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TRAÇOS DO COTIDIANO NAS MINAS DE OURO:A ESTRUTURA PRODUTIVA E O TRABALHO ESCRAVO NAS UNIDADESMINERADORAS SETECENTISTASFlávia Maria da Mata ReisMestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da UniversidadeFederal de Minas GeraisResumoEste artigo buscou identificar elementos do cotidiano das explorações auríferas emMinas Gerais durante o período colonial, a partir de dois eixos de análise.Primeiramente, centrou-se na estrutura produtiva das unidades mineradorassetecentistas, constatando-se que a característica mais marcante foi uma produçãodiversificada, com a mineração realizada paralelamente a outras atividades, sobretudo aagropecuária. A diferença era a dimensão dessas unidades, tanto em termos de mão-deobraescrava, quanto em tamanho e diversidade das propriedades possuídas. Emsegundo, focou-se no trabalho escravo, observando-se que, além das suas obrigaçõesdiárias nas explorações, os cativos também tinham direitos instituídos no espaço daslavras.Palavras-chave: mineração aurífera; estrutura produtiva; trabalho escravo; MinasGerais; século XVIIISessão temática: História econômica e demografia histórica – H2 Família e cotidianoem Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX ou H5 A formação do espaço econômicomineiro.

TRAÇOS DO COTIDIANO NAS MINAS DE OURO:A ESTRUTURA PRODUTIVA E O TRABALHO ESCRAVO NAS UNIDADESMINERADORAS SETECENTISTASFlávia Maria da Mata ReisMestre em História pelo Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em História da Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> GeraisResumoEste artigo buscou i<strong>de</strong>ntificar elementos <strong>do</strong> <strong>cotidiano</strong> das explorações auríferas emMi<strong>nas</strong> Gerais durante o perío<strong>do</strong> colonial, a partir <strong>de</strong> <strong>do</strong>is eixos <strong>de</strong> análise.Primeiramente, centrou-se na <strong>estrutura</strong> <strong>produtiva</strong> das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>rassetecentistas, constatan<strong>do</strong>-se que a característica mais marcante foi uma produçãodiversificada, com a mineração realizada paralelamente a outras ativida<strong>de</strong>s, sobretu<strong>do</strong> aagropecuária. A diferença era a dimensão <strong>de</strong>ssas unida<strong>de</strong>s, tanto em termos <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>obraescrava, quanto em tamanho e diversida<strong>de</strong> das proprieda<strong>de</strong>s possuídas. Emsegun<strong>do</strong>, focou-se no trabalho escravo, observan<strong>do</strong>-se que, além das suas obrigaçõesdiárias <strong>nas</strong> explorações, os cativos também tinham direitos instituí<strong>do</strong>s no espaço daslavras.Palavras-chave: mineração aurífera; <strong>estrutura</strong> <strong>produtiva</strong>; trabalho escravo; Mi<strong>nas</strong>Gerais; século XVIIISessão temática: História econômica e <strong>de</strong>mografia histórica – H2 Família e <strong>cotidiano</strong>em Mi<strong>nas</strong> Gerais nos séculos XVIII e XIX ou H5 A formação <strong>do</strong> espaço econômicomineiro.


Traços <strong>do</strong> Cotidiano <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong> <strong>de</strong> <strong>ouro</strong>:a <strong>estrutura</strong> <strong>produtiva</strong> e o trabalho escravo <strong>nas</strong> unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras setecentistas 1Com o intuito <strong>de</strong> apresentar alguns elementos que constituíam o <strong>cotidiano</strong> das exploraçõesauríferas <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong> coloniais, este artigo centrou-se, por um la<strong>do</strong>, na análise da <strong>estrutura</strong> <strong>produtiva</strong>das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras típicas <strong>do</strong> setecentos e, por outro, na dinâmica <strong>do</strong> trabalho escravo noespaço das lavras.Para uma aproximação mais pontual <strong>do</strong> funcionamento <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> minera<strong>do</strong>ra, asfontes <strong>do</strong>cumentais aqui consi<strong>de</strong>radas foram aquelas <strong>de</strong> natureza cartorária, em especial, ostestamentos e inventários post-mortem. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-se a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> analisar a exploraçãoaurífera por to<strong>do</strong> o território das Mi<strong>nas</strong> ao longo <strong>do</strong> qual se esten<strong>de</strong>u, o cenário <strong>de</strong>limita<strong>do</strong> para esteestu<strong>do</strong> correspon<strong>de</strong> à região on<strong>de</strong> aquela ativida<strong>de</strong> se apresentou <strong>de</strong> forma mais dinâmica, ou seja,as Comarcas <strong>de</strong> Vila Rica e <strong>do</strong> Rio das Velhas. Assim, para as análises <strong>do</strong>ravante apresentadas,foram seleciona<strong>do</strong>s 68 minera<strong>do</strong>res (<strong>de</strong> 145 pesquisa<strong>do</strong>s), sen<strong>do</strong> 13 pertencentes ao termo <strong>de</strong> VilaRica (1740-1784) 2 , 38 ao <strong>de</strong> Vila <strong>do</strong> Carmo/Mariana (1725-1798) e 17 ao <strong>de</strong> Sabará (1722-1779).Para o rastreamento <strong>de</strong> inventários e testamentos <strong>de</strong> indivíduos que, em vida, <strong>de</strong>dicaram-se àmineração aurífera, duas outras fontes <strong>do</strong>cumentais forneceram informações imprescindíveis: a lista<strong>de</strong> homens abasta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1756 3 e os livros <strong>de</strong> registros <strong>de</strong> cartas <strong>de</strong> data e águas minerais daGuardamoria <strong>de</strong> Vila Rica. Os nomes <strong>de</strong> minera<strong>do</strong>res encontra<strong>do</strong>s nestes <strong>do</strong>cumentos foramcruza<strong>do</strong>s com os índices onomásticos disponíveis nos arquivos históricos pesquisa<strong>do</strong>s 4 . Partin<strong>do</strong>-se<strong>do</strong> pressuposto <strong>de</strong> que nos inventários <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res mais ricos era maior a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seencontrar as unida<strong>de</strong>s <strong>produtiva</strong>s mais complexas, a lista <strong>de</strong> 1756 foi tomada como ponto <strong>de</strong> partida.Cabe mencionar que 36 (52,9%) <strong>do</strong>s indivíduos da amostragem correspon<strong>de</strong>m a minera<strong>do</strong>res que,<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com a referida lista, foram consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s abasta<strong>do</strong>s.Contu<strong>do</strong>, o estu<strong>do</strong> não ficou circunscrito aos minera<strong>do</strong>res mais abasta<strong>do</strong>s. Com o intuito <strong>de</strong>investigar também a <strong>estrutura</strong> das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras mais simples, outros indivíduos forampesquisa<strong>do</strong>s. Nesse caso, o critério principal usa<strong>do</strong> na sua i<strong>de</strong>ntificação, seleção ou <strong>de</strong>scarte <strong>de</strong> seusinventários/testamentos foi a presença <strong>de</strong> lavras/datas/terras minerais entre os bens <strong>de</strong> raizdiscrimina<strong>do</strong>s.Perfil <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res pesquisa<strong>do</strong>sEm que pese o fato <strong>de</strong> um total <strong>de</strong> 68 minera<strong>do</strong>res ser um número pequeno perante ouniverso <strong>de</strong> indivíduos que se <strong>de</strong>dicaram à busca <strong>do</strong> <strong>ouro</strong>, acredita-se, contu<strong>do</strong>, que o mesmocontém exemplares característicos das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras que se <strong>de</strong>senvolveram <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong>. Para1 Este trabalho é fruto da dissertação <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> intitulada “Entre faisqueiras, catas e galerias: explorações <strong>do</strong> <strong>ouro</strong>,leis e <strong>cotidiano</strong> <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong> <strong>do</strong> século XVIII”, <strong>de</strong>fendida junto ao Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em História da UFMG,em outubro <strong>de</strong> 2007. A pesquisa contou com o apoio financeiro <strong>do</strong> CNPq e <strong>do</strong> ICAM.2 É preciso esclarecer que só foi possível consultar os inventários/testamentos <strong>do</strong> termo <strong>de</strong> Vila Rica a partir da década<strong>de</strong> 1740, visto que, quan<strong>do</strong> as pesquisas foram realizadas (mar-abr/2006), os <strong>do</strong>cumentos <strong>de</strong> perío<strong>do</strong> anterior nãoestavam disponíveis <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a um projeto firma<strong>do</strong> entre a Casa <strong>do</strong> Pilar e o Arquivo Público Mineiro para amicrofilmagem <strong>do</strong>s mesmos.3 A referida lista <strong>do</strong>s homens mais ricos da capitania <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais foi feita em 25 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1756, pelo Prove<strong>do</strong>r daFazenda, Domingos Pinheiros, em cumprimento à or<strong>de</strong>m enviada em março <strong>do</strong> mesmo ano pelo secretário <strong>do</strong>sDomínios Ultramarinos, Diogo <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça Corte-Real. Assim, tal como lhe fora recomenda<strong>do</strong>, o Prove<strong>do</strong>r,“particular e secretamente”, apresentava as relações “<strong>do</strong>s homens <strong>de</strong> negócio, mineiros e roceiros que vivem nestasMi<strong>nas</strong> mais abasta<strong>do</strong>s” e, da mesma forma, enviava uma outra constan<strong>do</strong> “<strong>do</strong> número das cargas <strong>de</strong> fazendas, que pelodiscurso <strong>de</strong> um ano po<strong>de</strong>m entrar para as mesmas Mi<strong>nas</strong>”. AHU-MAMG. Caixa 70; Docs. 40 e 41. 25 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1756.Diogo <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça Corte-Real comunicava ainda ao Prove<strong>do</strong>r da Fazenda que sua or<strong>de</strong>m fosse executada combrevida<strong>de</strong> e transmitida para o inten<strong>de</strong>nte da casa <strong>de</strong> fundição <strong>do</strong> Sabará, ao ouvi<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Serro Frio e ao inten<strong>de</strong>nte dacasa <strong>de</strong> fundição <strong>de</strong> Goiás. Pelo contexto histórico em que foi produzida, é muito provável que essa lista tenha si<strong>do</strong> feitacom o objetivo <strong>de</strong> se i<strong>de</strong>ntificar as pessoas mais capacitadas para contribuir com a Coroa na reconstrução <strong>de</strong> Lisboa,então <strong>de</strong>struída pelo terremoto <strong>de</strong> 01 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1755.4 Casa <strong>do</strong> Pilar <strong>de</strong> Ouro Preto – Arquivo Judiciário (CPOP-AJ); Casa Setecentista <strong>de</strong> Mariana (CSM); Casa BorbaGato/Cartório <strong>do</strong> Segun<strong>do</strong> Ofício (CBG/CSO).1


um melhor entendimento das questões aqui abordadas, a seguir são apresentadas algumasinformações que conformam o perfil <strong>do</strong> grupo <strong>de</strong> minera<strong>do</strong>res trabalha<strong>do</strong>s.TABELA 1Características gerais <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res pesquisa<strong>do</strong>sTERMOTERMO DE TERMO DE TERMO DEVILA RICA SABARÁ MARIANATOTAL %Inventários / Testamentos 13 minera<strong>do</strong>res 17 minera<strong>do</strong>res 38 minera<strong>do</strong>res 68Perío<strong>do</strong>1740-1784 1722-1779 1725-1798 1722-1798100SexoFeminino 00 01 02 03 4,4Masculino 13 16 36 65 95,6Português 11 08 27 46 67,6Naturalida<strong>de</strong>Luso-brasileiro 01 01 03 05 7,4Africano 00 01 01 02 2,9N. i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> 01 07 07 15 22,1Condição Livre 13 16 37 66 97,1Social Forro 00 01 01 02 2,9Solteiro 07 06 12 25 36,8Esta<strong>do</strong>Casa<strong>do</strong> 04 07 20 31 45,6Civil (1) Viúvo 01 04 06 11 16,2Coronel 00 01 02 03PatentesMilitaresCapitão (mor) 04 04 05 13M. <strong>de</strong> Campo 00 01 01 02Sargento (mor) 01 00 06 07Tenente 00 00 04 04Alferes 00 03 02 05Fonte: Inventários e testamentos da CSM, CPOP e CBG.(1)Para um minera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> termo <strong>de</strong> Vila Rica não foi possível i<strong>de</strong>ntificar o esta<strong>do</strong> civil.50A TAB. 1 traz as características gerais <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res, i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong>-os por sexo,naturalida<strong>de</strong>, condição social e esta<strong>do</strong> civil. Traz ainda a quantida<strong>de</strong> daqueles que ocupavam postosmilitares.O primeiro da<strong>do</strong> que salta à vista é o pre<strong>do</strong>mínio masculino no espaço das lavras minerais.Com efeito, <strong>do</strong>s 68 inventários seleciona<strong>do</strong>s, ape<strong>nas</strong> 03 mulheres, quan<strong>do</strong> faleceram, tinham bens<strong>de</strong> raiz liga<strong>do</strong>s à mineração no casal. Mariana Corrêa Oliveira, natural <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro e criada<strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong> 5 , era casada com o abasta<strong>do</strong> minera<strong>do</strong>r português João Pinto Álvares, com quem tivera11 filhos, entre eles, Francisca Pinta <strong>de</strong> Oliveira, casada com o também abasta<strong>do</strong> minera<strong>do</strong>rAntônio Duarte 6 . Mora<strong>do</strong>ra no Morro da Passagem, termo <strong>de</strong> Mariana, quan<strong>do</strong> falecera em 1748, ocasal tinha um monte-mor muito consi<strong>de</strong>rável, avalia<strong>do</strong> em 32:164$500 réis. O bem maisimportante e valioso era uma lavra “com sua água metida em a qual lavra trabalha a talho aberto”,com suas casas <strong>de</strong> vivenda e senzalas cobertas <strong>de</strong> telha, juntamente com um plantel <strong>de</strong> 86 escravos 7 .Nos arrabal<strong>de</strong>s da Vila <strong>do</strong> Carmo, Rosa da Silva Torres, negra forra e <strong>de</strong> nação Coura, seestabelecera <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> comprar sua liberda<strong>de</strong> por 2 libras e ¼ <strong>de</strong> <strong>ouro</strong>. Casara-se com o também5 Consulta <strong>do</strong> Conselho Ultramarino sobre o requerimento <strong>de</strong> João Pinto Alves [...]. AHU-MAMG. Caixa 30; Doc. 36;data: 02/12/1735. João Pinto Álvares estava entre os minera<strong>do</strong>res abasta<strong>do</strong>s da lista <strong>de</strong> 1756.6 Carla Almeida, ao estudar especificamente os homens ricos da lista <strong>de</strong> 1756, i<strong>de</strong>ntificou um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong>ligações entre eles, sobretu<strong>do</strong> por meio <strong>de</strong> casamentos. As informações por ela obtidas permitem afirmar que aen<strong>do</strong>gamia era uma prática comum <strong>de</strong>ntro daquele grupo: “sugerem que estes homens se i<strong>de</strong>ntificavam enquanto umgrupo específico e usavam os arranjos matrimoniais como mecanismo <strong>de</strong> auto-proteção”. ALMEIDA, Carla MariaCarvalho <strong>de</strong>. Homens Ricos, Homens Bons: produção e hierarquização social em Mi<strong>nas</strong> colonial, 1750-1822. Niterói:PPH-UFF, 2001. Tese (Doutora<strong>do</strong> em História).7 Inventário <strong>de</strong> OLIVEIRA, Mariana Corrêa. CSM, Códice 46, auto 1050, 1º ofício, ano 1748. fl 18v.2


preto forro, Antônio da Costa Barbosa, e juntos tinham “um serviço <strong>de</strong> mina <strong>de</strong> escadas com algunsburacos no morro <strong>de</strong> Santana que houve por compra que <strong>de</strong>le fez a Damião <strong>de</strong> Oliveira [...]” 8 . Parao trabalho nos serviços minerais e em uma rocinha sita na estrada “que vai para o morro <strong>de</strong>Itacolomi”, contavam com 11 escravos, entre homens e mulheres, sen<strong>do</strong> 10 em ida<strong>de</strong> <strong>produtiva</strong> 9 .Com um monte-mor razoável, que girava em torno <strong>de</strong> 3:220$000 10 , os serviços minerais, <strong>de</strong>ntre osbens <strong>de</strong> raiz discrimina<strong>do</strong>s, eram os que menos valiam – ape<strong>nas</strong> 30$000 (20/8as) –, embora asmi<strong>nas</strong> fossem <strong>produtiva</strong>s, como atestam as 32/8as <strong>de</strong> <strong>ouro</strong> em pó e as “lavagens extraídas”, que omari<strong>do</strong>-inventariante <strong>de</strong>veria dar conta <strong>do</strong> seu rendimento <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> apuradas. Em 1742, quan<strong>do</strong> anegra falecera, a renda <strong>do</strong> casal era ainda completada com o aluguel <strong>de</strong> duas casas <strong>de</strong> morada na rua<strong>de</strong> Santana da Vila <strong>do</strong> Carmo e com o comércio <strong>de</strong> uma venda.No Arraial <strong>de</strong> São Vicente, termo <strong>de</strong> Sabará, encontrava-se Maria da Costa, também pretaforra, possui<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> uma data <strong>de</strong> terras minerais chamada a “Cata Gran<strong>de</strong>” e <strong>de</strong> “outra data <strong>de</strong> terrana paragem chamada <strong>de</strong> o Passatempo neste distrito, com seu rego <strong>de</strong> água” 11 . Mulher solteira,quan<strong>do</strong> faleceu em 1767, tinha 4 filhas e 3 filhos, fican<strong>do</strong> o mais velho <strong>de</strong>les, Jacinto Luís da Costa,por testamenteiro, tutor e inventariante <strong>do</strong>s bens. Certamente era ele quem também ajudava ouadministrava o trabalho <strong>de</strong> pelo menos 07 escravos <strong>nas</strong> datas 12 , visto que, no <strong>de</strong>senrolar <strong>do</strong> processo<strong>de</strong> inventário, foi acusa<strong>do</strong> pelos outros her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> má administração <strong>do</strong>s bens e <strong>de</strong> não prestarconta <strong>do</strong>s mesmos.Embora ape<strong>nas</strong> essas 03 mulheres tenham si<strong>do</strong> encontradas, é váli<strong>do</strong> acrescentar que, nosinventários pesquisa<strong>do</strong>s, pelo menos 25 viúvas <strong>de</strong> minera<strong>do</strong>res foram as inventariantes da herança,sen<strong>do</strong> que muitas <strong>de</strong>las foram também as tutoras e administra<strong>do</strong>ras <strong>do</strong>s bens e <strong>do</strong>s órfãos <strong>do</strong> casal.Tal constatação sugere que, muitas vezes, estas mulheres não foram meras coadjuvantes em ummeio <strong>do</strong>mina<strong>do</strong> pelo masculino e que acabavam toman<strong>do</strong> parte nos negócios minerais 13 .O segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong> da TAB. 1 refere-se à naturalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res da amostragem. Comopo<strong>de</strong> ser observa<strong>do</strong>, cerca <strong>de</strong> 67,6% era <strong>de</strong> origem portuguesa e, na verda<strong>de</strong>, este número <strong>de</strong>veriaser maior, caso fosse possível i<strong>de</strong>ntificar a origem <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os minera<strong>do</strong>res. Contu<strong>do</strong>, os índicesevi<strong>de</strong>nciam que, apesar <strong>de</strong> minoritária, a população <strong>de</strong> cor e a <strong>nas</strong>cida no Brasil (fosse ela branca,negra ou mestiça) também tinham acesso à mineração.Os portugueses chegaram às Mi<strong>nas</strong> partin<strong>do</strong> <strong>de</strong> diversos lugares <strong>de</strong> Portugal, pre<strong>do</strong>minan<strong>do</strong>as regiões <strong>do</strong> patriarca<strong>do</strong> <strong>de</strong> Lisboa, bispa<strong>do</strong> <strong>do</strong> Porto e principalmente <strong>do</strong> arcebispa<strong>do</strong> <strong>de</strong> Braga.Vin<strong>do</strong>s <strong>de</strong> outras regiões, merece <strong>de</strong>staque o Sargento-mor Felipe Gonçalves Santiago, por sernatural da Freguesia <strong>de</strong> São Miguel Arcanjo <strong>de</strong> Três Mi<strong>nas</strong>, termo <strong>de</strong> Alfarela, Comarca <strong>de</strong> VilaReal 14 . A região portuguesa <strong>de</strong> Três Mi<strong>nas</strong> apresentava certa tradição minera<strong>do</strong>ra, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>intensamente explorada no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> ocupação romana da península e mesmo <strong>de</strong>pois.Logicamente, o fato <strong>de</strong> Felipe Gonçalves ter vin<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa região não é suficiente para <strong>de</strong>duzir queele já tivesse se <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> à ativida<strong>de</strong> minerária na sua terra <strong>de</strong> origem antes <strong>de</strong> se tornar umminera<strong>do</strong>r abasta<strong>do</strong> <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong>. Contu<strong>do</strong>, é um indício para se pensar as possíveis vias <strong>de</strong>transmissão <strong>de</strong> conhecimentos e experiência prática no espaço das lavras auríferas. Em Mi<strong>nas</strong>,estabeleceu-se na sua fazenda <strong>do</strong> Ribeirão da Pirapetinga, freguesia da Itatiaia, termo <strong>de</strong> Vila Rica,on<strong>de</strong> tinha uma lavra com várias datas <strong>de</strong> terras minerais e águas tiradas por títulos. Em suafazenda, <strong>de</strong>dicava-se também à agropecuária, com produção <strong>de</strong> exce<strong>de</strong>ntes para o merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> VilaRica, como atestam os mantimentos e a tropa <strong>de</strong> bestas <strong>de</strong>scritos no seu inventário.8 Inventário <strong>de</strong> TORRES, Rosa da Silva. CSM, códice 63; auto 1426; 2º of., ano 1742. Testamento em anexo, fl 17v-18.9 Consi<strong>de</strong>ra-se “ida<strong>de</strong> <strong>produtiva</strong>” a faixa etária entre 12 e 60 anos.10 No inventário, o monte-mor foi discrimina<strong>do</strong> em oitavas, no valor <strong>de</strong> 2.145 /8 ¼ e 4 vinténs.11 Inventário <strong>de</strong> COSTA, Maria da. CBG, CSO I (28) 237.12 No total, o plantel era composto por 10 escravos, 07 homens e 03 mulheres, sen<strong>do</strong> 03 crianças. Inventário <strong>de</strong> COSTA,Maria da. CBG, CSO I (28) 237.13 Sobre o tema, ver CHEQUER, Raquel Men<strong>de</strong>s Pinto. Negócios <strong>de</strong> família, gerência <strong>de</strong> viúvas. Senhorasadministra<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> bens e pessoas (Mi<strong>nas</strong> Gerais, 1750-1800). Belo Horizonte: Fafich/UFMG, 2002. Dissertação(Mestra<strong>do</strong> em História).14 Inventário <strong>de</strong> SANTIAGO, Felipe Gonçalves. CPOP, códice 45, auto 535, 1º ofício, ano 1777.3


