11.07.2015 Views

Ler ao invés de ver - Universidade Tuiuti do Paraná

Ler ao invés de ver - Universidade Tuiuti do Paraná

Ler ao invés de ver - Universidade Tuiuti do Paraná

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>Ler</strong> <strong>ao</strong> invés <strong>de</strong> <strong>ver</strong>: pressupostos paraanálises <strong>de</strong> imagens fotográficasLúcio Kürten <strong>do</strong>s PassosDoutoran<strong>do</strong> <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> e Doutora<strong>do</strong> em Comunicação e Linguagens - Uni<strong>ver</strong>sida<strong>de</strong><strong>Tuiuti</strong> <strong>do</strong> Paraná


ResumoO presente estu<strong>do</strong> é parte <strong>de</strong> uma pesquisa sobre a produção <strong>de</strong> efeitos <strong>de</strong> senti<strong>do</strong> nas fotografias da imprensabrasileira. Nesta abordagem são apresentadas algumas correntes teóricas que <strong>ver</strong>sam sobre os processos <strong>de</strong>interpretação da mensagem fotográfica, ten<strong>do</strong> como contexto as imagens veiculadas na imprensa, partin<strong>do</strong> <strong>de</strong>uma contextualização histórica que se inicia em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XIX. Gradualmente a fotografia afirmasecomo meio <strong>de</strong> comunicação, com características próprias, tornan<strong>do</strong>-se um novo texto, mas visual. <strong>Ler</strong> amensagem fotográfica é o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> quem a consome. Este trabalho procura orientar por meio da apresentação<strong>de</strong> conceitos e teorias <strong>de</strong> base, como ler imagens <strong>ao</strong> contrário <strong>de</strong> simplesmente <strong>ver</strong>.Palavras-chave: Fotografia. Imagens. Interpretação. Mensagem. Comunicação.AbstractThis study is part of research on the production of meaning effects in the photographs of the Brazilian press.In this approach presents some theoretical approaches that <strong>de</strong>al with the processes of interpretation of thephotographic message, whose context the images presented in the media, from a historical context that begins inmid-nineteenth century. Gradually the picture states as a means of communication with its own characteristics,becoming a new text but visual. Read photographic message is the challenge of who consumes. This work triesto steer through the presentation of basic concepts and theories as read images as opposed to simply see.Keywords: Picture. Pmage. Interpretation. Message. Communication.


1 Len<strong>do</strong> os textos visuais da imprensaAo optar por ler uma imagem <strong>ao</strong> contrário <strong>de</strong>simplesmente <strong>ver</strong>, há que se levar em consi<strong>de</strong>ração<strong>de</strong> que as condições estabelecidas não visam, antes <strong>de</strong>quaisquer outras possibilida<strong>de</strong>s, o confronto <strong>de</strong> olhares.Durante o processo analítico propõe-se uma leitura<strong>do</strong> conjunto <strong>de</strong> elementos conota<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>nota<strong>do</strong>sque formam a imagem fotográfica. Não se tratapropriamente <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> da diferença entre <strong>do</strong>is pontos<strong>de</strong> vista (o <strong>do</strong> fotógrafo e o <strong>do</strong> leitor). Para Greimas(2004), um olhar nunca se configura ingenuamente euma intuição também não é simplesmente pura, porisso a fotografia é compreendida sob o ponto <strong>de</strong> vista<strong>de</strong>ssa abordagem como uma imagem representada emsuperfície plana (papel ou tela) e que permitirá a buscapor uma leitura não linear, na qual o conjunto imagem/enuncia<strong>do</strong> será trata<strong>do</strong> como texto visual. Como se<strong>ver</strong>sa <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong> roteiro com apresentação <strong>de</strong>conceitos e bases a serem emprega<strong>do</strong>s, enten<strong>de</strong>-sepertinente o resgate <strong>de</strong> alguns aspectos históricos sobre


