11.07.2015 Views

versão on-line - Programa de Pós-graduação em Ciências da ...

versão on-line - Programa de Pós-graduação em Ciências da ...

versão on-line - Programa de Pós-graduação em Ciências da ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

CIÊNCIAS DA LINGUAGEM:AVALIANDO O PERCURSO,ABRINDO CAMINHOS


Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: avaliando o percurso, abrindo caminhosSandro BragaMaria Ester Wollstein MoritzMariléia Silva dos ReisFábio José Rauen (Organizadores)Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>Coleção LinguagensAv. José Acácio Moreira, 787, Deh<strong>on</strong>88.704-900 – Tubarão, SC – (55) (48) 3621-3369Comissão EditorialMaria Marta Furlanetto (Presi<strong>de</strong>nte)Mariléia Silva dos ReisFábio José RauenDiagramação: Fábio José RauenCapa: Nova LetraFigura: Aquarela “Pátio do Deh<strong>on</strong>”, <strong>de</strong> J<strong>on</strong>y CoelhoNova Letra Gráfica e Editora Lt<strong>da</strong>.Rua Governador Jorge Lacer<strong>da</strong>, 1809 – fundosBairro <strong>da</strong> Velha – Blumenau – SCF<strong>on</strong>e 47 3325-5789 – www.novaletra.com.brC51 Ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> : analisando o percurso, abrindo caminhos /Sandro Braga, Maria Ester Wollstein Moritz, Mariléia Silva dosReis, Fábio José Rauen (orgs.). Blumenau : Nova Letra, 2008.278 p.: il. ; 21 cmInclui bibliografiasISBN 978-85-7682-357-51. Ensino Superior – Santa Catarina. 2. Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>s efacul<strong>da</strong><strong>de</strong>s – Santa Catarina – História. I. Braga, Sandro II. Moritz,Maria Ester Wollstein III. Reis, Mariléia Silva dos IV. Rauen,Fábio José V. Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina. Mestrado<strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>. VI. TítuloElabora<strong>da</strong> pela Biblioteca Universitária <strong>da</strong> UnisulCDD (21. ed.) 378.8164


APRESENTAÇÃOComo o próprio nome infere, esta coletânea é muito mais que umc<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> textos, é uma intenção. Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>: avaliando opercurso, abrindo caminhos é a intenção <strong>de</strong> trazer à baila o estado <strong>de</strong> arte;fazer uma retrospectiva histórica; e estabelecer perspectivas <strong>em</strong> relação àspesquisas <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s pelo <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina.Nesse sentido, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que este livro celebra os <strong>de</strong>zanos <strong>de</strong> implantação do PPGCL, também renova a intenção do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong>aju<strong>da</strong>r a c<strong>on</strong>struir, <strong>de</strong>senvolver e fortalecer a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisadores,professores e alunos que trabalham t<strong>em</strong>as com implicações, tanto <strong>em</strong>lingüística, como <strong>em</strong> literatura, comunicação social e pe<strong>da</strong>gogia.Os textos que c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong> esta coletânea são resultados <strong>de</strong> pesquisas<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s no <strong>Programa</strong> e serv<strong>em</strong> ain<strong>da</strong> para situar futuros trabalhos,<strong>de</strong>marcando áreas <strong>de</strong> possíveis investigações científicas. C<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ramos queeste seja um passo importante para a c<strong>on</strong>soli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> pesquisa <strong>em</strong> Ciências<strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> nossa universi<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma vez que nos pautamos por umviés multidisciplinar no campo <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.O presente compêndio reafirma essa tradição interdisciplinar e estásubdivido <strong>em</strong> três gran<strong>de</strong>s áreas, tal como o próprio PPGCL se estruturou:Textuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e práticas discursivasAnálise Discursiva <strong>de</strong> processos s<strong>em</strong>ânticos eLinguag<strong>em</strong> e processos culturais.Dentre essas linhas gerais do <strong>Programa</strong>, os textos procuram focar as áreasespecíficas <strong>de</strong> pesquisa dos docentes/pesquisadores.Deste modo, t<strong>em</strong>os a seqüência <strong>de</strong> textos:


ApresentaçãoTextuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e práticas discursivasA<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini, no capítulo As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal eseus gêneros: relato <strong>da</strong>s pesquisas do ‘projeto gêneros do jornal’,apresenta os resultados do Projeto gêneros do jornal, <strong>em</strong> execução noPPGCL <strong>da</strong> Unisul. Em um primeiro momento, o autor <strong>de</strong>screve osobjetivos do projeto <strong>em</strong> termos <strong>da</strong>s motivações teóricas e aplica<strong>da</strong>s. Em umsegundo momento, faz um retrospecto crítico <strong>da</strong> metodologia <strong>em</strong>prega<strong>da</strong>no projeto, favorecendo uma reflexão sobre as metodologias <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>gênero. Por último, estabelece um quadro <strong>da</strong>s pesquisas e <strong>de</strong>batesrealizados <strong>em</strong> termos <strong>de</strong>sse projeto, possibilitando uma visualização dosprobl<strong>em</strong>as teóricos e metodológicos envolvidos no estudo dos gêneros dojornal. Alguns aspectos <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>bate, como a proposição do termohipergênero e a discussão sobre as fr<strong>on</strong>teiras genéricas no jornal, favorec<strong>em</strong>a reflexão sobre as teorias <strong>de</strong> gênero <strong>de</strong> um modo geral.Débora <strong>de</strong> Carvalho Figueiredo e Maria Ester Wollstein Moritz, nocapítulo Discurso e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>: a perspectiva <strong>da</strong> análise crítica do discursoe <strong>da</strong> lingüística sistêmico-funci<strong>on</strong>al, apresentam uma visão panorâmica <strong>da</strong>Análise Crítica do Discurso, uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> teórico-metodológica volta<strong>da</strong>para a investigação do papel do discurso ou <strong>da</strong> s<strong>em</strong>iose na c<strong>on</strong>stituição <strong>de</strong>visões <strong>de</strong> mundo, <strong>de</strong> relações sociais e <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais. Além disso,as autoras <strong>de</strong>screv<strong>em</strong> os projetos e trabalhos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>senvolvidos noPPGCL que se filiam à ACD e que, como gran<strong>de</strong> parte dos trabalhos nessaárea, adotam a Lingüística Sistêmico-Funci<strong>on</strong>al, LSF, como base teórica eanalítica para a investigação <strong>de</strong> textos <strong>em</strong> situações c<strong>on</strong>cretas <strong>de</strong> uso e suasligações com as práticas e as estruturas sociais mais amplas.Fábio José Rauen, no capítulo Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong>: estado <strong>da</strong> arte, evolução e tendências, apresenta estudos <strong>de</strong>or<strong>de</strong>m textual-discursiva com base nos aportes <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> relevância.Após apresentar os c<strong>on</strong>ceitos centrais <strong>da</strong> teoria, são <strong>de</strong>stacados osprincipais resultados <strong>de</strong> pesquisas abriga<strong>da</strong>s nos projetos: Pragmática,cognição e interação, que analisa aspectos cognitivos e interaci<strong>on</strong>ais <strong>da</strong>comunicação humana; e Teoria <strong>da</strong> relevância II: práticas <strong>de</strong> leitura eprodução textual <strong>em</strong> c<strong>on</strong>texto escolar, que aplica a teoria <strong>em</strong> c<strong>on</strong>textos <strong>de</strong>leitura e produção textual <strong>em</strong> ambiente escolar.Mariléia Reis, no capítulo Ensino <strong>de</strong> língua: alfabetização com epara o letramento, propõe uma síntese reflexiva <strong>de</strong> trabalhos que abor<strong>da</strong>mo ensino <strong>de</strong> língua (incluindo a aprendizag<strong>em</strong> inicial <strong>da</strong> leitura), a partir <strong>de</strong>seus aspectos funci<strong>on</strong>ais, cognitivos e sociais. Trata-se <strong>de</strong> pesquisas6


Sandro Braga; Maria Ester Wollstein Moritz; Mariléia Reis; Fábio José Rauenrealiza<strong>da</strong>s no c<strong>on</strong>texto do Grupo Análise do discurso: pesquisa e ensino –GADIPE, e que integram o projeto Letramento, ensino e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, cujofoco t<strong>em</strong>ático recai sobre a pr<strong>em</strong>ente necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma base teóricaatualiza<strong>da</strong>, que fun<strong>da</strong>mente a ação pe<strong>da</strong>gógica sobre os processos <strong>de</strong>aprendizag<strong>em</strong> inicial <strong>da</strong> leitura e <strong>da</strong> escrita que implicam a aprendizag<strong>em</strong>neur<strong>on</strong>ial (Dehaene, 2007), com vistas a práticas sociais efetivas esignificativas. São focaliza<strong>da</strong>s: a formação do professor-alfabetizadorestendi<strong>da</strong> a todos os anos/séries iniciais (e não somente ao primeiro ano); aimportância do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> c<strong>on</strong>sciência f<strong>on</strong>ológica para aalfabetização, e a alfabetização com e para o letramento, com o objetivo <strong>de</strong>se prevenir o analfabetismo funci<strong>on</strong>al no Brasil.Análise Discursiva <strong>de</strong> processos s<strong>em</strong>ânticosMarci Fileti Martins, Rosângela Morello e Solange Le<strong>da</strong> Gallo, nocapítulo Linguagens, ciências e tecnologias na formulação doc<strong>on</strong>hecimento, reflet<strong>em</strong> sobre questões envolvendo, por um lado, a análise<strong>de</strong> materiais produzidos pela mídia e, por outro, o papel <strong>da</strong> ciência nasocie<strong>da</strong><strong>de</strong> c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea. A abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> t<strong>em</strong> incidido, atualmente, <strong>em</strong>quatro eixos <strong>de</strong> reflexão: questões <strong>de</strong> autoria; ciência – processos eprodutos; discurso científico na c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong> – heterogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> e<strong>de</strong>sc<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong>; e línguas, ciências e tecnologias. O objetivo <strong>de</strong>ssasreflexões t<strong>em</strong> sido elaborar uma discussão no entr<strong>em</strong>eio dos trabalhos <strong>de</strong>divulgação <strong>da</strong> Revista Laboratório Ciência <strong>em</strong> Curso(www.ciencia<strong>em</strong>curso.unisul.br) e dos estudos sobre os modos <strong>de</strong>formulação e circulação do c<strong>on</strong>hecimento, levando <strong>em</strong> c<strong>on</strong>ta as tecnologias,as línguas, os ambientes <strong>de</strong> ensino a distância e as linguagens midiáticas <strong>de</strong>modo geral.Maria Marta Furlanetto e Sandro Braga apresentam dois capítulos<strong>em</strong> co-autoria. O primeiro, intitulado Análise do discurso: o campo, t<strong>em</strong>como objetivo situar o leitor iniciante aos pressupostos teóricos <strong>da</strong> Análise<strong>de</strong> Discurso <strong>de</strong> corrente francesa, b<strong>em</strong> como aventar possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> se<strong>de</strong>senvolver<strong>em</strong> pesquisas pauta<strong>da</strong>s por essa corrente teórica. O segundo,Análise do discurso e ensino, põe <strong>em</strong> foco a linha <strong>de</strong> pesquisa Análisediscursiva <strong>de</strong> processos s<strong>em</strong>ânticos, <strong>em</strong> sua vertente preferencial <strong>de</strong>compreensão <strong>da</strong>s práticas <strong>de</strong> ensino e <strong>de</strong> aprendizag<strong>em</strong>, b<strong>em</strong> como <strong>de</strong>formação <strong>de</strong> professores, especialmente para o ensino fun<strong>da</strong>mental. Oobjeto discurso é o que reúne to<strong>da</strong>s as propostas apresenta<strong>da</strong>s, <strong>de</strong> quadroteórico, <strong>de</strong> projetos, <strong>de</strong> realizações <strong>em</strong> geral, <strong>de</strong> produção acadêmica dos7