Muitos <strong>de</strong>sses portugueses chegaram às Mi<strong>nas</strong> <strong>nas</strong> primeiras décadas <strong>do</strong> século XVIII,certamente motiva<strong>do</strong>s pelas novas possibilida<strong>de</strong>s que as <strong>de</strong>scobertas <strong>do</strong> <strong>ouro</strong> no território traziam.Francisco da Silva Forte, por exemplo, quan<strong>do</strong> faleceu em 1763, tinha “há mais <strong>de</strong> 30 ou 40 anos aesta parte” os títulos e cartas <strong>de</strong> datas minerais em sua fazenda <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>do</strong> Monte <strong>do</strong>Carmo, no Rio das Velhas 15 . Já o Capitão-mor Antônio Ramos <strong>do</strong>s Reis veio para o Brasil aos noveanos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, estabelecen<strong>do</strong>-se primeiro no Rio <strong>de</strong> Janeiro, on<strong>de</strong> se casou com Vitória <strong>do</strong>s Reis e<strong>de</strong>ixou vários bens <strong>de</strong>scritos no seu testamento, feito em julho <strong>de</strong> 1761 16 . Em Mi<strong>nas</strong>, estabeleceu-seem Vila Rica, on<strong>de</strong> tinha muitas proprieda<strong>de</strong>s urba<strong>nas</strong> e já na década <strong>de</strong> 1730 <strong>de</strong>dicava-se àexploração aurífera, como atestam os registros <strong>de</strong> cartas <strong>de</strong> data em seu nome 17 . Em 1756, estavaentre os minera<strong>do</strong>res mais abasta<strong>do</strong>s da Comarca, proprietário <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s serviços minerais <strong>de</strong> talhoaberto, com tanques e mundéus, no morro que ficaria conheci<strong>do</strong> (até os dias <strong>de</strong> hoje) como “morro<strong>de</strong> Ramos”.De naturalida<strong>de</strong> luso-brasileira, foram encontra<strong>do</strong>s 05 minera<strong>do</strong>res. Um <strong>de</strong>les trata-se da járeferida Dona Mariana Corrêa Oliveira, natural <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, mas criada <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong>, e casadacom o abasta<strong>do</strong> minera<strong>do</strong>r português João Pinto Álvares. Com relação aos outros, provavelmentechegaram às Mi<strong>nas</strong>, oriun<strong>do</strong>s <strong>de</strong> outras capitanias, motiva<strong>do</strong>s pelas notícias <strong>do</strong>s acha<strong>do</strong>s auríferos.No caso <strong>do</strong> Coronel Salva<strong>do</strong>r Furta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça, seu nome é sempre lembra<strong>do</strong> entre osfamosos <strong>de</strong>scobri<strong>do</strong>res <strong>do</strong> <strong>ouro</strong>. Natural <strong>de</strong> São Francisco das Chagas, Vila <strong>de</strong> Taubaté, estesertanista se instalou <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong> logo na virada <strong>do</strong> seiscentos para se <strong>de</strong>dicar à mineração <strong>nas</strong>paragens <strong>do</strong> Ribeirão <strong>do</strong> Carmo 18 . Em agosto <strong>de</strong> 1725, quan<strong>do</strong> faleceu, encontrava-se instala<strong>do</strong> noRio <strong>do</strong> Peixe, freguesia <strong>de</strong> São Caetano, on<strong>de</strong> tinha um serviço <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio com seus filhos e genrosem “vinte e oito datas <strong>de</strong> terra pouco mais ou menos no veio d’água com trinta braças” 19 , além <strong>de</strong>“um córrego com suas lavras minerais que serão pouco mais ou menos trinta datas”. Soma<strong>do</strong>s asbateias, os carumbés e um rosário, os serviços e datas minerais eram os bens <strong>de</strong> raiz mais caros <strong>do</strong>casal, avalia<strong>do</strong>s em 12:000$000 réis para um monte mor <strong>de</strong> 33:482$400 réis. 20 Casou-se com DonaMaria Car<strong>do</strong>sa <strong>de</strong> Siqueira, com quem teve sete filhos legítimos, além <strong>de</strong> três filhas naturais comida<strong>de</strong>s entre 21 e 16 anos, provavelmente tidas com índias, visto ter si<strong>do</strong> este paulista tambémapresa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> gentio da terra. Chama a atenção, contu<strong>do</strong>, o fato <strong>de</strong> seu plantel, composto por 55escravos, não conter nenhum <strong>de</strong> origem indígena, mas ape<strong>nas</strong> crioulos, mulatos e africanos <strong>de</strong>diversas nações.No mesmo termo <strong>de</strong> Vila <strong>do</strong> Carmo/Mariana, encontrava-se o também paulista FranciscoBarreto Bicu<strong>do</strong>. Natural da freguesia <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>de</strong> Nazaré, São Paulo, instalou-se noGualacho <strong>do</strong> Norte, freguesia <strong>de</strong> São José da Barra Longa, na década <strong>de</strong> 1710 21 . Dedican<strong>do</strong>-se àagropecuária e à mineração <strong>de</strong> aluvião, tornou-se um <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res mais ricos cita<strong>do</strong>s na lista <strong>de</strong>1756 com um monte-mor <strong>de</strong> 13:468$212 réis. Em sua fazenda, além <strong>de</strong> capoeiras, matas virgens eterras lavradias, tinha “trinta e tantas datas <strong>de</strong> terras minerais que melhor constarão <strong>de</strong> títulos que15 Inventário <strong>de</strong> FORTE, Francisco da Silva. CBG, CSO I (23) 210, ano 1763.16 Testamento <strong>de</strong> REIS, Antônio Ramos <strong>do</strong>s. CPOP, códice 460, auto 9753, 1º ofício, ano 1762.17 LIVROS <strong>de</strong> Guardamoria. CPOP-AJ, v. 85 e 86.18 Quem nos informa é seu filho Bento Fernan<strong>de</strong>s Furta<strong>do</strong>: “Entre aqueles que não temen<strong>do</strong> a fome e trabalhos queoferecia a assistência <strong>do</strong> rio <strong>do</strong> Carmo foi o coronel Salva<strong>do</strong>r Fernan<strong>de</strong>s Furta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça. Depois <strong>de</strong> lavrar o maisfácil das datas que teve no seu <strong>de</strong>scoberto <strong>do</strong> Bom Sucesso, como em seu lugar dissemos, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> o mais difícil, queao <strong>de</strong>pois enriqueceu a muitos, veio a <strong>de</strong>scobrir e situar-se on<strong>de</strong> hoje está fundada a freguesia <strong>de</strong> São Caetano, naqueletempo chama<strong>do</strong> Morro Gran<strong>de</strong> [...]”. FURTADO, Bento. Noticias [...]. In: Códice Costa Matoso. Belo Horizonte:Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Históricos e Culturais/FJP, 1999. v. 1, <strong>do</strong>c. 02, p. 181.19 Inventário <strong>de</strong> FURTADO, Salva<strong>do</strong>r Fernan<strong>de</strong>s. CSM, códice 138, auto 2800, 2º ofício, ano 1725.20 O valor <strong>do</strong>s bens foi discrimina<strong>do</strong> em oitavas, sen<strong>do</strong> os bens minerais avalia<strong>do</strong>s em 10.000/8as e o monte-mor em27.902/8as. No momento <strong>do</strong> inventário (pós-agosto <strong>de</strong>1725) a oitava custava 1$200 réis. Inventário <strong>de</strong> FURTADO,Salva<strong>do</strong>r Fernan<strong>de</strong>s. CSM, códice 138, auto 2800, 2º ofício, ano 1725.21 A carta <strong>de</strong> sesmaria concedida pelo governa<strong>do</strong>r José Antônio Freire <strong>de</strong> Andrada diz: “que ten<strong>do</strong> respeito a merepresentar por sua petição o Sargento-mor Francisco Barreto Bicu<strong>do</strong>, mora<strong>do</strong>r no Gualacho <strong>do</strong> Norte, freguesia <strong>de</strong> S.José da Barra, termo da Cida<strong>de</strong> Mariana, que na mesma paragem se acha <strong>de</strong> posse <strong>de</strong> uma fazenda <strong>de</strong> capoeiras, e matosvirgens, que principiara a cultivar, e fabricar no ano <strong>de</strong> mil setecentos e treze [...]”. AHU-MAMG. Caixa 68, Doc. 71,Data: 23/10/A755.4


são no veio <strong>de</strong> água, tabuleiros e por um córrego e um serviço <strong>de</strong> roda com ela assentada com osaprestos necessários” 22 . Homem solteiro, teve três filhas naturais, sen<strong>do</strong> duas com a preta forraDomingas Bicuda, e uma, por nome Francisca Bicuda, com uma índia “natural <strong>do</strong> gentio <strong>de</strong> cabelocorredio”.O minera<strong>do</strong>r Antônio Ferreira Feio, por sua vez, saiu da Vila <strong>de</strong> Vitória, no Espírito Santo, edirigiu-se para o termo <strong>de</strong> Vila Rica, on<strong>de</strong> fixou residência no seu sítio <strong>do</strong> Ribeirão da Ajuda,freguesia <strong>de</strong> São Bartolomeu. Homem solteiro e <strong>de</strong> poucas posses, quan<strong>do</strong> morreu, em 1740, tinhaum monte-mor avalia<strong>do</strong> em 1:034$250 réis para dividir entre seus <strong>do</strong>is filhos naturais. Entre seusbens mais valiosos, estavam cinco escravos (duas mulheres) em ida<strong>de</strong> <strong>produtiva</strong>, que trabalhavamna roça e <strong>nas</strong> lavras <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> sítio, ti<strong>do</strong> em socieda<strong>de</strong> com Manoel Baião <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> 23 .Finalmente, vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> Rio <strong>de</strong> Janeiro, o Coronel Antônio Barbosa <strong>de</strong> Sá instalou-se nafreguesia <strong>de</strong> Roça Gran<strong>de</strong>, termo <strong>de</strong> Sabará, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>dicou a minerar os aluviões <strong>do</strong> Rio dasVelhas. Casa<strong>do</strong> com Dona Isabel <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> Coutinho não teve filhos legítimos nem bastar<strong>do</strong>s.Quan<strong>do</strong> faleceu em 1734, tinha um monte-mor avalia<strong>do</strong> em 21:703$935 réis, sen<strong>do</strong> que 58,4%<strong>de</strong>sse valor era proveniente <strong>do</strong> seu plantel composto por 99 escravos 24 .Com relação à condição social <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res, como po<strong>de</strong> ser percebi<strong>do</strong> na tabelaapresentada, quase a totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s indivíduos eram livres, sen<strong>do</strong> Rosa da Silva Torres, no termo daVila <strong>do</strong> Carmo, e Maria da Costa, no termo <strong>de</strong> Sabará, as duas forras encontradas.No tocante ao esta<strong>do</strong> civil <strong>do</strong>s indivíduos seleciona<strong>do</strong>s para este estu<strong>do</strong>, 45,6% eramcasa<strong>do</strong>s. Soman<strong>do</strong>-se esse valor ao número <strong>de</strong> viúvos, a percentagem chega a 61,8%, o que valedizer que 42 minera<strong>do</strong>res da amostragem contraíram matrimônio <strong>nas</strong> suas vidas.Mais um indica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> perfil social <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res diz respeito às patentes militares.Meta<strong>de</strong> <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res da amostragem tinha alguma patente militar, sen<strong>do</strong> que, <strong>do</strong> total <strong>de</strong> 34indivíduos, 23 (67,6%) eram minera<strong>do</strong>res lista<strong>do</strong>s em 1756. A concessão <strong>de</strong> patentes foi umaprática a<strong>do</strong>tada pela Coroa para premiar os vassalos que se <strong>de</strong>stacassem na prestação <strong>de</strong> algumserviço ao bem comum ou em cumprimento à vonta<strong>de</strong> real. Tal prática era vista como uma mercêrégia e fazia parte das estratégias <strong>de</strong> governabilida<strong>de</strong> da política colonial. Isso porque a concessão<strong>de</strong> mercês estava condicionada à lealda<strong>de</strong> e ao bom <strong>de</strong>sempenho <strong>do</strong>s colonos. Desempenho este queera motiva<strong>do</strong> pelos proveitos advin<strong>do</strong>s com as mercês, como privilégios, isenções econômicas,vencimentos, proeminência social e política. Assim, os da<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s, ao informarem quegran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res que ocupavam postos militares eram também homens abasta<strong>do</strong>s,ape<strong>nas</strong> confirmam a idéia <strong>de</strong> que riqueza, privilégios e <strong>de</strong>staque social andavam juntos 25 .A <strong>estrutura</strong> <strong>produtiva</strong> das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>rasEm outubro <strong>de</strong> 1731, os minera<strong>do</strong>res Leandro <strong>de</strong> Matos Magalhães, o Padre Caetano daSilva e Oliveira e o Capitão Manoel <strong>de</strong> Souza Tavora se associaram para fazer um serviço <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio<strong>do</strong> Rio Jequitinhonha e assim extraírem os ricos cascalhos auríferos <strong>do</strong> seu leito e tabuleiros. Aofinal <strong>de</strong> quase três anos e com o trabalho <strong>de</strong> 100 escravos, o “valo”, ou canal, para on<strong>de</strong> as águas <strong>do</strong>rio seriam redirecionadas, percorria cerca <strong>de</strong> 400 braças (880m) com uma profundida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 80palmos (17,6m). Para meterem o rio pelo <strong>de</strong>svio, construíram “um cerco <strong>de</strong> 460 palmos <strong>de</strong>cumpri<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong>, para o fortificar, <strong>do</strong>is contra-cercos <strong>de</strong> pedra <strong>de</strong> 25 palmos <strong>de</strong> largo e 15 <strong>de</strong> altoem to<strong>do</strong> o seu cumprimento, conduzin<strong>do</strong> para os ditos cercos e contra-cercos muitas ma<strong>de</strong>iras epedras <strong>de</strong> partes distantes e com gran<strong>de</strong> risco” 26 .22 Inventário <strong>de</strong> BICUDO, Francisco Barreto. CSM, códice 59, auto 1345, 2º oficio, ano 1756. fl 19v.23 Inventário <strong>de</strong> FEIO, Antônio Ferreira. CPOP, códice 01, auto 05, 2º ofício, ano 1740.24 Inventário <strong>de</strong> BARBOSA, Antônio <strong>de</strong> Sá. CBG, CSO I (03) 36, ano 1734.25 Ver ALMEIDA. Homens Ricos, Homens Bons [...], p. 225 e ss. ANDRADE, Francisco Eduar<strong>do</strong> <strong>de</strong>. A invenção dasMi<strong>nas</strong> Gerais. São Paulo: USP, 2002. Tese (Doutora<strong>do</strong>, História).26 Requerimento <strong>de</strong> Caetano da Silva <strong>de</strong> Oliveira, pedin<strong>do</strong> que se lhe pague a importância que auferia na lavra que lhefoi expropriada no distrito <strong>do</strong> Serro Frio. Em anexo: vários <strong>do</strong>cumentos. As citações foram tiradas da justificação <strong>do</strong>ssócios. AHU-MAMG. Caixa 59, Doc. 29, Data: 12/02/A752. Cada palmo equivale a 0,22m: assim, o cerco, oubarragem, tinha 101,2m <strong>de</strong> comprimento e os contra-cercos 5,5 x 3,3m.5