Lúcio Kürten <strong>do</strong>s Passos 175diferentes, varian<strong>do</strong> <strong>do</strong> claro <strong>ao</strong> escuro. As fotografiasque anteriormente eram reproduzidas por meio dagravura feita na ma<strong>de</strong>ira, não permitiam que o leitordispensasse sua atenção a elas, em função da baixaqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição e da ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes.É nessa época que se principiam os processos <strong>de</strong>reprodução da imagem e é quan<strong>do</strong> surgem as primeirasconfusões relacionadas às formas <strong>de</strong> impressão eautoria. Primeiro porque não existia algum tipo <strong>de</strong>máquina que não a prensa, para imprimir com qualida<strong>de</strong>a imagem fotográfica. Em segun<strong>do</strong> lugar, gravuristas epintores tinham seus serviços contrata<strong>do</strong>s para, a partir<strong>de</strong> um original fotográfico, reproduzir em ma<strong>de</strong>ira amesma imagem para somente <strong>de</strong>pois ser impressa. Éclaro que a perda <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes e também a co-autoriada imagem <strong>de</strong>scaracterizavam o produto final. Essa<strong>de</strong>scaracterização po<strong>de</strong> ser fundamentada no queWalter Benjamin 4 anos mais tar<strong>de</strong> chamaria <strong>de</strong> perdada aura da obra 5 <strong>de</strong> arte.Mesmo por princípio, a obra <strong>de</strong> arte foi sempre suscetível <strong>de</strong>reprodução. O que uns homens haviam feito, outros podiam refazer.Em todas as épocas discípulos copiaram obras <strong>de</strong> arte a título <strong>de</strong>exercício; mestres as reproduziam para assegurar-lhes difusão;falsários as imitaram para assim obter algum ganho material.As técnicas <strong>de</strong> reprodução são, entretanto, um fenômeno novo, quenasceu e se <strong>de</strong>senvolveu no curso da história, por etapas sucessivas,separadas por longos intervalos, mas num ritmo cada vez maisrápi<strong>do</strong> (BENJAMIM, 2000, p. 222).Essa afirmativa exposta em um <strong>do</strong>s primeirosparágrafos <strong>do</strong> texto <strong>de</strong> Benjamin revela o queexatamente acontecia na época. Porém, estava sereproduzin<strong>do</strong> também manualmente a partir <strong>do</strong>resulta<strong>do</strong> proporciona<strong>do</strong> pelo aparelho. Era o processoin<strong>ver</strong>so, mas que permitia a difusão da imagem pelosprimeiros órgãos <strong>de</strong> imprensa. Cópias a partir <strong>de</strong>originais, que se transformavam em novas cópias. Atécnica <strong>de</strong> half tone foi o primeiro processo usa<strong>do</strong>para a impressão <strong>de</strong> imagens na imprensa, por meioda xilogravura, utilizada como forma. Assim, asconfusões e disputas por direitos autorais da imagemque aconteciam entre os fotógrafos e pintores estavaminstauradas.A pintura não tinha mais como concorrer com afotografia, pois o olho mecânico assimila melhor erepresenta muito mais rápi<strong>do</strong> que a mão <strong>do</strong> pintor.Com a fotografia, pela primeira vez a mão se liberou das tarefasartísticas essenciais, no que toca a reprodução das imagens, as4 Esta abordagem se dá pelo texto clássico da comunicação redigi<strong>do</strong> por Benjamin nos anos 1940, “A obra <strong>de</strong> arte na era <strong>de</strong> sua reprodutibilida<strong>de</strong>técnica” (2000)5 É importante frisar que nesse perío<strong>do</strong> o fotojornalismo ainda estava se <strong>de</strong>senhan<strong>do</strong> como gênero da fotografia que podia ser consi<strong>de</strong>rada comoum espelho <strong>do</strong> real, muito próximo da pintura, portanto, ainda uma forma <strong>de</strong> arte que acabara <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scoberta.<strong>Tuiuti</strong>: Ciência e Cultura, n. 46, p. 171-185, Curitiba, 2013.


176<strong>Ler</strong> <strong>ao</strong> invés <strong>de</strong> <strong>ver</strong>: pressupostos...quais, <strong>do</strong>ravante, foram reservadas <strong>ao</strong> olho sen<strong>do</strong> fixa<strong>do</strong> sobrea objetiva. Todavia, como o olho apren<strong>de</strong> mais rápi<strong>do</strong> <strong>do</strong> que amão <strong>de</strong>senha, a reprodução <strong>de</strong> imagens po<strong>de</strong> ser feita, a partir <strong>de</strong>então, num ritmo tão acelera<strong>do</strong> que consegue acompanhar a própriacadência <strong>de</strong> palavras. A fotografia, graças a os aparelhos rotativos,fixa as imagens, no estúdio, com a mesma rapi<strong>de</strong>z com que o atorpronuncia palavras (BENJAMIM, 2000, p.233).Novamente uma quebra <strong>de</strong> paradigmas e o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> fotojornalismo, que passa aexperimentar novas técnicas com o aparecimento<strong>do</strong>s estúdios com iluminação artificial e a abertura <strong>de</strong>exposições pela Inglaterra, exploran<strong>do</strong>-se cada vez maiso potencial da câmera como instrumento <strong>de</strong> trabalhopara a imprensa.Essas imagens serviam como um simplescomplemento <strong>de</strong>corativo <strong>do</strong> texto, assumin<strong>do</strong> umafunção ilustrativa. Mas, para enten<strong>de</strong>r o fotojornalismoé necessário ler tais imagens, também, como um texto.Um texto in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte daquele que se apresenta comcaracteres tipográficos. Não é mais um complemento.É um elemento visual <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> atração. É precisoextrair a imagem <strong>do</strong> contexto jornalístico e a<strong>de</strong>ntrar noimaginário simbólico <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> pelas marcas <strong>do</strong> entornoda cena que mais adiante trataremos como marcas daenunciação.Gradativamente pelo mun<strong>do</strong> a fotografia se inserena socieda<strong>de</strong> como um elemento sociocultural, o quevai exigir aprimoramento profissional da ativida<strong>de</strong>fotográfica como passar <strong>do</strong>s anos.Na Alemanha, as fotografias <strong>de</strong> notícia passavam<strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong> a influenciar no <strong>de</strong>sign da página impressa,estabelecen<strong>do</strong> um novo padrão <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> jornaise revistas. Tratava-se <strong>do</strong>s primeiros indícios <strong>do</strong> que secondiciona chamar <strong>de</strong> contexto jornalístico, ou seja, apágina impressa.A forma como se articulava o texto e a(s) imagem(s) nas revistasilustradas alemãs da “nova vaga” permite que se fale comproprieda<strong>de</strong> em fotojornalismo. Já não é apenas a imagem isoladaque interessa, mas sim o texto e to<strong>do</strong> o “mosaico” fotográfico comque se tenta contar a “estória”, não raras vezes interpretan<strong>do</strong>-seo acontecimento, assumin<strong>do</strong>-se um ponto <strong>de</strong> vista, esclarecen<strong>do</strong>-se,exploran<strong>do</strong>-se a conotação, mesmo que não se <strong>de</strong>sse conta disso.As fotos <strong>de</strong> imprensa, enquanto elementos <strong>de</strong> mediação visual, vãomudar (SOUSA, 2000, p.72-73).Era a influência <strong>do</strong>s movimentos artísticos servin<strong>do</strong>para mostrar, que o <strong>de</strong>sign da página não podia maispermanecer centra<strong>do</strong> somente na tipografia e na letra,precisava compreen<strong>de</strong>r o conjunto texto e imagem.Tu<strong>do</strong> era váli<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as melhores imagensfossem feitas para associar-se com o mesmo grau <strong>de</strong>importância <strong>de</strong> um texto na página impressa, que passaa dar espaço <strong>ao</strong>s infográficos, quebran<strong>do</strong> to<strong>do</strong>s osparadigmas tradicionais <strong>do</strong> <strong>de</strong>sign <strong>de</strong> publicação.<strong>Tuiuti</strong>: Ciência e Cultura, n. 46, p. 171-185, Curitiba, 2013.