Apresentaçãopesquisadores e <strong>de</strong> produção dos estu<strong>da</strong>ntes envolvidos. A par do que foiproduzido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o grupo <strong>de</strong> pesquisa se formou e se c<strong>on</strong>solidou, efetuauma análise dos resultados <strong>de</strong>sse trabalho coletivo e apresenta, no final, asperspectivas do grupo, <strong>em</strong> meio às int<strong>em</strong>péries, b<strong>em</strong> como as provocaçõesque estimulam a sofisticar e diversificar o trabalho, incluindo parcerias quepo<strong>de</strong>m significar enriquecimento <strong>de</strong> perspectivas e c<strong>on</strong>cretização <strong>de</strong> metasinstituci<strong>on</strong>ais.Linguag<strong>em</strong> e processos culturaisAldo Litaiff, no capítulo Mitologia e auto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Guarani do estado <strong>de</strong> Santa Catarina, trata do projeto S<strong>em</strong>Tekoa não há teko: s<strong>em</strong> terra não há cultura, um estudo sobre o<strong>de</strong>senvolvimento auto-sustentável <strong>de</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s indígenas guarani. Esseprojeto teve como objetivo geral incentivar formas ec<strong>on</strong>ômicas apropria<strong>da</strong>sao etno<strong>de</strong>senvolvimento e à auto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s terras indígenasguarani do litoral do estado <strong>de</strong> Santa Catarina, medi<strong>da</strong>s compatíveis comteko, ou seja, modo <strong>de</strong> ser <strong>da</strong> cultura Guarani. Partindo <strong>de</strong> uma experiência<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> vinte anos junto às populações guarani do Brasil, buscou-setambém c<strong>on</strong>tribuir no processo <strong>de</strong> regeneração <strong>da</strong> mata atlântica e do solo(para fomento <strong>da</strong> agricultura familiar, coletiva e outros tipos <strong>de</strong> manejoflorestal, característicos <strong>de</strong>sses índios), recent<strong>em</strong>ente ocupado por cerca <strong>de</strong>850 índios. O objetivo principal no projeto Registro audiovisual <strong>da</strong>execução do projeto S<strong>em</strong> tekoa não há teko foi o <strong>de</strong> criar um registro(audiovisual) <strong>da</strong> execução do projeto S<strong>em</strong> tekoa não há teko (também<strong>de</strong>nominado projeto-base).Ant<strong>on</strong>io Carlos Santos, no ensaio A imag<strong>em</strong> como matriz histórica<strong>da</strong> nação mo<strong>de</strong>rna, faz uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>de</strong> suas pesquisas, a partir <strong>da</strong>snoções <strong>de</strong> imag<strong>em</strong> e <strong>de</strong> nação. O objetivo é trabalhar com a produção <strong>de</strong>imagens <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do século XIX no Brasil – pintura, fotografia,literatura – para mapear uma c<strong>on</strong>stelação <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as que envolv<strong>em</strong> arepresentação, o realismo, a nação como ficção. As teorias <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> doséculo XX, <strong>de</strong> Benjamin, <strong>de</strong> Roland Barthes, <strong>de</strong> Susan S<strong>on</strong>tag, <strong>de</strong> RosalindKrauss, <strong>de</strong> Vilém Flusser, segundo Santos, aju<strong>da</strong>m a pensar a fotografia eseus probl<strong>em</strong>as como um análogo <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Se, como afirma ÉricMichaud, as imagens produz<strong>em</strong> a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e não apenas são o test<strong>em</strong>unho<strong>de</strong>las, o autor in<strong>da</strong>ga que reali<strong>da</strong><strong>de</strong> é essa que as imagens do século XIXc<strong>on</strong>stro<strong>em</strong> <strong>da</strong> nação? Que futuro é esse que a arte produz para o Brasil?8


Sandro Braga; Maria Ester Wollstein Moritz; Mariléia Reis; Fábio José RauenEliane Santana Dias Debus, no ensaio A literatura <strong>de</strong> recepçãoinfantil e juvenil: caminhos trilhados e perspectivas <strong>de</strong> pesquisas, apresentaos c<strong>on</strong>ceitos <strong>da</strong> literatura <strong>de</strong> recepção infantil e juvenil, mapeando oscaminhos do gênero no Brasil, b<strong>em</strong> como os projetos <strong>de</strong> pesquisa<strong>de</strong>senvolvidos, <strong>de</strong><strong>line</strong>ando expectativas <strong>de</strong> trabalhos futuros.Fábio Messa, no capítulo Entre o ficto e o facto: o gozo estético docrime, faz um passeio pelo estado <strong>da</strong> arte <strong>de</strong> seu projeto <strong>de</strong> pesquisa Mitos <strong>em</strong>ídia, no PPGCL, apresentando um pouco <strong>da</strong>s noções teóricas que <strong>on</strong>orteiam. O autor mostra <strong>de</strong> que forma esten<strong>de</strong> a proposta do seu livro OGozo Estético do Crime (2007), que t<strong>em</strong> como foco o texto ficci<strong>on</strong>al, para oestudo <strong>da</strong> narrativa jornalística sensaci<strong>on</strong>alista. Faz também, brev<strong>em</strong>ente,algumas c<strong>on</strong>statações sobre os trabalhos <strong>de</strong> mestrandos já egressos e suasrelações com o t<strong>em</strong>a.Fernando Vugman, no capítulo Estudos culturais, cin<strong>em</strong>a e mito,faz uma apresentação inicial do surgimento dos estudos culturais,ap<strong>on</strong>tando seus fun<strong>da</strong>dores, seus primeiros investigadores, rumos eparadoxos. A seguir, discute brev<strong>em</strong>ente a relação entre o cin<strong>em</strong>a, asocie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> massas e as c<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> surgimento dos estudos culturais.Na seção seguinte, já a partir <strong>da</strong> apresentação <strong>de</strong> suas pesquisas, indica seuinteresse por literatura e cin<strong>em</strong>a, pela discussão sobre mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> e pósmo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>,e a produção <strong>de</strong> mitos nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> massasc<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneas. Ao final, <strong>de</strong>screve os resultados obtidos <strong>em</strong> suaspesquisas foca<strong>da</strong>s principalmente no cin<strong>em</strong>a hollywoodiano e, maisrecent<strong>em</strong>ente, no cin<strong>em</strong>a brasileiro, fazendo menção a futuros caminhos <strong>de</strong>investigação.Jorge Hoffmann Wolff, no capítulo Documentos do presente,apresenta sua pesquisa homônima, volta<strong>da</strong> para as relações entre literatura ecin<strong>em</strong>a brasileiros c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneos, incluindo suas vertentes ficci<strong>on</strong>ais edocumentais, <strong>em</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> crítica ao “ne<strong>on</strong>aturalismo” ou“neodocumentalismo” (Sussekind) predominante na cultura do país <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oséculo XIX. São discutidos, além <strong>de</strong>ssas noções, os c<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong>documento (versus m<strong>on</strong>umento, segundo LeGoff), <strong>de</strong> ficção documental(vista como “documento revelador do que não se quer ver”, c<strong>on</strong>formeBernar<strong>de</strong>t), <strong>de</strong> mito mo<strong>de</strong>rno, como “fala <strong>de</strong>spolitiza<strong>da</strong>” e <strong>de</strong> efeito <strong>de</strong> real(segundo o primeiro e o último Barthes). Em função do <strong>de</strong>bate ligado àrepresentação na mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>, é posta à t<strong>on</strong>a a questão <strong>da</strong> fotografia,segundo o mesmo Barthes, sobretudo <strong>em</strong> A câmara clara, assim como <strong>em</strong>Benjamin, S<strong>on</strong>tag, Flusser, paralelamente às teorias do cin<strong>em</strong>a e <strong>da</strong> imag<strong>em</strong><strong>de</strong> Deleuze, Rancière e Comolli.9


ApresentaçãoJussara Bittencourt <strong>de</strong> Sá, no capítulo A estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>artística e midiática: reflexões e ações, apresenta aspectos teóricos ereflexões sobre sua trajetória como professora e pesquisadora do PPGCL. Aautora <strong>de</strong>staca a relevância dos estudos, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que se colocam <strong>em</strong>cena, <strong>de</strong>ntre outros, os el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong> estética, a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong>arte e os meios <strong>de</strong> comunicação que a veiculam. Sublinha que suas aulas epesquisas estão direci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s às diferentes manifestações artísticas e aoc<strong>on</strong>texto, observando também, além do transitar <strong>de</strong> mitos: o lugar que a arteocupa nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, os mitos que a arte traz à cena, as mídias que aveiculam e, também, a práxis pe<strong>da</strong>gógica que a di<strong>da</strong>tiza. No âmbito <strong>da</strong>sreflexões, são apresenta<strong>da</strong>s pesquisas já c<strong>on</strong>cluí<strong>da</strong>s e <strong>em</strong> fase <strong>de</strong>elaboração, como também aspectos do grupo <strong>de</strong> pesquisa A estética <strong>da</strong>slinguagens verbais e não-verbais e dos projetos <strong>de</strong> pesquisa: Os Artistas eSeus Lugares e I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Migrações: a estética <strong>da</strong>s linguagens oral,visual, escrita e midiática. Por fim, a pesquisadora evi<strong>de</strong>ncia que os olharespara a estética e a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s linguagens artísticas e midiáticas, queadvêm <strong>da</strong>s aulas e <strong>da</strong>s pesquisas, <strong>de</strong>marcam a percepção <strong>de</strong> que a cultura(arte e mídia) po<strong>de</strong> possibilitar o abrir <strong>de</strong> muitas portas ain<strong>da</strong> fecha<strong>da</strong>s <strong>em</strong>nosso c<strong>on</strong>texto.Boa leitura!Sandro BragaMaria Ester Wollstein MoritzMariléia ReisFábio José Rauen10


when they are performing a task that requires intenti<strong>on</strong>. This is because over time withprol<strong>on</strong>ged use of the stimulati<strong>on</strong>, the amount of signal required must be increased. Thus byallowing the patient to <strong>de</strong>crease signal or the “<strong>on</strong>” time of their treatment, it will allow for l<strong>on</strong>gertime before they must increase signal to an unreas<strong>on</strong>able amount.DBS Device Developers and Competiti<strong>on</strong>DBS <strong>de</strong>velopers inclu<strong>de</strong> Medtr<strong>on</strong>ic, Bost<strong>on</strong> Scientific and St. Ju<strong>de</strong>’s. As menti<strong>on</strong>e<strong>de</strong>arlier, currently Medtr<strong>on</strong>ic’s Activa is the <strong>on</strong>ly FDA approved provi<strong>de</strong>r of this <strong>de</strong>vice in theUnited States while St. Ju<strong>de</strong>’s is un<strong>de</strong>rgoing clinical trials for their own DBS syst<strong>em</strong>, Libra.Bost<strong>on</strong> Scientific is still in the early phases of the getting FDA approval.With the imminent entry of St. Ju<strong>de</strong>’s into the market, Medtr<strong>on</strong>ic, which <strong>on</strong>ce held am<strong>on</strong>opoly, is now driven to market and improve their products. Medtr<strong>on</strong>ic has ad<strong>de</strong>d releasedtwo new upgra<strong>de</strong>s to their product: the rechargeable battery pack and allowing patients to makec<strong>on</strong>trol levels of stimulati<strong>on</strong>.Huntingt<strong>on</strong> M<strong>em</strong>orial hospital uses products of Medtr<strong>on</strong>ic and also participates in St.Ju<strong>de</strong>’s clinical trial. Besi<strong>de</strong>s the minor upgra<strong>de</strong>s ma<strong>de</strong> by Medtr<strong>on</strong>ic, practiti<strong>on</strong>ers at Huntingt<strong>on</strong>hospital agree that while each syst<strong>em</strong> has its pros and c<strong>on</strong>s, they are essentially the same.Feedback from patients shows that there is no difference in outcome between the two products.Reas<strong>on</strong>s patients choose St. Ju<strong>de</strong>’s Libra over Medtr<strong>on</strong>ic’s Activa simply because it may becheaper and some patients like to take part in clinical trials for the “novel” product.As a result, in the present state when St. Ju<strong>de</strong>’s obtains FDA approval, hospitals maychoose which product to use based <strong>on</strong> <strong>de</strong>vice costs, the company with whom they have a betteralliance with, or the company that offers a more c<strong>on</strong>vincing <strong>de</strong>vice.11


