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o processo criativo na tradução de dom pedro ii ... - NUPROC - UFSC

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃOPÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃORomeu Porto DarosO IMPERADOR TRADUTOR DE DANTE: O PROCESSOCRIATIVO NA TRADUÇÃO DE DOM PEDRO II DO EPISÓDIODE “PAOLO E FRANCESCA” DA DIVINA COMÉDIAFlorianópolis2012


Romeu Porto DarosO IMPERADOR TRADUTOR: O PROCESSO CRIATIVO NATRADUÇÃO DE DOM PEDRO II DO EPISÓDIO DE “PAOLO EFRANCESCA” DA DIVINA COMÉDIADissertação submetida ao Programa <strong>de</strong>Pós-Graduação em Estudos daTradução como requisito fi<strong>na</strong>l àobtenção do título <strong>de</strong> Mestre emEstudos da Tradução pelaUniversida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> SantaCatari<strong>na</strong>.Área <strong>de</strong> Concentração: Processos <strong>de</strong>RetextualizaçãoOrientador: Prof. Dr. Sergio RomanelliCo-orientadora: Profa. Dra. Silva<strong>na</strong> <strong>de</strong>GaspariFlorianópolis2012


Romeu Porto DarosO IMPERADOR TRADUTOR: O PROCESSO CRIATIVO NATRADUÇÃO DE DOM PERO II DO EPISÓDIO DE “PAOLO EFRANCESCA” DA DIVINA COMÉDIAEsta Dissertação foi julgada a<strong>de</strong>quada para obtenção do Título <strong>de</strong> MESTRE EMESTUDOS DA TRADUÇÃO, e aprovado em sua forma fi<strong>na</strong>l pelo Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catari<strong>na</strong>.Banca Exami<strong>na</strong>dora:Florianópolis, 24 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2012________________________Profª. Dra. Andréia GueriniCoor<strong>de</strong><strong>na</strong>dora do Curso________________________Prof. Dr. Sergio RomanelliOrientador<strong>UFSC</strong>________________________Profª. Dra. Silva<strong>na</strong> <strong>de</strong> GaspariCo-Orientadora<strong>UFSC</strong>________________________Prof.ª Dr.ª Maria Teresa Arrigoni<strong>UFSC</strong>________________________Prof.ª Dr.ª Karine Simoni<strong>UFSC</strong>________________________Prof.ª Dr.ª Márcia Iva<strong>na</strong> <strong>de</strong> Lima e SilvaUFRGS


Para Dete e Vanildo, mais quepais, incansáveis animadores <strong>de</strong> meussonhos.


AGRADECIMENTOSÀs minhas filhas pelo incentivo e compreensão.À Julia<strong>na</strong> pelo inestimável apoio.Ao meu orientador, Sergio Romanelli, pela <strong>de</strong>dicação, amiza<strong>de</strong> eincentivo.À minha co-orientadora, Silva<strong>na</strong> <strong>de</strong> Gaspari, por manter-me <strong>na</strong>diritta via.Aos amigos e colegas pela colaboração.À PGET/<strong>UFSC</strong>, pelo apoio institucio<strong>na</strong>l.


Assim, afirmo que se aqueles que partiram <strong>de</strong>ssavida há mil anos voltassem para as própriascida<strong>de</strong>s, pensariam que estivessem ocupadas porestrangeiros, por causa da diferença da língua.(Dante Alighieri, 1304-1307)


RESUMOA pesquisa a<strong>na</strong>lisa o <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> <strong>na</strong> tradução, do italiano para oportuguês, do episódio <strong>de</strong> “Paolo e Francesca” do canto V do “Inferno”da Divi<strong>na</strong> Comédia <strong>de</strong> Dante Alighieri, feita por Dom Pedro II, últimoimperador do Brasil. Investigam-se as estratégias utilizadas peloMo<strong>na</strong>rca no seu <strong>processo</strong> tradutório. Do mesmo modo, averigua-se arazão da escolha do canto V, se houve motivação política ou <strong>de</strong> qualqueroutra <strong>na</strong>tureza para traduzir Dante. Por fim, objetiva-se <strong>de</strong>monstrar,através da análise dos manuscritos do tradutor, observando suas rasuras,anotações e pesquisando em materiais da época, que é possível remontarao <strong>processo</strong> <strong>de</strong> criação e aos elementos que influenciaram <strong>na</strong> tradução,i<strong>de</strong>ntificando normas e padrões <strong>na</strong> sua gênese. A pesquisa fundamentaseteórica e metodologicamente nos princípios da Crítica Genética, como auxílio da Teoria dos Polissistemas e dos Estudos Descritivos daTradução.Palavras-chaves: Dom Pedro II, <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong>, tradução, Divi<strong>na</strong>Comédia.


SOMMARIOLa ricerca ha a<strong>na</strong>lizza il <strong>processo</strong> creativo nella traduzione dall’italianoal portoghese <strong>de</strong>ll’episodio di "Paolo e Francesca" <strong>de</strong>l canto V<strong>de</strong>ll’”Inferno" <strong>de</strong>lla Divi<strong>na</strong> Commedia di Dante Alighieri, realizzato daDom Pedro II, ultimo imperatore <strong>de</strong>l Brasile. Si esami<strong>na</strong> le strategieutilizzate dal Mo<strong>na</strong>rca nel suo <strong>processo</strong> di traduzione. Allo stesso modo,si cerca di capire il motivo <strong>de</strong>lla scelta <strong>de</strong>l canto V, se esisteva u<strong>na</strong>motivazione politica o di altro tipo per tradurre Dante. Infine si cerca didimostrare, attraverso l'a<strong>na</strong>lisi <strong>de</strong>i manoscritti <strong>de</strong>l traduttore, osservandole cancellature, le annotazioni e ricercando nei materiali <strong>de</strong>l periodo cheè possibile ricomporre il <strong>processo</strong> di creazione e i fattori che hannoinfluenzato la traduzione, i<strong>de</strong>ntificando le norme e le ricorrenze nellasua genesi. La ricerca è stata condotta in base ai principi teorici emetodologici <strong>de</strong>lla Critica Genetica, con l'ausilio <strong>de</strong>lla Teoria <strong>de</strong>iPolisistemi e <strong>de</strong>gli Studi Descrittivi <strong>de</strong>lla Traduzione.Parole chiave: Dom Pedro II, <strong>processo</strong> creativo, traduzione, Divi<strong>na</strong>Commedia.


ABSTRACTThe research a<strong>na</strong>lyzes the creative process in translation from Italian toPortuguese, the episo<strong>de</strong> of "Paolo and Francesca" canto V of the"Inferno" the Divine Comedy by Dante Alighieri, done by Dom PedroII, last emperor of Brazil. The strategies used by the mo<strong>na</strong>rch in histranslation process are investigated. Similarly, the reason for choosingthe canto V is verified, if there was political motivation or otherwise totranslate Dante. Fi<strong>na</strong>lly, the <strong>de</strong>monstration objectifies, throughexamining the manuscripts of the translator, observing their erasures,notes and researching in materials available that time, that is possible totrace the creative process and the factors which influenced thetranslation, i<strong>de</strong>ntifying standards and patterns in their genesis. Theresearch is based on theoretical and methodological principles ofGenetic Criticism, with aid of Polysystem Theory and DescriptiveTranslation Studies.key-words: Dom Pedro II, the creative process, translation, DivineComedy.


LISTA DE FIGURASFigura 1 - Mapa baseado em Holmes 43Figura 2 - Exemplo <strong>de</strong> manuscrito <strong>de</strong> Dom Pedro II, referente à 53versão 1, fólio 1.Figura 3 - Dante e Virgilio encontram Paolo e Francesca 95Figura 4 Manuscrito <strong>de</strong> Dom Pedro II, referente à versão 1,fólio 2139


LISTA DE QUADROSQuadro I - Diário: anotações <strong>de</strong> Dom Pedro II 85Quadro II - Análise comparativa: Dom Pedro II x Pinheiro x 88MauroQuadro III - Traduções brasileiras da Divi<strong>na</strong> Comédia 106Quadro IV - Análise Comparativa: Dom Pedro II x Pinheiro 116Quadro V - Análise Comparativa: Dom Pedro II x Barão da 117Vila da BarraQuadro VI - Análise Comparativa: Dom Pedro II x De Simoni 118Quadro VII - Análise Comparativa: 3º Versão <strong>de</strong> Dom Pedro II 119x manuscrito <strong>de</strong>finitivo x De SimoniQuadro VIII - Análise Comparativa: Dom Pedro II x De Simoni 121Quadro IX - Análise Comparativa: Dom Pedro II x De Simoni 122x Barão da Vila da Barra x PinheiroQuadro X - Análise Comparativa: Dom Pedro II x De Simoni 123x Barão da Vila da Barra x PinheiroQuadro XI - Análise Comparativa: Dom Pedro II x De Simoni 123x Barão da Vila da Barra x PinheiroQuadro XII - Análise Comparativa: Dom Pedro II x De Simoni 124x Barão da Vila da Barra x PinheiroQuadro XIII - Quadro Diacrônico da Transcrição do canto V 127


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLASCGEDTvvTCrítica GenéticaEstudos Descritivos da TraduçãoVersoTerceto


SUMÁRIOINTRODUÇÃO 271 A CRÍTICA GENÉTICA COMO FUNDAMENTAÇÃO34TEÓRICA E METODOLÓGICA DA PESQUISA1.1 OS ESTUDOS DESCRITIVOS DA TRADUÇÃO COMO SUPORTE 41PARA A ANÁLISE GENÉTICA DAS TRADUÇÕES1.2 A CONSTITUIÇÃO DO PROTOTEXTO DA PESQUISA 522 PEDRO II - O HOMEM, O IMPERADOR E O TRADUTOR 572.1 O CONTEXTO DO SÉCULO XIX 582.2 A TRADUÇÃO NO BRASIL - SINOPSE DA TRAJETÓRIA PRÉ 63SEGUNDO IMPÉRIO2.3 O MENINO IMPERADOR 662.4 AS ARTES E A ARTE DE GOVERNAR 713 POETAS EM DOIS TEMPOS 893.1 A DIVINA COMÉDIA 923.2 A PRESENÇA DE DANTE NO BRASIL E NA LITERATURA 98BRASILEIRA3.3 AS TRADUÇÕES DA DIVINA COMÉDIA NO BRASIL 1053.4 DOM PEDRO II TRADUTOR DA DIVINA COMÉDIA 1094 O PROCESSO CRIATIVO EM DOM PEDRO II – A ANÁLISE 125GENÉTICA DOS MANUSCRITOS TRADUTÓRIOS4.1 TRANSCRIÇÃO DIPLOMÁTICA DAS TRADUÇÕES DO CANTO 125V4.2 VISÃO DIACRÔNICA DO PROCESSO CRIATIVO – AS135CAMPANHAS DE CRIAÇÃO4.3 OS MOMENTOS DO PROCESSO CRIATIVO EM DOM PEDRO II 1464.4 O ENCADEAMENTO DOS MOMENTOS DO PROCESSO149CRIATIVO NOS TERCETOS4.5 ANÁLISE ESTRUTURAL - CONSIDERAÇÕES SOBRE O167PROCESSO TRADUTÓRIO DE DOM PEDRO IICONCLUSÃO 180REFERÊNCIAS 187BIBLIOGRAFIA 194APÊNDICE A – Transcrição diplomática dos manuscritos do episódio 197<strong>de</strong> Francesca da RiminiAPÊNDICE B – Quadro comparativo: texto <strong>de</strong> partida - texto chegada 225APÊNDICE C - Quadro comparativo <strong>de</strong> traduções do episódio <strong>de</strong> 227Francesca da RiminiANEXO A - Carta <strong>de</strong> Dom Pedro II à atriz italia<strong>na</strong> A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Ristori 233


27INTRODUÇÃOO Brasil carece <strong>de</strong> pesquisa sobre <strong>processo</strong>s tradutórios e, emmodo específico, <strong>de</strong> estudos sobre tradutores brasileiros. No entanto,mesmo tendo-se como verda<strong>de</strong>ira a afirmação <strong>de</strong> que ainda há no paíspoucas pesquisas sobre o <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> do tradutor, há que seconsi<strong>de</strong>rar que, com o advento da Crítica Genética (CG), no fi<strong>na</strong>l doséculo XX, isso tem mudado. Nesta pesquisa, tratar-se-á do estudo datradução a partir do trabalho <strong>de</strong> um importante perso<strong>na</strong>gem brasileiro, oimperador Dom Pedro II, <strong>na</strong> tradução <strong>de</strong> trechos <strong>de</strong> uma das maisextraordinárias obras literárias do mundo oci<strong>de</strong>ntal, a Divi<strong>na</strong> Comédia,escrita por Dante Alighieri.A análise <strong>de</strong>scritiva, ao estudar a tradução como ela semanifesta, e não como preten<strong>de</strong>-se que seja, po<strong>de</strong> alimentar hipótesesteóricas, que venham a adquirir valor aplicado e ajudar a fornecer i<strong>de</strong>iaspara novas pesquisas, elevando a compreensão dos procedimentos noato da tradução (Toury, 1995). Portanto, esta pesquisa se insere noâmbito teórico e no esforço cumulativo das pesquisas dos EstudosDescritivos da Tradução (EDT). Este âmbito <strong>de</strong> conhecimento, queconsiste <strong>na</strong> compreensão do comportamento das variáveis consi<strong>de</strong>radasrelevantes no <strong>processo</strong> tradutório em situações particulares, é a basepara a formulação <strong>de</strong> leis <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza probabilística e o caminho para aformulação <strong>de</strong> teorias que colaborem <strong>na</strong> reflexão geral sobre a tradução.A presente pesquisa preten<strong>de</strong> estudar o <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> que sedá durante o ato tradutório <strong>de</strong> poemas. Aquilo que Haroldo <strong>de</strong> Campos,


no ensaio O afreudisíaco Lacan <strong>na</strong> galáxia <strong>de</strong> la língua (Freud, Lacan aescritura) (1989), discorrendo sobre a transposição do texto <strong>de</strong> partidapara a língua <strong>de</strong> chegada, resguardando a significância do texto, chama<strong>de</strong> operação transcriadora:28Numa transposição criativa (Jakobson), numatranspoetização (Umdichtung, como quer W.Benjamin), numa operação transcriadora (comoeu a chamo), on<strong>de</strong> o significante prima (temprimazia), [...] (1989, p. 12).Para Haroldo <strong>de</strong> Campos a tradução, ao promover o encontroentre culturas <strong>de</strong> um mesmo ou <strong>de</strong> diferentes períodos da história,proporcio<strong>na</strong> a relação <strong>de</strong> autores entre si, <strong>de</strong>sses e suas obras, <strong>de</strong> espaçose tempos, <strong>de</strong> línguas e socieda<strong>de</strong>s.Assim, se usará como estudo <strong>de</strong> caso para análise do <strong>processo</strong><strong>criativo</strong> a tradução do episódio <strong>de</strong> Francesca da Rimini, mais conhecidocomo episódio <strong>de</strong> Paolo e Francesca, do canto V do “Inferno”, daDivi<strong>na</strong> Comédia <strong>de</strong> Dante Alighieri, feita por Dom Pedro <strong>de</strong> Alcântara,último imperador do Brasil, poeta e tradutor.A operação transcriadora a ser a<strong>na</strong>lisada, neste caso, é acrescida<strong>de</strong> uma complexida<strong>de</strong> peculiar. Na Divi<strong>na</strong> Comédia, escrita no início doséculo XIV, 1 Dante <strong>de</strong>screve o espírito profundo da cultura em que ooci<strong>de</strong>nte vive e também as razões do próprio ser interior do homem,recolhendo os valores subjacentes aos princípios da vida intelectual emoral, que são fundamentais para o ser humano. Por conseguinte, o1 Há dúvidas sobre a data precisa <strong>na</strong> qual a Divi<strong>na</strong> Comédia foi escrita: “De fato, a primeiraparte, o Inferno, escrita entre 1304 e 1305, segundo alguns autores, ou entre 1306 e 1307,segundo outros, era conhecida a partir <strong>de</strong> 1313, provável época em que já se preanunciava oPurgatório, enquanto que a última parte, o Paraíso, praticamente ocupou o poeta até a data <strong>de</strong>sua morte”. (ARRIGONI, 2008, p. 37).


objetivo do poeta florentino não é dizer o que existe no além-morte, maso <strong>de</strong> mostrar um percurso para se visualizar a vida <strong>de</strong> todos os homens.Talvez a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses temas, que perpassam a Divi<strong>na</strong> Comédia,tenha atraído o Imperador e o tenha levado à tradução <strong>de</strong> alguns cantos.Dom Pedro II viveu entre 1825 e 1891 e, além <strong>de</strong> gover<strong>na</strong>nte,foi um intelectual, admirador das ciências, apreciador das artes e daliteratura; uma das características <strong>de</strong> seu governo - como se verá maisadiante - foi a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação. Lia muito, sobre vários temas eestudou idiomas. Traduziu poemas e textos religiosos da tradiçãojudaica e católica e fez traduções entre vários pares <strong>de</strong> línguas, clássicase mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>s. Entretanto, o seu trabalho como tradutor é poucoconhecido, tanto pela população quanto pelo mundo acadêmico, on<strong>de</strong>são exíguas as pesquisas a respeito do tema Dom Pedro II e a tradução.No banco <strong>de</strong> dados da Coor<strong>de</strong><strong>na</strong>ção <strong>de</strong> Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Pessoal <strong>de</strong>Nível Superior (CAPES), por exemplo, entre os anos 2000 e 2010 há oregistro <strong>de</strong> somente uma pesquisa em cujo tema Dom Pedro II etradução aparece.Segundo Me<strong>de</strong>iros e Albuquerque (1932) 2 , os netos doMo<strong>na</strong>rca publicaram, em 1889, um livro <strong>de</strong> poesias e traduções doImperador. Nesse livro constam os cantos V e XXXIII do “Inferno” daDivi<strong>na</strong> Comédia. A motivação <strong>de</strong> Dom Pedro II em escolher esses doiscantos do “Inferno” para traduzir foi pessoal, política ou <strong>de</strong> outra<strong>na</strong>tureza?2 Me<strong>de</strong>iros e Albuquerque, escritor, político e professor <strong>na</strong>sceu em 1867, no Recife. Após aproclamação da República foi nomeado secretário do Ministério do Interior. Foi o autor daletra do Hino da Proclamação da República. Morreu em 1934. ACADEMIA BRASILEIRA DELETRAS. Os imortais. 2001. Disponível em: http://www.aca<strong>de</strong>mia.org.br. Acesso em: maio2012.29


Dom Pedro II traduziu <strong>de</strong> diversas línguas, trabalhou a partir <strong>de</strong>textos em prosa e poesia e também era poeta. Dante Alighieri, no iníciodo século XIV, consi<strong>de</strong>rava a tradução <strong>de</strong> poesia difícil, pois: “[...] o quefoi harmonizado pelo toque das musas não se po<strong>de</strong> transpor <strong>de</strong> sualíngua para outra sem quebrar toda a suavida<strong>de</strong> e a harmonia”(GUERINI, 2005, p. 23). Opinião que é comungada, entre outros, pelorusso Roman Jakobson (1969) com sua tese da união não reproduzível<strong>de</strong> som e sentido. Recusando-se a tese da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se traduzirpoesia e, por conseguinte, aceitando a possibilida<strong>de</strong> da sua tradução –seja do conteúdo, seja da forma - ao se a<strong>na</strong>lisar a obra <strong>de</strong> Dom Pedro II,quais <strong>de</strong>sses pressupostos se encontram e a qual ele <strong>de</strong>u maiorrelevância? Teria o Imperador, durante a leitura dos cantos, percebido o<strong>processo</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> sentidos existentes no texto?Partindo-se da noção <strong>de</strong> que traduzir poesia é recriá-la, que seexige do tradutor poético que ele <strong>de</strong>sven<strong>de</strong> o <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> do texto<strong>de</strong> partida e que, ao se produzir um “equivalente poético” como texto <strong>de</strong>chegada, requer-se uma reescritura criativa. Qual teria sido asensibilida<strong>de</strong> poética do Imperador? E, uma vez que o tradutor não sepõe diante <strong>de</strong> um texto poético da mesma forma como se põe diante <strong>de</strong>um texto não poético, qual visão <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> acompanhou Dom PedroII durante o <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong>?Aceitando-se a tese <strong>de</strong> Laranjeira (1993) e outros, <strong>de</strong> quetradução é uma reescritura <strong>na</strong> língua <strong>de</strong> chegada da leitura que se faz <strong>de</strong>um texto, e que, portanto, é possível a reescritura da sua significância,mas, consi<strong>de</strong>rando a reflexão <strong>de</strong> Paul Ricoeur (2011, p. 24) para quem atradução <strong>de</strong> poesia oferece “[...] a dificulda<strong>de</strong> maior da união30


inseparável do sentido e da sonorida<strong>de</strong>, do significado e dosignificante”, quais regras ele seguiu?Dom Pedro II, durante o <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong>, preocupou-se emretransmitir a leitura da realida<strong>de</strong> feita por Dante? Queria ele,ressignificando cantos da Divi<strong>na</strong> Comédia em português, influenciar, nosentido i<strong>de</strong>ológico, pessoas e/ou grupos <strong>de</strong> sua época?Assim sendo, e aceitando-se que a ação tradutória <strong>de</strong> um texto éum <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> através do qual o tradutor é compelido a fazerescolhas entre várias possibilida<strong>de</strong>s, a pesquisa busca a<strong>na</strong>lisar diante <strong>de</strong>quais opções Dom Pedro II esteve, quais métodos e critérios usou parafazer escolhas e para aceitar e rejeitar opções. Na pesquisa se busca,também, i<strong>de</strong>ntificar a existência <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> procedimento queindiquem um padrão tradutório no <strong>processo</strong> problema-solução e, ainda,investiga-se por que o Imperador escolheu esses dois cantos do“Inferno” para traduzir. Sintetizando, a situação problema que sepreten<strong>de</strong> trabalhar é como, do ponto <strong>de</strong> vista da CG, se <strong>de</strong>u o <strong>processo</strong><strong>criativo</strong> das traduções <strong>de</strong> Dante feitas por Dom Pedro II. Para tanto,resolve-se tomar, como objeto <strong>de</strong> estudo, a tradução do episódio <strong>de</strong>Francesca da Rimini, do canto V, do “Inferno” da Divi<strong>na</strong> Comédia.Além da contribuição ao <strong>processo</strong> <strong>de</strong> reflexão <strong>de</strong>ntro dosestudos da tradução, da aplicabilida<strong>de</strong> e da existência ou não <strong>de</strong> padrõesque possam orientar a tarefa do tradutor, esta pesquisa se <strong>de</strong>staca porestar inserida no trabalho pioneiro que vem sendo <strong>de</strong>senvolvido peloNúcleo <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Processo Criativo – <strong>NUPROC</strong>, no Departamento<strong>de</strong> Línguas e Literaturas Estrangeiras, da <strong>UFSC</strong>, em torno das traduções<strong>de</strong> Dom Pedro II. Muito se estudou e se estuda sobre o Imperador31


erudito, que se preocupava e se ocupava não só da política, mas,também, das ciências, da arte e da literatura. Todavia, como já dito,ainda é bastante mo<strong>de</strong>sta a pesquisa em torno do seu trabalho comotradutor, sobre seu <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong>, quais etapas percorria, como faziaescolhas e se tinha consciência <strong>de</strong>stas e, também, para quem escrevia.Enfim, que tipo <strong>de</strong> tradutor era e qual o papel da tradução <strong>na</strong> suaformação como escritor e imperador, e <strong>na</strong> vida da socieda<strong>de</strong> à qualestava relacio<strong>na</strong>do. Nas biografias 3 e obras 4 que tratam do Imperador,pesquisadas durante a elaboração <strong>de</strong>sse trabalho, pouco se aborda otema Dom Pedro II e a tradução. Os textos limitam-se, basicamente, ainformar que ele exercia esta ativida<strong>de</strong>. Alguns estudos maisaprofundados neste sentido começam a ser encontrados em algunstrabalhos acadêmicos 5 .323 Biografias <strong>de</strong> Dom Pedro II pesquisadas, em or<strong>de</strong>m cronológica <strong>de</strong> edição:» Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tau<strong>na</strong>y. O Gran<strong>de</strong> Imperador, 1933.» Heitor Lyra. História <strong>de</strong> Dom Pedro II, 1825-1891, 1977.» Pedro Calmon. História <strong>de</strong> D. Pedro II: no país e no estrangeiro (1870-1887), 1975 e AVida <strong>de</strong> Pedro II, o Rei Filósofo, 1975.» José Murilo <strong>de</strong> Carvalho. D. Pedro II: Ser ou não Ser, 2007.» Lilia M. Schwarcz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um mo<strong>na</strong>rca nos trópicos,1998.4 Obras sobre Dom Pedro II pesquisadas, em or<strong>de</strong>m cronológica <strong>de</strong> edição:» Américo Laconbe e L. Jacobi<strong>na</strong>. O Mor<strong>dom</strong>o do Imperador, 1994.» Nelson Werneck Sodré. Panorama do segundo Império. 2. ed, 1998.» Alessandra Vannucci. Uma amiza<strong>de</strong> revelada. Correspondência entre o Imperador <strong>dom</strong>Pedro II e A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Ristori, a maior atriz <strong>de</strong> seu tempo, 2004.5Trabalhos acadêmicos sobre Dom Pedro II pesquisados, em or<strong>de</strong>m cronológica <strong>de</strong>apresentação:» Nadja Paraense dos Santos. Pedro II, sábio e mece<strong>na</strong>s, e sua relação com a química.Artigo <strong>de</strong> 2004.» Pedro Falleiros Heise. A introdução <strong>de</strong> Dante no Brasil: o Ramalhete poético dopar<strong>na</strong>so italiano <strong>de</strong> Luiz Vicente <strong>de</strong> Simoni. Dissertação <strong>de</strong> 2007.» Rosane <strong>de</strong> Souza. A gênese <strong>de</strong> um <strong>processo</strong> tradutório: as mil e uma noites <strong>de</strong> D. PedroII, Dissertação <strong>de</strong> 2010.» Márcia A. P Martins e An<strong>na</strong> Olga P. <strong>de</strong> Oliveira. D. Pedro II, mo<strong>na</strong>rca-tradutor. Artigo<strong>de</strong> 2010.


Esta dissertação é a continuação, <strong>de</strong> alguma forma, da pesquisainiciada <strong>na</strong> graduação e que resultou no Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong>Curso (TCC), Il paradiso dantesco: ve<strong>de</strong>re Dio per salvare l'umanità,<strong>de</strong> 2009, no qual a<strong>na</strong>liso o canto XXXIII do “Paraíso” da Divi<strong>na</strong>Comédia.A dissertação estrutura-se em quatro capítulos: <strong>na</strong> introdução seapresentam o tema e a contextualização da pesquisa. O primeiro capítuloé <strong>de</strong>dicado aos fundamentos teóricos e metodológicos nos quais apesquisa se sustenta. O segundo capítulo trata do período, da obra e doautor Dom Pedro II, abordando a formação do homem, do imperador, dointelectual e da origem <strong>de</strong> seu interesse pelas artes, pelas línguas e pelatradução. O terceiro capítulo tem a fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> falar do encontro comDante e a Divi<strong>na</strong> Comédia e do interesse do Imperador em traduzirpartes da obra. O quarto capítulo intenta a<strong>na</strong>lisar o <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> dotradutor, discorrendo sobre as campanhas <strong>de</strong> criação, os momentos do<strong>processo</strong> e fazendo conjecturas sobre o mecanismo <strong>de</strong> funcio<strong>na</strong>mento daação tradutória <strong>de</strong> Dom Pedro II, abrindo assim o caminho para asconclusões da pesquisa.33» Sergio Romanelli. Entre línguas e culturas: as traduções <strong>de</strong> Dom Pedro II. Artigo <strong>de</strong>2012.


1 A CRÍTICA GENÉTICA COMO FUNDAMENTAÇÃOTEÓRICA E METODOLÓGICA34Nesta pesquisa se assume a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tradução como reescritura,<strong>de</strong> acordo com a ótica <strong>de</strong> Lefevere, para quem a tradução:[...] representa a modalida<strong>de</strong> mais reconhecível<strong>de</strong> reescritura, e […] é potencialmente a maisinfluente, pois é capaz <strong>de</strong> projetar a imagem <strong>de</strong>um autor, e/ou <strong>de</strong> uma obra, além dos confinsda sua cultura <strong>de</strong> origem (2007, p. 24).Para Lefevere, o texto origi<strong>na</strong>l é manipulado e reinterpretado.Essa alteração porta a tradução a um estágio <strong>de</strong> reinterpretação criativa,via a qual o tradutor se faz presente no texto <strong>de</strong> chegada, introduzindosua voz através do efeito que <strong>de</strong>seja causar <strong>na</strong> cultura alvo.A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Lefevere soma-se à percepção da tradução como um<strong>processo</strong>, conforme a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Marie-Hélène Passos para quem:[...] o <strong>processo</strong> tradutório é um <strong>processo</strong><strong>criativo</strong> remetendo ao ato <strong>de</strong> escrever, Isto é, aoato <strong>de</strong> criar um discurso próprio a partir <strong>de</strong> umdiscurso alheio. Esta criação do discurso,representada pelo ‘fazer’, pelo ‘escrever’ datradução em <strong>processo</strong>, não é uma simplestécnica linguística <strong>de</strong> passagem <strong>de</strong> uma línguapara outra, é uma escritura, ou uma(re)escritura, oriunda do espaço recôndito dopensamento em criação (2011, p. 15).Esse entendimento conceitual do que é a tradução norteou aanálise processada nesta pesquisa. Análise, por sua vez, fundamentadateórica e metodologicamente nos princípios da CG.


A CG originou-se <strong>na</strong> França, em 1968 6 , a partir do estudo <strong>de</strong>manuscritos literários e, segundo Romanelli (2006), chegou ao Brasilem 1985, por iniciativa <strong>de</strong> Philippe Willemart. A CG consi<strong>de</strong>ra que oresultado <strong>de</strong> um trabalho artístico é fruto <strong>de</strong> uma sucessão complexa <strong>de</strong>fatos e fenômenos, que vão da preparação da pesquisa, às técnicas <strong>de</strong>escritura e correções, até as influências <strong>de</strong> diversas or<strong>de</strong>ns, que inci<strong>de</strong>m<strong>na</strong> composição da obra. Seu princípio, segundo Biasi:35[...] é o <strong>de</strong> dar uma atenção tão gran<strong>de</strong> quantopossível ao trabalho do escritor, aos seusgestos, às suas emoções, às suas incertezas: oque ela propõe é re<strong>de</strong>scobrir a obra por meio dasucessão dos esboços e das redações que afizeram <strong>na</strong>scer e a levaram até sua forma<strong>de</strong>finitiva. Com que intenção? A <strong>de</strong> melhorcompreendê-la: conhecer por <strong>de</strong>ntro a suacomposição, as intenções recônditas do escritor,seus procedimentos, sua maneira <strong>de</strong> criar, oselementos pacientemente construídos que eleacaba elimi<strong>na</strong>ndo, os que ele conserva e<strong>de</strong>senvolve. Observar seus momentos <strong>de</strong>bloqueio, seus lapsos, suas voltas para trás,adivinhar seu método e sua prática <strong>de</strong> trabalho,saber se ele faz planos ou se ele se lançadiretamente <strong>na</strong> redação, reencontrar o rastropreciso dos documentos e dos livros que eleusou, etc. A genética dos textos faz penetrar nolaboratório secreto do escritor, no espaçoíntimo <strong>de</strong> uma escritura que se busca [...] (2010,p. 11).6 Para o Grésillon o contexto sociopolítico da França do fi<strong>na</strong>l da década <strong>de</strong> 1960 influencioui<strong>de</strong>ologicamente a CG:[...] as condições da vida intelectual <strong>na</strong> França no fim dos anos sessenta que, como qualquerconjuntura i<strong>de</strong>ológica precisa, influenciaram a orientação e o foco da crítica genética<strong>na</strong>scente. Esta tomou seu impulso ao mesmo tempo em pleno estruturalismo e, pelo menos emparte, contra ele. Herdando <strong>de</strong>ssa corrente o rigor metodológico, a crítica genética, emborafazendo romper o fechamento do texto, foi utilizada para isolar e <strong>de</strong>screver as diferentes fasesdos antetextos (...); e estabelecer, em função dos hábitos variáveis dos escritores, tipologiasantetextuais (1991, p. 11).


Para Romanelli, a CG mostra “o avesso do texto publicado”, <strong>processo</strong>que permite que se <strong>de</strong>smitifique a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que “uma obra <strong>na</strong>sce jápronta como resultado espontâneo <strong>de</strong> pura inspiração" (2006, p. 88).Portanto, a CG se concentra, prioritariamente, no terceiro focodos estudos <strong>de</strong>scritivos, conforme indicado por Holmes, ou seja, noestudo do <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> do tradutor ao realizar o ato tradutório, coma preocupação <strong>de</strong> a<strong>na</strong>lisar o <strong>processo</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua gênese, ou seja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o primeiro plano, o primeiro rabisco, o primeiro rascunho, ou mesmo,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira intenção <strong>de</strong> realizar o ato tradutório, posto que essaintenção esteja grafada em algum lugar.O que interessa:36[...] são os rastros interpretáveis do trabalhointelectual, tais como os arquivos permitemobservá-los e elucidá-los em termos <strong>de</strong><strong>processo</strong>. Ao procurar construir umaepistemologia histórica e talvez materialista daescritura literária, a genética literária arranca arelação crítica da ficção <strong>de</strong> sua soberaniahegemônica e reinsere a obra <strong>na</strong> lógica profa<strong>na</strong><strong>de</strong> sua gênese. Mas esse gesto, longe <strong>de</strong> tor<strong>na</strong>rnula a relação crítica, enriquece o texto comuma dimensão, a do tempo humano, em que osentido retoma a posse <strong>de</strong> sua própria história(DE BIASI, 2010, p. 114-115).De tal modo, a CG vem agregar uma importante contribuiçãoaos EDT e vice-versa. A CG estuda todos os documentos que antece<strong>de</strong>ma elaboração do texto <strong>de</strong> chegada, inclusive aqueles que dizem respeitoao seu <strong>processo</strong> <strong>de</strong> elaboração e que são, portanto, anteriores ao textofi<strong>na</strong>l. Este conjunto <strong>de</strong> documentos é usualmente chamado <strong>de</strong>prototexto.