Lúcio Kürten <strong>do</strong>s Passos 177Mais recentemente o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>softwares específicos para tratamentos <strong>de</strong> imagempermitiu <strong>ao</strong>s veículos <strong>de</strong> comunicação contarcom o auxílio <strong>de</strong> mais representações e com maisqualida<strong>de</strong> para não somente ilustrar as reportagens,mas traduzir o conteú<strong>do</strong> escrito para um imagético.O advento da internet vai proporcionar a facilida<strong>de</strong><strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> fotos, difundin<strong>do</strong> ainda mais suacultura, propician<strong>do</strong> a criação <strong>de</strong> bancos <strong>de</strong> da<strong>do</strong>scom imagens digitais, disponíveis para compra, troc<strong>ao</strong>u simplesmente apreciação e leitura.A evolução tecnológica e os impactos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>mcomunicacionais proporciona<strong>do</strong>s pela ascen<strong>de</strong>nteinserção da fotografia nos meios <strong>de</strong> comunicaçãorequerem atenção maior no trato, bem como no usoda linguagem visual.3 Embasamento para proposta <strong>de</strong>análiseTu<strong>do</strong> indica que apren<strong>de</strong>mos a ler imagens, pelomenos, <strong>de</strong> forma intuitiva ou não crítica, muito antes<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>rmos a ler um texto escrito, mas, atualmente,é possível se chegar a um grau <strong>de</strong> equivalência daimportância <strong>do</strong> texto impresso e da imagem fotográfica<strong>de</strong> imprensa. Conhecer teorias <strong>de</strong>dicadas <strong>ao</strong> estu<strong>do</strong>da comunicação visual e <strong>de</strong> que forma esta <strong>de</strong>spertano leitor o interesse para a análise, por meio <strong>de</strong> suasaplicações e associações, é o começo <strong>de</strong> uma trajetóriaque se esten<strong>de</strong>rá por meio <strong>de</strong> di<strong>ver</strong>sas incursões, muitasvezes sobre uma única imagem.A i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> elementos que se encontram<strong>de</strong>nota<strong>do</strong>s e conota<strong>do</strong>s na imagem, e que, via <strong>de</strong>regra, possam passar <strong>de</strong>spercebi<strong>do</strong>s pelos leitores,são fundamentais para compreen<strong>de</strong>r quais efeitos<strong>de</strong> senti<strong>do</strong> que uma representação po<strong>de</strong> suscitar emquem as leem. Entre alguns <strong>de</strong>sses aspectos estáa classificação e divisão por níveis <strong>de</strong> leitura combase na teoria <strong>de</strong> Panofsky (1976) e neste estu<strong>do</strong>apresenta<strong>do</strong> por Lima (1988) e Kossoy (2001).Para que as leituras sejam feitas sem a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong>um único enfoque, o leitor po<strong>de</strong>-se colocar diante<strong>de</strong> cada enuncia<strong>do</strong>, buscan<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ntificar inicialmenteas marcas da enunciação 6 , partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> pressuposto<strong>de</strong> que ela nos convoca a uma leitura que se dá emtais diferentes níveis, ou, como sugere Ivan Lima,nas seguintes fases: percepção, i<strong>de</strong>ntificação einterpretação.6 Enten<strong>de</strong>r-se-á <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo que está se propon<strong>do</strong> que a enunciação po<strong>de</strong> ser entendida como to<strong>do</strong>s os fatos que antece<strong>de</strong>rão a tomadada cena pelo fotógrafo que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> fixar o tempo no espaço a transforma em um enuncia<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> momento em que compartilha pormeio da imprensa o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse processo. Para se aprofundar nos conceitos <strong>de</strong> Enuncia<strong>do</strong> e Enunciação <strong>ver</strong> As Astúcias da Enunciação <strong>de</strong>José Luiz Fiorin.<strong>Tuiuti</strong>: Ciência e Cultura, n. 46, p. 171-185, Curitiba, 2013.


