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A boca cala, o corpo fala: violência sexual, segredo e psicanálise

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A BOCA CALA, O CORPO FALA:VIOLÊNCIA SEXUAL, SEGREDO E PSICANÁLISE.Desde os primeiros passos de Freud em suas investigações sobre o obscuro arespeito do funcionamento da mente humana, a palavra era considerada como algofundamental no método psicanalítico que acabava de nascer. Isso nos faz pensar que,de alguma forma, os mistérios a respeito do <strong>segredo</strong>, o que é dito e/ou não-dito, jáestariam ali presentes.Esse trabalho apresenta uma discussão a respeito dos resultados de pesquisasobre sofrimento psíquico de mulheres adultas, acometidas por <strong>violência</strong> <strong>sexual</strong>,atendidas em hospital universitário, que mantiveram em <strong>segredo</strong> o histórico de<strong>violência</strong> <strong>sexual</strong> na infância e que o relataram pela primeira vez em atendimentopsicanalítico. Na pesquisa foi possível sistematizar os dados obtidos no trabalho deassistência psicológica e levantar hipóteses a respeito das consequências psíquicas do<strong>segredo</strong> para as pacientes, que no momento estão sendo investigadas no projeto demestrado “A função do <strong>segredo</strong>: contribuições da <strong>psicanálise</strong> ao problema da<strong>violência</strong> <strong>sexual</strong> em mulheres”, no Programa de Psicologia Clínica do Instituto dePsicologia da Universidade de São Paulo.Durante 2 anos, foi oferecido trabalho de assistência à 27 pacientes comhistórico de <strong>violência</strong> <strong>sexual</strong> em algum momento de suas vidas, com idade entre 25 e60 anos, em tratamento no ambulatório de Ginecologia de um Hospital PúblicoUniversitário, no período de março de 2009 a dezembro de 2010, encaminhadas pelaequipe médica para avaliação psicológica, onde foram realizadas em média 04entrevistas psicológicas semi-dirigidas (Bleger, 2001) com cada paciente, nas quaisconstavam questões, em especial no que diz respeito ao seguintes itens:1


1. Idade em que ocorreu pela primeira vez o ato de <strong>violência</strong> <strong>sexual</strong>, identidade doagressor e natureza do ato;2. O evento da <strong>violência</strong> é tomado como <strong>segredo</strong>?3. Existência de afeto que se apresenta quando evocada a lembrança do evento,consequências e/ou dificuldades decorrentes do evento em sua vida, do ponto devista da paciente e presença de quadro psicopatológico atual;4. Tipo de vínculo afetivo que estabelece na atualidade e vida <strong>sexual</strong> atual;5. A passagem anterior e a necessidade atual de psicoterapia, segundo as pacientes.Ao chegar para o atendimento, cada paciente era informada que deveria <strong>fala</strong>rsobre o que julgasse importante. Ao longo das primeiras entrevistas, todas as questõesque se pretendia investigar foram colocadas, na ordem que fosse mais adequada aoencaminhamento da <strong>fala</strong> da paciente. As pacientes que demandaram a continuidadedas sessões passaram a ser atendidas em processo psicanalítico, pela mesmapsicóloga.Das pacientes escutadas, 89% relataram ser a primeira experiência ematendimento psicológico e demonstraram, em sua maioria (67%), interesse emotivação em <strong>fala</strong>r com a psicóloga, de modo que algumas (22%) ficaram emprocesso analítico por período superior a 4 meses, chegando a permanecer em algunscasos por mais de ano.Constatamos que a maior parte das mulheres (89%) vivenciaram a <strong>violência</strong><strong>sexual</strong> na infância, em situações nas quais o agressor foi quase sempre (96%), homensque mantinham relacionamento próximo com a família ou parentes (pai, tios, avós,irmãos, primos ou amigos próximos), por meio de atos obscenos, sedução, carícias em2