Dez anos <strong>de</strong> históriaAin<strong>da</strong> <strong>em</strong> 2000, <strong>de</strong>mos início a um projeto <strong>de</strong> que muito nosorgulhamos: precisávamos canalizar a produção <strong>em</strong>ergente e ser o lócus <strong>de</strong>discussão <strong>de</strong> questões <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>. Surge, então, a revista Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong>(Dis)curso, cuja <strong>de</strong>nominação foi uma oportuna c<strong>on</strong>tribuição <strong>da</strong> professoraAlbertina Felisbino.Hoje, com a competente organização do professor A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini esua equipe <strong>de</strong> editores, Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso é uma publicaçãoquadrimestral <strong>de</strong>dica<strong>da</strong> a colaboradores do Brasil e do exterior interessados<strong>em</strong> questões textual-discursivas com inúmeras in<strong>de</strong>xações internaci<strong>on</strong>ais eum portfólio que não se limita a seus números ordinários, mas incluinúmeros especiais <strong>de</strong> significativa relevância para o <strong>de</strong>bate nos estudos <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong>. Refiro-me aos números sobre: Subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (2003), Análisecrítica do discurso (2004), Teoria <strong>da</strong> relevância (2005), Gêneros textuais eensino aprendizag<strong>em</strong> (2006), Metáfora e c<strong>on</strong>texto (2007); e, <strong>em</strong> breve,sobre Letramento (2008).Naquele mesmo ano, com a meta <strong>de</strong> tornar to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s docurso públicas e transparentes, criamos o sítio do mestrado na internet, noen<strong>de</strong>reço www.unisul.br/linguag<strong>em</strong>. De pouco <strong>em</strong> pouco, o sítio foi sec<strong>on</strong>stituindo como um portal para os estudos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>. L<strong>em</strong>bro-me,por ex<strong>em</strong>plo, <strong>de</strong> nossa <strong>de</strong>cisão histórica <strong>em</strong> 2003 <strong>de</strong> publicar to<strong>da</strong>s asdissertações do curso. A Capes só torna essa medi<strong>da</strong> obrigatória <strong>em</strong> 2006.Hoje, o sítio c<strong>on</strong>ta com um acervo público e gratuito <strong>de</strong> aproxima<strong>da</strong>mente250 artigos científicos, 200 dissertações, centenas <strong>de</strong> resumos e textoscompletos <strong>de</strong> anais <strong>de</strong> eventos locais e internaci<strong>on</strong>ais, promovidos oupatrocinados pelo curso. Além disso, po<strong>de</strong>m ser obti<strong>da</strong>s inúmerasinformações sobre a estrutura e a efervescência mesma do curso.Em 2002, o curso passou por sua primeira avaliação externa parafins <strong>de</strong> rec<strong>on</strong>hecimento pelo C<strong>on</strong>selho Estadual <strong>de</strong> Educação. Naquelaoportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, receb<strong>em</strong>os a visita <strong>de</strong> uma Comissão Verificadora forma<strong>da</strong>pelos professores Osmar <strong>de</strong> Souza (Furb/Univali) e L<strong>on</strong>i Grimm-Cabral(UFSC).Com base no relatório <strong>da</strong> Comissão, que muito c<strong>on</strong>tribuiu para a asmu<strong>da</strong>nças curriculares que vão se seguir, o curso foi rec<strong>on</strong>hecido <strong>em</strong>Sessão Plenária do C<strong>on</strong>selho Estadual <strong>de</strong> Educação, <strong>em</strong> 9 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2002,ação que foi referen<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Decreto 5.458, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2002,publicado no Diário Oficial do Estado <strong>de</strong> Santa Catarina, <strong>em</strong> 30 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong>2002.12


Fábio José RauenTão logo obtiv<strong>em</strong>os o rec<strong>on</strong>hecimento na esfera estadual,elaboramos uma revisão curricular, a fim <strong>de</strong> alinharmos o curso ao Sist<strong>em</strong>aNaci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> Pós-graduação, que c<strong>on</strong>tou com a c<strong>on</strong>tribuição do professorEduardo Guimarães (Unicamp).Entre as inovações, o curso aglutinou-se <strong>em</strong> uma única área <strong>de</strong>c<strong>on</strong>centração, que <strong>de</strong>nominamos Linguag<strong>em</strong>, mídias e processosdiscursivos. Com essa nova organização, a área <strong>de</strong> c<strong>on</strong>centração passou aser analisa<strong>da</strong> sob três ângulos, as linhas <strong>de</strong> pesquisa: Análise discursiva <strong>de</strong>processos s<strong>em</strong>ânticos, Textuali<strong>da</strong><strong>de</strong>s e práticas discursivas e Linguag<strong>em</strong>,cultura e mídia.Elaborado o novo projeto <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> mestrado e seguindo as<strong>de</strong>terminações <strong>da</strong> Capes, receb<strong>em</strong>os a visita <strong>de</strong> uma Comissão Verificadoraforma<strong>da</strong> pelos professores Sírio Possenti (Unicamp) e Dermeval <strong>da</strong> Hora(UFPB), <strong>em</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2003. C<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando to<strong>da</strong>s as instruções <strong>da</strong>Comissão, <strong>em</strong> abril <strong>de</strong> 2003, o projeto e seu regimento foramencaminhados à Capes. Naquele ano, recordo-me, não ofertamos uma novaseleção.Passados os trâmites legais, o curso foi aprovado pelo Comitê <strong>da</strong>Área <strong>de</strong> Letras/Lingüística, presidido pelo professor Antônio Dimas (USP),<strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 2004. O C<strong>on</strong>selho Técnico C<strong>on</strong>sultivo <strong>da</strong> Capes homologouessa <strong>de</strong>cisão, <strong>em</strong> 10 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004. No mesmo ano, <strong>de</strong>u-se entra<strong>da</strong>no Processo <strong>de</strong> Rec<strong>on</strong>hecimento junto ao Ministério <strong>da</strong> Educação –Processo n. 23038.017119/2004-21. O curso obteve parecer favorável <strong>da</strong>Câmara <strong>de</strong> Educação Superior do C<strong>on</strong>selho Naci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> Educação, <strong>em</strong> 10<strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004 – Parecer n. 314/2004. O rec<strong>on</strong>hecimento ocorre <strong>em</strong>21 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro, pela Portaria 4.310 do Ministério <strong>da</strong> Educação, publica<strong>da</strong>no Diário Oficial <strong>da</strong> União, <strong>em</strong> 23 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004 (seção 1, p. 33).Em março <strong>de</strong> 2004, o curso apresentou seu edital <strong>de</strong> seleção para asprimeiras turmas do Currículo Capes. A turma <strong>de</strong> Florianópolis teve seuinício <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> julho, e a turma <strong>de</strong> Tubarão <strong>em</strong> 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong>ste mesmo ano.Des<strong>de</strong> então, regularmente, foram oferta<strong>da</strong>s turmas <strong>em</strong> 2005, 2006, 2007 e2008.Em 2006, o curso cria os periódicos científicos Crítica Cultural eCiência <strong>em</strong> Curso. Critica Cultural é uma publicação s<strong>em</strong>estral. A revistaaten<strong>de</strong> colaboradores do Brasil e do exterior que estejam interessados <strong>em</strong>questões relativas ao campo <strong>da</strong> produção cultural, a partir <strong>de</strong> perspectivasteóricas origina<strong>da</strong>s <strong>da</strong> crítica literária, <strong>em</strong> diálogo com os campos <strong>da</strong> arte,comunicação, cin<strong>em</strong>a e audiovisual.13


Dez anos <strong>de</strong> históriaA Revista Laboratório Ciência <strong>em</strong> Curso, por sua vez, buscapol<strong>em</strong>izar a forma <strong>de</strong> divulgação <strong>de</strong> ciência feita pela mídia, uma vez que oque se percebe nos textos <strong>de</strong> divulgação <strong>de</strong> ciência, sobretudo nos textos <strong>de</strong>jornalismo científico, é uma tendência a fazer prevalecer c<strong>on</strong>hecimentos <strong>da</strong>própria mídia sobre ciência, ou seja, as matérias publica<strong>da</strong>s são sustenta<strong>da</strong>spor materiais midiáticos provenientes <strong>de</strong> produções anteriores, nãoc<strong>on</strong>stituindo, portanto, um c<strong>on</strong>hecimento baseado na m<strong>em</strong>ória <strong>da</strong> ciência e<strong>da</strong> pesquisa, mas na m<strong>em</strong>ória <strong>da</strong> própria mídia sobre a ciência.Em 2007, o curso realizou o 4º Simpósio Internaci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> Estudos<strong>de</strong> Gêneros Textuais/4th Symposium <strong>on</strong> Genre Studies. Nessa edição,organiza<strong>da</strong> pelos professores A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini (Unisul), Débora <strong>de</strong> CarvalhoFigueiredo (Unisul) e Charles Bazerman (California University, USA), osobjetivos do evento foram os <strong>de</strong>: c<strong>on</strong>gregar pesquisadores brasileiros eestrangeiros envolvidos <strong>em</strong> estudos sobre gêneros textuais; discutirquestões teóricas e aplica<strong>da</strong>s relaci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s à pesquisa <strong>em</strong> gêneros textuais;divulgar estudos teóricos e aplicados que possam c<strong>on</strong>tribuir para releituras<strong>de</strong> diferentes enfoques e abor<strong>da</strong>gens postos sobre esse objeto <strong>de</strong> pesquisa; eoportunizar a discussão <strong>de</strong> questões relevantes para a c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> umaagen<strong>da</strong> política e pe<strong>da</strong>gógica que possa c<strong>on</strong>tribuir para as políticasgovernamentais. O evento c<strong>on</strong>tou com cerca <strong>de</strong> mil participantes, <strong>de</strong>ntre osquais uma centena <strong>de</strong> pesquisadores estrangeiros, reunindo <strong>em</strong> Tubarão,SC, os maiores expoentes <strong>da</strong> área no mundo.Ain<strong>da</strong> <strong>em</strong> 2007, o PPGCL promoveu nova reformulação curricularcom vistas à proposição <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> doutorado. Nessa reformulação, o<strong>Programa</strong> reformulou a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> sua área <strong>de</strong> c<strong>on</strong>centração paraProcessos textuais, discursivos e culturais e reformulou a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong>suas linhas <strong>de</strong> pesquisa para: Textuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e práticas discursivas, Análisediscursiva <strong>de</strong> processos s<strong>em</strong>ânticos e Linguag<strong>em</strong> e processos culturais. Em<strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro, <strong>em</strong> fórum específico realizado no campus <strong>da</strong> Pedra Branca, <strong>em</strong>Palhoça, SC, o projeto foi apreciado pelo coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> área <strong>de</strong>Letras/Lingüística <strong>da</strong> Capes, professor Benjamin Ab<strong>da</strong>la Júnior.Em março <strong>de</strong> 2008, o projeto foi apresentado à Capes e, até omomento, aguar<strong>da</strong>mos a visita <strong>de</strong> Comissão Verificadora forma<strong>da</strong> pelasprofessoras Diana Luz Pessoa <strong>de</strong> Barros (UPM) e Célia Marques Telles(UFBA).Destaco ain<strong>da</strong> que, neste último dia 31 <strong>de</strong> outubro, <strong>em</strong> Ass<strong>em</strong>bléiado VIII Enc<strong>on</strong>tro do Círculo <strong>de</strong> Estudos Lingüísticos, realiza<strong>da</strong> naUniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, foi eleita a nova diretoria <strong>da</strong>enti<strong>da</strong><strong>de</strong>, integralmente forma<strong>da</strong> por professores do <strong>Programa</strong>. Presidirá o14


Fábio José RauenCELSUL, no biênio 2009-2010, a professora Débora <strong>de</strong> CarvalhoFigueiredo, com a vice-presidência <strong>da</strong> professora Maria Marta Furlanetto, asecretaria <strong>da</strong> professora Maria Ester Wollstein Moritz e a tesouraria doprofessor A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini.Valho-me, por fim, <strong>da</strong> apresentação <strong>de</strong> Paulo Markun e Du<strong>da</strong>Hamilt<strong>on</strong> <strong>em</strong> seu livro Muito além <strong>de</strong> um s<strong>on</strong>ho sobre a história <strong>da</strong> Unisul.Nesse texto, os autores afirmam que o livro “narra a trajetória <strong>de</strong> uma idéiautópica, <strong>de</strong> um s<strong>on</strong>ho <strong>de</strong>sacreditado por muitos e que, c<strong>on</strong>tra os obstáculos,c<strong>on</strong>seguiu-se sobrepor ao medo, à <strong>de</strong>scrença e à c<strong>on</strong>fortável apatia”.Decorrência <strong>de</strong> utopia, <strong>de</strong>sacreditado por alguns poucos, felizmente, <strong>de</strong>zanos <strong>de</strong> Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> revelam corag<strong>em</strong>, crença evivaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> todos seus professores, colaboradores, alunos e egressos. Oproduto acadêmico <strong>de</strong>ssa história, ca<strong>da</strong> capítulo que se segue revelará.To<strong>da</strong>via, sei que há um algo a mais nesse projeto. Algo que se sente muitomais do que se discursa. Esse algo me faz c<strong>on</strong>victo <strong>de</strong> que os anosvindouros serão ain<strong>da</strong> mais plenos <strong>de</strong> sucessos.Tubarão, 10 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2008Prof. Dr. Fábio José RauenCoor<strong>de</strong>nadorPS – Quero expressar meus mais sinceros agra<strong>de</strong>cimentos a todosos alunos, egressos, estagiários, professores e secretárias do curso <strong>de</strong>Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> os quais o sucesso do curso nãoseria possível.Em especial, quero agra<strong>de</strong>cer aos nossos professores: A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini,Albertina Felisbino, Aldo Litaiff, Ant<strong>on</strong>io Carlos G<strong>on</strong>çalves dos Santos,Débora <strong>de</strong> Carvalho Figueiredo, Dulce Márcia Cruz, Eduardo Búrigo <strong>de</strong>Carvalho, Eliane Santana Dias Debus, Fábio <strong>de</strong> Carvalho Messa, FernandoSimão Vugman, Ingo Voese (in m<strong>em</strong>oriam), Jorge Hoffmann Wolff,Jussara Bittencourt <strong>de</strong> Sá, Luiz Felipe Guimarães Soares, Marci FiletiMartins, Maria Ester Wollstein Moritz, Maria Felomena Souza Espíndola,Maria Marta Furlanetto, Mariléia Silva dos Reis, Mário Gui<strong>da</strong>rini, OscarCiro Lopez Vaca, Rosângela Morello, Sandro Braga, Solange Maria Le<strong>da</strong>Gallo e Wils<strong>on</strong> Schuelter; e às nossas secretárias: Layla Antunes <strong>de</strong>Oliveira, Maricélia <strong>de</strong> Moraes e Sheila Teresinha Viana Bardini.15