178<strong>Ler</strong> <strong>ao</strong> invés <strong>de</strong> <strong>ver</strong>: pressupostos...A percepção é puramente ótica: os olhos percebem as formas eas tonalida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>minantes sem as i<strong>de</strong>ntificar. Ela é igualmentemuito rápida e não ultrapassa cerca <strong>de</strong> meio segun<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> queo hábito da televisão reduz ainda mais essa duração, sobretu<strong>do</strong>nas crianças. A leitura <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação é uma ação às vezes óticaàs vezes mental, como a leitura <strong>de</strong> um texto. O leitor i<strong>de</strong>ntific<strong>ao</strong>s componentes da imagem e registra mentalmente seu conteú<strong>do</strong>.A terceira fase, que é a da interpretação, é uma ação puramentemental. É nesse esta<strong>do</strong> que se manifesta o caráter polissêmico dafotografia (1988, p.22).Entre leituras e releituras, seguin<strong>do</strong> as marcas<strong>de</strong>ixadas pela enunciação no enuncia<strong>do</strong>, po<strong>de</strong> chegara uma construção <strong>de</strong> senti<strong>do</strong> por meio da leitura, mas,sugere-se, ainda, adicionar a esses níveis <strong>de</strong> leitura, ascategorias: técnicas, plásticas e semânticas.A leitura <strong>de</strong> elementos plásticos 7 associada <strong>ao</strong>saspectos técnicos geram os valores polissêmicos dafotografia. Partin<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista, é possíveli<strong>de</strong>ntificar a relação da imagem com o texto, ou, atémesmo, com a página impressa. A análise consiste,também, em <strong>de</strong>senvol<strong>ver</strong> possíveis interpretações <strong>do</strong>fotojornalismo ou das fotografias em geral, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong>pressuposto que se um texto escrito não nos diz algumacoisa, a fotografia po<strong>de</strong> dizer algo a mais. Em muitoscasos, a compreensão da fotografia como gera<strong>do</strong>ra<strong>de</strong> novos senti<strong>do</strong>s, aborda aspectos que revelam, apartir <strong>do</strong> olhar <strong>de</strong> um terceiro, traços <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong>construída, conforme aborda<strong>do</strong> por Passos (2012).Sobre a leitura <strong>de</strong> classificação técnica não se po<strong>de</strong><strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consultar os manuais <strong>de</strong> redação, os guiasfotográficos, e também <strong>ao</strong> empirismo.No que se convencionou chamar <strong>de</strong> classificaçãosemântica Roland Barthes (1984) e suas notas sobrefotografia em sua clássica obra, Câmara Clara, é umareferência oportuna. Principalmente <strong>ao</strong> colocar-se nacondição <strong>de</strong> espectator 8 na procura por <strong>de</strong>talhes que nostragam algo mais, ou que nos punge.Em latim existe uma palavra para <strong>de</strong>signar essa ferida, essa picada,essa marca feita por um instrumento pontu<strong>do</strong>; [...] A esse segun<strong>do</strong>elemento que vem contrariar o studium, chamarei então punctum;pois punctum é também picada, pequeno buraco, pequena mancha,pequeno corte – e também, pequeno lance <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s. O punctum <strong>de</strong>uma foto é esse acaso que, nela me punge (mas também me mortifica,me fere) (1984, p.46).O autor sugere ainda que os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> leitura <strong>de</strong>imagens sejam livremente cria<strong>do</strong>s, mas trarão semprepor base um repertório sígnico constituí<strong>do</strong> <strong>ao</strong> longoda trajetória individual <strong>do</strong>s leitores, composta <strong>de</strong> seusconjuntos <strong>de</strong> saberes. Barthes ainda insinua que não há7 Entenda-se por elementos plásticos, aqueles que representam no processo analítico <strong>de</strong> base Greimasiana, ou seja, cor e forma associadas àtopologia da imagem.8 Barthes utiliza termos em latim para criar condições <strong>de</strong> análise. Espectator: o mesmo que especta<strong>do</strong>r. Operator: o mesmo que fotógrafo.<strong>Tuiuti</strong>: Ciência e Cultura, n. 46, p. 171-185, Curitiba, 2013.