genitálias e voyerismo, sem chegar ao ato <strong>sexual</strong> com penetração em 93% dasmulheres.Em relação ao evento da <strong>violência</strong> <strong>sexual</strong> ser tomado como <strong>segredo</strong>, foirevelado por grande parte das mulheres (78%), aquele momento da consulta comosendo a primeira vez em que <strong>fala</strong>vam sobre a experiência vivida e que até então haviasido um <strong>segredo</strong> muito bem guardado, por motivos que variaram entre “vergonha”,“medo”, “culpa”, “sufocamento” e “prazer” em 67% das mulheres.A presença de quadro psicopatológico atual foi bastante significativa,apontando para sintomas como “depressão”, “síndrome do pânico”, “ausência delibido” e “compulsão” em 93% das pacientes.Algumas não perceberam, num primeiro momento, dificuldades em relação aseus vínculos afetivos atuais, entretanto, muitas (67%) apresentaram dificuldades emrelação a vida <strong>sexual</strong> com seus parceiros, inclusive concedendo muitas vezes o ato,mesmo sem desejo. As pacientes que permaneceram em atendimento por um períodomais longo, passaram a perceber em sua maioria, uma relação entre as dificuldadesatuais e a experiência vivida no passado.Nos atendimentos psicológicos à essas pacientes, é freqüente que a temáticada <strong>violência</strong> <strong>sexual</strong> apareça “por trás” de sintomas evidentes tais como depressão eansiedade, e se faça revelada com muita dificuldade (Porto, 2006). Para a autora, osprofissionais de saúde ainda apresentam certa “miopia” com relação à questão da<strong>violência</strong> <strong>sexual</strong>, e haveria, então, uma espécie de invisibilidade por parte dosprofissionais de saúde, os quais apresentam dificuldades em <strong>fala</strong>r e escutar sobre esseassunto (Oliveira, 2007).Na visão de Oliveira et. al. (2005) e de Porto (2006), isso pode estarrelacionado às dificuldades apresentadas por profissionais de saúde no acolhimento de3


vítimas de abuso <strong>sexual</strong>, em decorrência do preconceito, de valores culturais e morais,e da própria natureza da questão, o que dificultaria a “escuta” deste tipo desofrimento.Segundo Oliveira (2007), o atendimento psicológico a essas mulheres, possuicaracterísticas próprias e demanda que os profissionais tenham formação continuada eespecífica. Faz-se necessário supervisões e/ou discussões com seus pares emdecorrência do alto grau de estresse causado aos profissionais atuantes nessesegmento (Lucânia et. al., 2008).Apesar disso, a temática da <strong>violência</strong> <strong>sexual</strong> tem sido pauta frequente nasreuniões clínicas entre psicólogos em Instituições de Saúde, posto que a práticaclínica não só inspira questões de pesquisa, mas também discussões a respeito demétodos diagnósticos e interventivos pertinentes e eficazes nestas situações (Porto,2006).Estudo realizado por Sant’Anna & Baima (2008), com mulheres acometidaspor <strong>violência</strong> <strong>sexual</strong>, atendidas em psicoterapia breve de orientação psicanalítica oufenomenológica na clínica escola de psicologia de uma Universidade na cidade deSão Paulo, revela que essas mulheres mantêm <strong>segredo</strong> em relação à <strong>violência</strong> sofrida,relatando-o pela primeira vez em atendimento psicológico, e demonstra que, mesmoem atendimentos breves, questões referentes ao abuso puderam ser trabalhadas,acarretando diminuição de sintomas decorrentes do trauma vivido.Numa tentativa de compreender o silenciamento, Azevedo (2001) verifica quegrande parte dos abusos sexuais contra crianças são cometidos por familiares oupessoas próximas da vítima, utilizando-se de ameaças e/ou conquistas de confiança eafeto das mesmas, bem como gratificações em forma de dinheiro ou presentes, o quepode aumentar a probabilidade de não haver denúncia.4