O prototexto constitui-se principalmente <strong>de</strong> manuscritos. Hay<strong>de</strong>screve o manuscrito como sendo:37[...] <strong>de</strong> uma extraordinária diversida<strong>de</strong>, epertencente a todas as etapas e a todos osestados do trabalho, dossiês, ca<strong>de</strong>rnos, esboços,planos, rascunhos. Mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que opensamento ou imagi<strong>na</strong>ção os tocaram, todos,do documento inerte – dicionário, relatório –até a pági<strong>na</strong> inspirada, encontram-se dotados <strong>de</strong>vida e convocados a <strong>de</strong>sempenhar seu papelnum projeto <strong>de</strong> escritura (2007, p. 17).Os manuscritos po<strong>de</strong>m ser constituídos por rasuras, cartas,anotações, rascunhos, jor<strong>na</strong>is, livros, metatextos, <strong>de</strong>poimentos, entreoutros indícios que remetem à compreensão <strong>de</strong> mecanismos da gêneseda criação artística, bem como os elementos que influenciam as escolhasdo tradutor. De acordo com Willemart (2008), os estudos do <strong>processo</strong> <strong>de</strong>criação po<strong>de</strong>m ser captados tanto nos rascunhos, croquis ou esboçosquanto no texto publicado, mas no primeiro caso falamos <strong>de</strong> CGpropriamente dita, no outro <strong>de</strong> crítica textual.Para De Biasi (2010, p. 70), o que caracteriza o manuscrito é a“[...] presença <strong>de</strong> uma escritura, mais ou menos bem formada [...]”. Este,ao contrário do que induz a nossa experiência cultural com a palavramanuscrito, não se relacio<strong>na</strong> a algo morto e inerte. Não é atrás <strong>de</strong> umapeça <strong>de</strong> museu que a CG caminha, mas ela se mobiliza pela busca <strong>dom</strong>ovimento que há em cada traço do escrito e do não escrito, peloescritor. É a vida que há por <strong>de</strong>trás do que parece, à primeira vista,estático, que interessa à CG.Este tipo <strong>de</strong> análise requer a superação da noção <strong>de</strong> que o texto


somente existe <strong>na</strong> sua redação consi<strong>de</strong>rada fi<strong>na</strong>l e impressa. Os limites<strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> análise: sincrônica e estruturalista, que concebe o textocomo se fosse uma foto, feita em um instante e <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do a uma únicaforma para todo o sempre, impe<strong>de</strong> esse <strong>de</strong>scobrir <strong>de</strong> configurações e <strong>de</strong>entre textos, que só uma análise diacrônica po<strong>de</strong> permitir. Estudar<strong>processo</strong>s requer que se leve em consi<strong>de</strong>ração a dimensão histórica quelevou à redação do texto consi<strong>de</strong>rado fi<strong>na</strong>l. Se este esforço não é umacondição sine qua non para que se possa ler um texto, é possível afirmarque o conhecimento do <strong>processo</strong> permite <strong>de</strong>sse uma melhor leitura.A análise genética, como visto, requer do pesquisador a atençãoa alguns procedimentos, tais como a construção do dossiê genético e oestabelecimento do prototexto. O dossiê genético é o conjunto <strong>de</strong>materiais, autógrafos ou não, recolhidos pelo pesquisador e que sereportam à gênese do texto a ser a<strong>na</strong>lisado. O prototexto é a organizaçãoque o pesquisador faz do dossiê levantado. Esta organização é única eexclusiva do pesquisador que a faz e, como tal, integrante do <strong>processo</strong><strong>de</strong> análise, uma vez que o enca<strong>de</strong>amento diacrônico do material járequer uma postura a<strong>na</strong>lítica. A organização diacrônica do material <strong>de</strong>velevar em conta as fases da criação do escritor, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ia inicial até aimpressão do texto. Essa classificação po<strong>de</strong> ser mais simples se oescritor trabalhou com um projeto <strong>de</strong> escritura da obra, esquematizandoe antecipando os passos <strong>de</strong> sua produção em um roteiro. E, maiscomplexa, quando a estrutura <strong>de</strong> sua redação se conforma à medida queo texto vai sendo escrito. Para De Biasi (2010), existem quatro gran<strong>de</strong>sfases <strong>de</strong> trabalho <strong>na</strong> produção <strong>de</strong> um texto que se suce<strong>de</strong>m e possuemimportância variável, que são: a fase pré-redacio<strong>na</strong>l, a redacio<strong>na</strong>l, a préeditoriale a editorial.38


Concomitante à organização do prototexto, é necessária aclassificação e a transcrição dos manuscritos para prepará-los para aanálise. A transcrição dos rascunhos - <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> seu estado e doestilo do escritor - po<strong>de</strong> exigir um árduo <strong>processo</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>ciframento quenem sempre se atinge <strong>na</strong> totalida<strong>de</strong>. Durante o <strong>processo</strong> <strong>de</strong> transcriçãodos rascunhos tor<strong>na</strong>m-se perceptíveis os contornos da história do<strong>processo</strong> <strong>de</strong> criação, facilitando a classificação dos rascunhos em funçãodo texto supostamente <strong>de</strong>finitivo.Em escritores que trabalham sem um roteiro pré-estabelecido,como é o caso <strong>de</strong> Dom Pedro II, a classificação é mais complexa esomente se <strong>de</strong>lineia no transcorrer do <strong>processo</strong> <strong>de</strong> transcrição. É o estadodo rascunho e o tipo <strong>de</strong> rasuras; os cancelamentos, <strong>de</strong>slocamentos eacréscimos que vão clareando a trajetória temporal feita pelo escritor.Para Levaillant, ao ser citado por De Biasi:39[...] o rascunho não conta a “boa” história dagênese, a história bem orientada por esse fi<strong>na</strong>lfeliz: o texto. O rascunho não conta, ele dá aver: a violência dos conflitos, o custo dasescolhas, os acabamentos possíveis, o esbarro, acensura, a perda, a emergência dasintensida<strong>de</strong>s, tudo o que o ser inteiro escreve. Orascunho não é mais preparação, mas o outrotexto (2010, p. 118).Para Hay (2010), o crítico genético cumpre concomitantementedois papeis no seu trabalho a<strong>na</strong>lítico: por um lado, ele atua como juiz,pois <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> qual objeto material será fruto <strong>de</strong> um processamentocientífico ao classificá-lo, organizá-lo diacronicamente esincronicamente e articulá-lo entre si e com outros materiais <strong>de</strong> cunhomais amplo; e, por outro lado, se comporta como parte implicada,


quando faz conclusões acerca do <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> da obra <strong>de</strong> outro.Certo é que o crítico genético não tem certezas:40Ninguém po<strong>de</strong>ria reviver uma experiência queo autor primeiro viveu sozinho, <strong>de</strong>poisultrapassou e <strong>de</strong>ixou atrás <strong>de</strong> si. O que o críticoobserva são os índices visíveis <strong>de</strong> um trabalho;o que ele <strong>de</strong>cifra não é o movimento <strong>de</strong> umespírito, mas o traço <strong>de</strong> um ato: não o que oescritor queria dizer, mas o que ele disse. Aanotação exibe a marca <strong>de</strong> um acontecimentoque a escritura objetivou. Entre esseacontecimento e “os movimentos <strong>de</strong>sor<strong>de</strong><strong>na</strong>dosdos espíritos”, <strong>de</strong> que fala Valéry, existe umaligação paradoxal, uma vez que a escrituraproce<strong>de</strong> do espírito, que a põe em movimento,mas, ao mesmo tempo, <strong>de</strong>le se <strong>de</strong>staca, e nãopermite mais regressar a ele (HAY, 2010, p.19-20).A tarefa do crítico genético é, portanto, a compreensão dadinâmica do ato tradutório, ver além e através do texto, a ação doescritor acontecendo e <strong>de</strong>semaranhar o seu significado. A instabilida<strong>de</strong> éa regra e o movimento é a constante. Trata-se <strong>de</strong> um movimento nãolinear, mas elíptico e multidimensio<strong>na</strong>l. É neste terreno não a<strong>de</strong>nsadoque o crítico especula, observa e <strong>de</strong>ve dizer “como as coisas se fizeram”(HAY, 2010, p. 20).Resumidamente, po<strong>de</strong>-se dizer que a CG é uma abordagema<strong>na</strong>lítica que procura enten<strong>de</strong>r os signos, indo à gênese do texto tidocomo fi<strong>na</strong>l, cotejando-o com os manuscritos. Seu objetivo écompreen<strong>de</strong>r o mecanismo da criação buscando i<strong>de</strong>ntificar <strong>processo</strong>s <strong>de</strong>escritura do autor.


1.1 OS ESTUDOS DESCRITIVOS DA TRADUÇÃO COMOSUPORTE PARA A ANÁLISE GENÉTICA DAS TRADUÇÕES41Os EDT po<strong>de</strong>m ajudar a CG no estudo do <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> doato tradutório, pois o foco da análise <strong>de</strong>scritiva é também indagar o<strong>processo</strong> que antece<strong>de</strong> o texto consi<strong>de</strong>rado fi<strong>na</strong>l e não o produto.A análise <strong>de</strong>scritiva da tradução do episódio <strong>de</strong> Francesca daRimini do canto V do “Inferno”, feita por Dom Pedro II, foi, portanto,realizada com o auxílio do mo<strong>de</strong>lo metodológico proposto por Lamberte Van Gorp (2010), que avalia as diferenças e semelhanças prelimi<strong>na</strong>res,macroestruturais e microestruturais entre as traduções e o texto <strong>de</strong>partida. Em se tratando <strong>de</strong> uma análise sistêmica, comparar-se-á tambémas traduções <strong>de</strong> Dante feitas por outros autores para o português doBrasil, tendo, entre eles, alguns dos mais conhecidos tradutores daDivi<strong>na</strong> Comédia como o Barão da Vila da Barra, José Xavier Pinheiro eÍtalo Eugênio Mauro.Os EDT <strong>na</strong>scem da crítica aos mo<strong>de</strong>los tradicio<strong>na</strong>is adotadosem tradução, a chamada abordagem prescritivista, que ambicio<strong>na</strong>vaestabelecer regras universais para fazerem-se traduções que fossemaplicáveis para qualquer caso. Os EDT surgiram <strong>na</strong> universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> TelAviv, a partir das reflexões <strong>de</strong> Itamar Even-Zohar e Gi<strong>de</strong>on Toury, coma preocupação não só <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver, mas <strong>de</strong> explicar os produtos, funçõese <strong>processo</strong>s tradutórios e, ainda, <strong>de</strong> medir o impacto das traduções nosistema receptor. Estabelece-se a visão da tradução como criadora <strong>de</strong> umnovo jogo <strong>de</strong> linguagem <strong>na</strong> cultura <strong>de</strong> chegada, o que po<strong>de</strong> produzirnovas práticas, novas i<strong>de</strong>ias e novos comportamentos (TOURY, 1995).


Gi<strong>de</strong>on Toury (2001) sustenta que as culturas recorrem àtradução como uma forma <strong>de</strong> preencherem as suas lacu<strong>na</strong>s e que esta éfeita a partir <strong>de</strong> normas concebidas para satisfazer certas necessida<strong>de</strong>s dacultura receptora e dos seus membros. Para Toury, um texto po<strong>de</strong> serconsi<strong>de</strong>rado uma tradução quando assim é aceito pelas normas dacultura <strong>de</strong> chegada:42Portanto, num primeiro momento, qualquer queseja a razão para <strong>de</strong>finir um texto como umatradução, essa pretensa tradução será a<strong>na</strong>lisadaexclusivamente em termos da sua aceitabilida<strong>de</strong>(por tipo e extensão) no sistema <strong>de</strong> chegada, ouseja, em termos <strong>de</strong> sua submissão às normas<strong>dom</strong>i<strong>na</strong>ntes <strong>na</strong>quele sistema específico(tradução nossa) 7 (1980, p. 194). 8A análise realizada com base <strong>na</strong> abordagem <strong>de</strong>scritiva é umavertente metodológica relativamente nova e tem em Holmes um dosfundadores do conceito. Para Holmes (1972), a tradução não émeramente uma transposição linguística, mas um ato <strong>de</strong> comunicaçãoque (re)interpreta textos em outra língua sob <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do contextosociocultural e com uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da fi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>. Ainda para Holmes, osestudos da tradução po<strong>de</strong>m estar focados em três linhas <strong>de</strong> pesquisa: noproduto, <strong>na</strong> função e no <strong>processo</strong>.7 Todas as outras traduções do italiano são do autor do texto. Portanto, a partir <strong>de</strong>ste ponto, nãose usará mais a expressão entre parênteses “(tradução nossa)”.8 Perciò, qualunque sia la ragione per <strong>de</strong>finire un testo come traduzione, in u<strong>na</strong> prima faseogni presunta traduzione verrà a<strong>na</strong>lizzata esclusivamente dal punto di vista <strong>de</strong>lla suaaccettabilità (per tipo ed estensione) nel sistema di arrivo, cioè nei termini <strong>de</strong>lla suasottomissione alle norme <strong>dom</strong>i<strong>na</strong>nti in quello specifico sistema. (1980, p. 194)


43Figura 1. Mapa baseado em Holmes. 9Os estudos <strong>de</strong>scritivos, focados no produto, <strong>de</strong>screvem astraduções existentes. A <strong>de</strong>scrição po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> traduções isoladas oucomparadas, <strong>de</strong> um período <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do, numa certa língua e ou tipotextual ou discursivo.Os estudos <strong>de</strong>scritivos, focados <strong>na</strong> função, para além datradução em si mesma, procuram <strong>de</strong>screver as traduçõescircunstanciadas <strong>na</strong> realida<strong>de</strong> sociocultural receptora, ressaltando oscontextos e não somente os textos (Toury, 1995). O estudo <strong>de</strong> contextosrequer um esforço <strong>de</strong> <strong>de</strong>scrição do papel que a tradução ocupa nopolissistema cultural e literário do período.9 Mapa baseado em Holmes produzido por Pagano & Vasconcellos, publicado em 2003, <strong>na</strong>revista Delta e apresentado no III Congresso Interamericano <strong>de</strong> Tradução e Interpretação –CIATI- 2004. Aqui, extraído do manual: Estudos da Tradução I, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Laute<strong>na</strong>iAntonio Bartholamei Junior e Maria Lucia Vasconcellos, do CCE – <strong>UFSC</strong>, 2008, p. 6.


Os estudos <strong>de</strong>scritivos, focados no <strong>processo</strong> - no qual seinserem os estudos <strong>de</strong> gênese, e, portanto, esta pesquisa -, buscam<strong>de</strong>screver o <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> durante o ato tradutório em si, o queacontece <strong>na</strong> mente do tradutor enquanto cria um texto novo a partir <strong>de</strong>um texto pré-existente numa outra língua.Um dos instrumentos teóricos fundamentais da concepção<strong>de</strong>scritiva é a teoria dos polissistemas, <strong>de</strong> Even-Zohar (1990), quepressupõe a existência <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> sistemas inter-relacio<strong>na</strong>dosdialeticamente. Nesta teoria, a literatura traduzida compõe um sistemaque faz parte do polissistema da literatura da língua <strong>de</strong> chegada e este,por sua vez, é parte do polissistema cultural. Um polissistema mantémrelações com outros sistemas da cultura <strong>de</strong> chegada e <strong>de</strong> outras culturas.A noção <strong>de</strong> polissistemas é fundamental para o entendimento datradução também como um <strong>processo</strong> <strong>de</strong> transferência cultural.Para Even-Zohar (1990), existe uma inter<strong>de</strong>pendência entre<strong>processo</strong>s e produtos, o que implica em intervenções nos produtos <strong>de</strong>acordo com os interesses <strong>dom</strong>i<strong>na</strong>ntes que atuam no polissistema. ParaAndré Lefevere (1992) e Gi<strong>de</strong>on Toury (1995), ambos associados àteoria polissistêmica, a tradução é uma “reescrita” que, assim como oorigi<strong>na</strong>l, no interior <strong>de</strong> seu polissistema político-cultural, tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>influenciar a cultura <strong>de</strong> chegada. Deste modo, a relação produto<strong>processo</strong>-funçãoé viva e uma pesquisa para chegar a conclusõespertinentes exige, invariavelmente, a i<strong>de</strong>ntificação dos parâmetros <strong>de</strong>relação entre eles. Gi<strong>de</strong>on Toury (1995) e Theo Hermans (1996) <strong>de</strong>ramsequência aos estudos polissistêmicos <strong>de</strong> Zohar e neles nos embasamospara a nossa análise das traduções <strong>de</strong> Dom Pedro II. A Teoria dosPolissistemas, portanto, ajudou a enten<strong>de</strong>r qual lugar ocupavam os44


textos traduzidos e as traduções <strong>de</strong> Dom Pedro II no polissistemaliterário <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do período e, <strong>de</strong>sse, no polissistema literário mundial.A tradução é um tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> que, inevitavelmente,envolve pelo menos duas línguas e duas tradições culturais, ou seja, pelomenos dois sistemas <strong>de</strong> normas em cada polo. A tradução constitui umarepresentação <strong>de</strong> um texto <strong>de</strong> partida <strong>na</strong> língua e <strong>na</strong> cultura <strong>de</strong> outro. Éum texto em uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da língua e, portanto, ocupando uma posiçãoem meio a uma cultura, ou em uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da seção <strong>de</strong>ssa. Parte <strong>de</strong>um texto existente em outra língua, que pertence a outra cultura e ocupauma posição <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la.A tradução po<strong>de</strong> ter uma maior ou menor conformação àsnormas da cultura e língua <strong>de</strong> partida ou da cultura e língua <strong>de</strong> chegada.Toury titula <strong>de</strong> “a<strong>de</strong>quada” a tradução que se <strong>de</strong>svia dos padrõessancio<strong>na</strong>dos pela cultura que a abriga, ou seja, quando ela reproduz asnormas, tanto linguísticas como textuais, do texto <strong>de</strong> partida, e é“aceitável” quando se coadu<strong>na</strong> com os padrões da cultura-meta. Sobreesta problemática Toury diz:45Assim, um tradutor po<strong>de</strong> sujeitar him-/herself(ele-/se) tanto para o texto origi<strong>na</strong>l, com asnormas que tem realizado, ou com as normasativas <strong>na</strong> cultura alvo [...]. Se a primeira é apostura aprovada, a tradução ten<strong>de</strong> a inscreverse<strong>na</strong>s normas do texto fonte e, através <strong>de</strong>le,também as normas da língua e cultura <strong>de</strong>origem. Esta tendência, que tem sido muitasvezes caracterizada como a busca da traduçãoa<strong>de</strong>quada, po<strong>de</strong> muito bem implicar em<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das incompatibilida<strong>de</strong>s com asnormas e práticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino, especialmenteaquelas que estão além da mera linguística. Sepor outro lado a segunda postura é adotada, os


46sistemas <strong>de</strong> normas da cultura-alvo sãoacio<strong>na</strong>dos e postos em movimento. Deslocar-sedo texto <strong>de</strong> origem é um preço quase inevitável.Assim, enquanto a a<strong>de</strong>são às normas <strong>de</strong> origem<strong>de</strong>termi<strong>na</strong> uma a<strong>de</strong>quação da tradução emrelação ao texto fonte, à subscrição as normasda cultura-alvo <strong>de</strong>termi<strong>na</strong> sua aceitabilida<strong>de</strong>.(1995, p. 59). 10O comportamento da tradução <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma cultura ten<strong>de</strong> amanifestar <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>das regularida<strong>de</strong>s, ou seja, normas, que formam umcontinuum graduado, ao longo <strong>de</strong> uma escala. Algumas são mais fortes eoutras são mais fracas. As fronteiras entre elas são difusas. As normasmais explícitas e objetivas constituem regras e as mais difusas esubjetivas, idiossincrasias.Ao longo do eixo temporal, cada tipo <strong>de</strong> norma po<strong>de</strong> se moveratravés <strong>de</strong> <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> ascensão e <strong>de</strong>clínio. A regularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>comportamento em situações <strong>de</strong> repetição <strong>de</strong>monstra se a norma é ativae eficaz. A regularida<strong>de</strong> é o principal elemento a ser observado paraqualquer estudo <strong>de</strong> normas. Os pesquisadores i<strong>de</strong>ntificam as normascomportamentais <strong>de</strong> tradução por meio <strong>de</strong> padrões regulares <strong>de</strong> traduçãoe da estratégia escolhida pelo tradutor. É possível i<strong>de</strong>ntificar normaspre<strong>dom</strong>i<strong>na</strong>ntes <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da cultura e período por meio do exame dostextos traduzidos e das <strong>de</strong>clarações feitas por tradutores, revisores,editores e outros participantes do <strong>processo</strong> tradutório.10 Tradução extraída <strong>de</strong>: TOURY, A <strong>na</strong>tureza e o papel das Normas <strong>de</strong> Tradução. In: EstudosDescritivos <strong>de</strong> Tradução e além. Amsterdam Phila<strong>de</strong>lphia: John Benjamins, 1995b, p. 53-69.Texto digitalizado para uso educacio<strong>na</strong>l, Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pesquisa em Educação, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Tel Aviv. http://spinoza.tau.ac.il/ Toury ~ / obras.


A noção <strong>de</strong> norma pressupõe que o tradutor se vê diante danecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões, pois ele <strong>de</strong>sempenha um papel social;exerce uma função <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da pela comunida<strong>de</strong> e precisa fazê-lo damaneira estabelecida por esse grupo. Para Toury:47O ato <strong>de</strong> traduzir, enquanto ativida<strong>de</strong>teleológica por excelência, é fortementecondicio<strong>na</strong>do por seus fins próprios, e esses,são sempre <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dos a partir da perspectivado sistema (ou dos sistemas) receptor.Consequentemente, os tradutores operam emprimeiro lugar no interesse da cultura para aqual estão traduzindo, e não em razão do texto<strong>de</strong> partida, colocando, assim, <strong>de</strong> fato, entreparênteses a cultura <strong>de</strong> origem do texto (1980,p. 186). 11Toury <strong>de</strong>staca três tipos <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> tradução: prelimi<strong>na</strong>res,iniciais e operacio<strong>na</strong>is. As normas prelimi<strong>na</strong>res dizem respeito à<strong>na</strong>tureza e à política da tradução. São os fatores que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m aescolha do texto a ser importado, através da tradução, em uma<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da cultura/linguagem, em um <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>do período. A escolhanão é aleatória e aplica-se à seleção <strong>de</strong> textos e aos autores a seremtraduzidos, bem como à estratégia global para a realização e inserçãodas traduções no sistema-alvo.As normas iniciais envolvem as <strong>de</strong>cisões básicas tomadas pelotradutor quanto a tor<strong>na</strong>r a tradução a<strong>de</strong>quada ou aceitável. Vale frisarque os dois pólos –– a<strong>de</strong>quação e aceitabilida<strong>de</strong> –– não são exclu<strong>de</strong>ntes;11 L’atto <strong>de</strong>l tradurre, in quanto attività teleologica per eccellenza, è largamente condizio<strong>na</strong>todai suoi stessi fini, e questi, vengono sempre <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ti dalla prospettiva <strong>de</strong>l sistema, o <strong>de</strong>isistemi, riceventi. Di conseguenza, i traduttori operano in<strong>na</strong>nzitutto, e, nell’interesse <strong>de</strong>llacultura in cui stanno traducendo, e non certo in ragione <strong>de</strong>l testo di partenza, mettendo cosí difatto tra parentesi la cultura da cui il testo ha tratto origine.


o tradutor po<strong>de</strong> adotar uma solução intermediária e fazer umacombi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> normas. A atitu<strong>de</strong> do tradutor com relação ao texto-fonteé afetada pela posição do texto no sistema poliliterário da cultura-fonte.48As normas operacio<strong>na</strong>is referem-se às <strong>de</strong>cisões tomadas duranteo <strong>processo</strong> tradutório e divi<strong>de</strong>m-se, por sua vez, em duas categorias: asmatriciais e as textuais. As primeiras <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>m omissões, acréscimos,mudanças <strong>de</strong> localização e manipulação <strong>de</strong> feitos em relação ao texto <strong>de</strong>partida. As fronteiras entre os vários fenômenos matriciais não sãoclaras. Já as textuais revelam as opções linguísticas e estilísticas dotradutor.No mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>senvolvido por Toury, as normas iniciais sesituam no topo da hierarquia, visto que, se forem consistentes, acabampor influenciar todas as outras <strong>de</strong>cisões tradutórias. Já as normasoperacio<strong>na</strong>is <strong>de</strong>correm da posição central ou periférica ocupada pelaliteratura traduzida no polissistema da cultura alvo.As normas são instáveis pela sua própria <strong>na</strong>tureza e se alteram.A multiplicida<strong>de</strong> e variação não <strong>de</strong>vem ser tomadas como critério parasugerir que não há normas ativas <strong>na</strong> tradução. Elas só significam que, <strong>na</strong>vida real, as situações ten<strong>de</strong>m a ser complexas. Essa complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong>veser observada, em vez <strong>de</strong> ignorada. Deve-se contextualizar cadafenômeno, cada item, cada texto, cada ato e listar os fatores que po<strong>de</strong>mocorrer em um corpus. Um eixo importante <strong>de</strong> contextualização é ohistórico. A contextualização histórica é um <strong>de</strong>ver não ape<strong>na</strong>s para umestudo diacrônico, mas também para os estudos sincrônicos.


As normas não são diretamente observáveis. Há duas fontesprincipais para a reconstrução das normas <strong>de</strong> tradução: a textual, ouseja, os textos traduzidos, e a extratextual, que compreen<strong>de</strong> asformulações semiteóricas ou críticas como “teorias” normativas <strong>de</strong>tradução, testemunhos <strong>de</strong> tradutores, <strong>de</strong> editores ou <strong>de</strong> quaisquer outraspessoas envolvidas ou ligadas à ativida<strong>de</strong>, em metatextos e paratextos.A tradução é intrinsecamente multidimensio<strong>na</strong>l: os fenômenosmuitas vezes são fortemente interligados e não permitem um fácilisolamento. A tarefa do pesquisador po<strong>de</strong> ser caracterizada como umatentativa <strong>de</strong> estabelecer as relações que existem entre as normas relativasa vários <strong>dom</strong>ínios, correlacio<strong>na</strong>ndo seus resultados individuais epesando-os uns contra os outros. Deve-se ter em conta que os tradutoresnão são passivos e tentam interferir com o curso dos eventos e <strong>de</strong>sviálos<strong>de</strong> acordo com suas preferências, bem como, consi<strong>de</strong>rar a hipótesedo comportamento não normativo. As normas po<strong>de</strong>m ser quebradas, a<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da <strong>na</strong>tureza e da força <strong>de</strong>stas e da motivação do tradutor. Aexistência <strong>de</strong> normas não tor<strong>na</strong> impossível o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>comportamentos erráticos ou idiossincráticos.A formulação do conceito <strong>de</strong> normas por Toury (1980) acaboupor re<strong>de</strong>finir outro <strong>de</strong> suma importância nos EDT, o <strong>de</strong> equivalência.49A noção <strong>de</strong> equivalência, aqui, difere dosconceitos correntes <strong>de</strong> equivalência <strong>na</strong>tradução, pelo fato <strong>de</strong> que não se limita a umasimples relação entre o texto-fonte e o <strong>de</strong>chegada, estabelecida com base em certospadrões, mas, <strong>de</strong> um conceito funcio<strong>na</strong>lrelacio<strong>na</strong>l,ou seja, a mesma relação (ou umconjunto <strong>de</strong> relações or<strong>de</strong><strong>na</strong>das) que, por<strong>de</strong>finição, permite distinguir uma tradução <strong>de</strong>


50uma não tradução em um dado contexto sóciocultural<strong>na</strong> língua-alvo, isto é, discernir entreuma a<strong>de</strong>quada ou i<strong>na</strong><strong>de</strong>quada performancelinguística em relação aos mo<strong>de</strong>los e normasvigentes nesse contexto (1980, p. 219). 12Não é objeto <strong>de</strong>ste trabalho discutir aprofundadamente oconceito <strong>de</strong> equivalência, mas é importante que se estabeleça com qualnoção <strong>de</strong> equivalência se dialoga nesta pesquisa, uma vez que esta temsido uma das questões mais <strong>de</strong>licadas e polêmicas dos Estudos daTradução. Dado o controvertido <strong>de</strong>bate entre os teóricos da traduçãoacerca do que seja equivalência, faz-se necessário, para uma melhorapreensão <strong>de</strong>sta pesquisa, o conhecimento das noções introduzidas porToury sobre o tema, somadas à reflexão <strong>de</strong> Paul Ricoeur (2011).Na prática tradutória, a equivalência é um conceito fixo ou seaceita a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> certa mobilida<strong>de</strong>, que permite que seja dialeticamenteaplicado às diversas situações do ato tradutório, em especial, no que dizrespeito à função da tradução? Tradicio<strong>na</strong>lmente prescritiva, a noção <strong>de</strong>equivalência ganhou uma dimensão <strong>de</strong> historicida<strong>de</strong>. Em vez <strong>de</strong> sereferir ape<strong>na</strong>s à relação entre o texto <strong>de</strong> partida e o <strong>de</strong> chegada, com asteorias <strong>de</strong>scritivas, passou a <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>r toda relação que tenhacaracterizado uma tradução num dado contexto. O conceito <strong>de</strong>equivalência adquiriu, assim, um caráter funcio<strong>na</strong>l e relacio<strong>na</strong>l,<strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> ser um fim em si mesmo para tor<strong>na</strong>r-se uma consequência.12 La nozione di equivalenza come viene qui intensa differisce dai correnti concetti diequivalenza nella traduzione nel fatto che non si tratta di u<strong>na</strong> semplice relazione tra testo dipartenza e di arrivo stabilita sulla base di un <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>to genere di costante, ma di un altroconcetto funzio<strong>na</strong>le-relazio<strong>na</strong>le, vale a dire, quella stessa relazione (o un insieme di relazioniordi<strong>na</strong>te) che, per <strong>de</strong>finizione, permette di distinguere u<strong>na</strong> traduzione da u<strong>na</strong> non-traduzionein un <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>to contesto socio-culturale in lingua di arrivo, cioè di discrimi<strong>na</strong>re traun’a<strong>de</strong>guata o i<strong>na</strong><strong>de</strong>guata performance linguistica rispetto ai mo<strong>de</strong>lli e alle norme <strong>dom</strong>i<strong>na</strong>nt<strong>ii</strong>n quel contesto.


A equivalência po<strong>de</strong> ser usada para se estabelecer as relações existentesentre textos <strong>de</strong> duas línguas ou po<strong>de</strong> assentar-se em uma observaçãoteórica, estabelecendo abstratamente uma relação i<strong>de</strong>al entre os doistextos.Para Paul Ricoeur, não existem critérios absolutos para seavaliar o que é uma boa tradução:51[...] para que se pu<strong>de</strong>sse dispor <strong>de</strong> tal critérioseria preciso po<strong>de</strong>r comparar o texto <strong>de</strong> partidae o texto <strong>de</strong> chegada a um terceiro textoportador <strong>de</strong> sentido idêntico àquele que sesupõe circular no primeiro e no segundo. Amesma coisa dita <strong>de</strong> um lado e <strong>de</strong> outro (2011,p. 46).Portanto, antes do dilema, há um paradoxo: “[...] uma boatradução só po<strong>de</strong> visar uma equivalência presumida, não fundada <strong>na</strong>i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentido <strong>de</strong>monstrável. Uma equivalência sem i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.Essa equivalência po<strong>de</strong> ser ape<strong>na</strong>s buscada, trabalhada, presumida”(RICOEUR, 2011, p. 47).A existência da equivalência entre o texto <strong>de</strong> partida e o <strong>de</strong>chegada é um fato. Portanto, a questão a ser posta é que tipo e que grau<strong>de</strong> equivalência tradutória revela a análise <strong>de</strong>sses dois textos. Essaanálise <strong>de</strong>ve ser dialética, ou seja, não po<strong>de</strong> ape<strong>na</strong>s ficar circunscrita àcomparação palavra-palavra, frase a frase, etc. Deve-se levar emconsi<strong>de</strong>ração o conjunto das circunstâncias que operam sobre o atotradutório: a função da tradução, o tipo <strong>de</strong> texto, o estilo e a intenção dotradutor, etc.Assim sendo, pressupõe-se como fundamental, para se a<strong>na</strong>lisara performance linguística em termos <strong>de</strong> equivalência, que esta seja feita


a partir dos padrões e das normas que operam pre<strong>dom</strong>i<strong>na</strong>ntemente nosistema <strong>de</strong> chegada. Cabe à cultura <strong>de</strong> chegada aceitar um texto comoequivalente a outro.521.2 A CONSTITUIÇÃO DO PROTOTEXTO DA PESQUISAO objeto da análise <strong>de</strong>sta dissertação é o canto V, maisespecificamente o episódio <strong>de</strong> Francesca da Rimini, do “Inferno” daDivi<strong>na</strong> Comédia, <strong>de</strong> Dante Alighieri, traduzido por Dom Pedro II epublicado em Petrópolis, em 1889, no livro <strong>de</strong> poesias e traduções doImperador, organizado pelos netos D. Pedro e D. Luiz, filhos daprincesa Isabel. Além <strong>de</strong>sta primeira edição, há uma edição <strong>de</strong> 1932, daEditora Gua<strong>na</strong>bara, com prefácio <strong>de</strong> autoria do jor<strong>na</strong>lista e escritorMe<strong>de</strong>iros e Albuquerque que é, para o caso <strong>de</strong>sta pesquisa, o <strong>de</strong>referência, pois somente tivemos acesso a este.A técnica <strong>de</strong> pesquisa foi bibliográfica e histórica, com estudo<strong>de</strong> textos, documentos, registros e dados empíricos existentes com vistasa organizar o dossiê genético.O dossiê genético é composto por:a. 13 fólios 13 <strong>de</strong> manuscritos digitalizados da tradução do episódio<strong>de</strong> Francesca da Rimini, cujos origi<strong>na</strong>is se encontram noarquivo histórico do Museu Imperial, em Petrópolis;13 [...] o fólio, o elemento <strong>de</strong> um conjunto arquivístico, constituído <strong>de</strong> duas pági<strong>na</strong>s queapresentam ou não marcas <strong>de</strong> escritura ou grafismos (quando não há nenhuma marca, fala-se<strong>de</strong> folha “vazia”) (BIASI, 2010, p.69).


. Cópia digitalizada <strong>de</strong> partes do Diário Pessoal <strong>de</strong> Dom Pedro II,cujo origi<strong>na</strong>l completo se encontra no arquivo histórico doMuseu Imperial, em Petrópolis;c. Carta <strong>de</strong> Dom Pedro II à atriz italia<strong>na</strong> Ristori, publicado nolivro Uma Amiza<strong>de</strong> Revelada: Correspondência entre oImperador <strong>dom</strong> Pedro II e A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Ristori, a maior atriz <strong>de</strong>seu tempo. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Edições Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l, 2004.Organizado por Alessandra Vannucci.53Figura 2. Exemplo <strong>de</strong> manuscrito <strong>de</strong> Dom Pedro II, referente à versão 1, fólio 1.Vale aqui <strong>de</strong>stacar que esses são os documentos <strong>de</strong> queatualmente dispomos, mas que não se trata <strong>de</strong> todos os documentos <strong>de</strong>


<strong>processo</strong> referentes às traduções <strong>de</strong> Dante. Outros provavelmente aindaexistam em outros acervos, mas não foram ainda encontrados.O dossiê genético será estudado consi<strong>de</strong>rando-se ospressupostos teóricos e metodológicos da CG e dos EDT. A CG nosauxiliará <strong>na</strong> organização, or<strong>de</strong><strong>na</strong>ção, numeração, transcrição do dossiêgenético e <strong>na</strong> análise do prototexto. Os EDT irão subsidiar a análise einterpretação dos dados, agregando à análise genética a base científica<strong>de</strong> uma teoria gestada para o estudo do ato tradutório.A organização crítica do dossiê genético nos ajudará <strong>na</strong>composição do prototexto - a reconstrução dos antece<strong>de</strong>ntes do textofi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Dom Pedro II. Adota-se, assim, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Bellemin-Noël(1993), para quem o prototexto é um conjunto <strong>de</strong> documentosempiricamente selecio<strong>na</strong>dos pelo pesquisador, para reconstituir osantece<strong>de</strong>ntes do texto. Para Cecilia Salles:54[...] o prototexto não é o conjunto <strong>de</strong>documentos, mas um novo texto formado poresses materiais, que coloca em evidência ossistemas teóricos e lógicos que o organizam. Oprototexto não existe em lugar nenhum fora dodiscurso crítico que o produz; <strong>na</strong>sce dacompetência do crítico genético que seencarrega <strong>de</strong> estabelecê-lo e, principalmente,explorá-lo em um <strong>processo</strong> a<strong>na</strong>lítico einterpretativo (2000, p. 58-59).A CG consi<strong>de</strong>ra o <strong>processo</strong> que conduz à redação do texto <strong>de</strong>chegada um ato complexo, regido por diferentes condições e influênciase que <strong>de</strong>ve ser priorizado <strong>na</strong> análise tradutória em relação ao produto.Desse modo, a análise procedida do prototexto busca <strong>de</strong>tectar conexões,recorrências <strong>de</strong> modo <strong>de</strong> ação, normas literárias e o tipo <strong>de</strong> escritura <strong>de</strong>Dom Pedro II. Em seguida, se elencarão os critérios que, acredita-se,


possam ter levado o tradutor a fazer escolhas para a edição consi<strong>de</strong>radafi<strong>na</strong>l e ter norteado as estratégias <strong>de</strong> criação no ato <strong>de</strong> traduzir.Posteriormente, a pesquisa busca explicar os fatos observados com basenos pressupostos teóricos.Todo o procedimento parte do princípio <strong>de</strong> que os fatos não<strong>de</strong>vem ser avaliados fora do contexto social, político e econômico emque foram gerados. A pesquisa consi<strong>de</strong>ra, em suas <strong>de</strong>scrições, adi<strong>na</strong>micida<strong>de</strong> da relação entre o mundo real e o sujeito, visandoi<strong>de</strong>ntificar os fatores que <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>ram ou contribuíram para aocorrência <strong>de</strong>stes, focando no <strong>processo</strong> que provocou o fato.A partir da observação <strong>de</strong> regularida<strong>de</strong>s factuais, é possívelfazer inferências conjecturais com o propósito <strong>de</strong> chegar ageneralizações, buscando explicar os fatos observados <strong>na</strong> tentativa <strong>de</strong>elucidar o <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong>. A ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> raciocínio busca, ainda,estabelecer uma conexão ascen<strong>de</strong>nte dos fatos observados. A intenção éperseguir a gênese da obra via experimentação <strong>de</strong> suposições teóricas,indutivamente, baseadas em princípios lógicos e racio<strong>na</strong>is, mas tambémhistóricos, avaliando a influência dos acontecimentos e <strong>processo</strong>s nosistema da cultura <strong>de</strong> chegada, consi<strong>de</strong>rando-se as diferenças esimilarida<strong>de</strong>s entre as culturas, as épocas e as linguagens.Assim, a presente pesquisa tem como escopo a<strong>na</strong>lisar o<strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> <strong>na</strong> tradução, do italiano para o português, do episódio<strong>de</strong> Francesca da Rimini da Divi<strong>na</strong> Comédia feita por Dom Pedro II <strong>na</strong>segunda meta<strong>de</strong> do século XIX. Preten<strong>de</strong>-se investigar as estratégiasutilizadas por Dom Pedro II e <strong>de</strong>scobrir quais métodos e técnicas foramusados, a<strong>na</strong>lisando suas escolhas e, se possível, encontrar padrões no seu55


<strong>processo</strong> tradutório, verificando a influência <strong>de</strong>sses nos tipos <strong>de</strong>equivalência usadas e no estilo do seu texto. Mas, também, olhar, apartir do contexto, qual foi a motivação do Imperador para traduzirDante, a razão da escolha <strong>de</strong>sse episódio do “Inferno”, se houvemotivação política ou <strong>de</strong> qualquer outra <strong>na</strong>tureza, e se essas cumpriramalguma função <strong>na</strong> cultura brasileira <strong>na</strong>quele período e, mesmoposteriormente. Enfim, <strong>de</strong>monstrar, através da análise dos manuscritosdo autor-tradutor, <strong>de</strong> seus rascunhos, <strong>de</strong> suas rasuras, cartas, anotações,jor<strong>na</strong>is, livros, metatextos, <strong>de</strong>poimentos etc., que é possível remontar ao<strong>processo</strong> <strong>de</strong> criação, restaurando os elementos que influenciaram <strong>na</strong>sescolhas e que conformaram um texto consi<strong>de</strong>rado fi<strong>na</strong>l.Feitas essas consi<strong>de</strong>rações, tor<strong>na</strong>-se possível localizar essapesquisa, <strong>de</strong> acordo com o mapa <strong>de</strong> Holmes (1972, 1988, 2000), <strong>de</strong>ntrodo ramo Puro-Descritivo, focado no <strong>processo</strong>, mas, consi<strong>de</strong>rando asinterfaces com o produto e a função do texto traduzido.Espera-se, enfim, contribuir com o <strong>processo</strong> <strong>de</strong> reflexão sobreuma Teoria da Tradução e sua aplicabilida<strong>de</strong>, uma vez que a hipótesenorteadora <strong>de</strong>sta pesquisa é a <strong>de</strong> que, no percurso estratégico <strong>de</strong> suastraduções, Dom Pedro II foi guiado por normas e que estasestabeleceram padrões no <strong>processo</strong> tradutório.56


572 PEDRO II - O HOMEM, O IMPERADOR E O TRADUTOR.Dom Pedro II teve seu governo (1840-1889) caracterizado pelaliberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação e pela tolerância. Governou um país no qual oa<strong>na</strong>lfabetismo atingia mais <strong>de</strong> 80% da população. Era sensível àstransformações sociais e <strong>de</strong>fensor da abolição, mas foi sob a regência <strong>de</strong>sua filha, a princesa Isabel, em 1888, que se <strong>de</strong>u a abolição daescravidão – o Brasil foi o último país da América a fazê-lo. Morreu noexílio, em 1891, sem jamais ter voltado a rever sua pátria. A morteocorreu em Paris, dois anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> proclamada a República no Brasil.O Imperador dividia as tarefas <strong>de</strong> governo com o estudo e oincentivo às artes. Dom Pedro II <strong>de</strong>dicou-se à leitura e estudou idiomas,entre os quais grego, latim, inglês, francês, italiano, provençal, alemão,hebraico, sânscrito, além do tupi-guarani. Os netos do Imperadorpublicaram, em 1889, um livro <strong>de</strong> poesias e traduções do Imperador.Nesse livro, constam poemas <strong>de</strong> sua autoria e traduções diversas. Outraparte <strong>de</strong> suas traduções foi publicada em 1891, em Poesies Hebraico-Provençales, <strong>na</strong> qual constam poesias hebraico-provençais traduzidas dohebraico para o francês. Algumas traduções nunca foram publicadas eseu acesso requer pesquisa direta nos locais on<strong>de</strong> estas obras seencontram.