Lúcio Kürten <strong>do</strong>s Passos 179punctum em imagens <strong>de</strong> imprensa e que elas nada dizemou significam a ele.As fotos <strong>de</strong> reportagem são com muita frequência fotografias unárias(a foto unária não é forçosamente pacífica). Nessas imagens nada<strong>de</strong> punctum: choque – a letra po<strong>de</strong> traumatizar -, mas nada <strong>de</strong>distúrbio; a fotos po<strong>de</strong> “gritar”, não ferir. Essas fotos <strong>de</strong> reportagemsão recebidas (<strong>de</strong> uma só vez), eis tu<strong>do</strong>. Eu as folheio, não asrememoro; nelas, nunca um <strong>de</strong>talhe (em tal canto) vem cortar minhaleitura: interesso-me por elas (como me interesso pelo mun<strong>do</strong>), nãogosto <strong>de</strong>las. (1984, p.66, 67)Mesmo negan<strong>do</strong> a existência <strong>de</strong> elementos“pungentes” nas fotografias <strong>de</strong> imprensa, numa claraargumentação subjetiva, é interessante observar, econtrapor, que: se é possível a criação <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo<strong>de</strong> leitura, tal qual <strong>de</strong>ixa claro Barthes com CâmaraClara é, também, plausível, a apropriação, adaptaçãoou associação <strong>de</strong> conceitos. Tanto que já são emgran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s as publicações, periódicos eestu<strong>do</strong>s que se <strong>de</strong>dicam às imagens fotográficas,<strong>do</strong>s conteú<strong>do</strong>s <strong>de</strong> suas mensagens e das formas <strong>de</strong>leitura.Flusser (2002) apresenta o conceito <strong>do</strong> vaguear<strong>do</strong> olhar e a busca por pontos preferenciais naimagem fotográfica, estabelecen<strong>do</strong> uma relaçãocom elementos conotativos e <strong>de</strong>notativos e que seráapresenta<strong>do</strong> mais à frente.Ao <strong>de</strong>finir o direcionamento <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> paraimagens <strong>de</strong> imprensa é preciso ter mente que, emfunção <strong>de</strong> possuir características bastante instigantes,<strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da produção <strong>de</strong> senti<strong>do</strong> pela imagemestática, relacionada a um contexto que envolve outrossimbolismos <strong>de</strong>ntro da página <strong>de</strong> jornal, revista eoutros meios, é inevitável em alguns casos, associar-sea interface <strong>de</strong> veiculação durante a visualização.Levan<strong>do</strong>-se em consi<strong>de</strong>ração outras possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> análise, consiste na leitura <strong>de</strong> imagens, buscar,também, a interpretação da mensagem por meio dalinguagem visual encontrada no semissimbolismo – quetambém envolve os planos da expressão e <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>,e os divi<strong>de</strong> em categorias –, como explica Floch:[...] as linguagens semissimbólicas caracterizam-se não pelaconformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elementos da expressão e <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> isola<strong>do</strong>s, maspela conformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certas categorias <strong>de</strong>sses <strong>do</strong>is planos. Citam-segeralmente como formas semissimbólicas significantes as formasprosódicas e certas formas <strong>de</strong> gestualida<strong>de</strong>. O /sim/ e /não/correspon<strong>de</strong>m assim, em nosso uni<strong>ver</strong>so cultural, à oposição <strong>do</strong>smovimentos da cabeça sobre os eixos <strong>ver</strong>ticalida<strong>de</strong> vs horizontalida<strong>de</strong>.A semiótica visual pô<strong>de</strong> mostrar a importância das organizaçõessemissimbólicas na pintura figurativa como na pintura abstratae propôs chamar “linguagens plásticas” as linguagens visuais quemanifestam uma semiótica semissimbólica (1987, p. 43).O processo aqui sugeri<strong>do</strong> durante o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>imagens é analítico, composto por diferentes níveis<strong>Tuiuti</strong>: Ciência e Cultura, n. 46, p. 171-185, Curitiba, 2013.