Para Oliveira et. al. (2005), mulheres violentadas resistem à busca poratendimento por acreditarem na necessidade de boletim de ocorrência e examepericial junto ao Instituto Médico Legal (IML), temendo constrangimentos.Afinal, por que o <strong>segredo</strong>? De todo modo, as conseqüências da <strong>violência</strong><strong>sexual</strong> como sofrimento psíquico e o silenciamento a seu respeito são alvo de nossointeresse enquanto objeto de investigação no presente estudo: Por que as mulheresviolentadas <strong>sexual</strong>mente sofrem em silêncio? Qual a função deste <strong>segredo</strong> na vidapsíquica destas mulheres? O que não se denuncia (o não-dito, o não-revelado) sedenunciará de outras formas, a posteriori?Faz-se necessário neste momento, que retomemos alguns conceitos de <strong>segredo</strong>em <strong>psicanálise</strong>, para que possamos ter um melhor entendimento dos caminhos quedirigiram a discussão de nosso artigo.Segundo Reznik e Salem (2010), podemos perceber uma valorização do<strong>segredo</strong> como sendo um elemento indispensável ao funcionamento psíquico, bemcomo entender a noção de <strong>segredo</strong> em <strong>psicanálise</strong> a partir de duas faces diferentes,porém não excludentes. Por um lado, é considerado como condição fundamental paraa atividade de pensar e para o funcionamento do eu, referindo-se à teoria de Freud(1908) no texto “Sobre as teorias sexuais das crianças”, ao dizer da experiência queuma criança vive no processo de descoberta de sua origem, quando se depara com osilêncio e/ou a mentira como respostas de suas questões, podendo influenciar aspercepções e o valor simbólico que adotam, colaborando para o modo de escolha doque querem ou não compartilhar, iniciando uma experiência de privacidade eliberdade. Isso pode autorizá-las também para a possibilidade de manter as suasinvestigações futuras e seus pensamentos em <strong>segredo</strong> e protegidos do olhar do outro –o prazer narcísico do neurótico. Por outro lado, o <strong>segredo</strong> se constitui como uma das5


expressões do não-dito, o <strong>segredo</strong> imposto ao sujeito, algo não-dito da história dopróprio sujeito - a transmissão psíquica entre as gerações - “cujo efeito inconscientese faz notar na produção sintomática do sujeito” (p. 93).Rosa (2003) assinala que o <strong>segredo</strong> indica duas possíveis funções: alienaçãoe/ou separação. Para a autora, o <strong>cala</strong>r aponta tanto a função de preservar experiências,sejam elas agradáveis e/ou traumáticas, quanto a função de manter essas vivênciasinacessíveis, protegidas do olhar do outro. Assim, o não-dito aponta a função dealienação por dois lados: “manter-se no refúgio narcísico e por manter-se submetido auma ordem instituída como condição para pertencer ao grupo” (p.102), bem como afunção de separação, “pois <strong>cala</strong>ndo a criança pode manter a recusa à realidadeimposta pelo adulto, uma vez que o <strong>cala</strong>r abre a possibilidade do dialogo interior,dialogo para o outro em nós”. (p.102)Neste momento, quando pensamos em <strong>segredo</strong> (o <strong>segredo</strong> como a expressãodo não-dito), cogitamos abordá-lo em três vertentes: o não-dito entre gerações(<strong>segredo</strong>s de família), o não-dito de algo recalcado (quando nada é dito porquetalvez nada se recorde de uma experiência vivida no passado) e o não-dito consciente(a escolha de alguém por não querer contar um determinado acontecimento).OS SEGREDOS DE FAMÍLIA E A TRANSMISSÃO PSÍQUICA ENTREGERAÇÕES.De acordo com Inglez-Mazzarella (2006), a presença e/ou a ausência doOutro, diz da história e pré-história de cada um de nós, considerando que o lugar deonde alguém é <strong>fala</strong>do ou pensado, decorre do que é transmitido pelo Outro e darelação intersubjetiva que se estabelece.6