Para esgotar a água infiltrada, foi necessário instalar um rosário e, para movimentá-lo, osminera<strong>do</strong>res “tiraram um córrego <strong>de</strong> água por um rego <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> comprimento e por andaime <strong>de</strong>bicas <strong>de</strong> 400 palmos <strong>de</strong> compri<strong>do</strong> (88m)”. Finalmente, para conduzirem a água <strong>de</strong> um outro córregoaté o tabuleiro e assim explorá-lo com a ajuda da força hidráulica, fizeram outro andaime com altura<strong>de</strong> 80 palmos (17,6m) e 500 <strong>de</strong> comprimento (110m), passan<strong>do</strong> por cima <strong>do</strong> rio Jequitinhonha. Aofinal <strong>de</strong> to<strong>do</strong> esse trabalho, “em abrir o dito valo, fazer regos, cercos, bicas, todas ferragens, oficiais<strong>de</strong> carpinteiros, quintos que pagaram a Sua Majesta<strong>de</strong> em três anos, com o presente jornais <strong>de</strong>escravos e mantimentos”, os gastos foram avulta<strong>do</strong>s, chegan<strong>do</strong> a “mais <strong>de</strong> 80 mil cruza<strong>do</strong>s” 27 .Como se não bastasse, no perío<strong>do</strong> da seca, quan<strong>do</strong> encaminharam o rio para o seu leitoartificial e <strong>de</strong>ram início à extração <strong>do</strong> cascalho, uma cheia sobreveio e tornou o rio ao seu cursonatural, o que “impediu o po<strong>de</strong>rem continuar a lavrar e <strong>do</strong> cascalho que tinham tira<strong>do</strong> extraíramsomente uma pequena parcela, que lhe não cobriu nem ainda os gastos da ferragem que tinham<strong>de</strong>spendi<strong>do</strong> no tal serviço, em que lhes foi preciso quebrar muita pedra e <strong>de</strong>smontar piçarrões duros[...]” 28 .Os gran<strong>de</strong>s investimentos, trabalhos e reveses enfrenta<strong>do</strong>s <strong>nas</strong> lavras auríferas foramconstantemente alega<strong>do</strong>s pelos minera<strong>do</strong>res em diferentes momentos e lugares das Mi<strong>nas</strong>. De fato,como bem se observa na <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong>s oficiais da Câmara <strong>de</strong> São João Del Rei, em julho <strong>de</strong> 1729, o<strong>cotidiano</strong> das lavras era marca<strong>do</strong> por riscos iminentes:[...] como as gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s que se encontram em extrair o <strong>ouro</strong> da mina, emformações profundas e alagadas <strong>de</strong> muita água, senão possam estas vencer sem um bomsuficiente número <strong>de</strong> escravos que possam fazer os gran<strong>de</strong>s serviços necessários para a ditaextração; são por esta razão precisamente obriga<strong>do</strong>s os mineiros a se empenharem noprovimento <strong>de</strong> muitos escravos, ferramentas, e vários instrumentos <strong>de</strong> custo, para po<strong>de</strong>rementrar nesta penosa diligência, e vencerem as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>la; e como além <strong>de</strong>stas, é a ditaextração sujeita a contingência <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>moras <strong>de</strong> serviços, segun<strong>do</strong> a mais ou menosdificulda<strong>de</strong> com que se topa; e o que mais é a se experimentar, como suce<strong>de</strong> muitas vezes,ou haver falha total <strong>de</strong> <strong>ouro</strong> no lugar em que se busca, e acontecen<strong>do</strong> um ou outro <strong>de</strong>stesinci<strong>de</strong>ntes, ou ambos juntos, se o mineiro tem dívidas vencidas, e o acre<strong>do</strong>r [sic] não usacom ele a indulgência <strong>de</strong> lhe esperar que acabe os serviços das suas catas, e que falhan<strong>do</strong>estas possa dar outras para o <strong>de</strong>sempenho, toman<strong>do</strong> a resolução <strong>de</strong> executá-lo, fica o<strong>de</strong>sgraça<strong>do</strong> mineiro <strong>de</strong> to<strong>do</strong> <strong>de</strong>struí<strong>do</strong>; porque os gran<strong>de</strong>s e indispensáveis gastos, que fezdurante o tempo que minerou sem lucro, engrossaram <strong>de</strong> sorte o seu empenho, que <strong>de</strong>le senão po<strong>de</strong> remir com os seus bens, sem ficar totalmente <strong>de</strong>struí<strong>do</strong> [...] 29 .Dentre os problemas mais comuns, estavam as execuções que os cre<strong>do</strong>res faziam nos bens<strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res para a quitação das suas dívidas, contraídas com os gastos necessários à ativida<strong>de</strong>.A manutenção <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> minera<strong>do</strong>ra não era tarefa fácil. Para garantir sua <strong>estrutura</strong> <strong>produtiva</strong>,o minera<strong>do</strong>r precisava lançar à conta as <strong>de</strong>spesas feitas com a aquisição <strong>de</strong> escravos, ferramentas,maquinários e das próprias datas minerais. Tinha que somar os constantes reparos das ferramentas,das rodas, <strong>do</strong>s canais e bicames que, muitas vezes, estouravam ou ficavam entupi<strong>do</strong>s com o materialarrasta<strong>do</strong> pelas chuvas, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> os serviços paralisa<strong>do</strong>s e atrasa<strong>do</strong>s enquanto os danos eramrepara<strong>do</strong>s. Precisava consi<strong>de</strong>rar também o cuida<strong>do</strong> básico, mesmo que mínimo, para com o sustentoe o vestuário <strong>do</strong>s escravos, ou ainda, os prejuízos advin<strong>do</strong>s com as fugas, <strong>do</strong>enças e mortes <strong>do</strong>smesmos. Isso sem mencionar as <strong>de</strong>spesas com a sua própria pessoa, casa e família.A prestação <strong>de</strong> contas dada pelo padre Salva<strong>do</strong>r Martins <strong>de</strong> Miranda, filho <strong>do</strong> sargento-morAntônio Luiz <strong>de</strong> Miranda, é um bom exemplo <strong>do</strong>s gastos mais comuns em uma unida<strong>de</strong> minera<strong>do</strong>ra.Esse abasta<strong>do</strong> minera<strong>do</strong>r, quan<strong>do</strong> falecera em janeiro <strong>de</strong> 1777, tinha um monte-mor avalia<strong>do</strong> em8:370$861 réis. Seu filho, como testamenteiro e inventariante <strong>do</strong>s bens, cui<strong>do</strong>u da fazenda <strong>do</strong>27 Documento em anexo: justificação <strong>do</strong>s sócios. AHU-MAMG. Caixa 59, Doc. 29, Data: 12/02/A752.28 Documento em anexo: Inquirição da testemunha Francisco Ribeiro da Silva. AHU-MAMG. Caixa 59, Doc. 29, Data:12/02/A752.29 Representação <strong>do</strong>s oficiais da Câmara <strong>de</strong> Vila <strong>de</strong> São João Del Rei, a respeito das dificulda<strong>de</strong>s em que se encontramos mineiros <strong>de</strong> <strong>ouro</strong> e a falta <strong>de</strong> escravos para minerar (...). AHU-MAMG. Caixa 14, Doc. 44, Data: 09/07/1729.6


Ribeirão <strong>de</strong> São Domingos, freguesia <strong>de</strong> Piranga, on<strong>de</strong> o minera<strong>do</strong>r tinha terras minerais e uma rodaassentada com to<strong>do</strong>s seus aprestos. Para o trabalho na roça e <strong>nas</strong> lavras, contava com um plantel <strong>de</strong>22 escravos em ida<strong>de</strong> <strong>produtiva</strong> e <strong>de</strong> ambos os sexos 30 .TABELA 2Prestação <strong>de</strong> contas dada pelo Reveren<strong>do</strong> Padre Salva<strong>do</strong>r Martins <strong>de</strong> Miranda no ano <strong>de</strong> 1779.Receitas: “conta <strong>do</strong> <strong>ouro</strong> e apurações que fiz nos serviços minerais <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> Totalfalecimento <strong>de</strong> meu pai (...)”:8 as <strong>de</strong> <strong>ouro</strong>Da primeira apuração em 02/02/1777 à última apuração em 04/11/1779; 221 ¼ 5Despesas: “<strong>de</strong>spendi com a fábrica o seguinte”:- Compra <strong>de</strong> mantimentos em diversas ocasiões e <strong>de</strong> diversas pessoas, entre elas; 28 ¾ 3- Gastos com o toucinheiro pela compra <strong>de</strong> toucinhos para a fábrica;1 ½ 4- Gastos com carne para os negros <strong>do</strong>entes;4 ¾- Gastos com sal;6 ½- Compra <strong>de</strong> 04 alqueires <strong>de</strong> feijão a Domingos Martins <strong>de</strong> Araújo;1 ½- Por galinhas compradas para os pretos <strong>do</strong>entes;4 ¾- Por carne para os <strong>do</strong>entes;3 ½- Empréstimos para comprar mantimentos;10 ¼- Por duas alavancas para o serviço;- Compra <strong>de</strong> 06 almocafres;- Por uma barra <strong>de</strong> ferro para a dita fábrica;- Por 12 libras <strong>de</strong> aço para a mesma fábrica;- Por um bolinete que man<strong>de</strong>i fazer para o serviço minerar;- Pelo que pagou ao ferreiro e batieiro;5 ½32 ½ 61 ½ 337 ½- Gastos com capitães <strong>do</strong> mato por amarrarem um crioulo que andava fugi<strong>do</strong>;4 ¼- Mais gastos com capitães <strong>do</strong> mato por amarrarem José crioulo que andava fugi<strong>do</strong>; 1 ½- Gasto por buscar e apanhar o crioulo João que tinha fugi<strong>do</strong> com os ciganos;3 ½ 6- Mais gasto para buscar o dito crioulo João que tinha fugi<strong>do</strong> para a cida<strong>de</strong> (...); 2 ½ 4- Por algodão para vestuário <strong>do</strong>s negros necessita<strong>do</strong>s; 3 ¾ 6- Pelo que pagou ao boticário Thomas Gonçalves Gomi<strong>de</strong> <strong>de</strong> remédios para osnegros;- Seguem as <strong>de</strong>spesas feitas com a burocracia <strong>do</strong> inventário: pagamento ao escrivão etabelião, emissão <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos, <strong>de</strong>slocamentos, conselhos toma<strong>do</strong>s com osletra<strong>do</strong>s;- Pelo que pagou <strong>de</strong> <strong>de</strong>sobrigas <strong>do</strong>s negros e <strong>de</strong> <strong>do</strong>is enterros <strong>de</strong> <strong>do</strong>is negro; 23 ¾Total 156 ¾ 5Líqui<strong>do</strong>64 ½Fonte: Inventário post-mortem <strong>de</strong> Antônio Luís <strong>de</strong> Miranda. CSM, cód 31, auto 756, 1º of., ano 1777. fl26 a 27v.Como po<strong>de</strong> ser observa<strong>do</strong>, os maiores gastos <strong>de</strong>spendi<strong>do</strong>s na manutenção da unida<strong>de</strong>minera<strong>do</strong>ra foram feitos com os mantimentos, segui<strong>do</strong>s pelas ferramentas minerais. O fato <strong>de</strong> mais<strong>de</strong> 60 oitavas ter si<strong>do</strong> gastas com alimentação chama a atenção, sobretu<strong>do</strong> porque a fazenda <strong>do</strong>Ribeirão <strong>de</strong> São Domingos tinha “terras <strong>de</strong> planta <strong>de</strong> capoeiras e matos virgens”, além <strong>de</strong> um paiolcoberto <strong>de</strong> capim. Todavia, a existência <strong>de</strong> “um moinho <strong>de</strong>smancha<strong>do</strong>” e <strong>de</strong> “terras <strong>de</strong> capoeirassafadas” em um outro sítio no Itacolomi sugere que, quan<strong>do</strong> foram apresentadas as contas, aativida<strong>de</strong> agrícola <strong>de</strong> subsistência não era suficiente ou estaria temporariamente suspensa nestaunida<strong>de</strong>.Os gastos conti<strong>do</strong>s na TAB. 2 eram, na realida<strong>de</strong>, comuns às <strong>de</strong>mais unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras.Da mesma forma, na prestação <strong>de</strong> contas dada pelo testamenteiro <strong>do</strong> Capitão Antônio VarelaSantiago, foram apresentadas as <strong>de</strong>spesas com ma<strong>de</strong>iras para conserto das casas; vários pagamentosfeitos ao “roceiro” por mantimentos, especialmente milho; compra <strong>de</strong> banha e panos <strong>de</strong> toucinho e30 Inventário <strong>de</strong> MIRANDA, Antônio Luiz <strong>de</strong>. CSM, códice 31, auto 756, 1º ofício, ano 1777. O plantel total eracomposto por 31 escravos.4 ¾27 ½7


carne para os negros <strong>do</strong>entes; pagamento ao capitão-<strong>do</strong>-mato pela captura <strong>de</strong> um escravo fugi<strong>do</strong>;compra <strong>de</strong> três bateias, além <strong>do</strong>s gastos com jalecos, tangas e baetas para os negros 31 .Assim, com o intuito <strong>de</strong> diminuir parte <strong>de</strong>stes avulta<strong>do</strong>s gastos, os minera<strong>do</strong>res,especialmente aqueles com “50, 100, 200, 300, e 400 escravos”, em cuja sustentação faziamgran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>spesas, sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> lhes saiam os serviços balda<strong>do</strong>s:[...] recorreram ao meio <strong>de</strong> fabricarem Fazendas /<strong>de</strong>nominadas Roças/ em que plantammantimento para sustentarem os escravos, com Moinhos, ou Engenho <strong>de</strong> Pilões, em quereduzem o Milho à Farinha // à Farinha, para as Rações <strong>do</strong>s escravos, sen<strong>do</strong>-lhes necessárioterem, ou Bestas, ou Bois, e carro, para conduzir o mantimento das Roças para as Lavras:cujas Roças, Engenhos <strong>de</strong> Pilões, ou Moinhos, Escravos, que nestas ofici<strong>nas</strong> se empregam,Bestas, Bois e carros em que conduzem o mantimento para as Lavras, se <strong>de</strong>vem reputarpartes integrantes das ditas Fábricas, sem o que não po<strong>de</strong>m subsistir 32 .Como se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> da passagem acima, as ativida<strong>de</strong>s agro-pastoris eram concebidas pelosminera<strong>do</strong>res como ativida<strong>de</strong>s necessárias e intimamente articuladas com o trabalho <strong>nas</strong> lavras,constituin<strong>do</strong> assim um to<strong>do</strong> que garantia a base para a mineração. Para além da extração direta <strong>do</strong><strong>ouro</strong>, a dinâmica das lavras se configurava também na sazonalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> plantio e nos caminhospercorri<strong>do</strong>s pelas bestas, bois e carros que transportavam as pedras e ma<strong>de</strong>iras tão custosas aoestabelecimento <strong>do</strong>s serviços minerais e conduziam os mantimentos das roças para as áreasexploradas.A prática <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s diversificadas em uma mesma unida<strong>de</strong> <strong>produtiva</strong> foi há temposatestada pela historiografia que se <strong>de</strong>dicou à economia setecentista. Na década <strong>de</strong> 1960, MiguelCosta Filho, ao estudar os engenhos <strong>de</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar em Mi<strong>nas</strong> Gerais durante o perío<strong>do</strong> colonial,<strong>de</strong>parou-se com uma <strong>do</strong>cumentação que revelava a habitual associação da mineração aurífera com aagropecuária e a produção <strong>de</strong> <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s da cana. No seu estu<strong>do</strong>, concluiu que “a maioria dasfazendas estabelecidas em Mi<strong>nas</strong> Gerais possuía conjuntamente roças e lavras; eram essas fazendas,simultaneamente, <strong>de</strong> agricultura e mineração. Os mesmos escravos que mineravam tambémroçavam e plantavam no <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> tempo” 33 . Para <strong>de</strong>nominar essa <strong>estrutura</strong> <strong>de</strong> produção diversificada,Costa Filho formulou o conceito <strong>de</strong> “fazendas mistas”.Já na década <strong>de</strong> 1990, Ângelo Carrara, em pesquisa <strong>do</strong>cumental <strong>de</strong> fôlego sobre o<strong>de</strong>senvolvimento da agropecuária na Capitania mineira ao longo <strong>do</strong> século XVIII, constatou que“raro foi o minera<strong>do</strong>r que ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua lavra não cultivava também uma roça” 34 , sen<strong>do</strong> osexemplos garimpa<strong>do</strong>s nos inventários <strong>de</strong> proprietários rurais e, mais acertadamente, nos livros <strong>de</strong>notas, com os registros <strong>de</strong> escrituras <strong>de</strong> compra e venda <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s. De acor<strong>do</strong> com opesquisa<strong>do</strong>r, “nos anos iniciais da ocupação das regiões minera<strong>do</strong>ras centrais, o padrão <strong>de</strong>proprieda<strong>de</strong> rústica que seria quotidianamente reproduzi<strong>do</strong> já estava assente”.A análise <strong>do</strong>s inventários/testamentos <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res seleciona<strong>do</strong>s corrobora, por sua vez,as afirmações apresentadas por aqueles autores. Além disso, os da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s sugerem que,<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>do</strong> tamanho da <strong>estrutura</strong> <strong>produtiva</strong>, a agricultura e a criação <strong>de</strong> animais praticada pelos31 Inventário <strong>de</strong> SANTIAGO, Antônio Varela. CPOP, códice 310, auto 6630, 1º ofício, ano 1768. fl 131v-132.32 REPRESENTAÇÃO <strong>do</strong>s oficiais da Câmara <strong>do</strong> Sabará, pedin<strong>do</strong> que se não faça execuções nos bens <strong>do</strong>s mineiros[...]. AHU – MAMG. Caixa 86; Doc. 28; data: 4 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1765.33 “Po<strong>de</strong>mos acrescentar, basea<strong>do</strong> em outros <strong>do</strong>cumentos, que fazendas havia em gran<strong>de</strong> número ainda mais complexas,com plantações <strong>de</strong> feijão, milho e outros ‘mantimentos’, canaviais, engenho <strong>de</strong> cana, moinhos <strong>de</strong> farinha, fubá, etc.,ga<strong>do</strong> e mineração. A essas fazendas que possuíam mi<strong>nas</strong> e lavouras ou criações chamamos fazendas mistas.Estabelecidas no século XVIII, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a extração <strong>do</strong> <strong>ouro</strong> no centro <strong>do</strong> Brasil provocou a formação <strong>de</strong> arraiais epovoa<strong>do</strong>s sem conta, essas fazendas caracterizaram a paisagem econômica <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong>, assinalan<strong>do</strong> uma diferença nítidacom a <strong>de</strong> outras regiões ou capitanias como as <strong>de</strong> Pernambuco e Bahia, com os seus engenhos <strong>de</strong> açúcar e, mais tar<strong>de</strong>,nos sertões, as suas fazendas <strong>de</strong> criação e os seus currais”. COSTA FILHO, Miguel. A cana-<strong>de</strong>-açúcar em Mi<strong>nas</strong>Gerais, 1963. p. 160 apud GODOY, Marcelo Magalhães. No país das mi<strong>nas</strong> <strong>de</strong> <strong>ouro</strong> a paisagem vertia engenhos <strong>de</strong>cana e casas <strong>de</strong> negócio. São Paulo: USP, 2004. Tese (Doutora<strong>do</strong>, História). v. 1, p. 61.34 CARRARA, Ângelo Alves. Agricultura e pecuária na capitania das Mi<strong>nas</strong> Gerais – 1674-1807. Rio <strong>de</strong> Janeiro:UFRJ, 1997. Tese (Doutora<strong>do</strong>, História).8


minera<strong>do</strong>res podiam voltar-se simplesmente para a subsistência e manutenção da unida<strong>de</strong>minera<strong>do</strong>ra ou também para a produção <strong>de</strong> um exce<strong>de</strong>nte comercializável no merca<strong>do</strong> interno. Maisainda, as informações coletadas revelam que, além <strong>de</strong>ssas, outras ativida<strong>de</strong>s econômicas – como aprodução <strong>de</strong> <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s da cana e o comércio em vendas/lojas – podiam completar os rendimentos <strong>de</strong>alguns minera<strong>do</strong>res.A TAB. 3 dispõe os da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s para as unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras da amostragem. Deantemão, é preciso informar que o termo “unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras diversificadas” foi usa<strong>do</strong> aqui em<strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> “fazendas mistas”, como <strong>de</strong>finiu Costa Filho. Acredita-se que este último ficacircunscrito à idéia <strong>de</strong> um mesmo espaço – a fazenda – on<strong>de</strong> diferentes ativida<strong>de</strong>s eram realizadas.Já o termo proposto, <strong>de</strong> concepção mais abrangente, além <strong>de</strong> incluir as “fazendas mistas”, seriacapaz <strong>de</strong> abarcar as variáveis encontradas, como as situações em que um minera<strong>do</strong>r tinha datasminerais em um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> local e roças/fazendas ou engenho <strong>de</strong> cana em outro diferente. Nessecaso, a unida<strong>de</strong> minera<strong>do</strong>ra, vista como um to<strong>do</strong>, tinha a sua <strong>estrutura</strong> <strong>produtiva</strong> diversificada.TABELA 3Tipos <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s Minera<strong>do</strong>ras e Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> SuporteTERMO DEVILA RICATERMO DESABARÁTERMO DEMARIANATipos <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s Minera<strong>do</strong>ras13 unida<strong>de</strong>s 17 unida<strong>de</strong>s 38 unida<strong>de</strong>s1740-1784 1722-1779 1725-1798Total %Unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras simples 04 02 06 12 17,6Unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras diversificadas 09 15 32 56 82,4Agricultura (1) 03 09 10 22 39,3Agropecuária (2) 06 06 22 34 60,7Engenho <strong>de</strong> cana 00 06 07 13 23,2Vendas/Lojas 00 02 06 08 14,3Ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> SuporteTendas <strong>de</strong> ferreiro 02 05 06 13 19,1Carpintaria 05 11 26 42 61,8Fonte: Inventários e testamentos da CSM, CPOP e CBG.(1) Foram computadas as unida<strong>de</strong>s que apresentaram proprieda<strong>de</strong>s agrícolas (roças, fazendas, sítios e chácaras) e<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>radas aquelas que apresentaram ape<strong>nas</strong> hortas e pomares em proprieda<strong>de</strong>s urba<strong>nas</strong>.(2) Foram consi<strong>de</strong>radas as criações que apresentaram no mínimo 10 cabeças para uma mesma espécie.Como po<strong>de</strong> ser observa<strong>do</strong>, 17,6% <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res tinham uma unida<strong>de</strong> <strong>produtiva</strong> simples,isto é, <strong>de</strong>dicavam-se ape<strong>nas</strong> à extração aurífera. Nos inventários e testamentos <strong>de</strong>sses indivíduos,não foi encontrada nenhuma referência às terras <strong>de</strong> cultivo e, mesmo em alguns casos, quan<strong>do</strong> haviaa presença <strong>de</strong> animais, a criação não passou <strong>de</strong> 10 cabeças para uma mesma espécie. Em geral, asunida<strong>de</strong>s simples apresentaram as menores quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> escravos, mas chama a atenção o fato <strong>de</strong>uma unida<strong>de</strong> com um plantel <strong>de</strong> 86 escravos (76 em ida<strong>de</strong> <strong>produtiva</strong>) não apresentar nenhumaproprieda<strong>de</strong> agrícola – nem sequer ferramentas – entre os bens inventaria<strong>do</strong>s 35 . O segun<strong>do</strong> maiorplantel encontra<strong>do</strong> para esta categoria era composto por 32 escravos 36 , haven<strong>do</strong> um outro <strong>de</strong> 30 37 . Orestante variava entre 04 a 17 escravos por unida<strong>de</strong>.35 Inventário <strong>de</strong> OLIVEIRA, Mariana Corrêa. CSM, códice 46, auto 1050, 1º ofício, ano 1748.36 Inventário <strong>de</strong> LIMA, André Corrêa. CSM, Códice 86, auto 1821, 1º ofício, ano 1770.37 Inventário <strong>de</strong> SANTIAGO, Antônio Varela. CPOP, códice 310, auto 6630, 1º ofício, ano 1768.9