Império, a fuga <strong>de</strong> D. João VI 16 foi o “momento culmi<strong>na</strong>nte da migraçãoLusita<strong>na</strong>” (1998, p. 36) para o Brasil e “Agora, não são mais osnecessitados, <strong>de</strong> toda a espécie e <strong>de</strong> todos os graus que acorrem aoBrasil. É a sua nobreza. É a sua corte. É o seu rei” (1998, p. 36).A Europa, <strong>na</strong> primeira meta<strong>de</strong> do século XIX, atingiu níveis <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento significativos. Hobsbawm, em seu livro A Era dasRevoluções, acentua que: “A ciência nunca fora tão vitoriosa; oconhecimento nunca fora tão difundido” (2010, p. 466).O <strong>de</strong>senvolvimento industrial europeu consolidou ocapitalismo e fez emergir suas contradições e antagonismos <strong>de</strong> classe. Oliberalismo, <strong>de</strong>rivado do racio<strong>na</strong>lismo iluminista, originou umasocieda<strong>de</strong> baseada <strong>na</strong> exploração do trabalho assalariado efundamentada <strong>na</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> comércio. No planopolítico, o liberalismo sustentou os princípios da liberda<strong>de</strong> individual e<strong>de</strong> pensamento e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a formação <strong>de</strong> governos constitucio<strong>na</strong>is.Hobsbawm expõe que “O mundo da década <strong>de</strong> 1840 eracompletamente <strong>dom</strong>i<strong>na</strong>do pelas potências europeias, política eeconomicamente, às quais se somavam os Estados Unidos” (2010, p.473) e <strong>de</strong>staca que:59[...] <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste <strong>dom</strong>ínio oci<strong>de</strong>ntal, a Grã-Bretanha era a maior potência, graças a seumaior número <strong>de</strong> canhoneiras, comércio ebíblias. A supremacia britânica era tão absolutaque mal necessitava <strong>de</strong> um controle políticopara funcio<strong>na</strong>r (2010, p. 473).16 Em 1804, Napoleão proclamou-se imperador – e ele próprio se coroou. Entre 1805 e 1810conquistou praticamente toda a Europa: só não conquistou a Inglaterra. Em 1807, enviou a D.João VI um ultimato, forçando-o a <strong>de</strong>clarar guerra aos britânicos. Ainda que por vias indiretas,o Brasil iria lucrar duplamente com Napoleão: além da vinda da família real, <strong>de</strong>ve a ele, porvias transversais, o envio da missão francesa, em 1816 (BUENO, 2003, p. 136).


60Em 1848, a Europa era um cal<strong>de</strong>irão <strong>de</strong> revoluções <strong>na</strong> qual seenfrentavam as nobrezas absolutistas e as burguesias liberais. No meio<strong>de</strong>sta disputa <strong>na</strong>sceu uma nova filosofia <strong>de</strong> postulações socialistas eanticapitalistas, cujas i<strong>de</strong>ias foram publicadas, em 1848, no ManifestoComunista <strong>de</strong> Marx e Engels. Sobre o "espectro do comunismo" queaterrorizava a Europa neste período, Hobsbawm registra:[...] a revolução que eclodiu nos primeirosmeses <strong>de</strong> 1848 não foi uma revolução socialsimplesmente no sentido <strong>de</strong> que envolveu emobilizou todas as classes. [...] Quando apoeira se assentou sobre suas ruí<strong>na</strong>s, ostrabalhadores - <strong>na</strong> França, <strong>de</strong> fato, trabalhadoressocialistas - eram vistos <strong>de</strong> pé sobre elas,exigindo não só pão e emprego, mas tambémuma nova socieda<strong>de</strong> e um novo Estado (2010,p. 477-478).Entre 1815 e 1871, a Europa foi palco <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong>conflitos e guerras <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência, com as populações incorporando oi<strong>de</strong>al <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lista (SCHNEEBERGER, 2006). Alemanha e Itáliaconcluíram as suas respectivas unificações e se tor<strong>na</strong>ram países. OImpério Britânico emergiu como o primeiro po<strong>de</strong>r.Na segunda meta<strong>de</strong> do século XIX, Inglaterra, França eAlemanha, as gran<strong>de</strong>s potências industriais, competiam entre si <strong>na</strong>formação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s impérios econômicos e <strong>na</strong> influência sobre ospaíses dos outros continentes. Para Alencar:Os países industrializados, já <strong>na</strong> fase docapitalismo monopolista, se expandiram agoranão ape<strong>na</strong>s exportando mercadorias, mas


61através <strong>de</strong> investimentos <strong>de</strong> capitais nos paísesperiféricos (1996, p. 163).E quanto à inserção do Brasil nesse contexto, ele expõe que“Através da exportação do café, a economia brasileira reintegrou-se aomercado mundial” (1996, p. 163). Como os <strong>de</strong>mais países nãoindustrializados, cabia ao Brasil, <strong>na</strong> nova divisão inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l <strong>dom</strong>ercado mundial gerada pela revolução industrial, 17 a condição <strong>de</strong>fornecedor <strong>de</strong> matérias-primas e alimentos aos países que compunhamos centros dinâmicos do capitalismo em sua fase monopolista.Como já exposto anteriormente, o Segundo Rei<strong>na</strong>do foi operíodo em que o Brasil foi gover<strong>na</strong>do por Dom Pedro II, <strong>de</strong> 1840 a1889. Iniciou-se com a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> sua maiorida<strong>de</strong>, em 23 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong>1840, quando o jovem imperador tinha quinze anos incompletos <strong>de</strong>ida<strong>de</strong>. A antecipação <strong>de</strong> sua maiorida<strong>de</strong> foi arquitetada pelos liberais,em oposição aos conservadores, que <strong>dom</strong>i<strong>na</strong>vam o cenário político<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l durante o período regencial, iniciado com a abdicação <strong>de</strong> DomPedro I, em 1831. Mas, tanto liberais como conservadoresrepresentavam os proprietários rurais. Paulo Bo<strong>na</strong>vi<strong>de</strong>s <strong>de</strong>screve opanorama partidário do período da seguinte forma:No entanto, essa linha divisória e imaginária,traçada pelo historiador político, nem semprereflete a coerência das posições que assumiramas duas forças partidárias do Império, pois emface do po<strong>de</strong>r que cobiçavam, a ban<strong>de</strong>ira dos17 “[...] A gran<strong>de</strong> revolução <strong>de</strong> 1789-1848 foi o triunfo não da ‘indústria’ como tal, mas daindústria capitalista; não da liberda<strong>de</strong> e da igualda<strong>de</strong> em geral, mas da classe média ou dasocieda<strong>de</strong> ‘burguesa’ liberal; não da ‘economia mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>’ ou do ‘Estado mo<strong>de</strong>rno’, mas daseconomias e Estados <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da região geográfica do mundo (parte da Europa ealguns trechos da América do Norte), cujo centro eram os Estados rivais e vizinhos da Grã-Bretanha e França [...]” (HOBSBAWM, 2010, p. 20).


62princípios era não raro <strong>de</strong>posta paraprevalecerem os interesses áulicos, asconveniências <strong>de</strong> ocasião, as abdicações, asacomodações (1994. p. 492).Nelson Werneck Sodré, no seu livro a Síntese <strong>de</strong> História daCultura Brasileira, diz que:Ao iniciar-se a segunda meta<strong>de</strong> do século XIX,a economia brasileira havia superado a longacrise que a golpeava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>de</strong>clínio damineração. A lavoura do café expandira-se novale do Paraíba, <strong>na</strong>s províncias do Rio <strong>de</strong>Janeiro e <strong>de</strong> São Paulo. A produção crescera emritmo acelerado, passando das 100.000 sacas <strong>de</strong>1820 ao milhão <strong>de</strong> sacas <strong>de</strong> 1840, aos doismilhões <strong>de</strong> 1860 (1978, p. 44-45).A consagração do café como gran<strong>de</strong> produto agrícola <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l,dada a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>manda no mercado europeu, foi inicialmente sustentadapelo uso da mão <strong>de</strong> obra escrava e, posteriormente, a imigrante. Adiminuição do fluxo <strong>de</strong> escravos, a partir <strong>de</strong> 1850, com a consequentesubstituição da mão <strong>de</strong> obra escrava pela assalariada, fez surgir ummercado consumidor. A industrialização começou a apresentar umconsi<strong>de</strong>rável crescimento, especialmente com o investimento <strong>na</strong>sativida<strong>de</strong>s industriais no setor têxtil. A criação <strong>de</strong> ferrovias também fazparte <strong>de</strong>ste contexto, possibilitando a circulação <strong>de</strong> mercadorias paraexportação (TEIXEIRA, 1979).A perda <strong>de</strong> apoio junto à elite cafeeira, motivada pelo fim daescravidão, fragilizou o império e impulsionou as i<strong>de</strong>ias liberais e omovimento republicano no Brasil. O antagonismo conservadores versusliberais acabou em um <strong>de</strong>sfecho um pouco diferente do que estavaacontecendo nos países vizinhos: a mudança <strong>de</strong> regime teve o exército


asileiro como maior protagonista. Sobre as causas da queda doimpério, Alencar <strong>de</strong>staca:63As transformações econômicas e i<strong>de</strong>ológicas dasocieda<strong>de</strong> brasileira tor<strong>na</strong>ram superado oregime monárquico. As chamadas “questões” –religiosa, militar, escravista e eleitoral – erammanifestações conjunturais do <strong>de</strong>clínio políticodo império (1996, p. 216).Em 15 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1889, militares proclamam a república,sepultando a mo<strong>na</strong>rquia.2.2 A TRADUÇÃO NO BRASIL - SINOPSE DA TRAJETÓRIA PRÉSEGUNDO IMPÉRIOO Brasil europeu <strong>na</strong>sceu sob o marco da tradução. Os primeirosoriundos do velho continente, ao aportarem <strong>na</strong>s novas terras da América,foram compelidos, imediatamente após a <strong>de</strong>scida em solo, a exercitaremsua competência tradutória. Primeiramente, tentando compreen<strong>de</strong>rsignos através <strong>de</strong> gestos, olhares, si<strong>na</strong>is e, mesmo, mímica. E,posteriormente, <strong>dom</strong>i<strong>na</strong>ndo as regras e o léxico da língua do povo com oqual iniciavam uma relação. A carta <strong>de</strong> Pero Vaz De Caminha a El-ReiDom Manuel I, em 1500, assim <strong>na</strong>rra a situação comunicativa noencontro dos portugueses com os habitantes do Brasil:O Capitão, quando eles vieram, estava sentadoem uma ca<strong>de</strong>ira, bem vestido, com um colar <strong>de</strong>ouro mui gran<strong>de</strong> ao pescoço, e aos pés umaalcatifa por estrado. Sancho <strong>de</strong> Tovar, Simão <strong>de</strong>Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nósoutros que aqui <strong>na</strong> <strong>na</strong>u com ele vamos, sentadosno chão, pela alcatifa. Acen<strong>de</strong>ram-se tochas.


64Entraram. Mas não fizeram si<strong>na</strong>l <strong>de</strong> cortesia,nem <strong>de</strong> falar ao Capitão nem a ninguém. Porémum <strong>de</strong>les pôs olho no colar do Capitão, ecomeçou <strong>de</strong> ace<strong>na</strong>r com a mão para a terra e<strong>de</strong>pois para o colar, como que nos dizendo queali havia ouro. Também olhou para um castiçal<strong>de</strong> prata e assim mesmo ace<strong>na</strong>va para a terra enovamente para o castiçal, como se lá tambémhouvesse prata (CASTRO, 1998, p. 21).O empenho <strong>de</strong> fazer tradução neste primeiro contato foimotivado pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se relacio<strong>na</strong>r com um povo do qual <strong>na</strong>dase conhecia. Não havia saber prévio dos seus costumes, da sua forma <strong>de</strong>organização social e política, da sua história, da sua cultura e da línguafalada por ele. Po<strong>de</strong>-se dizer que a tradução aqui exercitada foi umaespécie <strong>de</strong> tradução pura e imediata, pois não foi mediada nemorientada, seja do ponto <strong>de</strong> vista dos europeus, seja pelo ponto <strong>de</strong> vistados <strong>na</strong>tivos, por nenhuma outra ciência. Não foi mediada pelaantropologia, pela filosofia, pela linguística e, nem mesmo, por relaçõesinterculturais. Deu-se ape<strong>na</strong>s pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação eexercitada <strong>de</strong> forma oral.Sobre esse aspecto, Wyler coloca:Em termos documentais a tradução oral teveinício com o achamento do Brasil. A traduçãoescrita, por sua vez, fez sua primeira apariçãoem 1549, com a vinda dos jesuítas,praticamente limitada, durante séculos, aosuniversos escolar e burocrático – e paralínguas-alvos diferentes do português. (2003,p. 29)A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação em situação tão adversaestabeleceu, po<strong>de</strong>-se assim dizer, o primeiro método <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>


línguas da história brasileira: aquele praticado pelos “línguas”. Deacordo com a Carta <strong>de</strong> Pero Vaz <strong>de</strong> Caminha, um mancebo <strong>de</strong>gradado<strong>de</strong> nome Afonso Ribeiro foi mandado “para ficar lá” junto aos índios e“saber <strong>de</strong> seu viver e maneira” (CASTRO, 1998, p. 22). Para Wyler(2003, p. 34), “os línguas ou intérpretes” funcio<strong>na</strong>vam como mediadorespara que a comunicação efetivamente ocorresse entre os europeus e oshabitantes <strong>na</strong>tivos.Após este primeiro momento, o uso da tradução se ampliariapara além da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação imediata e passaria a fazerparte das necessida<strong>de</strong>s dos diversos contextos da colônia e, <strong>na</strong>sequência, da constituição da <strong>na</strong>ção. Seu uso cresceria <strong>na</strong>s diversas áreasnecessárias ao <strong>de</strong>senvolvimento da nova terra: quer seja <strong>na</strong> educação, <strong>na</strong>literatura e mesmo <strong>na</strong> economia.Com a fuga da família imperial para o Brasil, em 1808, uma dasprimeiras ações do príncipe regente, Dom João VI, foi promover aabertura dos portos brasileiros às “potências que se conservam em paz eharmonia com a minha Real Coroa, [...]” (CASTRO, 1998, p.98). E aInglaterra era a principal aliada <strong>de</strong> Portugal no cenário europeu, uma vezque, tanto Portugal como a Inglaterra se encontravam em guerra contra aFrança <strong>na</strong>poleônica e seus i<strong>de</strong>ais iluministas. Essa medida aumentou anecessida<strong>de</strong> prática do uso do inglês, o que fez crescer sua importânciano sistema <strong>de</strong> ensino, levando o príncipe a produzir o Decreto <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong>junho <strong>de</strong> 1809, criando as ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> inglês e francês no ensino oficialbrasileiro (OLIVEIRA, 1999, p. 18). O francês, porque, apesar daguerra, era a língua <strong>de</strong> cultura, e o inglês, por conta das relaçõeseconômicas e alianças políticas.65


Se <strong>de</strong>talhássemos a tradução em cada período da história doBrasil, po<strong>de</strong>ríamos exami<strong>na</strong>r as influências dos contextos e das classes<strong>dom</strong>i<strong>na</strong>ntes no uso da tradução. No entanto, um tradutor e um períodoem particular compõem o objeto <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>ste trabalho: Dom Pedro IIe o segundo rei<strong>na</strong>do, que se inicia em 1840 e se encerra com aproclamação da República em 1889.662.3 O MENINO IMPERADORO Mo<strong>na</strong>rca louro, <strong>de</strong> 1,90 m e olhos azuis, <strong>na</strong>scera robusto, com47 cm, em 2 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1825, já príncipe <strong>de</strong> uma <strong>na</strong>ção que tinhaape<strong>na</strong>s 3 anos <strong>de</strong> existência. Pedro II cresceu, amadureceu e se formouhomem ao mesmo tempo em que o país, a que ele estava <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do agover<strong>na</strong>r, também crescia, amadurecia e se formava como <strong>na</strong>ção.Assim como ocorria com a <strong>na</strong>ção, seus primeiros anos nãoforam fáceis; a robustez do <strong>na</strong>scimento se <strong>de</strong>bilitou, herdou do pai aepilepsia e ficou órfão <strong>de</strong> mãe com ape<strong>na</strong>s 1ano e nove meses <strong>de</strong> vida. Apátria, sob o comando do seu pai, o imperador Dom Pedro I, português<strong>de</strong> <strong>na</strong>scimento, lutava para se afirmar no mundo das <strong>na</strong>ções sobera<strong>na</strong>s.As i<strong>de</strong>ias liberais do príncipe Dom Pedro I ce<strong>de</strong>ram lugar aosatos conflitantes do início <strong>de</strong> seu governo, como a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> JoséBonifácio, um dos principais articuladores da proclamação dain<strong>de</strong>pendência e a dissolução da Assembleia Constituinte. Em 1826,com a morte <strong>de</strong> Dom João VI, rei <strong>de</strong> Portugal, Dom Pedro I contrariou aconstituição que encomendara a um grupo <strong>de</strong> notáveis e foi a Lisboa


assumir o trono do pai. Mesmo abdicando em seguida ao trono <strong>de</strong>Portugal, em favor <strong>de</strong> sua filha, este fato, somado às suas sucessivasinterferências nos assuntos portugueses, gerou <strong>de</strong>scontentamentos noBrasil. A imagem <strong>de</strong> Dom Pedro I sofreria, ainda, novos abalosmotivados pela perda da província Cisplati<strong>na</strong>, em 1828, com a criseeconômica e a consequente <strong>de</strong>cretação da falência do Banco do Brasil,em 1829, e com a crise política gerada pela <strong>de</strong>missão do gabinete liberal<strong>de</strong> Barbace<strong>na</strong>, que culminou com as “Noites das Garrafas”, em março <strong>de</strong>1831 (ALENCAR, 1996, p. 132).Alencar <strong>na</strong>rra que Dom Pedro I, voltando <strong>de</strong> uma fracassadaviagem a Mi<strong>na</strong>s Gerais, em busca da popularida<strong>de</strong> perdida, foirecepcio<strong>na</strong>do com festa pela “socieda<strong>de</strong> secreta Colu<strong>na</strong>s do Trono,composta por portugueses absolutistas” (1996, p. 132), o que irritou osbrasileiros, que foram às ruas gerando um conflito <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> proporção.Em 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1831, pressio<strong>na</strong>do por uma multidão, quetomou as ruas para protestar contra a <strong>de</strong>missão do “Ministério dosBrasileiros”, abdicou em favor <strong>de</strong> seu filho Pedro <strong>de</strong> Alcântara(CARVALHO, 2007, p. 14). Encerrava-se assim o período <strong>de</strong> dualida<strong>de</strong>gover<strong>na</strong>mental entre Brasil e Portugal e completava-se a in<strong>de</strong>pendênciapolítica do Brasil. Dom Pedro II ficava no Brasil e Dom Pedro IV emPortugal. O Brasil ganhava um imperador <strong>na</strong>tivo e Pedro <strong>de</strong> Alcântarator<strong>na</strong>va-se, também, órfão <strong>de</strong> pai.Ainda para Carvalho (2007), o temperamento “impulsivo,romântico, autoritário, ambicioso, generoso, grosseiro, sedutor” <strong>de</strong> DomPedro I, levava-o a comportamentos que aviltavam a moral da época,como, por exemplo, ter várias amantes e filhos. Entre as amantes67


<strong>de</strong>stacava-se a marquesa <strong>de</strong> Santos, presença frequente no palácio emotivo <strong>de</strong> humilhação e constrangimento para a imperatriz Leopoldi<strong>na</strong>.Estas características certamente influenciaram o tutor JoséBonifácio ao planejar a educação do menino imperador. De Dom PedroI, José Bonifácio “Admirava-lhe o arrojo político, mas abomi<strong>na</strong>va otratamento que ele dava à imperatriz” (CARVALHO, 2007, p. 23).Do pai, Dom Pedro II herdou o gosto pela música, pela poesia ea aversão ao trabalho escravo. Todavia, o que mais foi útil ao seu<strong>de</strong>sti<strong>na</strong>do encargo foram os conselhos do pai para se <strong>de</strong>dicar aosestudos.Dom Pedro I <strong>de</strong>ixou três pessoas encarregadas <strong>de</strong> prepararem ofilho para exercer a função <strong>de</strong> imperador do Brasil: José Bonifácio,como tutor do menino, posição confirmada pela Assembleia Geral doImpério; Maria<strong>na</strong> <strong>de</strong> Ver<strong>na</strong>, a aia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>na</strong>scimento <strong>de</strong> Pedro II; e oafro-brasileiro Rafael, da confiança pessoal <strong>de</strong> Pedro I, a quemencarregou a segurança do filho. Com a saída <strong>de</strong> José Bonifácio docargo <strong>de</strong> tutor imperial, em 1833, substituiu-o o Marquês <strong>de</strong> Itanhaém,que viria, junto com Frei Pedro <strong>de</strong> Santa Maria e Souza, a ter gran<strong>de</strong>influência <strong>na</strong> educação do pequeno Imperador e, consequentemente,sobre a formação do caráter do menino. Itanhaém, diz Carvalho, “queriaformar um mo<strong>na</strong>rca humano, sábio, justo, honesto, constitucio<strong>na</strong>l,pacifista, tolerante” (2007, p. 27), que consi<strong>de</strong>rasse todos os sereshumanos como iguais. Itanhaém, como <strong>de</strong>screve Calmon, tinha como<strong>de</strong>sígnio educar o menino para ser diferente do pai: “Confiara-lhe o68


Brasil o órfão: or<strong>de</strong><strong>na</strong>ra-lhe que fizesse <strong>de</strong>le um rei. Se saísse <strong>de</strong>sastradocomo o pai, não lhe perdoariam. Seria sempre, ele, o culpado, o<strong>de</strong>sidioso, o imprevi<strong>de</strong>nte”. (1975, p. 19).O carmelita Frei Pedro <strong>de</strong> Santa Maria<strong>na</strong> e Souza, que assumiua condição <strong>de</strong> diretor geral dos estudos <strong>de</strong> Pedro II e foi professor <strong>de</strong>latim, religião, lógica e matemática, segundo Lyra, exerceu muitainfluência <strong>na</strong> formação moral e intelectual do Imperador e asseveravaque “nenhum dos homens que então o ro<strong>de</strong>avam exerceu influênciaigual” (1977, p. 44).O menino Pedro <strong>de</strong> Alcântara tinha uma jor<strong>na</strong>da intensa <strong>de</strong>estudos, acordava às seis e meia da manhã e <strong>de</strong>itava às <strong>de</strong>z da noite.Solitário, tinha pouca convivência com gente da sua ida<strong>de</strong>, dispunha <strong>de</strong>pouco horário livre, podia se encontrar com as irmãs para se divertirdurante duas horas, após o almoço. Lyra (1977, p. 47) diz que“Qualquer menino <strong>de</strong> família burguesa daquela época possuía,certamente, melhores e mais a<strong>de</strong>quados a crianças da mesma ida<strong>de</strong>” aofalar do divertimento do pequeno príncipe. Isolado, não tinhaconhecimento do que se passava no mundo, mesmo, das questõesrelativas ao governo (CARVALHO, 2007).A educação do futuro imperador era bastante vasta e eclética, iadas ciências <strong>na</strong>turais à religião, da literatura à música, da dança àesgrima e à equitação, sem <strong>de</strong>scuidar da matemática, da geografia e dahistória, discipli<strong>na</strong> para a qual <strong>de</strong>monstrava muita aplicação. Mas, era aoestudo das línguas que Dom Pedro II <strong>de</strong>monstrava maior aptidão epredileção. Nas palavras <strong>de</strong> Lyra, o pequeno príncipe “revelaria <strong>de</strong>s<strong>de</strong>cedo uma gran<strong>de</strong> propensão para tais estudos” (1977, p. 46). Fora <strong>de</strong>ste69


espectro, toda a soma <strong>de</strong> conhecimento adquirida pelo Imperador <strong>de</strong>veuseunicamente ao seu esforço individual animado pelo seu culto aoconhecimento.A solidão da infância acabou ajudando nesta erudição, pois eranos livros que se refugiava para ludibriá-la. Segundo Carvalho:70O hábito da leitura e do estudo foi totalmenteassimilado pelo pupilo. Mais que hábito, leiturae estudo transformaram-se numa <strong>de</strong> suaspaixões. Enfur<strong>na</strong>do no palácio, longe dos pais,educado por estranhos, à exceção <strong>de</strong> d.Maria<strong>na</strong>, fez dos livros um mundo à parte, emque podia isolar-se e proteger-se (2007, p. 29).No estudo das línguas estrangeiras era on<strong>de</strong> se davam osmaiores progressos. Lyra <strong>de</strong>staca que “Aos nove anos – em 1834 – jália, escrevia e traduzia regularmente o francês. Começava a ler e traduziro inglês” (1977, p. 46) e “Aos 14 anos começava a apren<strong>de</strong>r o alemão.No latim, continuava a fazer rápidos progressos, e compunha já comraros erros. Mostra predileção por Virgílio, dizia Frei Pedro”. (1977, p.47).Nunca se cansou <strong>de</strong> estudar línguas e adquiriu competência <strong>de</strong>fala e escrita, além do português, em latim, francês, inglês, italiano,alemão, espanhol, grego, árabe, hebraico, sânscrito, chinês, provençal e,mesmo, em tupi-guarani (CARVALHO, 2007, p. 226).


712.4 AS ARTES E A ARTE DE GOVERNARDom Pedro II foi coroado imperador em julho <strong>de</strong> 1841 18 após aantecipação da sua maiorida<strong>de</strong> em junho do ano anterior, quando osliberais, <strong>de</strong>scontentes com o regente conservador Araújo Lima e seugabinete, foram ao Paço <strong>de</strong> São Cristóvão e ofereceram o governo aojovem Pedro <strong>de</strong> Alcântara, então com ape<strong>na</strong>s 14 anos, que o aceitou.O gover<strong>na</strong>nte, consi<strong>de</strong>rado um intelectual, admirador dasciências, apreciador das artes e da literatura é, ainda hoje, lembrado nocenário <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e externo pelo incentivo à educação e à cultura, pela<strong>de</strong>fesa da <strong>na</strong>ção e pela diplomacia. Cultivou relações comperso<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>s inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, como os escritores Alphonse <strong>de</strong>Lamartine, Victor Hugo e Alessandro Manzoni, os cientistas LouisPasteur e Charles Darwin, as atrizes A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Ristori e Sarah Bernhardt,<strong>de</strong>ntre outros. Durante seu governo, o Brasil viveu um período <strong>de</strong>estabilida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>senvolvimento.Em artigo publicado <strong>na</strong> revista da SBHC, Nadja Paraense dosSantos assim <strong>de</strong>screve Dom Pedro II:Na Europa capitalista e industrial, o período é<strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>do <strong>de</strong> século da ciência, com aspesquisas, os laboratórios, o ensino técnico ecientífico, as associações científicas e osmuseus <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is. No Brasil, D. Pedro II a tudoacompanhava. Assi<strong>na</strong>va publicações científicas,correspondia-se com sábios, organizavaexpedições científicas e culturais, convidavacientistas para visitar o país, concedia bolsas no18 Schwarcz assim <strong>de</strong>screve a Corte no dia da coroação: “No dia 18 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1841 o Rio <strong>de</strong>Janeiro amanheceu mais uma vez em festa. A corte, vestida com o máximo <strong>de</strong> rigor aguardavapelo maior ritual já preparado no país” (1998, p.73).


72exterior para estudantes brasileiros, encorajavaas pesquisas e discutia os novos conhecimentos,<strong>de</strong>monstrando um obsessivo amor à ciência(2004, p. 59).O Imperador brasileiro traduziu poemas e textos religiosos datradição judaica e católica e fez traduções entre vários pares <strong>de</strong> línguas 19como atestam o livro Poesias completas <strong>de</strong> Dom Pedro II, publicado em1889, e a obra Poesies Hebraico-Provençales, publicada em 1891, dosquais falaremos mais adiante. O seu trabalho como tradutor é poucoconhecido mesmo no mundo acadêmico e, como já dito, são exíguas aspesquisas a respeito.Como homem <strong>de</strong> cultura, incentivava a educação e o estudo <strong>de</strong>línguas estrangeiras. Há registros <strong>de</strong> que tenha, inclusive, acompanhadoaulas <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> novos métodos <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> línguas estrangeiras,como consta da folha <strong>de</strong> rosto do livro Novo curso <strong>de</strong> língua inglezapratico, a<strong>na</strong>lytico e sinthetico, <strong>de</strong> 1856, por T. Robertson e organizadopelo professor Cyro Cardoso <strong>de</strong> Menezes no Imperial Colégio <strong>de</strong> PedroII (OLIVEIRA, 2006, p. 29).A infância reclusa e voltada a apren<strong>de</strong>r as artes <strong>de</strong> gover<strong>na</strong>r não<strong>de</strong>sumanizou o homem Pedro <strong>de</strong> Alcântara. Talvez ele, mais do queninguém, soubesse enten<strong>de</strong>r e racio<strong>na</strong>lizar a diferença entre o Pedrohomeme o Pedro-instituição. Aliás, racio<strong>na</strong>lizar foi uma condiçãoessencial para que pu<strong>de</strong>sse levar a bom termo a sua tarefa <strong>de</strong> imperador,19 “Era do hebreu, dos Provérbios, e <strong>de</strong>sdobrou-o em árabe, persa, sânscrito, grego <strong>de</strong> Sócrates,latim <strong>de</strong> Ovídio, italiano <strong>de</strong> Dante [...], alemão <strong>de</strong> Schiller, francês <strong>de</strong> Vacqueria, russo <strong>de</strong> Mile<strong>de</strong> Glinka, filha do ministro da Rússia no Brasil, <strong>de</strong> inglês <strong>de</strong> Taylor, <strong>de</strong> espanhol <strong>de</strong>Campoamor, <strong>de</strong> português <strong>de</strong> Camões, [...]. Sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> acrescentar: traduzia holandês esueco” (CALMON, 1975, p. 295).


pois, não fosse esta qualida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ria - como fez o pai - ter posto emrisco a estabilida<strong>de</strong> constitucio<strong>na</strong>l do reino, mo<strong>de</strong>lo que acreditava ser amelhor forma <strong>de</strong> governo para o Brasil.Carvalho (2007) retrata Pedro <strong>de</strong> Alcântara como homem quefoi acometido <strong>de</strong> todas as paixões e inseguranças a que está sujeitoqualquer ser humano: sentiu-se enga<strong>na</strong>do quando lhe apresentaram a jáesposa, Teresa Cristi<strong>na</strong>, 20 irmã do rei Ferdi<strong>na</strong>ndo II das Duas Sicílias,por <strong>de</strong>cepcio<strong>na</strong>r-se com a imagem muito diferente daquela do retrato;teve várias amantes e um gran<strong>de</strong> amor, a Con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Barral, com quemmanteve uma relação que se prolongou por mais <strong>de</strong> 30 anos. Mais quequalquer outra coisa, amava o conhecimento, 21 o que o levou aempreen<strong>de</strong>r três gran<strong>de</strong>s viagens inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, fi<strong>na</strong>nciadas com osnumerários que o orçamento do Estado lhe <strong>de</strong>sti<strong>na</strong>va para as <strong>de</strong>spesaspessoais. Esta ânsia por conhecimento o conduziu ao estudo das artes edas ciências. Entretanto, como não é possível estabelecer-se umafronteira rígida entre o homem e o mo<strong>na</strong>rca, tanto um quanto o outro<strong>de</strong>sejavam que a <strong>na</strong>ção também acessasse este conhecimento. Ofi<strong>na</strong>nciamento, com recursos do próprio bolso, 22 <strong>de</strong> estudantesbrasileiros no exterior, <strong>de</strong>monstra este anseio.7320 O casamento foi realizado por procuração em Nápoles, em 1843.21 “D. Pedro II cumpriu escrupulosamente as tarefas <strong>de</strong> governo que o <strong>de</strong>stino lhe reservou.Porém, as paixões <strong>de</strong> Pedro d’Alcântara eram o Brasil, a con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Barral e os livros. Mas,se a paixão pelo Brasil permitia que convivessem os dois Pedros, a dos livros talvez tivessesido mais radical. D. Pedro era um leitor voraz e onívoro. Lia muito e <strong>de</strong> tudo, livros, jor<strong>na</strong>is,revistas, relatórios. Lia diariamente, em casa, nos trens, nos <strong>na</strong>vios, nos hotéis. [...]”(CARVALHO, 2007, p. 223).22 “[...] Muitos brasileiros estudaram no país e no exterior à custa do bolsinho imperial. D.Pedro fazia o que hoje fazem os órgãos do governo que fi<strong>na</strong>nciam bolsas <strong>de</strong> estudo, como oConselho Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Durante o SegundoRei<strong>na</strong>do, 151 bolsistas obtiveram pensões, 41 <strong>de</strong>les para estudar no exterior. No Brasil, foram65 pensionistas do ensino básico e médio, dos quais 15 eram mulheres. Os pensionistas noexterior recebiam ajuda para viagem, livros e enxoval. Em contrapartida, tinham <strong>de</strong> prestar


O Mo<strong>na</strong>rca se via como um gover<strong>na</strong>nte constitucio<strong>na</strong>l, cujaprincipal tarefa era mo<strong>de</strong>rar os interesses entre os diversos grupos dace<strong>na</strong> política brasileira, buscando, <strong>na</strong> síntese <strong>de</strong>ssas i<strong>de</strong>ias, o melhorpara o país. Não abria mão <strong>de</strong> alguns princípios que consi<strong>de</strong>ravafundamentais para a construção da <strong>na</strong>ção, entre eles, a promoção daeducação, eleições e a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa. No volume IX <strong>de</strong> seudiário, em 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1861, Dom Pedro II anota:74A nossa principal necessida<strong>de</strong> política é aliberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> eleição; sem esta e a <strong>de</strong> imprensanão há sistema constitucio<strong>na</strong>l <strong>na</strong> realida<strong>de</strong>, e oministério que transgri<strong>de</strong> ou consente <strong>na</strong>transgressão <strong>de</strong>ste princípio é o maior inimigodo Estado e da mo<strong>na</strong>rquia [...] Leioconstantemente todos os periódicos da Corte edas províncias os que, pelos extratos que <strong>de</strong>lesse fazem, me parecem mais interessantes. Atribu<strong>na</strong> e a imprensa são os melhoresinformantes do mo<strong>na</strong>rca (BEDIAGA, 1999,v.9). 23Dom Pedro nomeara o conselho <strong>de</strong> ministros e o seu presi<strong>de</strong>ntee com eles mantinha uma reunião colegiada e <strong>de</strong>spachos individuais.Cobrava-lhes a <strong>de</strong>fesa do governo e a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus própriosatos e fiscalizava suas ações. De resto, procurava interferir o menospossível <strong>na</strong>s disputas políticas partidárias. Assim, escreve no diário a 31<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1861, sobre este tema:contas trimestrais <strong>de</strong> seu aproveitamento e assumir o compromisso <strong>de</strong> regressar ao país no fi<strong>na</strong>ldos estudos” (CARVALHO, 2007, p. 98).23 Todas as citações do Diário <strong>de</strong> Dom Pedro II nesta dissertação foram retiradas <strong>de</strong> extratoseletrônicos da obra: BEDIAGA, Begonha. Diário do imperador D. Pedro II. Organizado porBegonha Bediaga. Petrópolis: Museu Imperial, 1999, fornecidos pelo Museu Imperial <strong>de</strong>Petrópolis.


75Não sou <strong>de</strong> nenhum dos partidos para que todosapóiem nossas instituições; ape<strong>na</strong>s os mo<strong>de</strong>ro,como permitem as circunstâncias, julgando-osaté indispensáveis para o regular andamento dosistema constitucio<strong>na</strong>l, quando, comoverda<strong>de</strong>iros partidos e não facções, respeitam oque é justo (BEDIAGA, 1999, v.9).Sobre a dicotomia homem-mo<strong>na</strong>rca, anota no diário nessemesmo dia:Pouco direi do indivíduo. Tenho espíritojusticeiro, e entendo que o amor <strong>de</strong>ve seguirestes graus <strong>de</strong> preferência: Deus, humanida<strong>de</strong>,pátria, família e indivíduo. Sou dotado <strong>de</strong>algum talento; mas o que sei <strong>de</strong>vo-o sobretudoà minha aplicação, sendo o estudo, a leitura e aeducação <strong>de</strong> minhas filhas, que amoextremosamente, meus principaisdivertimentos. Louvam minha liberda<strong>de</strong>; masnão sei por quê; com pouco me contento, etenho oitocentos contos por ano.Nasci para consagrar-me às letras e às ciências,e, a ocupar posição política, preferiria a <strong>de</strong>presi<strong>de</strong>nte da República ou ministro à <strong>de</strong>imperador. Se ao menos meu Pai imperasseainda estaria eu há 11 anos com assento noSe<strong>na</strong>do e teria viajado pelo mundo.Jurei a Constituição; mas ainda que não ajurasse seria ela para mim uma segunda religião(BEDIAGA, 1999, v. 9).E lamenta a monotonia da vida privada <strong>de</strong> um gover<strong>na</strong>nte:[...] a mocida<strong>de</strong> rouba muito tempo, ainda queeste não me sobre para principiar amanhã umdiário <strong>de</strong> minha vida, cuja parte que pertence aopúblico fica, aliás, registrada nos períodos e aparticular é bastante monóto<strong>na</strong> (BEDIAGA,1999, v.9).


