Assim, tor<strong>na</strong>-se necessária a compreensão sobre as conclusões a que têm chegadoos inúmeros estudos sobre as chamadas “escolas de sucesso” ou “escolaseficazes”, com o objetivo de perceber quais fatores são determi<strong>na</strong>ntes para o sucessoescolar em contextos hipoteticamente hostis ao processo de ensino-aprendizagem.Essa “hostilidade”, portanto, é o primeiro fator a ser a<strong>na</strong>lisado comatenção, pois aponta para as características específicas do público atendido pelaescola pública e de suas condições de vida, geralmente precarizadas.Importa, portanto, compreender que a massificação da educação públicafoi acompanhada pelo concomitante processo de abandono das classesmédias desse serviço, que, optando pela educação privada, fizeram com queo sistema público de educação brasileiro tivesse como público exclusivo asclasses populares. Criou-se, assim, uma profunda divisão social entre redepública e rede particular de ensino. Essa última, por sua vez, mais capitalizadapela lógica do mercado e receptora dos alunos das classes mais ricasdo país, tornou-se referência em educação de qualidade, em detrimento darede pública, que permanece como o único recurso das classes populares àexpectativa de mobilidade social. Nesse sentido, portanto, a desigualdadesocial brasileira é claramente manifestada em seu sistema educacio<strong>na</strong>l.O tema da desigualdade educacio<strong>na</strong>l, portanto, merece especial destaquepara o entendimento das dificuldades da educação pública em se tor<strong>na</strong>rum serviço público de qualidade. O conhecido argumento da linhagem acadêmicade Bourdieu (1983) aponta o potencial reprodutivo que a escola desempenhaquando nela se desenrola o reflexo da desigualdade social de seuterritório. Isso porque o público que a frequenta detém capitais culturaise educacio<strong>na</strong>is diferenciados daqueles esperados pelo sistema educacio<strong>na</strong>ltradicio<strong>na</strong>l. Nesse caso, a escola pública se vê diante de um duplo desafio:educar e instruir crianças e adolescentes de classes populares que apresentamnecessidades outras que não aquelas esperadas de um público capitalizadocom acesso ao consumo dos bens culturais da cidade.Diante desse desafio, o argumento que se quer frisar neste artigo é a importânciade que as escolas públicas em espaços populares levem em conta as especificidadesdo público que atendem. Em especial, para aquelas escolas que atendemmoradores de favelas e periferias, conhecer o mundo dos alunos é fundamentalpara assegurar que a escola possa realizar de forma mais eficiente seu trabalho.Segundo Mônica Peregrino (2010), a mudança do perfil do público das escolaspúblicas, de classes médias para pobres, surpreende uma escola pouco prevenidapara lidar com as novas exigências daí decorrentes. Entre outros aspectos,podemos destacar o processo que Peregrino caracteriza como a “desescolarizaçãoda escola”, que resulta de um conjunto de fatos, como o esvaziamento dosconteúdos escolares, a precarização dos espaços físicos das escolas, a extinção defunções administrativas, a redução da quantidade e da qualidade de informações38vivências EDUCATIVAS <strong>na</strong> maré