Em contrapartida, 56 unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras, ou seja, 82,4% das unida<strong>de</strong>s da amostragem,apresentaram uma <strong>estrutura</strong> <strong>produtiva</strong> diversificada. Subdivididas em <strong>do</strong>is grupos, daquele total,39,3% <strong>de</strong>dicavam-se à agricultura, enquanto 60,7% ocupavam-se também com a agropecuária. Emtodas essas unida<strong>de</strong>s, os principais produtos cultiva<strong>do</strong>s eram o milho – base da alimentação dapopulação mineira e da criação <strong>de</strong> animais –, o feijão, segui<strong>do</strong> <strong>do</strong> arroz e da mandioca, além dasdisseminadas hortas, “árvores <strong>de</strong> espinhos” e bananais. Vez ou outra, foi encontrada referência aocultivo <strong>de</strong> amen<strong>do</strong>im e <strong>de</strong> ananás.Em observância à representação <strong>do</strong>s oficiais da Câmara <strong>de</strong> Sabará (citada acima), é váli<strong>do</strong>mencionar que os moinhos e engenhos <strong>de</strong> pilões, indispensáveis para o processamento <strong>do</strong> fubá,estavam presentes, respectivamente, em 53,6% e 19,6% das unida<strong>de</strong>s com produção agrícola.Alguns minera<strong>do</strong>res chegavam a ter até mais <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sses maquinários espalha<strong>do</strong>s pelas suasdiferentes proprieda<strong>de</strong>s rurais. Foi o caso <strong>de</strong> Alexandre Gomes <strong>de</strong> Souza que, no seu sítio chama<strong>do</strong>São Miguel <strong>do</strong> Bom Retiro, localiza<strong>do</strong> à margem <strong>do</strong> Gualacho <strong>do</strong> Sul, no Itacolomi, tinha casas <strong>de</strong>vivenda térreas <strong>de</strong> sobra<strong>do</strong>, senzalas, paiol, um moinho e um engenho <strong>de</strong> pilões, tu<strong>do</strong> coberto <strong>de</strong>telha, para processar oito alqueires <strong>de</strong> milho planta<strong>do</strong>, e bem assim mais <strong>de</strong> 180 alqueires <strong>de</strong> terras<strong>de</strong> capoeiras e bastantes matos virgens. Já no seu sítio sito à margem <strong>do</strong> rio Guarapiranga, além dascasas <strong>de</strong> vivenda, paiol e senzalas, tinha um “moinho corrente e moente com ferramenta <strong>de</strong>lenecessária coberto <strong>de</strong> telha”, árvores <strong>de</strong> espinho, bananais, 50 alqueires <strong>de</strong> planta, sen<strong>do</strong> 2 <strong>de</strong> milhoplanta<strong>do</strong>, e muitos matos virgens 38 . Já o minera<strong>do</strong>r mais rico <strong>do</strong> grupo pesquisa<strong>do</strong>, o Mestre-<strong>de</strong>campoJacinto Vieira da Costa, tinha nada menos que 3 moinhos e 4 engenhos <strong>de</strong> pilões instala<strong>do</strong>s<strong>nas</strong> suas fazendas <strong>do</strong> termo <strong>de</strong> Sabará, o que <strong>de</strong>via ser suficiente para produzir a “ração” <strong>do</strong>s seus416 escravos 39 .O <strong>de</strong>staque, sem dúvida, coube às unida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>senvolviam a agricultura e a criação <strong>de</strong>animais concomitante à mineração, sen<strong>do</strong> esta <strong>estrutura</strong> <strong>produtiva</strong> praticada pela meta<strong>de</strong> <strong>do</strong>sminera<strong>do</strong>res da amostragem. Na realida<strong>de</strong>, esta porcentagem seria ainda maior, caso tambémfossem incluí<strong>do</strong>s aqui os minera<strong>do</strong>res que apresentavam criações com menos <strong>de</strong> 10 cabeças porespécie.Dentre as espécies <strong>de</strong> animais criadas, os suínos pre<strong>do</strong>minavam no termo <strong>de</strong> Mariana. Já emVila Rica e Sabará, eram cria<strong>do</strong>s na mesma proporção que o ga<strong>do</strong> vacum. No cômputo geral, ossuínos estavam presentes em 70,6% e o ga<strong>do</strong> em 64,7% das unida<strong>de</strong>s com ativida<strong>de</strong> pastoril. Naseqüência, encontra-se a criação <strong>de</strong> eqüinos (26,5%) e, em menor escala, os muares eovinos/caprinos (ambos em 17,6% das unida<strong>de</strong>s). De acor<strong>do</strong> com Carla Almeida, quem tambémencontrou uma freqüência maior <strong>do</strong> rebanho <strong>de</strong> porcos nos inventários pesquisa<strong>do</strong>s para o perío<strong>do</strong>entre 1750 e 1779, o amplo pre<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s suínos é “facilmente explica<strong>do</strong> pelo fato <strong>de</strong> ser aprodução pecuária, nesse momento, voltada principalmente para o abastecimento <strong>do</strong>s núcleosminera<strong>do</strong>res, tradicionalmente gran<strong>de</strong>s consumi<strong>do</strong>res <strong>de</strong>sse produto”. Na dieta <strong>do</strong>s mineiros, a carne<strong>de</strong> porco e o toucinho eram amplamente consumi<strong>do</strong>s 40 .No conjunto, os da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s permitem afirmar que a produção diversificada, com aassociação da mineração e da agropecuária, em maior ou menor escala, foi a <strong>estrutura</strong> econômicamais comum das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras setecentistas. No mesmo senti<strong>do</strong>, Carla Almeida afirma que,no perío<strong>do</strong> anterior à <strong>de</strong>cadência aurífera, “conjugar a extração mineral com a produçãoagropecuária parecia ser a opção econômica mais viável para a maior parte daqueles que tinhampossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso à terra e à mão-<strong>de</strong>-obra escrava” 41 . Para citar ape<strong>nas</strong> <strong>do</strong>is exemplos, vejamseas unida<strong>de</strong>s <strong>produtiva</strong>s <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res Antônio da Cruz Duarte e Francisco da Silva Forte.38 Inventário <strong>de</strong> SOUZA, Alexandre Gomes <strong>de</strong>. CSM, códice 133, auto 2698, ano 1757.39 Inventário <strong>de</strong> COSTA, Jacinto Vieira da. CBG, CSO I (21) 189, ano 1760. Este minera<strong>do</strong>r estava entre os homensmais abasta<strong>do</strong>s da lista <strong>de</strong> 1756 e seu patrimônio foi avalia<strong>do</strong> em uma escritura <strong>de</strong> venda na quantia <strong>de</strong> 500 mil cruza<strong>do</strong>s(= 200:000$000 réis).40 ALMEIDA. Homens Ricos, Homens Bons [...], p. 123.41 Embora esta seja uma afirmação feita com base nos da<strong>do</strong>s pesquisa<strong>do</strong>s pela historia<strong>do</strong>ra para a Comarca <strong>de</strong> Vila Rica,o mesmo se aplica ao termo <strong>de</strong> Sabará estuda<strong>do</strong> neste trabalho. ALMEIDA. Homens Ricos, Homens Bons [...], p. 89.10


Quan<strong>do</strong> faleceu em 1722, o Alferes Antônio da Cruz Duarte <strong>de</strong>ixou sua esposa, Dona Elenada Silva e mais 4 filhos legítimos com ida<strong>de</strong>s entre 6 e 1 anos, além <strong>de</strong> duas filhas naturais (11 e 10anos). No seu inventário, o monte total <strong>de</strong> seus bens foi avalia<strong>do</strong> em 7:551$750 réis, sen<strong>do</strong> mais dameta<strong>de</strong> oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> valor <strong>do</strong>s seus 24 escravos. Com eles, explorava um serviço no veio d’água <strong>do</strong>Rio das Pedras, freguesia <strong>de</strong> Sabará, on<strong>de</strong> tinha também umas casas velhas e “umas capoeiraspeque<strong>nas</strong>” <strong>do</strong>adas a uma <strong>de</strong> suas filhas naturais, Luzia mulatinha, pelo padrinho da mesma. NoRibeiro Manso, localizava-se uma roça com 25 porcos pequenos, 1.500 mãos <strong>de</strong> milho empaiola<strong>do</strong>e mais “três capoeiras <strong>de</strong>fronte da dita roça”. Na passagem <strong>do</strong> dito ribeiro, tinha uma venda, on<strong>de</strong>também criava porcos, sen<strong>do</strong> o rebanho forma<strong>do</strong> por 4 porcos machos, 8 porcas e 24 leitões. Suacriação contava ainda com 2 cavalos e 7 cabeças <strong>de</strong> ga<strong>do</strong> 42 .A unida<strong>de</strong> <strong>produtiva</strong> <strong>do</strong> minera<strong>do</strong>r Francisco da Silva Forte <strong>de</strong>staca-se <strong>do</strong> conjuntoanalisa<strong>do</strong> por ser também o maior agropecuarista encontra<strong>do</strong>. Filho <strong>do</strong> Desembarga<strong>do</strong>r ManoelAntunes <strong>de</strong> Almeida Forte e Maria Antonia, mulher solteira, era natural da freguesia <strong>de</strong> NossaSenhora <strong>do</strong>s Mártires, Lisboa. Nas Mi<strong>nas</strong> Gerais, quan<strong>do</strong> faleceu em fevereiro <strong>de</strong> 1763, encontravasecasa<strong>do</strong> com Francisca Borges <strong>de</strong> São Gonçalo, com quem tivera 4 filhos legítimos, além <strong>de</strong> umoutro natural 43 . O inventário post-mortem foi feito com base na escritura <strong>de</strong> venda da sua meação àsua esposa, em julho <strong>de</strong> 1762, no valor <strong>de</strong> 32:000$000, o que permite inferir que to<strong>do</strong> o seupatrimônio foi avalia<strong>do</strong> em 64:000$000.Sua principal proprieda<strong>de</strong> era uma fazenda <strong>de</strong> lavras no sítio <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>do</strong> Monte <strong>do</strong>Carmo, em Rio das Velhas Abaixo, freguesia <strong>de</strong> Santo Antônio <strong>do</strong> Bom Retiro da Roça Gran<strong>de</strong>.Nesta fazenda, tinha gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> terras minerais, que compreendiam “to<strong>do</strong> o veio <strong>de</strong> água,vazantes, barrancos, tabuleiros e grupiaras altas e baixas que se acham <strong>de</strong> uma e outra parte <strong>do</strong> Rio[...] <strong>de</strong> que tu<strong>do</strong> trata e faz menção os títulos e cartas <strong>de</strong> datas que há das referidas terras há mais <strong>de</strong>30 ou 40 anos a esta parte”. A fazenda tinha uma infra-<strong>estrutura</strong> completa e amplamentediversificada, pois contava ainda com casas <strong>de</strong> vivenda assobradadas, uma Capela <strong>de</strong> invocação <strong>de</strong>Nossa Senhora <strong>do</strong> Monte <strong>do</strong> Carmo, uma morada <strong>de</strong> casas em que residiam os capelães, casas <strong>de</strong>hospedaria e <strong>de</strong> ferreiros, casas <strong>de</strong> carpintaria e outra que servia <strong>de</strong> corte, senzalas, um engenho <strong>de</strong>cana e terras <strong>de</strong> agricultura <strong>de</strong> uma e outra parte <strong>do</strong> Rio.Sua ativida<strong>de</strong> minerária não acabava nessa proprieda<strong>de</strong>. No sítio chama<strong>do</strong> da Cachoeira,havia “um serviço que <strong>de</strong> presente está moen<strong>do</strong> no Rio das Velhas [...]”, que dispunha <strong>de</strong> pelomenos <strong>do</strong>is rosários para esgotar a água <strong>do</strong> Rio e mais uma “bomba <strong>de</strong> terra”, usada <strong>nas</strong> explorações<strong>do</strong>s tabuleiros. Isso sem contar os apetrechos <strong>de</strong> ferro e ma<strong>de</strong>ira conducentes ao exercício <strong>de</strong>minerar.Especificamente agrícola, tinha “uma roça que consta <strong>de</strong> matas e capoeiras chamada o[Pilar], com suas casas <strong>de</strong> telha <strong>do</strong> paiol e engenho corrente e moente” e mais “uma roça chamada<strong>do</strong> Ribeirão, com sua casa <strong>de</strong> vivenda coberta <strong>de</strong> telha, terras a ela respectiva”. Na freguesia <strong>do</strong>Curral Del Rei, <strong>de</strong>stacava-se a roça chamada Maravilha, “que tem a si anexos três sítios que secompraram e uniram a uma”, composta por casas <strong>de</strong> vivenda, cozinha, forno <strong>de</strong> cobre <strong>de</strong> fazerfarinha, engenho <strong>de</strong> pilões corrente e moente com água, matos, capoeiras, campos e logra<strong>do</strong>uros, <strong>de</strong>que há sesmaria. No momento da escritura, o paiol encontrava-se com milho, feijão, arroz e maislegumes recentemente colhi<strong>do</strong>s.Além <strong>de</strong> minera<strong>do</strong>r, agricultor e senhor <strong>de</strong> engenho, Francisco Forte criava ga<strong>do</strong>s para ocorte. Para tanto, tinha um conjunto <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s em diferentes lugares. Na freguesia <strong>do</strong> CurralDel Rei, um sítio chama<strong>do</strong> “Curral”, com suas casas <strong>de</strong> vivenda, “currais gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong> recolherboiadas que vêm <strong>do</strong> sertão, com seus pastos, campos e logra<strong>do</strong>uros”, <strong>de</strong> que tu<strong>do</strong> há sesmaria; nosRibeiros <strong>de</strong> Paracatu, uma fazenda chamada <strong>do</strong>s Barreiros, “<strong>de</strong> criar ga<strong>do</strong> vacum e cavalar, comto<strong>do</strong> o ga<strong>do</strong> que nela se achar livre e <strong>de</strong>sembarga<strong>do</strong> [...], com cavalos e mais petrechos <strong>de</strong>ssa42 Inventário <strong>de</strong> DUARTE, Antônio da Cruz. CBG, CSO I (01) 04, ano 1722. No serviço mineral <strong>do</strong> Rio das Pedras, ominera<strong>do</strong>r tinha também “umas casas velhas na mesma parte”, on<strong>de</strong> teria funciona<strong>do</strong> uma venda. No inventário, aviúva, Dona Elena da Silva, <strong>de</strong>clarou que “a venda caíra no chão e se não usava <strong>de</strong>la por falta <strong>de</strong> [comércio] <strong>de</strong> gentepor aquela parte e se ter muda<strong>do</strong> o caminho”. fl 05v. Possivelmente foi transferida para a passagem <strong>do</strong> Ribeiro Manso.43 Inventário <strong>de</strong> FORTE, Francisco da Silva. CBG, CSO I (23) 210, ano 1763.11


fábrica, com as casas <strong>de</strong> vivenda, currais e mais pertence”; no Rio <strong>do</strong> Sono, contava com outrafazenda <strong>de</strong> ga<strong>do</strong> vacum, “com to<strong>do</strong> o ga<strong>do</strong> a ela respectiva, ferramentas, cavalos <strong>de</strong> sua costeação”.Finalmente, dispunha <strong>de</strong> mais uma fazenda chamada das Gaitas, “com os cavalos <strong>de</strong> sua costeação eto<strong>do</strong> o ga<strong>do</strong> que nela <strong>nas</strong>ce e se cria”.Ao <strong>de</strong>clarar o seu rebanho, Francisco Forte revelou a dinâmica da sua unida<strong>de</strong> <strong>produtiva</strong>.Assim, dispunha <strong>de</strong> 6 bestas muares e 2 cavalos russos aparelha<strong>do</strong>s com suas cangalhas parabal<strong>de</strong>ar os mantimentos produzi<strong>do</strong>s na roça Maravilha para a sua fazenda principal <strong>de</strong> Monte <strong>do</strong>Carmo. Contava ainda 5 poldros vin<strong>do</strong>s <strong>do</strong> sertão, 7 cavalos <strong>do</strong> benefício e condução <strong>do</strong>s ga<strong>do</strong>spara os cortes, 50 vacas, 130 e tantos bois, “tu<strong>do</strong> bravo, proximamente vin<strong>do</strong>uros da fazenda <strong>do</strong>sertão e largos nos pastos <strong>de</strong> Bento Pires entregues ao feitor e administra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> sítio chama<strong>do</strong> oCurral”, além <strong>de</strong> “to<strong>do</strong> o ga<strong>do</strong> pelargo nos anos atrasa<strong>do</strong>s nos ditos pastos e se acham com o ferro”.Na fazenda <strong>de</strong> Nossa Senhora <strong>do</strong> Monte <strong>do</strong> Carmo, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>dicava à ativida<strong>de</strong> minerária, acriação era mais variada para aten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>manda alimentar da proprieda<strong>de</strong>: várias cabeças <strong>de</strong>porcos, cabras, carneiros, vitelas e mais crias que <strong>nas</strong>ceram e se achavam nos logra<strong>do</strong>uros <strong>de</strong> pasto;para os transportes, mais 4 carretões e 20 juntas <strong>de</strong> bois mansos para condução das ma<strong>de</strong>iras.Para to<strong>do</strong> o trabalho, esta unida<strong>de</strong> era composta por 141 escravos, entre homens e mulheres,sen<strong>do</strong> “117 nestas Mi<strong>nas</strong> (na fazenda principal) e 24 dispersos <strong>nas</strong> fazendas <strong>do</strong> sertão”. Vários erammão-<strong>de</strong>-obra especializada, sen<strong>do</strong> 1 pedreiro, 2 carapi<strong>nas</strong>, 3 ferreiros, 2 “pastores <strong>de</strong> bois” e 1“crioulo <strong>do</strong> ga<strong>do</strong>”. De fato, contar com escravos especializa<strong>do</strong>s, especialmente carpinteiros eferreiros para trabalharem em instalações próprias, era um outro recurso que alguns (poucos)minera<strong>do</strong>res dispunham para amenizar os custos com os reparos <strong>de</strong> rosários, bicames e ferramentasda lavra e da roça.Finalmente, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, condizente com a fortuna que este homem<strong>de</strong>tinha, Francisco Forte era proprietário <strong>de</strong> duas moradas <strong>de</strong> casas na Vila <strong>de</strong> Sabará, ambas emlugares privilegia<strong>do</strong>s: uma na rua Direita e outra no Largo da Igreja gran<strong>de</strong>.A comparação entre as duas unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras <strong>de</strong>scritas revela que ambas, <strong>de</strong> formageral, tinham uma <strong>estrutura</strong> <strong>de</strong> produção semelhante, baseada na associação da mineração comativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> agricultura e <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> animais, embora uma se <strong>de</strong>dicasse ao rebanho suíno e outraao ga<strong>do</strong> vacum e cavalar. Mas a principal diferença observada estava <strong>nas</strong> dimensões das unida<strong>de</strong>s.Para Carla Almeida, este fator explicaria inclusive as outras variáveis encontradas:É essa dimensão que também permitirá a opção por <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s tipos <strong>de</strong> produto. Porexemplo, só os proprietários com mais recursos estavam capacita<strong>do</strong>s a investirem naprodução <strong>de</strong> açúcar, já que os gastos com a montagem <strong>de</strong> um engenho exigia um grau <strong>de</strong>investimento bastante alto. O mesmo po<strong>de</strong>ria ser dito em relação ao tipo e ao número <strong>do</strong>rebanho possuí<strong>do</strong> pelos proprietários 44 .Possivelmente os eleva<strong>do</strong>s custos <strong>de</strong> instalação <strong>do</strong>s engenhos <strong>de</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar eaguar<strong>de</strong>nte justificam a ocorrência <strong>de</strong>sses maquinismos em ape<strong>nas</strong> 23,2% das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>rasdiversificadas. E, “como as proprieda<strong>de</strong>s mais lucrativas eram exatamente aquelas que maisdiversificavam suas ativida<strong>de</strong>s” 45 , logicamente a produção <strong>do</strong>s <strong>de</strong>riva<strong>do</strong>s da cana concentrou-se <strong>nas</strong>unida<strong>de</strong>s que conjugavam a mineração com uma próspera prática agropecuária. Enquanto no termo<strong>de</strong> Vila Rica nenhum engenho foi encontra<strong>do</strong>, em Mariana, 07 minera<strong>do</strong>res, além <strong>de</strong> se <strong>de</strong>dicarem àagricultura e à criação <strong>de</strong> animais, eram também senhores <strong>de</strong> engenho, como foi o caso <strong>do</strong> famoso<strong>de</strong>scobri<strong>do</strong>r Salva<strong>do</strong>r Fernan<strong>de</strong>s Furta<strong>do</strong> 46 . Já no termo <strong>de</strong> Sabará, 06 minera<strong>do</strong>res tinham engenhosergui<strong>do</strong>s em suas proprieda<strong>de</strong>s, sen<strong>do</strong> um <strong>de</strong>les também agricultor, enquanto to<strong>do</strong>s os outros se44 ALMEIDA. Homens Ricos, Homens Bons [...], p. 114.45 ALMEIDA. Homens Ricos, Homens Bons [...], p. 219.46 Entre os bens inventaria<strong>do</strong>s consta: “Uma parte <strong>de</strong> um engenho que tem vendi<strong>do</strong> <strong>de</strong> que é sócio com Baltasar da Silvada Fonseca que visto e avalia<strong>do</strong> pelos louva<strong>do</strong>s na parte que toca ao <strong>de</strong>funto e com ca<strong>nas</strong> e capoeiras pertencentes aoengenho com seu alambique e seu tacho e suas pipas e o mais pertencente ao dito engenho, <strong>de</strong>claran<strong>do</strong> que este engenhoé <strong>de</strong> telha e com suas senzalas – 1.400 /8 as ”. Inventário <strong>de</strong> FURTADO, Salva<strong>do</strong>r Fernan<strong>de</strong>s. CSM, códice 138, auto2800, 1º ofício, ano 1725.12