SUMÁRIOPARTE ITEXTUALIDADE E PRÁTICAS DISCURSIVAS.............................. 19As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros: relato <strong>da</strong>spesquisas do ‘Projeto Gêneros do Jornal’A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini .......................................................................................... 21Discurso e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>: a perspectiva <strong>da</strong> análise crítica do discurso e<strong>da</strong> lingüística sistêmico-funci<strong>on</strong>alDébora <strong>de</strong> Carvalho FigueiredoMaria Ester Wollstein Moritz ................................................................ 47Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>: estado <strong>da</strong> arte,evolução e tendênciasFábio José Rauen .................................................................................. 67Ensino <strong>de</strong> língua: alfabetização com e para o letramentoMariléia Silva dos Reis.......................................................................... 99PARTE IIANÁLISE DISCURSIVA DE PROCESSOS SEMÂNTICOS........... 113Linguagens, ciências e tecnologias na formulação do c<strong>on</strong>hecimentoMarci Fileti MarinsRosângela MorelloSolange Maria Le<strong>da</strong> Gallo .................................................................. 115Análise do discurso: o campoSandro BragaMaria Marta Furlanetto ...................................................................... 129


Análise do discurso e ensinoMaria Marta FurlanettoSandro Braga....................................................................................... 143PARTE IIILINGUAGEM, CULTURA E MÍDIA.................................................. 167Mitologia e auto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Guarani do estado<strong>de</strong> Santa CatarinaAldo Litaiff........................................................................................... 169A imag<strong>em</strong> como matriz histórica <strong>da</strong> nação mo<strong>de</strong>rnaAntônio Carlos Santos......................................................................... 185A literatura <strong>de</strong> recepção infantil e juvenil: caminhos trilhados eperspectivas <strong>de</strong> pesquisasEliane Santana Dias Debus................................................................. 199Entre o ficto e o facto: o gozo estético do crimeFábio <strong>de</strong> Carvalho Messa.................................................................... 213Estudos culturais, cin<strong>em</strong>a e mitoFernando Simão Vugman .................................................................... 229Documentos do presenteJorge Hoffmann Wolff ......................................................................... 239A estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> artística e midiática: reflexões e açõesJussara Bittencourt <strong>de</strong> Sá .................................................................... 255Os autores................................................................................................ 27118


PARTE ITEXTUALIDADE E PRÁTICASDISCURSIVAS


AS RELAÇÕES CONSTITUTIVASENTRE O JORNAL E SEUS GÊNEROS:RELATO DAS PESQUISASDO ‘PROJETO GÊNEROS DO JORNAL’A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini1. IntroduçãoOs estudos sobre gêneros textuais surgiram atrelados ao <strong>de</strong>batesobre ensino <strong>de</strong> produção e compreensão <strong>de</strong> textos. A c<strong>on</strong>tribuição para oentendimento e aprimoramento dos processos e práticas <strong>de</strong> ensinoaprendizag<strong>em</strong>,portanto, t<strong>em</strong> sido uma diretriz básica nessas pesquisas.Outro objetivo evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>sses estudos é propiciar resultados queviabiliz<strong>em</strong> uma melhor compreensão <strong>de</strong> práticas sociais <strong>em</strong> esferas,ambientes e comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais específicos. 1Dentro <strong>de</strong>sse campo, o estudo dos gêneros do jornal se revelaválido <strong>em</strong> ambas as direções. Por um lado, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> o jornalismotomar parte nas mídias <strong>de</strong> massa (um dos fenômenos estruturantes <strong>da</strong>socie<strong>da</strong><strong>de</strong> na mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> e, <strong>de</strong> forma mais enfática, na mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>tardia), ele se revela matéria essencial no ensino <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>. A indicação<strong>de</strong> trabalho com os gêneros <strong>da</strong> imprensa c<strong>on</strong>sta, por ex<strong>em</strong>plo, dosParâmetros Curriculares <strong>de</strong> Língua Portuguesa (BRASIL, 1998, p. 53). Poroutro lado, o estudo <strong>de</strong>sses gêneros também traz c<strong>on</strong>tribuições para oentendimento do modo como as práticas a eles atrela<strong>da</strong>s se realizam.Resultados <strong>da</strong> pesquisa <strong>em</strong> gêneros relaci<strong>on</strong>ados a esse foco <strong>de</strong> atenção são<strong>de</strong> relevância evi<strong>de</strong>nte, uma vez que essa é uma faceta do jornalismo ain<strong>da</strong>pouco estu<strong>da</strong><strong>da</strong>, pelo menos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa ótica, c<strong>on</strong>forme <strong>de</strong>m<strong>on</strong>stra olevantamento <strong>da</strong> literatura <strong>da</strong> área <strong>de</strong> Comunicação no Brasil apresentado<strong>em</strong> B<strong>on</strong>ini (2003a).1 Bhatia (2004) assinala quatro espaços a que o estudo dos gêneros textuais po<strong>de</strong> se ater: a) osocial (discurso como prática social/c<strong>on</strong>hecimento pragmático social); b) o profissi<strong>on</strong>al(discurso como prática profissi<strong>on</strong>al/expertise profissi<strong>on</strong>al); c) o tático (discurso comogênero/c<strong>on</strong>hecimento <strong>de</strong> gênero); e d) o textual (discurso como texto/c<strong>on</strong>hecimento textual).


As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros...O projeto Gêneros do Jornal (PROJOR-UNISUL) atua nessas duasvertentes, <strong>em</strong>bora enfatizando uma c<strong>on</strong>tribuição para o ensino <strong>de</strong> leitura eescrita nos níveis fun<strong>da</strong>mental e médio (cf. BONINI, 2005). Neste artigofaço um relato <strong>da</strong>s pesquisas realiza<strong>da</strong>s no interior <strong>de</strong>sse projeto. Procurocentrar a atenção nos resultados alcançados até o momento, <strong>de</strong> modo apossibilitar uma visualização crítica do p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> do projeto e doimpacto <strong>de</strong>sses resultados para entendimento <strong>de</strong>sse c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> gêneros eno <strong>de</strong>bate teórico.Nas seções que se segu<strong>em</strong>, são expostos: 1) as bases do projeto; 2)os resultados produzidos até o momento; e 3) um balanço dos resultados eo que se revela viável para o futuro <strong>de</strong>ssas pesquisas.2. Projeto Gêneros do JornalPara possibilitar uma visualização do modo como o PROJOR estáestruturado, me centro aqui <strong>em</strong> três aspectos: a metas, as bases teóricas e ametodologia.2.1. Escopo do projetoDe acordo com o levantamento <strong>de</strong>senvolvido por Bhatia (2004), oquadro dos estudos <strong>de</strong> gêneros textuais vai <strong>de</strong> uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> centra<strong>da</strong> <strong>em</strong>aspectos lingüísticos, ampliando-se gra<strong>da</strong>tivamente para aspectos doc<strong>on</strong>texto (fases: 1. <strong>da</strong> textualização, centra<strong>da</strong> <strong>em</strong> aspectos léxicogramaticaisdos textos; 2. <strong>da</strong> organização, centra<strong>da</strong> na estrutura dos textos epráticas; e 3. <strong>da</strong> c<strong>on</strong>textualização, centra<strong>da</strong> nos usos e nas razões sociaispara tais usos). T<strong>em</strong> havido, portanto, um esforço para se enten<strong>de</strong>r<strong>em</strong> osprocessos <strong>de</strong> produção e a compreensão <strong>de</strong> textos como práticas sociais e,nesse sentido, como c<strong>on</strong>hecimento situado.Dentro <strong>de</strong>ste enquadramento, os pesquisadores e teóricos <strong>de</strong>gêneros textuais têm procurado se <strong>de</strong>svencilhar <strong>de</strong> pesquisas centra<strong>da</strong>s <strong>em</strong>gêneros exclusivos para se centrar na relação entre gêneros <strong>em</strong> certos meiossociais específicos. Procuram <strong>de</strong>sven<strong>da</strong>r as inter-relações que seestabelec<strong>em</strong>, por um lado, entre gêneros e, por outro, entre gêneros epráticas c<strong>on</strong>stitutivas <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado ambiente social. Na esteira <strong>de</strong>sseesforço, têm surgido novos c<strong>on</strong>ceitos que procuram <strong>de</strong>screver essacomplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a ex<strong>em</strong>plo dos c<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> gêneros22


A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini(BAZERMAN, 1994), c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> gêneros (DEVITT, 1991), hierarquia eca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> gêneros (SWALES, 2004), textografia (SWALES, 1998),ecologia <strong>de</strong> gêneros (SPINUZZI, 2003).O PROJOR se alia a esse esforço <strong>de</strong> levantar <strong>da</strong>dos que expliqu<strong>em</strong>o modo como, <strong>em</strong> c<strong>on</strong>junto, os gêneros funci<strong>on</strong>am <strong>em</strong> relação a práticas<strong>em</strong>píricas. Os gêneros do jornal, <strong>em</strong>bora muitas vezes encarnados <strong>em</strong> açõesindividuais, c<strong>on</strong>flu<strong>em</strong> para um todo que é o próprio jornal. Neste caso, osgêneros, presumivelmente, c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong>-se uns <strong>em</strong> relação aos outros e <strong>em</strong>relação ao todo do próprio jornal, tanto <strong>em</strong> termos dos propósitoscomunicativos que compartilham quanto <strong>em</strong> termos <strong>da</strong> c<strong>on</strong>figuração formal(ou estrutural).A análise global do jornal no PROJOR, no sentido doentrelaçamento entre propósitos comunicativos e formas textuais, procuraresp<strong>on</strong><strong>de</strong>r duas questões centrais, quais sejam:a) Como o jornal funci<strong>on</strong>a e se estrutura do p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista domeio <strong>em</strong> que é produzido e do p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista dos gêneros quenele circulam?b) Quais são os gêneros do jornal e como se c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong>individualmente e <strong>em</strong> relação ao c<strong>on</strong>junto?Procurando compreen<strong>de</strong>r a sist<strong>em</strong>ática <strong>de</strong> propósitos comunicativose dispositivos textuais envolvidos na produção do jornal, a pesquisa t<strong>em</strong>como objetivos:a) <strong>de</strong>screver a organização textual do jornal e sua função no meio<strong>em</strong> que é produzido;b) <strong>de</strong>screver o funci<strong>on</strong>amento dos gêneros na c<strong>on</strong>stituição dojornal;c) produzir um inventário dos gêneros do jornal;d) <strong>de</strong>screver os gêneros do jornal.O t<strong>em</strong>a do PROJOR, portanto, é a inter-relação entre gêneros ejornal, <strong>de</strong> modo que o projeto t<strong>em</strong> como gran<strong>de</strong> meta <strong>de</strong>screver a estruturae o funci<strong>on</strong>amento do jornal <strong>em</strong> relação ao meio social <strong>em</strong> que é produzidoe <strong>em</strong> relação aos gêneros que caracteristicamente nele circulam. Neste caso,23