Segundo a autora, a transmissão se dá pela “positividade” (o que é transmitidopelo que é dito), mas também pela “negatividade” (o que não foi dito, representado ouconstituído), “o não-dito, tanto no proibido de dizer quanto do indizível (...) oindizível no qual não há palavra para dizer e o indizível no qual as palavras sãoinsuficientes” (p.15). Interessa-nos nesse trabalho, a transmissão em negativo (oupela negatividade), já que investigamos o não-dito, o que é mantido em <strong>segredo</strong>.Assim, o passado marcará, para o bem e/ou para o mal, o presente na existência dealguém.Para Rosa (2001), pais e familiares escolhem manter <strong>segredo</strong>s não apenas poracreditar que é possível que se construa um futuro livre do passado, mas tambémcomo mecanismos de defesa, para que não precisem novamente entrar em contatocom a angústia causada por determinados temas, bem como, supondo que assim irãopoupar seus filhos de possíveis traumas. Entretanto, por estarem também submetidosaos seus próprios processos inconscientes, sem a clareza do que os faz silenciar,desconhecem os riscos e consequências que esse não-dito poderá ocasionar, “e que atransmissão ocorre apesar do não-dito, dado que fundamentada não nas palavras, masno desejo do Outro (...) Repete-se algo do desejo, não elaborado, presente como nãoditono discurso parental.” (p.128) Sendo assim, o <strong>segredo</strong> pode representar umcaráter negativo e prejudicial, já que o processo de constituição psíquica de umacriança dar-se-á a partir de uma dinâmica intersubjetiva a respeito do reconhecimentode sua própria história, por meio do Outro.A autora aponta a relação do não-dito com o sintoma de uma criança, a qualpermanece colada em uma única verdade, alienada a antigos sintomas familiares,vivenciando uma contínua repetição, de um lugar onde nem mesmo se reconhecem.Assinala que: “pode ser possível observar quando a transmissão não se efetiva ou,7


pelo menos não da forma pretendida pelos pais; ou, ainda, casos em que o que setransmite é justamente o que, segundo eles, deveria estar excluído (e por isso não édito), mas retorna, com ênfase, através de sintoma.” (p. 124)Entretanto, como menciona Rosa (2001), é possível fazer algo próprio dessaherança, sem a necessidade de que se permaneça alienado à uma história familiar, adepender de como cada sujeito maneja esse material herdado. Segundo a autora: “atransmissão é útil por permitir servir-se do passado como instrumento, para ver maisclaro e agir sem demora; tem função de ensino e exemplo – daquilo que exige umcorte para que não se repita. Desta forma, recuperar a história, tomada aqui como asmarcas do que deve ser representado, é um processo que inaugura, para cada homem,a possibilidade de ser novo e não mera repetição do luto não elaborado.” (p. 133)Posto que o inconsciente é estruturado como uma linguagem enquanto ordemque organiza o campo de toda possível experiência e laço social, portanto, está ondese <strong>fala</strong> ou onde não se <strong>fala</strong>, o sujeito estará autenticando e trazendo por meio de seudiscurso, a sua verdade. Lacan (1998[1966]) diz que “o inconsciente é o capítulo deminha história que é marcado por um branco ou ocupado por uma mentira: é ocapítulo censurado. Mas a verdade pode ser resgatada; na maioria das vezes, já estáescrita em outro lugar.” (p. 260)O NÃO-DITO COMO CONSEQUÊNCIA DE EXPERIÊNCIAS RECALCADASJá no início da <strong>psicanálise</strong>, era relevante a hipótese de que acontecimentostraumáticos pudessem ser recalcados, eventualmente retornando como sintoma<strong>corpo</strong>ral e que o sofrimento psíquico decorreria de reminiscências. Nos estudos de8