sobre os alunos, além da incorporação de atividades ligadas à gestão da pobreza.Ainda segundo a autora, o resultado desse processo é a fragilização da instituiçãoescolar, o que contribui para uma escola muito distante de seu aluno.No caso da cidade do Rio de Janeiro e de outras grandes capitais do país,esse fato é ainda mais marcante, pois boa parte de suas escolas públicasatende moradores de favelas – <strong>na</strong>s Zo<strong>na</strong>s Sul, Norte, Oeste e Centro do Riode Janeiro, cerca de 90% (PAC-Rocinha, 2012) de seus alunos moram em favelasincrustadas nos bairros de classes médias e altas. Esse não é, entretanto,um problema exclusivo das cidades brasileiras. Ao contrário, difunde-setambém por toda a América Lati<strong>na</strong> – por se tratar, igualmente, de contextoscom profunda desigualdade social.Assim, a conquista de uma escola mais equitativa em contextos desiguais,que seja capaz de assegurar o direito à educação a todas as crianças e jovens,precisará necessariamente reconhecer as diferenças e especificidades de seu público.Conforme afirma o sociólogo argentino Néstor López (2005), a “equidadesocial”, portanto, como principal objetivo a ser alcançado, exige a compreensãode que a igualdade de condições requer políticas que levem em conta as desigualdadesespecíficas existentes sobre cada grupo social. Ela se conquista, portanto,“compensando e revertendo as desigualdades iniciais, rompendo dentro do sistemaeducativo com os determinismos sociais” (p. 73). Tal conquista, entretanto,só se realiza mediante a verificação e o enfrentamento das diferenças sociais eculturais existentes no contexto escolar.Ainda, para esse autor, a “educabilidade”, ou seja, a capacidade e a disponibilidadedos alunos para o aprendizado escolar, depende diretamente do“conjunto de recursos, atitudes ou predisposições que tor<strong>na</strong>m possível queuma criança ou adolescente possa acompanhar com êxito a escola” (p. 85).Nesse caso, as causas para sucesso ou fracasso escolar precisam ser compreendidasem relação às reais necessidades que os alunos apresentam, considerandosua condição histórica de exclusão frente ao processo educacio<strong>na</strong>l. Assim,compreende-se ser fundamental que a escola esteja atenta à verificação dascondições do “aluno real” com o qual trabalha e do quanto ele não correspondeao aluno idealizado e desejado pela escola e por seus professores.É nesse sentido que as ações orientadas a aproximar a escola do “mundodo aluno” têm sido evidenciadas como ferramentas essenciais ao trabalhopedagógico em contextos segregados. Um estudo desenvolvido em 2006pela UNICEF 2 , em parceria com o Ministério de Educação (MEC) e como Instituto Nacio<strong>na</strong>l de Estudos e Pesquisas Educacio<strong>na</strong>is Anísio Teixeira(INEP), intitulado “Aprova Brasil: o direito de aprender”, aponta justamenteos casos de “escolas de sucesso” elencados em todo o Brasil cujos principaisfatores de sucesso escolar giravam em torno dessa aproximação.2. Fundo das Nações Unidaspara a Infância.02 // Conhecer o mundo do aluno39
- Page 1: vivênciaseducativasna MaréDESAFIO
- Page 6 and 7: 2013_Redes de Desenvolvimento da Ma
- Page 8 and 9: Quem somosA Redes de Desenvolviment
- Page 10 and 11: foto: elisângela leite
- Page 13 and 14: APRESENTAÇÃOEsta publicação é
- Page 15: O artigo “Ele ainda vai vestir a
- Page 18 and 19: que se infiltra no próprio sentido
- Page 20 and 21: foto: elisângela leite
- Page 23 and 24: A partir da década de 1940, foi in
- Page 25 and 26: Segundo o Censo Demográfico 2010,
- Page 27 and 28: Condições habitacionais e acesso
- Page 29 and 30: Vale lembrar que esse número ocult
- Page 31 and 32: SaúdeAtualmente na Maré existem o
- Page 33 and 34: Internamente, o transporte de passa
- Page 35 and 36: BibliografiaVAZ, Lílian Fessler. H
- Page 37: 02Conhecero mundodo aluno:uma condi
- Page 42 and 43: 3. MINISTÉRIO DA EDUCA-ÇÃO. Apro
- Page 44 and 45: Tendo em vista essas consideraçõe
- Page 46 and 47: 7. Dados do SCA fornecidospelo Ipla
