nela<br />

se combinam comportamentos mentais e componentes psicológicos<br />

com um controle menor do que aplicamos às palavras. (LOMAZZI, apud<br />

CAMARGO, 2009, p.27).<br />

Os seres humanos se comunicam pela linguagem das roupas. Antes de um encontro que exija<br />

a fala, as pessoas já são capazes de fazer leituras umas das outras. Nesta observação, não são<br />

colocadas palavras, mas informações que se registram no inconsciente.<br />

No fenômeno moda, percebe-se que alterações sociais podem causar mudanças no modo de vestir,<br />

assim como o inverso pode, também, ser verdadeiro. Por mais que a moda seja banalizada no<br />

cotidiano, trata-se de uma manifestação cultural e social.<br />

A moda se configura, cada vez mais como uma área específica no campo do design que utiliza os<br />

conhecimentos já desenvolvidos por outras áreas como a do desenvolvimento de produtos, gráfico,<br />

entre outros. Assim, é importante para os designers de moda compreender como as questões de<br />

comunicação e significação são tratadas pelos preceitos e definições do design.<br />

O produto transporta expressões das instâncias de elaboração e de produção, cultura e tecnologia.<br />

Quando entra em circulação, também passa a ser elemento de comunicação, caracterizando-se<br />

como suporte de mensagens dos usuários para si próprio e para os outros. A partir desse sentido<br />

o produto do design é tratado como portador de representações e significados de um processo de<br />

comunicação (NIEMEYER, 2003).<br />

Deve-se compreender que o design e a moda não são portadores passivos de uma linguagem visual<br />

autônoma, mas uma linguagem em si que obedece à leis conectáveis da linguagem verbal. O<br />

julgamento e entendimento de determinado design está condicionado ao conhecimento e cultura<br />

do observador.<br />

Em busca de uma definição de design que inclua a questão do significado nos produtos podemos<br />

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citar Moraes (1999, p.170) quando menciona que o design é uma tecnologia projetual que “objetiva<br />

o desenvolvimento de produtos, com uma configuração definida, para produção em pequena ou<br />

grande série, considerando questões de uso, significação, desempenho, funcionamento, custo,<br />

produção, comercialização, mercado, qualidade formal e estética, impacto urbano e ecológico”.<br />

A natureza da práxis do design se pauta “na maneira em que os processos de design incidem sobre<br />

os seus produtos, investindo-os de significados alheios à sua natureza intrínseca” (DENIS, 1998,<br />

p.17).<br />

Couto e Oliveira (1999, p.9) afirmam que “o design deve ser entendido não apenas como uma<br />

atividade de dar formas aos objetos, mas como um tecido que enreda o designer, o usuário, o<br />

desejo, a forma, o modo de ser e estar no mundo de cada um de nós”.<br />

Nas chamadas “roupas-panfleto” (CAMARGO, 2009) cujo objetivo principal é o ato de comunicar,<br />

cabe ao designer projetar de que forma ocorrerá a interface entre vestuário, usuário e observador,<br />

considerando previamente cultura, temporalidade e local em que ocorrerá esta interação e os<br />

meios que utilizará, os quais podem ser palavras, imagens, tecidos, formas, acessórios, publicidade,<br />

entre outros.<br />

Com esta breve revisão teórica sobre a comunicação visual e as linguagens no design e moda é<br />

possível realizar uma reflexão sobre como e quando a moda deixa de ser apenas a “objeto que<br />

veste o corpo” para ser um canal de comunicação empregada como forma de protesto político<br />

e social. Passa a ser moda-panfleto, por intencionar propagar, difundir, alastrar, fazer saber e<br />

comover.<br />

Na história da moda brasileira chamam a atenção os trabalhos de Zuzu Angel, designer de moda,<br />

criadora da primeira coleção caracterizada como moda política no mundo e a grife Daspu,<br />

expressiva por expor a prostituição em camisetas e coleções como uma forma de falar e valorizar<br />

a atividade. Estes exemplos ilustram como o design de moda pode ser usado para expressar<br />

conteúdo por meio da linguagem visual, no momento em que a moda e seus componentes: cores,<br />

tecidos, aviamentos, modelagens, estampas e performances assumem a função comunicadora,<br />

suprimindo as funções materiais e objetivas do vestuário.<br />

Zuzu Angel: a trajetória e a moda política<br />

A história profissional da estilista brasileira Zuzu Angel, em certo momento, mistura-se às tragédias<br />

de sua vida pessoal e este fato possibilitou que ela desenvolvesse a primeira coleção de moda<br />

política que se tem notícia. Zuleika de Souza Netto nasceu em 1921 no interior de Minas Gerais. Em<br />

1943, casou-se com Norman Angel Jones, um americano que veio ao Brasil a serviço do governo.<br />

Após o casamento foi morar em Salvador e em 1946 nasceu Stuart, seu primeiro filho, já 1947,<br />

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morando no Rio de Janeiro, nasceram Ana Cristina e Hildegard Beatriz.<br />

O início da carreira foi em 1957, já como Zuzu Angel, e mesmo separada, em 1960, nunca deixou<br />

de usar o sobrenome Angel do marido, que se tornou a referência de sua marca sempre associada<br />

ao desenho do anjo.<br />

Zuzu passou a vestir as “elegantes” no Brasil. Em 1968, o general Costa e Silva assumiu a<br />

presidência, e Zuzu Angel, que vestira a primeira-dama Sarah Kubitschek, passou a vestir a então<br />

primeira-dama Yolanda Costa e Silva. Esta aproximação era vista como uma espécie de segurança<br />

para o filho Stuart que já estava na militância contra o regime da ditadura militar. No entanto<br />

esse relacionamento não evitou a prisão de Stuart, sobretudo porque quando esta ocorreu, Costa<br />

e Silva não era mais o presidente (ANDRADE, 2009).<br />

Em 1970 ela preparava a primeira coleção a ser lançada em Nova Iorque, muitas reportagens no<br />

Brasil comentaram o evento. A coleção foi chamada de International Dateline Collection I e era<br />

dividida em três partes: um grupo inspirado em baianas, o outro no casal Lampião e Maria Bonita<br />

e o terceiro nas rendeiras. Em 1971 ela já lançava a International Dateline Collection II e montava<br />

um escritório para cuidar dos negócios nos Estados Unidos.<br />

Andrade (2009) destaca que, quando Zuzu começou a fazer sucesso nos Estados Unidos, as<br />

publicações brasileiras passaram a empregar o termo design, usado apenas em relação ao design<br />

gráfico ou de produto, para se referir à sua atividade. O projeto de criação e desenvolvimento de<br />

artigos de moda era visto como algo à parte do campo. Em uma matéria no Curvelo de Noticias<br />

de 1971 (apud ANDRADE, 2009) quando perguntada sobre sua atividade ela respondeu “sou uma<br />

designer”. Nesta época a identidade visual de sua marca era muito bem projetada e presente<br />

nos produtos e itens de exposição da marca. A marca de Zuzu Angel se consolidou com uma<br />

linguagem gráfica integrada e um estilo identificável. Uma matéria americana observou que Zuzu<br />

Angel era provavelmente a única designer de moda no Brasil que entendia a importância da mídia<br />

(ANDRADE, 2009).<br />

Em entrevista ao New York Times, em 15/11/1970, Zuzu teria dito: “No meu país, eles acham que<br />

a moda é frivolidade, futilidade. Eu tento lhes dizer que moda é comunicação, além de garantir<br />

emprego para muita gente” (MORRIS, 1970).<br />

Esta compreensão originou a primeira coleção de moda política em 1971, ano da tortura e morte<br />

de seu filho Stuart, tratava-se da International Dateline Collection III – Holiday and Resort. Este<br />

desfile (Figura 1ab) é considerado um marco na trajetória profissional de Zuzu Angel, pois foi<br />

quando ela lançou a moda de protesto. Nesse dia, Zuzu vestiu pela primeira vez a indumentária<br />

que simbolizava seu luto pelo filho: um vestido preto longo, com um dramático véu, um cinto<br />

decorado com 100 pequenos crucifixos e no pescoço um pingente de um anjo branco em porcelana<br />

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(ANDRADE, 2009). Com o mesmo propósito muitos vestidos apresentados, mesmo os mais alegres<br />

e coloridos, tinham uma faixa preta amarada no braço.<br />

a b<br />

Figura 1a: Zuzu com o traje de luto<br />

Figura 1b: faixa preta no braço dos vestidos<br />

Fonte: (ANDRADE, 2009)<br />

Esta coleção não foi completamente voltada ao protesto. As duas primeiras partes traziam roupas<br />

descontraídas e roupas de festa, por último vieram as roupas de protesto. Os produtos de protesto<br />

eram vestidos brancos com modelagem ampla que lembram túnicas e bordados com desenhos<br />

singelos e infantis como anjos, crianças, soldados, pássaros, auréolas, pombas e gaiolas (Figura 2).<br />

Figura 2: Produtos da coleção de moda política.<br />

Fonte: (ANDRADE, 2009)<br />

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Nos EUA, muitos jornais relataram o conteúdo político do desfile chamando a atenção para<br />

o sofrimento de Zuzu Angel. Porém, no Brasil, a censura imposta aos meios de comunicação<br />

brasileiros obrigava a imprensa a ignorar ou modificar o significado da mensagem que ela desejava<br />

transmitir com essa coleção que chamou de “a primeira coleção de moda política do mundo.”<br />

(THE MONTREAL STAR, apud ANDRADE, 2009).<br />

Em janeiro de 1972, foi lançada a International Dateline Collection IV – The Helpless Angel (O<br />

anjo desamparado). Nessa coleção, ela utilizou muitos tecidos de padronagem xadrez e ainda os<br />

bordados de anjos e outros desenhos da “moda política”.<br />

Nestas imagens (Figura 3) a estilista faz uso do estilo infantil nas ilustrações para amenizar a<br />

“feiúra” dos crimes militares. O filho morto é o “anjo-criança” ameaçado por canhões, celas,<br />

tanques de guerra e quepes militares. Para transmitir a mensagem de protesto ela não abre mão<br />

da identidade de sua marca: anjos, cores e leveza.<br />

Figura 3: imagens bordadas exibidas na coleção moda política<br />

Fonte: (ANDRADE, 2009)<br />

É interessante observar que a produção de Zuzu Angel dividi-se em dois momentos principais. O<br />

primeiro é o da estilista em conformidade com as regras sociais estabelecidas que veste a elite<br />

brasileira. Num segundo momento, após o desaparecimento do filho Stuart, Zuzu passa a usar a<br />

capacidade comunicadora da moda para driblar a censura e denunciar a violência e morte do filho<br />

reivindicando o direito de velar seu corpo.<br />

Zuzu Angel, sempre teve consciência crítica da função comunicadora da moda, antes de “gritar” o<br />

desaparecimento do filho ela já “articulava” com suas coleções por meio da seleção de materiais<br />

e temas. Sempre optou por tecidos de indústrias brasileiras como a fábrica Dona Isabel (tecidos)<br />

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e assim manteve-se até o final e em todas as coleções inseriu elementos culturais brasileiros e<br />

técnicas artesanais locais, também prezava pela imagem da mulher e a valorização do trabalho<br />

artesanal feminino.<br />

Daspu: o surgimento e a roupa-panfleto<br />

Em 1992 a prostituta, hoje aposentada, Gabriela da Silva Leite criou a ONG “Davida” que coordena<br />

a Rede Brasileira de Prostitutas que promove encontros regionais e nacionais, assessorando a<br />

formação de associações locais e articulando políticas públicas na área da saúde (DST e HIV/Aids)<br />

e da cultura. A “Davida” entrou no universo da moda em novembro de 2005, lançando a grife<br />

Daspu, que nasceu polêmica ao desafiar ou ironizar a Daslu, maior loja de artigo de luxo do país.<br />

Desta forma, entrou no rol das etiquetas alternativas cariocas incorporadas em projetos sociais.<br />

A grande visibilidade dada pela mídia, em virtude do nome escolhido, fez com que aquilo que<br />

era só uma boa idéia virasse realidade da noite para o dia, pois as equipes de televisão, assim<br />

que souberam da idéia, queriam ver e mostrar os produtos que ainda não existiam, então as<br />

prostitutas militantes da ONG foram chamadas para dar idéias de modelos.<br />

O primeiro desfile foi produzido semanas depois nos Arcos da Lapa. Nesta ocasião foram<br />

desenvolvidas as primeiras camisetas que traziam o nome da marca com frases polêmicas e<br />

intrigantes. As camisetas foram a primeira imagem da Daspu que quase não conseguiu dar conta<br />

dos pedidos, todos queriam fazer parte do movimento.<br />

Tamanha visibilidade fez com que a Daslu recorresse à justiça pedindo a mudança do nome com<br />

a justificativa de estarem denegrindo sua imagem. Conforme cita LENS (2008), em entrevista ao<br />

Fantástico, Gabriela afirmou que a palavra ‘das’ pertencia a língua portuguesa, já o ‘pu’ pertencia<br />

a atividade.<br />

Esta frase indica a apropriação e valorização da palavra “puta” e demonstra que o movimento, ao<br />

contrário do que se vê em manifestações de grupo marginalizados, não anseia passar a mensagem<br />

de sofrimento, mas valorizar a categoria.<br />

As camisetas são o carro-chefe da Daspu, até pela própria configuração desta peça que há mais<br />

de 60 anos deixou de ser apenas uma vestimenta “de usar por baixo” para se tornar um meio de<br />

comunicação, uma “roupa-panfleto” (CAMARGO, 2009). A tomada de consciência da camiseta como<br />

mídia surge na década de 1960 (BARREIRA, 1988), os movimentos pacifistas das últimas décadas<br />

foram uns dos principais responsáveis pela instituição da camiseta como mídia, tal tendência se<br />

acentuou e as novas gerações passaram cada vez mais a divulgar seus pontos de vista por meio do<br />

novo veículo.<br />

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Na grife Daspu, as palavras, frases e imagens expostas nas camisetas e nos nomes das próprias<br />

coleções fazem parte do universo das prostitutas, gritam silenciosamente este universo para<br />

o mundo. As frases mais empregadas são: “Somos más, podemos ser piores” (a camiseta mais<br />

vendida), “I Love PU”, “PU Davida”, “Daspu moda para mudar”, “Meu botão é mais embaixo”,<br />

“Somos mais de uma”, “Mulheres boas vão para o céu, mulheres más vão para qualquer lugar” e<br />

“As mulheres perdidas são as mais procuradas”.<br />

Figura 4: Imagens das camisetas comercializadas<br />

Fonte: (KALIL, 2010)<br />

Tudo o que é produzido pela Daspu tem inspiração na prostituição: formas, palavras, peças de<br />

roupa e performances de passarela. As primeiras coleções foram: Coleção Ativismo, Coleção Na<br />

pista, Coleção Puta <strong>Arte</strong> (Outono-Inverno 2007). A penúltima denominada As Cruzadas: entre o<br />