As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros...a <strong>de</strong>scrição/interpretação do jornal produzirá necessariamente uminventário do c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> gêneros que lhe são próprios.O projeto existe oficialmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2003, <strong>em</strong>bora sua organizaçãotenha se iniciado <strong>em</strong> 2000. No interior <strong>de</strong>sse projeto, foram orienta<strong>da</strong>s, atéo momento, as seguintes dissertações: Figueiredo (2003), Kin<strong>de</strong>rmann(2003), Sim<strong>on</strong>i (2004), Innocente (2005), Cassarotti (2006), Borba (2007),Cal<strong>de</strong>ira (2007), e M<strong>on</strong>teiro (2008). Outras quatro estão <strong>em</strong> fase <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento: Corrêa (2007), Fogolari (2008), Francischini (2008) eLima (2008).2.2. Embasamento teóricoA abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> sócio-retórica <strong>de</strong> estudo <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> c<strong>on</strong>cebe ogênero como ação social <strong>de</strong> natureza intersubjetiva que <strong>em</strong>erge <strong>em</strong>situações retóricas recorrentes (MILLER, 1984). Neste sentido, procura-severificar sob quais c<strong>on</strong>dições sociais, lingüísticas e cognitivas os usos <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong> ocorr<strong>em</strong> para ser<strong>em</strong> entendidos como b<strong>em</strong> sucedidos.Os gêneros, b<strong>em</strong> como as práticas e ações sociais a elesrelaci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s, são observados <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> sua ocorrência <strong>em</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>sretóricas (MILLER, 1984) ou comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s discursivas (SWALES, 1990).Outra forma <strong>de</strong> c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rar os gêneros é mediante sua ocorrência <strong>em</strong>sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> (BAZERMAN, 1994, 2005) que, <strong>em</strong> geral, estãorelaci<strong>on</strong>ados diretamente a <strong>de</strong>terminados meios sociais, <strong>em</strong>bora, muitasvezes, possam cruzar tais fr<strong>on</strong>teiras. Nesse último caso, <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>enterelaci<strong>on</strong>ado ao sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, está o “sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> gêneros”, que são,segundo Bazerman (1994): “gêneros inter-relaci<strong>on</strong>ados que interag<strong>em</strong> unscom os outros <strong>em</strong> locais específicos” (p. 98). O estudo <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong>gêneros permite visualizar os processos <strong>de</strong> produção e compreensão textualcomo realizações <strong>em</strong> ca<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>em</strong> meios sociais específicos. 2As pesquisas realiza<strong>da</strong>s no PROJOR têm como orientação centralos c<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong> gênero e comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> discursiva <strong>de</strong> Swales (1990). Paraesse autor, o “gênero compreen<strong>de</strong> uma classe <strong>de</strong> eventos comunicativos,cujos ex<strong>em</strong>plares compartilham os mesmos propósitos comunicativos” (p.58), c<strong>on</strong>sistindo <strong>em</strong> uma dinâmica <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> que envolve a realização<strong>de</strong> propósito(s), segundo uma lógica subjacente, uma organização textual2 Para uma introdução sobre os trabalhos <strong>de</strong> Swales e Bazerman, b<strong>em</strong> como para uma noçãogeral sobre a perspectiva sócio-retórica <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> gêneros, c<strong>on</strong>sultar B<strong>on</strong>ini, Biasi-Rodrigues e Carvalho (2006).24


A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>iniprototípica e uma i<strong>de</strong>ntificação pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> mediante um nomeespecífico. As comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s discursivas, por sua vez, “são re<strong>de</strong>s sócioretóricasque se formam com a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> atuar <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> c<strong>on</strong>juntos <strong>de</strong>objetivos comuns” (p. 9). Há, portanto, uma relação imediata entre aorganização discursiva <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> (o que os m<strong>em</strong>bros faz<strong>em</strong> noc<strong>on</strong>junto, por que faz<strong>em</strong>) e as ações retóricas realiza<strong>da</strong>s por seus m<strong>em</strong>bros(quais textos produz<strong>em</strong>, com base <strong>em</strong> quais pistas <strong>de</strong> vali<strong>da</strong><strong>de</strong>).Nas pesquisas do PROJOR têm sido c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rados também ostrabalhos subseqüentes <strong>de</strong> Swales (1992, 1998, 2004), que reformulam oucompl<strong>em</strong>entam aspectos <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> 1990. Além disso, t<strong>em</strong>-se procurado,nessas pesquisas, compl<strong>em</strong>entar as reflexões <strong>de</strong> Swales <strong>de</strong> vários modos,com outras bases teóricas, mas principalmente com a teorização sobresist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> gêneros, formula<strong>da</strong> por Bazerman (1994, 2005). 3O quadro c<strong>on</strong>ceitual proposto pela abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> sócio-retóricapossibilita tanto o estudo <strong>da</strong> organização dos gêneros – mediante, porex<strong>em</strong>plo, a análise <strong>de</strong> movimentos retóricos (SWALES, 1990) – quanto olevantamento <strong>de</strong> suas c<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> produção – mediante o estudo <strong>de</strong>comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s discursivas (SWALES, 1990), <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> gêneros(BAZERMAN, 1994), e <strong>da</strong> relação entre os processos <strong>de</strong> produção e leiturae os papéis sociais assumidos pelos praticantes <strong>de</strong>sses gêneros (PARÉ;SMART, 1994).2.3. MetodologiaO <strong>de</strong>senho metodológico <strong>em</strong>pregado no projeto t<strong>em</strong> evoluído como passar do t<strong>em</strong>po. Inicialmente, propus um quadro <strong>de</strong> procedimentos quepossibilitass<strong>em</strong> um estudo relaci<strong>on</strong>ado do jornal com seus gêneros(BONINI, 2002). Essa metodologia c<strong>on</strong>sistia <strong>em</strong> dois níveis <strong>de</strong> análise: omacroestrutural (do jornal <strong>em</strong> relação aos gêneros) e o microestrutural (dosgêneros <strong>em</strong> relação ao jornal) (cf. quadro 1).3 Vale l<strong>em</strong>brar que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre a teoria adota<strong>da</strong> c<strong>on</strong>segue <strong>da</strong>r c<strong>on</strong>ta dos aspectos maisimportantes <strong>de</strong> um gênero <strong>em</strong> estudo. É nesse sentido que, <strong>em</strong> B<strong>on</strong>ini (no prelo), procureianalisar os c<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong> notícia e reportag<strong>em</strong> presentes na literatura <strong>da</strong> Comunicação a partir<strong>de</strong> uma mescla <strong>da</strong> explicação <strong>de</strong> gênero <strong>de</strong> Swales (1990) e Paré/Smart (1994). C<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rei,<strong>de</strong>sse modo, que um gênero po<strong>de</strong> ser visualizado a partir <strong>da</strong>s seguintes características: 1)propósito; 2) aspectos <strong>de</strong> produção e/ou leitura e papéis sociais envolvidos; 3) organizaçãotextual/retórica; e 4) a nomenclatura <strong>em</strong>prega<strong>da</strong> na comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Os aspectos 1, 3 e 4provêm <strong>de</strong> Swales (1990) e o aspecto 2 (ou aspectos) provém <strong>de</strong> Paré e Smart (1994).25


As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros...MACROANÁLISE(1) Levantar a literatura a respeito dojornal. Nesta etapa, proce<strong>de</strong>-se àleitura, com vias a <strong>de</strong>terminar atradição relativa ao jornal e fazer uminventário dos gêneros: i) dosprincipais manuais <strong>de</strong> jornalismo; ii)dos textos acadêmicos sobre o jornal; eiii) <strong>de</strong> possíveis estudos que o analis<strong>em</strong>do p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista genérico;(2) Estabelecer uma interpretaçãoestrutural para o jornal. Nesta etapa,proce<strong>de</strong>-se: i) ao levantamento dospadrões textuais (partes e mecanismoscaracterísticos) e lingüísticos (léxico,<strong>em</strong>prego verbal, padrão oraci<strong>on</strong>al, etc.)<strong>de</strong> estruturação do jornal; ii) aolevantamento dos gêneros ocorrentesno jornal; e iii) ao levantamento <strong>da</strong>srelações com outros gêneros amplos;(3) Estabelecer uma interpretaçãopragmática para o jornal. Nesta etapa,proce<strong>de</strong>-se: i) à análise <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>discursiva <strong>em</strong> que jornal se insere; ii)ao estabelecimento dos papéisinteraci<strong>on</strong>ais (incluindo-se aí também aanálise dos propósitos, objetivos einteresses compartilhados eintervenientes; e iii) à c<strong>on</strong>sulta ainformante <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> discursiva.MICROANÁLISE(1) Levantar a literatura a respeito dogênero. Nesta etapa, com vias a<strong>de</strong>terminar a tradição relativa aogênero <strong>em</strong> estudo, proce<strong>de</strong>-se à leitura:i) dos principais manuais <strong>de</strong>jornalismo; ii) dos textos acadêmicossobre o gênero; e iii) <strong>de</strong> possíveisestudos que o analis<strong>em</strong> do p<strong>on</strong>to <strong>de</strong>vista genérico;(2) Estabelecer uma interpretaçãoestrutural para o gênero. Nesta etapa,proce<strong>de</strong>-se: i) ao levantamento dosmecanismos textuais (movimentos,passos e seqüências) e lingüísticos(léxico característico, <strong>em</strong>prego verbal,padrão oraci<strong>on</strong>al, etc.) <strong>de</strong> estruturaçãodo gênero; e ii) ao levantamento <strong>da</strong>srelações com outros gêneros e com ojornal;(3) Estabelecer uma interpretaçãopragmática para o gênero. Nesta etapa,proce<strong>de</strong>-se: i) à análise <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>discursiva <strong>em</strong> que o gênero se insere;ii) ao estabelecimento dos papéisinteraci<strong>on</strong>ais (incluindo-se aí tambéma análise dos propósitos, objetivos einteresses compartilhados eintervenientes); e iii) à c<strong>on</strong>sulta ainformante <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>.Quadro 1 – Uma proposta metodológica para o estudo inter-relaci<strong>on</strong>ado dosgêneros do jornal (BONINI, 2002).Dentro <strong>de</strong>ste quadro <strong>de</strong> procedimentos, inspirados <strong>em</strong> Swales(1990) e Bhatia (1993), a macroanálise corresp<strong>on</strong>dia a um levantamento <strong>da</strong>composição estrutural do jornal, tendo <strong>em</strong> mente o fato <strong>de</strong> que os gênerosque lhe são próprios <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penham um papel <strong>em</strong> sua c<strong>on</strong>stituição. Amacroanálise, neste caso, teria a função <strong>de</strong> produzir também umaexplicação do modo como o jornal funci<strong>on</strong>a socialmente.26


A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>iniNo nível microanalítico <strong>de</strong> funci<strong>on</strong>amento <strong>de</strong>sses gêneros, seriamc<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rados os gêneros do jornal <strong>em</strong> relação ao papelcomunicativo/enunciativo que cumpr<strong>em</strong> no meio social jornalístico e <strong>em</strong>relação ao modo como estruturam o todo do jornal (como o jornal seorganiza, quantas seções e ca<strong>de</strong>rnos, quais gêneros predominam nessasseções, quais gêneros organizam o jornal).Nesse enquadramento, o segundo c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> procedimentos <strong>da</strong>microanálise (estabelecer uma interpretação estrutural para o gênero) t<strong>em</strong>sido realizado, essencialmente, mediante a análise <strong>de</strong> movimentos <strong>de</strong>Swales (1990). Esse método <strong>de</strong> análise textual c<strong>on</strong>siste na comparaçãoentre os ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado gênero, procurando-se verificar, pelarecorrência, as ações retóricas que são realiza<strong>da</strong>s no sentido <strong>de</strong> produzi-lo(ou compreendê-lo).O ex<strong>em</strong>plo clássico <strong>de</strong>ssa metodologia é o mo<strong>de</strong>lo CARS (create aresearch space) que Swales (1981, 1990, SWALES; NAJJAR, 1987)c<strong>on</strong>struiu para explicar a organização retórica <strong>da</strong> introdução <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong>pesquisa. Em sua última versão (SWALES, 1990), o mo<strong>de</strong>lo apresenta trêsmovimentos que são materializados pela realização dos passos que ocompõ<strong>em</strong>. 4 Para realizar o movimento 3 <strong>de</strong> uma introdução <strong>de</strong> artigo <strong>de</strong>pesquisa (“ocupar o nicho”), e portanto para produzir a parte final <strong>da</strong>introdução, é necessário, <strong>de</strong>sse modo, que o produtor realize, inicialmente,os passos 1A (<strong>de</strong><strong>line</strong>ar os objetivos <strong>da</strong> pesquisa) ou 1B (apresentar apesquisa), que são opci<strong>on</strong>ais, e, <strong>em</strong> segui<strong>da</strong>, os passos 2 (apresentar osprincipais resultados) e 3 (indicar a estrutura do artigo). 5Embora pu<strong>de</strong>ss<strong>em</strong> permitir o trabalho <strong>da</strong> inter-relação entregêneros e jornal, os procedimentos expostos no quadro 1 se revelavamlimitantes para o estudo <strong>de</strong> outros aspectos c<strong>on</strong>textuais dos gêneros. Atentativa <strong>de</strong> se estu<strong>da</strong>r o enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> um gênero <strong>em</strong> estudo com outros(o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> gêneros), por ex<strong>em</strong>plo, não era possível <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sseenquadramento, a não ser com alguma a<strong>da</strong>ptação. Não se tornava fáciltambém levantar outros aspectos <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado gênero (processos <strong>de</strong>composição e leitura) ou as i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s dos enunciadores envolvidos.4 Estou c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando esta a última versão do CARS, <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> ser a últimaformulação teórica, mas é preciso c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rar que aparece uma reformulação posterior nocurso <strong>de</strong> escrita acadêmica <strong>de</strong>senvolvido por Swales e Feak (1994).5 Para maiores <strong>de</strong>talhes sobre essa metodologia, c<strong>on</strong>sultar H<strong>em</strong>ais e Biasi-Rodrigues (2005).27