ocupavam paralelamente com a agropecuária. Atestan<strong>do</strong> sua riqueza, entre estes últimos,encontrava-se novamente Jacinto Vieira da Costa, senhor <strong>de</strong> <strong>do</strong>is engenhos <strong>de</strong> cana.O mesmo também po<strong>de</strong> ser observa<strong>do</strong> para as vendas e lojas. Estas instalações foramencontradas em 14,3% das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras diversificadas, sen<strong>do</strong> que a maioria <strong>de</strong>las (06vendas/lojas) integrava a <strong>estrutura</strong> daquelas unida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>senvolviam a mineração paralelamentea ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> agropecuária.Outro da<strong>do</strong> a ser <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> diz respeito à presença <strong>de</strong> “ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte” <strong>nas</strong> unida<strong>de</strong>sminera<strong>do</strong>ras. As tendas <strong>de</strong> ferreiro e os diversos instrumentos <strong>de</strong> carpintaria 47 encontra<strong>do</strong>s indicamque vários minera<strong>do</strong>res procuravam dispor, <strong>nas</strong> suas próprias unida<strong>de</strong>s <strong>produtiva</strong>s, <strong>do</strong>s serviçosnecessários ao reparo e à reprodução <strong>do</strong>s seus meios <strong>de</strong> produção, como as ferramentas minerais eagrícolas, rodas e máqui<strong>nas</strong> hidráulicas, bicames, carros <strong>de</strong> boi, etc. Essas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> infra<strong>estrutura</strong>,quan<strong>do</strong> realizadas internamente, podiam significar uma redução nos custos, visto que osgastos com os serviços <strong>de</strong> oficiais carpinteiros e ferreiros foram uma constante para as diferentesunida<strong>de</strong>s <strong>produtiva</strong>s, especialmente para aquelas que buscavam o <strong>ouro</strong>. Significavam tambémmenores riscos ou prejuízos, pois a presença <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s, juntamente com escravosespecializa<strong>do</strong>s, podia evitar que os serviços minerais ou as lavouras ficassem paralisa<strong>do</strong>s por falta<strong>de</strong> manutenção ou reposição <strong>do</strong>s instrumentos <strong>de</strong> trabalho.As tendas <strong>de</strong> ferreiro estavam presentes em ape<strong>nas</strong> 19,1% das unida<strong>de</strong>s da amostragem e,como espera<strong>do</strong>, quase a totalida<strong>de</strong> concentrava-se <strong>nas</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção diversificada (92,3%).Pelo menos <strong>do</strong>is minera<strong>do</strong>res, os abasta<strong>do</strong>s Alexandre Gomes <strong>de</strong> Souza e Jacinto Vieira da Costa,chegaram a ter duas tendas em suas proprieda<strong>de</strong>s. As ferramentas <strong>de</strong> carpintaria, por sua vez, erambem mais difundidas, e cerca <strong>de</strong> 61,0% das unida<strong>de</strong>s pesquisadas possuíam pelo menos uminstrumento <strong>do</strong> ofício, quan<strong>do</strong> não um conjunto <strong>de</strong>les. É possível que esta maior distribuiçãoestivesse relacionada ao fato <strong>de</strong> as tarefas mais básicas da carpintaria, como serrar tabua<strong>do</strong>s e lixarma<strong>de</strong>iras, não requererem tanta perícia quan<strong>do</strong> comparadas com o trabalho <strong>de</strong> ferreiro e, por isso,seriam mais acessíveis a um indivíduo sem especialida<strong>de</strong>s. Além <strong>do</strong> mais, po<strong>de</strong>-se supor queadquirir ferramentas <strong>de</strong> carapina – como serras, formões, goivas, enxós, etc. – fosse mais barato <strong>do</strong>que montar uma tenda <strong>de</strong> ferreiro, cuja matéria-prima, por si só, já representava maiores gastos.No tocante à mão-<strong>de</strong>-obra, as unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras diversificadas, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à própriavarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s econômicas, tendiam a empregar um maior número <strong>de</strong> escravos. Aquelasque se <strong>de</strong>dicavam ape<strong>nas</strong> à agricultura, a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escravos variou entre 05 e 99 escravos. Jápara aquelas que se <strong>de</strong>dicavam à agropecuária, a menor quantida<strong>de</strong> encontrada foi <strong>de</strong> 15 indivíduos,enquanto as maiores tinham acima <strong>de</strong> 100. A exceção, no caso, é <strong>de</strong> Jacinto Vieira da Costa,proprietário que, sozinho, tinha 416 escravos distribuí<strong>do</strong>s pelas suas proprieda<strong>de</strong>s.A seguir, a TAB. 4 apresenta os tamanhos das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras, toman<strong>do</strong> por base onúmero <strong>de</strong> escravos inventaria<strong>do</strong>s ou <strong>de</strong>scritos em testamentos (total <strong>de</strong> 3.396 cativos). Para tanto,a<strong>do</strong>tou-se como referência a posse <strong>de</strong> 30 escravos, visto ter si<strong>do</strong> este o critério estabeleci<strong>do</strong> pelaCoroa portuguesa, em 19 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1752, para conce<strong>de</strong>r privilégios aos minera<strong>do</strong>resexecuta<strong>do</strong>s por dívidas 48 . Resta dizer que a menor posse encontrada foi <strong>de</strong> 4 escravos e a maior foi<strong>de</strong> 416.Como po<strong>de</strong> ser observa<strong>do</strong>, as unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras com pequenos plantéis (<strong>de</strong> 04 a 29escravos) eram pre<strong>do</strong>minantes e, com uma média <strong>de</strong> 15,1 escravos, concentravam a menor parcelada mão-<strong>de</strong>-obra, menor até <strong>do</strong> que chegou a possuir um único minera<strong>do</strong>r. As unida<strong>de</strong>s media<strong>nas</strong>,por sua vez, com uma média <strong>de</strong> 39,3 escravos por minera<strong>do</strong>r, concentravam a maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mão-<strong>de</strong>-obra. Um da<strong>do</strong> importante diz respeito à ocorrência temporal <strong>de</strong>ssas unida<strong>de</strong>s. Ambas se47 Entre as ferramentas <strong>do</strong> oficio <strong>de</strong> carpintaria, foram encontra<strong>do</strong>s: formões, goivas, plai<strong>nas</strong>, enxó, martelos, serras <strong>de</strong>mão e braçais, tra<strong>do</strong>s, verrumas, compassos, junteiras, escopros, rabotes, etc.48 O “privilégio da trintena”, como ficou conheci<strong>do</strong>, <strong>de</strong>terminava: “Por ser da minha Real intenção querer semprefavorecer aos meus vassalos, que trabalham <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong>, e que neste emprego se fazem tão dignos <strong>de</strong>la. Hei por bemfazer-lhes mercê, e graça <strong>de</strong> que a to<strong>do</strong> o Mineiro, que tiver trinta escravos próprios, e daí para cima, se não façaexecução, e penhora nos mesmos escravos, nem na fábrica <strong>de</strong> minerar, corren<strong>do</strong> só a dita execução em os mais bens, ena terça parte <strong>do</strong>s lucros, que tirarem das Mi<strong>nas</strong>. O Conselho Ultramarino o tenha assim entendi<strong>do</strong>, e o faça executar”.AHU-MAMG. Cx. 59; <strong>do</strong>c. 49.13


esten<strong>de</strong>m ao longo <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong>limita<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>cumentação pesquisada, ou seja, estavampresentes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1720 e permaneceram até os últimos anos <strong>do</strong> século XVIII. Além disso,juntas, correspon<strong>de</strong>m a 72,1% das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta amostragem, abarcan<strong>do</strong> quase 40% da populaçãoescrava encontrada. Diante <strong>de</strong>ssas constatações, uma hipótese aventada é a <strong>de</strong> que os plantéis aquiconsi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s pequenos e médios eram os mais comuns entre unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras setecentistas.TABELA 4Unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras – tamanho com base no plantel <strong>de</strong> escravosUnida<strong>de</strong>s Minera<strong>do</strong>ras Total % Perío<strong>do</strong> Escravos % MédiaUnida<strong>de</strong>s Peque<strong>nas</strong>(04 a 29)25 36,8 1722-1791 377 11,1 15,1Unida<strong>de</strong>s Médias(30 a 59)24 35,3 1725-1798 944 27,8 39,3Unida<strong>de</strong>s Gran<strong>de</strong>s(60 a 99)11 16,2 1734-1777 828 24,4 75,3Unida<strong>de</strong>s Muito Gran<strong>de</strong>s(mais <strong>de</strong> 100)07 10,3 1732-1763 831 24,5 118,7Unida<strong>de</strong> Particular(mais <strong>de</strong> 400)01 1,5 1760 416 12,2 416Total 68 100 1722-1798 3.396 100Fonte: Inventários e testamentos da CSM, CPOP e CBG.Em contrapartida, as unida<strong>de</strong>s gran<strong>de</strong>s e as muito gran<strong>de</strong>s concentraram cerca <strong>de</strong> 49,0% <strong>de</strong>toda a população escrava, mas só representaram 26,5% das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras. A suadistribuição temporal também é significativa, pois indica que as unida<strong>de</strong>s mais complexas sóexistiram durante o perío<strong>do</strong> próspero da mineração, quan<strong>do</strong> a contingência <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s lucrosprivilegiou alguns poucos. Ambas ape<strong>nas</strong> aparecem a partir da década <strong>de</strong> 1730, quan<strong>do</strong> a dinâmicadas Mi<strong>nas</strong> já estava consolidada nos seus múltiplos aspectos (povoamento, comércio, justiça,abastecimento, preços, merca<strong>do</strong>, etc.). E, enquanto as unida<strong>de</strong>s muito gran<strong>de</strong>s sobreviveram até1763 – marco da <strong>de</strong>cadência aurífera – as gran<strong>de</strong>s suspiraram até fins da década <strong>de</strong> 1770, quan<strong>do</strong> osreflexos da crise tornaram-se inevitáveis e contun<strong>de</strong>ntes. Possivelmente, a partir daí, as peque<strong>nas</strong> emédias unida<strong>de</strong>s foram as opções mais acessíveis aos minera<strong>do</strong>res. Vale a pena lembrar que essaconstatação confirma a conclusão da historia<strong>do</strong>ra Carla Almeida, segun<strong>do</strong> a qual a década <strong>de</strong> 1780foi o marco inicial da mudança <strong>de</strong> eixo da economia mineira, quan<strong>do</strong> a pre<strong>do</strong>minância da mineração<strong>nas</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>produtiva</strong>s <strong>de</strong>u lugar para a agropecuária 49 .As tabelas seguintes reúnem os da<strong>do</strong>s até aqui apresenta<strong>do</strong>s quanto à <strong>estrutura</strong> <strong>produtiva</strong> dasunida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras, relacionan<strong>do</strong>-as com as dimensões <strong>do</strong>s plantéis encontra<strong>do</strong>s. Pelasinformações da TAB. 5, nota-se que 36% das “unida<strong>de</strong>s peque<strong>nas</strong>” (04 a 29 escravos) eram <strong>do</strong> tiposimples, o que permite afirmar que essas unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras ten<strong>de</strong>ram a plantéis menores. Como,nessas unida<strong>de</strong>s, os minera<strong>do</strong>res voltavam-se exclusivamente para a extração aurífera, é provávelque tal tendência esteja relacionada às próprias condições <strong>de</strong> manutenção/sustento da força <strong>de</strong>trabalho. Nestes casos, a maior ou menor quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra cativa empregada nos serviçosminerais estaria condicionada à riqueza das lavras exploradas.Já <strong>nas</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção diversificada, os plantéis com mais <strong>de</strong> 30 escravos erampre<strong>do</strong>minantes. Naturalmente, para <strong>de</strong>senvolver diferentes ativida<strong>de</strong>s e, ao mesmo tempo, garantir aprodução aurífera, era necessário ter mais braços disponíveis. Contu<strong>do</strong>, é significativo que umaparcela expressiva das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras com menos <strong>de</strong> 30 escravos (64,0%) apresentassem sua<strong>estrutura</strong> <strong>produtiva</strong> diversificada. Observan<strong>do</strong> mais <strong>de</strong> perto, nota-se porém que, nesses casos, amineração estava associada ape<strong>nas</strong> à agricultura (48,0%). Certamente essa amostragem representa49 “Toman<strong>do</strong> a comarca mais marcada pela ativida<strong>de</strong> minera<strong>do</strong>ra perceberemos que, se até a década <strong>de</strong> 1770 amineração estava presente em 62,9% das proprieda<strong>de</strong>s da Comarca <strong>de</strong> Vila Rica, entre 1780 e 1822, este número nãopassaria <strong>de</strong> 33,1%”. ALMEIDA. Homens Ricos, Homens Bons [...], p. 98.14


aquelas unida<strong>de</strong>s mais comuns, on<strong>de</strong> em uma mesma proprieda<strong>de</strong>, ao la<strong>do</strong> da lavra, o minera<strong>do</strong>rcultivava sua roça, sustentava os escravos e a família, quan<strong>do</strong> não dispunha <strong>de</strong> produção exce<strong>de</strong>ntepara ven<strong>de</strong>r <strong>nas</strong> feiras mais próximas.TABELA 5Tamanho/plantel <strong>de</strong> escravos x Estrutura <strong>produtiva</strong> das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>rasTamanho Unid. Unid. Unid. Unid. Mto Unid.Tipo (%)Peque<strong>nas</strong> Médias Gran<strong>de</strong>s Gran<strong>de</strong>s ParticularUnida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras simples 36,0 8,3 9,1 00 00Unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras diversificadas 64,0 91,7 90,9 100,0 100,0Agricultura 48,0 25,0 36,4 00 00Agropecuária 16,0 66,7 54,5 100,0 100,0Engenho <strong>de</strong> cana 4,0 25,0 9,1 57,1 100,0Vendas/Lojas 12,0 8,3 00 42,8 00Fonte: Inventários e testamentos da CSM, CPOP e CBG.Em contrapartida, as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção diversificada, que consorciavam a mineraçãocom a agropecuária, necessariamente apresentavam um plantel com mais <strong>de</strong> 30 escravos, sen<strong>do</strong> o<strong>de</strong>staque para aquelas consi<strong>de</strong>radas “muito gran<strong>de</strong>s”, on<strong>de</strong> 100,0% <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res que se<strong>de</strong>dicaram simultaneamente à ativida<strong>de</strong> agrícola e à criação <strong>de</strong> animais chegaram a possuir mais <strong>de</strong>100 escravos. Essas unida<strong>de</strong>s diversificaram ainda mais sua produção com as instalações <strong>de</strong>engenhos <strong>de</strong> cana (57,1%) e vendas/lojas (42,8%).A TAB. 6 traz os mesmos da<strong>do</strong>s da tabela anterior, porém sob outro ponto <strong>de</strong> vista. Nelatambém foram incluídas as informações respeitantes às “ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suporte”. As informaçõesforam dispostas mais <strong>de</strong>talhadamente, indican<strong>do</strong>-se os valores absolutos encontra<strong>do</strong>s para cadacategoria, além das porcentagens que representam no conjunto.É possível observar, por exemplo, que das 12 unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras simples i<strong>de</strong>ntificadas nogrupo da amostragem, 09 (ou 75,0%) tinham um plantel entre 04 e 29 escravos; uma <strong>de</strong>las tinhatenda <strong>de</strong> ferreiro e em 04 foram encontradas ferramentas <strong>de</strong> carpintaria. O restante das unida<strong>de</strong>sminera<strong>do</strong>ras simples tinha plantéis entre médios e gran<strong>de</strong>s. O mesmo raciocínio <strong>de</strong>ve ser usa<strong>do</strong> paraenten<strong>de</strong>r os da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s para as 56 unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras diversificadas subdivididas em“agricultura” e “agropecuária”. Percebe-se que, quan<strong>do</strong> as unida<strong>de</strong>s conjugavam a mineraçãoape<strong>nas</strong> com a ativida<strong>de</strong> agrícola, a tendência foi terem plantéis menores (54,5% <strong>do</strong>s casos). Jáquan<strong>do</strong> as unida<strong>de</strong>s associavam a agropecuária, a tendência foi apresentarem plantéis médios(47,1% <strong>do</strong>s casos). Nessa mesma faixa, concentrou-se também a ocorrência <strong>do</strong>s engenhos <strong>de</strong> cana,das tendas <strong>de</strong> ferreiro e das ferramentas <strong>de</strong> carpintaria.Isso permite pensar que um plantel entre 30 e 59 escravos era então suficiente para umminera<strong>do</strong>r diversificar sua produção econômica, investin<strong>do</strong> ao mesmo tempo em várias ativida<strong>de</strong>slucrativas. As unida<strong>de</strong>s com maiores quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra seriam reproduções, em maiorescala, das unida<strong>de</strong>s media<strong>nas</strong> e estariam circunscritas aos mais afortuna<strong>do</strong>s, visto que “o tamanho<strong>do</strong> plantel e a dimensão da fortuna eram expressão <strong>de</strong> uma mesma hierarquia sócio-econômica” 50 .É interessante consi<strong>de</strong>rar ainda que, toman<strong>do</strong>-se os minera<strong>do</strong>res abasta<strong>do</strong>s (1756)separadamente <strong>do</strong> restante da amostragem, 66,7% <strong>de</strong>les contavam com um plantel médio quan<strong>do</strong>foram feitos seus inventários/testamentos.50 ALMEIDA. Homens Ricos, Homens Bons [...], p. 222.15