180<strong>Ler</strong> <strong>ao</strong> invés <strong>de</strong> <strong>ver</strong>: pressupostos...<strong>de</strong> leitura já cita<strong>do</strong>s, da classificação que se estabelece<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s próprios níveis, que se <strong>de</strong>senvolveestabelecen<strong>do</strong> correlações entre as categorias daexpressão e <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>.Ainda sobre o semissimbolismo, Lúcia Teixeira(2004) reforça que durante a apreciação, o sistemadá certa liberda<strong>de</strong> para o leitor/analista construirseu próprio méto<strong>do</strong> ou caminho, que leva ainterpretação:Os sistemas semissimbólicos são lugares extremamente estimulantespara a observação <strong>de</strong> enuncia<strong>do</strong>s que, <strong>de</strong>spovoa<strong>do</strong>s da materialida<strong>de</strong>linguística, po<strong>de</strong>m mudar a direção <strong>do</strong> percurso <strong>de</strong> observação<strong>do</strong> analista, levan<strong>do</strong>-o à enunciação pressuposta logicamentepor enuncia<strong>do</strong>s <strong>de</strong> materialida<strong>de</strong> não-<strong>ver</strong>bal e daí <strong>ao</strong> encontro<strong>de</strong> formulações teóricas válidas no âmbito <strong>de</strong> teoria geral(TEIXEIRA, 2004, p.233).Tanto que, por convenção, a leitura oci<strong>de</strong>ntal se faz<strong>de</strong> cima para baixo e da esquerda para a direita <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>a criar uma espécie <strong>de</strong> diagonal <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte, tal qual seaplica <strong>ao</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> leitura visual <strong>de</strong> páginas impressas<strong>de</strong> jornal, cuja divisão é feita por meio <strong>de</strong> quadrantessuperiores ou inferiores e a partir da divisão imagináriaentre um eixo <strong>ver</strong>tical e horizontal. Também se observanesse méto<strong>do</strong> os la<strong>do</strong>s direito e esquer<strong>do</strong> da foto.A i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> das mensagensproporciona uma reflexão sobre como a imagem estásen<strong>do</strong> tratada como notícia, como é recebida peloleitor <strong>de</strong> jornal e como está distribuída. É possívelperceber que o horror e o espetáculo representa<strong>do</strong>sem muitas das imagens que circulam na imprensadiária – associadas diretamente a fatores sociopolíticose emotivos –, faz com que a fotografia ultrapasse afunção <strong>de</strong> um mero registro da realida<strong>de</strong> e se posicione,também, como uma fonte <strong>de</strong> informação sensorial,<strong>do</strong>cumental e <strong>de</strong> pesquisa.4 O <strong>do</strong>cumento fotográficoComo fonte iconográfica as fotografias <strong>de</strong> imprensase apresentam com características bastante peculiares,sobretu<strong>do</strong> se lidas a partir <strong>do</strong> contexto factual quegerou <strong>de</strong>terminadas cenas. Ao interpretar o conjunto <strong>de</strong>técnicas e linguagens empregadas durante o processo <strong>de</strong>construção <strong>de</strong>ssa imagem Joly (2001) afirma que, <strong>ao</strong> aplicaro estu<strong>do</strong> semiótico-linguístico em busca da interpretaçãoda mensagem, não se encontrará uma função <strong>de</strong> linguagempre<strong>do</strong>minante. No passa<strong>do</strong>, a limitação quanto <strong>ao</strong> usodas objetivas também não permitia gran<strong>de</strong>s inovaçõesno que diz respeito <strong>ao</strong>s enquadramentos que eram emmaioria gran<strong>de</strong>s planos gerais, e até mesmo sem muitaspossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interpretação.O fotojornalismo tem uma trajetória recente eatualmente são muitas as teorias que o estudam. No<strong>Tuiuti</strong>: Ciência e Cultura, n. 46, p. 171-185, Curitiba, 2013.


Lúcio Kürten <strong>do</strong>s Passos 181entanto, o valor <strong>ver</strong>da<strong>de</strong>iro da imagem na atualida<strong>de</strong> éo que mais se tem discuti<strong>do</strong>, em função <strong>de</strong> sua própriabanalização, proporcionada pelo aperfeiçoamento<strong>do</strong>s sistemas <strong>de</strong> impressão, produção e reprodução. Épertinente enten<strong>de</strong>r que a fotografia, hoje, não é apenasum mero complemento <strong>do</strong> texto jornalístico. Elatambém se apresenta em forma <strong>de</strong> texto e dá origem auma polissemia, rica na construção <strong>de</strong> novos senti<strong>do</strong>s,a partir <strong>de</strong> sua ambivalência como linguagem.A imagem fotográfica po<strong>de</strong> apresentar amplaspossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> novos senti<strong>do</strong>s, se leva<strong>do</strong>sem consi<strong>de</strong>rações os níveis <strong>de</strong> leitura e repertório<strong>do</strong>s leitores, por isso, além <strong>do</strong>s critérios sugeri<strong>do</strong>s atéentão, outros ainda po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s, o que faz dainterpretação algo bastante subjetivo, mas não menossensato.<strong>Ler</strong> e trabalhar imagens, a fim <strong>de</strong> interpretarprocessos que estimulam a produção <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>s,<strong>de</strong>correntes em cada perío<strong>do</strong> da história e outrascaracterísticas enunciativas 9 envolven<strong>do</strong> a relaçãoespaço/tempo, caracterizam a responsabilida<strong>de</strong> emcompreen<strong>de</strong>r a fotografia como objeto <strong>de</strong> pesquisa.Tratar as fotografias como fontes iconográficasimpressas permitirá <strong>ao</strong> pesquisa<strong>do</strong>r novas possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> interpretação, reforçan<strong>do</strong>, ou não, o caráterpolissêmico da fotografia. Assim, a escolha <strong>de</strong> um corpusoriginário da imprensa busca evi<strong>de</strong>nciar o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>informação da fotografia como meio e seu forte apelovisual, rico em expressão e conteú<strong>do</strong>. Para Kossoy(2003), as fontes iconográficas impressas se divi<strong>de</strong>mem três sub-categorias: publicações que contenhamimagens fotográficas (ou representações gráficasoriginadas a partir <strong>de</strong> fotografias, como litografias,xilografias etc.); <strong>de</strong>senhos representan<strong>do</strong> objetos efatos relaciona<strong>do</strong>s à práxis fotográfica (representações<strong>de</strong> equipamentos e/ou estúdios, por exemplo); ecaricaturas acerca da ativida<strong>de</strong> fotográfica.Recorrer <strong>ao</strong> estu<strong>do</strong> das marcas da enunciaçãoparece ser um recurso indispensável para o estudiosoda fotografia. Na relação espaço/tempo estabelecidapela contemplação da imagem será indissociável eimprescindível o retorno <strong>ao</strong> passa<strong>do</strong>, seja por meio damemória, <strong>do</strong> imaginário e, principalmente, <strong>de</strong> outrasfontes históricas <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentação.9 Detalhes que caracterizam efeitos enunciativos que causam a produção <strong>de</strong> senti<strong>do</strong> na fotografia, partin<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> pressuposto <strong>de</strong> que é peloenuncia<strong>do</strong> que se explica a enunciação. Para Diana Barros (1997) a enunciação caracteriza-se como a instância <strong>de</strong> mediação entre as estruturasnarrativas e discursivas. Po<strong>de</strong> ser reconstituída a partir, sobretu<strong>do</strong> das “marcas” que se espalha no enuncia<strong>do</strong> que, nesse trabalho, são asfotografias. É nas estruturas discursivas que a enunciação mais revela e on<strong>de</strong> mais facilmente se apreen<strong>de</strong>m os valores sobre os quais ou par<strong>ao</strong>s quais o texto (visual) foi construí<strong>do</strong>. Ao analisar esse discurso (fotográfico) buscamos resgatar, mesmo que <strong>de</strong> forma intuitiva, as condiçõesem que o texto foi produzi<strong>do</strong>.<strong>Tuiuti</strong>: Ciência e Cultura, n. 46, p. 171-185, Curitiba, 2013.