Dom Pedro II escreveu essas notas em seu diário, em 31 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1861, quando já gover<strong>na</strong>va o Brasil há 21 anos, ou seja, jápróximo da meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu rei<strong>na</strong>do <strong>de</strong> 49 anos e aos 37 anos <strong>de</strong> vida (nelmezzo <strong>de</strong>l cammino). Esse rápido tratado sobre seu pensamento políticoconclui-se numa profunda reflexão pessoal sobre suas fraquezas e suarelação com a mulher, que não amava, mas a quem apren<strong>de</strong>ra a admirar:76Confesso que em 21 anos muito mais se po<strong>de</strong>riater feito; mas [...] viveria inteiramente tranqüiloem minha consciência se meu coração já fosseum pouco mais velho do que eu; contudorespeito e estimo sinceramente minha mulher;cujas qualida<strong>de</strong>s constitutivas do caráterindividual são excelentes (BEDIAGA, 1999, v.9).Gover<strong>na</strong>ntes e mo<strong>na</strong>rcas <strong>de</strong> todos os tempos – como, porexemplo, os mece<strong>na</strong>s do Re<strong>na</strong>scimento, que fi<strong>na</strong>nciavam a produçãoartística para conseguir renome e prestígio <strong>na</strong> socieda<strong>de</strong>, se interessarampela tradução, <strong>na</strong> maioria das vezes, motivados pelo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ssa <strong>na</strong>formação da opinião social, pois, como coloca Lefevere, “a traduçãoprojeta uma imagem” e esta imagem está “a serviço <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<strong>na</strong>dasi<strong>de</strong>ologias” (2007, p. 75). Alguns soberanos que po<strong>de</strong>m constar <strong>de</strong>stalista são: Alfredo o Gran<strong>de</strong>, rei <strong>de</strong> Wessex <strong>na</strong> Inglaterra do séc. IX quetraduziu obras do latim para o inglês; Afonso X o Sábio, rei <strong>de</strong> Castela eLeão no século XIII, patrono da Escola <strong>de</strong> Tradução <strong>de</strong> Toledo on<strong>de</strong>incentivou a tradução dos textos da antiguida<strong>de</strong> clássica para as línguasvernáculas oci<strong>de</strong>ntais; D. Luís <strong>de</strong> Bragança, rei <strong>de</strong> Portugal entre 1861 e1889, tradutor <strong>de</strong> Shakespeare e contemporâneo <strong>de</strong> Dom Pedro II;Bartolomeu Mitre, presi<strong>de</strong>nte da Argenti<strong>na</strong> <strong>de</strong> 1862 a 1868, fundador do


jor<strong>na</strong>l La Nación, que traduziu para o espanhol a Eneida <strong>de</strong> Virgílio e aDivi<strong>na</strong> Comédia, tendo submetido a última à crítica <strong>de</strong> Dom Pedro II.Todavia, bem poucos gover<strong>na</strong>ntes se interessaram pela traduçãocomo um campo <strong>de</strong> estudo e, possivelmente, um número menor ainda se<strong>de</strong>dicou à prática <strong>de</strong>la <strong>de</strong> forma tão extensiva e abrangente como DomPedro II. Esse fato po<strong>de</strong> ser um indicativo <strong>de</strong> que, além <strong>de</strong> prováveismotivações políticas, das quais um gover<strong>na</strong>nte não po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>scuidar,havia um entusiasmo próprio do homem, do homem-intelectual, ávidopor conhecimento e por ampliar sua visão <strong>de</strong> mundo.Este fato, por si só, é suficientemente substancial para tor<strong>na</strong>rDom Pedro II um objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong> interesse acadêmico. Afora isto,soma-se o contexto próprio da época do segundo império: a únicamo<strong>na</strong>rquia da América liberta; o primeiro gover<strong>na</strong>nte <strong>na</strong>scido no Brasil;a longevida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu rei<strong>na</strong>do e o seu apreço pela <strong>de</strong>mocracia e pelaliberda<strong>de</strong>, chancelados por suas ações, por seus escritos e pelas suasrelações com intelectuais e figuras eminentes do século XIX, espalhadospelo mundo oci<strong>de</strong>ntal. Os próprios textos, escolhidos por Pedro <strong>de</strong>Alcântara para serem traduzidos, expressam seus valores e suauniversalida<strong>de</strong>.Voltando ao livro <strong>de</strong> traduções e poesias <strong>de</strong> Dom Pedro II,publicado em 1889, pelos netos D. Pedro e D. Luiz, filhos da princesaIsabel, nele se encontram, além <strong>de</strong> suas poesias, as traduções <strong>de</strong> poemas<strong>de</strong> Victor Hugo, Leconte <strong>de</strong> Lisle, Félix Anvers, Henry Longfellow, 24John Whittier, Alessandro Manzoni, entre outros, num total <strong>de</strong> 267724 “[...] Henry Longfellow (1807-1882), importante poeta americano cuja tradução da Divi<strong>na</strong>Comédia, <strong>de</strong> Dante Alighieri, tornou-se referência no mundo erudito da época” (MARTINS,2010, p. 56).


poemas, traduções <strong>de</strong> duas canções, dois cantos do “Inferno” da Divi<strong>na</strong>Comédia e sete cantos religiosos. Esse livro, impresso pela Typografiado Correio Imperial, em Petrópolis, não contém prefácio ou qualquertipo <strong>de</strong> comentário.Na primeira parte do livro, encontram-se os sonetos <strong>de</strong> autoriado próprio Imperador. Na sequência, estão as traduções, subintituladas<strong>de</strong> versões. Dessa obra, a<strong>na</strong>lisaremos, <strong>na</strong> dissertação, a tradução doepisódio <strong>de</strong> Francesca da Rimini.Na edição <strong>de</strong> 1932, da Editora Gua<strong>na</strong>bara, há um prefácio <strong>de</strong>autoria do jor<strong>na</strong>lista e escritor Me<strong>de</strong>iros e Albuquerque. Esse guarda umtom bastante crítico em relação à capacida<strong>de</strong> poética <strong>de</strong> Dom Pedro II.Sobre os Sonetos do Exílio, publicados em Paris em 1898, Me<strong>de</strong>iros eAlbuquerque chega a duvidar <strong>de</strong> que a autoria seja do Imperador. Astraduções <strong>de</strong> Dom Pedro II, que constam da edição <strong>de</strong> 1932, e que,segundo Me<strong>de</strong>iros e Albuquerque, é uma cópia fiel da edição <strong>de</strong> 1889,são, pela or<strong>de</strong>m, as seguintes:1. Episódio do Con<strong>de</strong> Ugolino, Divi<strong>na</strong> Comédia, DanteAlighieri;2. Episódio <strong>de</strong> Francisca <strong>de</strong> Rimini, Divi<strong>na</strong> Comédia, DanteAlighieri;3. O<strong>de</strong> “Cinco <strong>de</strong> Maio”, tradução <strong>de</strong> “Il Cinque Maggio”, <strong>de</strong>Alessandro Manzoni;4. “A canção dos latinos”, traduzida da versão em italiano“La Canzone <strong>de</strong>i Latini” <strong>de</strong> canção provençal feita por LeonidaOlivari, seguido da versão em italiano;5. Soneto “A Aloys Blon<strong>de</strong>l”, tradução <strong>de</strong> “A AloysBlon<strong>de</strong>l”, <strong>de</strong> François Coppée, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;6. Soneto <strong>de</strong> Félix Anvers, intitulado simplesmente “Sonnet”,seguido do origi<strong>na</strong>l francês;78


7. Poema “A Passiflora”, tradução <strong>de</strong> “La Passiflore”, daCon<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Chambrun, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;8. Soneto <strong>de</strong> D. Mon, intitulado simplesmente “Sonnet”,seguido do origi<strong>na</strong>l francês;9. “Soneto a Coquelin”, tradução <strong>de</strong> “Sonnet a Coquelin”, <strong>de</strong>Jean Richepin, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;10. Soneto <strong>de</strong> Sully Prudhomme, intitulado simplesmente“Sonnet”, seguido do origi<strong>na</strong>l francês, cujo início é “Il esttard...”;11. Soneto <strong>de</strong> Sully Prudhomme, seguido do origi<strong>na</strong>l francês,cujo início é “La Gran<strong>de</strong> Ourse...”;12. Soneto “O magistrado”, tradução <strong>de</strong> “Le Magistrat”, <strong>de</strong>Rigaud, presi<strong>de</strong>nte do Tribu<strong>na</strong>l da Relação d’Aix, que oescreveu em home<strong>na</strong>gem a esse tribu<strong>na</strong>l, seguido do origi<strong>na</strong>lfrancês;13. Soneto “A terra <strong>na</strong>tal”, tradução <strong>de</strong> “Le sol <strong>na</strong>tal”, <strong>de</strong>Rigaud, escrito em home<strong>na</strong>gem à al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Pourrières, seguidodo origi<strong>na</strong>l francês;14. Soneto do General Carnot intitulado simplesmente“Sonnet”, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;15. Soneto “O beija-flor”, tradução <strong>de</strong> “Le colibri”, <strong>de</strong> Leconte<strong>de</strong> Lisle, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;16. Soneto “A La mig<strong>na</strong>rda”, tradução <strong>de</strong> “A la Mig<strong>na</strong>r<strong>de</strong>”, <strong>de</strong>Rigau, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;17. “O A<strong>de</strong>us”, tradução <strong>de</strong> “Les Adieux”, do jour<strong>na</strong>ll’Illustration <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1887, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;18. Soneto <strong>de</strong> Hele<strong>na</strong> Vacaresco, intitulado simplesmente“Sonnet”. São duas traduções, seguidas do origi<strong>na</strong>l francês;19. Poema <strong>de</strong> seis estrofes “Cantiga <strong>de</strong> Nadaud”, tradução <strong>de</strong>“Chanson <strong>de</strong> Nadaud”, escrito para servir <strong>de</strong> prefácio àsCanções <strong>de</strong> Béranger, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;20. Poema “O besouro”, tradução <strong>de</strong> “Le Hanneton”, <strong>de</strong>Gustave Nadaud, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;21. Versos <strong>de</strong> Gustavo Nadaud, tradução <strong>de</strong> “Vers <strong>de</strong> GustaveNadaud”, escritos sob o retrato da Duquesa Colon<strong>na</strong> pintadopor ela mesma, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;22. Poema “A borboleta e a flor”, tradução <strong>de</strong> “Le papillon etla fleur”, <strong>de</strong> Victor Hugo, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;79


23. Estâncias (estrofes) em home<strong>na</strong>gem a S. M. o Senhor D.Pedro <strong>de</strong> Alcântara, escritas por Alfredo Theulot a bordo do<strong>na</strong>vio Congo, seguidas do origi<strong>na</strong>l francês;24. Poema “A sua majesta<strong>de</strong> Dom Pedro II”, tradução dosversos do comandante Moreau, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;25. Poema <strong>de</strong>dicado a Chapelle e Bachaumont <strong>na</strong> sua viagempela Provença, seguido do origi<strong>na</strong>l francês;26. Versos d’Ernesto Heller à morte do poeta Dranmor,seguidos do origi<strong>na</strong>l alemão;27. Epigrama feito pelo Dr. Dod<strong>de</strong>rige, seguido do origi<strong>na</strong>linglês;28. Poema “O choro d’uma alma perdida”, tradução <strong>de</strong> “Thecry of a lost soul”, <strong>de</strong> John Whittier;29. Poema “O canto do siciliano: El rei Roberto da Sicília”,tradução <strong>de</strong> “The Sicilian's Tale: King Robert of Sicily”, <strong>de</strong>Henry Longfellow;30. Poema “Aos mortos <strong>de</strong> Sahati”, tradução <strong>de</strong> “Ai morti diSahati”, <strong>de</strong> Luigi Nobrega, seguido do origi<strong>na</strong>l italiano;31. Cantos religiosos “Miserere” (Psalmo L.), “Oh SalutarisHostia”, “Panis Angelicus”, “Ave, verum”, “Pange lingua”,“Vexilla regis”, “Stabat mater”.Como a maioria dos intelectuais brasileiros do período, DomPedro II tinha o francês como a língua da literatura e da cultura. 25 Fatoque fica evi<strong>de</strong>nte <strong>na</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> poemas cuja tradução se <strong>de</strong>u a partirdo francês. Sobre essa pre<strong>dom</strong>inância do francês e a relação da traduçãocom a literatura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, José Paulo Paes, <strong>na</strong> sua obra Tradução aponte necessária, ajuíza:80[...] a influência das traduções sobre a literaturacriativa brasileira é limitada. Isso porque25 “O fenômeno do estrangeiramento das elites brasileiras não se enquadrou no mo<strong>de</strong>lomile<strong>na</strong>r <strong>de</strong> <strong>dom</strong>i<strong>na</strong>ção em que a cultura do colonizador se sobrepõe à do colonizado. No Brasilo que ocorreu <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início foi uma dupla exposição cultural, a portuguesa e, por seuintermédio, a francesa, que durou mais <strong>de</strong> três séculos e foi <strong>de</strong>cisiva para formar nossa visão <strong>de</strong>mundo e, consequentemente, nossa visão da tradução, como parte <strong>de</strong>sse mundo” (WYLER,2003, p.57).


81muitos <strong>de</strong> nossos poetas, romancistas eteatrólogos, por conhecerem idiomasestrangeiros, pu<strong>de</strong>ram travar conhecimento comos autores <strong>de</strong> que iriam eventualmente sofrerinfluência antes <strong>de</strong> eles haverem sido vertidospara o português. Desses idiomas <strong>de</strong> cultura, oprincipal foi <strong>de</strong>certo o francês, a ponto <strong>de</strong>Joaquim Nabuco, em fins do século passado, terpodido escrever que ‘o Brasileiro [...] lê o que aFrança produz. Ele é, pela inteligência e peloespírito, cidadão francês [...] vê tudo comopo<strong>de</strong> ver um parisiense <strong>de</strong>sterrado <strong>de</strong> Paris.(1992, p.11)Outra parte <strong>de</strong> suas traduções foi publicada em 1891, <strong>na</strong> obraPoesies Hebraico-Provençales du Rituel Israelite Comtadin Traduites etTranscrites par S. M. Dom Pedro II d’Alcantara, Empereur du Brésil,on<strong>de</strong> constam poesias hebraico-provençais traduzidas do hebraico para ofrancês.Dom Pedro II traduziu Arauca<strong>na</strong>, poema épico <strong>de</strong> Don Alonso<strong>de</strong> Ercilla, o Hitopa<strong>de</strong>sa ou "instrução útil", atribuído ora a Naraya<strong>na</strong>ora a Visnusarman, do qual o manuscrito mais antigo data <strong>de</strong> 1373;Prometeu acorrentado, <strong>de</strong> Ésquilo, e a Odisséia, <strong>de</strong> Homero: clássicofundador da literatura oci<strong>de</strong>ntal.O Mo<strong>na</strong>rca tinha muito apreço pelo hebraico, língua quecomeçou a estudar por volta <strong>de</strong> 1860. Em seu diário, registra: “TraduziNeemias com facilida<strong>de</strong>, não tenho esquecido o hebraico”. Desta língua,traduziu partes do Velho Testamento para o latim, <strong>de</strong>ntre elas o Cânticodos Cânticos, os livros proféticos Isaías e Jeremias, Lamentações e oslivros da sabedoria <strong>de</strong> Jó; traduziu para o inglês e para o grego osignificado <strong>de</strong> palavras hebraicas do Livro dos Salmos e fragmentos doGênesis (estes trabalhos se encontram atualmente no Museu <strong>de</strong>


Petrópolis) e traduziu Camões para o hebraico. Da Bíblia, ainda traduziuos Atos dos Apóstolos, do Novo Testamento.Dom Pedro II ainda traduziu diretamente do árabe as Mil e umaNoites, obra que não conseguiu concluir. Segundo Rosane <strong>de</strong> Souza, emsua dissertação A gênese <strong>de</strong> um <strong>processo</strong> tradutório: as mil e uma noites<strong>de</strong> D. Pedro II, o Mo<strong>na</strong>rca é um tradutor bastante fiel ao texto <strong>de</strong>partida: “A partir das operações linguísticas realizadas por ele,percebeu-se que havia a preocupação da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao origi<strong>na</strong>l" (2010, p.78). O texto <strong>de</strong> partida utilizado para a tradução do Mo<strong>na</strong>rca foi o <strong>de</strong>Breslau, publicado <strong>na</strong> Alemanha em 1825. No oci<strong>de</strong>nte, a versão maisconhecida do texto das Mil e Uma Noites é em francês e foi traduzidapelo orientalista Antonie Galland, 26 cujo texto <strong>de</strong> chegada possuimodificações em relação ao origi<strong>na</strong>l. Já o Imperador manteve atémesmo trechos eróticos que outros escondiam. "Quando viu-me riu-seno rosto <strong>de</strong> mim e apertou-me ao peito d'ella e a boca <strong>de</strong> mim sobre aboca d'ella", diz um dos trechos traduzidos. A tradução francesa <strong>dom</strong>esmo trecho fala ape<strong>na</strong>s em "saudações", diz Souza (2010, p. 67).Segundo Venuti:82Uma tradução sempre comunica umainterpretação, um texto estrangeiro que éparcial e alterado, suplementado comcaracterísticas peculiares à língua <strong>de</strong> chegada,não mais inescrutavelmente estrangeiro, mastor<strong>na</strong>do compreensível num estilo claramente26 Atualmente, temos para o português a tradução <strong>de</strong> Mame<strong>de</strong> Mustafa Jarouche, professor docurso <strong>de</strong> árabe da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (USP). Segundo o próprio tradutor, a tradução“se atém ao origi<strong>na</strong>l”, sua tradução é literal, sem cortes (...). As pesquisas para a referidatradução iniciaram-se em 2000, quando Jarouche realizou seu pós-doutorado no Cairo. Suafonte <strong>de</strong> trabalho foram três volumes do manuscrito árabe da Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Paris(SOUZA, 2010, p. 46).


83<strong>dom</strong>éstico. As traduções, em outras palavras,inevitavelmente realizam um trabalho <strong>de</strong><strong>dom</strong>esticação (2002, p. 17).Ainda para Venuti “[...] a tradução imita os valores linguísticose literários <strong>de</strong> um texto estrangeiro, mas a imitação é moldada numalíngua diferente que se relacio<strong>na</strong> a uma tradição cultural diferente”(2002, p. 120).Portanto, uma possível explicação para essa conduta <strong>de</strong> DomPedro II po<strong>de</strong> estar <strong>na</strong> opção <strong>de</strong> produzir uma tradução que leve o leitor- assim como a ele próprio -, a conhecer como o texto é no origi<strong>na</strong>l. Estaestratégia é chamada por Venuti <strong>de</strong> estrangeirização em oposição àestratégia <strong>de</strong> <strong>dom</strong>esticação. Des<strong>de</strong> a ascensão dos Estados Unidos daAmérica à condição <strong>de</strong> maior potência econômica e política do mundo, a<strong>dom</strong>esticação é hegemônica nos países <strong>de</strong> língua inglesa quando datradução <strong>de</strong> texto das literaturas consi<strong>de</strong>radas menores.Para Venuti, <strong>na</strong> tradução <strong>dom</strong>esticadora:[...] o fato da tradução é apagado através dasupressão das diferenças linguísticas e culturaisdo texto estrangeiro, assimilando-o aos valores<strong>dom</strong>i<strong>na</strong>ntes <strong>na</strong> cultura da língua-alvo, tor<strong>na</strong>ndooreconhecível e, <strong>de</strong>ssa forma, aparentementenão traduzido. Com essa <strong>dom</strong>esticação o textotraduzido passa por origi<strong>na</strong>l, uma expressão daintenção do autor estrangeiro. (2002, p. 111)Essa situação acaba por gerar um paradoxo. Em a Invisibilida<strong>de</strong>do Tradutor,Venuti (1986) argumenta que a a<strong>de</strong>quação do texto àcultura local, por meio do apagamento dos traços que possam causarestranhamento, leva o leitor a se relacio<strong>na</strong>r com o texto traduzido comose esse fosse o origi<strong>na</strong>l, apagando o trabalho do tradutor. E acrescenta


que é a fluência da leitura – uma exigência do mercado – a transmitiressa sensação <strong>de</strong> origi<strong>na</strong>lida<strong>de</strong> do texto traduzido. Portanto, é amanipulação da língua feita pelo próprio tradutor que causa o seuaniquilamento.De tal modo, a <strong>dom</strong>esticação visa à facilitação da leitura, ouseja, privilegia os valores culturais da língua-alvo em <strong>de</strong>trimento dotexto estrangeiro, enquanto a estrangeirização privilegia o contextofonte, ou seja, mantém as características linguístico-culturais do texto <strong>de</strong>partida. Nenhuma tradução é cem por cento estrangeirizante ou cem porcento <strong>dom</strong>esticadora, contudo, em Dom Pedro II percebe-se apreocupação <strong>de</strong> preservar as características da língua e culturaestrangeira, pois, entre seus objetivos ao traduzir, estava o <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>rsobre essas novas culturas.Debate correlato ao posto por Venuti no século XX se <strong>de</strong>u <strong>na</strong>Europa da primeira meta<strong>de</strong> do século XIX, em torno da questão dafi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, como se verá mais adiante.Observando alguns trechos <strong>de</strong> seu diário, como, por exemplo,os que falam sobre a tradução da Odisséia, se po<strong>de</strong> perceber o quão<strong>de</strong>dicado e rigoroso era Dom Pedro II com a tarefa <strong>de</strong> tradutor. Ascitações <strong>de</strong>stacadas iniciam em 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1887 e vão até 2 <strong>de</strong>janeiro <strong>de</strong> 1891, ou seja, um tempo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> três anos e meio. Nesteperíodo, além <strong>de</strong> trabalhar a tradução propriamente dita, Dom Pedro II,algumas vezes acompanhado do professor Seibold, comparou a suatradução com a tradução alemã; comparou o texto origi<strong>na</strong>l da Odisséiacom a tradução <strong>de</strong> Mme. Dacier; comparou o texto origi<strong>na</strong>l da Odisséia84


com a tradução <strong>de</strong> Odorico Men<strong>de</strong>s e ainda estudou a tradução feita pelofrancês Leconte Delisle:85Data13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong>1887 (4a f.)17 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong>1887 (4a f.)3 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong>1887 (sábado)7 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong>1887 (sábado)17 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>1888 (3a f.)30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>1888 (2a f.)Anotação em seu diário5 1/2.[...] Antes do jantar traduzi a Odisséia com oSeibold comparando-a à tradução alemã.1 ¾. Almocei bem. Descansei. Acabo <strong>de</strong> traduzir aOdisséia com Seibold. Vou sair.1h ½ Dei lição <strong>de</strong> grego traduzindo a Odisséia ecomparando-a com a tradução alemã. Vou sair.1h 35’ Acabada comparação da tradução alemã dosLusíadas com o origi<strong>na</strong>l da tradução da Odisséia. Temchovido.4h ¼ Chego do concerto da Pulcinska. Foi muitobom. Dei o programa a Antônia para lê-lo com asminhas notas à margem. Meia-noite. Traduzi aOdisséia e comparei a tradução alemã dos Lusíadascom o origi<strong>na</strong>l no meu estudo em companhia doSeibold. Jantei com apetite.10h ¼ [...] Antes do jantar, em que comi com apetite,traduzi no meu estudo com o Seibold a Odisséia,comparando-a a versão francesa, <strong>de</strong> que já falei,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter voltado <strong>de</strong> meu passeio a pé até aexposição que percorri durante algum tempo,seguindo <strong>de</strong>pois pela praia até a perfumaria Lubin,cujo terreno atravessei para tomar o carro. Quandoestava com o Seibold veio madame Tachard com a


22 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>1890 (4a f.)31 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>1890 (6a f.)19 <strong>de</strong> abril 1890(sábado)9 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong>1890 (3a f.)2 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong>1891 (6a f.)86filha a quem fui falar, tor<strong>na</strong>ndo com pouca <strong>de</strong>mora aogrego.10h 10’ [...] Ainda traduzi a Odisséia e li provas daarte guarani <strong>de</strong> Restivo com o Seibold. [...]10h Traduzi Homero. Odisséia. Continuei a leiturada edição da Arte Guarani <strong>de</strong> Restivo feita peloSeibold. Comparei uma tradução alemã dos Lusíadascom o origi<strong>na</strong>l. [...]10h 10’ Traduzi Odisséia comparando o origi<strong>na</strong>l coma versão <strong>de</strong> Mme. Dacier. Podia essa bas-bleueempregar melhor o seu tempo. Pouco tempo tive parao guarani. [...]2h 35’ Homero – Odisséia comparando o origi<strong>na</strong>lcom a tradução <strong>de</strong> Odorico Men<strong>de</strong>s – Seibold bebecafé. Vou a Camões.6h 20’ Odisséia. O príncipe <strong>de</strong> Montenegro estavadormindo e não pu<strong>de</strong> obter a tradução <strong>de</strong> LeconteDelisle que lhe emprestei. Espero a Isabel para jantar.Chegou.Quadro I – Diário: anotações <strong>de</strong> Dom Pedro IIFonte: BEDIAGA, 1999.


Ao que parece, o Imperador não traduzia com o objetivo <strong>de</strong>fama literária, nem mesmo com a ambição <strong>de</strong> publicar livros. Traduziapor prazer, para trei<strong>na</strong>r o conhecimento e a fluência nos vários idiomasem que discorria, mas, como homem da política, provavelmente, <strong>na</strong>escolha dos textos, a i<strong>de</strong>ologia 27 também lhe falava.A microanálise das traduções assi<strong>na</strong>la a tendência do tradutorem manter a similarida<strong>de</strong> com as características do origi<strong>na</strong>l do qualtraduzia, ou seja, mantinha com este uma relação formal, procurandoconservar-lhe o conteúdo, tal como se apresentava, observada adisposição espacial da métrica e, sempre que possível, a sonorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>rimas. Denota-se a influência da escola francesa <strong>de</strong> versificação, comseus versos alexandrinos.No quadro abaixo constam três traduções dos versos fi<strong>na</strong>is docanto V do “Inferno” da Divi<strong>na</strong> Comédia <strong>de</strong> Dante Alighieri: a dopróprio Dom Pedro II, a do contemporâneo José Pedro Xavier Pinheiroe a <strong>de</strong> Italo Eugênio Mauro, feita cerca <strong>de</strong> 100 anos <strong>de</strong>pois dasprimeiras; po<strong>de</strong>-se perceber o esforço poético do Mo<strong>na</strong>rca em produziruma tradução fluente, muito próxima do origi<strong>na</strong>l, respeitando a métricae a ento<strong>na</strong>ção silábica.8727 O termo “i<strong>de</strong>ologia” é usado aqui no sentido que Venuti lhe dá em A Invisibilida<strong>de</strong> doTradutor: um conjunto <strong>de</strong> valores, crenças e representações sociais que são concretizados <strong>na</strong>experiência vivida e servem, em última instância, os interesses <strong>de</strong> uma classe social. Em outraspalavras, a i<strong>de</strong>ologia é constituída, <strong>de</strong> um lado por cada um dos momentos em uma práticasocial e, <strong>de</strong> outro lado, pelas relações <strong>de</strong> produção ou pelas relações <strong>de</strong> classe <strong>na</strong>s quais essaprática é situada, e atua como mediadora entre esses dois termos (1995, p. 116).


88vv Dante Alighieri Dom Pedro IIManuscrito fi<strong>na</strong>l139 Mentre che l'uno Enquanto essaspirto questo alma canta o seudisse,labor,José Pedro XavierPinheiroEnquanto ahistória triste umtinha dito,Ítalo E. MauroEnquanto umadizia seuamargor,140 l'altro piangea; sìche di pieta<strong>de</strong>A outra chora etanto o dó que meattrae,Tanto carpia ooutro, que eu,absortoChorava a outraalma e, comoquem se esvai141 io venni men cosìcom'io morisse.142 E caddi comecorpo morto ca<strong>de</strong>.Que <strong>de</strong>sman<strong>de</strong>i,da morte sob acôr,E cahi comocorpo morto cae.Em pieda<strong>de</strong>, sentiletal conflito,E tombei, comotomba corpomorto.Em morte, eu meesvaí <strong>de</strong> pe<strong>na</strong> edor,E caí como corpomorto cai.Quadro II – Análise comparativa: Dom Pedro II x Pinheiro x MauroNa tradução da Divi<strong>na</strong> Comédia, o Imperador - assim comoXavier Pinheiro e Italo Mauro - empregou tercetos enca<strong>de</strong>ados, assim,manteve a rima da Divi<strong>na</strong> Comédia. Na terza rima, criada por Dante, overso central <strong>de</strong> cada terceto controla os versos margi<strong>na</strong>is do tercetoseguinte, rimando no esquema ABA, BCB, CDC, etc.Essas traduções <strong>de</strong> Dante são objeto <strong>de</strong>sta pesquisa, em modoespecífico, as traduções feitas por Dom Pedro II e em particular a docanto V do “Inferno”, por isso, e para nos ajudar a enten<strong>de</strong>r essa escolhado Imperador, conheçamos um pouco da obra e da vida <strong>de</strong> Dante.


893 POETAS EM DOIS TEMPOSDom Pedro II e Dante Alighieri foram poetas em temposdistantes. O poeta Dom Pedro II, como <strong>de</strong>talhado no capítulo 2, tevecomo cenário <strong>de</strong> sua vida o século XIX. Já o poeta Dante <strong>na</strong>sceu emFlorença, em 1265. A Itália no seu tempo estava dividida entre doispo<strong>de</strong>res: o po<strong>de</strong>r do Papa, <strong>de</strong>fendido pelos guelfos e o po<strong>de</strong>r do SacroImpério Romano, 28 <strong>de</strong>fendido pelos gibelinos. O norte da Itália eramajoritariamente aliado com o Imperador e o centro, incluindo Roma,com o Papa. A Itália, no entanto, não era um Estado coeso. Não haviaum centro unificado do po<strong>de</strong>r, mas muitos centros espalhados; ascida<strong>de</strong>s-estados. A política servia essencialmente aos interesses dasfamílias mais po<strong>de</strong>rosas.Florença era <strong>na</strong>quela época uma das cida<strong>de</strong>s mais importantesda Europa, com uma população <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 100.000 habitantes einteresses fi<strong>na</strong>nceiros e negócios espalhados por todo o continente.Equivalia-se em tamanho e importância a Paris. A maior parte do po<strong>de</strong>rem Florença estava <strong>na</strong>s mãos dos guelfos. Mas o partido se dividiu emduas facções: os brancos, que <strong>de</strong>fendiam mais autonomia para a cida<strong>de</strong>,e os negros, completamente aliados ao Papa. Dante se somava aosbrancos e, após a queda do seu governo, em 1302 - o qual Dantecompunha -, a sua vida mudou profundamente: era um florentino <strong>de</strong> 37anos perambulando <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> a outra em função do exílio.28 Segundo Paolo Balboni (2002), o Sacro Império Romano, <strong>na</strong> segunda metada do séculoXIII, correspondia principalmente ao território que é hoje ocupado pela Alemanha e se estendiaaté o norte da Itália.


Bruno Enei <strong>de</strong>screve o <strong>de</strong>senrolar dos acontecimentos <strong>de</strong>sseperíodo contando que Dante:90Ainda pertenceu <strong>de</strong>pois ao Consiglio <strong>de</strong>i Savi, aelite dos priori, e que cuidavam dos interessesexternos e internos da cida<strong>de</strong>, que era umEstado in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Mas a coisa mais triste efeliz aconteceu a Dante em 1300, [...] foinomeado priore <strong>de</strong> Firenze, chegando ao postomais alto, o <strong>de</strong> chefe da <strong>na</strong>ção. No entanto, foisua tragédia, pois com sua honestida<strong>de</strong>, os seusinimigos o <strong>de</strong>struíram (2010, p. 55).A obra <strong>de</strong> Dante é fortemente marcada por sua atuação políticae pelos fatos <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes. Antes do exílio, em Florença, escreveuVita Nuova, obra que <strong>na</strong>rra, <strong>na</strong> forma <strong>de</strong> sonetos e cançõesacompanhadas por comentários em prosa, a história <strong>de</strong> seu amor porBeatriz e Le Rime, também chamada <strong>de</strong> Canzoniere, on<strong>de</strong> canta o amori<strong>de</strong>alizado por Beatriz e trata <strong>de</strong> ciência, filosofia e moralida<strong>de</strong>.À fase do exílio pertencem: Il Convivio, trabalho filosóficoescrito em vulgar, no qual pretendia resumir todo o conhecimento daépoca em 14 livros, dos quais ape<strong>na</strong>s quatro foram concluídos; Devulgari Eloquentia, escrito em latim para promover a língua vulgar; DeMo<strong>na</strong>rchia, em que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a separação total entre Igreja e Estado eafirma a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um Império universal e autônomo. Sua maiorobra, a Divi<strong>na</strong> Comédia, requereu 14 anos <strong>de</strong> esforço. Dante morreu noexílio, em 1321, em Rave<strong>na</strong>.Durante as comemorações do sétimo centenário do <strong>na</strong>scimento<strong>de</strong> Dante, em 1965, Alceu Amoroso Lima fez uma interessante reflexãosobre a presença <strong>de</strong> Dante <strong>na</strong>s várias fases da sua vida. Falando sobre o


Dante da sua velhice, fez uma brilhante síntese sobre o homem, opolítico e o escritor:91Pois não creio que Dante seja ape<strong>na</strong>s o poeta doser cristão, como Santo Tomás foi o filósofo doser cristão. Dante é também o poeta do vir a ser,[...], tanto assim que Dante se lançou em todasas lutas políticas do seu tempo e da sua gente, equando se <strong>de</strong>sgostou e se <strong>de</strong>siludiu <strong>de</strong> tudo e se“converteu”, levantou uma obra incomparávelao vir a ser no sentido da passagem do tempo àeternida<strong>de</strong>, como sendo o verda<strong>de</strong>iro sentido davida. (LIMA, 1965, p. 128)Essa síntese da vida <strong>de</strong> Dante mostra as várias semelhanças coma vida <strong>de</strong> Dom Pedro II, cuja história – <strong>de</strong>talhada no capítulo anterior -se <strong>de</strong>senvolveu seis séculos <strong>de</strong>pois da história <strong>de</strong> Dante. A distância notempo que as separa não nos impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacá-las: ambos foram lí<strong>de</strong>respolíticos e compartilharam o gosto pela arte e pela literatura. Suas vidasforam marcadas por acontecimentos políticos e esses influenciaram suasobras. Ambos morreram no exílio sem jamais terem voltado a rever suaspátrias.A dimensão da importância <strong>de</strong> Dante <strong>na</strong> vida <strong>de</strong> Dom Pedro IIpo<strong>de</strong> ser entendida numa passagem da sua vida <strong>na</strong>rrada por Calmon(1975). Conta ele que poucas horas <strong>de</strong>pois da morte da ImperatrizTereza Cristi<strong>na</strong>, Dom Pedro II foi encontrado pelo amigo Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong>Ouro Preto, no seu quarto, lendo com a cabeça apoiada <strong>na</strong> mão:Uma pausa, que acentuava lugubremente o tomdo diálogo, <strong>de</strong>u-lhes a impressão das vertigens.Foi o Imperador que a interrompeu, para indicaro título do livro: a Divi<strong>na</strong> Comédia. Abriu-selhe<strong>de</strong> repente um clarão no espírito. A voz


92<strong>de</strong>satou-se-lhe, num fluxo <strong>de</strong> palavras eruditas:e falou “com estranha vivacida<strong>de</strong>”, do poema,do pensamento <strong>de</strong> Dante, dos seus símbolos, dasua beleza eter<strong>na</strong>. Ouro Preto e o filho ouviamnocontritos. Parou. [...] (CALMON, 1975, p.289)3.1 A DIVINA COMÉDIAA Divi<strong>na</strong> Comédia é um poema dividido em três livros: o“Inferno”, o “Purgatório” e o “Paraíso”. Para Pasquini: “O instrumentobasilar da expressiva orquestração é o terceto com rima enca<strong>de</strong>ada [...]”(2005, p. XVI). 29 Para Enei: “Ela é o superamento da estética da Ida<strong>de</strong>Média [...]” (2010, p.66). Para Contini a terza rima dantesca “[...]permite, <strong>na</strong> sua continuida<strong>de</strong>, a cada vez um enca<strong>de</strong>amento com oprece<strong>de</strong>nte, e a cada vez uma inovação, é capaz <strong>de</strong> aceleração e<strong>de</strong>saceleração, <strong>de</strong> uma leitura geral e da leitura <strong>de</strong> uma frase emparticular [...]” (1970, p.401). 30A Divi<strong>na</strong> Comédia, por ser uma obra que faz uma forte críticaao comportamento social, político e religioso <strong>de</strong> sua época, para sermelhor compreendida é necessário que se conheçam as circunstâncias <strong>na</strong>qual foi escrita e os eventos que motivaram Dante a escrevê-la.A divisão da Itália entre dois po<strong>de</strong>res: um temporal e outropretensamente divino, e os reflexos <strong>de</strong>sta disputa em Florença,29 “Lo strumento basilare <strong>de</strong>ll’orchestrazione espressiva è la terzi<strong>na</strong> a rima incate<strong>na</strong>ta [...]”(2005, p. XVI).30 “[...] la quale nella sua continuità consente ogni volta um aggancio ai prece<strong>de</strong>nti e ognivolta un’innovazione, è suscettibile di accelerazioni e rellentamenti, di lettura generale e dilettura nel fraseggiato particolare [...]” (1970, p.401).


obrigando-o a se exilar para fugir da morte certa, marcaramprofundamente a sua obra e, em especial, A Divi<strong>na</strong> Comédia.Dante escreveu o seu poema com base <strong>na</strong> metáfora da viagem.A viagem remonta às raízes da cultura oci<strong>de</strong>ntal. Foi o impulso <strong>de</strong> semover e <strong>de</strong> se projetar para além dos limites habituais que levou acivilização oci<strong>de</strong>ntal a se expandir. Assim, foi <strong>de</strong> Ulisses às gran<strong>de</strong>s<strong>na</strong>vegações, que resultaram <strong>na</strong>s <strong>de</strong>scobertas dos novos mundos.Arrigoni (2001), em sua tese <strong>de</strong> doutorado - O Abismo, o monte, a luz.Os símiles <strong>na</strong> leitura/tradução da Divi<strong>na</strong> Commedia - faz umainteressante relação entre a metáfora da viagem e a poética dantesca:93Eis que o perso<strong>na</strong>gem realiza a viagem, e, comovimos, é o perso<strong>na</strong>gem-poeta, que cumpre suaparte <strong>de</strong> viator, para, em um segundo momento,ser o escriba-<strong>na</strong>rrador <strong>de</strong> sua experiência,embora, não <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> ser também um escribaviator.De tal forma isso é tor<strong>na</strong>do realista quenos esquecemos facilmente da fictio e nos<strong>de</strong>ixamos envolver pela e <strong>na</strong> alegoria.Percebemo-nos <strong>de</strong> novo presos aoenca<strong>de</strong>amento da D.C., que nos envolve damesma forma que nos envolvem as rimas dostercetos, enca<strong>de</strong>ando os 14.233 versos entre si ea obra como um todo (2001, p. 48).O escopo da Divi<strong>na</strong> Comédia é fundamentalmente o <strong>de</strong>conduzir a humanida<strong>de</strong> para a salvação, superando as lutas terre<strong>na</strong>s ecaminhando em direção à paz e à luz divi<strong>na</strong>. Mas Dante também busca asua salvação pessoal, que começa com a restauração da justiça terre<strong>na</strong>com ele mesmo. Ao con<strong>de</strong><strong>na</strong>r a violência dos cidadãos contra cidadãos<strong>na</strong>s cida<strong>de</strong>s da Itália, se refere à violência que ele próprio havia sofrido.Os três reinos da vida após a morte representam as condições da pessoahuma<strong>na</strong>. O objetivo do poeta, como já dito, não é mostrar o que é a vida


após a morte, mas estabelecer um caminho para ver a vida e o mundo,baseado <strong>na</strong> centralida<strong>de</strong> da relação entre o homem e Deus e do homemcom o homem.Italo Borzi (2006), <strong>na</strong> introdução que faz a uma edição daDivi<strong>na</strong> Comédia, diz que o escopo <strong>de</strong>ssa é:94[...] a renovação da socieda<strong>de</strong> huma<strong>na</strong>, <strong>de</strong> ummundo "que vive enfermo". Para realizar estanobre missão, da qual si sente investido porDeus, Dante parte do indivíduo, da sua própriacondição pessoal <strong>de</strong> pecador que quer sair da"floresta escura" do pecado e encontrar, com aajuda da razão, a verda<strong>de</strong> e a salvação, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> ter seguido falsas imagens do bem. Tem-seassim um gran<strong>de</strong> ensi<strong>na</strong>mento: para renovar asocieda<strong>de</strong> é necessário, antes <strong>de</strong> tudo, renovarsea si mesmo e cada indivíduo [...] (2006,p.22). 31A síntese da Divi<strong>na</strong> Comédia, paradoxalmente, é ao mesmotempo simples e complexa. O bem é o objetivo do homem e somentepraticando o bem, o bem universal, po<strong>de</strong>-se conduzir a humanida<strong>de</strong> àfelicida<strong>de</strong>, que é o fim último do homem. Na leitura <strong>de</strong> Auerbach: “Obem mais elevado se origi<strong>na</strong> em Deus” (1985, p. 96). 32 Para MariaTeresa Arrigoni, a <strong>na</strong>rrativa <strong>de</strong> Dante, no percurso dos três reinos doalém, “[...] coloca ênfase <strong>na</strong> trajetória, e <strong>na</strong> sua própria salvação, quepo<strong>de</strong> ser também a <strong>de</strong> todos os homens” (2008, p. 39).31“[...] il rinnovamento <strong>de</strong>lla società uma<strong>na</strong>, <strong>de</strong>l mondo “che mal vive”. Per intrapren<strong>de</strong>requesta alta missione di cui si sente investito da Dio, Dante parte dall’individuo, dalla suaperso<strong>na</strong>le condizione di peccatore che aspira ad uscire dalla “selva oscura” <strong>de</strong>l peccato eproce<strong>de</strong>re, con l’aiuto <strong>de</strong>lla ragione, alla conquista <strong>de</strong>lla verità e <strong>de</strong>lla salvezza, dopo averseguito false immagini di bene. Ci dà in questo modo un gran<strong>de</strong> ammaestramento: perrinnovare la società è necessário in<strong>na</strong>nzitutto innovare se stessi e ciascun individuo;[...]”(2006, p.22).32 “Il massimo bene e l’origine <strong>de</strong>l bene è Dio” (1985, p. 96).