Botão e a Espada (Verão 2009) traz imagens como coroas, espadas e botões, representa o “reino”<br />

das meninas da Daspu e faz referência a “batalha” da atividade (Figuras 5a e 5b).<br />

a b<br />

Figuras 5a e 5b: Imagens de desfile da coleção As Cruzadas: Entre o botão e a espada<br />

Fonte: (VIEIRA, 2010; ZIEMKIEWICZ, 2010)<br />

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A coleção mais recente é a Da Farofa ao Caviar (Verão 2010) (figuras 6a, 6b, 6c), a estilista<br />

responsável, Alzira Calhau, explica a escolha do tema dizendo que a comida caracteriza o duplo<br />

sentido entre o prazer e o comer. A coleção ainda se refere aos variados tipos de clientes que<br />

procuram as prostitutas, dos botequins às mesas mais requintadas (G1, 2010). À partir desta idéia<br />

surgiram as estampas de camisetas e vestidos em malha com frases irônicas e bem-humoradas<br />

como “pintiscos, porção de putas, Daspu à la carte, caipiranha e puta libre”, entre outras. As<br />

últimas coleções são as mais estruturadas talvez, porque, já contam com uma equipe de designers<br />

e parcerias com escolas de moda do país para que os alunos auxiliem no desenvolvimento dos<br />

produtos.<br />

a b c<br />

Figuras 6a, 6b, 6c: Fotos de divulgação da coleção Da Farofa ao Caviar<br />

Fonte: (CALHAU, 2010)<br />

Ao analisar as coleções da Daspu, percebe-se que os produtos possuem muito conteúdo conceitual,<br />

são quase figurinos da “batalha” (denominação dada à atividade), e as cintas ligas, calcinhas, botas,<br />

mini-saias, decotes e meias arrastão são itens sempre presentes nas coleções. Já as camisetas são<br />

o principal difusor de mensagens com a função de dar o grito “silencioso”. Neste caso, é o link<br />

ou o elo de comunicação de um grupo marginalizado e escondido com a sociedade e cumpre seu<br />

papel de divulgação. A grife conseguiu delimitar sua identidade visual e a imprime nos produtos,<br />

apesar de ainda faltar organização formal do ponto de vista projetual. Hoje as peças das coleções<br />

são vendidas na sede da ONG Davida e em uma loja virtual denominada Putique.<br />

Discussão e Considerações finais<br />

A comunicação por meio de imagens está presente em todos os ambientes e situações de vivência<br />

humana. Nas grandes cidades, a todo o momento, somos acionados por sinalizações urbanas,<br />

outdoors, capas de revistas, panfletos, fachadas, monumentos que nos trazem mensagens sobre<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

produtos, pessoas e idéias. E com o vestuário, isto não é diferente. Em todos os lugares, uma<br />

primeira leitura da roupa leva o observador a imaginar quem é, de onde veio, o que pensa, quais<br />

ideais compartilha ou não, com aquele que porta o vestuário observado. Quando nos vestimos,<br />

diariamente e para qualquer situação cotidiana, fazemos uma opção, conscientemente ou não, a<br />

qual expressa um conteúdo por meio do vestuário.<br />

É interessante observar que ambos os casos analisados, tanto o de Zuzu Angel como o da Daspu,<br />

tratam-se de manifestações que também evidenciam a questão do gênero, pois são mulheres que,<br />

utilizando o design e a moda como ferramentas, conseguem propagar mensagens, idéias e ideais.<br />

Um gênero que, muitas vezes ao longo da história, não teve o direito a manifestações políticas,<br />

sociais, sexuais ou artísticas, conseguem comunicar, por meio de um mesmo canal, mensagens<br />

sobre grupos marginalizados.<br />

Não foi pretensão deste artigo mensurar até que ponto a metodologia projetual de design é<br />

empregada no desenvolvimento dos produtos apresentados. A proposta foi refletir sobre os<br />

exemplos citados para compreender como a linguagem não verbalizada ou, ainda, a união de<br />

imagens e palavras, podem ser utilizados no design de moda para expressar conteúdo e expressálo<br />

de forma contundente.<br />

A manifestação da Daspu foi tão expressiva que passou a influenciar outros grupos marginalizados,<br />

como é o caso da Daspre, abreviação de “Das presas”, projeto iniciado em 2008 que consiste<br />

em oficinas de costura e artesanato onde detentas têm a possibilidade de aprender ofícios como<br />

costura, bordado e criação de produtos (bolsas, ecobags, roupas exclusivas e acessórios). Há ainda<br />

a Dasdoida, projeto de moda experimental do Centro de Atenção Psicossocial Itapeva em São<br />

Paulo, onde produtos singulares são criados e executados por portadores de transtorno mental<br />

severo e persistente - que inclui esquizofrênicos, bipolares e psicóticos. É muito interessante<br />

observar como grupos excluídos e marginalizados passam a inserir-se de forma positiva no campo<br />

da moda e do consumo.<br />

Tais exemplos, Zuzu Angel com moda política e Daspu com moda protesto, baseada no bom humor<br />

e irreverência, demonstram que a moda pode ser analisada como um meio de inserção social, pois<br />

o sistema da moda gera nos indivíduos observadores a identificação e o desejo de pertencimento,<br />

de fazer parte do novo que surge e se recria.<br />

Ao designer de moda cabe refletir sobre as possibilidades da moda como canal de comunicação,<br />

considerando que este atributo deve ser explorado com responsabilidade e ética. Ao projetar a<br />

forma como transmitirá o conteúdo, este profissional precisa estar consciente de suas consequências<br />

na sociedade. Obviamente, a inserção no campo da moda não consegue eliminar todas as formas<br />

de preconceitos e exclusões enraizadas na sociedade, mas é inegável que representa um caminho<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

para a divulgação de mensagens saudáveis e positivas, uma forma eficaz e criativa de chamar a<br />

atenção para causas importantes que precisam ser expostas e discutidas.<br />

Referências<br />

ANDRADE, Priscila. A marca do anjo: a trajetória de Zuzu Angel e o desenvolvimento da<br />

identidade visual de sua grife. Iara: Revista de <strong>Moda</strong>, Cultura e <strong>Arte</strong>, São Paulo, v. 2, n. 2, p.85-<br />

119, 01 out. 2009. Trimestral. Dossiê temático. Disponível em: . Acesso em: 02 jul. 2010.<br />

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Escola Superior de Desenho Industrial. Rio de Janeiro, Vol. 1, número único, 14-39, outubro de<br />

1998.<br />

BARREIRA, R. A História da camiseta. Rio de Janeiro: [s.n.], 1988.<br />

BONNICI, Peter. Linguagem Visual. O misterioso meio de comunicação. Lisboa: Destartes Edições,<br />

2000.<br />

CAMARGO, Issac A., Reflexões sobre o pensamento fotográfico: pequena introdução ás imagens<br />

e a fotografia. Londrina: UEL. 1997.<br />

CAMARGO, Scheila Fátima Giacomazzi. A roupa-panfleto Daspu:: um canal de comunicação.<br />

Comunicação & Inovação, São Caetano do Sul, v. 10, n. 18, p.43-54, 01 jan. 2009. Semestral.<br />

Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2010.<br />

COUTO, R. M. S.; OLIVEIRA, A. J. (org.). Formas do design: por uma metodologia interdisciplinar.<br />

Rio de Janeiro: 2AB, 1999.<br />

DENIS, Rafael Cardoso. <strong>Design</strong> cultura material e o fetichismo dos objetos. Arcos volume 1 número<br />

único, 1998. Disponível em: http://www.esdi.uerj.br/arcos/imagens/artigo_rafael(14a39).pdf.<br />

Acesso em:<br />

22 set. 2011.<br />

ECO, U. O hábito fala pelo monge, in: Psicologia do Vestir. 3. ed. Lisboa: Assírio e Alvim, 1989.<br />

EMBACHER, Airton. <strong>Moda</strong> e identidade: a construção de um estilo próprio. 3ª ed. São Paulo:<br />

Editora <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2004.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

G1 (Ed.). Daspu lança coleção 2010 na Praça Tiradentes. Disponível em: .<br />

Acesso em: 09 jul. 2010.<br />

JONES, Sue Jenkin. Fashion <strong>Design</strong>: Manualdo estilista. São Paulo: Cosac Naify, 2005.<br />

LENZ, Flávio. Daspu: a moda sem vergonha. Rio de Janeiro: Ed. Aeroplano, 2008.<br />

LURIE, Alisson. A linguagem das roupas. Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 1997.<br />

MORAES, Anamaria. <strong>Design</strong>: arte, artesanato, ciência, tecnologia? O fetichismo da mercadoria<br />

versus o usuário / trabalhador. In: COUTO, R. M. S.; OLIVEIRA, A. J. (org.). Formas do design: por<br />

uma metodologia interdisciplinar. Rio de Janeiro: 2AB, 1999, pp.156-191.<br />

MORRIS, Bernardine. <strong>Design</strong>s With Touch of Carmen Miranda Flair. The New York Times, Nova<br />

Iorque, p. 86. 15 nov. 1970.<br />

MUNARI, Bruno. <strong>Design</strong> e comunicação visual: contribuição para uma metodologia didática. São<br />

Paulo: Martins Fontes, 1997.<br />

NIEMEYER, Lucy. Elementos de semiótica aplicados ao design. Rio de Janeiro: 2AB, 2003.<br />

Sites (imagens utilizadas)<br />

CALHAU, Alzira. Campanha Daspu - Da Farofa ao Caviar. Disponível em: . Acesso<br />

em: 15 jul. 2010.<br />

CHIC - GLORIA KALIL (São Paulo). Redator (Ed.). Daspu pode desfilar em São Paulo. Disponível<br />

em: . Acesso em: 09<br />

jul. 2010.<br />

VIEIRA, Cristina. Daspu apresenta nova coleção em Florianópolis. Publicado em 26/06/2008.<br />

Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2010.<br />

ZIEMKIEWICZ, Nathalia. Daspu lança coleção de verão na quadra da Vai-Vai. Disponível em:<br />

. Acesso em:<br />

15 jul. 2010.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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Sites visitados<br />

A comunicação visual e design de moda: uma reflexão sobre o trabalho de Zuzu Angel e da grife Daspu<br />

DASDOIDA. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2011.<br />

DASPRE. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2011.<br />

DASPU. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2011.<br />

INSTITUTO ZUZU ANGEL. Disponível em: . Acesso em: 15 set.<br />

2011.<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

Profa. Ms. Mila Rabelo Mestre em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>.<br />

milarbl@gmail.com<br />

Profa. Dra. Cristiane Mesquita PPG Mestrado em <strong>Design</strong>: <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong><br />

<strong>Morumbi</strong>. cfmesquita@anhembi.br<br />

Resumo<br />

O presente artigo busca abordar o trabalho do designer Martin Margiela, como um<br />

criador e propositor de idéias e linguagens expressivas para o campo da moda. A<br />

partir de uma analise, embasada pela crítica genética de processos de criação,<br />

proposta pela pesquisadora Cecília de Almeida Salles, procuramos apresentar uma<br />

articulação entre estratégias de criação na arte conceitual - em especial aquelas<br />

utilizadas pelo artista Marcel Duchamp – e ações do designer belga Martin Margiela.<br />

Com tal dialogo, procuramos investigar alguns aspectos dos processos de<br />

criação do designer de moda, quando este profissional atua como problematizador<br />

de questões sobre o seu próprio campo de trabalho e como propositor de reflexões<br />

sobre o contemporâneo.<br />

Palavras-chave:<br />

Criação, design de moda, arte conceitual<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Introdução<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

Este trabalho é parte da dissertação <strong>Design</strong> de moda e arte conceitual: princípios de criação e<br />

diálogos possíveis (2011) [1], na qual propomos um diálogo entre alguns dos princípios de criação<br />

da arte conceitual e as estratégias usadas pelo designer de moda Martin Margiela. Neste artigo<br />

entretanto, focaremos os princípios de criação da Maison Martin Margiela. Buscamos apresentar<br />

aspectos da correspondência entre arte e design de moda pelo viés do processo de criação, do<br />

exercício de diferentes linguagens, ou ainda, de procedimentos produtivos.<br />

O designer de moda Martin Margiela nasceu em 1957, na Bélgica. Estudou na Academia Real de<br />

Belas <strong>Arte</strong>s da Antuérpia, uma das mais antigas do gênero na Europa possuindo grande prestígio<br />

internacional, sendo conhecida pelo treinamento dado ao aluno, que busca estimular a inovação,<br />

tendo como objetivo incentivá-los a criar e explorar formas experimentais, combinações inéditas<br />

de cores e tratamentos originais dos materiais.<br />

Margiela considera que a contribuição dessa escola em sua formação e criatividade o levou a<br />

trabalhar durante três anos como assistente de Jean Paul Gaultier. Sua trajetória profissional<br />

também inclui a participação em grandes publicações como a revista Street e a criação do catálogo<br />

3Suisses, ao lado de renomados nomes da moda. Criou para a linha feminina da marca Hermes e<br />

fundou sua própria Maison em 1988 (BAUDOT, 2005, p.341; WATSON, 2004, p.300).<br />

Ao buscarmos o trabalho de um designer de moda questionador, que trabalhasse propostas de<br />

comunicação e problematização em suas coleções, identificamos no trabalho de Margiela alguns<br />

princípios e estratégias da arte conceitual que nos parecem exercer papel criador no campo da<br />

moda, pois rompem alguns dos paradigmas dos conceitos de design e da moda.<br />

O foco no trabalho de Margiela teve como base suas ações e princípios, que reforçam seus objetivos<br />

de instigar e de questionar os valores do universo da moda, além de problematizar aspectos de alguns<br />

modos de vida contemporâneos. Essa escolha foi baseada no que ele desenvolveu ao longo de sua<br />

carreira, trabalhos que priorizam a construção de um discurso capaz de interferir, problematizar<br />

ou ainda causar um estranhamento no próprio campo da moda, além de reverberações em outros<br />

campos.<br />

Princípios e estratégias de criação<br />

O processo de criação existe como uma espécie de necessidade contínua que o artista tem de<br />

conhecer mais sobre a vida e, consequentemente, sobre si mesmo, o que o faz crescer não só<br />

como artista, mas como indivíduo social-cultural também. Assim, podemos ver a obra como uma<br />

interação do pensamento do artista com a realidade, uma forma de ver e interpretar seu universo<br />

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e seu tempo (SALLES, 2009, p.90).<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

Consideramos que a criação e o exercício insistente de romper com as estruturas vigentes no<br />

mundo da moda nos permite dizer que Martin Margiela impacta e problematiza os modos de<br />

funcionamento convencionais. Sua abordagem ímpar se multiplica em ações: os convites para os<br />

desfiles, a forma e o uso das etiqueta, a edição e produção de imagens, o design gráfico de seus<br />

catálogos e publicações, a arquitetura e o design de interiores das lojas e do atelier, e finalmente,<br />

a criação de roupas e acessórios.<br />

O tecer contínuo do desenvolvimento criativo propõe que as escolhas feitas pelo artista sejam<br />

costuradas umas às outras, como em uma grande malha de relações, onde sentidos são estabelecidos.<br />