TABELA 6Estrutura <strong>produtiva</strong> das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras x Tamanho/plantel <strong>de</strong> escravosUNIDADES MINERADORAS – ESTRUTURA PRODUTIVAUnida<strong>de</strong>s diversificadasFer. <strong>de</strong>carpintariaTenda <strong>de</strong>ferreiroVenda / lojaEngenhoAgropecuáriaAgriculturaFer. <strong>de</strong>carpintariaTenda <strong>de</strong>ferreiroUnida<strong>de</strong>ssimplesTAMANHO/ESCRAVOSUnida<strong>de</strong>s peque<strong>nas</strong> 09 01 04 12 04 01 03 00 07(01 a 29)% 75,0 100,0 80,0 54,5 11,8 7,7 37,5 00 18,9Unida<strong>de</strong>s Médias 02 00 01 06 16 06 02 06 14(30 a 59)% 16,7 00 20,0 27,3 47,1 46,1 25,0 50,0 37,8Unida<strong>de</strong>s Gran<strong>de</strong>s 01 00 00 04 06 01 00 02 10(60 a 99)% 8,3 00 00 18,2 17,6 7,7 00 16,7 27,0Unida<strong>de</strong>s Muito Gran<strong>de</strong>s 00 00 00 00 07 04 03 03 05(mais <strong>de</strong> 100)% 00 00 00 00 20,6 30,8 37,5 25,0 13,6Unida<strong>de</strong> Particular --- --- --- --- 01 01 00 01 01(mais <strong>de</strong> 400)% --- --- --- --- 2,9 7,7 00 8,3 2,7Total 12 01 05 22 34 13 08 12 37Fonte: Inventários e testamentos da CSM, CPOP e CBG.Soman<strong>do</strong>-se to<strong>do</strong>s esses da<strong>do</strong>s com aqueles dispostos na TAB. 4 – on<strong>de</strong> se percebe que35,3% das unida<strong>de</strong>s da amostragem tinham um plantel médio; concentravam a maior quantida<strong>de</strong><strong>do</strong>s escravos (27,8%) e estavam presentes <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1720 –, fica fácil enten<strong>de</strong>rpor que a Coroa portuguesa a<strong>do</strong>tou como critério o mínimo <strong>de</strong> 30 escravos para <strong>de</strong>ferir o privilégioaos minera<strong>do</strong>res executa<strong>do</strong>s por dívidas.O trabalho escravo <strong>nas</strong> lavras auríferasOs inventários e testamentos, bem como as outras fontes <strong>do</strong>cumentais pesquisadas,fornecem importantes indícios para se pensar o trabalho escravo <strong>nas</strong> lavras auríferas, embora muitasvezes as informações se apresentem fragmentadas. A iconografia, particularmente, é uma das fontesmais expressivas. Para citar aqui ape<strong>nas</strong> um exemplo, a cena seguinte reserva gran<strong>de</strong> interesse, aopermitir apreen<strong>de</strong>r aspectos da organização e da dinâmica <strong>do</strong> trabalho escravo no espaço das lavras.Como po<strong>de</strong> ser observa<strong>do</strong>, os escravos, num movimento circular contínuo ao longo da rampa quedá acesso ao interior da cata, <strong>de</strong>scem com os carumbés vazios, enquanto um <strong>de</strong>les, posiciona<strong>do</strong> naparte inferior, <strong>de</strong>dica-se a encher os recipientes. Em seguida, os escravos sobem com o sedimentoaurífero nos carumbés sobre a cabeça e o <strong>de</strong>spejam em montes para ser <strong>de</strong>pois apura<strong>do</strong> <strong>nas</strong> canoas(retratadas no fun<strong>do</strong> da cena). A participação feminina na mineração também po<strong>de</strong> ser atestada pelapresença <strong>de</strong> duas escravas que, juntamente com os outros 20 negros, realizam o transporte <strong>do</strong>material. Neste caso, o trabalho não se encontra sexualmente dividi<strong>do</strong>.16


Fig. 1 – Mo<strong>do</strong> como se estrai o <strong>ouro</strong> no Rio das velhas, e<strong>nas</strong> mais partes que á Rios [sic]. Autoria nãoi<strong>de</strong>ntificada.Nota-se a utilização <strong>do</strong> rosário, movi<strong>do</strong> por rodahidráulica, para o esgotamento da infiltração da cata.MOURA, Carlos Eugênio Marcon<strong>de</strong>s <strong>de</strong>. A Travessia daCalunga Gran<strong>de</strong>: Três Séculos <strong>de</strong> Imagens sobre oNegro no Brasil (1637-1899). São Paulo: Editora daUniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, Imprensa Oficial, 2000.Finalmente, observa-se a presença <strong>de</strong> um feitor que supervisiona os escravos e mantém oritmo da ativida<strong>de</strong> com o seu ameaça<strong>do</strong>r chicote. Em geral, esta função era exercida por parentes,filhos (naturais ou legítimos) ou homens <strong>de</strong> confiança <strong>do</strong> proprietário da lavra, posto queintermediavam o processo <strong>de</strong> exploração, fazen<strong>do</strong> com que o <strong>ouro</strong> chegasse às mãos <strong>do</strong>minera<strong>do</strong>r 51 . Além disso, certamente, para ser feitor, era preciso ser conhece<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong>extração e ter experiência <strong>de</strong> trabalho <strong>nas</strong> lavras.Um minera<strong>do</strong>r abasta<strong>do</strong>, que tivesse condições <strong>de</strong> arcar com as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> sustento e <strong>de</strong>pagamentos <strong>de</strong> salários, podia ter vários feitores nos seus serviços, especialmente naqueleslocaliza<strong>do</strong>s em áreas mais afastadas <strong>do</strong>s núcleos urbanos. Isso se fazia necessário, sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong>esse minera<strong>do</strong>r, pela sua própria posição socioeconômica, precisava se <strong>de</strong>slocar até as vilas ouarraiais, on<strong>de</strong> exercia funções da administração colonial, ocupava postos militares, participava das<strong>de</strong>cisões da Câmara, <strong>do</strong>s espaços <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> e das <strong>de</strong>voções religiosas.Se o minera<strong>do</strong>r tivesse lavras em socieda<strong>de</strong>s, os mesmos sócios podiam fazer as vezes <strong>de</strong>caixa e administra<strong>do</strong>r. Se não, precisavam <strong>do</strong>s feitores para prestarem as contas e vigiarem otrabalho <strong>do</strong>s escravos. Mas, ainda assim, muitas vezes preferiam administrar <strong>de</strong> perto o seu negócio,chegan<strong>do</strong> até a pedir licença <strong>do</strong> exercício <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s cargos. Foi o que fez Francisco da SilvaForte, notifica<strong>do</strong> pelo Juízo <strong>do</strong>s Órfãos para ser tutor e cura<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s her<strong>de</strong>iros menores <strong>de</strong> JacintoVieira da Costa. Para tanto, alegava ao juiz ser mineiro, “em cujo exercício traz atualmente ocupa<strong>do</strong>gran<strong>de</strong> fábrica <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> cem escravos” e, por essa razão, era indispensável “a atual assistência <strong>de</strong>sua pessoa na administração da dita fábrica e seus serviços minerais, que os não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar [?] com[gravida<strong>de</strong>?] <strong>de</strong> incômo<strong>do</strong> e prejuízo <strong>do</strong> suplicante, <strong>do</strong> público e Real Erário para vir tratar <strong>de</strong><strong>de</strong>pendências da dita tutela” 52 .Já os minera<strong>do</strong>res mais pobres, sem condições para arcar com feitores, não restava outraopção a não ser supervisionar pessoalmente seus serviços, acompanhan<strong>do</strong> o trabalho <strong>do</strong>s seusescravos. Chegavam mesmo a viver com eles nos acampamentos instala<strong>do</strong>s <strong>nas</strong> proximida<strong>de</strong>s daexploração, como no caso <strong>de</strong> André Macha<strong>do</strong> da Cunha, que “tinha rancho na lavra <strong>do</strong> Morro <strong>do</strong>Pires, no qual assistia sempre continuamente ao serviço com fogo, e cama <strong>de</strong> dia e <strong>de</strong> noite,51 Entre as dívidas <strong>do</strong> minera<strong>do</strong>r Luís da Silva Maia constava <strong>de</strong>ver 50$000 réis a Felipe da Costa, seu sobrinho, “porum ano que serviu <strong>de</strong> feitor”. Inventário <strong>de</strong> MAIA, Luís da Silva. CPOP, códice 92, auto 1115, 1º ofício, ano 1743. fl10. O minera<strong>do</strong>r Antônio da Rocha Lima, tinha vários feitores nos seus serviços, entre eles o seu filho natural Franciscoda Rocha Lima. Inventário <strong>de</strong> LIMA, Antônio da Rocha. CBG, CSO I (25) 221, ano 1768. fl 58.52 Obteve parecer favorável. Inventário <strong>de</strong> COSTA, Jacinto Vieira da. CBG, CSO I (21) 189. Doc. em anexo, fl 103.17


principalmente em dias <strong>de</strong> trabalho, e não vinha só a ver os escravos, como falsamente se alega, mascom eles vivia e assistia no dito morro” 53 .É interessante mencionar que, em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s aspectos, a organização <strong>do</strong> trabalho <strong>nas</strong>lavras auríferas da América espanhola se aproxima <strong>do</strong> encontra<strong>do</strong> para as lavras das Mi<strong>nas</strong>setecentistas. Na América espanhola, a principal região produtora <strong>de</strong> <strong>ouro</strong> era o Vice-Reino <strong>de</strong> NovaGranada, atual Colômbia 54 . O conjunto <strong>de</strong> escravos <strong>de</strong> um proprietário era chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> cuadrilla e,<strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Robert West, “el propietario minero colonial <strong>de</strong>l occi<strong>de</strong>nte colombiano era conoci<strong>do</strong>usualmente como um ‘señor <strong>de</strong> cuadrilla’, una indicación <strong>de</strong> la importancia atribuída a lãs cuadrillasem las mi<strong>nas</strong>” 55 . O tamanho das cuadrillas mineiras variava <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o trabalho a serrealiza<strong>do</strong>, a potencialida<strong>de</strong> da jazida e os recursos <strong>do</strong> minera<strong>do</strong>r para o investimento.Tal como os feitores, um capataz branco ou mulato – o “administra<strong>do</strong>r <strong>de</strong> mi<strong>nas</strong>” –manejava as cuadrillas. Era responsável por administrar as provisões aos escravos, evitar fugas,castigar, recolher o <strong>ouro</strong> produzi<strong>do</strong>, prestar contas ao <strong>do</strong>no da mina. No caso <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>respobres, eram eles mesmos os “administra<strong>do</strong>res” e viviam com suas cuadrillas no local <strong>de</strong>exploração. O mais interessante <strong>de</strong>ssa organização, contu<strong>do</strong>, era a presença <strong>do</strong> capitão <strong>de</strong> cuadrilla:“a la cabeza <strong>de</strong> cada cuadrilla estaba un esclavo negro, el ‘capitán <strong>de</strong> cuadrilla’, cuyos <strong>de</strong>beresincluían el mantenimiento <strong>de</strong> la disciplina, la distribución <strong>de</strong> alimentos e la recolección <strong>de</strong>l productosemanal <strong>de</strong> oro para entregarlo al administra<strong>do</strong>r” 56 . Ainda <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com o referi<strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r, ocapitão era uma presença importante e teria o caráter <strong>de</strong> um chefe, gozan<strong>do</strong> <strong>do</strong> respeito <strong>de</strong> suacuadrilla. Também era respeita<strong>do</strong> pelo seu senhor que o estimulava com “prêmios” (porçõesavulsas <strong>de</strong> queijo, presunto, tabaco, etc.) para induzi-lo a manter o trabalho <strong>do</strong>s escravos.Para as Mi<strong>nas</strong>, nenhuma informação que confirmasse a existência <strong>de</strong>sses “capitães” escravos<strong>nas</strong> lavras foi encontrada. Todavia, é sugestivo, nesse senti<strong>do</strong>, o fato <strong>de</strong> alguns minera<strong>do</strong>respossuírem escravos com “patentes” no seu plantel, tal como foi registra<strong>do</strong> nos seus inventários postmortem.Assim, no plantel <strong>do</strong> Sargento-mor Paulo Rodrigues Durão, entre os seus 128 escravosestava José “Capitão” Cobu Mina 57 . Antônio Correa da Silva tinha um escravo por nome Joaquim“Capitão”, 40 anos, avalia<strong>do</strong> em 140$000 réis, o maior valor <strong>do</strong> plantel 58 . Também no plantel <strong>de</strong>Antônio da Rocha Lima foi encontra<strong>do</strong> o escravo José “Capitão” Cabo-Ver<strong>de</strong>, 45 anos e avalia<strong>do</strong>no mesmo valor 59 . Já no plantel <strong>do</strong> Mestre-<strong>de</strong>-campo Jacinto Vieira da Costa, constava LourençoCourano, “por apeli<strong>do</strong> o Tenente”, com 45 anos e “uma fonte em um braço”, avalia<strong>do</strong> em ape<strong>nas</strong>40$000 réis, um <strong>do</strong>s escravos mais baratos 60 . Ainda que pouco avanço se faz em relação àespeculações, fica aqui a pergunta se esses escravos não teriam a mesma função daqueles capitães<strong>de</strong> cuadrilla.Outro aspecto a ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> quanto ao trabalho escravo diz respeito à presença femininana mineração. Nas lavras auríferas <strong>de</strong> Nova Granada, “las negras como las mujeres indias,resultaram excelentes nada<strong>do</strong>ras y lava<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> oro em las mi<strong>nas</strong> <strong>de</strong> aluvión” 61 . E, mais ainda, as53 Trata-se <strong>do</strong> minera<strong>do</strong>r mais pobre <strong>do</strong> grupo da amostragem, cujo monte-mor foi avalia<strong>do</strong> em 676$850 réis. No morro<strong>do</strong> Pires, tinha um serviço <strong>de</strong> buracos <strong>de</strong> <strong>ouro</strong> fino, no qual trabalhavam três escravos angola e um mina, com ida<strong>de</strong>sentre 25 e 38 anos. Inventário <strong>de</strong> GUIMARÃES, André da Cunha. CBG, CSO I (23) 211, ano 1763. Documento emanexo: “Causa entre o Reveren<strong>do</strong> Doutor Jerônimo <strong>de</strong> Sá Vilhena, vigário das Congonhas, e o testamenteiro, oAjudante Antônio Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Miranda”. fl. 126.54 As três principais províncias produtoras <strong>de</strong> <strong>ouro</strong> eram Antioquia, Popayán e Choco. WEST, Robert. La Mineria <strong>de</strong>Aluvion em Colômbia Durante el Perio<strong>do</strong> Colonial. Bogotá: Imprenta Nacional, 1972.55 WEST. La mineria <strong>de</strong> aluvion em Colombia durante el perio<strong>do</strong> colonial, p. 84.56 WEST. La mineria <strong>de</strong> aluvion em Colombia durante el perio<strong>do</strong> colonial, p. 85.57 Este minera<strong>do</strong>r tinha ainda 10 escravos especializa<strong>do</strong>s entre ferreiros, carpinteiros, cozinheiros, oleiro, tanoeiro,carreiro. Os escravos foram <strong>de</strong>scritos em uma escritura <strong>de</strong> venda <strong>do</strong>s bens e não foram discrimina<strong>do</strong>s com as ida<strong>de</strong>s evalores. Inventário <strong>de</strong> DURÃO, Paulo Rodrigues. CSM, códice 115, auto 2377, 1º ofício, ano 1743.58 Ape<strong>nas</strong> um outro escravo por nome Domingos (nação não i<strong>de</strong>ntificada), 40 anos, foi avalia<strong>do</strong> na mesma quantia.Inventário <strong>de</strong> CORREA, Antônio da Silva. CSM, códice 39, auto 894, 1º ofício, ano 1798.59 No caso, o escravo mais caro <strong>do</strong> plantel era João Mulato, 18-19 anos, com principio <strong>de</strong> sapateiro, avalia<strong>do</strong> em170$000 réis. Inventário <strong>de</strong> LIMA, Antônio da Rocha. CBG, CSO I (25) 221, ano 1768.60 Inventário <strong>de</strong> COSTA, Jacinto Vieira da. CBG, CSO I (21) 189, ano 1760.61 WEST. La mineria <strong>de</strong> aluvion em Colombia durante el perio<strong>do</strong> colonial, p. 84.18


mulheres estavam presentes na mesma proporção que os escravos homens, sen<strong>do</strong> que uma cuadrillatípica <strong>de</strong> Zaragoza em fins <strong>do</strong> século XVI tinha 21 escravos, 11 homens e 10 mulheres. West dáainda o exemplo <strong>de</strong> um senhor <strong>de</strong> cuadrilla <strong>de</strong> Remédios que em 1632 possuía 94 escravos. Destes,50 <strong>de</strong>dicavam-se à mineração, sen<strong>do</strong> 18 homens e 32 mulheres; 22 eram emprega<strong>do</strong>s no serviçoagrícola e os outros 22 eram velhos e crianças que <strong>de</strong>sempenhavam tarefas <strong>do</strong>mésticas 62 .Esses da<strong>do</strong>s chamam a atenção, uma vez que ilustram uma realida<strong>de</strong> completamentediferente daquela encontrada <strong>nas</strong> lavras <strong>de</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais. Analisan<strong>do</strong> o plantel <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res <strong>do</strong>grupo da amostragem, percebe-se que em nenhum caso o número <strong>de</strong> escravas foi maior <strong>do</strong> que o <strong>de</strong>escravos, sen<strong>do</strong> que pelo menos 8 minera<strong>do</strong>res (11,8%) não tinham nenhuma mulher. A proporçãomais aproximada foi encontrada no inventário da preta forra Rosa da Silva Torres, no qual, <strong>do</strong>s 11escravos registra<strong>do</strong>s, 6 eram homens e 5 mulheres, <strong>de</strong>ntre elas uma mulatinha <strong>de</strong> sete anos 63 . Já amaior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escravas foi encontrada no plantel <strong>de</strong> Manoel Pinto da Mota: <strong>do</strong> total <strong>de</strong> 115escravos, 51 eram <strong>do</strong> sexo feminino e 64 <strong>do</strong> masculino. No plantel <strong>de</strong> Jacinto Vieira da Costa, parao qual se esperava um maior número <strong>de</strong> escravas visto ser composto <strong>de</strong> 416 cativos, ape<strong>nas</strong> 28 erammulheres.A diferença na composição sexual observada <strong>nas</strong> lavras <strong>de</strong> Nova Granada e das Mi<strong>nas</strong>estaria ligada à questão das leis <strong>de</strong> merca<strong>do</strong> da mão-<strong>de</strong>-obra escrava. Primeiramente, é precisoconsi<strong>de</strong>rar que os próprios esforços físicos exigi<strong>do</strong>s pela mineração tornavam os braços masculinospreferíveis ao feminino. Assim, a maior procura <strong>de</strong> homens por parte <strong>do</strong>s senhores <strong>de</strong> escravos serefletia na preferência pela captura <strong>de</strong> “peças” masculi<strong>nas</strong> no continente africano. Nesse senti<strong>do</strong>,como informa Douglas Libby, “enquanto uma socieda<strong>de</strong> escravista mantivesse sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>importar cativos e se encontrasse efetivamente engajada no tráfico negreiro como compra<strong>do</strong>r, ela<strong>de</strong>veria possuir uma população escrava com uma alta razão <strong>de</strong> masculinida<strong>de</strong>” 64 . Soman<strong>do</strong> apreferência pelo cativo masculino ao da<strong>do</strong> <strong>de</strong> que o Brasil, entre os séculos XVI-XIX, absorveu38% <strong>do</strong> tráfico atlântico <strong>de</strong> africanos enquanto a América espanhola absorveu 17% 65 , po<strong>de</strong>-se suporque a maior presença feminina <strong>nas</strong> lavras <strong>de</strong> Nova Granada seja resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma baixa oferta <strong>de</strong>mão-<strong>de</strong>-obra masculina para aquela região.Para as Mi<strong>nas</strong>, contribuiria ainda para a pre<strong>do</strong>minância masculina nos plantéis o fato <strong>de</strong> asescravas conseguirem obter mais facilmente, por diversas estratégias, sua alforria ou coartação 66 .No entanto, o mais interessante a ser observa<strong>do</strong> aqui é que as escravas – tal como as forras emulheres livres – também participavam <strong>do</strong> <strong>cotidiano</strong> das explorações. Com efeito, Eduar<strong>do</strong> Françajá i<strong>de</strong>ntificava a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se <strong>de</strong>smistificar a idéia generalizada <strong>de</strong> que as negras não estariamatuan<strong>do</strong> diretamente na ativida<strong>de</strong> minerária, interferin<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>terminante na sua dinâmica, damesma forma como interferiram no meio urbano, na dinâmica das cida<strong>de</strong>s, vilas e arraiais 67 .Fundamenta sua hipótese o fato <strong>de</strong> que em regiões minera<strong>do</strong>ras da África, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> saíram escravose escravas para o Brasil, em especial o reino Ashandi (atual Gana), as mulheres chegaram amonopolizar importantes setores <strong>de</strong>sta ativida<strong>de</strong>, como por exemplo o trabalho <strong>de</strong> faiscação <strong>do</strong><strong>ouro</strong>, ten<strong>do</strong>-se transforma<strong>do</strong> em mão-<strong>de</strong>-obra especializada tanto na África, quanto no Brasil.Assim, para o pesquisa<strong>do</strong>r, a crença <strong>do</strong>s minera<strong>do</strong>res durante os séculos XVIII e XIX <strong>de</strong> que possuir62 WEST. La mineria <strong>de</strong> aluvion em Colombia durante el perio<strong>do</strong> colonial, nota 49, p. 84.63 O restante <strong>do</strong> plantel tinha ida<strong>de</strong> entre 18 e 40 anos. Inventário <strong>de</strong> TORRES, Rosa da Silva. CSM, códice 63, auto1426, 2º ofício, ano 1742.64 LIBBY, Douglas Cole. Transformação e Trabalho em uma Economia Escravista: Mi<strong>nas</strong> Gerais no século XIX. SãoPaulo: Brasiliense, 1988. p. 56.65 Estes da<strong>do</strong>s foram retira<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Quadro 10 – Tráfico atlântico <strong>de</strong> escravos africanos em direção às Américas, séculosXVI a XIX, disponível em PAIVA, Eduar<strong>do</strong> França. Escravidão e Universo Cultural: Mi<strong>nas</strong> Gerais, 1716-1789. BeloHorizonte: Editora UFMG, 2001. p. 117.66 Sobre as estratégias das escravas para obtenção da liberda<strong>de</strong> ver PAIVA, Eduar<strong>do</strong> França. Escravos e libertos <strong>nas</strong>Mi<strong>nas</strong> <strong>do</strong> século XVIII: estratégias <strong>de</strong> resistência através <strong>do</strong>s testamentos. São Paulo: Annablume, 1995.67 PAIVA. Bateias, carumbés, tabuleiros: mineração africana e mestiçagem no Novo Mun<strong>do</strong>. In: PAIVA, Eduar<strong>do</strong> F. &ANASTASIA, Carla Maria J. O Trabalho Mestiço: maneiras <strong>de</strong> pensar e formas <strong>de</strong> viver; Séculos XVI a XIX. SãoPaulo/Belo Horizonte: Annablume/PPGH-UFMG, 2002.19