O canto V do “Inferno” mostra o segundo círculo on<strong>de</strong> sãopunidos os que praticaram o pecado do vício e da luxúria. Nesse lugar,Dante e Virgílio encontram muitas pessoas famosas, entre eles osamantes Paolo e Francesca. 3395Figura 3. Dante e Virgilio encontram Paolo e Francesca 34O episódio histórico, <strong>na</strong> <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Barbara Reynolds, assimacontece:Em alguma época entre 1283 e 1284 GianciottoMalatesta, senhor <strong>de</strong> Rimini assassinou suaesposa Francesca e seu irmão mais jovemPaolo, que tinham se tor<strong>na</strong>do amantes. Dantepo<strong>de</strong> ter encontrado Paolo quando foi capitano<strong>de</strong>l popolo, em Florença, em 1282. (2011, p.194)33 No relato <strong>de</strong> Sermonti (2006) sobre o episódio consta que duas potentes famílias guelfas daEmilia Romagha (Polenta <strong>de</strong> Raven<strong>na</strong> e Malatesta <strong>de</strong> Rimini), para selarem uma aliançapolítica acordaram o casamento da bela Francesca com o Sr. Malatesta. Com receio <strong>de</strong> serrejeitado pela jovem, por conta <strong>de</strong> sua aparência, Malatesta enviou seu irmão mais novo, Paolo,para que provi<strong>de</strong>nciasse o casamento por procuração. Francesca, ao encontrar o belo Paolo,<strong>de</strong>le se e<strong>na</strong>morou, o que foi recíproco. Do mesmo modo, o casamento se realizou. Mas, umatar<strong>de</strong>, quando Paolo e Francesca, juntos liam um famoso romance erótico-cavaleiresco, não secontiveram e se beijaram. Surpreendidos por Malatesta, esposa e irmão foram mortos.34 Ilustração retirada do livro A Divi<strong>na</strong> Comédia em quadrinhos por Piero e Giuseppe Bag<strong>na</strong>riolcuja tradução do "Inferno" é <strong>de</strong> Jorge Wan<strong>de</strong>rley, São Paulo: Peirópolis, 2011.


Na Divi<strong>na</strong> Comédia, o episódio é cantado por Dante dos versos73 a 142:Canto V73 I' cominciai: "Poeta, volontieriparlerei a quei due che 'nsieme vanno,e paion sì al vento esser leggeri".76 Ed elli a me: "Vedrai quando sarannopiù presso a noi; e tu allor li priegaper quello amor che i me<strong>na</strong>, ed ei verranno".79 Sì tosto come il vento a noi li piega,mossi la voce: "O anime affan<strong>na</strong>te,venite a noi parlar, s'altri nol niega!".82 Quali colombe dal disio chiamatecon l'ali alzate e ferme al dolce nidovegnon per l'aere, dal voler portate;85 cotali uscir <strong>de</strong> la schiera ov'è Dido,a noi venendo per l'aere maligno,sì forte fu l'affettüoso grido.88 "O animal grazïoso e benignoche visitando vai per l'aere personoi che tignemmo il mondo di sanguigno,91 se fosse amico il re <strong>de</strong> l'universo,noi pregheremmo lui <strong>de</strong> la tua pace,poi c' hai pietà <strong>de</strong>l nostro mal perverso.94 Di quel che udire e che parlar vi piace,noi udiremo e parleremo a voi,mentre che 'l vento, come fa, ci tace.97 Sie<strong>de</strong> la terra dove <strong>na</strong>ta fuisu la mari<strong>na</strong> dove 'l Po discen<strong>de</strong>per aver pace co' seguaci sui.100 Amor, ch'al cor gentil ratto s'appren<strong>de</strong>,prese costui <strong>de</strong> la bella perso<strong>na</strong>che mi fu tolta; e 'l modo ancor m'offen<strong>de</strong>.96


97103 Amor, ch'a nullo amato amar perdo<strong>na</strong>,mi prese <strong>de</strong>l costui piacer sì forte,che, come vedi, ancor non m'abbando<strong>na</strong>.106 Amor condusse noi ad u<strong>na</strong> morte.Cai<strong>na</strong> atten<strong>de</strong> chi a vita ci spense".Queste parole da lor ci fuor porte.109 Quand'io intesi quell'anime offense,chi<strong>na</strong>' il viso, e tanto il tenni basso,fin che 'l poeta mi disse: "Che pense?".112 Quando rispuosi, cominciai: "Oh lasso,quanti dolci pensier, quanto disiomenò costoro al doloroso passo!".115 Poi mi rivolsi a loro e parla' io,e cominciai: "Francesca, i tuoi martìria lagrimar mi fanno tristo e pio.118 Ma dimmi: al tempo d'i dolci sospiri,a che e come conce<strong>de</strong>tte amoreche conosceste i dubbiosi disiri?".121 E quella a me: "Nessun maggior doloreche ricordarsi <strong>de</strong>l tempo felicene la miseria; e ciò sa 'l tuo dottore.124 Ma s'a conoscer la prima radice<strong>de</strong>l nostro amor tu hai cotanto affetto,dirò come colui che piange e dice.127 Noi leggiavamo un giorno per dilettodi Lancialotto come amor lo strinse;soli eravamo e sanza alcun sospetto.130 Per più fïate li occhi ci sospinsequella lettura, e scolorocci il viso;ma solo un punto fu quel che ci vinse.133 Quando leggemmo il disïato risoesser basciato da cotanto amante,questi, che mai da me non fia diviso,


98136 la bocca mi basciò tutto tremante.Galeotto fu 'l libro e chi lo scrisse:quel giorno più non vi leggemmo avante".139 Mentre che l'uno spirto questo disse,l'altro piangëa; sì che di pieta<strong>de</strong>io venni men così com'io morisse.E caddi come corpo morto ca<strong>de</strong>.Fonte: Dante online. 353.2 A PRESENÇA DE DANTE NO BRASIL E NA LITERATURABRASILEIRADom Pedro II não foi o único a trabalhar com Dante <strong>na</strong>literatura brasileira. Andréia Guerini e Gibson Monteiro (2010), noartigo Dante e la Letteratura Brasilia<strong>na</strong>, mostram que Dante estevepresente <strong>na</strong> obra <strong>de</strong> vários escritores brasileiros ao longo da história, taiscomo: Álvares <strong>de</strong> Azevedo, Castro Alves, Machado <strong>de</strong> Assis, Augustodos Anjos, Guimarães Rosa, Eduardo Guimarães, Jorge <strong>de</strong> Lima, OsmanLins e Ariano <strong>de</strong> Suassu<strong>na</strong>, <strong>de</strong>ntre outros. A presença <strong>de</strong> Dante se dátanto em escritores <strong>de</strong> textos dramáticos como <strong>de</strong> textos poéticos e <strong>na</strong>prosa <strong>de</strong> diversos autores. Portanto, antes e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Dom Pedro II, apresença <strong>de</strong> Dante e <strong>de</strong> sua obra <strong>na</strong> nossa literatura é bastantesignificativa.A presença <strong>de</strong> Dante no Brasil e <strong>na</strong> literatura brasileira é<strong>de</strong>sigual e <strong>de</strong>scontínua e po<strong>de</strong> ser melhor percebida acompanhando-se asvárias fases do <strong>de</strong>senvolvimento do Brasil.35 DANTE ONLINE. Consulenza scientifica Società Dantesca Italia<strong>na</strong>http://www.danteonline.it/italiano/opere.asp?idope=1&idlang=OR. Acesso em 17 <strong>de</strong> mai <strong>de</strong>2012.


No Brasil Colônia dos primeiros momentos da <strong>na</strong>ção, acirculação <strong>de</strong> exemplares da obra <strong>de</strong> Dante <strong>de</strong>ve ter ocorrido <strong>na</strong> Bahia,se<strong>de</strong> do Governo Geral e da escola <strong>de</strong> formação da Companhia <strong>de</strong> Jesus.Nos três primeiros séculos da existência do país, a influência <strong>de</strong>Dante <strong>na</strong> literatura foi residual e se resume a alguns poucos intelectuaise escritores que, por razões diversas, tinham acessado a obra do escritorflorentino. Entre eles estão: Padre José <strong>de</strong> Anchieta (1534-1597), que,no auto Na Vila <strong>de</strong> Vitória, usa uma alegoria para se referir à Ingratidãoque se assemelha à alegoria da Loba do primeiro canto da Divi<strong>na</strong>Comédia. Bento Teixeira (1561-1618), que escreveu Prosopopéia,publicada em 1601, e Frei Manuel <strong>de</strong> Itaparica (1704-1768), queescreveu Eustaquidos, são autores <strong>de</strong> duas epopeias que carregamelementos da Divi<strong>na</strong> Comédia. O Frei Francisco <strong>de</strong> São Carlos (1763-1829) escreveu o poema A Assunção da Santíssima Virgem, um doscasos <strong>de</strong> evidência da presença <strong>de</strong> Dante.A baixa incidência <strong>de</strong> Dante no período colonial colocava oBrasil <strong>na</strong> contramão da vizinha América espanhola, on<strong>de</strong>, comoassi<strong>na</strong>lam Guerini e Monteiro, a presença do poeta italiano era bem maismarcante:99Antes que no Brasil, po<strong>de</strong>-se dizer que duranteo período colonial, Dante tornou-se leiturafrequente <strong>na</strong> América <strong>de</strong> língua espanhola.Tanto que, em 1571, durante uma viagem aCuzco (Peru), um cronista <strong>de</strong> Toledo o citareferindo-se à guerra que eclodiu contra oimpério Inca. Existem notícias <strong>de</strong> exemplaresda Commedia <strong>na</strong> Cida<strong>de</strong> do México, BuenosAires e Lima, <strong>na</strong> segunda meta<strong>de</strong> do séculoXVI. Sem mencio<strong>na</strong>r que a fundação <strong>de</strong>universida<strong>de</strong>s <strong>na</strong>s colônias espanholas noséculo XVI, facilitou uma melhor dissimi<strong>na</strong>ção


100da sua obra no lado hispânico do continente(2010, p. 1). 36Duas razões, entre outras, po<strong>de</strong>m ajudar a explicar a baixapresença <strong>de</strong> Dante nos três primeiros séculos <strong>de</strong> existência do Brasil:primeiramente pelo <strong>dom</strong>ínio clerical do ensino. O Ratio Atque InstitutoStudiorum, abreviadamente Ratio Studiorum, i<strong>de</strong>alizado por Inácio <strong>de</strong>Loyola e publicado em 1599, era o método pedagógico que estabelecianormas para regulamentar o ensino nos colégios jesuíticos. Em 1570,vinte e um anos após a sua chegada ao Brasil, a re<strong>de</strong> educacio<strong>na</strong>l jesuítajá era composta por cinco escolas <strong>de</strong> instrução elementar (Porto Seguro,Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e São Paulo <strong>de</strong> Piratininga) e trêscolégios (Rio <strong>de</strong> Janeiro, Per<strong>na</strong>mbuco e Bahia). Este sistemahegemonizou a educação brasileira até 1759, quando os jesuítas foramexpulsos do Brasil por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> Sebastião José <strong>de</strong> Carvalho, omarquês <strong>de</strong> Pombal, primeiro-ministro <strong>de</strong> Portugal, em <strong>de</strong>creto assi<strong>na</strong>dopor Dom José I. O momento político da Europa, neste período, eramarcado pelo absolutismo, que tinha no iluminismo sua oposição. Nocontexto <strong>de</strong> inspiração iluminista, ocorre a perseguição e expulsão dacongregação religiosa <strong>de</strong> todos os <strong>dom</strong>ínios portugueses. A segundarazão se explica pela ascendência das i<strong>de</strong>ias do movimento francêsiluminista <strong>na</strong> intelectualida<strong>de</strong> brasileira, no <strong>de</strong>correr do século XVIII.Como se constata, a censura às i<strong>de</strong>ias e à obra <strong>de</strong> Dante,paradoxalmente, se <strong>de</strong>u, <strong>de</strong> um lado pela Igreja Católica, que via <strong>na</strong> sua36 “Prima che in Brasile, si può affermare che durante il periodo coloniale, Dante divennelettura frequente nell'America di lingua spagnola. É tanto che, nel 1571, durante un viaggio aCuzco (Peru), un cronista di Toledo lo cita nel riferirsi alla guerra che si scatenò control'impero Inca. Si ha notizia <strong>de</strong>ll'arrivo di esemplari <strong>de</strong>lla Commedia a Città <strong>de</strong>l Messico,Buenos Aires e Lima già nella seconda metà <strong>de</strong>l XVI secolo. Senza consi<strong>de</strong>rare che lafondazione di università nelle colonie spagnole, nel XVI secolo, facilitò u<strong>na</strong> miglioredissemi<strong>na</strong>zione <strong>de</strong>lla sua opera nel lato ispanico <strong>de</strong>l continente” (2010, p. 1).


101obra um forte anti-clericarismo e, <strong>de</strong> outro lado, pelos iluministas, queconsi<strong>de</strong>ravam sua obra religiosa, e, portanto, contrária ao laicismo dadoutri<strong>na</strong>. Nesse período, não se tem conhecimento <strong>de</strong> traduçõesbrasileiras da Divi<strong>na</strong> Comédia.O Século XIX tem como marco inicial a chegada da FamíliaReal portuguesa que, fugindo <strong>de</strong> Napoleão, <strong>na</strong> Europa, instalou o seuReino no Brasil, em 1808.D. João VI instituiu a Imprensa Régia, através da qual foipublicado o primeiro jor<strong>na</strong>l do país: A Gazeta do Rio <strong>de</strong> Janeiro.Fundou a Biblioteca Real, o Teatro São João e o Museu Nacio<strong>na</strong>l.Requereu a vinda <strong>de</strong> uma missão cultural francesa, que foi responsávelpelo Salão Nacio<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Belas-Artes e pelo Jardim Botânico. Promoveu aabertura dos portos, além <strong>de</strong> várias intervenções <strong>na</strong> infraestrutura física,econômica e cultural do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Na área educacio<strong>na</strong>l, Dom Joãoinstituiu a Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> Ensino da Marinha, a Aca<strong>de</strong>mia Real Militar e aEscola Real <strong>de</strong> Artes, Ciências e Ofícios. Essas medidas revigoraram oambiente da cultura e propiciaram que o Rio <strong>de</strong> Janeiro se transformassenum núcleo cultural, condição que antes era ocupada ape<strong>na</strong>s pelametrópole, que <strong>de</strong>tinha o controle da produção intelectual do reino.Outro marco importante <strong>de</strong>ste século, transpondo a proclamaçãoda in<strong>de</strong>pendência, em 1822, é o advento da chegada ao trono brasileiro<strong>de</strong> Dom Pedro II, um mo<strong>na</strong>rca incentivador das ciências e das artes. Elemesmo, poeta e escritor, traduziu, como vimos, trechos <strong>de</strong> dois cantosda Divi<strong>na</strong> Comédia, além <strong>de</strong> manter estreita relação com o mundo dacultura e da literatura. Mesmo <strong>na</strong>s relações políticas, a arte se faziapresente, a ponto <strong>de</strong> ser convidado por Bartolomeu Mitre (1821-1906),seu colega gover<strong>na</strong>nte da Argenti<strong>na</strong>, para criticar a tradução que este


102havia feito da Divi<strong>na</strong> Comédia. No Tomo LXXVI (1913), da Revista doInstituto Histórico e Geográfico Brasileiro, publicado em 1914, consta ainiciativa <strong>de</strong> fazer-se copiar no Museu Mitre, em Buenos Aires as: “[...]notas do próprio punho, escriptas pelo imperador d. Pedro II noexemplar da traducção da Divi<strong>na</strong> Comedia, feita pelo general Mitre, quea submeteu ao imperador, pedindo - le a opinião sôbre esse trabalho” (p.637-638).Além do Imperador do segundo rei<strong>na</strong>do, muitos autoresrenomados da literatura brasileira do século XIX mantiveram relaçãocom Dante. Alguns <strong>de</strong> forma muito estreita e permanente, outros, maisligeiramente.Nas primeiras fases do movimento romântico tem-se GonçalvesMagalhães (1811-1882), que, além da presença em obras como o épicoA Confe<strong>de</strong>ração dos Tamoios (1856), evi<strong>de</strong>nciou em poema a expressão“l’altissimo poeta” para <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>r Dante. Manuel <strong>de</strong> Araújo Porto Alegre(1806-1879), autor <strong>de</strong> Colombo, on<strong>de</strong> constam versos <strong>de</strong> Dante.Gonçalves Dias (1823-1864), que fez uma tradução <strong>de</strong> partes do cantoIV do “Purgatório”. Álvares <strong>de</strong> Azevedo (1831-1852), que registrou quejunto do seu leito dormiam: “O Dante, A Bíblia, Shakespeare e Byron”,além <strong>de</strong> Junqueira Freire (1832-1855), Fagun<strong>de</strong>s Varela (1841 - 1875) eCasimiro <strong>de</strong> Abreu (1837-1860), que, como Azevedo, escreviam poesiasque aludiam à morte e à aflição num mundo on<strong>de</strong> não se encontravam.Na fase seguinte do Romantismo, encontram-se Castro Alves(1847-1871) - poeta da liberda<strong>de</strong> e da <strong>de</strong>núncia das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>ssociais - autor <strong>de</strong> "Navio Negreiro", que traz elementos <strong>de</strong> Dante, eSousândra<strong>de</strong> (1833 – 1902), autor do poema “O Guesa Errante”.


103No fi<strong>na</strong>l do século, com o Realismo e o Naturalismo, têm-se:Aluísio <strong>de</strong> Azevedo (1857-1913), que em 1881 publicou O Mulato, eRaul Pompéia (1863-1895), que escreveu o romance O Atheneu, em1888, e, também, autor <strong>de</strong> poema <strong>de</strong>dicado a Beatriz.No par<strong>na</strong>sianismo, <strong>de</strong>stacam-se Olavo Bilac (1865-1918), autordo poema “Dante no Paraíso”, e Luis Delfino (1834 – 1910) autor <strong>de</strong>Algas e Musgos e que também escreveu um soneto sobre Dante.E ainda, conforme Manuppella (1966), em Dantesca Lusobrasileira:Subsídios Para Uma Bibliografia Da Obra E DoPensamento De Dante Alighieri existe uma série <strong>de</strong> autores quehome<strong>na</strong>gearam Dante em poemas e textos referentes à sua obra, taiscomo: Franklin Américo <strong>de</strong> Menezes Dória, que publicou, em 1859,poema intitulado “Aparição <strong>de</strong> Beatriz”; Augusto Francisco Aleixo dosSantos Breves, que, em 1874, fez um paralelo entre Dante e Camões;Raimundo Correia, que, em 1883, publicou poema intitulado “Beatriz”;Alexandre José <strong>de</strong> Mello Moraes Filho, que, em 1881, publicou poemaintitulado “A Barca <strong>de</strong> Dante” e Damasceno Vieira, que, em 1895,publicou poema intitulado “Ante o retrato <strong>de</strong> Dante”.Por fim, Machado <strong>de</strong> Assis, o mais notável escritor brasileiro doséculo XIX. Ele atravessou vários períodos da literatura. De 1855 até1908, período em que gestou sua obra, a presença <strong>de</strong> Dante é umaconstante, tanto em suas poesias, como nos contos, peças, crônicas eromances. Dentre as suas obras se encontram: Fale<strong>na</strong>s, (1870), Hele<strong>na</strong>,(1876), Memórias Póstumas <strong>de</strong> Brás Cubas, (1881), Quincas Borba,(1891), Dom Casmurro, (1899), Memorial <strong>de</strong> Aires, (1908). Traduziu o


104canto XXV do “Inferno” e tratou <strong>de</strong> temáticas do “Paraíso” e do“Purgatório”. Para Guerini:Machado <strong>de</strong> Assis é um escritor que <strong>de</strong>ve serobservado com mais atenção, não só porque suaobra é uma das principais referências daliteratura brasileira, mas, também, porquerepresenta uma nova direção <strong>de</strong>sta literatura noque diz respeito à assimilação da obra do poetaflorentino (2010, p. 11). 37Na fase inicial do século XX, pré-mo<strong>de</strong>rnista, se encontram:Eucli<strong>de</strong>s da Cunha (1866-1909), autor <strong>de</strong> Os Sertões e do poema "OParaíso dos medíocres (Uma pági<strong>na</strong> que Dante <strong>de</strong>struiu)" e EduardoGuimarães (1892-1928), cuja obra é perpassada por Dante, com poemasque remetem aos temas e perso<strong>na</strong>gens dantescos, é autor <strong>de</strong> Divi<strong>na</strong>Quimera. E ainda, conforme Manuppella (1966), uma série <strong>de</strong> autoresque home<strong>na</strong>gearam Dante em poemas e textos referentes à sua obra, taiscomo: Múcio Texeira, que, em 1902, publicou Campo Santo, on<strong>de</strong>escreveu o “Último Sonho <strong>de</strong> Dante”, Carlos Magalhães <strong>de</strong> Azevedoque, em 1903, publicou poema intitulado “Dante”; F. D’Azeredo que,em 1913, <strong>na</strong> sua obra Horas Sagradas publicou um soneto intitulado“Dante”; Félix Pacheco, em 1914, publicou sonetos <strong>de</strong> inspiraçãodantesca; Luís Murat, em 1917, publicou uma o<strong>de</strong> intitulada “O Dístico<strong>de</strong> Dante”.A segunda década da vida literária do século XX foi marcadapelo surgimento do Mo<strong>de</strong>rnismo, em 1922, movimento empenhado em37 “Machado <strong>de</strong> Assis è uno scrittore che <strong>de</strong>ve essere osservato con più attenzione, nonsoltanto perché si tratta di u<strong>na</strong> <strong>de</strong>lle principali opere di riferimento <strong>de</strong>lla letteraturabrasilia<strong>na</strong>, ma anche perché rappresenta u<strong>na</strong> nuova direzione di questa letteratura per quelche riguarda l'assimilazione <strong>de</strong>ll'opera <strong>de</strong>l poeta fiorentino.”


105<strong>de</strong>senvolver uma literatura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l, e, portanto, inicialmente arredio àsinfluências estrangeiras, inclusive à obra <strong>de</strong> Dante.Posteriormente, a partir da década <strong>de</strong> 1930, a influência <strong>de</strong>Dante se refez com presença muito significativa <strong>na</strong>s obras <strong>de</strong> muitosescritores, entre os quais se <strong>de</strong>stacam: Francisco Filinto Brasileiro que,em 1936, publicou cinco sonetos sobre Paolo e Francesca; Jorge <strong>de</strong>Lima (1893-1953), com o poema "Invenção <strong>de</strong> Orfeu", <strong>de</strong> 1952;Guimarães Rosa (1908-1967), com Gran<strong>de</strong> Sertão: Veredas, <strong>de</strong> 1956 eOsman Lins (1924-1978) com o romance Avalovara, <strong>de</strong> 1973. Maisatualmente, po<strong>de</strong>mos acrescentar à lista do século XX, César Leal, autordo livro <strong>de</strong> poemas Tambor Cósmico, em 1978; Jorge Van<strong>de</strong>rlei, quetraduziu em tercetos todo o “Inferno”; Henriqueta Lisboa, poetisa quetraduziu quatorze cantos do “Purgatório”; Dante Milano, tradutor <strong>de</strong> trêscantos do “Inferno”, além <strong>de</strong> Augusto <strong>de</strong> Campos, que traduziu cantosdo “Inferno” e do “Purgatório”, publicados em 1986, no livro O antecrítico e, em 2003, em Invenção; Haroldo <strong>de</strong> Campos, tradutor <strong>de</strong> Dantee autor do ensaio Pedra e Luz <strong>na</strong> Poesia <strong>de</strong> Dante, <strong>de</strong> 1988, e ArianoSuassu<strong>na</strong>.3.3 AS TRADUÇÕES DA DIVINA COMÉDIA NO BRASILSegundo Arrigoni: “O levantamento das traduções da D.C.realizadas no Brasil apontou a segunda meta<strong>de</strong> do século XIX como aépoca em que essas obras começaram a ser produzidas e publicadas,<strong>de</strong>ntro do contexto cultural do Brasil do segundo império” (2001, p. 91).Na “advertência do editor” da edição <strong>de</strong> 1932 da tradução da Divi<strong>na</strong>Comédia, feita pelo Barão da Vila da Barra, já se enumeravam algunspoetas tradutores <strong>de</strong> Dante:


106Alguns poetas brazileiros traduziram váriosepisódios da Divi<strong>na</strong> Comédia em bons tercetosrimados, à semelhança do origi<strong>na</strong>l,sobresahindo <strong>de</strong> entre elles Ber<strong>na</strong>rdoGuimarães, Francisco Octaviano, Machado <strong>de</strong>Assis, Adherbal <strong>de</strong> Carvalho, Pires <strong>de</strong> Almeida,Silva Nunes, João Francisco Gronwell e outros(1910, p. VI).Contudo, nem todos que se <strong>de</strong>dicaram à tarefa <strong>de</strong> traduzir Danteo fizeram mantendo os tercetos rimados, muitos preferiram a prosa, eoutros, como o próprio Barão da Vila da Barra, a traduziram em versos,mas sem a preocupação <strong>de</strong> manter a rima. O quadro a seguir procuraesboçar o percurso das traduções da Divi<strong>na</strong> Comédia no Brasil:TradutorTraduções integrais da Divi<strong>na</strong> ComédiaBarão da Vila da Tradução Integral publicada em 1888 pelaBarraImprensa Nacio<strong>na</strong>l em versos soltos.José Pedro Xavier Tradução em tercetos rimados com publicação doPinheiro“Inferno” em 1888 e integral em 1907.Marques Rebelo Tradução integral.João Ziller Tradução Integral publicada em 1953.Cristiano Martins Tradução integral, em versos, publicada em 1976.Her<strong>na</strong>ni Do<strong>na</strong>to Tradução integral, em prosa, publicada em 1980.Italo Eugenio Mauro Tradução integral, em versos, publicada em 1998.Cordélia Dias Tradução em prosa pela Ediouro, 1998.d’AguiarTradutorTraduções integrais <strong>de</strong> um dos três livros daDivi<strong>na</strong> ComédiaArtur BivarTradução do “Inferno” publicada em um semanário<strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> italiano entre 1926 e 1933.Aldo Della Nin<strong>na</strong> Tradução do “Paraíso” publicada em 1959 novolume VI da edição bilíngue da Editora Américadas Obras completas <strong>de</strong> Dante em 10 volumes.José Serafim Gomes Tradução do “Purgatório”: excertos publicadosentre 1907 e 1910 no Novo Mensageiro doCoração <strong>de</strong> Jesus, órgão do Apostolado da Oraçãoda Igreja Católica.Cesar Augusto Falcão Tradução do “Purgatório” publicada em 1958 no


107Monsenhor JoaquimPinto <strong>de</strong> CamposVinícius César <strong>de</strong>BerredoJorge Van<strong>de</strong>rleiMalba TahanTradutorLuis Vicente DeSimoniManuel JesuínoFerreira:TradutorHaroldo <strong>de</strong> CamposTradutorAntônio GonçalvesDiasArtur BivarHenriqueta LisboaTradutorMachado <strong>de</strong> AssisTeófilo Diasvolume V da edição bilíngue da Editora América,das Obras completas <strong>de</strong> Dante em 10 volumes.Tradução em prosa do “Inferno” com publicaçãoem 1888 em Lisboa, em 1957 no Volume I e em1958 nos volumes II, III e IV da edição bilíngue daEditora América das Obras completas <strong>de</strong> Dante em10 volumes.Tradução do “Inferno” em versos rimados, em1976Tradução em tercetos do “Inferno” publicada em2004.Traduções do “Inferno”: 1º volume publicado em1947 e o 2º em 1948 em prosa e verso.Traduções parciais do “Inferno”,“Purgatório” e “Paraíso”Na sua obra Ramalhete poético do par<strong>na</strong>soitaliano, <strong>de</strong> 1843, incluiu traduções suas do“Inferno” (cantos I e II, versos 70 a 142 do canto Ve versos 1 a 88 do canto XXXIII), canto I do“Purgatório”, do “Paraíso” (canto I e versos 1 a 93do canto XXXI) em versos.Tradução dos versos 12 a 139 do canto XXXIV do“Inferno”, o canto I do “Purgatório” e os versos133 a 145 do “Paraíso”, publicados em 1879 emversos.Traduções parciais do “Paraíso”Tradução em versos <strong>de</strong> seis cantos do “Paraíso”,publicada em 1976.Traduções parciais do “Purgatório”Tradução em versos <strong>de</strong> fragmentos do canto VI do“Purgatório” feitas em 1844 quando tinha ape<strong>na</strong>s21 anosTradução <strong>de</strong> 18 cantos do “Purgatório” publicadasem um semanário <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> italiano entre 1926e 1933.Publicou em versos suas traduções do poetafiorentino em os Cantos <strong>de</strong> Dante, em 1969Traduções parciais do “Inferno”Tradução em tercetos do canto XXV do “Inferno”,publicada no jor<strong>na</strong>l O Globo em 1874.Tradução dos versos 92 a 142 do canto V e docanto XXXIII do “Inferno” publicados em 1878.


108Generino dos Santos Publicou, no tempo do Império, PoemasDantescos. Traduziu os cantos X e XIII do“Inferno” em versos rimados. Sua tradução docanto X foi recitada no plenário da Câmara dosDeputados em 1888. Por conseguinte, publicada noDiário Oficial.Dom Pedro II Tradução dos versos 73 a 142 do canto V e dosversos 1 a 90 do canto XXXIII que foram publicasem versos no ano <strong>de</strong> 1889 como home<strong>na</strong>gem <strong>de</strong>seus netos.Emanuel Guimarães Tradução em tercetos dos versos 73 a 142 do cantoV publicada postumamente sem indicação <strong>de</strong> data.Faleceu em 1907.A<strong>de</strong>rbal <strong>de</strong> Carvalho Tradução em tercetos dos versos 73 a 142 do cantoV publicada em 1911.Artur BivarTradução do “Inferno” publicada em um semanárioGondin da Fonseca<strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> italiano entre 1926 e 1933.Tradução do canto V e parte do canto XXXIII do“Inferno” em versos, em 1938.Domingos Ennes Tradução do “Inferno” em 1947.Dante Milano Tradução dos cantos V, XXV e XXXIII em 1953publicada pelo Ministério da Educação e Cultura<strong>na</strong> coleção Ca<strong>de</strong>rnos da Cultura.Francisco PatiApós fazer uma análise das traduções do canto Vdo “Inferno” <strong>de</strong> José Pedro Xavier Pinheiro e doBarão da Vila da Barra, propôs uma versão integraldo mesmo canto, em 1965.Augusto <strong>de</strong> Campos Tradução em versos, além <strong>de</strong> outros cantos, docanto V publicada em 1986.TradutorTraduções parciais sem especificaçãoPadre Carlos Publicou, em 1868, Ensaios <strong>de</strong> Traduções <strong>de</strong>CandianiPoesias italia<strong>na</strong>s <strong>na</strong> Língua dos Brasileiros.Quadro III– Traduções brasileiras da Divi<strong>na</strong> Comédia


1093.4 DOM PEDRO II TRADUTOR DA DIVINA COMÉDIANão se sabe ao certo <strong>de</strong> quando são as traduções dos cantos daDivi<strong>na</strong> Comédia feitas por Dom Pedro II. Certo é que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muitojovem, antes mesmo <strong>de</strong> assumir o trono (ao que tudo indica), já tinhainteresse pela língua italia<strong>na</strong> e sua tradução, como atesta este bilheteenviado ao mor<strong>dom</strong>o Paulo Barbosa:“Senhor Paulo,Quero, se há, um diccionário portuguez eitaliano.D. Pedro 2º.” (LACOMBE, 1994, p. 110). 38Pedro Calmon (1975) conta que, em maio <strong>de</strong> 1869, a atrizitalia<strong>na</strong> A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Ristori, durante o concerto do pianista americano LuísMoreau Gottschalk em um sarau organizado pelo Imperador, “[...]recitou trechos da Divi<strong>na</strong> Comédia, os episódios <strong>de</strong> Francesca da Riminie do Con<strong>de</strong> Ugolino, que à força <strong>de</strong> os traduzir o imperador sabia <strong>de</strong> cor[...]” ( p. 824).E, em 29 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1869, em carta a Ristori, o Mo<strong>na</strong>rcafala <strong>de</strong> suas traduções e anexa à que fez do Episódio do Con<strong>de</strong> Ugolino,do canto XXXIII do “Inferno” da Divi<strong>na</strong> Comédia (VANNUCCI, 2004,p. 57).Entretanto, um indicativo importante sobre o período em queDom Pedro II po<strong>de</strong> ter se entusiasmado pela Divi<strong>na</strong> Comédia, e sesentido compelido a traduzi-la, é a publicação, em 1843, do livro o38 Bilhete não datado. Esse é o nono <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> 194 cartas e bilhetes remetidos por DomPedro II a Paulo Barbosa que Lacombe (1994) publicou em or<strong>de</strong>m cronológica crescente nosue livro O Mor<strong>dom</strong>o do Imperador. A primeira mor<strong>dom</strong>ia <strong>de</strong> Paulo Barbosa <strong>de</strong>u-se <strong>de</strong> quandoo imperador tinha 8 anos até próximo dos 20 anos.