A ação de criar, nesse aspecto, aparece, segundo Salles (2009, p.92- 93), “[...] como um processo<br />

inferencial, na medida em que toda ação, que dá forma ao sistema ou aos “mundos” novos, está<br />

relacionada a outras ações [...]”. Os rastros dessa construção são observados nos documentos<br />

de processo, onde se pode observar as escolhas do criador que “[...] manipula a vida em uma<br />

permanente transformação poética para a construção da obra”.<br />

Apresentaremos a seguir alguns princípios que consideramos permear os processos de criação da<br />

Maison Martin Margiela. Eles dialogam com alguns dos preceitos de criação identificados na arte<br />

conceitual e com alguns dos princípios de criação de Marcel Duchamp [2].<br />

1) Exercício da precariedade e do inacabamento<br />

Um dos princípios trabalhados pela Maison Martin Margiela é a exposição do acabamento da roupa,<br />

ou seja, em muitas peças as costuras, as marcações e os pespontos que ficam escondidos do<br />

lado avesso, estão à mostra do lado de fora. As linhas e as sobras de tecido de um recorte, por<br />

exemplo, fazem parte do processo de construção e elaboração de algumas peças. Com a exposição<br />

dos elementos que constituem a estrutura da peça de roupa as partes da construção e o processo<br />

de costura ficam aparentes e a roupa é desvendada em sua confecção, deixando claro como ela<br />

foi montada e costurada.<br />

Esse princípio pode ser observado na coleção de primavera-verão 1997, e na seguinte, outonoinverno<br />

1997/98. Nesses dois trabalhos, o manequim de modelagem foi explorado como ponto de<br />

partida para a coleção inteira. Foi utilizada tanto a própria forma do manequim como a ideia do<br />

que ele representa: a base para a construção de uma peça. Nessas coleções, pode-se observar<br />

jaquetas e coletes feitos em semelhança com a forma do manequim, tais como vestidos, blusas,<br />

saias e calças com aspecto de “ainda em construção”.<br />

As peças de roupa são inacabadas, umas com costuras abertas, outras com costura do lado de fora,<br />

vestidos riscados com caneta de alfaiate que marca recortes e pences da peça e ainda elementos<br />

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construtivos, como ombreiras e zíperes, costurados como na fase de experimentação da peça.<br />

Figura 1: Vestido inacabado com o forro a mostra, outono-inverno 2003/04<br />

Fonte: (MARGIELA, 2008, p.48)<br />

No desfile de primavera-verão 2006, Margiela deixou mais uma vez o processo de construção da<br />

roupa inacabado. As peças da coleção foram costuradas somente de um lado. Vestidos, saias,<br />

calças e trench coat foram desfilados com apenas um dos lados da peça construído, finalizado e<br />

costurado. Em alguns momentos, a modelo caminhava com um rolo de tecido ou com um carretel<br />

de linhas ligados à roupa.<br />

Podemos entender que esses resultados provocam críticas sobre a velocidade com a qual as<br />

empresas de moda produzem centenas de peças em tempo limitado. A vulnerabilidade do processo<br />

de construção e confecção do vestuário também é enfatizada com a colocação de fitas adesivas<br />

com o termo “frágil” que envolvem sapados e acessórios (DEBO, 2008, p.12). Entendemos também<br />

que a precariedade e o inacabamento são exercitados e explicitados de modo a provocar um certo<br />

embate com as regras do bem vestir mais convencional e do perfeccionismo que atravessa a lógica<br />

de produção do mercado, assim como as demandas dos consumidores.<br />

2) Apropriação do cotidiano<br />

Em diversas coleções, Margiela se apropria de objetos comuns diversos, mas essa estratégia<br />

de trabalho se revela ainda mais em sua linha denominada <strong>Arte</strong>sanal. A linha identificada nas<br />

etiquetas com o numero zero circulado - ‘0’ - é composta por peças elaboradas a partir de objetos<br />

e materiais já prontos. Em geral Margiela desloca o propósito inicial desses materiais e os utiliza<br />

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na construção de roupas. Podemos citar um dos mais conhecidos trabalhos dessa linha: o casaco<br />

feito com meias. As meias que compõem a clássica indumentária do exército militar, foram<br />

garimpadas em lojas de segunda mão, recortadas e costuradas de modo a constituírem um casaco.<br />

Figura 2: Casaco realizado a partir de meias, outono-inverno 1991/92<br />

Fonte: (MARGIELA, 2008, p.26)<br />

Todos os materiais utilizados nesta coleção são roupas e objetos usados e descartados por seus<br />

donos. Ao serem reapropriados, retrabalhados ou tratados especialmente para servirem de<br />

material na construção de peças de roupa, ganharam outros significados e funções.<br />

3) Ode à ausência e diluição da autoria<br />

Dentro de sua Maison, Margiela elege alguns suportes para expressar o anonimato de várias<br />

maneiras: a etiqueta costurada na roupa é uma delas. Símbolo que certifica a autenticidade de<br />

uma peça, a etiqueta agrega valor pela marca ali grifada. Na Maison Martin Margiela, ela assume<br />

a forma de um simples retângulo de algodão branco com uma numeração indicadora da linha do<br />

produto estampada, costurado manualmente na roupa. Essa ideia vai contra alguns dos vários<br />

princípios do marketing de moda. Além disso, revela a intenção de nomear as coleções, de forma<br />

simples identificando-as somente por números. Anonymity é descrita no glossário como “Uma<br />

reação contra o popularizado e disseminado sistema de celebridades, o desejo de deixar a ideia<br />

falar por si mesma” (MARGIELA, 2009, p.360, trad.nossa).<br />

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Figura 4: Etiqueta branca presa com quadro pontos de costura<br />

Fonte: (MARGIELA, 2008, p.17)<br />

Outra maneira de exercitar o anonimato se encontra na recusa do designer Martin Margiela em<br />

aparecer na passarela de seus desfiles e de ser registrado por meios fotográficos ou vídeos. Após<br />

inaugurar sua Maison em 1988, Margiela não se deixa ser fotografado, e não se apresenta para o<br />

público no final de seus desfiles. Sua figura é mantida em segredo e, juntamente com a equipe<br />

de sua Maison, divide todo o crédito dos trabalhos, passando a utilizar em seus textos e releases<br />

somente a primeira pessoa do plural. Tudo aquilo que sua marca produz é assumido como trabalho<br />

coletivo, de modo a enfatizar que não existe um “designer-celebridade” que receba todo o crédito.<br />

A opção por manifestar-se em seu discurso somente pelo pronome “nós”, demonstra também que<br />

a Maison Martin Margiela privilegia o trabalho e coloca as criações em evidência.<br />

A Maison também propõe formas de esconder a face das modelos em algumas coleções, assim<br />

como opta por modelos desconhecidas para os desfiles, em contraposição ao culto às top models.<br />

Uma das estratégias usadas em um desfile para “esconder” o rosto da modelo, foi tarjar seus olhos<br />

de preto. Em outra apresentação, os cabelos aparecem penteados de forma a cobrir o rosto. Em<br />

outro desfile são cobertos por véus feitos de tecido. As tarjas pretas se remetem ao jornalismo<br />

investigativo, entre outras instancias nas quais a identidade precisa ser preservada. A estratégia<br />

de cobrir os olhos deu origem aos óculos de sol da coleção primavera-verão 2008, batizada de<br />

“Incógnito”, pois apresenta uma peça retangular que veda a parte superior do rosto de quem usa.<br />

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Figura 5: Óculos Incógnito em duas versões.<br />

Fonte: . Acesso: 19 jun 2011<br />

Na coleção “Réplica”, podemos citar também um outro momento no qual Margiela problematiza<br />

questões sobre a autoria. Nas linhas 4 e 14, a partir de 2003, as peças são - como diz a própria<br />

etiqueta da coleção - “reproduções de vestuários encontrados de diferentes fontes e períodos”<br />

(DEBO, 2008, p.65, trad.nossa). Essas peças de alfaiataria, originarias de várias décadas, foram<br />

encontradas em brechós. O trabalho de Margiela foi restaurar, preservando o significado que as<br />

respectivas peças têm na história do vestuário, para, em seguida, colocá-las de volta à circulação.<br />

Ao reformar as peças, elas recebem a etiqueta da Maison juntamente com outra - “Replica” - onde<br />

constam informações sobre o local e o período no qual a peça foi originalmente criada.<br />

Este princípio não apenas questiona a autoria como também provoca indagações sobre o valor<br />

mercadológico daquilo que é considerado “original” ou “novo” no campo do design de moda.<br />

Figura 7: Camisa masculina da coleção Replica, detalhe da etiqueta.<br />

Fonte: (MARGIELA, 2008, p.66)<br />

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4) Subversão das hierarquias da engrenagem da moda<br />

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Em suas apresentações, Margiela também balança as estruturas vigentes em relação à “valorização”<br />

conferida aos assentos marcados nas fileiras das salas de desfile. A fila “A”, a primeira, geralmente<br />

tem vista privilegiada da passarela, e seus assentos são, em sua maioria, destinados a jornalistas,<br />

compradores, pessoas influentes e formadoras de opinião. Um lugar nessa fileira, é cobiçado pela<br />

maioria dos expectadores e por celebridades criadas pela mídia. São lugares também desejados<br />

por personalidades dos meios artísticos, tais como atores e cantores e passou a ser um símbolo de<br />

status, tanto para o convidado, “presenteado” com aquele lugar na platéia, quanto para a marca<br />

que usa de forma publicitária a presença do “espectador” famoso, prestigiando o seu desfile. No<br />

entanto, Margiela desconstrói essa hierarquia, como podemos perceber no exemplo que se segue.<br />

Em um dos desfiles da Maison Martin Margiela - primavera-verão 2007 - todo o processo de escolha<br />

para o formato do convite foi decidido a partir da matéria-prima escolhida. Optou-se pelo uso<br />

do papelão, no qual foram cortadas as letras do alfabeto que representam a numeração das<br />

fileiras em grande escala e nelas foram estampadas as informações do desfile, como data e local.<br />

A organização dos assentos, por sua vez, não estava em ordem, como de costume, a letra “A”<br />

indicando a primeira fila, a letra “B” a segunda e assim por diante. O que se viu foram convidados<br />

que seguravam orgulhosos as letras classificatórias de sua “importância” sendo surpreendidos ao<br />

perceberem que a letra “A” não representava melhor fileira que a “D” (WIERINK, 2009, p.344.a-<br />

344.b).<br />

A ideia do desfile-espetáculo é frequentemente combatida pela Maison que escolhe espaços<br />

alternativos às salas da semana de lançamento como um estádio esportivo, um supermercado<br />

abandonado, vagões de trem estacionados na estação, vitrine de loja, a própria rua, e até<br />

mesmo bares tradicionais do circuito da boemia parisiense. Esse princípio de escolha nos revela<br />

questionamentos sobre o glamour que envolve os desfiles da alta-costura francesa. Além dos<br />

lugares incomuns, também os formatos das apresentações são pensados como ações que apontem<br />

para um “fora” da instituição moda.<br />

5) Exercício poético da temporalidade<br />

O tempo, como elemento de registro de duração ou significante de transitoriedade, é incorporado<br />

no conceito de criação da marca através do uso de materiais que mostram, literalmente, sua<br />

ação sobre eles. A constante utilização de tecidos envelhecidos e de cor branca realçam estas<br />

inquietações. Interpretamos que a escolha do branco, para Margiela, revela um tempo em<br />

constante movimento, em deslocamento contínuo que deixa suas marcas nessa cor. O material<br />

branco que cobre os móveis de suas lojas e atelier foi escolhido por deixar claramente visíveis as<br />

marcas deixadas pela passagem das pessoas e pelo desgaste do tempo. Assim, em suas roupas e<br />

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O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

objetos brancos, como nos catálogos, capas de livros e nas suas embalagens, o tempo é revelado<br />

e evidenciado em sua transitoriedade (VINKEN, 2008, p.111). Nessa ação, podemos reconhecer<br />

que a valorização daquilo que é novo ou que está por vir tão comum às lógicas da moda é relevada<br />

pela insistência poética em revelar o passado.<br />

Considerações Finais<br />

Figura 8: Loja encobertos por tecido branco e tinta branca<br />

Fonte: (MARGIELA, 2008, p.21)<br />

O trajeto percorrido por Margiela na construção de sua obra e as várias formas como apresentou<br />

seus desfiles são capazes de revelar características e princípios relevantes de sua criação.<br />

Margiela desmantela valores e padrões da moda, assim como questões ligadas ao campo do design<br />

e do consumo de produtos. O designer também questiona a moda, quando esta indústria se foca<br />

primordialmente na produção, na técnica e nos lucros, de modo a se distanciar por demais do<br />

campo da criação, dos valores humanos e sociais e do produto, para além do valor de mercado.<br />

No contexto da criação da Maison Martin Margiela, um produto, pode ser interpretado para além<br />

das funções de um artigo de vestuário que acompanha as tendências de moda, agindo também<br />

como um produtor de sentido com atributos simbólicos, que supõem inúmeras relações. Em outras<br />

palavras, podemos considerar que os produtos criados pela Maison abrangem várias instancias das<br />

experiências e das expressões de vida que envolvem o tempo e o contexto nos quais o criador está<br />

inserido.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

Nesta pesquisa, o designer considerado como “criador” é aquele cujo trabalho apresenta uma<br />

dimensão poética. Seus processos e resultados sensibilizam, instigam os sentidos, promovem<br />

problematizações e inspiram ideias. O trabalho de Margiela produz questionamentos, pois ele<br />

atua como um propositor de reflexões sobre o contemporâneo, oferecendo um trabalho que parte<br />

de suas inquietações, mas instaura “novos” modos de perceber e de se relacionar com o mundo.<br />

Nossas considerações dialogam com os apontamentos de Preciosa (2005), que aborda os modos<br />

de visão de mundo a partir da prosa e da poesia. A visão da prosa seria uma maneira trivial de<br />

interação com o mundo, um modo de viver no qual nossas ações são atos obrigatórios e o trabalho<br />

se revela como uma resposta às exigências mercadológicas que seguem tendências gerais, sem<br />

expressão própria. A poesia é um outro modo de interagir: é a forma poética de ver e interpretar<br />

o mundo. Essa é a visão de um sujeito atento a “enxergar luz”, nas coisas que o cercam, em<br />

especial nas coisas ordinárias que, geralmente, passam despercebidas. Para ver além do obvio,<br />

além dos holofotes que destacam situações que ofuscam nosso olhar, é necessário estarmos<br />

atentos e sensíveis. Tais situações podem obscurecer outras que, embora discretas, não são menos<br />

importantes e revelam àqueles sensíveis indivíduos aspectos presentes da contemporaneidade.<br />