As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros...Desse modo, mais recent<strong>em</strong>ente nas pesquisas do PROJOR, oenquadramento metodológico proposto por Paré e Smart (1994) t<strong>em</strong> sidoeleito como diretriz, a partir <strong>da</strong> qual outros aspectos são observados:relações hipergenéricas e sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> gêneros (cf. figura 1). 6 Esses autorespropõ<strong>em</strong> que sejam c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rados quatro aspectos <strong>em</strong> relação a <strong>de</strong>terminadogênero <strong>em</strong> estudo: 1) as regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s textuais; 2) as regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s nosprocessos <strong>de</strong> composição; 3) nas práticas <strong>de</strong> leitura; e 4) nos papéis sociaisdos envolvidos. 7Ao se c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rar essa proposta <strong>de</strong> Paré e Smart (1994), o sist<strong>em</strong>a<strong>de</strong> gêneros, a relação entre os gêneros e o jornal, entre outros aspectos,po<strong>de</strong>m ser estu<strong>da</strong>dos como parte <strong>de</strong> um (ou mais <strong>de</strong> um) dos comp<strong>on</strong>entes<strong>de</strong>sse gran<strong>de</strong> enquadramento (fig. 1). Dependo <strong>da</strong> <strong>de</strong>limitação posta sobreum gênero <strong>em</strong> estudo, o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> gêneros po<strong>de</strong> ser estu<strong>da</strong>do como umaforma <strong>de</strong> explicar seu processo <strong>de</strong> composição (o impacto <strong>de</strong> um gênerosobre a produção <strong>de</strong> outro), o processo <strong>de</strong> leitura (como a leitura <strong>de</strong> outrogênero é necessária e impacta a leitura do gênero <strong>em</strong> estudo), e os papéissociais (quais relações sociais são necessárias para realização <strong>de</strong><strong>de</strong>terminado gênero e <strong>de</strong> que tipo são essas relações). O estudo do sist<strong>em</strong>a<strong>de</strong> gêneros po<strong>de</strong> ser ampliado para uma pesquisa <strong>de</strong> campo que envolvaobservação, questi<strong>on</strong>ário, entrevista, etc.De modo compl<strong>em</strong>entar ao estudo dos quatro comp<strong>on</strong>entesap<strong>on</strong>tados por Paré e Smart (1994), as relações entre gênero e hipergêneropo<strong>de</strong>m entrar como parte do estudo <strong>da</strong>s regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> organizaçãotextual do gênero. O lugar e modo <strong>de</strong> funci<strong>on</strong>amento no jornal produz<strong>em</strong>uma c<strong>on</strong>textualização para o estudo <strong>da</strong> organização do gênero. Ao mesmot<strong>em</strong>po, o estudo do gênero segundo essa perspectiva possibilitacompreen<strong>de</strong>r aspectos <strong>da</strong> organização do jornal como um hipergênero. Nointerior do jornal, o gênero cumpre funções hipergenéricas: alguns, porex<strong>em</strong>plo, organizam o hipergênero (a chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> capa, o sumário, oexpediente, etc.), outros cumpr<strong>em</strong> o(s) objetivo(s) do hipergênero (anotícia, a entrevista, o artigo <strong>de</strong> opinião, etc.). Em termos <strong>de</strong>ssas relaçõeshipergenéricas, po<strong>de</strong>m ser observados: os lugares <strong>de</strong> ocorrência do gênero(na seção, na página, nos ca<strong>de</strong>rnos, no jornal) e a recorrência do gênero nojornal por um período <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po (uma s<strong>em</strong>ana, um mês, etc.).6 As relações hipergenéricas se dão entre o hipergênero (o jornal, nesse caso) e o gêneroscomp<strong>on</strong>entes (notícia, reportag<strong>em</strong>, editorial, etc.)7 Para uma introdução à metodologia <strong>de</strong> Paré e Smart (1994), c<strong>on</strong>sultar Carvalho (2005).28


A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>iniFigura 1– Enquadramento metodológico do estudo dos gêneros no PROJOR-UNISUL.O gênero é um objeto bastante complexo que po<strong>de</strong> ser explorado <strong>de</strong>diversos ângulos. C<strong>on</strong>tudo, quanto maior o número <strong>de</strong> ângulos e aprofundi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> observação, maior será o t<strong>em</strong>po necessário para ac<strong>on</strong>secução <strong>da</strong> pesquisa. O pesquisador po<strong>de</strong>, portanto, c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando aspeculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s do gênero <strong>em</strong> estudo, <strong>de</strong>limitar um c<strong>on</strong>junto maior o menor<strong>de</strong> aspectos a ser<strong>em</strong> observados. No caso do PROJOR, uma vez que se t<strong>em</strong>trabalhado essencialmente com pesquisas <strong>de</strong> mestrado, nas últimas <strong>de</strong>las(BORBA, 2007; CALDEIRA, 2007; CORRÊA, 2007; FOGOLARI, 2008;FRANCISCHINI, 2008; LIMA, 2008) se t<strong>em</strong> optado por c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rar: a) asregulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s textuais do gênero, levanta<strong>da</strong>s via análise <strong>de</strong> movimentosretóricos, e compl<strong>em</strong>enta<strong>da</strong>s pelo levantamento <strong>da</strong>s relaçõeshipergenéricas; e b) as regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s nos processos <strong>de</strong> composição dogênero, compl<strong>em</strong>enta<strong>da</strong>s pelo levantamento do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> gênerosenvolvido nessa composição. As primeiras pesquisas (FIGUEIREDO,2003; KINDERMANN, 2003; SIMONI, 2004; INNOCENTE, 2005;CASSAROTTI, 2006) apenas se c<strong>on</strong>centravam nos comp<strong>on</strong>entes 1 e A <strong>da</strong>figura 1, <strong>de</strong> modo que t<strong>em</strong> havido uma ampliação do foco.Embora a sócio-retórica seja uma escola <strong>de</strong> estudos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>(com representantes principalmente nos Estados Unidos e no Canadá), elanão apresenta uma teoria unificadora. Desse modo, a composição <strong>de</strong> um29


As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros...c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> procedimentos <strong>de</strong> pesquisa faz-se <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>da</strong>speculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s do objeto <strong>em</strong> estudo e do foco <strong>de</strong> observação posto sobreele, tendo como base, no entanto, as pesquisas e <strong>de</strong>bates anteriores, b<strong>em</strong>com uma perspectiva <strong>de</strong> observação <strong>de</strong> natureza etnográfica. Por ser umc<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> procedimentos relativamente abertos, a figura 1 po<strong>de</strong>ria terarranjos distintos, nos quais se po<strong>de</strong>ria tomar como fio norteador o sist<strong>em</strong>a<strong>de</strong> gêneros, as relações hipergenéricas ou mesmo outros aspectosintervenientes no funci<strong>on</strong>amento social do gênero (hierarquia <strong>de</strong> gêneros,c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> gêneros, ca<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> gêneros, por ex<strong>em</strong>plo).Embora os aspectos focalizados e os procedimentos possam variar<strong>em</strong> alguma medi<strong>da</strong>, t<strong>em</strong> sido comum nas pesquisas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa tradição ac<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ração <strong>da</strong>s explicações postas sobre o gênero <strong>em</strong> estudo, c<strong>on</strong>formec<strong>on</strong>st<strong>em</strong> na literatura técnico-profissi<strong>on</strong>al e acadêmica <strong>da</strong> área <strong>em</strong> questão.Esse trabalho vai além <strong>de</strong> uma simples revisão <strong>da</strong> literatura, pois cabe aoanalista <strong>de</strong> gênero envolvido com essa perspectiva analisar as explicaçõesprévias do gênero no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar o quanto elas c<strong>on</strong>segu<strong>em</strong><strong>de</strong><strong>line</strong>ar o gênero como um c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> práticas e ações sociais. 8Para o corpus do projeto, foram coletados, previamente a seu início(durante todo o primeiro mês do ano <strong>de</strong> 2000), ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> nove jornais<strong>da</strong> gran<strong>de</strong> imprensa brasileira (Diário Catarinense, Diário do Nor<strong>de</strong>ste, OEstado <strong>de</strong> São Paulo, Folha <strong>de</strong> São Paulo, Gazeta do Povo, Jornal do Brasil,O Globo, O Povo e Zero Hora), totalizando 272 ex<strong>em</strong>plares.As primeiras pesquisas tiveram esse corpus como base, <strong>em</strong>borafocalizando apenas alguns <strong>de</strong>les: Jornal do Brasil, Folha <strong>de</strong> S. Paulo, OGlobo, Diário Catarinense. A partir <strong>de</strong> 2007, como os jornais estivess<strong>em</strong> setornando <strong>de</strong> difícil manuseio, <strong>em</strong> função <strong>de</strong> seu estado <strong>de</strong> c<strong>on</strong>servação,foram <strong>de</strong>scartados, e as pesquisas seguintes passaram a c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rarex<strong>em</strong>plares atuais, por vezes recorrendo a outros jornais: citar pesquisas –Cal<strong>de</strong>ira (2007), por ex<strong>em</strong>plo, levou <strong>em</strong> c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ração o jornal A Tribuna <strong>de</strong>Criciúma.8 Essa distinção entre práticas e ações sociais não t<strong>em</strong> sido esclareci<strong>da</strong> na literatura. Emgeral, diversos termos (tais como prática, ação, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>) têm sido utilizados com o mesmosentido (intercambiando-se uns pelos outros livr<strong>em</strong>ente). Como esse uso cria uma certadiss<strong>on</strong>ância, tenho optado por diferenciar ação <strong>de</strong> prática social. Em B<strong>on</strong>ini (2007) propusque o termo prática social fosse utilizado para <strong>de</strong>signar a o aspecto mais geral <strong>da</strong> realizaçãosocial do gênero (por ex<strong>em</strong>plo, relatar pesquisas) e ação social, para <strong>de</strong>signar osprocedimentos <strong>de</strong> textualização (o que, no caso do artigo <strong>de</strong> pesquisa c<strong>on</strong>sistiria <strong>em</strong>:<strong>de</strong><strong>line</strong>ar os objetivos <strong>da</strong> pesquisa; apresentar a pesquisa; apresentar os principais resultados;indicar a estrutura do artigo, etc.).30


A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini3. Resultados do projetoNas próximas duas seções, procuro <strong>de</strong>screver os resultados <strong>da</strong>spesquisas no PROJOR, atendo-me às duas perspectivas focaliza<strong>da</strong>s noprojeto: do jornal <strong>em</strong> relação aos gêneros e vice-versa.3.1. O jornal e seus gênerosEm t<strong>em</strong>os do modo como os gêneros c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong> o jornal, trêsresultados maiores <strong>da</strong>s pesquisas e discussões do PROJOR po<strong>de</strong>m ser<strong>de</strong>stacados: a) a <strong>de</strong>scrição <strong>da</strong> organização do jornal; b) a realização,mediante a literatura <strong>da</strong> área <strong>de</strong> comunicação, <strong>de</strong> um inventário <strong>de</strong>possíveis gêneros do jornal; e c) a proposição do c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> hipergênero.Em um dos primeiros trabalhos publicados <strong>de</strong>ntro do escopo <strong>de</strong>sseprojeto (BONINI, 2001), realizei uma análise <strong>da</strong> estrutura composici<strong>on</strong>aldo jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo. Esse levantamento ap<strong>on</strong>tava para umaorganização <strong>da</strong> Folha <strong>em</strong> três comp<strong>on</strong>entes estruturais: a) um módulobásico (Brasil; mundo); b) os ca<strong>de</strong>rnos fixos (ec<strong>on</strong>omia; varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s;esportes; cultura); e c) os ca<strong>de</strong>rnos alternáveis (adolescência; turismo;agricultura; informática; infância; veículos e <strong>em</strong>pregos).Na época, propus que o c<strong>on</strong>teúdo do jornal seria organizado <strong>em</strong>função <strong>de</strong> dois campos <strong>de</strong> atenção (quadro 2). O primeiro <strong>de</strong>les seria ocampo do jornal, <strong>on</strong><strong>de</strong> se c<strong>on</strong>centrariam textos que têm sua funci<strong>on</strong>ali<strong>da</strong><strong>de</strong>relaci<strong>on</strong>a<strong>da</strong> ao próprio jornal. Nesses termos, a chama<strong>da</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, nãocumpre a função, pelo menos <strong>em</strong> primeiro plano, <strong>de</strong> levar ao leitor o relato<strong>de</strong> um fato. Pelo c<strong>on</strong>trário, ela serve como uma espécie <strong>de</strong> sumário,resumindo a edição e ap<strong>on</strong>tando o local do jornal <strong>on</strong><strong>de</strong> o texto se enc<strong>on</strong>tra.Além disso, ao relatar o suposto c<strong>on</strong>teúdo mais interessante <strong>da</strong> edição, elacumpriria a função <strong>de</strong> persuadir o leitor quanto à leitura e compra do jornal.Trata-se, portanto, <strong>de</strong> um texto que funci<strong>on</strong>a metatextualmente <strong>em</strong> relaçãoaos <strong>de</strong>mais textos do jornal.Os textos potencialmente alvos <strong>de</strong>ssas chama<strong>da</strong>s, por sua vez,comporiam o segundo campo <strong>da</strong> produção textual <strong>de</strong>ntro do jornal, o que<strong>de</strong>nominei campo <strong>da</strong>s ações sociais. Eles c<strong>on</strong>sistiriam <strong>em</strong> relatos dos <strong>da</strong>doscoletados pelos jornalistas, sendo, <strong>em</strong> sua maioria, <strong>da</strong>dos relativos a fatossociais ocorridos recent<strong>em</strong>ente, <strong>em</strong> ocorrência ou por ocorrer.31