Lúcio Kürten <strong>do</strong>s Passos 183conotativa, pois <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rão da profundida<strong>de</strong> <strong>do</strong>estu<strong>do</strong>, das teorias e <strong>do</strong> conjunto repertorial <strong>do</strong> leitorpara virem à tona. Trata-se <strong>de</strong> uma interpretaçãodaquilo que não está na esfera <strong>do</strong> visível, ou no studiumcomo preferiria Barthes (1984).De acor<strong>do</strong> com Kossoy (2000), nossas emoçõesnão são programadas e po<strong>de</strong>m sofrer alteraçõesoriundas daquilo que acontece externamente e que éimprevisível.É por tu<strong>do</strong> isso que o conteú<strong>do</strong> das imagens visuais provoca emcada um <strong>de</strong> nós impactos diferentes; em função disso, também, épossível ha<strong>ver</strong> “interpretações-padrão” sobre o que se vê registra<strong>do</strong>nas imagens.A imagem fotográfica é o relê que aciona nossa imaginação para<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mun<strong>do</strong> representa<strong>do</strong> (tangível ou intangível), fixona sua condição <strong>do</strong>cumental, porém moldável <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> comnossas imagens mentais, nossas fantasias e ambições, nossosconhecimentos e ansieda<strong>de</strong>s, nossas realida<strong>de</strong>s e nossas ficções. Aimagem fotográfica ultrapassa na mente <strong>do</strong> receptor, o fato que arepresenta (2000, p.46).Sen<strong>do</strong> assim, se <strong>de</strong>terminada ação projetadano enuncia<strong>do</strong> causa algum tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto ousensação <strong>de</strong>sagradável <strong>ao</strong> leitor, então tais sensaçõesseriam ainda maiores para a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> fotógrafono momento da tomada da cena. É um contexto <strong>do</strong>qual o fotógrafo não só participa como enuncia<strong>do</strong>rno momento em que faz o disparo, mas <strong>do</strong> qualtambém compartilha o especta<strong>do</strong>r/enunciatário <strong>ao</strong>consumir a imagem como produto jornalístico outexto visual. Então, por isso, a importância <strong>de</strong> serecorrer à história para se completar a leitura <strong>do</strong>texto fotográfico.Como linguagem a fotografia, hoje, convoc<strong>ao</strong> leitor a reflexões mais críticas sobre os fatosnoticia<strong>do</strong>s. Se o senti<strong>do</strong>, como <strong>de</strong>fine Edward Lopes(1995), é o resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um processo interpretativo,quan<strong>do</strong> se sugere um mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> análise é isso que seinstiga. Por meio da interpretação que se constituiem diferentes níveis <strong>de</strong> leitura e i<strong>de</strong>ntificação,passamos a atribuir significa<strong>do</strong>s <strong>ao</strong>s traços técnicos,plásticos e semânticos.Tal como aborda<strong>do</strong> anteriormente, os elementos<strong>de</strong>notativos e conotativos das imagens fotográficasestão, <strong>de</strong> certa forma, relaciona<strong>do</strong>s sinteticamenteentre as intenções <strong>de</strong> quem faz (emissor), e <strong>de</strong> quemlê (receptor) a foto em estu<strong>do</strong>, ou como explicaFlusser:Imagens não são conjuntos <strong>de</strong> símbolos com significa<strong>do</strong>sinequívocos, como o são as cifras: não são “<strong>de</strong>notativas”. Imagensoferecem <strong>ao</strong>s seus receptores um espaço interpretativo: símbolos“conotativos”.Ao vaguear pela superfície, o olhar vai estabelecen<strong>do</strong> relaçõestemporais entre os <strong>do</strong>is elementos da imagem: um elemento évisto após o outro. O vaguear <strong>do</strong> olhar é circular: ten<strong>de</strong> a voltar<strong>Tuiuti</strong>: Ciência e Cultura, n. 46, p. 171-185, Curitiba, 2013.