110Ramalhete poético do par<strong>na</strong>so italiano, <strong>de</strong> Luiz Vicente De Simoni. Olivro é uma antologia <strong>de</strong> autores italianos em língua portuguesa. Danteabre a passarela <strong>de</strong>ssa literatura com as seguintes traduções: do“Inferno” os cantos I e II, mais os versos 70 a 142 do canto V e osversos 1 a 88 do canto XXXIII, do “Purgatório” o canto I e do “Paraíso”o canto I e versos 1 a 93 do canto XXXI. Observe-se que, entre ostrechos traduzidos, estão os episódios <strong>de</strong> Francesca da Rimini e doCon<strong>de</strong> Ugolino, os mesmos que serão objetos <strong>de</strong> tradução por parte <strong>de</strong>Dom Pedro II.Com a escolha dos cantos mais famosos, e traduzindo pelomenos um canto <strong>de</strong> cada parte da Comédia, De Simoni propiciou aosleitores da época uma visão geral da Divi<strong>na</strong> Comédia.Pedro Faleiros Heise, em sua dissertação <strong>de</strong> mestrado Aintrodução <strong>de</strong> Dante no Brasil: o Ramalhete poético do par<strong>na</strong>soitaliano, diz que o livro é: “a primeira e uma das únicas antologias <strong>de</strong>poesia italia<strong>na</strong> no Brasil até hoje, trazendo uma importante contribuiçãopara a formação <strong>de</strong> nossa cultura [...]” (2007, p. 10). Maria TeresaArrigoni, em seu texto Em busca das obras <strong>de</strong> Dante em Português noBrasil (1901 – 1950), afirma que De Simoni foi o primeiro tradutor <strong>de</strong>Dante no Brasil:A primeira tradução da Divi<strong>na</strong> Comédia queresultou da pesquisa foi publicada em umaantologia <strong>de</strong> textos italianos traduzidos,organizada por Luís Vicente De Simoni, no ano<strong>de</strong> 1843 (2011, p. 44).A conjectura <strong>de</strong> que esse livro possa ter influenciado DomPedro II se funda no fato - para além do interesse literário - <strong>de</strong> que ele éuma home<strong>na</strong>gem ao consórcio <strong>de</strong> Dom Pedro II com a princesa italia<strong>na</strong>


111Teresa Cristi<strong>na</strong>, conterrânea <strong>de</strong> De Simoni. Antes do prefácio, o autorpublica uma série <strong>de</strong> poemas <strong>de</strong> sua autoria, nos quais aparecemelogiosas menções ao Mo<strong>na</strong>rca. No primeiro poema, intitulado “O votodo anjo da inocência”, De Simoni canta acontecimentos da vida <strong>de</strong> DomPedro II até o matrimônio. Em alguns versos, fica clara a presença <strong>de</strong>elementos da Divi<strong>na</strong> Comédia e transparece a intenção <strong>de</strong> comparar aprincesa Teresa Cristi<strong>na</strong> com Beatriz.Para <strong>de</strong>sig<strong>na</strong>r a consorte escreve:Man<strong>de</strong>i-lhe que a Virtu<strong>de</strong>Buscasse co’a Belezza:Elle as achou conjumctasN’uma gentil Princeza,Tão nobre e virtuosa,Quanto é gentil, formosa. (1843, p. 13)E, também, a intenção <strong>de</strong> vincular a imagem <strong>de</strong> Dom Pedro IIcom Dante:Disse, e no ethereo côroSôou alto concentoDe júbilo ineffavel,Da rosa em cada assento,Aon<strong>de</strong> fulguranteA Beatriz viu Dante. (1843, p. 14)Trata-se claramente <strong>de</strong> uma a<strong>na</strong>logia com a rosa do paraíso.Assim como aconteceu com Dante e Beatriz, também ocorreria com ocasal monárquico. A ce<strong>na</strong> dantesca é assim <strong>de</strong>scrita por BarbaraReynolds:Dante vê milhares e milhares <strong>de</strong> fileiras quecontêm tronos, nos quais estão sentadas asalmas dos abençoados. A estrutura inteira tem a


112forma <strong>de</strong> uma rosa com as pétalas brancas,completamente abertas diante <strong>de</strong>le <strong>na</strong> forma <strong>de</strong>um anfiteatro, sendo os anéis mais próximos tãolargos que ele não consegue imagi<strong>na</strong>r aextensão do que está mais distante. Beatrice oconduz ao centro dourado da rosa [...]. (2011,p. 538).E por Dante é cantada no “Paraíso” no terceto abaixo:qual é colui che tace e dicer vole,mi trasse Beatrice, e disse: “Miraquanto è ‘l convento <strong>de</strong> La bianche stole!(Par., XXX, 126-129)Outro tema tratado no livro, e que também po<strong>de</strong> terinfluenciado Dom Pedro II são as reflexões, que constam no prefácio,sobre o ato <strong>de</strong> traduzir. De Simoni comungava com a tese <strong>de</strong> que atradução <strong>de</strong>veria causar um efeito semelhante ao que o origi<strong>na</strong>l teriacausado nos seus leitores, e que, portanto, a tradução <strong>de</strong>veria, tanto noconteúdo, como <strong>na</strong> forma, manter-se fiel ao origi<strong>na</strong>l. Assim, o tradutorcontrapunha-se à corrente francesa conhecida como belles infidèles, quepropunha a <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lização das traduções, preservando do texto origi<strong>na</strong>lo conteúdo, ou seja, o princípio da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> ao espírito, e não à letra.No trecho abaixo, tem-se uma visão geral do pensamento <strong>de</strong> De Simonisobre tradução:[...] não seguimos rigorosamente o preceito dosque aconselham que se vertam os pensamentosdo autor escrevendo <strong>na</strong> língua em que se vertecomo se se compusesse uma obra nessa mesmalíngua. Este preceito é bom e razoável até certoponto, mas errado se se enten<strong>de</strong>r em um senti<strong>dom</strong>ui lato e absoluto; e em lugar <strong>de</strong> dar aqualquer país a obra <strong>de</strong> outro, não lhe daráafi<strong>na</strong>l senão uma obra <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Para pôr em


113prática este preceito é preciso primeiramentesupor que o tradutor está revestido <strong>de</strong> todas asfaculda<strong>de</strong>s e tensões do autor do origi<strong>na</strong>l, edisposto a fazer <strong>na</strong> sua língua <strong>na</strong>tal o que estefez <strong>na</strong> sua própria. Então sim ele po<strong>de</strong>rá verterbem esse autor, porque ele escreverá, porexemplo, em português como este escreveu emitaliano. (1843, p. VIII-IX)Dom Pedro II escolheu traduzir duas das histórias maisafamadas da Divi<strong>na</strong> Comédia: a história <strong>de</strong> amor <strong>de</strong> Paolo e Francescada Rimini, canto V do “Inferno”, vv. 73-142, e a terrível morte doCon<strong>de</strong> Ugolino e seus filhos, canto XXXIII do “Inferno”, vv. 1-90. Nãoexistem elementos para afirmar as razões que levaram à escolha <strong>de</strong>ssesdois cantos. Um indício, como mostram as opções do próprio DeSimoni, é <strong>de</strong> que essas duas histórias da Divi<strong>na</strong> Comédia estavam entreas mais difundidas, e, por conseguinte, entre as mais apreciadas pelosleitores e estudiosos <strong>de</strong> Dante - particularmente a tragédia <strong>de</strong> Paolo eFrancesca -, e que, <strong>na</strong> Europa e em outras partes do mundo, eram daspassagens que mais seduziam tradutores. 39 Acrescente-se ainda que, noséculo XIX, os artistas e os escritores da Europa e do Brasil estavam soba influência do romantismo, e que esses buscavam inspiração em temasda ida<strong>de</strong> média para expressar seu i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> mundo e <strong>de</strong> vida. 40 Ainda éimportante observar que a Itália vivia nessa época o período conhecidopor Risorgimento, quando se intensificaram os esforços pela unificaçãodo país. Thies Schuty, <strong>na</strong> sua resenha Dante nel Risorgimento, traça umpanorama do mito dantesco no período. Mostra um Dante visto como39 Em Portugal, por exemplo, conforme Daniela Di Pasquale no artigo O mito <strong>de</strong> Francesca daRimini em Portugal, publicado <strong>na</strong> revista Babilônia Nº 8/9, entre 1857 e 1896 foram feitas pelomenos catorze publicações <strong>de</strong> traduções portuguesas do canto V do “Inferno” ou <strong>de</strong> parte <strong>de</strong>le(2010. p. 175)40 Cf. ALENCAR, 1994, p.156.


114fundador da língua e da civilização italia<strong>na</strong> e, também, como profeta <strong>de</strong>uma Itália unida. Dentre os vários exemplos do culto ao mito, relata aformação <strong>de</strong> um grupo, em 1855, que tinha como objetivo “[...] reforçara consciência <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l da população mediante a difusão da obradantesca” (2001, p. 100). 41Se não existem elementos mais concretos para se medir o grau <strong>de</strong>influência da obra <strong>de</strong> De Simoni <strong>na</strong>s traduções <strong>de</strong> Dom Pedro II, certo éque as únicas traduções para o português do Brasil <strong>de</strong>sses dois cantos daDivi<strong>na</strong> Comédia, que, com um alto grau <strong>de</strong> certeza, foram realizadasantes das <strong>de</strong> Dom Pedro II, são as <strong>de</strong> De Simoni. Este dado, secomprovado (para isso é necessário encontrar indícios mais claros dadata em que Dom Pedro II fez essas traduções), transforma Dom PedroII no segundo escritor brasileiro a traduzir esses cantos, e, muitoprovavelmente, o coloca entre os quatro primeiros tradutores da Divi<strong>na</strong>Comédia no Brasil. Ao que se tem <strong>de</strong> registro, conforme o Quadro III -Traduções brasileiras da Divi<strong>na</strong> Comédia, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> De Simoni, aspróximas traduções da Divi<strong>na</strong> Comédia foram as <strong>de</strong> Antônio GonçalvesDias que, em 1844, traduziu fragmentos do canto VI do “Purgatório” eas <strong>de</strong> Padre Carlos Candiani que, em 1868, no seu Ensaios <strong>de</strong> Traduções<strong>de</strong> Poesias italia<strong>na</strong>s <strong>na</strong> Língua dos Brasileiros, fez traduções da Divi<strong>na</strong>Comédia. Sabe-se que, pelo menos a tradução do episódio do Con<strong>de</strong>Ugolino, foi feita por Dom Pedro II em uma data anterior a maio <strong>de</strong>1869.A tradução do “Inferno”, <strong>de</strong> José Pedro Xavier Pinheiro, foipublicada em 1888, e a tradução integral em 1907. A tradução integral41 “[...] rafforzare la coscienza <strong>na</strong>zio<strong>na</strong>le <strong>de</strong>lla popolazione mediante la diffusione <strong>de</strong>ll'operadantesca” (2001, p. 100).


115da Divi<strong>na</strong> Comédia, feita pelo Barão da Vila da Barra, teve publicaçãoem 1888, pela Imprensa Nacio<strong>na</strong>l, mas, há indicativos <strong>de</strong> que tenha sidoescrita <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 1870, conforme assi<strong>na</strong>la Hernâni Do<strong>na</strong>to, noprefácio da sua tradução da Divi<strong>na</strong> Comédia, on<strong>de</strong> também fala datradução <strong>de</strong> Xavier Pinheiro:Traduções <strong>de</strong> alto valor intelectual, mas <strong>de</strong>compreensão difícil <strong>de</strong> A Divi<strong>na</strong> Comédia, parao Português, existem várias. A do Barão <strong>de</strong> Vilada Barra, em versos soltos, <strong>na</strong> linguagemcastiça <strong>de</strong> 1876. A primeira parte do poemafora laboriosamente trabalhada em prosa porMonsenhor Joaquim Pinto <strong>de</strong> Campos, em1886, com edição lisboeta. De 1888 é a versãomais difundida do Inferno em línguaportuguesa. É <strong>de</strong> José Pedro Xavier Pinheiro,que manteve discipli<strong>na</strong>damente a rima e aforma das terzi<strong>na</strong>s. Em 1907, surgiu a traduçãointegral. (1997, p. 20).Ter-se-ia ainda a consi<strong>de</strong>rar a tradução <strong>de</strong> Teófilo Dias, dosversos 92 a 142 do canto V e o canto XXXIII, ambos do “Inferno”, epublicados em 1878. A tradução <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis, publicada nojor<strong>na</strong>l O Globo, em 1874, refere-se ao canto XXV do “Inferno”.Portanto, no espectro <strong>de</strong> autores <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>is, a lista dos que <strong>de</strong> uma formaou <strong>de</strong> outra possam ter influenciado as traduções <strong>de</strong> Dom Pedro II ébastante resumida, mesmo consi<strong>de</strong>rando que o Barão da Vila da Barra,Xavier Pinheiro e Teófilo Dias, tenham iniciado suas traduções antes <strong>de</strong>Dom Pedro II ter concluído a sua e que, <strong>de</strong> alguma forma, o Mo<strong>na</strong>rcatenha tido acesso a elas.Se não se tem dados suficientes para fazer-se tal afirmativa, sejapor falta <strong>de</strong> dados precisos das datas em que essas traduções foramfeitas, seja pela ausência, até aqui, <strong>de</strong> provas documentais ou mesmo <strong>de</strong>


116testemunhos <strong>de</strong> outros, em cartas, diários ou qualquer tipo <strong>de</strong> registropossível à época – essas informações po<strong>de</strong>m existir. Ainda há muito aser pesquisado sobre a vida <strong>de</strong> Dom Pedro II. Po<strong>de</strong>mos, porém, buscarindícios <strong>de</strong> possíveis influências comparando essas traduções.Quando se compara a tradução <strong>de</strong> Dom Pedro II com a <strong>de</strong>Xavier Pinheiro - ambas construídas em tercetos enca<strong>de</strong>ados - sãoobservadas pouquíssimas semelhanças, para não dizer nenhuma. Pareceque nenhum dos dois teve conhecimento prévio da obra do outro, e, setiveram, não foi um contato importante, pois, não resultara eminfluências significativas. O único terceto em que se observa algumaproximida<strong>de</strong> é no que inicia no verso 136:vv Dante Dom Pedro II Xavier Pinheiro136 la bocca mi basciòtutto tremante.137 Galeotto fu 'l libro echi lo scrisse:138 quel giorno più nonvi leggemmo avanteA bocca me beijoutodo anhelanteGaleoto era o livroe seu autorN’esse dia nãolemos para adianteA boca me beijoutodo tremanteDe Galeotto fez oautor e o escritoEm ler não fomosnesse dia avanteQuadro IV - Análise Comparativa: Dom Pedro II x PinheiroNo verso 136, a única diferença é o uso <strong>de</strong> “anhelante”, porparte <strong>de</strong> Dom Pedro II, enquanto Xavier Pinheiro usa “tremante”, umaopção que <strong>de</strong>ixou o verso <strong>de</strong> Xavier Pinheiro mais próximo do origi<strong>na</strong>l:“la bocca mi basciò tutto tremante”. Também há semelhança <strong>de</strong> forma econteúdo no verso 138.O mesmo se observa <strong>na</strong> comparação da tradução <strong>de</strong> Dom PedroII com a do Barão da Vila da Barra. A tradução do Barão, homem


117próximo ao Imperador é, possivelmente, a única que, além da <strong>de</strong> DeSimoni, po<strong>de</strong>ria ter sido escrita antes, ou mesmo contemporaneamente a<strong>de</strong> Dom Pedro II. Além <strong>de</strong> tê-la feito em versos soltos, 42 enquanto oImperador a fez em versos enca<strong>de</strong>ados, 43 não se encontram entre as duastraduções elementos que indiquem influência <strong>de</strong> uma sobre a outra. Pelarelação que estes dois perso<strong>na</strong>gens da história brasileira tiveram, era <strong>de</strong>se esperar o contrário. Po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar alguma semelhança em unspoucos versos:vvDanteDom Pedro II –Manuscrito<strong>de</strong>finitivo 44Fallarei a esses dousque juntos vão,Mais proximo <strong>de</strong> nós,e então lhes pe<strong>de</strong>Vin<strong>de</strong> fallar-nos, seninguém o impe<strong>de</strong>.Barão da Vila daBarra74parlerei a quei dueFallar a esses dois,che 'nsieme vannoque juntos seguem,77più presso a noi; eMaís <strong>de</strong> próximo atu allor li prieganós; e então os roga81venite a noi parlar,Fallar-nos vin<strong>de</strong>, sis'altri nol niega!ninguém o véda.Quadro V – Análise Comparativa: Dom Pedro II x Barão da Vila da Barra42 Verso solto é um verso branco que obe<strong>de</strong>ce à métrica, sem rima, porém, inserido entre versosrimados. (dicionário Houaiss online).43 Enca<strong>de</strong>amento é o recurso <strong>de</strong> fazer aparecer a rima <strong>de</strong> uma estrofe <strong>na</strong> estrofe seguinte(dicionário Houaiss online).44 Para De Biasi o Manuscrito Definitivo “É o último estado autógrafo do prototexto [...]”(2010, p. 60)


118Já, quando se compara a tradução <strong>de</strong> Dom Pedro II com a <strong>de</strong> DeSimoni as semelhanças latejam, como se po<strong>de</strong> observar nos versosabaixo:vv DanteDom Pedro II –Manuscrito De Simoni<strong>de</strong>finitivo78 mossi la voce: Oanime affan<strong>na</strong>te,Desprendo a voz: ohalmas afa<strong>na</strong>das,Eu solto a voz: O’almas magoadas,79 venite a noi parlar,s'altri nol niega!Vin<strong>de</strong> fallar-nos, seninguém o impe<strong>de</strong>.Vin<strong>de</strong> fallar-nos seninguém o nega93 poi c'hai pietà <strong>de</strong>lnostro malPois que tens dó donosso mal perversoPois tu tens dôr donosso mal perversoperverso.94 Di quel che udire eche parlar vi piace,De tudo que fallar eouvir te aprazDe tudo quantoouvir falar voz praz103 Amor, ch'a nulloamato amarAmor, que nunca aoamado amar perdôa,Amor, que amar aamados não perdoa,perdo<strong>na</strong>,105 che, come vedi,ancor nonQue, como vês, aindame agrilhôa.Que, como vês, indacomigo voa.m'abbando<strong>na</strong>109 Quand'io intesiquell'animeLogo que ouvi asalmas doloridas,Logo que ouvi taesalmas offendidas,offense,122 che ricordarsi <strong>de</strong>ltempo feliceQue lembrar-se dotempo tão felizDo que o lembrar-sedo tempo feliz124 dirò come colui chepiange e dice.Farei como qualquerque chora e diz:Eu fallarei comoquem chora e diz.133 Quando leggemmoil disïato risoQuando lemos que oriso <strong>de</strong>sejadoQuando lêmos que oriso <strong>de</strong>sejado,135 questi, che mai dame non fia diviso,Quem nunca sahirád’este meu ladoEste, que nunca<strong>de</strong>ixará meu lado,136 la bocca mi basciòtutto tremante.A bocca me beijoutodo anhelante.Beijou-me a bocatodo tremulante:138 quel giorno più nonvi leggemmoN’esse dia não lemospara adiante.Nesse dia hi nãolemos mais adiante.avanteQuadro VI – Análise Comparativa: Dom Pedro II x De Simoni


119Nos treze versos acima, é nítida a influência, tanto <strong>na</strong> formacomo no conteúdo, dos tradutores entre si, possivelmente <strong>de</strong> De Simonisobre Dom Pedro II, que por vezes parece estar passando a limpo o textodo tradutor italiano. O verso 133 é exatamente igual. Nos <strong>de</strong>mais, algunspossuem peque<strong>na</strong>s alterações, mas que não escon<strong>de</strong>m a similarida<strong>de</strong>. Noverso 93, De Simoni usa “dor” e Dom Pedro II “dó”. No verso 94, oprimeiro usa “praz” e o segundo “apraz” e há pequenos <strong>de</strong>slocamentos<strong>na</strong> or<strong>de</strong>m das palavras. No verso 138, Dom Pedro II troca o “mais”,usado por Simoni, por “para”, etc.É interessante notar que, em alguns versos, a semelhança se dámais com as versões anteriores do <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> <strong>de</strong> Dom Pedro II, doque com o texto fi<strong>na</strong>l. Por exemplo:vvDanteDom Pedro II -3º versãoDom Pedro II– Manuscrito<strong>de</strong>finitivoDe Simoni80Mossi lavoce: Oanimeaffan<strong>na</strong>te,Solto a voz elhes digo: ohalmas afa<strong>na</strong>dasDesprendo avoz: oh almasafa<strong>na</strong>das,Eu solto a voz:O’ almasmagoadas,82116Qualicolombe daldisiochiamateFrancesca, ituoi martìriQuaes pombas<strong>de</strong> sauda<strong>de</strong>magoadasFrancisca, osteus tormentoslastimososLevespombas, dasauda<strong>de</strong>magoadas,Francisca, osteus martyrioslastimososQuaes do<strong>de</strong>sejo pombasconvidadas,Assim fallei:Francisca, aosteus tormentos.Quadro VII – Análise Comparativa: 3º Versão <strong>de</strong> Dom Pedro II x manuscrito<strong>de</strong>finitivo x De SimoniNo verso 80, De Simoni usa o verbo “solto”, esta era a opção <strong>de</strong>Dom Pedro II até a versão anterior ao manuscrito <strong>de</strong>finitivo, on<strong>de</strong> opta


120pelo verbo “<strong>de</strong>sprendo” e cancela a expressão “e lhes digo”, o que <strong>de</strong>ixaa estrutura do verso mais próxima da De Simoni.No verso 82, Dom Pedro II migra <strong>de</strong> “quaes”, mesma palavrausada por De Simoni, para “leves” e, no verso 116, cujas estruturas nãosão tão próximas como <strong>na</strong>s outras duas anteriormente a<strong>na</strong>lisadas, DomPedro II inicia usando a palavra “martírio”, como no origi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Dante,<strong>de</strong>pois troca para “tormento”, mesmo termo usado por De Simoni e, aofi<strong>na</strong>l, volta à opção primeira.Parece que Dom Pedro II, antes <strong>de</strong> escrever o manuscrito<strong>de</strong>finitivo, revisitou a tradução <strong>de</strong> De Simoni e fez ajustes <strong>na</strong> sua com oobjetivo <strong>de</strong> elimi<strong>na</strong>r termos muito coinci<strong>de</strong>ntes, ou mesmo, que a partirda De Simoni, foi trabalhando. Deste modo, o Mo<strong>na</strong>rca ao cotejar o seutexto com o <strong>de</strong> De Simoni, teve a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer distinções emrelação a este e, ainda, melhorar a sua própria tradução.Essas semelhanças não necessariamente são indicativas <strong>de</strong> que atradução <strong>de</strong> De Simoni tenha condicio<strong>na</strong>do a tradução <strong>de</strong> Dom Pedro II.Possivelmente, o que po<strong>de</strong> ter sucedido, como sugere o estado dosmanuscritos que foram origi<strong>na</strong>dos no primeiro jorro <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, é queDom Pedro II conhecia bem a tradução <strong>de</strong> De Simoni, tendo-a li<strong>dom</strong>uitas vezes. Talvez esta tenha sido a primeira versão para o portuguêsque conheceu. Como, também, conhecia muito bem e já havia li<strong>dom</strong>uitas vezes o origi<strong>na</strong>l do canto V do “Inferno” - lembre-se que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>cedo, Pedro <strong>de</strong> Alcântara <strong>dom</strong>i<strong>na</strong>va a língua italia<strong>na</strong> – e esseconhecimento resultou numa primeira versão já muito próxima <strong>dom</strong>anuscrito <strong>de</strong>finitivo. Portanto, tem-se uma situação através da qual se


121caracteriza um <strong>processo</strong> <strong>de</strong> influência e não <strong>de</strong> condicio<strong>na</strong>mento <strong>de</strong> umescritor sobre o outro.Em boa parte dos versos, Dom Pedro II fez uma construçãobastante distinta da <strong>de</strong> De Simoni <strong>na</strong> forma, e em alguns casos até comdistinção <strong>de</strong> sentido. Nos dois primeiros tercetos do episódio <strong>de</strong>Francesca da Rimini, por exemplo, po<strong>de</strong>-se observar a diferença daconstrução dos versos no que diz respeito à forma.vvDante73 I' cominciai: Poeta,volontieriparlerei a quei dueche 'nsieme vanno,e paion sì al ventoesser leggeri.76 Ed elli a me:Vedrai quandosarannopiù presso a noi; etu allor li priegaper quello amor chei me<strong>na</strong>, ed eiverranno»Dom Pedro II –Manuscrito<strong>de</strong>finitivoE comecei: poeta,boa menteFallarei a essesdous que juntosvão,Qual a mercê dovento, velozmente.E elle a mim: osverás n’outraoccasiãoMais proximo <strong>de</strong>nós, e então lhespe<strong>de</strong>Pelo amor que osconduz, e ellesvirão.Quadro VIII – Análise Comparativa: Dom Pedro II x De SimoniDe SimoniE disse: Vate, aosdous, quecompanheirosAndando vão, fallarum pouco almejo,Aos que ao ventoparecem tão ligeiros.E elle tornou-me:espera pelo ensejoDe os termos perto, epelo amor que os pegaSupplica-os, e farão oteu <strong>de</strong>sejo.


122Destarte, a primeira versão da tradução <strong>de</strong> Dom Pedro II, emespecial, po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada resultado da síntese do profundoconhecimento que ele possuía do origi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Dante e, provavelmente, datradução <strong>de</strong> De Simoni.Outros elementos distintivos da tradução <strong>de</strong> Dom Pedro IIpo<strong>de</strong>m ser elencados.No verso 125, Dom Pedro II faz uma construção <strong>de</strong> sentindobem singular em relação à versão <strong>de</strong> De Simoni, e mesmo das versõesdo Barão da Vila da Barra e da <strong>de</strong> Xavier Pinheiro e, até, do textoorigi<strong>na</strong>l.vv125DanteDel nostroamor tuhai cotantoaffetto,DomPedro II –Manuscrito<strong>de</strong>finitivoDo nossoamor, te écausa <strong>de</strong>prazer,De SimoniDo nossoamor setanto estásar<strong>de</strong>ndo,Barão daVila daBarraMas poistão vivoempenhote estimulaXavierPinheiroMasporque <strong>de</strong>saber és<strong>de</strong>sejoso,Quadro IX – Análise Comparativa: Dom Pedro II x De Simoni x Barão da Vilada Barra x PinheiroAliás, <strong>na</strong> versão do Barão da Vila da Barra e <strong>de</strong> XavierPinheiro, pouco se encontra <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> com Dom Pedro II, emesmo, com De Simoni. Nem quando Dom Pedro II e De Simoni fazemtraduções muito vizinhas, como no Quadro X:


vv109DanteQuand'iointesiquell'animeoffense,DomPedro II –Manuscrito<strong>de</strong>finitivoLogo queouvi asalmasdoloridas,De SimoniLogo queouvi taesalmasoffendidas,Barão daVila daBarraTendoescutadoestasplangentesalmas,123XavierPinheiroDaquelasalmas asangústiasferasQuadro X – Análise Comparativa: Dom Pedro II x De Simoni x Barão da Vilada Barra x PinheiroE nem quando fazem traduções mais distantes, como no caso doverso 125 (quadro XI) ou no verso 112 do quadro abaixo:vv112DanteQuandorispuosi,cominciai:Oh lasso,Dom Pedro II– Manuscrito<strong>de</strong>finitivoRespon<strong>de</strong>ndoexclamei:Bem triste,sim!De SimoniAi, quelembrança!a respon<strong>de</strong>reu passo,Barão daVila daBarraMalpeccado!Exclamei,quantosalmejos,XavierPinheiroQuandopu<strong>de</strong>,falei:“Cruel<strong>de</strong>stino!Quadro XI – Análise Comparativa: Dom Pedro II x De Simoni x Barão da Vilada Barra x PinheiroExcepcio<strong>na</strong>lmente, no verso 136, encontra-se certa proximida<strong>de</strong>entre as versões <strong>de</strong> Dom Pedro II, De Simoni e Xavier Pinheiro no qual,basicamente, a única palavra diferente é o adjetivo. Em relação àtradução do Barão, nem mesmo nesse verso, encontram-se semelhanças.


vv136Dantela boccami basciòtuttotremante.DomPedro II –Manuscrito<strong>de</strong>finitivoA boccame beijoutodoanhelante.De SimoniBeijou-mea boca todotremulante:Barão daVila daBarraTodotremulo aboca entãobeijou-me124XavierPinheiroA boca mebeijou todotremante,Quadro XII – Análise Comparativa: Dom Pedro II x De Simoni x Barão da Vilada Barra x Pinheiro


1254 O PROCESSO CRIATIVO EM DOM PEDRO II – A ANÁLISEGENÉTICA DOS MANUSCRITOS TRADUTÓRIOSApós formar-se o dossiê <strong>de</strong> manuscritos, os documentosdigitalizados e adquiridos junto ao Museu Imperial foram organizadosem um banco <strong>de</strong> dados eletrônico. Na sequência, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificadose após ter-se checado sua autenticida<strong>de</strong>, os fólios foram classificados enumerados, obe<strong>de</strong>cendo à or<strong>de</strong>m cronológica <strong>de</strong> sua produção.Proce<strong>de</strong>u-se, então, à transcrição dos mesmos 45 , organizando-se, assim,o prototexto da tradução do canto V, ou seja, os antece<strong>de</strong>ntes do textoconsi<strong>de</strong>rado como fi<strong>na</strong>l.Optou-se por uma transcrição diplomática por ser esta a quemais respeita a topografia dos significantes gráficos no espaço <strong>dom</strong>anuscrito, reproduzindo o documento com a mesma disposição dotexto encontrada no origi<strong>na</strong>l (BIASI, 2010, p. 85).4.1 TRANSCRIÇÃO DIPLOMÁTICA DAS TRADUÇÕES DOCANTO VEntre as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> transcrição – diplomática,semidiplomática e linear - optou-se pela transcrição diplomática. Atranscrição linear faz a reprodução datilográfica <strong>de</strong> todos os elementosdo origi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> um manuscrito sem respeitar a topografia da pági<strong>na</strong>. Atranscrição semidiplomática faz a reprodução datilográfica <strong>dom</strong>anuscrito como está no origi<strong>na</strong>l, mas, <strong>de</strong>senvolvendo abreviações e45 A transcrição diplomática dos manuscritos foi realiza pelo autor <strong>de</strong>sta dissertação


126rasuras. Já a transcrição diplomática, como já dito, reproduz odocumento com a mesma disposição do texto encontrada no origi<strong>na</strong>l.Para não ocupar muito espaço do corpo <strong>de</strong>sta dissertação, atranscrição diplomática dos fólios do canto V do “Inferno” da Divi<strong>na</strong>Comédia, constará dos apêndices. Neste espaço está disponibilizado o“Quadro Diacrônico da Transcrição do Episódio <strong>de</strong> Francesca daRimini”. Este permite a visualização da evolução do <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong><strong>de</strong> Pedro <strong>de</strong> Alcântara.O quadro diacrônico das transcrições foi organizado em or<strong>de</strong>mcronológica crescente. Partiu-se do que se consi<strong>de</strong>rou ser a primeiratentativa <strong>de</strong> tradução <strong>de</strong> Dom Pedro II, ou seja, a versão 1, chegando-seaté o texto publicado em 1932. Na última colu<strong>na</strong> consta o texto origi<strong>na</strong>l,escrito por Dante Alighieri no século XIV. Entre a versão 1 e o textopublicado estão mais três versões: a versão 2, a versão 3 e o manuscritoconsi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong>finitivo. Como não existem datas nos manuscritos, ocritério utilizado para estabelecer a sequência das versões foi a presençaou ausência <strong>de</strong> rasuras, <strong>de</strong> uma a outra, observando-se a coerência <strong>na</strong>construção do texto.


127vv Versão 1 (18) Versão 2 (17) Versão 3 (16)737679ManuscritoDefinitivo (19)Texto <strong>de</strong>Chegada(1932)E comecei:poeta, boamenteFallarei a essesdous que juntosvão,Qual a mercê dovento,velozmente.E elle a mim: osverás n’outraoccasiãoMais proximo<strong>de</strong> nós, e entãolhes pe<strong>de</strong>Pelo amor queos conduz, eelles virão.Logo que ovento a nossolado os ce<strong>de</strong>,Desprendo avoz: oh almasafa<strong>na</strong>das,Vin<strong>de</strong> fallarnos,ninguém oTexto <strong>de</strong>PartidaI' cominciai:Poeta,volontieriparlerei a queidue che'nsiemevanno,e paion sì alvento esserleggeri.Ed elli a me:Vedraiquandosarannopiù presso anoi; e tu allorli priegaper quelloamor che ime<strong>na</strong>, ed eiverranno»Sì tosto comeil vento a noili piega,mossi la voce:«O animeaffan<strong>na</strong>te,venite a noiparlar, s'altri


828588impe<strong>de</strong>.Leves pombas,da sauda<strong>de</strong>magoadas,Com pandasfirmes azas vempelo arAo doce ninho,do quererlevados;Taes o bando <strong>de</strong>Dido ei-las<strong>de</strong>ixar,Para nós vindopelo ar maligno;Tanto a voz daaffeição pou<strong>de</strong>gritar.Graciosovivente, quebenignoA nós, porquem já sanguefoi disperso,Vens visitarpelo ar negro emofino,128nol niega!»Qualicolombe daldisiochiamatecon l'alialzate e fermeal dolce nidovegnon perl'aere, dalvoler portate;cotali uscir <strong>de</strong>la schiera ov'èDido,a noivenendo perl'aeremaligno,sì forte ful'affettüosogrido.«O animalgrazïoso ebenignoche visitandovai per l'aereperso90 noi chetignemmo ilmondo disanguigno,


919497Se amigo fosseo Rei doUniverso,Nossas precesterias por tuapaz;Pois que tens dódo nosso malperverso.De tudo quefallar e ouvir teaprazServir-nos efallar-nos temcabidaEnquanto ovento, comoagora, jaz.Está a terraaon<strong>de</strong> entrei <strong>na</strong>vidaSobre a marinhaaon<strong>de</strong> o Pó selança,Pr’a com ossequazes<strong>de</strong>scançar dalida.129se fosseamico il re <strong>de</strong>l'universo,noipregheremmolui <strong>de</strong> la tuapace,poi c'hai pietà<strong>de</strong>l nostro malperverso.Di quel cheudire e cheparlar vipiace,noi udiremo eparleremo avoi,mentre che 'lvento, comefa, ci tace.Sie<strong>de</strong> la terradove <strong>na</strong>ta fuisu la mari<strong>na</strong>dove 'l Podiscen<strong>de</strong>per aver paceco' seguacisui.


100103106Amor, que a umpeito nobre logoalcança,Pren<strong>de</strong>u-o dabellissimapessoa,Roubada a mim,e o modo éatrozlembrança.Amor, quenunca ao amadoamar pedôa,Ligou-me a estecom prazer tãoforteQue, como vês,ainda meagrilhôa.Amor nosarrastou á cruelmorte:Caí<strong>na</strong> queextinguiu asnossas vidas.E ambas nosfallarão <strong>de</strong> talsorte. Foi o queela disse ecalou-se.130Amor, ch'alcor gentilrattos'appren<strong>de</strong>,prese costui<strong>de</strong> la bellaperso<strong>na</strong>che mi futolta; e 'lmodo ancorm'offen<strong>de</strong>.Amor, ch'anullo amatoamar perdo<strong>na</strong>,mi prese <strong>de</strong>lcostui piacersì forte,che, comevedi, ancornonm'abbando<strong>na</strong>.Amorcondusse noiad u<strong>na</strong> morte:Cai<strong>na</strong> atten<strong>de</strong>chi a vita cispense».Queste paroleda lor ci fuorporte.


109112115Logo que ouvias almasdoloridas,Baixei o rosto econservei-oassim,Té que o poetame disse: Emque tu lidas?Respon<strong>de</strong>ndoexclamei: Bemtriste, sim!Que docespensamentos,que <strong>de</strong>sejoOs conduziu aodoloroso fim!Volto-me entãoe fallo n’esteensejo:Francisca, osteus martyrioslastimososDe choral-ospiedoso não mepejo;131Quand'iointesiquell'animeoffense,chi<strong>na</strong>' il visoe tanto iltenni basso,fin che 'lpoeta midisse: «Chepense?»Quandorispuosi,cominciai:«Oh lasso,quanti dolcipensier,quanto disiomenò costoroal dolorosopasso!»Poi mi rivolsia loro e parla'io, ecominciai:«Francesca, ituoi martìria lagrimar mifanno tristo epio.


118121124Mas, quandohouve ossuspiros<strong>de</strong>liciosos,Porque e comopermittiu amorQue os <strong>de</strong>sejossentissesduvidosos?E ella a mim:nenhuma maiordôr,Que lembrar-sedo tempo tãofelizNa <strong>de</strong>sgraça, ebem o sabe oteu doutor.Porém, seconhecer bem araizDo nosso amor,te é causa <strong>de</strong>prazer,Farei comoqualquer quechora e diz:132Ma dimmi: altempo d'idolci sospiri,a che e comeconce<strong>de</strong>tteamorecheconosceste idubbiosidisiri?»E quella ame: «Nessunmaggiordoloreche ricordarsi<strong>de</strong>l tempofelicene la miseria;e ciò sa 'l tuodottore.Ma s'aconoscer laprima radice<strong>de</strong>l nostroamor tu haicotantoaffetto,dirò comecolui chepiange e dice.


127130133Lendo um dia<strong>na</strong>s horas <strong>de</strong>lazerA Lancelotocomo o amorren<strong>de</strong>u,Stavamos sós,sem <strong>na</strong>da quetemer.A leitura porvezes nosergueuOs olhares e orosto <strong>de</strong>scorado;Porem só umponto foi quenos venceu,Quando lemosque o riso<strong>de</strong>sejadoSentia o beijo<strong>de</strong> tão finoamante,Quem nuncasahirá d’estemeu lado133Noileggiavamoun giorno perdilettodi Lancialottocome amor lostrinse:soli eravamoe sanza alcunsospetto.Per più fïate liocchi cisospinsequella lettura,e scolorocci ilviso;ma solo unpunto fu quelche ci vinse.Quandoleggemmo ildisïato risoesser basciatoda cotantoamante,questi, chemai da menon fiadiviso,


136139142Quadro XIII - Quadro Diacrônico da Transcrição do canto VA outrara chorae tanto o dó meattrae,Galeoto era olivro e seuautor;N’esse dia nãolemos paraadiante.Enquanto essaalma conta oseu labor,A outra chora etanto o dó meattrae,Que <strong>de</strong>smaiei,da morte sob acôr,E cahiu comocorpo mortocae.134la bocca mibasciò tuttotremante.Galeotto fu 'llibro e chi loscrisse:quel giornopiù non vileggemmoavante».Mentre chel'uno spirtoquesto disse,l'altropiangëa; sìche di pieta<strong>de</strong>io venni mencosì com'iomorisse.E caddi comecorpo mortoca<strong>de</strong>.