Freud (1996[1894]) fica evidente que quando da existência de uma representação outraço relativo a memória intolerável à consciência, o sujeito se defende.Desta forma, qualquer sujeito que tenha passado por um acontecimentotraumático, teria gozado de boa saúde mental até que: “(...) houve uma ocorrência deincompatibilidade em sua vida representativa – isto é, até que seu eu se confrontoucom uma experiência, uma representação ou um sentimento que suscitaram um afetotão aflitivo que o sujeito decidiu esquecê-lo, pois não confiava em sua capacidade deresolver a contradição entre a representação incompatível e seu eu por meio daatividade do pensamento”. (p.55)Nessa vertente, podemos pensar o não-dito como um <strong>cala</strong>r sobre um conteúdoque não se tem consciência. O não-dito de algo recalcado, portando inconsciente, quepode retornar como sintoma físico e/ou psíquico. Vale lembrar que segundo Freud(1996[1914]), a compulsão à repetição impulsiona de forma inconsciente, que umsujeito se coloque repetitivamente, em situações de experiências antigas dolorosas,uma maneira do sujeito, à medida em que resista à lembrança, recorde de um“esquecimento”.O NÃO-DITO CONSCIENTE E A ESCOLHA DE UM SUJEITO POR GUARDARSEGREDO.Sabemos que muitas vezes, o contar ou não contar sobre um determinadoacontecimento, faz-se de forma consciente, onde um sujeito escolhe revelar ouguardar <strong>segredo</strong>. Também sabemos que essa escolha, mesmo ocorrendo de maneiraconsciente, muitas vezes se dá em função de um funcionamento inconsciente dosujeito que <strong>fala</strong>. Sendo assim, e de acordo com Rosa (2009[2000]), devemos nos9


atentar para a relação do dito com o não-dito, lembrando que “o não-dito é umdizer que vem do lugar que se deve <strong>cala</strong>r” (p. 23), nos remetendo ao <strong>cala</strong>r sobre umconteúdo que talvez não possa ser revelado.DISCUSSÃOCom base em nossos objetivos e resultados (quantitativos e qualitativos),notamos que é comum que mulheres adultas mantenham a experiência como <strong>segredo</strong>,e que a manutenção desse <strong>segredo</strong> não denunciado na época do episódio vivido,retorne mais tarde em forma de sintoma, seja ele físico e/ou psíquico, denunciando oque não pôde ser dito. Em alguns casos pôde-se notar que os sintomas aparecem comomeios de manifestação do não dito, denunciando na atualidade aquilo que ainda nãopôde ser <strong>fala</strong>do. A concepção freudiana de sintoma pôde nos ajudar a compreenderque por meio dele a “experiência” traumática do ato da <strong>violência</strong> <strong>sexual</strong> é, ao mesmotempo, denunciada e revivida. Ademais, a <strong>sexual</strong>idade adulta é uma extensão da<strong>sexual</strong>idade infantil (Freud, 1996[1923]), assim sendo, entendemos que na tentativade impedir a angústia causada pela experiência vivida no passado, o conteúdoinconsciente estaria retornando ao consciente de forma distorcida e disfarçada pormeio de um representante, o sintoma.É dado clínico que a <strong>violência</strong> <strong>sexual</strong> se repete em muitos casos, o que pôdeser entendido como mais um dos sintomas que estariam denunciando o “não dito”, esendo assim, que a manutenção do <strong>segredo</strong> em si carece de ser bem entendida, nãoapenas pela frequência com que ocorre, mas porque nota-se que o que não é dito,10


