sos aleatórios ou meramente casuais. Ao que nos parece,deve ter sido moldado, entre outros fatores, pela necessidade:a d<strong>em</strong>ora da viag<strong>em</strong>, as alterações climáticas e geográficaspraticamente impossibilitavam a vinda de boa parte dasplantas medicinais da Europa, levando os boticários eherbanários a utilizar<strong>em</strong> plantas da flora silvestre nativa 134 .A proposta de discutir cada planta, além de fornecer da<strong>dos</strong>de identificação científica e propriedades farmacológicasatuais, constitui análise do cenário histórico fornecido pelaliteratura de consulta onde se inser<strong>em</strong> as plantas medicinais.As indicações <strong>dos</strong> lugares onde os simples da Triaga podiamser encontra<strong>dos</strong>, de acordo com a transcrição de SerafimLeite, levantam questões igualmente complicadas. Em primeirolugar, a data de impressão da receita é de 1766, <strong>em</strong>borapossa ter sido compilada e utilizada muito antes disso 135 .O termo “sertão”, <strong>em</strong>pregado muitas vezes na indicação geográfica<strong>dos</strong> simples, encerra <strong>em</strong> si uma dificuldade espacialdifícil de delimitar na época <strong>em</strong> questão, pois não sab<strong>em</strong>os,ao certo, a que regiões se referia. Além do mais, se considerarmosa data de 1766 como referencial único da Triaga, olapso de t<strong>em</strong>po até o presente é de aproximadamente du-______________________134M. L. L. Rodrigues, “Guilherme Piso e o conhecimento da flora medicinalbrasileira no século XVII (1638-1644)”, p. 9, afirma que “Piso, entre tantos outrosviajantes, foi um <strong>dos</strong> poucos que procurou conhecer o modo de curar <strong>dos</strong> índiosbrasileiros”. Segundo a autora, G. Piso refletiu, principalmente, sobre o confrontoentre o uso terapêutico <strong>dos</strong> vegetais feito pelos brasilíndios, com aquele que ele jáconhecia (Ibid., p. 41).135Vide Apêndice II, Noticia breve <strong>dos</strong> lugares onde se achão alguns simplices quecompo<strong>em</strong> a Triaga sobredita. A menção da data na folha de rosto da receita, 1766,não significa, entretanto, que a Triaga foi inteiramente compilada nesse ano.Acreditamos que sua compilação abrangeu um período amplo, difícil de precisar.De fato, a mesma receita cita, conforme nota explicativa no Apêndice II, a utilização<strong>dos</strong> sais e óleos químicos pelo Irmão André da Costa, que faleceu <strong>em</strong> 1712,portanto muito antes da data mencionada.76 - 15/04/2009
zentos e cinqüenta anos. Nesse período, muitas das espéciesidentificadas segundo literatura atual, e para as quais sãocitadas informações geográficas também atuais, pod<strong>em</strong> terdesaparecido das localidades citadas, ou n<strong>em</strong> mesmo ter<strong>em</strong>sido reportadas na literatura especializada. Estes obstáculosserão discuti<strong>dos</strong> <strong>em</strong> cada planta, especificamente.A identificação botânica das plantas da receita é, talvez,um <strong>dos</strong> grandes probl<strong>em</strong>as surgi<strong>dos</strong> durante o estudo. A citação<strong>dos</strong> simples não é feita, como é de se imaginar, <strong>em</strong>linguag<strong>em</strong> binominal ou lineana 136 . As plantas são apresentadas<strong>em</strong> português da época ou <strong>em</strong> língua geral, ou então<strong>em</strong> línguas indígenas. Desta forma, trilhar caminhosidentificatórios para as plantas foi uma jornada por labirintosmuitas vezes confusos e pouco elucidativos. A taxonomiaatual não fornece, <strong>em</strong> alguns casos, soluções confiáveis, querpela falta de informações sobre plantas do passado, quer pelaineficiência <strong>dos</strong> próprios sist<strong>em</strong>as taxonômicos 137 . Na Triaga,________________________portanto, as espécies vegetais são mencionadas sob os no-136Não entrar<strong>em</strong>os na questão de Lineu (1707-1778) e de todo o sist<strong>em</strong>a propostopor ele porque esta discussão não cabe neste trabalho. Primeiramente, porque adata de impressão da receita é 1766, praticamente cont<strong>em</strong>porânea da época <strong>em</strong>que o taxonomista começou a dar corpo ao seu sist<strong>em</strong>a classificatório (sua famosaobra Species Plantarum é publicada <strong>em</strong> 1733). Em segundo lugar, porque est<strong>em</strong>esmo sist<strong>em</strong>a só começou a ser aceito na Europa <strong>em</strong> finais do século XVIII einício do século XIX, mesmo assim com opositores, como Spallanzani e Buffon,entre outros.137A taxonomia (do grego táxis, lei, princípio, categoria, e nomós, nomenclatura,disposição), é definida como a ciência que estuda a classificação, a identificação ea nomenclatura <strong>dos</strong> seres vivos. Basicamente, é um sist<strong>em</strong>a que se baseia <strong>em</strong>critérios classificatórios, tais como estruturas de reprodução, característicasanatômico-fisiológicas etc. Aceita-se, atualmente, sete diferentes taxa (níveis),que correspond<strong>em</strong> aos termos reino, filo/divisão, classe, ord<strong>em</strong>, família, gênero eespécie, com subníveis variáveis. A tendência <strong>em</strong> muitos centros de pesquisa érecorrer também à sist<strong>em</strong>ática e à filogenia. Cf. A. L. Panchen, Classification,Evolution and the Nature of Biology, p. 126. Vale l<strong>em</strong>brar que, historicamente, aclassificação <strong>dos</strong> vegetais segue a seqüência: classificação medicinal (propriedadesfarmacológicas), como <strong>em</strong> Dioscórides; classificação sist<strong>em</strong>ática (famílias botânicas),como <strong>em</strong> Lineu; classificação evolutiva (filiação ontogênica), como <strong>em</strong>Dahlgren; e classificação t<strong>em</strong>ático-ecológica (ecossist<strong>em</strong>as e grandes áreas da botânica),como nos autores cont<strong>em</strong>porâneos ocidentais (A. L. Janeira, op. cit., p. 21).Vide também M. N. Arêdes, “Humboldt e a geografia das plantas”, p. 17.15/04/200977
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