1354.2 VISÃO DIACRÔNICA DO PROCESSO CRIATIVO - ASCAMPANHAS DE CRIAÇÃOA<strong>na</strong>lisando-se o “Quadro Diacrônico da Transcrição do cantoV”, é possível, cronologicamente, distinguir, no percurso do <strong>processo</strong><strong>criativo</strong> <strong>de</strong> Dom Pedro II, quatro campanhas <strong>de</strong> criação que,sinteticamente, po<strong>de</strong>m assim ser <strong>de</strong>scritas:I. Primeira campanha <strong>de</strong> tradução – um intenso jorro <strong>de</strong> i<strong>de</strong>iasproduz a primeira versão.Como Dom Pedro II já possuía, em função <strong>de</strong> sua cultura,razoável compreensão do texto e do sentido do canto V do “Inferno” <strong>de</strong>Dante a ser traduzido, supõe-se que iniciou subitamente a campanha <strong>de</strong>tradução. O conhecimento prévio do fio condutor da <strong>na</strong>rrativa do cantofaz da campanha um momento intenso, quase agressivo, quando DomPedro II constrói a tradução pensando mais verso a verso, ou mesmo,terceto a terceto, do que palavra a palavra, em um enca<strong>de</strong>amentoestratégico quase linear, que parte do início do texto e vai até o seu fi<strong>na</strong>l,sem voltas, sem importantes titubeares <strong>de</strong> sentido, mas com algumashesitações. Estas são mais <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m estética, guardandocorrespondência com a métrica e a rima, do que com o sentido.Algumas vezes Dom Pedro II risca os textos escritos e osreescreve praticamente da mesma forma, como no trecho a seguir:


136#1 46Não há um padrão <strong>na</strong>s rasuras. Usa riscos que cancelam frases,expressões ou palavras. Os riscos po<strong>de</strong>m ser mais leves e abertos,permitindo a transcrição do texto cancelado:#1Ou ainda, os riscos po<strong>de</strong>m ser fechados, impedindo atranscrição do que foi cancelado. Incluem-se nesta categoria as rasurascirculares, que igualmente impe<strong>de</strong>m a transcrição e passam a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>que Dom Pedro II quisesse cancelar letra a letra e esquecer o queescreveu:46 O símbolo “#” correspon<strong>de</strong> à “versão”.


137#1Usa poucos símbolos indicativos <strong>de</strong> mudanças e acréscimos.Um dos raros casos é o circunflexo abaixo para indicar o acréscimo dacontração pelo:#1Às vezes faz contínuos cancelamentos do mesmo verso oupalavra:#1


138A intensida<strong>de</strong> das rasuras, dos cancelamentos e dos riscos po<strong>de</strong>confundir o a<strong>na</strong>lista e induzi-lo à i<strong>de</strong>ia da existência <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s noprocessamento da tradução. No entanto, a exiguida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hesitações, <strong>de</strong><strong>de</strong>staques <strong>de</strong> palavras e <strong>de</strong> anotações – que se existissem indicariamproblemas <strong>de</strong> compreensão, síntese ou dúvidas <strong>de</strong> significado <strong>de</strong>conteúdo -, mostra que, já <strong>na</strong> primeira versão, Dom Pedro II tinha osentido geral da tradução <strong>na</strong> mente, com seus tercetos e com seus versos.Se ela não estava completamente resolvida estava razoavelmentesedimentada. Os contínuos cancelamentos <strong>de</strong> um mesmo verso ou <strong>de</strong>uma mesma palavra é uma testagem que ape<strong>na</strong>s revela a espiralida<strong>de</strong> do<strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> e que este nunca é linear.Outro indicativo <strong>de</strong>sta hipótese são as pouquíssimas rasurasexistentes <strong>na</strong>s <strong>de</strong>mais três versões que antece<strong>de</strong>m o texto impresso,como veremos mais adiante.Portanto, parece razoável supor que, <strong>na</strong> mente <strong>de</strong> Dom Pedro II,a compreensão do texto já tinha se dado e, por conseguinte, umaprimeira tradução do conjunto do canto já se encontrava <strong>de</strong>senhada. Oque indica que o Mo<strong>na</strong>rca escrevesse já com i<strong>de</strong>ia pré-estabelecida datradução, por conhecer muito bem o texto origi<strong>na</strong>l e outras traduçõespara o português do canto V, pois ele era um gran<strong>de</strong> leitor. Outrasuposição que parece pertinente é <strong>de</strong> que esta primeira campanha foicontínua, ininterrupta e, possivelmente, breve. Concorrem para isso,além da já <strong>de</strong>scrita intensida<strong>de</strong> do jorro e das rasuras, também o fato <strong>de</strong>tê-la realizado em ape<strong>na</strong>s dois fólios, espacialmente utilizados em quasesua totalida<strong>de</strong>, numa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem não estava preocupado com aestética do manuscrito em si, mas, num momento em que o importanteera registrar a totalida<strong>de</strong> das i<strong>de</strong>ais que lhes estavam à mente. Além


139disso, é razoável presumir que neste momento ele não tenha feitoparadas para recorrer ao uso do dicionário.Figura 4. Manuscrito <strong>de</strong> Dom Pedro II, referente à versão 1, fólio 2.II.Segunda campanha <strong>de</strong> tradução – organização do primeiro jorro<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias.Na segunda campanha <strong>de</strong> tradução, Dom Pedro II buscaorganizar o primeiro jorro <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias. Ele si<strong>na</strong>liza as dúvidas que restampara enfrentar. Uma diferença entre a primeira campanha <strong>de</strong> tradução e asegunda consiste no maior cuidado no enfrentamento das dúvidas. Naprimeira campanha, o Mo<strong>na</strong>rca arriscou traduções para quase todos os


140versos. Os cancelamentos e escolhas pareciam <strong>de</strong>finitivos. Entretanto,<strong>na</strong> segunda campanha <strong>de</strong> tradução, as opções, aparentemente <strong>de</strong>finitivas,serão solucio<strong>na</strong>das a posteriori. No verso 80, do terceto abaixo, porexemplo, a aparente opção por “Solto a voz e lhes digo: oh almasafa<strong>na</strong>das”, não se confirmará no manuscrito <strong>de</strong>finitivo:#2Nesse momento, a aproximação com o texto <strong>de</strong> partida e apreocupação com o estilo, métrica e forma <strong>de</strong> cada verso são o pano <strong>de</strong>fundo e parecem orientar as <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>cisões. Para o verso 123, porexemplo, busca melhorá-lo testando a introdução do adjetivo penoso, oque, como no exemplo anterior, não se confirmará no manuscrito<strong>de</strong>finitivo:#2O uso <strong>de</strong> dicionário po<strong>de</strong> ter ocorrido no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>sta segundacampanha, entretanto, observa-se que em nenhum momento Dom PedroII si<strong>na</strong>lizou as palavras indicando a existência <strong>de</strong> dúvidas quanto aosentido.


141III.Terceira campanha <strong>de</strong> tradução – resolvendo as dúvidas para aterceira versão.A terceira campanha <strong>de</strong> tradução é <strong>de</strong>dicada à solução dasdúvidas si<strong>na</strong>lizadas <strong>na</strong> segunda versão. No verso 80, por exemplo, haviasi<strong>na</strong>lizado acima <strong>de</strong>ste, construído <strong>na</strong> primeira versão, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>opção pelo verbo soltar e pela inclusão da frase “e lhes digo” e, <strong>de</strong> fato,as usa <strong>na</strong> terceira versão:Versão 2 Versão 3Mas, esta opção ainda não será <strong>de</strong>finitiva.Observa-se também que <strong>na</strong> terceira versão quase não existemmais rasuras:136vv Versão 3139142


142IV. Quarta campanha – as <strong>de</strong>cisões que conformaram o manuscrito<strong>de</strong>finitivo.Na quarta campanha, Dom Pedro II resolve as dúvidas <strong>de</strong>significado das palavras, <strong>de</strong> termos e faz os ajustes estéticos queconsi<strong>de</strong>ra necessários. Em relação à versão anterior, são operadasmudanças em ape<strong>na</strong>s cinco versos: 76, 82, 95, 122 e 123. Foi omomento em que promoveu o ajuste fino do texto:vv Versão 3 Manuscrito Definitivo768294121Como Dom Pedro II, em princípio, não traduziu com a intenção<strong>de</strong> publicar, o manuscrito <strong>de</strong>finitivo, fruto da quarta campanha, po<strong>de</strong>adquirir, por vezes, o status <strong>de</strong> texto fi<strong>na</strong>l. Em algumas ocasiões, nestapesquisa, a quarta versão foi utilizada com a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> texto fi<strong>na</strong>l, emfunção <strong>de</strong> diferenças com o texto impresso <strong>de</strong> 1932, como se verá aseguir.


143V. Texto Fi<strong>na</strong>l – o impresso <strong>de</strong> 1932.Como já mencio<strong>na</strong>do anteriormente, a primeira publicação dastraduções <strong>de</strong> Dom Pedro II foi feita pelos seus netos, em 1889, numlivro <strong>de</strong> poesias e traduções do Imperador. Porém, como não foi possívelo acesso à publicação <strong>de</strong> 1889, para efeitos <strong>de</strong>ste trabalho, o textoconsi<strong>de</strong>rado como fi<strong>na</strong>l é a edição <strong>de</strong> 1932, publicada por Me<strong>de</strong>iros eAlbuquerque. No início do prefácio <strong>de</strong>ssa edição, Me<strong>de</strong>iros, referindo-seà edição <strong>de</strong> 1889 e a sua própria, diz:Hoje, essa edição é raríssima. Há, porém, entreoutros, um exemplar no Instituto Histórico eoutro <strong>na</strong> Biblioteca Nacio<strong>na</strong>l. Eu tive em mãosum, que pertence a D. Julia Lopes <strong>de</strong> Almeida.Havia outro <strong>na</strong> biblioteca <strong>de</strong> Joaquim Nabuco.Foi <strong>de</strong>ste, vendido ao Governo e que se acha <strong>na</strong>Biblioteca do Itamaraty, que eu fiz copiar aspoesias, encontradas neste volume. Assim,quem tiver qualquer duvida sobre a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>da copia pó<strong>de</strong> verificar o fato (1932, p.5).A edição <strong>de</strong> 1932 possui quatro diferenças em relação aomanuscrito <strong>de</strong>finitivo, a saber:i. No verso 87 há um erro que parece ser um problema <strong>de</strong>impressão:vv Manuscrito Definitivo Texto Impresso (1932)87 Tanto a voz daaffeição pô<strong>de</strong> gritar.Tanto a voz da affeição pou<strong>de</strong>gritar.


144<strong>ii</strong>. No manuscrito <strong>de</strong>finitivo, no verso 95, Dom Pedro IIusa o pronome vos, aliás, em todas as versões. No textopublicado é usado o pronome nos:vv Manuscrito Definitivo Texto Impresso <strong>de</strong> 193294 De tudo que fallar e ouvir te aprazServir-nos e fallar-nos tem cabidaEnquanto o vento, como agora, jaz.<strong>ii</strong>i. No texto publicado em 1932, há uma troca <strong>de</strong> versos: o136 é suprimido e trocado pelo verso 140 que aparecerá duasvezes - no seu próprio lugar e substituindo o verso 136. Aindanesse verso a palavra “outra” é publicada como “outrara”:vv Manuscrito Definitivo Texto Impresso <strong>de</strong> 1932136 A outrara chora e tanto o dó me attrae,Galeoto era o livro e seu autor;N’esse dia não lemos para adiante.iv. No verso 142 do texto impresso, o verbo cair é posto<strong>na</strong> terceira pessoa, enquanto que em todas as versões dosmanuscritos, inclusive no <strong>de</strong>finitivo, o verbo está <strong>na</strong> primeirapessoa:


145vv Manuscrito Definitivo Texto Impresso (1932)142 E cahi como corpo mortocae.E cahiu como corpo mortocae.Os casos i e <strong>ii</strong>i parecem erros <strong>de</strong> impressão. Possivelmente omesmo aconteça com relação aos casos <strong>ii</strong> e iv. No verso 95, Francescase dispõe a ouvir e a falar o que os visitantes <strong>de</strong>sejam, portanto, o uso dopronome vos, como está no manuscrito <strong>de</strong>finitivo, <strong>de</strong>ve ter sido a opção<strong>de</strong> Dom Pedro II. Em relação à alteração da primeira para terceirapessoa do verbo cair, no verso 142, há que recordar que Dante <strong>na</strong>rra aDivi<strong>na</strong> Comédia em primeira pessoa, e que o Mo<strong>na</strong>rca mantém estetratamento nos versos do canto V quando Dante faz menção a si próprio.Consi<strong>de</strong>rando-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> essas alterações terem sidopropositais, provavelmente elas não foram operadas por Dom Pedro II.Cabe aqui ressaltar que estas intervenções no texto impresso <strong>de</strong> 1932levam a um juízo, às vezes, negativo da qualida<strong>de</strong> da tradução doImperador, o que ressalta a importância do estudo dos seus manuscritospara uma verda<strong>de</strong>ira análise e crítica da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas traduções.


1464.3 OS MOMENTOS DO PROCESSO CRIATIVO EM DOM PEDROIIApós essa análise genética do prototexto, po<strong>de</strong>-se afirmar que,no fluxo tradutório do <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> <strong>de</strong> Dom Pedro II, durante atradução do canto V do “Inferno”, é possível perceber três momentosdistintos, porém, interligados:I. Primeiro Momento – Tempesta<strong>de</strong> Criativa:Dom Pedro II, <strong>de</strong> forma quase compulsiva, transpõe para opapel a tradução já <strong>de</strong>lineada em sua mente. O resultado <strong>de</strong>ste <strong>processo</strong>é a primeira versão (fólios 01 e 02).A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cancelamentos, inclusões, novoscancelamentos e novas inclusões dão i<strong>de</strong>ia do frenesi <strong>de</strong>ste instante<strong>criativo</strong> e <strong>de</strong> sua espiralida<strong>de</strong>. A pe<strong>na</strong> move-se verticalmente,horizontalmente e diago<strong>na</strong>lmente cancelando e incluindo, sem obe<strong>de</strong>cera um critério rígido. A regra é a não regra. O importante é registrar cadasopro <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ia.Existem momentos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> produção intelectual em que aobra, ou parte importante <strong>de</strong>sta, existe quase que por completo <strong>na</strong>cabeça do autor. Esses momentos po<strong>de</strong>m gerar intensos jorros <strong>de</strong> criaçãoquando o texto flui como se o enca<strong>de</strong>amento da trama estivesse sendoditado pelo inconsciente ao consciente, como rios que alimentam umagran<strong>de</strong> queda d’água. De Biasi <strong>de</strong>screve tal momento no <strong>processo</strong>


147<strong>criativo</strong> fazendo uma interessante relação entre tempo, inconsciente,<strong>de</strong>sejo e produção:[...] a temporalida<strong>de</strong> causal dos rascunhos e dagênese não tem mais importância que atemporalida<strong>de</strong> biográfica <strong>de</strong> vida do próprioescritor. Po<strong>de</strong>-se, em geral, não levar isto emconta, sendo que o <strong>de</strong>sejo sempre encontra umahora para manifestar-se: produtivida<strong>de</strong> etemporalida<strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsam-se em uminconsciente que é, simultaneamente, nãotemporal e hipertemporal, pois nele tudo seconserva e segue disponível para o jogopermanente <strong>de</strong> <strong>processo</strong>s. (2010, p. 126)II.Segundo momento – Ajustando o sentido e a forma:Neste momento, Dom Pedro II <strong>de</strong>dica-se a localizar, <strong>de</strong>stacar eprocessar os problemas pen<strong>de</strong>ntes da primeira versão. As hesitaçõesnesta fase são mais <strong>de</strong> <strong>na</strong>tureza estética do que <strong>de</strong> sentido. As dúvidassobre sentido ten<strong>de</strong>m a ser resolvidas buscando-se maior vizinhançacom o texto <strong>de</strong> partida. A preocupação central é preparar o terreno parase fazer as opções que confiram ao texto um efeito que se situe próximodo origi<strong>na</strong>l. Em síntese, é um momento marcado por avançosimportantes <strong>na</strong> organização do texto para lhe configurar leveza ecadência. Contudo, algumas poucas dúvidas ainda persistirão e somenteserão resolvidas no manuscrito pré-<strong>de</strong>finitivo. O resultado <strong>de</strong>stemomento foram as versões segunda e terceira.


148III.Terceiro Momento – Fazendo escolhas <strong>de</strong>finitivas:O terceiro e último momento do <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> écaracterizado pelas escolhas fi<strong>na</strong>is que configuram o texto <strong>de</strong> chegada.Na verda<strong>de</strong>, foi um quase passar a limpo, uma confirmação da terceiraversão, uma vez que poucas <strong>de</strong>finições restaram para este momento. Noentanto, tratam-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões importantes e o Mo<strong>na</strong>rca revisita atradução <strong>de</strong> De Simoni, e as poucas alterações que faz são <strong>de</strong> caráterdistintivo em relação à obra <strong>de</strong>ste.Deste modo, baseado <strong>na</strong> interpretação do prototexto, é possívelsupor que as alterações processadas da terceira versão para o manuscrito<strong>de</strong>finitivo se <strong>de</strong>ram em função da comparação <strong>de</strong>sta com a tradução <strong>de</strong>De Simoni.


1494.4 O ENCADEAMENTO DOS MOMENTOS DO PROCESSOCRIATIVO NOS TERCETOSPara Maria-Hélène Passos (2011) é a análise das rasuras quepermite reconstituir a cronologia das diversas versões e vislumbrar oenca<strong>de</strong>amento do <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong>. Nas rasuras se po<strong>de</strong>m perceber,resumidamente, três gran<strong>de</strong>s movimentos: suprimir, substituir e<strong>de</strong>slocar.Vimos que em Dom Pedro II não há um padrão <strong>na</strong>s rasuras,algumas vezes risca os textos escritos e os reescreve praticamente damesma forma. Usa riscos que cancelam frases, expressões ou palavras,que po<strong>de</strong>m ser mais leves e abertos, permitindo a transcrição do textocancelado, ou ainda, po<strong>de</strong>m ser fechados, impedindo a transcrição doque foi cancelado. Usa rasuras circulares, que igualmente impe<strong>de</strong>m atranscrição e passam a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que Dom Pedro II quisesse cancelar letraa letra e, também, símbolos indicativos <strong>de</strong> mudanças e acréscimos. Àsvezes faz contínuos cancelamentos do mesmo verso ou palavra. É nessemovimento escritural, revelado em gran<strong>de</strong> parte pelas rasuras, que sepo<strong>de</strong> perceber o enca<strong>de</strong>amento dos momentos do <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> doImperador - <strong>de</strong>scritos no item anterior - e sua interligação.Em uma análise terceto a terceto fica mais fácil perceber oenca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong>sses momentos. Para tanto, abaixo, em cada terceto(T), esses momentos são a<strong>na</strong>lisados, <strong>de</strong>stacando-se os versos em queeles ocorrem mais intensamente:


150T73Evolução do Processo CriativoNo terceto que inicia no verso 73, o Imperador <strong>de</strong>monstra dúvida somente no verso 75. Nos <strong>de</strong>maisverso do terceto resolve a tradução já <strong>na</strong> primeira versão e a mantém até o manuscrito <strong>de</strong>finitivo. A primeiratentativa <strong>de</strong> tradução do verso 75 é cancelada. Esta primeira tentativa, talvez, possa ter sido induzida pelapresença <strong>de</strong> um falso cog<strong>na</strong>to (leggero), que é logo refeita <strong>na</strong> direção <strong>de</strong> um resultado ten<strong>de</strong>ndo à proximida<strong>de</strong>com o texto origi<strong>na</strong>l.#1Versão 1Texto <strong>de</strong> PartidaI' cominciai: Poeta, volontieriparlerei a quei due che 'nsieme vanno,e paion sì al vento esser leggeri


15176 Mas adiante, no verso 77, ele troca o pronome oblíquo átono vos por lhes:Versão 1 Versão 2Usa o pronome vos <strong>na</strong> primeira tentativa <strong>de</strong> tradução e substitui por lhes <strong>na</strong>s <strong>de</strong>mais versões até otexto publicado. Ao <strong>de</strong>slocar o pronome da segunda para a terceira pessoa do plural (Dante e Virgílioconversavam sobre Paolo e Francesca), Dom Pedro II <strong>de</strong>monstra o rigor <strong>na</strong> precisão gramatical que regia asua escrita.


15279 No verso 80, <strong>de</strong>monstra dúvida entre usar o verbo <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r ou o verbo soltar. Põe-se diante <strong>de</strong>duas opções: “Solto a voz e lhes digo” ou “Desprendo a voz”:Versão 1 Versão 2 Versão 3 Manuscrito DefinitivoNa terceira versão opta pelo verbo soltar somado a “e lhes digo” e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> por <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r. Aopção pelo verbo soltar consistiria numa construção <strong>de</strong> sentindo mais próxima do origi<strong>na</strong>l (“mossi la voce”).O verbo <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r remete à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma voz que, por alguma razão, encontra-se presa. Mas, metricamente,a segunda construção se encaixa melhor no terceto. Ainda há que se consi<strong>de</strong>rar que De Simoni usou o verbosoltar (“Eu solto a voz: O’ almas magôadas”) e que o uso do verbo <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r distancia a tradução <strong>de</strong> DomPedro da <strong>de</strong> De Simoni.A hesitação persiste durante todo o percurso do <strong>processo</strong> tradutório e só se resolve no manuscrito<strong>de</strong>finitivo, quando volta à primeira opção, mostrando, mais uma vez, a circularida<strong>de</strong> e não linearida<strong>de</strong> do<strong>processo</strong> <strong>criativo</strong>.


15382No verso 82, troca uma tradução mais literal, Quaes por Leves.Versão 3Manuscrito DefinitivoÉ uma solução menos literal, mas que não altera o sentido do terceto. Faz esta opção somente nomanuscrito <strong>de</strong>finitivo, quando parecia já ter a tradução consolidada, provavelmente em busca <strong>de</strong> uma melhorestética e cadência da leitura.Usa o adjetivo pando, palavra bastante <strong>de</strong>sconhecida atualmente.


15488Embora pareçam intensas, as dúvidas no terceto 88 são resolvidas no seu conjunto, numa sócampanha. Não <strong>de</strong>monstra dúvida palavra a palavra, e sim, esboça preocupação quanto à melhor forma <strong>de</strong>construir os versos e enca<strong>de</strong>á-los no terceto.Versão 1 Versão 2 Versão 3 Manuscrito DefinitivoApós o primeiro jorro, repleto <strong>de</strong> cancelamentos, inclui, ainda <strong>na</strong> primeira versão, a contração pelo.Isto feito, a tradução se mantém a mesma até o manuscrito consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong>finitivo.


15594Nas três primeiras versões do verso 95, traduz udire por ouvir e, no manuscrito <strong>de</strong>finitivo, substituipelo verbo servir.Versão 3Manuscrito DefinitivoAparentemente, a opção, embora afaste a tradução do origi<strong>na</strong>l, tem como causa evitar o uso duplo doverbo ouvir em dois versos seguidos (94 e 95), evitando um efeito cacofônico <strong>na</strong> leitura do terceto.


156100Apesar das hesitações iniciais parecerem intensas, chega a uma solução <strong>de</strong>finitiva já <strong>na</strong> segunda versão:Versão 1 Versão 2103As hesitações no verso 104 são <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m métrica e estética e são resolvidas já <strong>na</strong> segunda versão.Versão 1 Versão 2No verso 105 traduz abbando<strong>na</strong> por agrilhôa, uma solução um pouco distante do texto origi<strong>na</strong>l, masque lhe mantém o sentido e, até, conota-lhe maior dramaticida<strong>de</strong>.


157106Embora seja consi<strong>de</strong>rável a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rasuras da primeira versão <strong>de</strong>ste terceto, percebe-se que asolução tradutória vislumbrou-se num único jorro.Versão 1 Versão 2Na primeira versão do verso 108, usa o verbo no passado e no restante das versões usa-o no futuro,como o faz De Simoni. No origi<strong>na</strong>l <strong>de</strong> Dante, a construção se dá no passado. Dom Pedro II <strong>de</strong>ve, no primeirojorro, ter traduzido o verso próximo ao texto <strong>de</strong> partida - estava olhando para o origi<strong>na</strong>l – e, <strong>na</strong> passagem alimpo, para conformar a segunda versão, já sem uma atenção palavra a palavra sobre o texto origi<strong>na</strong>l, tenhaalterado o tempo, talvez, influenciado pela memória da tradução <strong>de</strong> De Simoni que usa o verbo no futuro: “A


nós fallarão elles <strong>de</strong>sta sorte”. Outra hipótese é <strong>de</strong> que a alteração tenha sido operada por quem transcreveu oprimeiro rascunho para Dom Pedro II, e que ele, talvez, não tenha se dado conta da alteração. Deve-seconsi<strong>de</strong>rar ainda a hipótese <strong>de</strong> que usasse a versão <strong>de</strong> De Simoni por insegurança, tentando se aproximar dasescolhas <strong>de</strong>le por ser um tradutor já conceituado, ao contrário do Mo<strong>na</strong>rca.158109Versão 1 Versão 2No verso 111, hesita entre usar o verbo falar ou o verbo dizer. Na versão 1 opta pelo verbo falarconjugado no presente. Na segunda versão opta, em <strong>de</strong>finitivo, por usar o verbo dizer, mais próximo doorigi<strong>na</strong>l, já que ambos têm a mesma métrica e o mesmo sentido. Além disso, o verbo dizer está no passado,mesmo tempo verbal usado por Dante ("fin che 'l poeta mi disse: Che pense?").


159115No verso 116, hesita entre o uso dos substantivos tormento e martírio. Primeiramente, opta portormento, <strong>na</strong> sequência risca e escreve martírio. Volta a optar por tormento, <strong>na</strong> segunda e <strong>na</strong> terceira versão.No manuscrito <strong>de</strong>finitivo, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>-se por martírio, tradução mais próxima do origi<strong>na</strong>l e que será usado no textopublicado. A opção por tormento talvez tivesse a intenção <strong>de</strong> amenizar um pouco a sensação <strong>de</strong> sofrimentoque o verso causa ao leitor.Versão 1 Versão 2 Versão 3 Manuscrito DefinitivoNo verso 125, se encontrará um movimento tradutório semelhante a este.


160121Na segunda e <strong>na</strong> terceira versão, o verso 121 não é transcrito. Talvez porque sua tradução já estivesseresolvida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro jorro e Dom Pedro II estivesse concentrado no trecho que mais o preocupava doponto <strong>de</strong> vista da tradução ou ainda, por mero <strong>de</strong>scuido <strong>de</strong> quem as transcreveu.Versão 1 Versão 2 Versão 3 Manuscrito DefinitivoNo verso 122, hesita entre o uso dos advérbios tão ou já. Opta, <strong>na</strong> terceira versão, pelo advérbio <strong>de</strong>tempo, mas recua e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>-se pelo advérbio <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> no manuscrito <strong>de</strong>finitivo, dando mais força aoverso, mesmo que no origi<strong>na</strong>l ele não seja usado.No verso 123, <strong>na</strong> segunda versão, aparece o adjetivo penoso e, <strong>na</strong> terceira, o verbo pe<strong>na</strong>r. Parece queestava em busca <strong>de</strong> uma melhor métrica, o que não acontece, e no manuscrito <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong>siste da adição evolta à forma do primeiro rascunho.


161124Versão 1 Versão 2 Versão 3No verso 125, traduz a palavra affetto por prazer, produzindo uma mudança <strong>de</strong> sentido no verso. Asituação <strong>de</strong> Paolo e Francesca causa a Dante compaixão e dó, porque causaria prazer a Dom Pedro II? Talvezo uso do verbo prazer esteja mais no sentido <strong>de</strong> atenção (chamar a atenção, <strong>de</strong>monstrar interesse). Dequalquer forma, sabe-se que Dom Pedro II não tinha por regra ancorar seus escritos no recato. Na tradução <strong>de</strong>As mil e uma noites, por exemplo, segundo Rosane <strong>de</strong> Souza: “D. Pedro II apresenta uma tradução ‘semcortes’, conservando tudo aquilo que seria consi<strong>de</strong>rado no oci<strong>de</strong>nte como pertencente à esfera do ‘proibido’,‘do imoral’” (2010, p.61).


162127Há uma peque<strong>na</strong> hesitação, mas, a tradução é resolvida <strong>de</strong> uma vez só, <strong>na</strong> primeira versão, <strong>na</strong>perspectiva do verso e não palavra a palavra.Versão 1 Versão 2 Versão 3 Manuscrito Definitivo130Versão 1 Versão 2 Versão 3 Manuscrito Definitivo


163Demonstra dúvida se usa ou não o artigo o no verso 131. Coloca-o <strong>na</strong> primeira versão, retira-o <strong>na</strong>segunda e <strong>na</strong> terceira, mas, o artigo volta a constar do manuscrito <strong>de</strong>finitivo, permanecendo <strong>na</strong> versãopublicada. Parece ape<strong>na</strong>s uma opção relativa à métrica do verso, em que pese que o artigo confira força aosubstantivo. Intrigante que Dom Pedro II use a palavra “olhares” no plural e “rosto” no singular, quando podiatê-las colocado no plural, sem causar problemas <strong>na</strong> cadência da leitura. Mais uma manifestação da tendência àliteralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu ato tradutório, pois, no origi<strong>na</strong>l, embora em versos diferentes, aparecem como em DomPedro II.133Versão 1 Versão 2 Versão 3


No verso 134, <strong>de</strong>monstra hesitação sobre qual verbo usar. Inicia usando o verbo sentir, troca porlembrar <strong>na</strong> segunda versão, mas volta a usar o verbo sentir <strong>na</strong>s versões seguintes até o texto publicado. Pareceestranha esta dúvida, uma vez que o sentido dos dois verbos é distinto. O verbo sentir refere-se a umasensação que ocorre ou ocorreu, enquanto que o verbo lembrar po<strong>de</strong> referir-se à recordação <strong>de</strong> umaocorrência, <strong>de</strong> uma sensação vivida ou da qual se tem conhecimento. Uma explicação possível, consi<strong>de</strong>randoos aspectos anteriormente mencio<strong>na</strong>dos, seria a <strong>de</strong> que, durante a escrita da segunda versão, no segundo jorro<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, Dom Pedro II tenha consi<strong>de</strong>rado o uso do verbo lembrar porque este faria referência à lembrança da<strong>na</strong>rração do beijo trocado por Lancelote e Guinevere do popular romance francês medieval (PASQUINI,2005, p 69).164


165136As poucas dúvidas no verso 135 são resolvidas no primeiro jorro.Versão 1 Versão 2Das traduções para o português, com as quais se teve contato, a <strong>de</strong> Dom Pedro II é a única que usa oadjetivo anhelante como tradução <strong>de</strong> tremante.


139As dúvidas, mesmo parecendo intensas, a julgar pelas rasuras nos rascunhos, são resolvidas <strong>na</strong>primeira versão acrescentadas aos versos. Nas segunda e terceira versões, e no manuscrito <strong>de</strong>finitivo, não háalterações e praticamente inexistem rasuras.Versão 1 Versão 2 Versão 3 Manuscrito Definitivo166142Parece que a tradução do verso <strong>de</strong> encerramento do canto esteve sempre resolvida <strong>na</strong> cabeça <strong>de</strong> DomPedro II, uma vez que não há nenhum si<strong>na</strong>l <strong>de</strong> hesitação no ato tradutório. Por isso, é estranho o fato <strong>de</strong> queno texto impresso <strong>de</strong> 1932 o verbo cair apareça <strong>na</strong> terceira pessoa, enquanto que em todas as versões dosmanuscritos, inclusive no <strong>de</strong>finitivo, ele esteja <strong>na</strong> primeira pessoa. Deve-se consi<strong>de</strong>rar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quetenha sido uma opção editorial ou um erro <strong>de</strong> transcrição.Manuscrito Definitivo Texto <strong>de</strong> Chegada (1932)E cahi como corpo morto cae. E cahiu como corpo morto cae.


167No terceto que se inicia no verso 112 a tradução é resolvida <strong>na</strong>segunda versão. Já nos tercetos que se iniciam nos versos 85, 91, 97 e118, a tradução é resolvida <strong>de</strong> uma vez só, <strong>na</strong> primeira versão e <strong>na</strong>perspectiva do verso e não palavra a palavra, ou seja, a tradução não estáenfocada <strong>na</strong> palavra e sim <strong>na</strong> preocupação <strong>de</strong> qual é a melhor forma <strong>de</strong>construção dos versos e <strong>de</strong> enca<strong>de</strong>á-los no terceto. Vê-se claramente, noterceto iniciado no verso 85, por exemplo, que da primeira à quartaversão ele não sofre nenhuma alteração e não há nenhuma palavrasubstituída. Notam-se ape<strong>na</strong>s algumas peque<strong>na</strong>s alterações quanto àpontuação.vv Versão 1 Versão 2 Versão 3ManuscritoDefinitivo854.5 ANÁLISE ESTRUTURAL - CONSIDERAÇÕES SOBRE OPROCESSO TRADUTÓRIO DE DOM PEDRO IIA estrutura geral do texto <strong>de</strong> chegada <strong>de</strong> Dom Pedro II é muitosemelhante à do texto <strong>de</strong> partida <strong>de</strong> Dante (apêndice B). O texto, aspalavras, a sintaxe das frases e mesmo a pontuação não possuemalterações significativas em relação ao texto origi<strong>na</strong>l. Dom Pedro IIprocurou manter uma mesma métrica em seus tercetos enca<strong>de</strong>ados, alémdo ritmo - elemento melódico essencial para o poema -, cuidando daregularida<strong>de</strong> <strong>na</strong> sucessão silábica para garantir cadência à leitura.


168Não obstante isso, em algumas partes do canto encontraremoscerto distanciamento <strong>na</strong> construção lexical em relação ao texto <strong>de</strong> Dante.São alguns poucos casos em que usa palavras ou frases que apresentam<strong>de</strong>termi<strong>na</strong>da distância do texto origi<strong>na</strong>l. Entre esses casos encontram-se:No verso 82 traduz: “Quali colombe dal disio chiamate” por“Leves pombas, da sauda<strong>de</strong> magoadas,”;No verso 103 traduz “che, come vedi, ancor non m'abbando<strong>na</strong>”por “Que, como vês, ainda me agrilhoa”.Mas é no verso 124 que produz sua versão mais distante dotexto origi<strong>na</strong>l, quando traduz a palavra “affetto” por “prazer”. O tercetoque em Dante é:Ma s'a conoscer la prima radice<strong>de</strong>l nostro amor tu hai cotanto affetto,dirò come colui che piange e dice.Em Dom Pedro II fica:Porém, se conhecer bem a raizDo nosso amor, te é causa <strong>de</strong> prazer,Farei como qualquer que chora e diz:Outra característica que se po<strong>de</strong> notar é o uso <strong>de</strong> palavraseruditas e próprias do indivíduo que possui gran<strong>de</strong> conhecimento dalíngua para a qual está traduzindo, especialmente no que diz respeito àescolha do léxico. Essa é uma das três características fundamentais dateoria da tradução, difundidas no Re<strong>na</strong>scimento, para se fazer uma boatradução. No século XV, Leo<strong>na</strong>rdo Bruni, no texto De recta


169interpretatione, consi<strong>de</strong>rado o primeiro tratado mo<strong>de</strong>rno em apresentar<strong>de</strong> forma in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte reflexões sobre a tarefa <strong>de</strong> traduzir, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> trêsrequisitos para uma boa tradução: o conhecimento da língua <strong>de</strong> partida,da língua <strong>de</strong> chegada e da matéria envolvidas <strong>na</strong> tradução (ARETINOapud FURLAN, 2006, p. 49).No verso 83, por exemplo, usa o adjetivo pando: 47“Com pandas firmes azas vem pelo ar”;E, no verso 136, o adjetivo anhelante: 48“A bocca me beijou todo anhelante”.Essas escolhas, além <strong>de</strong> revelarem o profundo conhecimentoque possuía da língua portuguesa, po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>notar uma tentativa <strong>de</strong> DomPedro II <strong>de</strong> inserir, no texto traduzido, marcas particulares que<strong>de</strong>stacassem a sua escrita e a distinguissem das <strong>de</strong>mais traduções aoportuguês até então realizadas, em especial, em relação à tradução <strong>de</strong> DeSimoni.Ainda sobre a preocupação do Imperador com a forma, GiacintoManuppella, em Dantesca Luso-brasileira, alerta para oempobrecimento dos efeitos sonoros da tradução <strong>de</strong> Dom Pedro II, dadaa maneira como essa foi impressa <strong>na</strong> edição <strong>de</strong> 1932:O Sr. Me<strong>de</strong>iros e Albuquerque (a quem oestampador reserva as honras da caixa alta, nãoconcedidas ao Imperador D. Pedro II ...) talvezignorasse que a Divi<strong>na</strong> Comédia é um poema47 PANDO, adj. Cheio; inflado; enfu<strong>na</strong>do; inchado; largo; *aberto e encurvado. < Co’ospandos braços Huol accorre...> Filinto, VII, p. 95. (Lat. pandus) (CANTO, 1842, sp).48 ANHELAR, v. signif. Suspirar por huma coiza, estar anciozo por ella, do Lat. anhelo, as;<strong>de</strong>zejar ar<strong>de</strong>ntemente (Ibid).