uma concubina <strong>de</strong> nação Mina trazia sorte nos <strong>de</strong>scobrimentos seria, na verda<strong>de</strong>, “aspectosalegóricos <strong>de</strong> um conhecimento técnico apura<strong>do</strong>, construí<strong>do</strong> durante cente<strong>nas</strong> <strong>de</strong> anos” 68Além da organização da mão-<strong>de</strong>-obra escrava nos serviços minerais – condução <strong>de</strong> águas,extração <strong>de</strong> sedimentos, apurações – é preciso consi<strong>de</strong>rar também a sua organização no interior dasunida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras. Naturalmente, os minera<strong>do</strong>res que tinham uma unida<strong>de</strong> <strong>produtiva</strong>diversificada dividiam seu plantel <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as diferentes ativida<strong>de</strong>s econômicas<strong>de</strong>senvolvidas, ten<strong>do</strong> escravos específicos para a agricultura, os engenhos, a criação <strong>de</strong> animais e osserviços <strong>do</strong>mésticos. Tal divisão era <strong>de</strong> fato indispensável para o funcionamento da <strong>estrutura</strong> comoum to<strong>do</strong>, mas principalmente para garantir a continuida<strong>de</strong> da produção aurífera, <strong>de</strong> forma queos escravos que ocupam em minerar não são os que trabalham <strong>nas</strong> roças, porque para otrabalho atual <strong>de</strong> um e outro exercício é necessário diferente número <strong>de</strong> escravos, porque se<strong>de</strong>ve advertir que no trabalho da execução <strong>do</strong> <strong>ouro</strong> se ocupam to<strong>do</strong> ano os escravos, e estesse não po<strong>de</strong> divertir para diferente serviço 69 .Outro da<strong>do</strong> que merece <strong>de</strong>staque quanto ao trabalho escravo <strong>nas</strong> unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras dizrespeito às especialida<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ntificadas nos plantéis analisa<strong>do</strong>s. De antemão, convém notar queape<strong>nas</strong> 27 minera<strong>do</strong>res (39,7%) apresentaram pelo menos um escravo com alguma especialização,enquanto a maioria (60,3%) não teria, <strong>de</strong> fato, nenhum escravo especializa<strong>do</strong> no seu plantel ou, se otinham, não foi menciona<strong>do</strong> no inventário/testamento. A tabela a seguir apresenta os da<strong>do</strong>sencontra<strong>do</strong>s.TABELA 7Escravos especializa<strong>do</strong>s <strong>nas</strong> unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>rasESCRAVOS ESPECIALIZADOSEspecialida<strong>de</strong>sTermo <strong>de</strong> Termo <strong>de</strong> Termo <strong>de</strong>Vila Rica Mariana SabaráTotalFerreiro 01 04 11 16Carpinteiro / Carapina 03 07 07 17Faisca<strong>do</strong>r / Mineiro 02 00 17 19Barbeiro / Sangra<strong>do</strong>r 03 11 14 28Outros* 09 25 21 55Total 18 47 70 135Fonte: Inventários e testamentos da CSM, CPOP e CBG.(*) Estão incluí<strong>do</strong>s escravos com diversas ocupações: sapateiros, cozinheiros(as),alfaiates/costureiras, músicos, pedreiros, carreiros, tanoeiros, etc.A preocupação centrou-se naquelas ocupações mais diretamente relacionadas à ativida<strong>de</strong>minerária. Assim, os escravos com habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> barbeiros e/ou sangra<strong>do</strong>res foram consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s,uma vez que po<strong>de</strong>riam ser emprega<strong>do</strong>s na cura e no tratamento <strong>de</strong> escravos <strong>do</strong>entes e daqueles quese machucavam nos aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho ou até em brigas, circunstâncias estas, aliás, corriqueirasno espaço das lavras. A atuação <strong>de</strong>sses escravos, em certa medida, contribuiria para a manutençãoda mão-<strong>de</strong>-obra, aten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> pelo menos às <strong>de</strong>mandas mais imediatas e evitan<strong>do</strong> maiores gastos commédicos, cirurgiões e boticas. O Capitão José <strong>de</strong> Souza Porto, por exemplo, no seu sítio localiza<strong>do</strong>no Morro <strong>do</strong> Menino <strong>de</strong> Deus, termo <strong>de</strong> Sabará, sugestivamente tinha “enfermarias”, além das casas<strong>de</strong> vivenda, hospedaria e senzalas 70 . No seu plantel, havia três escravos barbeiros, mais uma tenda68 PAIVA. Trabalho Mestiço: Maneiras <strong>de</strong> Pensar e Formas <strong>de</strong> Viver - Séculos XVIII a XIX, 2002.69 MOREIRA, Tomé Gomes. Papel feito acerca <strong>de</strong> como se estabeleceu a capitação <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais [...]; [1749]. In:Códice Costa Matoso, 1999. Doc. 53, vol. 1, p. 468.70 Inventário <strong>de</strong>. PORTO, José <strong>de</strong> Souza. CBG, CSO I (26) 234. fl 38.20


com <strong>do</strong>is ferreiros e um ferra<strong>do</strong>r, um escravo carpinteiro, um esteireiro, um outro com princípio <strong>de</strong>sapateiro (com sua tenda), três músicos e um faisca<strong>do</strong>r 71 .Com relação aos escravos ferreiros e carpinteiros, não restam dúvidas quanto à suaimportância no plantel <strong>de</strong> um minera<strong>do</strong>r. Os escravos <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> tais especialida<strong>de</strong>s podiam seremprega<strong>do</strong>s na feitura e consertos <strong>de</strong> ferramentas, rosários, caixões, bicames, ferragens, o quenovamente dispensaria maiores gastos <strong>do</strong>s seus senhores nesses setores. No entanto, a pequenaquantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escravos <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong>sse saber, sobretu<strong>do</strong> por se tratarem <strong>de</strong> plantéis <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>sminera<strong>do</strong>ras, causa estranheza, o que permite pensar, por um la<strong>do</strong>, que nem to<strong>do</strong>s os escravosinventaria<strong>do</strong>s tiveram suas ocupações i<strong>de</strong>ntificadas e, por outro, que escravos com essasespecializações, além <strong>de</strong> mais caros, eram mais raros.A primeira opção parece mais provável, especialmente quan<strong>do</strong> se constata que 42 (61,8%)unida<strong>de</strong>s da amostragem tinham ferramentas <strong>do</strong> ofício <strong>de</strong> carpintaria entre seus bens, mas ape<strong>nas</strong> 17escravos foram arrola<strong>do</strong>s com essa ocupação. No tocante aos ferreiros, <strong>do</strong>s 16 escravosi<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s, 13 pertenciam à unida<strong>de</strong>s que tinham tendas <strong>de</strong> ferreiro entre as suas instalações.Ape<strong>nas</strong> um minera<strong>do</strong>r, o Sargento-mor Paulo Rodrigues Durão, não tinha tenda, mas tinha trêsescravos ferreiros no seu plantel 72 . Em contrapartida, <strong>do</strong> total <strong>de</strong> 13 unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras quedispunham <strong>de</strong> tendas <strong>de</strong> ferreiros <strong>nas</strong> suas instalações, 07 tinham escravos ferreiros para o serviço.Assim, po<strong>de</strong>-se supor que as outras 06 unida<strong>de</strong>s ou tinham escravos ferreiros no seu plantel, porémnão foram i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s como tais nos inventários, ou a<strong>do</strong>taram a mesma solução <strong>do</strong> CapitãoDomingos Francisco <strong>do</strong>s Reis: nenhum <strong>do</strong>s 14 escravos <strong>de</strong>ste minera<strong>do</strong>r foi <strong>de</strong>scrito como ferreiro,no entanto, <strong>de</strong>clarou em testamento que na sua tenda tinha <strong>do</strong>is mulatos “a trabalhar por favor quelhe fiz até agora e eles nela não tem nada” 73 .Os da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s para os escravos faisca<strong>do</strong>res causam ainda mais surpresa. Isso porquea faiscação <strong>de</strong> escravos era uma das fontes <strong>de</strong> entrada <strong>do</strong> <strong>ouro</strong> no monte das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>ras.Nas contas apresentadas pelo sócio Manoel Pinto da Fonseca, num espaço <strong>de</strong> 17 meses, constampelo menos cinco entradas <strong>de</strong> <strong>ouro</strong> procedi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s jornais <strong>de</strong> “moleques” e uma entrada <strong>do</strong> que haviarecebi<strong>do</strong> das “lavagens <strong>do</strong>s faisca<strong>do</strong>res”. Em um segun<strong>do</strong> momento, além <strong>do</strong>s lucros da socieda<strong>de</strong>,<strong>de</strong>clarava o rendimento <strong>do</strong>s “jornais <strong>do</strong>s escravos que andavam faiscan<strong>do</strong> pertencentes ao<strong>de</strong>funto” 74 . Todavia, nenhum <strong>do</strong>s 17 escravos <strong>do</strong> minera<strong>do</strong>r foi i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> no inventário comofaisca<strong>do</strong>r; nem mesmo entre os 22 cativos pertencentes à socieda<strong>de</strong> foi encontra<strong>do</strong> algum com estaespecialida<strong>de</strong>.Assim, po<strong>de</strong>-se concluir que os da<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s nos inventários, sobretu<strong>do</strong> quan<strong>do</strong>confronta<strong>do</strong>s com outras fontes, não representam a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s plantéis das unida<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>rase isso se <strong>de</strong>ve às imprecisões, falta <strong>de</strong> critérios e <strong>de</strong> informações inerentes àquela <strong>do</strong>cumentação.Ainda que limita<strong>do</strong>ras, tais dificulda<strong>de</strong>s não impe<strong>de</strong>m, porém, que alguns aspectos <strong>do</strong> trabalhoescravo sejam resgata<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> fragmentos.O inventário <strong>do</strong> minera<strong>do</strong>r Antônio da Rocha Lima, mora<strong>do</strong>r no termo <strong>de</strong> Sabará, foi o que<strong>de</strong> fato registrou a maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escravos com habilida<strong>de</strong>s minerais. No seu plantel, 15escravos eram faisca<strong>do</strong>res. Suas ida<strong>de</strong>s variavam entre 25 e 60 anos e suas nações eram diversas:Mina, Mina-Sabaru, Mina-Lada, Mina-Fon, Mina-Coura, Benguela, Nagô, Cabo-Ver<strong>de</strong>, Courano,Angola. O mais caro <strong>de</strong>les era Antônio da Rocha Mina, 25 anos, bem feito e avalia<strong>do</strong> em 160$000réis; o mais barato era José da Rocha Mina-Fon, 50 anos, quebra<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma virilha e avalia<strong>do</strong> em60$000 réis 75 . No entanto, com uma ocupação mais específica – “mergulha<strong>do</strong>r <strong>do</strong> rio” – foiencontra<strong>do</strong> Pedro Angola, por alcunha o “Fazenda Real” que, embora se achasse com “algumamoléstia” e com 50 anos, foi avalia<strong>do</strong> em 90$000 réis.71 Inventário <strong>de</strong> PORTO, José <strong>de</strong> Souza. CBG, CSO I (26) 234. fl 33v-36v; Escritura <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> bens, fl 50-52.72 Inventário <strong>de</strong> DURÃO, Paulo Rodrigues. CSM, códice 115, auto 2377, 1º ofício, ano 1743. fl 5-8.73 Inventário <strong>de</strong> REIS, Domingos Francisco <strong>do</strong>s. CPOP, códice 443, auto 9298, 1º ofício, ano 1757. Test., fl 12v-13.74 “Declarou o dito Manoel Pinto da Fonseca que havia recebi<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> falecimento <strong>do</strong> <strong>de</strong>funto seu sócio a quantiaque a este tocavam <strong>do</strong>s jornais <strong>do</strong>s seus negros que trazia a faiscar – 271 ½ /8as”. Inventário <strong>de</strong> COUTO, ManoelFerreira <strong>do</strong>. CSM, códice 78, auto 1675, 2º ofício, ano 1738. fl 116v-138v.75 Inventário <strong>de</strong> LIMA, Antônio da Rocha. CBG, CSO I (25) 221, ano 1768. fl 5v-6.21


Já no termo <strong>de</strong> Vila Rica, o plantel <strong>do</strong>s sócios, Antônio Francisco França e Felipe Antônio<strong>de</strong> Borim, continha Silvestre Mina, <strong>de</strong> 35 anos, e Félix Angola, <strong>de</strong> 55 anos, ambos i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>scomo “mineiros”, sen<strong>do</strong> que Félix trazia ainda as seqüelas comuns <strong>do</strong> seu trabalho: “quebra<strong>do</strong> ecom uma inchação em um joelho” 76 . E certamente foram suas condições físicas, além <strong>do</strong> fator ida<strong>de</strong>que, apesar da sua apreciável habilida<strong>de</strong>, influenciaram na sua baixa avaliação: 45$000 réis,enquanto seu companheiro foi avalia<strong>do</strong> em 160$000. O fato <strong>de</strong> esses africanos terem si<strong>do</strong>inventaria<strong>do</strong>s com a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “mineiros” ao invés <strong>de</strong> faisca<strong>do</strong>res, como era mais comum,sugere que os mesmos fossem <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> um saber mais específico ou apura<strong>do</strong>; saber este que,por sua vez, po<strong>de</strong>ria ter si<strong>do</strong> adquiri<strong>do</strong> já <strong>nas</strong> suas terras <strong>de</strong> origem ou mesmo <strong>nas</strong> próprias Mi<strong>nas</strong>.Seja como for, um escravo com habilida<strong>de</strong>s técnicas reconhecidas podia ser motivo <strong>de</strong>conflito entre aqueles que se <strong>de</strong>dicavam à ativida<strong>de</strong> minerária, como foi o caso da querela entreManoel da Cruz e Domingos Pereira. Em abril <strong>de</strong> 1736, Manoel da Cruz, preto forro, mora<strong>do</strong>r naVila <strong>do</strong> Carmo, apareceu perante o juiz <strong>de</strong> fora para formalizar sua querela, cuja razão consistia emque “o dito Domingos Pereira lhe tinha induzi<strong>do</strong> um seu escravo por nome Ventura, nação Mina, eque este o tinha posto da sua mão oculto, utilizan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>s serviços <strong>do</strong> dito escravo por este serbom mineiro e faisca<strong>do</strong>r, e que por fazer semelhante absur<strong>do</strong> e indução cometeu o suplicante crime[...]” 77 . Nota-se aqui que ter um escravo habili<strong>do</strong>so, ainda que muito cobiça<strong>do</strong>, não era privilégioape<strong>nas</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s minera<strong>do</strong>res.Além <strong>de</strong> seqüestros, os faisca<strong>do</strong>res enfrentavam outros problemas quan<strong>do</strong> partiam em busca<strong>do</strong>s jornais <strong>do</strong>s seus senhores. Os mais comuns eram as disputas pelos melhores locais <strong>de</strong>faisqueira. Em uma <strong>de</strong>ssas, o escravo Simão, que andava faiscan<strong>do</strong> logo pela manhã <strong>nas</strong>proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Bento Rodrigues, teve a cabeça rachada ao ser espanca<strong>do</strong> por Domingos Jorge. Omotivo foi porque o escravo não queria “sair <strong>do</strong> serviço em que estava para efeito <strong>de</strong> dar jornal aoseu senhor”, dizen<strong>do</strong> ao agressor, provavelmente em tom <strong>de</strong> provocação, que “largaria o serviço emque andava <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o haver concluí<strong>do</strong> e acaba<strong>do</strong>” 78 . Em fevereiro <strong>de</strong> 1722, pelas <strong>de</strong>z horas damanhã, o escravo João Mina faiscava no veio d’água <strong>do</strong> Ribeirão <strong>do</strong> Carmo, junto à cachoeira daslavras velhas, quan<strong>do</strong> João Correia e seus escravos, “queren<strong>do</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o veio <strong>de</strong> água em queandava o dito negro que é franco para to<strong>do</strong>s, sem ter outro pretexto algum para o fazer”, o pegarame com um porrete lhe <strong>de</strong>ram muitas pancadas, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> muitas “pisaduras” e a cana <strong>do</strong> braçoesquer<strong>do</strong> quebrada 79 . Esta, aliás, a origem <strong>de</strong> muitos aleijões <strong>do</strong>s escravos.Em 10 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1731 foi a vez <strong>de</strong> João Pereira Martins, mora<strong>do</strong>r na freguesia <strong>de</strong> SãoSebastião, querelar pelo roubo que fizeram aos seus escravos, outro problema comum no <strong>cotidiano</strong><strong>do</strong>s faisca<strong>do</strong>res e minera<strong>do</strong>res pobres. Dizia ele quesen<strong>do</strong> senhor e possui<strong>do</strong>r <strong>de</strong> três moleques, andan<strong>do</strong> estes no dia <strong>de</strong> hoje faiscan<strong>do</strong> noribeirão que passa por aquele arraial sem ofen<strong>de</strong>rem a pessoa alguma // tratan<strong>do</strong> só <strong>de</strong> juntaro seu jornal, trabalhan<strong>do</strong> com almocafres e bateias, vieram mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z ou <strong>do</strong>ze negros <strong>de</strong>manda<strong>do</strong> <strong>de</strong> Manoel da Silva Tavares, seu senhor e mora<strong>do</strong>r no mesmo lugar, e [cercan<strong>do</strong>]aos moleques <strong>do</strong> suplicante e outros mais que estavam lhe <strong>de</strong>ram várias pancadas [...] erouban<strong>do</strong>-os ultimamente das bateias, baetas, almocafres e <strong>ouro</strong> que já tinham <strong>do</strong> jornal, serecolheram para a casa <strong>do</strong> mesmo seu senhor, o qual mandan<strong>do</strong>-lhe o suplicante mansa ehumil<strong>de</strong>mente por ser homem pobre pedir as tais baetas e instrumentos da faisqueira,man<strong>do</strong>u dizer ao suplicante que não fosse <strong>de</strong>savergonha<strong>do</strong> e outras palavras injuriosas e que76 Inventário <strong>de</strong> FRANÇA, Antônio Francisco. CPOP, códice 57, auto 684, 1º ofício, ano 1767. fl 17f-v. O plantel <strong>do</strong>ssócios tinha ainda uma mulata cozinheira e um cozinheiro, um escravo mina sangra<strong>do</strong>r e outro também mina barbeiro esangra<strong>do</strong>r, quatro escravos músicos (tambor, flauta, trombeta, trampa e charamelas), um “cozinheiro e com principio <strong>de</strong>toca<strong>do</strong>r <strong>de</strong> charamela e trombeta”, <strong>do</strong>is oficiais <strong>de</strong> carapina, um escravo courano que “anda com a tropa <strong>de</strong> bestas” e omulato Antônio que sabia ler e escrever.77 Auto <strong>de</strong> querela que dá Manoel da Cruz preto forro <strong>de</strong> Domingos Pereira. LIVRO <strong>de</strong> querelas. CSM, nº 4, 1º oficio,ano 1730-1748. fl 67v.78 Sumário <strong>de</strong> querela que dá Simão, escravo <strong>de</strong> José Pereira da Fonseca, e o dito seu senhor, <strong>de</strong> Domingos Jorge(14/08/1714). LIVRO <strong>de</strong> querelas. CSM, nº 1, 1º ofício, ano 1713-1722. fl 20-22. Ver também fl 59-60v.79 Sumário <strong>de</strong> querela que dá Maurício Gonçalves Real <strong>de</strong> João Correia <strong>de</strong> Oliveira. LIVRO <strong>de</strong> querelas. CSM, nº 1, 1ºofício, ano 1713-1722. fl 161-163.22