As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros...NO CAMPO DO JORNALNO CAMPO DAS AÇÕESSOCIAISI – CabeçalhoII – Chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> capaIII – ÍndiceIV – EditorialV – ExpedienteVI – Cartas do leitorVII – Ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> notícias geraisVIII – Ca<strong>de</strong>rno t<strong>em</strong>áticoIX – Página t<strong>em</strong>ática ou assina<strong>da</strong>X – Coluna assina<strong>da</strong>XI – EncarteXII – Ca<strong>de</strong>rno especialQuadro 2 – Organização t<strong>em</strong>ática do jornal.Esta análise c<strong>on</strong>duziu a outras duas distinções: a) a dos gêneros <strong>em</strong>relação aos aparados <strong>de</strong> edição; e b) a dos gêneros presos e livres (quadro3). A primeira distinção baseava-se no fato que, no jornal, alguns el<strong>em</strong>entossão a base para se compor a maior parte dos gêneros praticados. Alémdisso, esses el<strong>em</strong>entos, tais como o chapéu, olho, e título, compõ<strong>em</strong> ostextos <strong>de</strong> gêneros específicos, mas, ao mesmo t<strong>em</strong>po, faz<strong>em</strong> parte <strong>da</strong>própria organização do jornal, <strong>de</strong> modo que os <strong>de</strong>nominei ‘aparatos <strong>de</strong>9, 10edição’.Com relação à segun<strong>da</strong> distinção, os gêneros presos são entendidoscomo sendo aqueles que têm o propósito central ligado à própriac<strong>on</strong>stituição e estruturação do jornal, tendo lugares fixos no jornal. Oeditorial é um <strong>de</strong>stes gêneros, pois aparece <strong>em</strong> um espaço fixo do jornal et<strong>em</strong> uma função evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente liga<strong>da</strong> ao jornal: expressar a opinião <strong>da</strong><strong>em</strong>presa jornalística. Por outro lado, os gêneros livres (tais como a notícia,a reportag<strong>em</strong>, a entrevista, etc.) são aqueles que <strong>de</strong> fato traz<strong>em</strong> o c<strong>on</strong>teúdoalvo do jornal (i<strong>de</strong>ntificado no jargão <strong>da</strong> área como a “informação”). Nãotêm, <strong>em</strong> geral, um lugar fixo no jornal, pois <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m dos ac<strong>on</strong>tecimentosque estarão <strong>em</strong> evidência no dia <strong>da</strong> apuração. Além disso, o gênero que irá<strong>em</strong>ergir nas páginas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do tipo <strong>de</strong> material que foi apurado no dia9 Chapéu é a “palavra ou expressão curta coloca<strong>da</strong> acima <strong>de</strong> um título. Usa<strong>da</strong> para indicar oassunto <strong>de</strong> que trata o texto ou os textos que vêm abaixo <strong>de</strong>la” (FOLHA <strong>de</strong> S. Paulo, 1998,p. 130-131).10 O olho é um pequeno trecho <strong>da</strong> fala <strong>da</strong> pessoa abor<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo texto, po<strong>de</strong>ndo aparecercomo antetítulo, chama<strong>da</strong>, intertítulo, ou na forma <strong>de</strong> janela no meio do texto. Essa últimatalvez seja a forma mais corrente, sendo a <strong>de</strong>finição adota<strong>da</strong> no manual <strong>de</strong> estilo <strong>da</strong> Folha <strong>de</strong>S. Paulo (1998, p. 157-158).32


A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>inipelo jornalista e <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões editoriais. A <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ssas<strong>de</strong>cisões editoriais, como afirma Borba (2007), a gravação <strong>de</strong> umaentrevista face a face po<strong>de</strong> se transformar <strong>em</strong> um texto <strong>de</strong> entrevistapingue-p<strong>on</strong>gue ou <strong>de</strong> entrevista corri<strong>da</strong>.GÊNEROSPresos:EditorialCarta do leitorExpedienteChama<strong>da</strong>ÍndiceCabeçalhoLivres:NotíciaNotaCríticaComentárioOpiniãoReportag<strong>em</strong>EntrevistaClaqueteAPARATOS DE EDIÇÃOMancheteLi<strong>de</strong>ListaPainelChapéuOlhoTabelaGráficoCitaçãoEx<strong>em</strong>ploPerfilSeloQuadro 3 – Gêneros e aparatos <strong>de</strong> edição do jornal (BONINI, 2001).Esse c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> distinções serviu como parâmetro para aorganização <strong>de</strong> um levantamento dos possíveis gêneros do jornal (BONINI,2003a) (quadro 4). Nesse caso, houve a tentativa <strong>de</strong> separar os gênerosexternos e internos ao jornal e, <strong>em</strong> relação a esses segundos, a distinçãoentre centrais (relaci<strong>on</strong>ados aos objetivos principais do jornal, tais comoinformar e discutir eventos e t<strong>em</strong>as sociais) e periféricos (relaci<strong>on</strong>ados aativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que apenas ating<strong>em</strong> o jornal, mas não c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong> seu fimúltimo). Os gêneros centrais, por sua vez, foram alocados <strong>em</strong> duascategorias: presos e livres (com a mesma c<strong>on</strong>cepção exposta acima), sendoque esses últimos foram divididos <strong>em</strong> autônomos e c<strong>on</strong>jugados. Essaclassificação passa a mostrar os aparatos <strong>de</strong> edição como gêneros que estãoa serviço <strong>de</strong> outros (c<strong>on</strong>jugados).33


As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros...NAATIVI-DADEJORNA-LÍSTICA* reunião<strong>de</strong> pauta* pauta* coletiva:entrevistaNO JORNALCENTRAISPRESOS* carta doleitor* expediente* cabeçalho* chama<strong>da</strong>* editorial* fotomanchete* índiceLIVRESAUTÔNOMOS* análise* artigo* nota [suelto,obtuário]* notícia* reportag<strong>em</strong>* entrevista* enquête*fotorreportag<strong>em</strong>* foto-legen<strong>da</strong>* comentário* crítica* resenha* tira* cartum* charge* roteiro* previsão dot<strong>em</strong>po* carta-c<strong>on</strong>sulta* ef<strong>em</strong>éri<strong>de</strong>CONJUGADOS* cr<strong>on</strong>ologia* gráfico* mapa* perfil* story-board* tabela* errata* fotografia[fotopotoca,portrait, <strong>de</strong> cena]* ficha técnica* galeria* gra<strong>de</strong>* indicador* cotação* infográfico* lista[questi<strong>on</strong>ário,vocabulário,discografia,bibliografia]* lidão* en<strong>de</strong>reçoeletrônico* caricatura* referênciabibliográfica* en<strong>de</strong>reço* cin<strong>em</strong>inhaPERIFÉRICOS* anúncio[teaser,classificados,saia-e-blusa]* propagan<strong>da</strong>* aviso* cupom* expressão <strong>de</strong>opinião* informepublicitário* ensaio* editorial <strong>de</strong>mo<strong>da</strong>* crônica* horóscopo* teste* folhetim* chara<strong>da</strong>* palavra cruza<strong>da</strong>* poesia* c<strong>on</strong>to* edital* balancete* receita* ata* apostila* <strong>da</strong>ma* xadrezQuadro 4 – Gêneros relaci<strong>on</strong>ados ao jornal, arrolados nos manuais <strong>de</strong> estilo, nosdici<strong>on</strong>ários <strong>de</strong> comunicação e na literatura acadêmica <strong>da</strong> área <strong>de</strong> comunicação [Ositens <strong>em</strong> negrito só foram enc<strong>on</strong>trados no dici<strong>on</strong>ário, os grifados, somente nosmanuais <strong>de</strong> estilo e os com duplo grifo, somente na literatura acadêmica](BONINI, 2003a).Hoje, c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando essas classificações <strong>em</strong> retrospectiva, observocerta fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> alguns aspectos. Elas, c<strong>on</strong>tudo, tocam, penso, <strong>em</strong>probl<strong>em</strong>as importantes <strong>da</strong> relação entre o jornal e seus gêneros. Na análise<strong>de</strong> um gênero qualquer do jornal, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>de</strong>ve-se c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rar o chapéu34


A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>inicomo um comp<strong>on</strong>ente <strong>de</strong>sse gênero ou do jornal? Como ap<strong>on</strong>tei <strong>em</strong> umtexto no qual analiso duas edições completas do Jornal do Brasil (BONINI,2005), parece existir no jornal certa in<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> fr<strong>on</strong>teiras entre asuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s textuais, o que acaba se revelando uma <strong>de</strong> suas marcas. A questãoé que a produção do jornal e <strong>de</strong> seus gêneros ocorre c<strong>on</strong>juntamente <strong>de</strong>modo que: textos produzidos por autores diferentes po<strong>de</strong>m ser agrupados<strong>em</strong> um bloco t<strong>em</strong>ático único; e um texto escrito por um único autor po<strong>de</strong>ser separado <strong>em</strong> blocos menores, perfazendo outros textos. Distinguir o queé título e intertítulo na página do jornal n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre é uma tarefa muitofácil, <strong>de</strong>vido a essa mescla, a essa escrita c<strong>on</strong>junta entre jornalista, editor e<strong>de</strong>mais envolvidos.Com base nesta relação entre o jornal e seus gêneros, pensa<strong>da</strong> aprincípio através <strong>da</strong> distinção entre gêneros presos e livres, é que propus oc<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> hipergênero (BONINI, 2001, 2003b, 2005, mimeo). Afirmei, noprimeiro texto <strong>em</strong> que tratei do assunto, que: “Embora na literatura sobregêneros textuais o jornal seja caracterizado basicamente como um veículo,[há] motivos para c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rá-lo um gênero que abriga outros (ou seja, umhipergênero), porque preenche quesitos como propósitos comunicativospróprios, organização textual característica [...] e produtores e receptores<strong>de</strong>finidos” (BONINI, 2001). Po<strong>de</strong>-se acrescentar ain<strong>da</strong>, <strong>de</strong> acordo comB<strong>on</strong>ini (mimeo), que o jornal corresp<strong>on</strong><strong>de</strong> aos três quesitos ap<strong>on</strong>tados porBakhtin (1953, p. 281) para caracterizar o enunciado (quadro 5). Como jáhavia feito <strong>em</strong> B<strong>on</strong>ini (2004), opto aqui também pelo c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong>enunciado como base <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> gênero. Embora eu tenha trabalhado <strong>em</strong>muitos textos com a literatura proveniente <strong>da</strong> sócio-retórica, o c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong>ação <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Miller (1984) não me parece tão pertinente comouni<strong>da</strong><strong>de</strong> básica <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> quanto o c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> enunciado <strong>de</strong> Bakhtin(1953), uma vez que esse último alcança uma caracterização mais plausívelcomo uni<strong>da</strong><strong>de</strong> no fluxo <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> e como aspecto do comportamentocomunicativo e interaci<strong>on</strong>al humano.Em 2005, afirmei que o hipergênero (por ex<strong>em</strong>plo, o jornal)po<strong>de</strong>ria equivaler ao suporte <strong>de</strong> textos, mas que n<strong>em</strong> todo suporte seria umhipergênero (por ex<strong>em</strong>plo, um álbum <strong>de</strong> fotografias). Neste texto maisrecente (BONINI, mimeo), opto pelo termo mídia, por já ser corrente, naliteratura acadêmica e na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando o termo suporte.Mantenho, c<strong>on</strong>tudo, a mesma hipótese para a relação entre o gênero e seumeio <strong>de</strong> circulação. Desse modo, o jornal se organiza como umhipergênero, mas também como uma mídia. Não é o caso, no entanto, <strong>da</strong>35