Notas<br />

[1] Este artigo foi extraído da pesquisa de dissertação intitulada <strong>Design</strong> de moda e arte conceitual:<br />

princípios de criação e diálogos possíveis, elaborada por Mila de Almeida Rabello, defendida em<br />

agosto de 2011, pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em <strong>Design</strong> da <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>,<br />

sob a orientação da Profa. Dra. Cristiane Mesquita.<br />

[2] Os principios de criação da arte conceitual e de Marcel Duchamp, são abordados no segundo<br />

capitulo da mesma dissertação.<br />

Referências<br />

BOUCHER, François. História do Vestuário no Ocidente. São Paulo: CosacNaify, 2010.<br />

DEBO, Kaat. Maison Martin Margiela ‘20’ The exhibition. In: Maison Martin Margiela ‘20’ The<br />

exhibition. Antuérpia: MoMu, 2008.<br />

MARGIELA, Maison Martin. Maison Martin Margiela. New York: Rizzoli International Publication,<br />

2009.<br />

MARGIELA, Maison Martin. Maison Martin Margiela ‘20’ The exhibition. Antuérpia: MoMu, 2008.<br />

PRECIOSA, Rosane. Produção estética. São Paulo: Ed. <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2005.<br />

SALLES, Cecília de Almeida. Gesto inacabado, processo de criação artística. São Paulo:<br />

Annablume, 2001.<br />

VINKEN, Barbara. The New Nude. In Maison Martin Margiela ‘20’ The exhibition. Antuérpia:<br />

MoMu, 2008.<br />

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<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

O design de Martin Margiela: princípios e estratégias de criação<br />

WIERINK, Vincent. Inviting, inventing for forty seasons. In: MARGIELA, Maison Martin. Maison<br />

Martin Margiela. New York: Rizzoli International Publication, 2009.<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo<br />

criativo para o ensino da arte<br />

Guilherme Radi Dias Especialista em Projeto de Interiores, <strong>Universidade</strong> Estadual de<br />

Maringá gui_radi@hotmail.com<br />

Resumo<br />

Este estudo teve por objetivo analisar a produção do artista plástico brasileiro<br />

Sergio Fingermann, buscando também, através de alguns de seus registros literários<br />

publicados na atualidade, analisar sua perspectiva e estabelecer relações<br />

com questionamentos acerca da compreensão da natureza do processo criativo. A<br />

pesquisa se estrutura em um percurso no qual é levantada a trajetória do artista<br />

e sua participação no cenário artístico brasileiro, apresentando a cronologia de<br />

sua obra, elencando sua produção e sublinhando aspectos característicos de sua<br />

poética, e selecionando alguns exemplos para análise de imagem, conjugados com<br />

os demais referenciais teóricos. O propósito da análise apresentada é fornecer,<br />

tomando o artista pesquisado como referencial, uma possibilidade de complementar<br />

e colaborar, no ensino de arte, com a discussão e a reflexão sobre o processo<br />

criativo e o desenvolvimento da linguagem autoral.<br />

Palavras-chave:<br />

Sergio Fingermann, processo criativo, ensino de arte, análise de imagem.<br />

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Introdução<br />

Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

Sergio Fingermann nasce em São Paulo, em 1953, e começa a se dedicar ao fazer artístico a<br />

partir de 1967, quando começa a estudar desenho com Ernestina Karman, até 1969. Em 1971,<br />

estudou desenho com Yolanda Mohalyi, e em 1973 viaja para a Itália. Começa a estudar pintura,<br />

em Veneza, com Mario de Luiggi, e a ter aulas de construções espaciais com Mark di Suvero,<br />

retornando ao Brasil em 1974. Nesse mesmo ano, ainda, começa a freqüentar a Escola de <strong>Arte</strong><br />

Brasil. Trabalha desde 1975 com técnicas de gravura em metal e dando aulas de pintura em seu<br />

ateliê, desenvolvendo uma obra pictórica e gráfica caracterizada pelo intimismo, pelo particular, e<br />

empenhado na construção paulatina de sua poética pessoal. As obras deste período vem apresentar<br />

tendência construtiva que se exemplifica na justaposição de representações diferentes, associando<br />

signos gráficos e misturando desenho de observação com desenho de memória, que configuram<br />

construções cenográficas, produzindo um universo singular e onírico.<br />

Em 1979 se forma em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo.<br />

A passagem pelo saber da arquitetura transparece nas escolhas e na geometria, na criação de<br />

paisagens e fachadas que jogam com cheios e vazios. Fingermann também figura entre os 123<br />

artistas que participam da exposição “Como Vai Você geração 80?”, no Rio de Janeiro, em 1984.<br />

Realizou mostras individuais destacam-se as do Museu de <strong>Arte</strong> de São Paulo (1987 e 1995), Museu<br />

de <strong>Arte</strong> Moderna do Rio de Janeiro(1992), Galeria Saint-Ravy Demangel, em Montpellier, França<br />

(1991), Instituto Moreira Salles (1996, 2001, 2003 e 2006), Pinacoteca do Estado de São Paulo<br />

(2001, 2003 e 2007) e Museu Nacional de Belas-<strong>Arte</strong>s do Rio de Janeiro (2007).<br />

Trajetoria<br />

O artista começa a sua atuação nas artes plásticas efetivamente em 1975. Na época em que<br />

começou seu aprendizado sobre o fazer artístico, os seus contemporâneos realizavam encontro<br />

em ateliês de artistas mais velhos, e que eram espaços nos quais não se estabelecia relação<br />

hierárquica entre as diversas linguagens visuais existentes, ao mesmo tempo em que tais locais<br />

funcionavam como pontos de encontro e discussão. A questão do olhar, levantada constantemente<br />

por Sergio, levou-o a freqüentar a escola do Museu de <strong>Arte</strong> de São Paulo, e depois o ateliê de<br />

Ernestina Karman. Neste espaço se promoviam encontros entre artistas convidados e estudantes,<br />

que expunham e discutiam os seus trabalhos.<br />

Desde os tempos de aprendiz em ateliês, seu olhar e sua mão educaram-se pelo ver e pelo fazer, e<br />

principalmente pela reflexão sobre o visto e o feito. Toma contato como o expressionismo alemão<br />

e com as xilogravuras japonesas, que ele tinha como exemplo de precisão e meticulosidade.<br />

Também teve contato com o trabalho gráfico de artistas brasileiros como Lívio Abramo, Marcelo<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

Grassmann, Oswaldo Goeldi e Evandro Carlos Jardim. Na gravura, Fingermann encontra uma<br />

possibilidade de ampliação dos limites do desenho.<br />

Desde seus anos estudando e trabalhando em ateliês, o artista manifesta interesse pelos motivos<br />

que levam um artista a escolher um ou outro modo de expressão. No centro desses questionamentos<br />

ocupam as especificidades das linguagens visuais do desenho e da gravura, que ele compreendia<br />

como “linguagens irmãs”.<br />

A inserção no universo gráfico se deu partindo da técnica da xilogravura, mas logo migrou para<br />

a técnica da gravura em metal. Ele também trabalha com a litogravura, que não é a sua técnica<br />

preferida. Para Fingermann (2008), a técnica parece “fria”, especialmente se comparada aos<br />

registros da construção da imagem proporcionados pela gravura em metal. “Essa é, claro, uma<br />

visão subjetiva, mas para mim a ‘lito’ não guarda a mesma experiência da temporalidade”.<br />

O percurso do artista leva marcas nítidas de sua construção artística, que são evidenciadas com<br />

o auxilio de textos nos quais descreve a busca particular pela compreensão da prática da pintura<br />

em sua essência. Trabalha na conformação e na construção de sua poética pessoal, transitando<br />

entre os territórios da arte figurativa e da arte abstrata. Em seus escritos o artista expõe o<br />

inacabamento dessa poética como prerrogativa intrínseca e constitutiva do seu processo criativo.<br />

Além de se colocar como hermeneuta das questões estéticas, Fingermann tem atuado como um<br />

crítico da carência de debates no meio artístico nacional.<br />

A mostra Como Vai Você Geração 80?, que se realiza em 1984, na Escola de <strong>Arte</strong>s do Parque do<br />

Lage, no Rio de Janeiro, foi apoiada em um contexto político de reabertura democrática, e<br />

lançou seu foco sobre a recuperação e a necessidade de reflexão ontológica do fazer da pintura,<br />

trazendo ao público obras as quais buscavam a intensa expressão e a afirmação subjetiva. Inquiria<br />

a experimentação pictórica contextualizada em uma prática rudimentar incrementada pela<br />

tecnologia e refletia sobre as relações envolvendo imagens, estilos, materiais, gestos, formas,<br />

cores, figuras etc. os artistas se utilizaram de materiais e técnicas toscas, buscaram temáticas<br />

cotidianas e se apropriaram de imagens e símbolos da comunicação.<br />

A produção desses artistas foi marcada pelo diálogo e a relação mutua entre a atividade e o<br />

pensamento, e pela cooperação de professores e estudantes de arte, e a liberdade de interpretação<br />

das obras. Os artistas paulistas tiveram participação bastante expressiva.<br />

A experiência no contexto de discussões e de efervescência artística, na qual se defendiam novas<br />

perspectivas para a pintura a partir daquela década, repercutiu no percurso de vários artistas e<br />

transparece nas características discursivas de Sergio Fingermann.<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

Os trabalhos realizados nas duas primeiras décadas – anos 70 e 80 – mostram uma inclinação para<br />

o figurativismo e uma abstração incipiente. Desaparecem os volumes e se percebe a criação de<br />

regiões de cor, transparecendo as pinceladas fluidas, prevalecendo o aspecto do rastro tradicional<br />

da mistura da tinta. Vê-se a representação de visuais urbanas, a sobreposição e a transparência da<br />

figura humana (o artista) com a paisagem citadina, elementos arquitetônicos, fachadas. Algumas<br />

destas obras assumem caráter experimental, pois o artista joga com o olhar ao se utilizar da<br />

sobreposição de elementos na composição.<br />

Nos anos 90, os trabalhos expressam a dedicação mais aberta a experimentações com o abstrato.<br />

Vemos a dissolução das formas, que resultam na indistinção entre figura e fundo. Começa a<br />

aparecer uma superfície mais clara e limpa, bem como elementos lineares participando do<br />

conjunto da composição.<br />

Trabalhando a gravura com grande propriedade, Fingermann produziu álbuns diversos. Em<br />

Cinco Formas Clássicas(Suítes), o título, que por sua vez caracteriza a estrutura da série, faz<br />

clara analogia às formas da música de concerto, cujas partes integrantes- as suítes- se definem<br />

como movimentos característicos e distintos entre si em andamento e ritmo, como o minueto,<br />

a passacaglia, a sarabanda, a courante, a alemanda, a bourrée, a gavota etc. nessa série, cada<br />

trabalho ganha um nome, e trazem paisagens imaginarias, fragmentadas, que se compõem sobre<br />

a trama cartesiana. Muitas vezes, ocorre a impressão de marcas dissonantes deixadas por riscos.<br />

Há também uma gradação tonal no plano ao fundo que remete à gravura japonesa.<br />

Em A Fábula e a Verdade (2003), vemos presente o discurso metalingüístico para expressar de<br />

forma simbólica, na representação plástica, o papel do pintor. Nessa obra, o artista conjuga os<br />

elementos de hachura com a aplicação da tinta aquarelada.<br />

O Teatro do Mundo (2005), uma série de gravuras aquareladas, na qual o artista explora, na maior<br />

parte destes trabalhos, a criação de uma composição de planos pictóricos de tramas ortogonais<br />

que configuram um plano temático cartesiano, conferindo um aspecto topológico intrínseco à<br />

estrutura global de sua produção. Vê-se presente a representação de personagens anônimos<br />

cenograficamente destacados.<br />

Em Elogio ao Silêncio(2007), joga com recursos visuais de figura e fundo, e cria pela luminosidade<br />

uma atmosfera em que as personagens se configuram como sombras que se evidenciam pelo<br />

contraste. Na pintura, explora os signos lingüísticos verbais em seu potencial formal intrínseco,<br />

no contexto da visualidade, produzindo formas cadenciadas.<br />

As qualidades formais de seu trabalho evidenciam a discussão e a questão do tempo, com o emprego<br />

eletivo de tonalidades neutras, e também tons ferruginosos que realçam elementos específicos<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

da composição, que aludem à passagem temporal. O tempo é ilustrado pela marca depositada no<br />

suporte, na superfície, pela idéia da deterioração, com o efeito plástico da pátina que se desenha<br />

sobre determinadas áreas do plano. A repetição de elementos, a aparição recorrente de formas<br />

familiares de seu repertório, de signos construídos, corroboram a imanência de sua construção<br />

poética. A parcimônia cromática é um viés que demonstra que a sua busca não se pauta sobre<br />

questões recorrentes como a emancipação da cor, ou mesmo na preocupação com a exploração<br />

das qualidades inerentes à cor em si, outrora estipulada pelos precursores da pintura moderna e<br />

contemporânea. O seu levantamento pessoal é centrado exclusivamente no conceito de criação<br />

e produção artística na pintura e de autoavaliação poética. É possível, ainda, inferir, a partir do<br />

que se observa na maior parte destes trabalhos que a preferência por uma denominação coletiva<br />

evidencia a consciência de Fingermann com relação à processualidade do discurso artístico.<br />

“O olho vê o mundo, e o que falta ao mundo para ser quadro, e o que<br />

falta ao quadro para ser ele mesmo, e, na palheta, a cor que o quadro<br />

aguarda; e, uma vez feito, vê o quadro dos outros, as respostas outras<br />

a outras faltas” (MERLEAU-PONTY, apud FRAYZE-PEREIRA, 1994, p.56).<br />

Fingermann trabalha com os recursos da repetição, da projeção, do contraste, da sombra projetada,<br />

da quebra, da ruptura, e da associação das formas. Trabalha com cores neutras, emprega tons<br />

claros, marmóreos, tons negros, tons ferruginosos etc. Trabalha com formas que, pela repetição,<br />

deixam transparecer uma familiaridade, uma escolha sólida marcante de sua poética, formas que<br />

estão nas reservas cognitivas, e que pelos tons aplicados em torno delas, se “oxidam” no suporte.<br />