- Page 48 and 49: DistRIBUIÇÃO DOS Alunos Pelos Ano
- Page 50 and 51: marães e a menor média foi a do C
- Page 52 and 53: gidos. Não queremos entrar aqui ne
- Page 54 and 55: foto: elisângela leite
- Page 57 and 58: IntroduçãoMinha experiência, pri
- Page 59 and 60: Isso engloba a questão do comporta
- Page 61 and 62: Escolas eficazesA ideia de que algu
- Page 63 and 64: ConclusãoDefendemos a ideia de que
- Page 65 and 66: SOUSA, Eliana Silva. O movimento co
- Page 67: 04CoMPlexidade03Ade ser e estarprof
- Page 70 and 71: 1. Na tessitura do texto, emdetermi
- Page 72 and 73: insegurança e impotência. Essas a
- Page 74 and 75: de livros e materiais escolares con
- Page 76 and 77: investimentos das escolas do que pr
- Page 78 and 79: Ser e estar professor na Maré é s
- Page 80 and 81: historicamente por relações desig
- Page 82 and 83: foto: rosilene miliotti_Minha princ
- Page 84 and 85: foto: aramis assis
- Page 87 and 88: Se, na verdade, não estou no mundo
- Page 89 and 90: O pensamento de Paulo Freire nesse
- Page 91 and 92:
Nos tempos atuais, a discussão que
- Page 93 and 94:
pensar certo coloca ao professor ou
- Page 95 and 96:
A oficina de massa de modelar visou
- Page 97 and 98:
Por intermédio da parceria com a R
- Page 99 and 100:
______. Decreto Lei nº 7.031, de 6
- Page 101 and 102:
_O principal aprendizado que tive c
- Page 103 and 104:
_O que mais me marcou em minha atua
- Page 105:
06Aescola comopotencializadorade re
- Page 108 and 109:
Logo, entendemos que a construção
- Page 110 and 111:
atribuídos a distintos signos cult
- Page 112 and 113:
1. Lei de abolição da escravatura
- Page 114 and 115:
Esse ideal encontra-se incorporado
- Page 116 and 117:
das histórias narradas e analisar
- Page 118 and 119:
Desse modo, a escola aqui é entend
- Page 120 and 121:
foto: elisângela leite_Para mim, s
- Page 122 and 123:
foto: elisângela leite
- Page 125 and 126:
João e Maria são abandonados, Cat
- Page 127 and 128:
Outra questão valiosa se refere ao
- Page 129 and 130:
Nos anos de 2010 e 2011, nossa equi
- Page 131 and 132:
Já com as crianças menores da edu
- Page 133 and 134:
Compomos o ambiente alfabetizador n
- Page 135 and 136:
meçaram a utilizar o jornal em sal
- Page 137 and 138:
capovilla, Alessandra G. S.; capovi
- Page 139 and 140:
escrever para explicar ao adulto qu
- Page 141 and 142:
_O que me motivou a escrever o arti
- Page 143:
08ProjetoPapo Aberto:a experiência
- Page 146 and 147:
No atendimento direto a esses adole
- Page 148 and 149:
As oficinas foram iniciadas com a a
- Page 150 and 151:
mesma, pois somente ela protege das
- Page 152 and 153:
- principalmente a questão da viol
- Page 154 and 155:
foto: rosilene miliotti_Meu maior d
- Page 156 and 157:
foto: rosilene miliotti_Para mim, s
- Page 158 and 159:
foto: elisângela leite
- Page 161 and 162:
IntroduçãoO material teórico pro
- Page 163 and 164:
O projeto investigadoFundado no ano
- Page 165 and 166:
CONSTRUÇÃO6COLETIVA DOSOCIALIZAÇ
- Page 167 and 168:
ÇÃOMudanças de comportamentoEm n
- Page 169 and 170:
DAMO, Arlei Sander. Do dom à profi
- Page 171 and 172:
_O maior aprendizado que tive em mi
- Page 173 and 174:
_Uma situação que me marcou muito
- Page 175 and 176:
_Eu quero continuar trabalhando na
- Page 177:
10O‘Futura’ noCoMPlexo da Maré
- Page 180 and 181:
Uma proposta construída a muitas m
- Page 182 and 183:
sem “qualificar” nem indicar ca
- Page 184 and 185:
Unidades implementADAs, parcerias e
- Page 186 and 187:
Na Maré, comunicação, educação
- Page 189 and 190:
fotos: elisângela leite
- Page 191:
foto: elisângela leite
- Page 196:
REALIZAÇÃO:PARCERIA:PATROCÍNIO: