1. INTRODUÇÃOA preocupação com o estado de saúde tem se tornado ca<strong>da</strong> vez mais importante para osgestores de políticas públicas em diversas economias, tendo em vista o seu efeito sobre o nível de bemestar <strong>da</strong> população. Este efeito pode ser direto, uma vez que a doença afeta negativamente a função deutili<strong>da</strong>de individual, e indiretamente, devido ao seu impacto sobre os rendimentos individuais. 1 Quantomelhor o nível de saúde de uma pessoa, maior a sua disposição ao trabalho, havendo, portanto umacorrelação positiva <strong>entre</strong> o nível de saúde individual e sua capaci<strong>da</strong>de de geração de rendimentos.A per<strong>da</strong> de rendimentos salariais devido à saúde precária afeta o nível de bem estar tanto doponto de vista individual, como <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, produzindo impactos sobre diferentes indicadoresmacroeconômicos, tais como, o nível de riqueza <strong>da</strong> população e a distribuição de ren<strong>da</strong>. O impacto <strong>da</strong>saúde sobre a distribuição de ren<strong>da</strong> é verificado se as per<strong>da</strong>s de rendimentos incidirem de formadiferencia<strong>da</strong> sobre os grupos socioeconômicos. Tendo em vista a presença de desigual<strong>da</strong>des em saúdefavoráveis às classes sociais privilegia<strong>da</strong>s, é possível que essas per<strong>da</strong>s contribuam para acentuar aconcentração de ren<strong>da</strong>. Este efeito pode ser ain<strong>da</strong> mais evidente, uma vez que os indivíduos de ren<strong>da</strong>mais baixa, por apresentarem menor nível de escolari<strong>da</strong>de, tendem a ocupar postos de trabalho queexigem mais esforço físico do que intelectual. A presença de alguma doença que acarrete limitaçõesfísicas pode excluir esses indivíduos do mercado de trabalho, provocando per<strong>da</strong>s mais expressivas derendimentos salariais. Essa situação é especialmente váli<strong>da</strong> em economias onde a correlação <strong>entre</strong> onível de ren<strong>da</strong> e escolari<strong>da</strong>de é eleva<strong>da</strong>.Entretanto, a causali<strong>da</strong>de dessa relação <strong>entre</strong> o estado de saúde e a distribuição de ren<strong>da</strong> não éunívoca. Um grupo importante de pesquisadores na literatura internacional tem enfatizado o efeito <strong>da</strong>desigual<strong>da</strong>de de ren<strong>da</strong> sobre o estado de saúde individual e médio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de 2 . Este efeito éobservado na medi<strong>da</strong> em que socie<strong>da</strong>des mais desiguais são caracteriza<strong>da</strong>s pela presença de conflitossociais e maiores divergências <strong>entre</strong> as classes socioeconômicas. Essas características podem serefletir em um maior nível de stress emocional, taxas eleva<strong>da</strong>s de criminali<strong>da</strong>de, e menor provisãopública de serviços, tais como educação, saneamento básico e cui<strong>da</strong>dos médicos, produzindo efeitossobre o estado de saúde.O objetivo deste artigo é fornecer uma discussão teórica e metodológica dos problemasenvolvidos na análise <strong>da</strong> relação <strong>entre</strong> o estado de saúde e a distribuição de ren<strong>da</strong>. Existem ain<strong>da</strong>poucos estudos que buscam entender em que medi<strong>da</strong> o estado de saúde precário afeta a desigual<strong>da</strong>dede ren<strong>da</strong>. A maior parte dos trabalhos preocupa-se em estu<strong>da</strong>r apenas a causali<strong>da</strong>de inversa dessarelação, ou seja, apenas o efeito <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de de ren<strong>da</strong> sobre o estado de saúde. O desenvolvimentodesses estudos é importante, especialmente em economias cuja desigual<strong>da</strong>de de ren<strong>da</strong> é eleva<strong>da</strong>, comopor exemplo o Brasil. O melhor entendimento dos efeitos e dos determinantes <strong>da</strong> distribuição de ren<strong>da</strong>pode auxiliar na formulação de políticas públicas que visam de um lado reduzir a desigual<strong>da</strong>de deren<strong>da</strong> no país, e de outro, minorar os efeitos dessa má distribuição sobre o nível de bem estar <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de. A consideração <strong>da</strong> saúde como um dos determinantes <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de de ren<strong>da</strong> éfun<strong>da</strong>mental, uma vez que a saúde precária gera per<strong>da</strong>s de rendimentos individuais.1 Luft (1975), Kassouf (1999), Alves e Andrade (2003), Murrugarra e Valdivia (1999), Ivaschenko (2003) e Alves, Andrade eMacedo (2003).2 Kawachi, Kennedy e Wilkinson (1999), Lynch et al (2004), Wilkinson (1996).6
Este artigo apresenta mais quatro seções, além desta introdução. Na próxima seçãoprocuramos discutir como a teoria econômica justifica a relação <strong>entre</strong> a desigual<strong>da</strong>de de ren<strong>da</strong> e oestado de saúde. Na seção 3, apresentamos os principais métodos econométricos utilizados neste tipode análise, enfatizando as dificul<strong>da</strong>des envolvi<strong>da</strong>s na estimação e as evidências empíricas encontra<strong>da</strong>sna literatura. Discutimos também os indicadores comumente construídos para mensurar o estado desaúde, já que a relação <strong>entre</strong> desigual<strong>da</strong>de de ren<strong>da</strong> e saúde depende do indicador de saúde utilizado.Na seção 4, procuramos contextualizar essa questão para a reali<strong>da</strong>de brasileira, apresentando asprincipais evidências empíricas encontra<strong>da</strong>s para o país. Apresentamos também as principais bases de<strong>da</strong>dos presentes no país que fornecem informações sobre as características de saúde dos indivíduos.Na última seção faremos as considerações finais.2. ASPECTOS TEÓRICOS ENVOLVIDOS NA ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE O ESTADODE SAÚDE E A DISTRIBUIÃO DE RENDA2.1. Efeito do Estado de Saúde sobre a Desigual<strong>da</strong>de de Rendimentos IndividuaisO estado de saúde precário gera per<strong>da</strong>s expressivas de rendimentos individuais. Esse resultadoé observado em diversos estudos microeconômicos desenvolvidos para o Brasil e para países comdistintos níveis de desenvolvimento 3 . A existência dessa relação pode alterar a distribuição de ren<strong>da</strong> seas per<strong>da</strong>s de rendimentos afetarem de forma diferencia<strong>da</strong> os grupos socioeconômicos.A literatura existente aponta pelo menos três canais através dos quais o estado de saúde afetaos rendimentos: produtivi<strong>da</strong>de, número de horas oferta<strong>da</strong>s de trabalho e a decisão de participar naforça de trabalho 4 . De acordo com a teoria do capital humano, a produtivi<strong>da</strong>de do trabalhador estádiretamente relaciona<strong>da</strong> ao estoque de capital humano o qual depende, d<strong>entre</strong> outros fatores, dosinvestimentos realizados ao longo do ciclo de vi<strong>da</strong>, tais como escolari<strong>da</strong>de, treinamento profissional,hábitos de vi<strong>da</strong> saudáveis, aquisição de bens e serviços de saúde. Ter boa saúde determina um estoquede capital humano mais elevado, gerando, portanto maior produtivi<strong>da</strong>de 5 . Em uma economia onde osfatores de produção são remunerados segundo sua produtivi<strong>da</strong>de marginal, a taxa salarial será maiorquanto melhor for o estado de saúde.A saúde também pode afetar a produtivi<strong>da</strong>de indiretamente. Primeiro, através de seu efeitosobre o nível de investimento nos demais componentes do capital humano, como por exemplo,escolari<strong>da</strong>de 6 . Indivíduos doentes investem menos em educação reduzindo ain<strong>da</strong> mais a probabili<strong>da</strong>de3 Ver como exemplo, Luft (1975) e Haveman et al (1993) que encontram evidências para os Estados Unidos, Schultz (2002)para Ghana, Brasil e Estados Unidos, Murrugarra e Valdivia (1999), para o Peru, Ivaschenko (2003) para a Ucrânia eKassouf (1999), Alves e Andrade (2003) e Rivera e Currais (2005) para o Brasil.4 Uma outra forma em que a saúde afeta os rendimentos salariais é através <strong>da</strong> escolha ocupacional (Strauss e Thomas, 1998,Murrugarra e Valdivia, 1999).5 O capital humano refere-se ao conjunto de habili<strong>da</strong>des e capaci<strong>da</strong>des do indivíduo que afeta a sua produtivi<strong>da</strong>de e dependedos investimentos realizados ao longo do ciclo de vi<strong>da</strong>, tais como em educação, treinamento profissional, e em saúde. Essesinvestimentos são comparáveis à aquisição de meios de produção (capital físico) na medi<strong>da</strong> em que aumentam aprodutivi<strong>da</strong>de. A diferença é que o capital humano é indissociável do indivíduo (Schultz, 1961 e Becker, 1964).6 Basov (2002).7
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