Outra característica é a criação de foco luminoso, isolando e destacando figuras da composição<br />

de forma teatral.<br />

Conforme se evidencia na sua pintura, o universo narrado visualmente pelo artista se revela<br />

nas construções metafóricas que se formam na composição, produzindo personagens em roda,<br />

em cenas lúdicas, galantes, figurando em grande parte de seus trabalhos fundos formados por<br />

azulejos claros com juntas escurecidas, que formam no suporte material –por dizer, a tela- um<br />

suporte poético, amparado por um repertório em constante mutação.<br />

O artista mostra, através de um discurso imerso na analogia poética, a compreensão de que a<br />

atividade artística não apenas implica em um fazer consecutivo, como também é uma trajetória<br />

constituída de “pausas”, o que demanda um afastamento do gesto físico; o artista necessita para<br />

postergar o trabalho e se dedicar a contemplar; a participação processual não é apenas gestual,<br />

mas contemplativa; na contemplação há uma necessidade que compete ao artista na pintura, e<br />

também uma responsabilidade que permeia toda a sua poética, e que desenvolve uma postura<br />

coerente envolvida no comprometimento artístico. Como no desenvolvimento temático de uma<br />

melodia – desenvolvendo aqui uma analogia com a música -, a pausa permite a audição de novas<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

sonoridades, e permite construir intelectivamente uma linha melódica que se transforma, em seu<br />

conjunto, na obra musical; a interrupção artística na pintura e na produção visual em geral, é<br />

necessária, para se fazer notar, perceber a ressonância dos objetos do mundo. O artista não pode<br />

esquecer do seu entorno, para que possa então desenvolver o seu olhar. Este pensamento fica<br />

evidente nos seguintes poemas:<br />

O oficio do pintor<br />

Para o oficio de pintar é necessário:<br />

Educar mãos e olhos.<br />

Não ter pressa.<br />

Fazer a mão obedecer.<br />

Fazer os olhos verem diferente do que se vê.<br />

Fazer da mão instrumento de descobertas.<br />

Alimentar os olhos com imagens.<br />

Alimentar os olhos com palavras.<br />

Ouvir música.<br />

Ouvir silêncios.<br />

Aprender a ver a realização diferentemente do desejo.<br />

Insistir.<br />

Descobrir que o visível está povoado de invisíveis.<br />

Fazer o igual até descobrir o diferente.<br />

Outros ensinos do pintor<br />

Ficar em silêncio.<br />

Olhar para bem longe.<br />

Olhar bem de perto.<br />

Ler poesias.<br />

Escutar música.<br />

No escuro descobrir cores e formas.<br />

Observar atentamente as águas que passam.<br />

Conquistar tempo para não fazer nada.<br />

As paredes velhas também são ensinos para os pintores.<br />

Olhar para elas é também um aprendizado:<br />

As sucessivas camadas de Pinturas, velhas inscrições, evocam lembranças,<br />

Associações, sensações.<br />

Descobrir imagens.<br />

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Olhar uma parede velha é uma experiência que nos faz percorrer a<br />

Construção da imagem que nos seduziu.<br />

Pode-se dizer que o tempo ficou retido ali, naquela parede.<br />

Nos textos de Elogio ao Silêncio, Sergio discorre sobre os referenciais que compreende serem<br />

necessários para que o artista, de maneira geral, relacionando ao processo criativo da pintura,<br />

atue de forma consciente e enriqueça seu repertório.<br />

O artista sempre acreditou que a transmissão do saber, no ateliê, era mais enriquecedora do que<br />

no aprendizado formal – escolas e universidades. Seu posicionamento com relação ao aprendizado<br />

artístico favorece a importância da experiência da produção e do contato constante com outros<br />

artistas no ateliê, relativamente ao aprendizado escolar e acadêmico, predominantemente técnico<br />

e pragmático.<br />

Como começa uma Pintura?<br />

Uma tela em branco.<br />

Um papel em branco.<br />

Uma superfície instigante pela sua cor ou textura.<br />

Nossa ação está dividida entre a segurança das regras apreendidas<br />

E as dúvidas que nos assaltam.<br />

E é com elas que trabalhamos,<br />

Numa batalha entre o que se imagina e o que a tela<br />

Revela.<br />

É com o olhar vencido que trabalhamos.<br />

Já na primeira pincelada, naquele instante,<br />

Somos surpreendidos por um outro dizer,<br />

Não o nosso, o da Pintura.<br />

O pintor vai trabalhar a relação que se estabelece<br />

Com sua ação e o resultado dela,<br />

A relação entre sua intenção inicial e o seu desejo.<br />

O trabalho se faz nesse tenso diálogo.<br />

O trabalho se faz num jogo em que a Pintura vai organizando:<br />

Fazendo, desfazendo, refazendo.<br />

O pintor não inventa cores.<br />

Elas existem. O que ele faz é multiplica-las<br />

Na busca da cor primordial.<br />

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Como professor de desenho, Fingermann experimentou as características da função de avaliador e<br />

orientador de trabalhos de alunos, sobre o que comenta: “Às vezes alguém me trazia um trabalho<br />

e eu apenas olhava, quase em pânico; tinha de dizer algo, mas nada me ocorria. Não podia<br />

esquecer que ali havia um esforço, a pessoa estava oferecendo alguma coisa íntima que eu devia<br />

acolher com generosidade.”<br />

A prática de Fingermann se caracteriza pela interpretação simbólica, transposta no tema da<br />

composição e da forma, e pela construção oriunda de um aprendizado cumulativo. Esse<br />

aprendizado é resultante da experiência com diversos suportes e ferramentas técnicas- a dizer,<br />

especificamente, a gravura e o desenho- propiciando, assim, uma interface de conteúdos formais<br />

e soluções plásticas que vão se relacionar e se definir no conteúdo expressivo pictural; o rastro da<br />

gestualidade imprimida ao trabalho não é perceptível sob o viés do óbvio.<br />

Nas suas obras, se denota o interesse pelo poder de captura do olhar, que se manifesta em um<br />

interesse precoce do artista pela imagem. Lembra que durante sua infância, teve em mãos uma<br />

enciclopédia infantil contendo reproduções de obras de arte consagradas. Ele estabelecia um<br />

contato com o mundo que o cercava, ele interagia com o mundo, e assim se fazia a sua experiência<br />

pessoal.<br />

O percurso criador mostra-se como um itinerário recursivo de tentativas,<br />

sob o comando de um projeto de natureza estética e ética, também<br />

inserido na cadeia da continuidade e, portanto, sempre inacabado. É a<br />

criação como movimento, onde reinam conflitos a apaziguamentos. Um<br />

jogo permanente de estabilidade e instabilidade, altamente tensivo<br />

(SALLES, 2004, p.27).<br />

Essas características são descritas pelo artista como uma seqüencialidade necessária ao fazer<br />

contínuo. Como afirma Salles (2004), a condição de existência do objeto depende do crescimento<br />

e das transformações que conferirão materialidade ao artefato, mas que não ocorrem em<br />

segundos mágicos, e sim ao longo de um percurso de maturação. O tempo do trabalho é o grande<br />

sintetizador do processo criador. A concretização da tendência se dá exatamente ao longo desse<br />

processo permanente de maturação.<br />

Fingermann mostra em seus escritos, de forma lírica e perspicaz, como no processo seguido em<br />

seu fazer pictórico ele faz opções pela retirada ou pela inserção ou pela manutenção de formas<br />

pictóricas nos seus trabalhos, de signos que são desdobramentos de sua poética e de suas questões<br />

centrais. Esses elementos aplicados em suas composições se configuram em um repertório formal<br />

de emprego recorrente, constituindo o seu código artístico. Em alguns casos, usa a metalinguagem.<br />

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Destarte, seu trabalho se coloca como um exemplo possível de ser estudado, pois confronta com<br />

a questão contemporânea de fazer arte, em qualquer instância e com qualquer ferramenta –<br />

técnica e conceitual, enfatizando aspectos essenciais do pensamento e da configuração plástica<br />

relacionados ao processo criativo.<br />

Figura 1. O teatro do mundo nº 7. 2005<br />

Fonte: http://www.fingermann.com.br/<br />

Um destes inúmeros elementos expressivos que se repete enquanto motivo mas não como forma,<br />

e que se pode tomar por exemplo para fim de análise é a fonte. De sua presença na série “O teatro<br />

do mundo”, a fonte é retomada nas obras subseqüentes de “Elogio ao Silêncio”. Podemos recordar<br />

das antigas concepções da força movente do artista, da fonte mítica de Hipocrene aos pés do<br />

monte Hélicon, da qual consumiam os poetas para serem tomados de inspiração, permitindo dessa<br />

maneira ser interpretada como simbologia visual figurativa da poiesis.<br />

Como em muitas de suas obras, a fonte também divide o espaço do suporte com outros elementos,<br />

e sobre um plano onde predominam linhas em trama ortogonal. Estas assumem, na primeira<br />

imagem, formas lineares bidimensionais adquirindo caráter estruturalizante, com as quais<br />

produzem contraste formas compositivas orgânicas e de acentuada liberdade gestual.<br />

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Figura 2. Elogio ao Silencio nº 1. 2007<br />

Fonte: http://www.fingermann.com.br/<br />

Nesta outra obra, da série ‘Elogio ao Silêncio”, os elementos perdem seu aspecto linear ortogonal<br />

e se transfiguram em um plano com sugestão pictórica de blocos ou azulejos envelhecidos. Nestes<br />

casos o gesto poético leva o suporte a assumir outra grandeza, se configurando como superfície<br />

parietal. Se observa na parte inferior uma distorção na perspectiva, uma representação irregular<br />

de divisas, muros. O contraste entre luz e sombra sugerido pelo trabalho cromático destaca um<br />

nicho que contem os elementos que não tem conexão aparente.<br />

Figura 3. Elogio ao Silencio nº 12. 2007<br />

Fonte: http://www.fingermann.com.br/<br />

No terceiro trabalho se observa a fonte representada em uma composição unificada, onde se<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

percebe o movimento espontâneo da pintura. Da boca da única taça partem linhas que divergem<br />

e desenham o percurso do conteúdo, como um registro gráfico-temporal conciso do sentido em<br />

que ele se move e flui. A imagem da taça pode significar metaforicamente o continente imediato<br />

e o elemento mediador, que recolhe parcialmente o que a ele se destina, e ao mesmo tempo<br />

faz verter, incessantemente, crescendo e transbordando. Uma analogia ao conteúdo material e<br />

imaterial, que é apropriado pela mente, individual ou coletiva, e que pratica a mediação entre o<br />

exterior e o interior, e por conseqüência parte da mente essa mesma essência com um movimento<br />

diferente, transformado.<br />

A marca inexorável e indelével do tempo é refletida em sua obra, conformando um repertorio<br />

único caracterizado pela metamorfose, bem como pela deterioração, confirmando a asserção de<br />

Barbosa (2010, p106) de que “[...] em arte, a prova do tempo existe na matéria e no espaço e,<br />

portanto, o tempo em arte se configura prioritariamente na ordem visual”.<br />

Pela produção pictórica e textual de Sergio Fingermann, depreende-se a importância que assumem,<br />

para o artista, a autoanálise, a autocrítica, e a sondagem, que levam ao autoconhecimento. O<br />

ensino de arte implica em facilitação que conduz ao cumprimento desta finalidade; por este viés,<br />

o individuo se desenvolve consciência de si, e conquista independência, autonomia, ganhando o<br />

domínio de propriedades necessárias para se envolver e descobrir o seu próprio processo criativo.<br />

Conforme Fingermann, o “silêncio” é necessário para o fazer artístico; o afastamento do plano<br />

do suporte, a pausa da gestualidade e do labor para nutrir o olhar, apreendendo os componentes<br />

do meio e se apropriando da sua materialidade visível e sensível, conduzindo e participando da<br />

construção do olhar e de possibilidades – técnicas e poéticas - na criação. São procedimentos<br />

importantes, inclusive, no processo analítico da obra de arte:<br />

“Os intervalos entre ações são tão significantes quanto as próprias ações, para definir o tempo em<br />

relação ao artefato artístico” (BARBOSA, 2010, p.106). O artista deve buscar entender e conhecer<br />

o seu contexto específico, seu modo de fazer intransferível.<br />

“[...] a criatividade se elabora em nossa capacidade de selecionar, relacionar e integrar os dados<br />

do mundo externo e interno, de transforma-los com o propósito de encaminha-los para um sentido<br />

mais completo” (OSTROWER, 1977, p.69).<br />

As potências criativas devem ser compreendidas dentro da relação do indivíduo com o mundo, que<br />

vai lhe tornar possível vivenciar o desconhecido e reestruturar constantemente seus predicados<br />

dentro de uma eterna gênese. “[...] São experiências existenciais – processos de criação - que<br />

nos envolvem na globalidade, em nosso ser sensível, no ser pensante, no ser atuante. Formar é<br />

mesmo fazer” (IBIDEM).<br />

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Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

Através de Fingermann, fica evidenciado que o artista precisa, para formar seu repertório e, por<br />

conseguinte, produzir, ter a experiência sensível com o meio; a qualidade da sua produção está<br />

diretamente ligada à pesquisa e à experimentação, possibilitando o desenvolvimento de uma<br />

poética pessoal.<br />

“A experimentação está, portanto, relacionada ao conceito de trabalho contínuo. Trabalho mental<br />

e físico agindo, permanentemente, um sobre o outro” (SALLES, 2004, p.139)<br />

Segundo Preciosa (2005), a potência transformadora da arte – que é por sua vez capaz de dialogar<br />

com a complexidade da existência - , quando verdadeiramente ativada e não exclusivamente<br />

submetida aos ditames do mercado, constrói mundos, nos faz enxergar saídas, nos doa um universo<br />

intelecto-sensorial bem mais refinado, complexo.<br />

Toda produção individual parte necessariamente de um impulso inicial. Conforme se trabalha,<br />

atitudes são repensadas. Por essa necessidade do fazer constante, Ostrower (1977) nos afirma que<br />

o uso do termo inspiração deveria ser substituído, para se falar apenas em sensibilidade, pois ela<br />

é o princípio do fazer e do criar; uma vez que é pelas qualidades sensíveis que apreendemos o<br />

objeto, e intuímos, e é da matéria com que estabelecemos contato que parte a razão motriz do<br />

fazer.<br />

A análise demonstra que há, nesse percurso poético, a possibilidade de proposições de práticas<br />

que enfoquem o desenvolvimento intuitivo e a conscientização da pesquisa orientada para a coleta<br />

de informações do meio, seguida de seleção e formulação processual de construções simbólicas<br />

no contexto da poética. Conforme Ostrower (1977), o indivíduo perfaz um caminho, que é feito a<br />

partir de dados reais. Se faz pelo e no fazer artístico, levando o individuo ao conhecimento, para<br />

o qual as descobertas são necessárias.<br />

Conclusao<br />

Os ensinamentos de Sergio Fingermann se compatibilizam com a realidade contemporânea, na<br />

qual o ser humano se defronta com a celeridade das coisas e com um mundo onde pesam os<br />

valores efêmeros. Diante das reflexões do artista, abre-se a possibilidade de propor exercícios de<br />

criação no âmbito escolar, usando os conceitos abordados por ele em propostas pedagógicas para<br />

uma metodologia de prática artística, que consista em observar e usar elementos do cotidiano<br />

convertendo-os em formas expressivas através da arte, identificando no processo criativo a<br />

presença recorrente dos mesmos em um determinado número de obras.<br />

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Referencias<br />

Análise da produção de Sergio Fingermann na compreensão do processo criativo para o ensino da arte<br />

BARBOSA, Ana Mãe. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. 8.ed. São Paulo:<br />