184<strong>Ler</strong> <strong>ao</strong> invés <strong>de</strong> <strong>ver</strong>: pressupostos...para contemplar elementos já vistos. Assim, o “antes” se torna“<strong>de</strong>pois”, e o “<strong>de</strong>pois” se torna o “antes”. O tempo projeta<strong>do</strong> peloolhar sobre a imagem é o eterno retorno. O olhar diacroniza asincronicida<strong>de</strong> imagética por ciclos. (2002, p. 8)Então, mesmo Barthes (1984) não admitin<strong>do</strong> e paratal fazen<strong>do</strong> uso da subjetivida<strong>de</strong> sobre a existência <strong>de</strong>punctum em imagens <strong>de</strong> jornalismo, o argumento acimareforça a i<strong>de</strong>ntificação por pontos preferenciais para oqual se ten<strong>de</strong> a direcionar o olhar.6 Por que ler <strong>ao</strong> invés <strong>de</strong> <strong>ver</strong>?Até aqui foram apresentadas algumas basesteóricas que po<strong>de</strong>m servir <strong>de</strong> suporte para o início<strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> análise fotográfica, <strong>de</strong> forma que aspossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> abordagem são ilimitadas. Dosconceitos teóricos apresenta<strong>do</strong>s surge a proposta<strong>de</strong> reflexão sobre como se <strong>de</strong>ve ou não consumiruma imagem fotográfica. Contu<strong>do</strong>, é observávelque uma das condições existentes para o receptorinterpretar imagens publicadas na imprensa é queas mesmas <strong>de</strong>spertem no leitor um mínimo <strong>de</strong>interesse. Conforme apresenta<strong>do</strong> acima, para seler imagens é preciso aprofundar-se no estu<strong>do</strong> e nasituação sociocontextual em que se apresentam osreferentes.Antes <strong>de</strong> se iniciar um estu<strong>do</strong> por meio da fotografia, éimprescindível reconhecê-la como <strong>do</strong>cumento histórico,como fragmento <strong>de</strong> algo que, <strong>de</strong> fato, já aconteceu. Taisfatores são condição sine quanon para o pesquisa<strong>do</strong>r. Oconjunto <strong>de</strong> saberes já adquiri<strong>do</strong> na trajetória individualpo<strong>de</strong> muitas vezes não ser suficiente para o entendimento<strong>de</strong> to<strong>do</strong> o conteú<strong>do</strong> da mensagem fotográfica, dadaa gran<strong>de</strong> carga <strong>de</strong> significações possíveis que po<strong>de</strong>massumir os referentes representa<strong>do</strong>s na imagem.Nesse contexto incita-se a busca permanente pelaampliação <strong>do</strong> repertório <strong>de</strong> signos <strong>do</strong> interessa<strong>do</strong> emler figuras, em face da crescente produção e reprodução<strong>de</strong> imagens. A fotografia não é mais complemento ouacessório visual <strong>de</strong> uma página incompleta. O textovisual nela “escrito”, por meio da interpretação da cena,cuja matéria prima é a luz, tem <strong>de</strong> ser li<strong>do</strong> na íntegra.O conjunto <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s que dá origem a uma fotoé complexo <strong>de</strong>mais para ser apenas visto. Porém, nãose trata <strong>de</strong> ler tu<strong>do</strong> o que se publica, que se recebe ouque se compartilha. O trabalho <strong>de</strong> análise inicia-se pelocritério da seleção e, claro, este, muitas vezes, po<strong>de</strong> nãoser subjetivo.<strong>Tuiuti</strong>: Ciência e Cultura, n. 46, p. 171-185, Curitiba, 2013.


Lúcio Kürten <strong>do</strong>s Passos 185ReferênciasBARTHES, R. A câmara clara: nota sobre fotografia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fronteira, 1984.BENJAMIN, W. A obra <strong>de</strong> arte na era <strong>de</strong> sua reprodutibilida<strong>de</strong> técnica. In: LIMA, L. C. (org.). Teoria da cultura <strong>de</strong> massa.São Paulo: Paz e Terra, 2000.FLOCH, J-M. Semiótica plástica e linguagem publicitária. In: Significação: revista brasileira <strong>de</strong> semiótica. São Paulo, nº 6, p.29-60, jan. 1987.FLUSSER, V. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Relume Dumará,2002.GREIMAS, J. A. Semiótica figurativa e semiótica plástica. In: OLIVEIRA, A. C. (org.). Semiótica plástica. São Paulo: HackerEditores, 2004.JOLY, M. Introdução à análise da imagem. 4.ed. Campinas, SP: Papirus, 1994.KOSSOY, B. Fotografia e história. 2.ed. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2001.______. Realida<strong>de</strong>s e ficções na trama fotográfica. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2000.LIMA, I. A fotografia é sua linguagem. 2.ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Espaço e Tempo, 1988.LOPES, E. Fundamentos da linguística contemporânea.14.ed. São Paulo: Cultrix, 1995.PEÑUELA CAÑIZAL, E. O outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> texto fotográfico. Revista Studium. n.16, 2004. Disponível em: . Acesso em 30 nov. 2005.<strong>Tuiuti</strong>: Ciência e Cultura, n. 46, p. 171-185, Curitiba, 2013.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!