também não é esquecido nem apagado, muitas vezes fazendo valer a proposiçãofreudiana.Muitos podem ser os aspectos que poderiam justificar a não denúncia porparte dessas mulheres violentadas. O fato da <strong>violência</strong> ser causada por alguémpróximo ou mesmo um membro da família, onde as relações de afeto estãoenvolvidas, é uma forte razão para que não haja a denúncia, com medo dasconseqüência jurídicas e legais em relação ao agressor.Outra maneira de compreendermos o <strong>segredo</strong> está no tipo de afeto vivenciadopelas pacientes, tanto no momento do episódio, bem como no momento da lembrançada experiência vivida.Existe ainda a possibilidade do sentimento de culpa e vergonha ser um fortealiado à “não denúncia” por parte dessas mulheres agredidas. A lembrança do ato,evocando alguns afetos como “Vergonha”, “Culpa” e “Prazer”, provavelmenteestimulam o <strong>segredo</strong> gerando consequências e/ou dificuldades decorrentes do eventoem suas vidas, influenciando na qualidade do vínculo afetivo que estabelecem naatualidade e da vida <strong>sexual</strong>.CONSIDERAÇÕES FINAISO trabalho nos permitiu concluir que o atendimento psicanalítico permite nãoapenas a possibilidade de compartilhar o <strong>segredo</strong>, mas que corrobora tanto pararemissão de sintomas físicos e/ou psíquicos, quanto para uma eventual mudança deposição subjetiva com relação às dificuldades relacionadas à vida <strong>sexual</strong> atual. É naconsulta com o psicólogo que, muitas delas, ao <strong>fala</strong>r do <strong>segredo</strong>, puderam tambémrelacionar o “não-dito” com as consequências e/ou dificuldades decorrentes do evento11


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAzevedo, E. C. Atendimento psicanalítico a crianças e adolescentes vitimas de abuso<strong>sexual</strong>. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 21, n. 4, p. 66-77, dez. 2001.Bleger, J. Temas de psicologia: entrevista e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.FREUD, S. (1894) As neuropsicoses de defesa. E.S.B., vol. III, Rio de Janeiro:Imago, 1996._________ (1908) Sobre as Teorias sexuais das crianças. E.S.B., vol. IX, Rio deJaneiro: Imago, 1996._________ (1914) Recordar, repetir e elaborar. E.S.B., vol. XII, Rio de Janeiro:Imago, 1996._________ (1923) A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da<strong>sexual</strong>idade. E.S.B., vol. XIX, Rio de Janeiro: Imago, 1996.Inglez–Mazzarella, T. Fazer-se herdeiro: a transmissão psíquica entre gerações. SãoPaulo: Escuta, 2006.Lacan, J. (1966) Função e campo da <strong>fala</strong> e da linguagem em <strong>psicanálise</strong>. In: Escritos.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 238-324.Lucânia, E. R. et. al. Projeto Acolher: caracterização de pacientes e relato doatendimento psicológico a pessoas <strong>sexual</strong>mente vitimadas. Temas em Psicologia,v. 16, n. 1, p. 73-82. 2008.13


Oliveira, E. M. Fórum: Violência <strong>sexual</strong> e saúde. Introdução. Cadernos de SaúdePública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 455-458, fev. 2007.Oliveira, E. M. et. al. Atendimento às mulheres vitimas de <strong>violência</strong> <strong>sexual</strong>: umestudo qualitativo. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 39, n. 3, p. 376-382, jun.2005.Porto, M. Violência contra mulheres e atendimento psicológico: o que pensam os/asgestores/as municipais do SUS. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 26, n. 3,p. 426-439, set. 2006.Reznik, D. D. e Salem, P. Duas faces da noção de <strong>segredo</strong> em Psicanálise. Cadernode Psicanálise, Rio de Janeiro, ano XXXII, n. 23, p. 93-105. 2010.Rosa, M. D. O não-dito como operador na clínica com crianças e adolescentes. In:Pacheco Filho, R. A. et. al. (org.). Novas contribuições metapsicológicas à clínicapsicanalítica. Taubaté: Cabral, 2003.p. 97-113.Rosa, M. D. (2000) Histórias que não se contam: o não-dito e a <strong>psicanálise</strong> comcrianças e adolescentes. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2009.Rosa, M. D. O não-dito familiar e a transmissão da história. Revista Psychê, SãoPaulo, ano V, n. 8, p. 123-137. 2001.Sant’anna, P. A. e Baima, A. P. S. Indicadores clínicos em psicoterapia com mulheresvítimas de abuso <strong>sexual</strong>. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 28, n. 4,p. 728-741. 2008.14

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