Perspectiva, 2010. 149p.<br />

FINGERMANN, Sergio. Elogio ao Silêncio e Alguns Escritos Sobre Pintura. São Paulo: BEĨ<br />

Comunicação, 2007.<br />

FRAYZE-PEREIRA, João A. A alteridade da <strong>Arte</strong>: Estética e Psicologia. Psicologia USP. São Paulo,<br />

5(1/2), p.35-60, 1994.<br />

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1977.<br />

PRECIOSA, Rosiane. Produção estética: notas sobre roupas, sujeitos e modos de vida. 2.e ed.<br />

rev. São Paulo: Editora <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, 2005.<br />

SALLES, Cecília. Gesto inacabado: processo de criação artística. 2.ed. São Paulo: FAPESP:<br />

Annablume, 2004. 168p.<br />

Sergio Fingermann: gravura, trama de sombras. Coleção educação do olhar: artes plásticas. São<br />

Paulo: BEĨ Comunicação, 2008.<br />

Museu de <strong>Arte</strong> Contemporânea de São Paulo. Disponível em:<br />

http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo6/vaivc/index.html. acesso<br />

em 12 de agosto, 2011.<br />

Itaú Cultural. Disponível em:<br />

http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=marcos_<br />

texto&cd_verbete=3755. acesso em 12 de agosto, 2011.<br />

<strong>Arte</strong>s Plásticas. Texto de Olívio Tavares de Araújo, publicado no site do Ministério das Relações<br />

Exteriores. Disponível em: http://www.fingermann.com.br/index.php/textos_criticos/ler/artesplasticas-_site-do-ministerio-das-relacoes-exteriores_-olivio-tavares-de-araujo.<br />

Acesso: 02 de<br />

agosto, 2011.<br />

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Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de<br />

homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

Gabriela Vieira Rebouças; Graduanda de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> – UFC<br />

gabi.v.reboucas@gmail.com<br />

Francisca Raimunda Nogueira Mendes; Docente do Curso de <strong>Design</strong> de <strong>Moda</strong> – UFC<br />

nogueiramendes@hotmail.com<br />

Resumo<br />

As diferenças entre os gêneros masculino e feminino, além das biológicas, se instituíram<br />

a partir da hegemonia do primeiro sob este último, imposto por valores<br />

culturais do Ocidente, influenciando até nos modos de se vestir. Porém com o<br />

surgimento do movimento feminista, o comportamento do gênero masculino modifica-se<br />

a cada dia, o que se observa, principalmente, com relação aos cuidados<br />

com a aparência, como ocorria em alguns períodos da história. Com a evidência<br />

desse fenômeno, o artigo descreve aspectos do perfil de um grupo de homens fortalezenses,<br />

compreendendo como estes se relacionam com a moda masculina e<br />

com a atual condição do gênero.<br />

Palavras-chave:<br />

Gênero, Cultura e <strong>Moda</strong> Masculina.<br />

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Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

Introdução<br />

Um dos sentidos da moda é atrair os indivíduos através das mudanças do vestuário, a cada<br />

estação, procurando revelar a personalidade de cada um, que antes era determinada somente<br />

pelas diferenças entre os gêneros masculinos e femininos. Contudo, com surgimento de uma moda<br />

unissex, na década de 1970, elementos do vestuário feminino foram introduzidos no masculino,<br />

como o uso da cor rosa, refletindo que as individualidades não estão totalmente agregadas aos<br />

valores de comportamento idealizado por culturas tradicionais.<br />

Em vista disso, a pesquisar em moda masculina e o novo perfil do homem contemporâneo, busca<br />

focar o comportamento de um grupo de homens de Fortaleza e nas roupas que eles vestem. A<br />

moda masculina é um assunto pouco estudado nas instituições de moda local, e a elaboração deste<br />

artigo tem o objetivo de contribuir para diversificação de estudo, tanto no campo acadêmico<br />

como no profissional, desse segmento.<br />

Este trabalho inicia-se com a descrição do perfil masculino, principalmente o idealizado pela<br />

cultura nordestina, referindo-se aos autores Roberto da Matta e Gilberto Freyre. Em seguida,<br />

o movimento feminista revê como ocorreu o início da desconstrução da hegemonia masculina,<br />

e como esta se reflete nas relações do homem moderno com a aparência. E, por último, a<br />

partir das explanações dos autores João Braga, Dario Caldas e Mário Queiroz, a moda masculina<br />

apresenta-se como reflexo do contexto sociocultural dos diferentes períodos históricos até da<br />

contemporaneidade.<br />

O embasamento teórico das pesquisas bibliográficas e documentais, feitas por leituras de livros,<br />

artigos científicos, sites e blogs, foi complementado também pela pesquisa de campo fundamentada<br />

na história oral [1], através de entrevistas semiestruturadas aplicadas no salão de beleza D’Flávios<br />

[2]. Situado no bairro de relevância econômica para Fortaleza, a Aldeota, o local foi escolhido por<br />

ser próximo a shoppings, bancos e escritórios, reunindo, assim, uma boa quantidade de pessoas<br />

do gênero masculino. As entrevistas tiveram a participação de dez homens, na faixa etária de 29<br />

a 61 anos, pertencentes ás classes A e B, e que aparecem constantemente no salão.<br />

Por meio da análise de conteúdo, os depoimentos dos entrevistados foram interpretados com a<br />

finalidade de descobrir os elementos que constituem o atual perfil destes com relação ao consumo<br />

e à moda.<br />

Ser Masculino<br />

Através de ideais de comportamentos, os homens procuraram se autoafirmarem como gênero<br />

dominante na cultura ocidental ao longo da história. No século XIX, Silva (2006) explica que<br />

o conceito de masculinidade era baseado na vaidade masculina, a qual era representada na<br />

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literatura, pintura e escultura da época através de personagens másculos e viris. E nos dois<br />

séculos seguintes, a masculinidade foi definida através da negação de características consideradas<br />

femininas, como delicadeza e sensibilidade, e ensinada aos meninos a se comportarem como<br />

“verdadeiros homens”.<br />

Toda criança nasce com sua originalidade e se desenvolve num ritmo vital próprio. No momento<br />

em que começa o processo de crescimento físico, os meninos são ensinados e até estimulados a<br />

se individualizar, a se identificar como um ser violento. Os brinquedos são armas, luvas de boxe,<br />

bonecos militares em posição de guerra. Brigam de socos e pontapés com os irmãos, batem nas<br />

irmãs e nos coleguinhas mais tímidos da escola e da rua. Antes de entrar na adolescência, o pai<br />

mostra revistas ou na TV imagens de mulheres sensuais, insinuando como elas são boas (de cama),<br />

despertando no garoto uma concupiscência precoce (SILVA, 2000, p.17).<br />

Diante dessa citação, percebe-se que em algumas culturas, como é o caso da nordestina, ainda<br />

perdura a tradição dos pais desejarem que suas esposas fiquem grávidas de filhos homens, com<br />

o intuito de ensiná-los a adquirir esse comportamento dominante e agressivo. Do mesmo modo,<br />

ocorre com a educação das filhas mulheres, as quais são instruídas a terem um comportamento<br />

mais submisso aos mesmos.<br />

Além do aspecto psicológico, no Brasil, existem aspectos físicos que determinam a masculinidade<br />

de cada um. Da Matta (1997) relata sobre uma brincadeira de sua infância, na década de 1950,<br />

realizada na cidade de São João Nepomuceno, interior de Minas Gerais, chamada “Tem pente aí?”<br />

que consistia em tocar nas nádegas dos amigos a fim de descobrir como seria a reação da vítima.<br />

Caso a vítima ficasse assustada e reagisse com violência, passaria a imagem de ser homossexual.<br />

Logo, a brincadeira demonstrava o receio que os homens tinham em relação a essa parte do corpo,<br />

“[...] considerada como a parte mais feminina do corpo masculino.” (IBID, p.38) e que não deveria<br />

ter sensibilidade, ao contrário do falo, o qual representava o símbolo maior da masculinidade<br />

no que se refere ao desempenho sexual. Sendo assim, a homossexualidade, a virgindade e a<br />

impotência sexual eram vistas como desonra ao ideal do ser masculino. Nesse sentido, Grossi<br />

(2004, p.6) justifica que “uma das principais definições de masculinidade na cultura ocidental<br />

para o gênero é que o masculino é ativo. Ser ativo, no senso comum a respeito do gênero, significa<br />

ser ativo sexualmente [...]”.<br />

Algumas feições na fisionomia, como ter pelos no rosto e no peito, também eram sinônimos de<br />

masculinidade. Através da barba, do cabelo e bigode, os homens reforçavam a imagem de seres<br />

dominadores, corajosos e ativos, usando-a como atrativo sexual às mulheres.<br />

Havia pessoas que tinha “cara de homem”. Nelas, era visível uma postulada “essência masculina”<br />

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que separava os duros dos fracos, os bravos dos covardes, os meros homens dos “machos”. Nelas,<br />

a barba e, sobretudo, o bigode falavam muito alto, pois se as mulheres tinham rostos macios,<br />

rosados, e lisos (“lisos como bunda de santo”, dizia-se à boca miúda entre sorrisos), os homens<br />

eram vestidos por bigodes e cabelo, o que fazia com que todos nós cultivássemos os ralos pêlos<br />

que nasciam nas nossas caras e corpos (sobretudo nas pernas e peito) com imenso cuidado e<br />

enorme orgulho. A propósito: ter pêlo na orelha era sinal de masculinidade e de malvadeza. (Da<br />

MATTA, 1997, p.38)<br />

A caracterização descrita anteriormente representa um dos traços da personalidade do “cabra<br />

macho”, definição que se tornou comum ao gênero masculino, principalmente em relação aos<br />

homens do Nordeste. Freyre (apud Albuquerque, 2000) retrata que essa imagem foi construída<br />

como forma de resistir à modernização da região entre o final do século XIX e início do século XX.<br />

Havia a necessidade de manter a cultura local, com seus costumes tradicionais e regionalismos, e<br />

ao mesmo tempo unificá-los, com o objetivo de criar um único representante que seria o homem<br />

“macho”, aquele que defenderia sua terra das influências de outras culturas.<br />

Portanto, conclui-se que o comportamento masculino se adaptou conforme o ideal de uma<br />

personalidade única que anulasse as particularidades de cada um, a qual era confirmada por uma<br />

cultura e passada de geração a geração. Mas, o advento do movimento feminista, o qual lutava<br />

por uma igualdade entre os gêneros masculino e feminino, traria mudanças significativas dessa<br />

concepção.<br />

Feminismo e Masculinidade<br />

Após o término da Segunda Guerra Mundial, as mulheres alcançavam êxito na conquista do mercado<br />

de trabalho, mas lutavam pela igualdade de direitos políticos e pela liberdade sexual, já que as<br />

normas da sociedade patriarcal ainda insistiam na permanência das mulheres em casa, cuidando<br />

do marido e dos filhos. Diante do contexto das revoluções políticas e culturais da década de 1960,<br />

o movimento feminista aparece como um protesto contra a hegemonia masculina.<br />

Arán (2003) cita os motivos que foram impulsos para a eclosão deste movimento, os quais seriam<br />

a invenção da pílula anticoncepcional, a mudança da tradicional estrutura familiar, a inserção da<br />

mulher no mercado de trabalho e a liberdade de expressão em relação às diversidades sexuais,<br />

provocando transformações significativas no costume de o homem pertencer ao espaço público, e<br />

a mulher, ao espaço privado.<br />

As redefinições desses comportamentos questionariam sobre os papéis masculinos, como afirma<br />

Silva (2006) ao dizer que o movimento feminista trouxe alterações no modelo de masculinidade<br />

vigente, no que diz respeito à política, à sexualidade e às relações sociais e afetivas. Hollander<br />

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(1996) apresenta outra mudança causada pelo feminismo<br />

Finalmente, o ressentimento contra a moda tornou-se excessivamente<br />

politizado e associado com a ascensão e a disseminação do feminismo<br />

mais recente, entre outros movimentos. A moda feminina perdeu sua<br />

identidade como meio estético coletivo que expressa as qualidades e<br />

os sentimentos das mulheres, e passou a ser vista como uma opressão<br />

endêmica sobre estes, uma coisa gerada por uma sociedade capitalista<br />

e patriarcal para escravizar as mulheres sem o seu conhecimento<br />

(HOLLANDER, 1996, p.207).<br />

Nota-se que o feminismo pretendia superar a imagem da mulher passiva e delicada transformando-a<br />

numa mulher forte e participativa, pois Crane (2006) explica que as feministas sentiam-se presas<br />

ao padrão ideal de beleza e comportamento feminino estabelecido pela visão masculina, a qual<br />

fazia com que as mulheres se exibissem da maneira como eles gostavam de ver.<br />

Por essa razão, houve a recusa ao uso constante de peças consideradas símbolos de feminilidade<br />

da época, como saias e vestidos de cintura marcada, a favor do uso de calças, que proporcionavam<br />

maior liberdade de movimentos e, consequentemente, passaram a representar as mudanças de<br />

comportamento do gênero feminino.<br />

Figura 1: New Look Dior – 1947.<br />

Fonte: http://modadesubculturas.<br />

blogspot.com/2010/10/1940militarismo-new-look-e-carmen.html.<br />

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Figura 2: Le smoking – Yves Saint Laurent.<br />

Fonte: http://www.burdastyle.com/blog/<br />

exploring - vintage- fabric-barathea.<br />

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Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

Convém lembrar que a atitude de usar roupas masculinas como forma de protesto a hierarquia<br />

sexista não ocorreu somente na década de 1960. Dorfles (1996) relembra que as feministas<br />

sufragistas, aquelas que lutavam pelo direito ao voto feminino no começo do século XX, trajavam<br />

gravatas masculinas no intuito de se igualar ao sexo oposto, adquirindo o mesmo poder de decisão<br />

concedida a este.<br />

As roupas transmitem significados nas relações de gênero, definindo o que é apropriado para o<br />

masculino e feminino, por isso o feminismo ocasionou uma revolução em relação às roupas, pois<br />

homens e mulheres sentiram-se com maior liberdade de vestir, apesar de existirem resistências a<br />

essa modificação dos vestuários.<br />

As relações de gênero e a moda<br />

Ao longo da história, principalmente do século XIX até os dias de hoje, os indivíduos procuraram se<br />

destacar em relação aos demais, quer seja na profissão ou na vida pessoal. E a forma mais perceptível<br />

de diferenciação é o vestuário, o qual é definido pelo estilo de cada um e, essencialmente, pelo<br />

sexo, pois, segundo Carter (2003, p. 87), “cada sexo emerge de sua inserção na cultura com<br />

estruturas mentais distintas, parte das quais consiste em adquirir maneiras diferentes de habitar<br />

as roupas”.<br />

Rouse (apud Barnard, 2003) reforça essa ideia afirmando que a moda concretiza essa distinção<br />

de aparência de homens e mulheres perante a sociedade, podendo ser, também, um fator de<br />

transformação da imagem de ambos os sexos. Como ocorreu no período denominado por Lipovetsky<br />