170escrito em tercetos, ou pelo menos não <strong>de</strong>u pelometro que D. Pedro empregou: tercetosenca<strong>de</strong>ados. Não se explica doutra maneira ofacto <strong>de</strong> os do imperial tradutor aparecerem emcolu<strong>na</strong> cerrada, como <strong>de</strong>cassílabos brancos(1966, p. 52).Essa observação <strong>de</strong> Manuppella reforça a suposição <strong>de</strong>manipulação <strong>na</strong> publicação das poesias <strong>de</strong> Dom Pedro II. Corroboracom essa possibilida<strong>de</strong> o tom ácido <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros e Albuquerque ao sereferir à obra do Imperador e à sua poética. Ele dirigiu e prefaciou aedição das Poesias Completas <strong>de</strong> Dom Pedro II, <strong>de</strong> 1932, que, para essadissertação, foi consi<strong>de</strong>rado o texto <strong>de</strong> chegada da tradução do Mo<strong>na</strong>rcapara o canto V do “Inferno” da Divi<strong>na</strong> Comédia. No prefácio, orepublicano Me<strong>de</strong>iros e Albuquerque 49 assim ajuíza o valor do poetaDom Pedro II: “Ele sempre foi (po<strong>de</strong>m vê-lo) integralmente péssimo:<strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias, imperfeição técnica” (MEDEIROS EALBUQUERQUE, 1932, p. 7). Mas, o que o prefácio <strong>de</strong>sse escritor epolítico não consegue ocultar é que, por trás da cruzada para <strong>de</strong>sluzir aqualida<strong>de</strong> poética e intelectual do homem Pedro <strong>de</strong> Alcântara, sedissimulava, quiçá, a verda<strong>de</strong>ira razão <strong>de</strong> sua crítica: apagar da memóriada <strong>na</strong>ção o gover<strong>na</strong>nte Dom Pedro II e o seu regime. Uma evidênciadisso se encontra <strong>na</strong>s linhas fi<strong>na</strong>is do prefácio:Mas, <strong>de</strong> véras, o que se sabe é que ele não tinhanenhuma daquelas qualida<strong>de</strong>s. E foi exatamentepor isso, que se viu muito justamente <strong>de</strong>posto.Os aduladores excessivos <strong>de</strong> sua memóriaesquecem-se <strong>de</strong> que, para exaltá-lo, precisam<strong>de</strong>primir o Brasil (MEDEIROS EALBUQUERQUE, 1932, p. 20).49 Me<strong>de</strong>iros e Albuquerque, segundo Luiz Felipe Alencastro, chegou a conclamar o povo àsarmas contra a mo<strong>na</strong>rquia (ALENCAR, 1996, p. 221).


171Talvez isso aju<strong>de</strong> a enten<strong>de</strong>r o motivo pelo qual Me<strong>de</strong>iros eAlbuquerque se dispôs a publicar a obra literária <strong>de</strong> um perso<strong>na</strong>gem dahistória brasileira a quem sempre criticou. Ele, autor <strong>de</strong> textos sobrepoesia, 50 tinha pleno conhecimento <strong>de</strong> que a publicação da tradução <strong>de</strong>cantos dantescos, em colu<strong>na</strong>s cerradas, empobreceria o efeito sonoro daleitura da tradução. Mais que isso, a campanha contra a imagem <strong>de</strong> DomPedro II, promovida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a proclamação da República até a década <strong>de</strong>1930, dificultou qualquer perspectiva <strong>de</strong> inserção da obra <strong>de</strong> Pedro <strong>de</strong>Alcântara no polissistema literário <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. A imagem <strong>de</strong> um mo<strong>na</strong>rca“ba<strong>na</strong><strong>na</strong>” - que começou a ser construída com o <strong>de</strong>scontentamento dossenhores rurais com a Lei do ventre livre <strong>de</strong> 1871 51 -, era mais útil àestabilida<strong>de</strong> do regime <strong>na</strong>scido da ação dos militares pró-republicanosdo que a imagem <strong>de</strong> um mo<strong>na</strong>rca erudito, reconhecido no mundopolítico, intelectual e artístico inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l como um promotor dasartes, da cultura e das ciências e ocupando espaço <strong>na</strong> literaturabrasileira. O historiador Nelson Werneck Sodré escreve, comentando opanorama no Brasil após a proclamação da República:D. Pedro II continuou, entretanto, <strong>na</strong> mente dopovo. Para a mediania popular que maior prazer50 Alguns <strong>de</strong>stes textos estão disponíveis <strong>na</strong> pági<strong>na</strong> eletrônica da ACADEMIA BRASILEIRADE LETRAS. Os imortais. 2001. Disponível em: http://www.aca<strong>de</strong>mia.org.br. Acesso em maio2012.51 “Data <strong>de</strong>ssa época o aparecimento das primeiras caricaturas, que <strong>de</strong>screviam um ‘PedroBa<strong>na</strong><strong>na</strong>’, um ‘Pedro Cajú’; resultado, sobretudo da indiferença com que o mo<strong>na</strong>rca encarava osnegócios <strong>de</strong> Estado, ou da atitu<strong>de</strong> oscilante que começava a ostentar publicamente. Des<strong>de</strong> osanos 50 a imprensa gozava no Brasil <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, e é por isso mesmo que o próprioimperador era um dos alvos mais constantes <strong>de</strong> ataques e <strong>de</strong>senhos satíricos. Esse tipo <strong>de</strong>imprensa será, inclusive, objeto <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> expansão, e já em 1876 o Rio <strong>de</strong> Janeirocontava com meia dúzia <strong>de</strong> jor<strong>na</strong>is satíricos, geralmente sema<strong>na</strong>is, cuja tiragem chegava a 10mil exemplares. Entre eles <strong>de</strong>stacam-se alguns mais antigos, como A Sema<strong>na</strong> Ilustrada e OMosquito, e outros mais recentes, como O Maquetrefe, O Fígaro e a Revista Ilustrada.”(SCHWARCZ, 1998, p. 416).


172e que maior consolo po<strong>de</strong>ria existir senão oculto daquele mediano? A cada tolicerepublica<strong>na</strong> correspondia um rebate para asauda<strong>de</strong> – não da mo<strong>na</strong>rquia, note-se bem –mas do mo<strong>na</strong>rca. Fenômeno fácil <strong>de</strong> explicar. Arepública não trazia nenhuma classe nova aopo<strong>de</strong>r. Não emancipava os espoliados. Nãoalterava o regime da proprieda<strong>de</strong>. [...] Nãohouve uma revolução, com o triunfo <strong>de</strong> umai<strong>de</strong>ologia nítida. (1998, p. 330-331)Enfim, para além do <strong>de</strong>bate sobre o valor literário da obra <strong>de</strong>Pedro <strong>de</strong> Alcântara há que se consi<strong>de</strong>rar o esforço <strong>de</strong>le em operar atradução do poema dantesco em tercetos rimados, acentuando o ritmomelódico do texto poético, como também, o cuidado em manter osentido. Isso tudo com a intenção <strong>de</strong> conservar, <strong>na</strong> leitura da obratraduzida, o mesmo efeito que se dá <strong>na</strong> leitura do texto origi<strong>na</strong>l.Poucos tradutores da língua portuguesa tinham empreendido taltarefa até aquela época. Excetuando-se a tradução do Barão <strong>de</strong> Vila daBarra, <strong>de</strong> 1876, porque foi concebida em versos soltos, sobram astraduções <strong>de</strong> Luiz Vicente De Simoni, <strong>de</strong> 1843, e a <strong>de</strong>José Pedro Xavier Pinheiro, <strong>de</strong> 1888. Essa razão, em si, confere àstraduções da Divi<strong>na</strong> Comédia, i<strong>de</strong>adas por Dom Pedro II, a condição <strong>de</strong>obra dig<strong>na</strong> <strong>de</strong> admiração, pois, além da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> manutenção dosentido do verso dantesco, acrescem-se as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>correntes damanutenção do metro, do ritmo e da rima.A tradução <strong>de</strong> Dom Pedro II busca permanecer próxima dotexto origi<strong>na</strong>l, situando-se no espectro daquilo que se convencionouchamar <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, mas, sem <strong>de</strong>scuidar <strong>de</strong> tentarexpressar a força poética <strong>de</strong> Dante. A opção por manter sua traduçãopróxima do origi<strong>na</strong>l não significa que Dom Pedro II tenha pretendido


173adotar uma estratégia <strong>de</strong> tradução <strong>de</strong> tipo estrangeirizante, mesmoquando traduziu literalmente palavras, expressões e versos que possamcausar certo estranhamento ao leitor <strong>na</strong>tivo brasileiro. O público quepretendia atingir com a tradução da tragédia <strong>de</strong> Paolo e Francesca, eoutros trabalhos, não era o leitor médio <strong>de</strong> literatura do século XIX, masa elite literária <strong>de</strong> escritores e intelectuais que admirava no país, nosEstados Unidos e, particularmente, <strong>na</strong> Europa. Seu foco não eradiretamente o polissistema literário brasileiro, mas a elite criadora dopolissistema literário oci<strong>de</strong>ntal. Sergio Romanelli, no seu artigo Entrelínguas e culturas: as traduções <strong>de</strong> Dom Pedro II, fala do <strong>de</strong>sejo doImperador <strong>de</strong> fazer parte da aristocracia mundial <strong>de</strong> literatos:Dom Pedro II é um artista irreverente, mascontido pelo seu papel <strong>de</strong> Imperador; é <strong>de</strong>ssaaristocracia invisível que provavelmente queriaser parte, uma aristocracia sem po<strong>de</strong>r, semtítulos, uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> literatos queestabelece e consagra os gran<strong>de</strong>s escritores(2012, p.196).Desse modo, a tradução funcio<strong>na</strong>ria como um passaporte <strong>de</strong>ingresso nesse seleto clube que <strong>de</strong>sejava frequentar. Buscavareconhecimento, mais do que notorieda<strong>de</strong>, embora, se ela viesse, pareceque não a rejeitaria, uma vez que aceitou que seus netos publicassem asua obra.A literatura traduzida <strong>na</strong> Europa - após o advento das bellesinfidèles, <strong>na</strong> França do século XVII, e dos princípios da traduçãoapregoados por Tytler 52 , <strong>na</strong> Inglaterra do fi<strong>na</strong>l do século XVIII - entra52Alexan<strong>de</strong>r Fraser Tytler (1747–1813). “Em 1791, Tytler escreve The principles oftranslation e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> três princípios: 1) a tradução <strong>de</strong>ve fazer uma transcrição completa daidéia da obra origi<strong>na</strong>l; 2) o estilo e o modo da escrita <strong>de</strong>vem ser os mesmos do origi<strong>na</strong>l; 3) atradução <strong>de</strong>ve conservar toda a <strong>na</strong>turalida<strong>de</strong> do origi<strong>na</strong>l” (GUERINI, 2007. p. 19).


174no século XIX questio<strong>na</strong>ndo o conceito <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e especificando adiferença entre a tradução literal e a tradução livre. Com FriedrichSchleiermacher, August Wilhelm Schlegel, Wilhelm von Humboldt,Johann Wolfgang von Goethe, Giacomo Leopardi, Madame <strong>de</strong> Stael,entre outros, o estudo da tradução passa a ser consi<strong>de</strong>rado um problema<strong>de</strong> categoria filosófica, com enfoque hermenêutico, e adquire umvocabulário próprio. Ao mesmo tempo o papel do tradutor e da traduçãoé revalorizado.Para Goethe, conforme os textos que escreveu no período quevai entre 1811 e 1822 há duas máximas <strong>na</strong> tradução:Uma exige que o autor <strong>de</strong> uma <strong>na</strong>ção<strong>de</strong>sconhecida seja trazido até nós <strong>de</strong> tal maneiraque possamos consi<strong>de</strong>rá-lo nosso; a outra, aocontrário, exige que nós, que vamos aoencontro do estrangeiro e nos sujeitemos àssuas condições, sua maneira <strong>de</strong> falar, suasparticularida<strong>de</strong>s (HEIDERMANN, 2001, p.19).Já Friedrich Schleiermacher, em seu ensaio Sobre os diferentesmétodos <strong>de</strong> tradução, <strong>de</strong> 1813, diz que o tradutor que preten<strong>de</strong> levar oleitor a uma compreensão do texto estrangeiro tem dois caminhos: “ou otradutor <strong>de</strong>ixa o autor em paz e leva o leitor até ele; ou <strong>de</strong>ixa o leitor empaz e leva o autor até ele” (2001, p. 43).Para Leopardi, o tradutor é um leitor privilegiado, pois atradução é útil aos que querem se tor<strong>na</strong>r escritores e vice-versa. Emcarta ao amigo Pietro Giordani em 1817, expõe:[...] dou-me conta <strong>de</strong> que traduzir, assim porexercício, <strong>de</strong>ve realmente prece<strong>de</strong>r a ativida<strong>de</strong>


175<strong>de</strong> compor, sendo útil e necessário para os quequerem tor<strong>na</strong>r-se escritores insignes; mas parator<strong>na</strong>r-se um gran<strong>de</strong> tradutor convém anteshaver composto e ter sido bom escritor: enfim,uma tradução perfeita é obra mais damaturida<strong>de</strong> que da juventu<strong>de</strong>. (LEOPARDIapud GUERINI, 2007, p. 23).Esse <strong>de</strong>bate ajudou a literatura traduzida a ocupar uma posiçãomais relevante no interior do polissistema literário europeu e espalhousuas influências por todo o mundo oci<strong>de</strong>ntal. No dizer <strong>de</strong> Madame <strong>de</strong>Stael, em seu ensaio Do espírito das traduções, <strong>de</strong> 1821:Não há mais eminente serviço que se possaprestar à literatura do que transpor <strong>de</strong> umalíngua para outra as obras-primas do espíritohumano. Existem tão poucas produções <strong>de</strong>primeira or<strong>de</strong>m; o gênio, em qualquer área queseja, é um fenômeno tão raro, que se cada<strong>na</strong>ção mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong> fosse reduzida a seus própriostesouros, seria sempre pobre. (STAEL, 2001,p. 141)Enquanto isso, no Brasil do século XIX, 53 particularmente nosegundo rei<strong>na</strong>do, era presente a preocupação da afirmação <strong>de</strong> umacultura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> artística eliterária próprias.Pascale Casanova, em seu livro A República Mundial dasLetras, falando da tragédia dos “homens traduzidos”, chama esse tipo <strong>de</strong>movimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>ssimilação, e diz que os <strong>de</strong>ssimilados:53 “Quando foi <strong>de</strong>clarada a in<strong>de</strong>pendência política do Brasil, em 1822, a Europa estava empleno Romantismo. As novas i<strong>de</strong>ias, vitoriosas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Revolução Francesa, tinham criado noplano estético um amplo movimento <strong>de</strong> repúdio à rigi<strong>de</strong>z dos padrões clássicos e <strong>de</strong> incentivo àliberda<strong>de</strong>, como reflexo da i<strong>de</strong>ologia liberal que se implantava <strong>na</strong>s <strong>na</strong>ções mais <strong>de</strong>senvolvidas.‘Não há regras nem mo<strong>de</strong>los!’, clamava o poeta Victor Hugo. Era um espírito renovador que seimpunha”. (ALENCAR, 1994, p. 156)


176[...] buscarão, por todos os meios, marcar oafastamento, seja criando uma distânciadistintiva do uso <strong>dom</strong>i<strong>na</strong>nte (e legítimo) dalíngua <strong>dom</strong>i<strong>na</strong>nte, seja criando ou recriandouma nova língua <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l (potencialmenteliterária). (2002, p. 311)Segundo Schwarcz (1998), Dom Pedro II e um grupo <strong>de</strong>literatos, entre os quais, Gonçalves Magalhães, Manuel Araújo Porto-Alegre, Gonçalves Dias, Joaquim Manuel <strong>de</strong> Macedo e, maisindiretamente, José <strong>de</strong> Alencar, congregados em torno do InstitutoHistórico e Geográfico Brasileiro (o IHGB) 54 e inspirados nomovimento romântico, 55 compartilhavam o esforço <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>uma literatura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l. Schwarcz <strong>de</strong>screve:O romantismo brasileiro alcançou, portanto,gran<strong>de</strong> penetração, tendo o indíge<strong>na</strong> comosímbolo. Na literatura e <strong>na</strong> pintura os índiosi<strong>de</strong>alizados nunca foram tão brancos; assimcomo o mo<strong>na</strong>rca e a cultura brasileirator<strong>na</strong>vam-se mais e mais tropicais. Afi<strong>na</strong>l, essaera a melhor resposta para uma elite que seperguntava incessantemente sobre suai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, sobre sua verda<strong>de</strong>ira singularida<strong>de</strong>(1998, p. 148).Foi nesse contexto que a tradução brasileira oitocentista se<strong>de</strong>senvolveu e o tradutor Dom Pedro II se formou.Odorico Men<strong>de</strong>s, tradutor da Eneida, <strong>de</strong> Virgílio, e da Ilíada eda Odisseia, <strong>de</strong> Homero, foi um escritor do Neoclassicismo -54 “[...] embora tenha sido fundado pelo regente Araújo Lima, o Instituto Histórico eGeográfico Brasileiro contou com os auspícios do Imperador – que presidiu a mais <strong>de</strong>quinhentas sessões.” (BUENO, 2003, p. 199)55 “Por florescer à sombra do imperador, porém, tal movimento cultural se engajou no projeto<strong>de</strong> ‘re<strong>de</strong>scoberta’ da <strong>na</strong>ção i<strong>de</strong>alizado pelo próprio mo<strong>na</strong>rca. Uma monumentalização do Brasil– <strong>de</strong> seu passado (relido pela ótica do romantismo); <strong>de</strong> suas cores, <strong>de</strong> suas ‘coisas’ – foiarticulado por historiadores, pintores e literatos.” (BUENO, 2003, p. 199)


177movimento <strong>de</strong> insubordi<strong>na</strong>ção ao barroco e <strong>de</strong> inspiração iluminista queprepon<strong>de</strong>rou no Brasil da segunda meta<strong>de</strong> do século XVIII até o iníciodo século XIX - que assim expressava a sua visão <strong>de</strong> como traduzir: “Severtêssemos servilmente as repetições <strong>de</strong> Homero, <strong>de</strong>ixava a obra <strong>de</strong> seraprazível como é a <strong>de</strong>le; a pior das infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>s. Com isso não querofazer apologia das paráfrases: aspiro a ser tradutor” (MENDES apudYEE, 2011, p. 77). E apunha a sua visão <strong>de</strong> tradução que, como regra:[...] <strong>de</strong>ve o traductor saber igualmente a línguaorigi<strong>na</strong>l e a sua; mas eu opino que, se lhe bastasaber a do origi<strong>na</strong>l como um, forçoso lhe hesaber a própria em dobro ou tresdobro. Quandose me apresenta, v.g., um trecho <strong>de</strong> versos,ainda que não conheça todas as palavras, possobuscal-as nos diccio<strong>na</strong>rios, consultarcomentadores, críticos etc.; mas os termos daprópria língua, se não vem immediatamente ánossa memoria, como he que os havemos <strong>de</strong>procurar? Para bem traduzirmos em português,cumpre d’antemão e com afinco termol-oestudado, conhecer em gran<strong>de</strong> parte osvoccabulos; afim que nos ocorramimmediatamente e sem custo. (MENDES apudYEE, 2011, p 75.)Odorico Men<strong>de</strong>s era próximo <strong>de</strong> Dom Pedro II e, quando opróprio Mo<strong>na</strong>rca traduziu a Odisseia, usou a versão <strong>de</strong>ste comocomparativo, conforme anotação no diário do Imperador a nove <strong>de</strong>setembro <strong>de</strong> 1890 (BEDIAGA, 1999).Machado <strong>de</strong> Assis, em artigo origi<strong>na</strong>lmente publicado <strong>na</strong>revista Novo Mundo em 1873, com o título <strong>de</strong> Notícia da atualliteratura brasileira, ao exami<strong>na</strong>r a literatura <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l do período,estabelece-lhe, como primeira característica, certo instinto <strong>de</strong>


178<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>lida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> a poesia, o romance e as <strong>de</strong>mais formas literáriasbuscavam “vestir-se com as cores do país” (ASSIS, 1959, p.28).A <strong>de</strong>speito disso, era gran<strong>de</strong> o número <strong>de</strong> traduções, sobretudo<strong>de</strong> peças teatrais francesas, fato que irritava Machado <strong>de</strong> Assis, como<strong>de</strong>monstra a crítica O Passado, o Presente e o Futuro da Literatura, <strong>de</strong>1858.Para que estas traduções enervando a nossace<strong>na</strong> dramática? Para que esta inundação <strong>de</strong>peças francesas, sem o mérito da localida<strong>de</strong> echeias <strong>de</strong> equívocos, sensaborões as vezes, egalicismos, a fazer recuar o mais <strong>de</strong>nodadofrancelho? (ASSIS, 2008, v. III, p. 1002) 56Machado <strong>de</strong> Assis não era contra as traduções, ele mesmotraduziu várias peças teatrais, poesias, ensaios e romances, além <strong>de</strong>,como já pontuado anteriormente, ter traduzido o canto XXV do“Inferno”. Um pouco <strong>de</strong> seu pensamento sobre tradução po<strong>de</strong> serpercebido <strong>na</strong> análise que ele faz <strong>de</strong> uma tradução <strong>de</strong> um texto <strong>de</strong>Lamartine, <strong>na</strong> Crônica Ao Acaso: 57Não li toda a tradução da Morte <strong>de</strong> Sócrates,nem a comparei ao origi<strong>na</strong>l; mas as pági<strong>na</strong>s quecheguei a ler pareceram-me dig<strong>na</strong>s do poema<strong>de</strong> Lamartine. O próprio tradutor <strong>de</strong>clara queempregou imenso cuidado em conservar afrescura origi<strong>na</strong>l e os toques ligeiros etransparentes do poema. Essa <strong>de</strong>via ser, semdúvida, uma gran<strong>de</strong> parte da tarefa; paratraduzir Lamartine é precioso saber suspirarversos como ele. As poucas pági<strong>na</strong>s que li56 O Passado, o Presente e o Futuro da Literatura é uma crítica publicada origi<strong>na</strong>lmente em AMarmota, no Rio <strong>de</strong> Janeiro, <strong>na</strong>s edições <strong>de</strong> 09 e <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1858.57 Ao Acaso é uma coletânea <strong>de</strong> crônicas escritas por Machado <strong>de</strong> Assis sobre diversosassuntos. Foram publicadas origi<strong>na</strong>lmente em O Diário do Rio <strong>de</strong> Janeiro, no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<strong>de</strong> 05 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1864 a 16 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1865.


179dizem-me que os esforços do poeta não foramvãos. (ASSIS, 2008, v. IV, p. 206)De Simoni, no prefácio <strong>de</strong> sua obra, escreve um pequenotratado refletindo sobre o que é tradução e a sua prática tradutóriapessoal. Nele, afirma:[...] o nosso sistema <strong>de</strong> verter é ser sim fiéisquanto é possível aos pensamentos do autor,mas não o ser somente a eles, nem tanto que afi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> seja escravidão; e dar à versão omesmo caráter que tem o origi<strong>na</strong>l, aten<strong>de</strong>ndosempre ao que é mais saliente, e diligenciandocompreen<strong>de</strong>r nela o maior número <strong>de</strong> elementos<strong>de</strong> beleza que este apresenta. (1843, p. X)Desse conjunto <strong>de</strong> escritos sobre tradução, tanto <strong>na</strong> Europacomo no Brasil, sem ter-se certeza <strong>de</strong> qual era o grau <strong>de</strong> informação e <strong>de</strong>conhecimento que o Imperador possuía <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>bate, parece proce<strong>de</strong>ntesupor que Dom Pedro II <strong>processo</strong>u intelectualmente e assimilousobretudo, os preceitos <strong>de</strong> De Simoni. Esses se a<strong>de</strong>quaram melhor aoseu objetivo principal com a tradução dos cantos da Divi<strong>na</strong> Comédia: o<strong>de</strong> mostrar-se um escritor à altura <strong>de</strong> frequentar os altos círculos daliteratura mundial da segunda meta<strong>de</strong> do século XIX.


180CONCLUSÃOA análise em andamento admite que Dom Pedro II conheciamuito bem o episódio <strong>de</strong> "Paolo e Francesca" - <strong>na</strong>rrado por Dante nocanto V do "Inferno" da Divi<strong>na</strong> Comédia - e que, por conseguinte, tinhacontato íntimo com o origi<strong>na</strong>l. Provavelmente o sabia <strong>de</strong> memória, e,assim, é presumível que tivesse pronto <strong>na</strong> cabeça o sentido geral datradução e que, mentalmente, <strong>de</strong>ve ter testado soluções tradutórias e osseus efeitos antes mesmo <strong>de</strong> sentar-se à mesa com a pe<strong>na</strong> e a folha <strong>de</strong>papel em branco à sua frente. Portanto, ao iniciar-se o ato tradutório emsi, ou seja, no momento da escritura, é possível que a parte mais intensado <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> já houvesse se dado através <strong>de</strong> contínuos eincessantes jorros intelectuais, transpassados por anos <strong>de</strong> contato com ocanto e consubstanciados em inúmeros momentos <strong>de</strong> abstrações.Essa síntese do <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> <strong>de</strong> Dom Pedro II é <strong>de</strong> difícil<strong>de</strong>talhamento, mas possível <strong>de</strong> ser percebida <strong>na</strong> análise dos rascunhos dasua primeira tentativa <strong>de</strong> tradução. São pouquíssimas as alterações queele faz <strong>na</strong>s versões dois e três até chegar ao manuscrito <strong>de</strong>finitivo. Aquantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rasuras e <strong>de</strong> cancelamentos durante o fluxo tradutório,algumas infelizmente <strong>de</strong> difícil transcrição, po<strong>de</strong>m, equivocadamente,induzir à suposição <strong>de</strong> um <strong>processo</strong> difícil, repleto <strong>de</strong> hesitações, cheio<strong>de</strong> encruzilhadas, <strong>de</strong> intensa pesquisa e <strong>de</strong> uso constante do dicionário.Uma análise rápida, influenciada pela difusão, por alguns, da i<strong>de</strong>ia dabaixa qualida<strong>de</strong> literária dos escritos e das traduções <strong>de</strong> Dom Pedro II,po<strong>de</strong>ria levar a pesquisa a este resultado e obstruir a percepção <strong>de</strong> que aschaves do <strong>processo</strong> tradutório foram giradas <strong>na</strong> primeira campanha <strong>de</strong>tradução, <strong>na</strong> escritura da primeira versão. Por conseguinte, po<strong>de</strong>-se


181supor que a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rasuras <strong>na</strong> primeira versão não foi causadapor encruzilhadas, por gran<strong>de</strong>s hesitações, por dúvidas angustiantes,enfim, por <strong>processo</strong>s que lhe exigiram gran<strong>de</strong>s períodos <strong>de</strong> reflexão e <strong>de</strong>pesquisa, mas, ao contrário, pela intensida<strong>de</strong> do jorro inicial. O esforçorealizado foi o da busca pela melhor métrica, pela melhor estética, pelamelhor poética.Esse primeiro jorro <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Dom Pedro II consta <strong>de</strong> ummanuscrito <strong>de</strong> duas pági<strong>na</strong>s. A julgar pela disposição do texto, peloformato da letra, e mesmo, pela forma das rasuras, foi escrito em umaúnica campanha <strong>de</strong> tradução, provavelmente num intervalo <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong>curta extensão, para não dizer, em um ato contínuo, tal é a flui<strong>de</strong>z dojorro. Hay afirma que:Uma simples folha po<strong>de</strong>, por sua matéria, suasimpressões, seu formato, falar <strong>de</strong> um lugar, <strong>de</strong>um tempo, <strong>de</strong> uma classificação. A forma <strong>de</strong>uma escritura po<strong>de</strong> marcar as épocas <strong>de</strong> umavida, revelar as etapas e como que a respiração<strong>de</strong> um trabalho. Assim não se trata ape<strong>na</strong>s <strong>de</strong><strong>de</strong>cifrar um manuscrito, mas <strong>de</strong> compreendê-lo,e, por isso, <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a vê-lo. Valéry aindadizia: “O texto lido, o texto visto, são coisasmuito distintas” – e para quem penetra nouniverso da escritura, <strong>na</strong>da é tão surpreen<strong>de</strong>ntequanto o contraste entre a folha manuscrita esua figura impressa. (2010, p.21)Ou seja, as hesitações do poeta Pedro <strong>de</strong> Alcântara parecemmais consequências da intensida<strong>de</strong> do <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> do que em razão<strong>de</strong> dúvidas lexicais ou semânticas.Existe uma razoável controvérsia sobre o valor poético eliterário da obra do Imperador. O editor <strong>de</strong> 1932 consi<strong>de</strong>rava a obra <strong>de</strong>


182Dom Pedro II como sendo <strong>de</strong> pouco valor. Já o escritor francês VictorHugo cunhou Dom Pedro II com o epíteto <strong>de</strong> "neto <strong>de</strong> Marco Aurélio”. 58Por isso, é importante não per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista que avaliações comoa <strong>de</strong> Me<strong>de</strong>iros e Albuquerque foram constituídas, em sua maioria, nomomento imediatamente posterior à proclamação <strong>de</strong> uma república semapelo popular, que <strong>de</strong>rrubou um mo<strong>na</strong>rca, que, se não era idolatrado porseu povo, era por ele respeitado.Todos estão sujeitos à crítica, Agripino Grieco, por exemplo,citado por José Paulo Paes (1990) no seu livro Tradução a pontenecessária, avaliando as duas mais importantes traduções integrais daDivi<strong>na</strong> Comédia no século XIX, não poupa, sequer, Xavier Pinheiro,autor <strong>de</strong> uma das mais conhecidas e respeitadas traduções <strong>de</strong>ssa obra <strong>de</strong>Dante para o português: “Os aportuguesadores <strong>de</strong> Dante, barão da Vilada Barra, Xavier Pinheiro e outros, até pareciam gibelinos vingativos, tala fúria com que maltrataram o pobre guelfo ainda uma vez <strong>de</strong>sterrado”(1990, p. 22).Para avaliar o valor poético e literário da obra <strong>de</strong> Dom Pedro II,no caso específico da tradução do canto V do “Inferno” <strong>de</strong> DanteAlighieri, é preciso que levemos em consi<strong>de</strong>ração duas variáveis, entretantas outras, possivelmente importantes. Uma <strong>de</strong>las diz respeito aoobjetivo do autor com a tradução e, a outra, diz respeito aos possíveisinteresses <strong>de</strong> quem leu - e <strong>de</strong> quem lerá – a tradução.Grosso modo, po<strong>de</strong>-se constatar que aquilo que ao texto, porassim dizer, po<strong>de</strong>ria faltar <strong>de</strong> valor poético e literário, ele possui <strong>de</strong>proximida<strong>de</strong> com o texto origi<strong>na</strong>l. A opção <strong>de</strong> produzir um texto58 Marco Aurélio foi imperador romano <strong>de</strong> 161 a 180. Filósofo estóico e autor <strong>de</strong> Pensamentos,um dos mais importantes textos humanistas da antiguida<strong>de</strong> clássica (SOUZA, 1979, p.123).


183poético, próximo do origi<strong>na</strong>l, sabidamente, majora as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>fazerem-se equações métricas e estéticas. Se fosse o caso <strong>de</strong> avaliarqual dos dois elementos têm maior importância, qual(is) seria(am) a(s)resposta(s) possível(is)? Po<strong>de</strong>-se afirmar: a resposta <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do objetivo<strong>de</strong> quem leu ou lerá o texto. Se um leitor, falante do português, quiserconhecer Dante próximo do origi<strong>na</strong>l, encontrará no canto V do“Inferno” <strong>na</strong> tradução <strong>de</strong> Dom Pedro II, uma boa amostra do vigorliterário do poeta fiorentino. Já se o leitor falante do português, e quemsabe, do italiano, quiser ler mais uma obra, po<strong>de</strong>rá encontrar em outrostextos, poéticas melhores e piores que a <strong>de</strong> Dom Pedro II, a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r doseu gosto e interesse. Ricoeur diz que:[...] o sonho da tradução perfeita equivale ao<strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> um ganho para a tradução, <strong>de</strong> umganho que seria uma perda. É justamente <strong>de</strong>sseganho sem perda que é preciso fazer o luto até aaceitação da diferença incontornável do próprioe do estrangeiro. [...] E é esse luto da traduçãoabsoluta que faz a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> traduzir. Afelicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> traduzir é um ganho quando,ligada à perda do absoluto linguístico, ela aceitaa distância entre a a<strong>de</strong>quação e a equivalência,a equivalência sem a<strong>de</strong>quação. Nisso está a suafelicida<strong>de</strong> (2011, p.29).A presente pesquisa procurou refletir sobre a importância daaplicação, em conjunto, para a análise <strong>de</strong> <strong>processo</strong>s <strong>criativo</strong>s, <strong>de</strong> duasimportantes teorias da tradução: os Estudos Descritivos da Tradução e aCrítica Genética. A primeira focando <strong>na</strong> análise do texto <strong>de</strong> chegada,<strong>de</strong>compondo-o e <strong>de</strong>screvendo suas estruturas mais íntimas e, a segunda,remontando a pré-história do texto consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong>finitivo. Sem aremontagem diacrônica dos manuscritos da tradução <strong>de</strong> Dom Pedro II,


184por exemplo, ao pesquisador po<strong>de</strong>riam ter passado <strong>de</strong>spercebidos oserros da edição impressa <strong>de</strong> 1932. Os equívocos revelados nestapesquisa graças ao prototexto - e não ao texto impresso - e a análisecontrastiva da tradução do Imperador com a <strong>de</strong> outros tradutores,possivelmente contemporâneos seus, são importantes. O que diria opesquisador sobre a tradução do verso 142 se esse consi<strong>de</strong>rasse comoverda<strong>de</strong>iro o texto impresso que usa o verbo “cair” <strong>na</strong> terceira pessoa,enquanto que em todas as versões dos manuscritos do Mo<strong>na</strong>rca o verboestá <strong>na</strong> primeira pessoa seguindo a estrutura temporal <strong>de</strong> Dante? Aliás,Eduardo Sterzi (2008), estudioso <strong>de</strong> Dante, consi<strong>de</strong>ra a soluçãoencontrada pelo poeta Pedro <strong>de</strong> Alcântara para o “<strong>de</strong>cisivo” verso 142excelente, porém, em seu livro Por que ler Dante, a atribuiu a Augusto<strong>de</strong> Campos (2008, p. 151). 59De tal modo, parece importante <strong>de</strong>stacar a contribuição que aCG permite aditar aos estudos literários. A crítica literária, ao <strong>de</strong>bruçarsesomente sobre a obra editada, coloca para si mesma limites quedificultam a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um olhar além, que alcance o que po<strong>de</strong>estar <strong>de</strong>pois da curva do presente, nesse caso, à curva que conduz aopassado e que, por ter sido já percorrido, po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>svendado. A estradaque conduz à revelação que está no <strong>de</strong>vir do texto é o manuscrito. Aperspectiva genética permite a revisão crítica e histórica do <strong>processo</strong><strong>criativo</strong> <strong>de</strong> um autor, <strong>de</strong> um tradutor e, assim, possibilita que se<strong>de</strong>sven<strong>de</strong>m, inclusive, possíveis <strong>processo</strong>s <strong>de</strong> manipulação quedirecio<strong>na</strong>m a leitura do público - sobretudo <strong>na</strong>s edições póstumas pornão passarem pelo crivo fi<strong>na</strong>l do autor. Isso po<strong>de</strong> ter ocorrido com59 Sterzi, após o encerramento da palestra Dante Alighieri e a pré-história da lírica mo<strong>de</strong>r<strong>na</strong>,proferida <strong>na</strong> <strong>UFSC</strong> em 6 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2012, disse-me que já havia sido alertado para o fato <strong>de</strong> oprimeiro tradutor brasileiro a dar para o verso 142 do canto V do “Inferno” a solução: “E caícomo corpo morto cai” tinha sido Dom Pedro II.


185relação à obra <strong>de</strong> Dom Pedro II. O direcio<strong>na</strong>mento do leitor para umjulgamento negativo po<strong>de</strong> ter afetado a leitura em si, como, do mesmomodo, <strong>de</strong>sestimulado potenciais leitores. Essa po<strong>de</strong> ser uma daspossíveis explicações para o pouco conhecimento da obra literária doImperador e <strong>de</strong> seu trabalho como tradutor, prévia e <strong>de</strong>liberadamenteposta à margem do polissistema literário <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l.O comportamento e a conduta geral indicam que Dom Pedro IInão se pretendia um gran<strong>de</strong> poeta, mas, que tinha o objetivo <strong>de</strong> serconsi<strong>de</strong>rado e aceito nesse meio, não exclusivamente da poesia e daliteratura, porém, no mundo das artes e da ciência, e não ape<strong>na</strong>s comoum produtor <strong>de</strong>ssas, mas, também, como um admirador e umincentivador. Aspirava à imagem <strong>de</strong> um mo<strong>na</strong>rca mo<strong>de</strong>rno, apoiador dasciências e das artes e <strong>de</strong> um homem engajado no seu estudo e<strong>de</strong>senvolvimento.O transcorrer da pesquisa <strong>de</strong>monstrou que há pouco estudoacerca do trabalho <strong>de</strong> Dom Pedro II como tradutor, o que po<strong>de</strong> ser umindício da existência <strong>de</strong> lacu<strong>na</strong>s no estudo da história da traduçãobrasileira. Assim como o Imperador, é possível que outros tradutoresbrasileiros, por diversas razões, também tenham sido pouco estudados.Tais lacu<strong>na</strong>s nos remetem à reflexão sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umaedificação mais substanciosa <strong>de</strong> uma história da tradução no Brasil.Por fim, a pesquisa, ao <strong>de</strong>svelar os momentos do <strong>processo</strong><strong>criativo</strong> <strong>de</strong> Dom Pedro II durante o seu fluxo tradutório, ratifica aquiloque parece ser a tese central da CG: <strong>de</strong> que o <strong>processo</strong> <strong>criativo</strong> não élinear, mas <strong>de</strong>scontínuo, elíptico, permeado por dúvidas e tentativas,avanços e recuos, hesitações e <strong>de</strong>cisões, novas dúvidas e novascomposições, releituras e rescrituras que se suce<strong>de</strong>m até o momento em


186que o autor <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> fixar o texto ao publicá-lo, exteriorizando o contínuodo seu pensamento. A CG, enquanto uma teoria em construção, mostraque a tradução também é um ato <strong>de</strong> escritura e, como tal, passa pelosmesmos momentos da escritura do texto chamado <strong>de</strong> origi<strong>na</strong>l,produzindo um novo texto a ser oferecido a uma outra cultura queexperimentará nele o prazer da leitura.


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APÊNDICE A – Transcrição diplomática dos manuscritos do episódio <strong>de</strong>Francesca da Rimini197


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APÊNDICE B – Quadro comparativo: texto <strong>de</strong> partida - texto chegada225


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227APÊNDICE C - Quadro comparativo <strong>de</strong> traduções do episódio <strong>de</strong>Francesca da Rimini do canto V do “Inferno” da Divi<strong>na</strong> Comédia: DomPedro II - De Simoni - Barão da V. da Barra - Xavier Pinheiro


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ANEXO A - Carta <strong>de</strong> Dom Pedro II à atriz italia<strong>na</strong> A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Ristori233


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