se queria as tais coisas fosse a sua casa buscá-las, dan<strong>do</strong> a enten<strong>de</strong>r que queria fosse lá paramais o <strong>de</strong>scompor [...] 80 .Não ape<strong>nas</strong> os homens, mas também as escravas eram liberadas para faiscar. A necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> entregar o jornal aos seus senhores fazia com que elas usassem <strong>de</strong> diversos artifícios,especialmente quan<strong>do</strong> submetidas a condições miseráveis <strong>de</strong> trabalho. Este foi o assunto discuti<strong>do</strong>pelo secretário <strong>de</strong> governo das Mi<strong>nas</strong>, em sua carta enviada ao Rei D. João V em fevereiro <strong>de</strong> 1732:Nas mi<strong>nas</strong> <strong>do</strong> <strong>ouro</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu princípio até o presente tempo foi uso entre alguns mora<strong>do</strong>restrazerem negras a faiscar <strong>ouro</strong>, obrigan<strong>do</strong>-as aos jornais da mesma forma que se pratica comos negros faisca<strong>do</strong>res: Quase todas estas negras são mandadas por seus senhores ao ditoexercício sem os instrumentos <strong>de</strong> faiscar, quais são bateia e almocafre, que é este umaespécie <strong>de</strong> pequena enxada com que se cava e remexe a terra pª que lançan<strong>do</strong>-se na bateia seapure, escolha e lave o <strong>ouro</strong>; e, pedin<strong>do</strong>-lhe seus senhores os jornais <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os dias, ou nofim <strong>de</strong> cada semana, e ven<strong>do</strong> muito bem que as tais não po<strong>de</strong>m faiscar, parece que querem,consentem, ou dissimulam que as ditas negras lhes dêem os jornais adquirin<strong>do</strong>-os eganhan<strong>do</strong>-os como quer que for e muito bem sabem que elas usam mal <strong>de</strong> seus corpos parahaver <strong>de</strong> ganhar os ditos jornais e, sem embargo disso lhos recebem, e as obrigam a dar-lhescom rigorosos castigos e mau tratamento [...] 81 .A preocupação maior <strong>do</strong> secretário, no entanto, não era propriamente com a condiçãoprecária <strong>de</strong> trabalho das faisca<strong>do</strong>ras (e, subenten<strong>de</strong>-se, também <strong>do</strong>s faisca<strong>do</strong>res), mas sim com os<strong>de</strong>scaminhos <strong>do</strong> <strong>ouro</strong> pratica<strong>do</strong>s por elas e por outras negras escravas e forras. Estas, por mais quefossem proibidas, andavam pelas vilas, arraiais, caminhos das Mi<strong>nas</strong> e <strong>nas</strong> proximida<strong>de</strong>s das lavras<strong>de</strong> <strong>ouro</strong>, ven<strong>de</strong>n<strong>do</strong> comestíveis em tabuleiros “para tirarem assim com as suas vendagens como comseus corpos os jornais aos negros <strong>de</strong> que também se segue gravíssimo prejuízo” 82 . Dessa forma,aconselhava ao Rei mandasse que “nenhum mora<strong>do</strong>r das Mi<strong>nas</strong> trouxesse negras a faiscar, nem astivesse em vendas públicas e particulares [...], porque um e outro serviço <strong>de</strong> minerar e ven<strong>de</strong>r sepo<strong>de</strong> fazer com negros, nos quais se não encontram tantos prejuízos [...]” 83 . Por fim, acrescentavaque as negras forras não <strong>de</strong>veriam ter vendas próprias e que, <strong>nas</strong> vilas e arraiais, elas tivessemlugares <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s para comercializar, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que, mais uma vez, encontradas com seustabuleiros fora <strong>de</strong>stes limites, fossem castigadas e presas.O <strong>de</strong>scaminho pratica<strong>do</strong> pelas negras (escravas e forras) que andavam nos serviços <strong>de</strong>mineração ou <strong>nas</strong> suas proximida<strong>de</strong>s, além <strong>de</strong> motivo <strong>de</strong> preocupação para a Coroa, constituía-seem um problema <strong>de</strong> difícil solução para os proprietários <strong>de</strong> faisca<strong>do</strong>res, uma vez que aquelas negrasincentivavam e acobertavam <strong>de</strong>terminadas práticas entre os escravos. Práticas estas que fugiam aocontrole <strong>do</strong>s seus senhores ou que, na verda<strong>de</strong>, eram por eles toleradas <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>assegurar interesses maiores como, no caso, a própria posse <strong>do</strong> escravo:E são inumeráveis os escravos que andam nestas faisqueiras e observam entre si um tãoinviolável estilo que, ainda que um negro suceda dar em paragem que um dia tire <strong>de</strong>z ouvinte oitavas <strong>de</strong> <strong>ouro</strong>, nunca leva a seu senhor mais que o jornal <strong>de</strong> meia pataca, que é aquarta parte <strong>de</strong> uma oitava, e tu<strong>do</strong> o mais distribui por negras e taber<strong>nas</strong>. E são prejuízos efurtos que os senhores <strong>do</strong>s escravos não po<strong>de</strong>m evitar, assim pela dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nãosaberem o <strong>ouro</strong> que eles tiram como pelo perigo que eles têm <strong>de</strong> lhes fugirem, se oscastigam. E precisamente se sujeitam ao jornal que voluntariamente lhes querem dar osescravos, e ainda muitas vezes com o costuma<strong>do</strong> <strong>de</strong> meia pataca lhes faltam, usan<strong>do</strong> <strong>de</strong>industriosas <strong>de</strong>sculpas que se não po<strong>de</strong>m remediar 84 .80 Auto <strong>de</strong> querela que dá João Pereira Martins <strong>de</strong> Manoel da Silva Tavares, mora<strong>do</strong>r em a freguesia <strong>de</strong> São Sebastião e<strong>de</strong> <strong>de</strong>z escravos seus. LIVRO <strong>de</strong> querelas. CSM, nº 4, 1º oficio, ano 1730-1748. fl 15f-v.81 CARTA <strong>de</strong> Manuel <strong>de</strong> Fonseca <strong>de</strong> Azeve<strong>do</strong> [...]. AHU-MAMG. Caixa 20, Doc. 64, Data: 20/02/1732.82 AHU-MAMG. Caixa 20, Doc. 64, Data: 20/02/1732.83 AHU-MAMG. Caixa 20, Doc. 64, Data: 20/02/1732.84 MOREIRA, Tomé Gomes. Papel feito acerca <strong>de</strong> como se estabeleceu a capitação <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong> Gerais [...]; [1749]. In:Códice Costa Matoso, 1999. v. 1, <strong>do</strong>c. 53, p. 485.23


Permitir a faiscação aos escravos era um costume difundin<strong>do</strong> entre os minera<strong>do</strong>res <strong>de</strong>s<strong>de</strong> osprimeiros tempos da exploração aurífera <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong> 85 . E tal costume se observava sobretu<strong>do</strong> entreaqueles que não tinham datas minerais próprias, ou que praticavam outra ativida<strong>de</strong>, masprocuravam garantir um ganho extra mandan<strong>do</strong> seus escravos (ou alguns <strong>de</strong>les) para as faisqueiras.De acor<strong>do</strong> com as conveniências e interesses <strong>do</strong> seu senhor, o escravo faisca<strong>do</strong>r podia <strong>de</strong>dicar-se aessa ativida<strong>de</strong> durante to<strong>do</strong> o ano ou ape<strong>nas</strong> em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s perío<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong>, por exemplo, osserviços <strong>nas</strong> lavras estivessem paralisa<strong>do</strong>s por algum motivo ou se fazia necessárioalternar/conciliar a busca <strong>do</strong> <strong>ouro</strong> com os trabalhos <strong>do</strong>mésticos, mecânicos, com os serviços dasroças e <strong>do</strong>s engenhos 86 . Outra possibilida<strong>de</strong> que se configurava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras explorações erafaiscarem nos <strong>do</strong>mingos e dias santos ou <strong>nas</strong> últimas horas <strong>do</strong> dia 87 .Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong> senhor, muitas vezes tornava-se mais lucrativo liberar o escravo parafaiscar em troca <strong>de</strong> um jornal, pois se via <strong>de</strong>sobriga<strong>do</strong> a arcar com o sustento e a manutenção <strong>do</strong>cativo. De acor<strong>do</strong> com Russel-Wood,uma forma <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> entre escravo e senhor <strong>de</strong>terminava a entrega, to<strong>do</strong> sába<strong>do</strong>, <strong>de</strong> umaquantida<strong>de</strong> específica <strong>de</strong> <strong>ouro</strong> em pó e isentava o senhor da responsabilida<strong>de</strong> pelamanutenção <strong>do</strong> escravo. Em troca, o escravo gozava <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação durante a semana eestava livre para cultivar sua própria roça aos <strong>do</strong>mingos 88 .Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>do</strong> escravo, a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> faiscação conferia não ape<strong>nas</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ação, mas também maiores oportunida<strong>de</strong>s e motivações para a conquista da alforria, uma vez que,além da quantia que obrigatoriamente <strong>de</strong>via ao senhor, podia acumular algum pecúlio paranegociar, por exemplo, sua coartação.No entanto, a faiscação não era praticada somente por escravos jornaleiros. No espaço daslavras, uma das alternativas que se configurava aos homens pobres – livres e forros –, que não eramsenhores <strong>de</strong> escravos, que não tinham terras minerais (as datas) próprias e contavam ape<strong>nas</strong> com asua força <strong>de</strong> trabalho, era buscar o <strong>ouro</strong> das faisqueiras para algum ganho e o seu próprio sustento.Os faisca<strong>do</strong>res, pela natureza da ativida<strong>de</strong> a que se <strong>de</strong>dicavam, eram <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>mobilida<strong>de</strong> física, característica esta que fazia com que fossem constantemente associa<strong>do</strong>s a vadios,isto é, pessoas sem ofício, sem ocupação certa, vagabun<strong>do</strong>s, errantes. A reputação suspeitosadirigida a esses indivíduos também fazia com que fossem confundi<strong>do</strong>s pelas autorida<strong>de</strong>s –estrategicamente ou não – com escravos fugi<strong>do</strong>s, quilombolas, contrabandistas. Para FranciscoAndra<strong>de</strong>, “isso acontecia com os forros, muitas vezes, porque eram eles que entravam à procura <strong>de</strong>faisqueiras <strong>de</strong>scobertas, cujas notícias rapidamente se espalhavam <strong>nas</strong> vilas e povoações” 89 . Damesma forma, os escravos, manda<strong>do</strong>s pelos senhores para faiscar <strong>ouro</strong> e socavar nos morros e rios85 A origem <strong>do</strong> termo “faisca<strong>do</strong>r” remonta ao tempo das primeiras <strong>de</strong>scobertas, quan<strong>do</strong> os pioneiros paulistas chegaramao território das Mi<strong>nas</strong> em fins <strong>do</strong> século XVII. Estes <strong>de</strong>scobri<strong>do</strong>res procuravam o <strong>ouro</strong> <strong>de</strong>posita<strong>do</strong> nos leitos <strong>do</strong>s cursosd’água, mais fácil <strong>de</strong> ser explora<strong>do</strong> por técnicas simples. Tais <strong>de</strong>pósitos aluvionais eram conheci<strong>do</strong>s por faisqueiras,porque, dizia-se, ao sol faiscavam as partículas maiores <strong>do</strong> metal. “Daí a palavra faisqueiro para classificar o prospectoritinerante ou mineiro <strong>de</strong> <strong>ouro</strong> <strong>de</strong> aluvião”. BOXER, Charles R. A Ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ouro <strong>do</strong> Brasil: <strong>do</strong>res <strong>de</strong> crescimento <strong>de</strong>uma socieda<strong>de</strong> colonial. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 63.86 Na Junta estabelecida pelo Governa<strong>do</strong>r D. Brás da Silveira com as Câmaras <strong>de</strong> Vila Real e <strong>de</strong> Vila da Rainha, queentão representaram contra a forma requerida pelo Rei para a cobrança <strong>do</strong> quinto, que consistia no pagamento, por ano,<strong>de</strong> 10 oitavas por cada escravo emprega<strong>do</strong> na mineração, os oficiais alegaram que tal sistema era injusto, visto não levarem consi<strong>de</strong>ração a morte, a <strong>do</strong>ença, a fuga, venda <strong>do</strong> escravo e, ainda, que por “ser aplica<strong>do</strong> à roça ou ao engenho ou aoserviço <strong>do</strong>méstico não faiscava ou to<strong>do</strong> o ano ou alguma parte <strong>de</strong>le (...)”. Minuta <strong>do</strong> Conselho Ultramarino (...). AHU-MAMG, Caixa 01, Doc. 50, Data: 22/01/1716.87 De acor<strong>do</strong> com Antonil: “Porque, como os negros e os índios escon<strong>de</strong>m bastantes oitavas quan<strong>do</strong> catam nos ribeiros enos dias santos e <strong>nas</strong> últimas horas <strong>do</strong> dia, tiram <strong>ouro</strong> para si, a maior parte <strong>de</strong>ste <strong>ouro</strong> se gasta em comer e beber, einsensivelmente dá aos ven<strong>de</strong><strong>do</strong>res gran<strong>de</strong> lucro, como costuma dar a chuva miúda aos campos (...)”. ANTONIL, AndréJoão. Cultura e Opulência <strong>do</strong> Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967. p. 271.88 RUSSEL-WOOD, A. J. A outra escravidão: a mineração <strong>de</strong> <strong>ouro</strong> e a “instituição peculiar”. In: Escravos e Libertos noBrasil Colonial. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Civilização Brasileira, 2005., p. 180.89 ANDRADE. A Invenção das Mi<strong>nas</strong> Gerais (...), p. 297.24


<strong>do</strong>s sertões, habitan<strong>do</strong> em rústicos ranchos <strong>nas</strong> proximida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suas catas, ficavam maisvulneráveis às acusações <strong>de</strong> vagabundagem e <strong>de</strong> serem quilombolas 90 .Ainda <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com Andra<strong>de</strong>, “a repressão da Coroa aos vadios das Mi<strong>nas</strong> não se baseavasomente <strong>nas</strong> supostas faltas <strong>de</strong> ocupações úteis, pois quase to<strong>do</strong>s podiam alegar alguma ativida<strong>de</strong>própria, mas, efetivamente, na itinerância <strong>de</strong>les, no estilo <strong>de</strong> vida resguarda<strong>do</strong> <strong>de</strong> vigilância, e nacondição <strong>de</strong> forasteiros nos arraiais e <strong>de</strong>scobertos” 91 . Isso muitas vezes obrigava a que os homenspobres – livres e forros – que se <strong>de</strong>dicavam à ativida<strong>de</strong>s itinerantes, tal como a faiscação,estabelecessem algum tipo <strong>de</strong> contato ou relações <strong>de</strong> trabalho nos centros minera<strong>do</strong>res,subordinan<strong>do</strong>-se aos interesses <strong>do</strong>s mais po<strong>de</strong>rosos e influentes <strong>nas</strong> explorações <strong>do</strong>s morros e riosauríferos. Deste ponto <strong>de</strong> vista, “as medidas <strong>de</strong> repressão à pretendida ociosida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s vadios, ouvagabun<strong>do</strong>s significou uma regulação valiosa na formação disciplinada <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalho <strong>nas</strong>Mi<strong>nas</strong> Gerais” 92 .Todavia, isto não significa dizer que esses indivíduos não tivessem certa autonomia nem quesuas atuações fossem <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> no contexto das explorações auríferas. Se, por umla<strong>do</strong>, a mobilida<strong>de</strong> espacial que caracterizava os faisca<strong>do</strong>res fazia com que fossem muitas vezesassocia<strong>do</strong>s a vadios, por outro, o estilo <strong>de</strong> vida itinerante que esta ativida<strong>de</strong> lhes proporcionava,juntamente com o conhecimento que <strong>de</strong>tinham ou adquiriam <strong>nas</strong> suas andanças, configurou umespaço <strong>de</strong> ação para estes agentes no qual figuravam estratégias para obter melhores condições <strong>de</strong>vida e até mesmo a liberda<strong>de</strong>, no caso <strong>do</strong>s escravos.Acostuma<strong>do</strong>s a andar por regiões <strong>de</strong> fronteira, a prospectar e sondar os rios e morroslocaliza<strong>do</strong>s em regiões inexploradas e a reconhecer os sinais e as formações naturais <strong>do</strong>s locaison<strong>de</strong> o <strong>ouro</strong> e pedras preciosas po<strong>de</strong>riam ser encontra<strong>do</strong>s, não por acaso, escravos, forros, índios oumestiços integraram as ban<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>scobri<strong>do</strong>ras que palmilharam as Mi<strong>nas</strong> Gerais ao longo <strong>do</strong>século XVII, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>, na maior parte das vezes, os responsáveis pelos acha<strong>do</strong>s auríferos 93 .No entanto, ainda que muitas vezes tenham si<strong>do</strong> os faisca<strong>do</strong>res os verda<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>scobri<strong>do</strong>res<strong>de</strong> mi<strong>nas</strong>, estes não eram oficialmente reconheci<strong>do</strong>s como tal. De acor<strong>do</strong> com o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> FranciscoAndra<strong>de</strong>, <strong>nas</strong> Mi<strong>nas</strong>, o crédito e a fama <strong>de</strong> um <strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong> minerais preciosos <strong>de</strong>pendiam dareputação <strong>do</strong> <strong>de</strong>scobri<strong>do</strong>r: era necessário ter prestígio social e político, experiência comprovada ecabedal suficiente para custear a empresa <strong>de</strong>scobri<strong>do</strong>ra 94 . Obviamente, os faisca<strong>do</strong>res não reuniamas qualida<strong>de</strong>s essenciais para se tornarem os protagonistas <strong>do</strong>s <strong>de</strong>scobrimentos e receberem asmercês régias, mas isso não impediu que, em troca <strong>de</strong> informações valiosas ou da manifestação <strong>do</strong>sacha<strong>do</strong>s para aqueles que podiam legitimar o feito, negociassem prêmios, recompensas, privilégiosou estabelecessem certas condições, como a concessão da liberda<strong>de</strong>, no caso <strong>do</strong>s escravos.Assim, embora muitas vezes a atuação <strong>do</strong>s faisca<strong>do</strong>res se encontre sub-registrada nos<strong>do</strong>cumentos históricos, isso não impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecer que esses indivíduos foram capazes <strong>de</strong>instituir direitos e práticas ao buscarem oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> proveito em meio ao contexto competitivoe <strong>de</strong>sigual que caracterizou as explorações auríferas. Além disso, <strong>nas</strong> suas ativida<strong>de</strong>s cotidia<strong>nas</strong>,obtinham ganhos, em maior ou menor quantida<strong>de</strong>, mas que permitiam inseri-los no trato mercantil,na dinâmica econômica característica das regiões <strong>de</strong> mineração. Enfim, po<strong>de</strong>-se dizer que afaiscação significou uma alternativa social e econômica àqueles que se encontravam à margem noespaço das lavras.90 ANDRADE. A Invenção das Mi<strong>nas</strong> Gerais (...), p.299. Sobre a faiscação <strong>do</strong>s negros e mestiços livres, forros e <strong>do</strong>sescravos nos morros auríferos ver especialmente ANDRADE. Viver à gandaia: povo negro nos morros das Mi<strong>nas</strong>. BeloHorizonte, 2007 (no prelo).91 ANDRADE. A Invenção das Mi<strong>nas</strong> Gerais [...], p. 295.92 ANDRADE. A Invenção das Mi<strong>nas</strong> Gerais [...], p. 297.93 Em 1715, o Governa<strong>do</strong>r D. Brás da Silveira dava noticias ao Rei sobre a exploração em Pitangui dizen<strong>do</strong> que ospaulistas não pagaram o quinto “[...] por serem negros e carijós os que fizeram o <strong>de</strong>scobrimento, e quan<strong>do</strong> seus senhoreslhe acudiram já eles tinham sumi<strong>do</strong> o que haviam tira<strong>do</strong> [...]”. [CARTA <strong>de</strong> D. Brás da Silveira ao Rei sobre o<strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong> Pitangui] 24 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1715. Arquivo Público Mineiro – Seção Colonial, códice 4, fl. 388.94 ANDRADE. A Invenção das Mi<strong>nas</strong> Gerais [...], 2002. Ver em especial o capítulo 2: “Empresas <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong>Mi<strong>nas</strong>: o estilo heróico <strong>de</strong> Fernão Dias Pais”.25

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