(1989) de “a moda dos cem anos”, compreendido entre o século XIX e a década de 1950, no<br />

qual a moda feminina se mostrava mais exuberante e versátil, enquanto que a moda masculina<br />

era austera e discreta. No entanto, a partir da década de 1960, com a eclosão do movimento<br />

feminista, citado anteriormente, e das revoluções culturais na Europa, os estilistas inovaram na<br />

moda masculina, concedendo maior liberdade aos homens para seguirem seu próprio estilo.<br />

Neste período, algumas peças do guarda-roupa masculino foram introduzidas no feminino. Tal<br />

alteração nos vestuários de homens e mulheres se evidenciou na década de 1970 com o aparecimento<br />

de uma moda unissex, porém isso não significava uma igualdade total entre os sexos, como explica<br />

Lipovetsky (1989)<br />

Que os homens possam usar cabelos compridos, que as mulheres adotem<br />

em massa trajes de origem masculina, que haja roupas e magazines<br />

unissex, tudo isso está longe de ser suficiente para acreditar na idéia<br />

de uma unificação final da moda. O que vemos? Evidentemente, um<br />

movimento de redução da diferença enfática entre o masculino e o<br />

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Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

feminino, movimento de natureza essencialmente democrática. Mas<br />

o processo de “igualação” do vestuário logo revela seus limites, não<br />

prossegue até a anulação de toda diferença; seu ponto final não se<br />

identifica como logicamente se poderia pensar extrapolando a dinâmica<br />

igualitária, a uma similitude unissex radical (IBID, p.130).<br />

A diferenciação entre os sexos continuava clara nas personalidades masculina e feminina. Por<br />

mais que a definição de sexo seja relacionada à anatomia e às funções fisiológicas de homens e<br />

mulheres, nota-se que “o sexo ou a diferença sexual parece ser apenas a primeira condição da<br />

construção sócio-cultural de nossa subjetividade como homem ou como mulher” (BORIS, 2000,<br />

p.16).<br />

Desse modo, as relações de gênero estabeleceram-se através das diferenças sexuais, tornandose<br />

referência na classificação de trajes em masculino e feminino. Por isso, as definições de<br />

sexo e gênero, muitas vezes, se confundem por terem seus sentidos ligados, pois o gênero é<br />

compreendido como o conjunto de características comportamentais idealizadas para cada sexo<br />

em uma determinada cultura. Por exemplo, na cultura brasileira, a mulher é considerada feminina<br />

se ela for dedicada ao lar, aos serviços domésticos e à criação dos filhos, enquanto o homem é<br />

considerado um ser provido de masculinidade se sustentar a família e for dominador, gostar de<br />

futebol e cerveja. No entanto, em outros países ocidentais, essa ordem de costumes nem sempre<br />

é obedecida, como Barnard (2003) expõe que a função de cozinhar, da qual as mulheres são<br />

empenhadas a fazerem no ambiente doméstico, é uma atividade exercida por homens, em sua<br />

maioria, nos restaurantes, tendo como propósito a obtenção de lucro.<br />

A partir dessa explicação, Almeida (1995, p.128) conclui que “a variação cultural dos papéis<br />

femininos e masculinos, bem como dos traços de personalidade - tipos tidos como normais para<br />

cada sexo em cada cultura- [...] trazia o determinismo cultural para o campo da sexualidade”.<br />

No que concerne ao campo da moda, a cultura, como determinante de gênero, atribui valores e<br />

significados às roupas, como no caso do uso de saia por homens na Escócia, o kilt, ser habitual<br />

por representar uma tradição da nobreza escocesa (PEZZOLO, 2007). Mas, esse costume já é<br />

aderido por homens de outras cidades escocesas e até de alguns países da Europa, como a França<br />

[3] e a Suíça [4], por algumas tribos urbanas, como os punks e góticos. Alguns estilistas, como<br />

Marc Jacobs, Jean Paul Gaultier e Yves Saint Laurent também apresentaram essa proposta em<br />

seus desfiles. No Brasil, Sartori (2011) publicou uma reportagem sobre o desfile do estilista João<br />

Pimenta apresentado no São Paulo Fashion Week do dia 2 de fevereiro de 2011, no qual apareciam<br />

modelos masculinos usando saia. A ideia não foi bem aceita pelo público masculino, porque no<br />

Brasil, ela é uma peça muito associada ao público feminino e, principalmente, por não fazer parte<br />

da cultura brasileira, embora o culto ao corpo seja uma das características mais relevantes desta,<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

conforme expressa Barnard (2003)<br />

É interessante sugerir que a diferença sexual na vestimenta é assinalada<br />

pela presença ou ausência de uma certa característica, enquanto que a<br />

diferença de gênero na vestimenta encontra-se no sentido atribuído pelo<br />

membros de uma cultura à presença ou ausência daquela característica<br />

(BARNARD, 2003, p.169).<br />

Figura 3: Modelo de João Pimenta, SPFW, Inverno 2011<br />

Fonte:http://moda.ig.com.br/desfiles/spfw+joao+pimenta+desafia+<br />

os+dogmas+e+faz+masculino+impecavel/d1237980755011.html#0<br />

O uso da saia pelos homens brasileiros causaria uma revolução do modelo masculino tradicional<br />

por não haver também nenhum registro histórico do uso dessa peça no guarda-roupa deste gênero<br />

como houve na Europa. É importante destacar um fato paradoxal ocorrido no Brasil, no início<br />

do século XXI, que seria o uso de camisas masculinas na cor rosa, a qual era mais usada pelas<br />

mulheres, e que teve uma maior aceitação dos homens. Diante dessas situações contrastantes,<br />

compreende-se que os homens brasileiros são vaidosos, querem se vestir de um modo diferente,<br />

porém, não absorvem modificações mais profundas nas formas. Afinal, eles querem manter a<br />

aparência máscula bem cuidada sem tornar-se totalmente afeminados como declara Lipovetsky<br />

(1989, p.138) “reconhecemo-nos todos de essência idêntica, reivindicamos os mesmos direitos e<br />

no entanto não queremos parecer com outro sexo”.<br />

Breve histórico da moda masculina<br />

A moda masculina retratava o status social dos homens durante o período antecedente a Revolução<br />

Industrial. Através de formas de vestir exageradas, os nobres impunham sua hegemonia política e<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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Do gibão à blusa pink: análise dos padrões de consumo de um grupo de homens fortalezenses e suas relações com a moda<br />

cultural, exercendo influência estética sob demais cortesãos.<br />

Braga (2006) aponta que os adornos e as peças do vestuário feminino, como saias, brincos, perucas<br />

e sapatos de salto alto, pertenciam à indumentária masculina em diferentes períodos históricos,<br />

como na Antiguidade e na Idade Média:<br />

[...] na Mesopotâmia, há mais de 3.000 anos a.c, homens usavam brincos<br />

antes mesmo que as mulheres; na Roma Antiga, seus semelhantes<br />

usaram saias curtas (até mesmo os soldados); no início do Renascimento<br />

(século XV) usaram meias justas coloridas e túnicas curtas chamadas<br />

“gibão” (poder-se-ia dizer que seria o ancestral mais antigo do famoso<br />

e indispensável paletó atual); durante o Barroco e o Rococó(séculos<br />

XVII e XVIII) homens maquiavam-se com pó-de-arroz, usavam perucas,<br />

roupas com laços e/ou bordados, além das rendas e saltos razoáveis nos<br />

sapatos, sem falar nos tecidos ornamentados e com cores em profusão<br />

(BRAGA, 2006, p.68).<br />

Nos séculos XVII e XVIII, os homens vestiam-se com extravagância, pois os costumes baseavam-se<br />

nos valores de uma cultura de aparência, a qual teve como ícone o rei francês Luís XIV, conhecido<br />

como o Rei Sol. Contudo, a Revolução Industrial fez com que a sociedade capitalista valorizasse<br />

o trabalho como objetivo principal do homem moderno, restringindo à moda masculina peças<br />

mais sóbrias e discretas. Assim, a indumentária feminina passou a ser caracterizada pelo exagero<br />

e requinte, como símbolo da ascensão econômica dos maridos, enquanto, estes precisavam usar<br />

trajes que correspondessem às mudanças de comportamento do período, transmitindo seriedade<br />

através de suas roupas. Portanto, os contrastes das vestimentas dos gêneros se acentuavam como<br />

delineia Souza (1987)<br />

Bastante diverso é o itinerário percorrido pela indumentária masculina.<br />

Em vez de estar sujeita a ciclos, a um ritmo estético de expansão de<br />

um determinado elemento decorativo levado ao limite máximo [...], a<br />

roupa masculina se simplifica progressivamente, tendendo a cristalizarse<br />

num uniforme (SOUZA, 1987, p.64).<br />

Por conseguinte, cortes clássicos e cores, como preto e branco, foram qualificados como<br />

características principais do novo modo de vestir masculino. A moda masculina transformou-se<br />

numa necessidade e não numa variação de estilos, e que nem todos poderiam pagar pelo trabalho<br />

do alfaiate. No Brasil, até meados da década de 1930, Barros (1997) discorre que<br />

Os jovens compravam roupa do mesmo modo que seus pais e avôs<br />

haviam comprado e as etiquetas no terno eram sempre de um alfaiate,<br />

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geralmente daquele que sempre havia atendido aos homens da família.<br />

Se o terno branco, quase sempre de linho, servia para o dia-a-dia,<br />

o terno preto de tropical era necessário para ocasiões que exigiam<br />

respeito (BARROS, 1997, p.137).<br />

A moda masculina brasileira mantinha-se formal seguindo as mesmas orientações dos outros<br />

países ocidentais. Em situações descontraídas, como idas aos cinemas, exigia-se que os homens<br />

vestissem calças de alfaiataria, ternos e gravatas, para que sua imagem não fosse distorcida<br />

daquela determinada pelos costumes. As combinações mais inusitadas seriam mal vistas, do modo<br />

como descreve Barros “seria uma heresia combinar uma gravata de bolas com camisa xadrez, ou<br />

um jeans com blazer, ou uma camisa preta com um terno da mesma cor” (IBID, p.142).<br />

No começo da década de 1960, a moda masculina no Brasil começa a ser influenciada pelos efeitos<br />

das revoluções culturais que estavam ocorrendo no mundo [5], com isso foram criadas matérias<br />

de moda masculina nas revistas dedicadas a esse público, como na revista Quatro Rodas [6], no<br />

intuito de atender às exigências desse novo perfil de público masculino que surgia. Caldas (1997)<br />

classifica esse período como peacock revolution, ou seja, a revolução do pavão, que simboliza a<br />

mudança na moda masculina com a introdução de estilos diferentes do tradicional.<br />

A moda unissex e a moda sportwear fizeram com que a moda deste gênero se tornasse mais<br />

irreverente e descontraída, permitindo que o homem moderno apresentasse seu novo papel, o<br />

qual não seria totalmente relacionado ao mundo do trabalho. Apesar da geração dos yuppies [7]<br />

ter retomado essa associação da imagem masculina ao poder e à riqueza, no fim do século XX,<br />

esse novo homem tem maior liberdade de fazer suas próprias escolhas, procurando valorizar<br />

sua imagem sem ter sua masculinidade posta em questão. Ricardo Almeida e Mário Queiroz são<br />

estilistas brasileiros referências para esse novo perfil do homem contemporâneo, que procura se<br />

vestir bem em todas as ocasiões.<br />

Devido a essa mudança de comportamento, eles se interessam em seguir as tendências de moda, a<br />

irem aos salões de beleza com mais frequência e até mesmo em assumir uma identidade dissociada<br />

do ideal masculino moldado pela cultura patriarcal. Logo, o perfil do homem contemporâneo<br />

torna-se cada vez mais diversificado, o que pode ser percebido através das roupas que veste, dos<br />

objetos que consome e dos lugares que frequenta. Segundo Braga (2005), a vaidade masculina<br />

segue as regras da sociedade de consumo, ou seja, o homem informa-se sobre assuntos ligados a<br />

aparência, como moda, buscando por produtos que satisfaçam seu gosto pessoal.<br />

Com isso, a moda masculina inova-se ao se aproximar da personalidade de cada um, tentando se<br />

desvincular dos valores de comportamento idealizado do gênero masculino como reafirma Queiroz<br />

(2009)<br />

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Pensar o “indivíduo” traz novas possibilidades para esse homem que<br />

desde criança se habitou a seguir o pensamento do coletivo e a se<br />

posicionar mediante os conceitos recebidos. Nesse ponto a moda é<br />

fundamental por abrir brechas dentro dos conceitos impostos e a expor<br />

uma nova oportunidade: “seja você mesmo” (QUEIROZ, 2009, p.49).<br />

Os meios de comunicações comprovam que os gostos desse “novo homem” não se limitam apenas<br />

aos assuntos relacionados a mulheres, carros e esportes. Tornaram-se comuns a publicação de<br />

revistas dedicadas ao público masculino, como as revistas Men’s Health [8] e Alfa [9], que tratam<br />

de assuntos antes referidos ao público feminino, como moda, saúde e beleza. Outros veículos<br />

de comunicação, como o blog <strong>Moda</strong> masculina por Lula Rodrigues [10] e o programa de TV por<br />

assinatura Lado H [11], exibem novidades na moda masculina, principalmente na moda comercial.<br />

Por conseguinte, se o homem contemporâneo absorve essas informações, significa que ele, aos<br />

poucos, se identifica com essa mudança, rompendo com o padrão de se vestir bem somente no<br />

ambiente de trabalho.<br />

Essa forma de comportamento se intensificou, principalmente, após o surgimento do homem<br />

“metrossexual”, termo, que segundo Paulino (2004), foi criado pelo jornalista inglês Mark Simpson<br />

para denominar o novo homem urbano que se preocupa em manter a boa aparência, consumindo<br />

roupas de grifes e cosméticos, indo às academias e aos salões de beleza com mais frequência. A<br />

partir desse conceito, eles se sentem estimulados a cuidar da aparência como forma de valorizar<br />

a auto-estima, desviando-se do ideal de estereótipo masculino com o propósito de adequar-se às<br />

exigências da sociedade atual.<br />

Considerações sobre a moda e a vaidade masculinas em Fortaleza<br />

Ao atentar as modificações do comportamento masculino contemporâneo em diversos lugares<br />

e também no Brasil, interessa compreender o contexto local a fim de conhecer a realidade do<br />

perfil de um grupo de homens fortalezenses, buscando entender como estes se comportam com<br />

relação ao consumo, à moda e à sua condição de gênero. Para esta finalidade, foram realizadas<br />

entrevistas no salão de beleza D’Flavios, por ser um local no qual se concentrava uma amostra<br />

significativa de homens “modernos”.<br />

O salão D’Flávios localiza-se no bairro da Aldeota [12], e além de atender mulheres, o lugar é<br />

frequentado constantemente por homens, e por causa disso, possui um espaço exclusivo destinado<br />

ao atendimento destes [13]. O negócio oferece serviços, como cuidados com o cabelo, barba,<br />

bigode, manicure, e também outros mais específicos e personalizados, como tratamentos de pele<br />

e o “dia do noivo”.<br />

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Dentre o número de clientes presentes no salão durante os dias escolhidos para as entrevistas,<br />

foram selecionados dez homens na faixa etária de 29 a 61 anos, a maioria composta por homens<br />

casados, e que exercem profissões tradicionais, como advogados, militares, empresários e<br />

comerciantes. Os depoimentos mostram que eles vão ao salão de beleza porque valorizam uma<br />

imagem bem cuidada, revelando que esta é essencial para preservar a autoestima. Antônio, 29<br />

anos [14], ressaltou que preza por cuidados com a sua imagem para atrair a atenção da esposa, e,<br />

quatro entrevistados são vaidosos “na medida”, que, de acordo com Mauro, 53 anos [15], significa<br />

que não se assemelham ao comportamento do metrossexual, não se cuidam de forma exagerada.<br />

A vaidade masculina é mais percebível por razão da boa aparência que os homens são “obrigados”<br />

a apresentar no mercado de trabalho, de acordo com Garcia (2004). Por causa disso, eles<br />

costumam consumir peças de roupas, como, camisas e calças, pois segundo eles, são apropriadas<br />

a quase todas as ocasiões. Manuel, 61 anos [16], afirma que gosta de comprar camisas para fazer<br />

combinações com a gravata. Outros dois entrevistados, Paulo, 46 anos [17], e Roberto, 39 anos<br />

[18], que são mais exigentes, preferem gastar com roupas produzidas nos Estados Unidos devido<br />

ao baixo custo e melhor qualidade, ou ainda, no caso de Luís, 50 anos [19], que recorre aos<br />

serviços de alfaiataria por priorizar roupas na medida ideal do seu corpo.<br />

Alguns declararam que acompanham as tendências de moda masculina, adquirindo peças atuais,<br />

no intuito de se sentirem bem, inovando em diversas situações. Os entrevistados, Paulo e Manuel,<br />

mencionados anteriormente, também apreciam se vestir de forma mais “casual” no fim de semana,<br />

inclusive nas sextas-feiras, usando bermudas, jeans, tênis e camiseta, caracterizando o estilo<br />

definido como fridaywear [20]. José, 53 anos [21], foi o que se sobressaiu em relação aos demais<br />

ao confessar que compra com frequência cuecas e meias de cores diferentes.<br />

No que diz respeito à moda masculina, a maioria dos entrevistados concordaram que esta se<br />

diversifica ao se adaptar aos variados estilos de homens na atualidade. Luís destaca que “o<br />

cearense é criativo e inovador, e Fortaleza é uma cidade com grande potencial de moda”, pois o<br />

estado do Ceará é um dos maiores pólos de confecções do Brasil.<br />

Mauro [22] admite que a moda masculina passe por mudanças, mas não se inova tão rapidamente<br />

como a moda feminina. Do mesmo modo, sustenta Queiroz (2009, p.88), “[...] estamos falando<br />

da novidade da moda, da diferenciação semestral e dos elementos que trazem mais do que<br />

sobriedade”. Esta declaração tem a concordância de José, para quem, geralmente, essas<br />

informações não atingem o público masculino das classes C, D e E, sendo restritas somente às<br />

classes A e B. Ele ainda justifica citando o evento “Dragão Fashion Brasil” [23], que, segundo ele,<br />

é um evento divulgado, mas nem sempre acessível à maioria da população.<br />

Com relação à questão do gênero como delimitador de modos de comportamento, sobretudo na<br />

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cultura patriarcal do Nordeste, observa-se que esta ainda exerce forte influência no comportamento<br />

masculino diante das confissões dos entrevistados. Para eles, tal processo não ocorre tão fácil e<br />

rápido, como aponta Mauro, 53 anos, “na cultura nordestina, existe uma reação grande em relação<br />

à moda masculina, vai levar um pouco mais de tempo...” [24] e João, 40 anos [25], complementa<br />

que “essa mudança depende do ambiente, da cultura”. Já Ricardo, 54 anos [26], expressa seu<br />

parecer focando na relação com o sexo feminino, quando diz que “no nordeste, uma coisa que se<br />

fala, mas não se faz, o homem se mostra machista, pois tem um sentimento de posse muito forte<br />

em relação à mulher”. Ou seja, ele pode aparentar ser um homem moderno, mas, na realidade,<br />

ainda tenta manter um domínio sob o sexo oposto, resistindo, da mesma forma, em tratar da<br />

imagem e em consumir roupas masculinas mais ousadas.<br />

Porém, José [27] exprime que homens e mulheres são iguais e que “não se mede o homem do<br />

umbigo para baixo, e sim, do umbigo para cima”. Nos outros discursos sobre os conceitos de<br />

masculinidades, os demais entrevistados definiram o atual papel masculino sem mencionarem<br />

características referentes ao desempenho sexual e aos aspectos físicos, enfatizando os valores<br />

como, ética e responsabilidade com os compromissos, e a participação efetiva nas relações<br />

conjugais e familiares. Tais mudanças foram ocasionadas por causa da ascensão feminina no<br />

mercado de trabalho como justifica Calligaris (2010)<br />

[...] algumas características do machismo, felizmente, estão morrendo. Alguém que, por exemplo,<br />

diga que quer ter várias mulheres só pode ser doente. Até mesmo as respostas que se referem<br />

à presença da mulher no mercado de trabalho vão na contramão da visão machista do mundo<br />

(CALLIGARIS, 2010).<br />

Esta descaracterização do tipo “cabra macho”, como já foi descrito, se reconhece, também, na<br />

criação de salões de beleza masculinos, como exemplifica Paulo [28]. Além da preocupação com<br />

o visual, eles procuram por serviços que antes não eram tão comuns ao gênero masculino, como<br />

massagens e limpeza de pele, com a intenção de “conservar a saúde”. Para a esteticista Ana,<br />

responsável por tais serviços no salão, “eles querem se sentir iguais as mulheres no sentido de se<br />

cuidar”.<br />

De modo semelhante, estes fazem suas escolhas do vestuário sem terem a companhia feminina<br />

e compram roupas com detalhes diferentes, como camisas cor de rosa e camisetas em gola “V”,<br />

peças e cores que antes eram culturalmente associadas ao vestuário feminino. Com isso, o uso<br />

destes modelos de roupas por esses homens prova esta modificação no comportamento masculino<br />

com relação à vaidade, como reafirma Monneyron (2007)<br />

Essa função da roupa – de criar modelos que, uma vez imitados e reproduzidos, decidem<br />

representações, ditam comportamentos e antecipam mudanças – se exerce sobre as grandes<br />

estruturas da sociedade, e, é, por conseguinte, dessa maneira geral que ela pode ser observada<br />

(MONNEYRON, 2007, p.95).<br />

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Portanto, essa mudança do perfil destes consumidores masculinos de Fortaleza indica um reflexo<br />

do que acontece no contexto global. Caldas (2006) enfatiza que a atual condição do homem como<br />

gênero e como consumidor de moda faz parte das características da sociedade contemporânea,<br />

tendendo a serem mais visível nas novas “masculinidades”.<br />

O novo conceito de ser masculino corresponde às personalidades e culturas diferentes com<br />

especificidades locais, ou seja, não são todos os homens que têm opiniões em comum, conforme<br />

designei nas entrevistas que realizei em Fortaleza. Todavia, com a análise dos depoimentos dos<br />

entrevistados, supõe-se que o estereótipo masculino fixado pela cultura patriarcal não tem a<br />

supremacia marcante nos seus modos de ser e de se vestir.<br />

Considerações Finais<br />

Com o movimento feminista na década de 1960, os ideais de comportamentos de gênero<br />

desprenderam-se das regras sociais. Os questionamentos a respeito da identidade do gênero<br />

masculino fizeram com este revelasse as particularidades existentes, reforçadas pela importância<br />

com relação à aparência, principalmente com a moda. As diversificações ocorridas na moda<br />

masculina influenciadas pelo estilo de cada um são manifestações da liberdade individual proposta<br />

no período e que persiste até os dias atuais.<br />

Com isso, as relações de gênero se reconstroem através dos valores da sociedade individualista,<br />

a qual prioriza os cuidados com a estética e com o vestuário como formas de corresponder aos<br />

desejos de cada um. O que se confere na análise das respostas adquiridas na pesquisa, certificando<br />

que alguns habitantes da cidade de Fortaleza se enquadram nas características desta sociedade.<br />

Sendo assim, o perfil dos entrevistados demonstra que eles possuem uma liberdade de se cuidar<br />

de acordo com sua personalidade, porém não se definem como metrossexuais. Compram roupas<br />

com mais frequência devido ao trabalho e às outras circunstâncias, indicando que eles gostam<br />

de se diferenciar do demais. Por isso, as roupas masculinas consumidas em Fortaleza apresentam<br />

variações nos detalhes, como cores e estampas, e não nas formas, porque não se enquadram com<br />

os valores culturais do país de igualar o vestuário dos gêneros.<br />

Notas<br />

[1] O método da história oral consiste em analisar a oralidade, ou seja, a história contada<br />

pelo indivíduo, como um registro científico, contextualizando com as teorias bibliográficas e<br />

documentais (LOZANO, 2001).<br />

[2] O salão D’Flávio é um dos únicos espaços de Fortaleza dedicado ao tratamento estético<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

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masculino, e nele houve a possibilidade de entender o novo perfil desse homem, que usa roupas<br />

modernas e se preocupa com a imagem.<br />

[3] Fernandes (2008) cita o surgimento do grupo Hommes en Jupe (Homens de saia), o qual<br />

reivindicou pelo direito ao uso de saia, assim como as mulheres lutaram pelo direito ao uso<br />

de calça na década de 1960. O movimento teve como justificativa a diversificação do guardaroupa<br />

masculino, tornando a saia numa peça a ser usada normalmente por homens no dia-a-dia.<br />

Disponível em . Acesso em 30<br />

de março de 2011.<br />

[4] A empresa de confecção sueca Blaklader lançou um modelo de saia para operários de construção<br />

civil que consiste num modelo funcional com bolsos externos grandes para guardar as ferramentas<br />

e um bolso interno para objetos pessoais. Disponível em . Acesso em 30 de março de 2011.<br />

[5] Segundo Prates (2010), os movimentos culturais brasileiros, como o Cinema Novo e a Tropicália,<br />

teriam influenciado também na mudança de comportamento do homem brasileiro com relação à<br />

moda.<br />

[6] Devido ao crescimento da indústria automobilística no governo do presidente Juscelino<br />

Kubitschek (1956-1960), a revista Quatro Rodas foi fundada em agosto de 1960 pelo diretor<br />

da editora Abril Victor Civita e tratava de assuntos de interesse masculino como a indústria<br />

automobilística e roteiro de viagens. No ano de 1967, a revista Quatro Rodas foi o primeiro veículo<br />

de comunicação impressa no Brasil a falar sobre moda masculina, com matérias assinadas pelo<br />

jornalista Fernando Barros (IBIDEM).<br />

[7] Na década de 1980, surgem grupos de jovens profissionais que valorizavam o poder aquisitivo e<br />

status social, procurando demonstrá-los através do uso de paletós de grifes como Giorgio Armani.<br />

Essa expressão tem origem da palavra inglesa yup, que significa “jovem profissional urbano”.<br />

Disponível em .<br />

Acesso em 17 de abril de 2011.<br />

[8] A revista Men’s Health foi lançada no ano de 1987 nos Estados Unidos, e no Brasil, no dia 2 de<br />

maio de 2006. As primeiras edições desta revista traziam matérias referentes à saúde masculina,<br />

atualmente, estendem-se ao fitness, trabalho, à moda, tecnologia e viagem. Disponível em<br />

. Acesso<br />

em 19 de abril de 2011.<br />

[9] Lançada no dia 19 de setembro de 2010, a revista Alfa é destinada ao público masculino<br />

na faixa etária acima de 35 anos e traz uma abordagem diferente sobre este universo. Lisboa<br />

(2010) diz que a revista foi lançada no intuito de mostrar o comportamento do homem moderno<br />

de forma mais aprofundada, focando principalmente sua relação com a família, como também<br />

reportagens sobre personalidades, gastronomia, carreira, saúde e moda. Disponível em . Acesso em<br />

19 de abril de 2011.<br />

[10] Lula Rodrigues é jornalista e editor de moda masculina, autor do livro “Almanaque da<br />

<strong>Design</strong>, <strong>Arte</strong>, <strong>Moda</strong> e <strong>Tecnologia</strong>.<br />

São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> <strong>Anhembi</strong> <strong>Morumbi</strong>, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2012<br />

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moda masculina” e criador do “UEBA TV”, canal de web, que apresenta as novidades da moda<br />

masculina brasileira. Disponível em .<br />

Acesso em 01 de maio de 2011.<br />

[11] O programa Lado H é apresentado por Gastão Moreira no canal Fashion TV Brasil, que exibe<br />

reportagens sobre os variados estilos de vida do homem brasileiro. Disponível em . Acesso em 01 de maio de 2011.<br />

[12] Bairro de Fortaleza, onde se concentram os principais prédios comerciais, escritórios de<br />

advocacia, clínicas médicas e outros serviços.<br />

[13] O espaço masculino do salão D’Flávio é amplo, confortável e mais reservado. A quantidade<br />

de funcionários é composta no total de dez, dividida em duas manicures, uma recepcionista,<br />

três cabeleireiros, três esteticistas. Pelo fato de situar-se numa área movimentada e de grande<br />

desenvolvimento econômico, o salão é voltado para atender um público pertencente às classes A<br />

e B.<br />

[14] Os nomes dos entrevistados foram trocados para preservar a identidade. Entrevista realizada<br />

em 15 de abril de 2011.<br />

[15] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[16] Entrevista realizada em 26 de abril de 2011.<br />

[17] Entrevista realizada em 15 de abril de 2011.<br />

[18] Entrevista realizada em 28 de abril de 2011.<br />

[19] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[20] Na década de 1990, surge nos Estados Unidos, o hábito de frequentar o ambiente de trabalho<br />

às sextas-feiras, trajando peças casuais (CALDAS e QUEIROZ, 1997).<br />

[21] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[22] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[23] Evento de moda conceitual e comercial de grande renome no Nordeste e no Brasil, o qual<br />

revela novos talentos da moda cearense, lançando também estilistas autorais no mercado<br />

de moda cearense. Disponível em < http://www.dragaofashion.com.br/2011/sis.interna.<br />

asp?pasta=10&pagina=60>. Acesso em 09 de maio de 2011.<br />

[24] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[25] Entrevista realizada em 28 de abril de 2011.<br />

[26] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[27] Entrevista realizada em 20 de abril de 2011.<br />

[28] Entrevista realizada em 15 de abril de 2011.<br />

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