As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros...televisão, que é uma mídia composta <strong>de</strong> diversos hipergêneros (telejornal,programa <strong>de</strong> auditório, talkshow) e gêneros (anúncio, vinheta, chama<strong>da</strong>).Características doenunciado, segundoBakhtin (1953, p. 281)“exauribili<strong>da</strong><strong>de</strong> do objetoe do sentido”“projeto <strong>de</strong> discurso ouv<strong>on</strong>ta<strong>de</strong> <strong>de</strong> discurso dofalante”“formas típicascomposici<strong>on</strong>ais e <strong>de</strong>gênero do acabamento”Aplicação <strong>de</strong>ssas características ao jornalA equipe que produz o jornal expressa todo oc<strong>on</strong>teúdo que quer o po<strong>de</strong> expressar na edição. Essec<strong>on</strong>teúdo, por sua vez, funci<strong>on</strong>a como uma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>c<strong>on</strong>teúdo que po<strong>de</strong> ser alvo <strong>de</strong> replica, <strong>de</strong> modo quealguém po<strong>de</strong> afirmar, por ex<strong>em</strong>plo: “Gostei <strong>da</strong> edição<strong>de</strong> <strong>on</strong>t<strong>em</strong> do jornal X”.Embora compartilhado entre muitos sujeitos e nãopassível <strong>de</strong> especificação, há um intuito na produçãodo jornal. Do mesmo modo como ocorre com outrosenunciados coletivos, a ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> um filme, <strong>de</strong> umespetáculo, há, no caso do jornal, uma hierarquia <strong>de</strong>enunciadores. Sendo assim, alguns têm mais po<strong>de</strong>r eespaço na c<strong>on</strong>strução do todo do que outros. No caso<strong>de</strong> um filme, é geralmente o diretor; no do jornal, oseditores.O jornal apresenta uma organização genérica,composta principalmente <strong>de</strong> cabeçalho, chama<strong>da</strong>s,expediente, editorial, carta do leitor e ca<strong>de</strong>rnos. Essaorganização, por sua vez, cria um espaço circulaçãopara outros gêneros.Quadro 5 – Características do enunciado aplica<strong>da</strong>s ao jornal.3.2. Os gêneros e o jornalEm termos dos gêneros que compõ<strong>em</strong> o jornal, foram estu<strong>da</strong>dos,até o momento, a notícia, a reportag<strong>em</strong>, a nota, a entrevista, o comentário, acrítica <strong>de</strong> cin<strong>em</strong>a, a chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> capa, a carta-c<strong>on</strong>sulta e a tira.Kin<strong>de</strong>rmann (2003) levantou, <strong>em</strong> análise <strong>de</strong> 32 reportagenspublica<strong>da</strong>s <strong>em</strong> quatro ca<strong>de</strong>rnos do Jornal do Brasil (Brasil, Internaci<strong>on</strong>al,Política e Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>), quatro tipos <strong>de</strong> reportag<strong>em</strong>: noticiosa, <strong>de</strong> entrevista,retrospectiva, e <strong>de</strong> pesquisa. Posteriormente, esse trabalho foi retomado porB<strong>on</strong>ini (no prelo), <strong>em</strong> um estudo que envolveu todos os ex<strong>em</strong>plares dosgêneros notícia e reportag<strong>em</strong> publicados <strong>em</strong> três edições do Jornal doBrasil. Em uma primeira etapa, foram analisados 337 textos, nos quais36


A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>iniforam verifica<strong>da</strong>s nove possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ocorrências textuais, perfazendoum c<strong>on</strong>tínuo que vai <strong>da</strong> notícia à reportag<strong>em</strong> (quadro 6). Em uma segun<strong>da</strong>etapa, foram seleci<strong>on</strong>ados <strong>de</strong> modo aleatório aproxima<strong>da</strong>mente 10ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> tipo, totalizando 84 ex<strong>em</strong>plares, para uma análise <strong>da</strong>organização textual <strong>de</strong> acordo com a ótica <strong>de</strong> movimentos retóricos <strong>de</strong>Swales (1990). Essa análise evi<strong>de</strong>nciou a hipótese do c<strong>on</strong>tínuo levanta<strong>da</strong> naprimeira etapa <strong>da</strong> pesquisa.GRUPO GÊNERO PROPÓSITOFactual NotíciaRelatar um fato/ac<strong>on</strong>tecimentoReportag<strong>em</strong>Explicar a orig<strong>em</strong> <strong>de</strong> fatoretrospectivaRep. <strong>de</strong> opinião Abor<strong>da</strong>r um fato ou assunto medianteopinião(ões) coleta<strong>da</strong>(s)Reportag<strong>em</strong> <strong>de</strong> perfil Descrever pers<strong>on</strong>ag<strong>em</strong> ou instituiçãorelaci<strong>on</strong>a<strong>da</strong> a fato, a assunto <strong>em</strong> evidência ouque tenha prestígio social ou famaReportag<strong>em</strong> <strong>de</strong>coberturaRelatar o dia-a-dia <strong>de</strong> instituição, festivi<strong>da</strong><strong>de</strong>ou fato duradouroT<strong>em</strong>ático Reportag<strong>em</strong> <strong>de</strong> produto Descrever novo produtoReportag<strong>em</strong> <strong>de</strong> pesquisa Aportar <strong>da</strong>dos <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>a<strong>em</strong> evidência ou <strong>de</strong> tendência <strong>de</strong>comportamento socialReportag<strong>em</strong> didática Explicar um assunto, situação probl<strong>em</strong>a ouserviçoReportag<strong>em</strong> <strong>de</strong> roteiro Ap<strong>on</strong>tar possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> passeio turísticoQuadro 6 – Propósitos <strong>da</strong> notícia e dos gêneros <strong>da</strong> reportag<strong>em</strong> (BONINI, no prelo).Figueiredo (2003) analisou 132 ex<strong>em</strong>plares <strong>de</strong> nota jornalísticapublicados no Jornal do Brasil. Sua pesquisa indicou a ocorrência <strong>de</strong> trêstipos <strong>de</strong> notas: a nota noticiosa, a nota comentário e a nota comentáriorelatado. Segundo esse estudo, a nota <strong>em</strong> sua estrutura básica, <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s astrês formas <strong>de</strong> ocorrências, compõe-se <strong>de</strong> um título (geralmente não maisdo que uma palavra ou expressão curta), e dois blocos textuais (umaintrodução e uma especificação). No caso do tipo mais comum, a notanoticiosa, o primeiro <strong>de</strong>sses blocos corresp<strong>on</strong><strong>de</strong> a um li<strong>de</strong> e o segundo auma extensão <strong>de</strong> algum aspecto <strong>de</strong>sse li<strong>de</strong> (o quê, qu<strong>em</strong>, quando, <strong>on</strong><strong>de</strong>,como, por quê).37


As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros...Borba (2007), <strong>em</strong> um estudo sobre a entrevista, examina 32ex<strong>em</strong>plares do gênero publicados no jornal Zero Hora. A análise ap<strong>on</strong>tapara dois padrões <strong>de</strong> ocorrência: a entrevista noticiosa (centra<strong>da</strong> <strong>em</strong> umfato) e a <strong>de</strong> perfil (centra<strong>da</strong> <strong>em</strong> aspectos <strong>de</strong> um ator social específico). Aprimeira ocorre geralmente como compl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> outro(s) texto(s)publicado(s) no jornal, enquanto a segun<strong>da</strong> ocorre mais comumente comotexto isolado. A entrevista, segundo esse estudo, organiza-se <strong>em</strong> trêsmovimentos retóricos, a saber: a) situar o leitor (mediante cabeçalho, título,créditos e foto-legen<strong>da</strong>), estabelecer o t<strong>em</strong>a (media li<strong>de</strong>, noticioso ou <strong>de</strong>perfil) e expor trecho relevante <strong>da</strong> interação realiza<strong>da</strong> anteriormente(mediante pingue-p<strong>on</strong>gue, inter-título, janela e box).M<strong>on</strong>teiro (2008) estudou um corpus <strong>de</strong> 42 ex<strong>em</strong>plares docomentário, sendo 18 extraídos do jornal Diário Catarinense e 24 <strong>da</strong> Folha<strong>de</strong> S. Paulo. Ela levantou uma organização do gênero composta <strong>de</strong> set<strong>em</strong>ovimentos retóricos, quais sejam: a) i<strong>de</strong>ntificar o texto; b) apresentar o fioc<strong>on</strong>dutor do texto; c) <strong>de</strong>senvolver um balanço dos fatos; d) apresentar umainterpretação dos fatos; e) perspectivar o futuro; f) dirigir-se a participantedo evento com interpelação ou elogio; g) apresentar <strong>da</strong>dos <strong>de</strong> c<strong>on</strong>tato; h)apresentar cre<strong>de</strong>nciais; apresentar informações extras. De modo geral,segundo esse estudo, o comentarista apresenta o fato a ser comentado, fazum balanço e/ou interpretação <strong>de</strong> aspectos <strong>de</strong>sse fato e procura fazerprevisões ou fornecer diretrizes quanto aos seus <strong>de</strong>sdobramentos.Cassarotti (2006) realizou um estudo <strong>de</strong> 20 ex<strong>em</strong>plares do gênerocrítica <strong>de</strong> cin<strong>em</strong>a coletados do Jornal Folha <strong>de</strong> São Paulo. Seu estudo indicauma organização do gênero <strong>em</strong> seis movimentos retóricos, a saber: a)fornecer pistas para que o leitor i<strong>de</strong>ntifique uma crítica específica(mediante título do texto, crédito <strong>de</strong> autoria e fotografia do filme); b)apresentar o filme (informando, por ex<strong>em</strong>plo, sobre fatos relaci<strong>on</strong>ados aofilme, sobre a direção, sobre a atuação, etc.); c) <strong>de</strong>screver/analisar partes dofilme (apresentando a história do filme, o processo criativo, cenasmarcantes, etc.); d) opinar sobre o filme (fornecendo avaliação geral e/ou<strong>de</strong> partes); e) orientar o espectador (recomen<strong>da</strong>ndo ou <strong>de</strong>squalificando ecotando o filme); f) fornecer <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> ficha técnica (título, nomes dosenvolvidos, etc.). Embora o corpus apresentasse apenas um ex<strong>em</strong>plar <strong>de</strong>crítica volta<strong>da</strong> a documentário, é interessante notar como a variação dogênero comentado modifica a organização <strong>da</strong> crítica. Esse fato mostra queo gênero não se realiza mediante regras, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente <strong>da</strong> tarefa quelhe dá base, mas que ele ac<strong>on</strong>tece como uma prática social situa<strong>da</strong>.38


A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>iniCal<strong>de</strong>ira (2007) analisou um corpus c<strong>on</strong>stituído por 31 chama<strong>da</strong>s<strong>de</strong> capa e 38 textos chamados. Os ex<strong>em</strong>plares foram seleci<strong>on</strong>ados a partir<strong>de</strong> três jornais: um <strong>de</strong> circulação naci<strong>on</strong>al (Folha <strong>de</strong> S. Paulo); um <strong>de</strong>circulação no estado <strong>de</strong> Santa Catarina (Diário Catarinense) e um quecircula na região <strong>de</strong> Criciúma (A Tribuna). Sua análise mostrou umaorganização do gênero <strong>em</strong> três movimentos retóricos: a) caracterizar o texto(mediante título); b) ap<strong>on</strong>tar um t<strong>em</strong>a; c) especificar o t<strong>em</strong>a; e d) direci<strong>on</strong>ara páginas internas do jornal. Ele levantou que as chama<strong>da</strong>s geralmentetinham como t<strong>em</strong>a uma notícia (17 <strong>de</strong>las) ou uma reportag<strong>em</strong> (14 <strong>de</strong>las).Cinco <strong>de</strong>ssas chama<strong>da</strong>s se atinham a mais <strong>de</strong> um texto. Apenas uma <strong>de</strong>lastrazia um resumo do texto como um todo, três <strong>de</strong>las traziam um resumo <strong>de</strong>um único trecho e a maioria, 22 <strong>de</strong>las, c<strong>on</strong>sistiam <strong>em</strong> resumos <strong>de</strong> trechosesparsos, provenientes <strong>de</strong> vários p<strong>on</strong>tos do texto chamado. É interessantenotar, <strong>em</strong> termos <strong>da</strong> relação entre a chama<strong>da</strong> e o texto chamado, que acópia é uma estratégia rara. Apenas uma <strong>de</strong>las utilizou esse recurso. Amaior parte <strong>de</strong>las c<strong>on</strong>sistia <strong>em</strong> uma paráfrase do texto chamado (22 <strong>de</strong>las),havendo, c<strong>on</strong>tudo, ocorrências <strong>de</strong> chama<strong>da</strong>s c<strong>on</strong>struí<strong>da</strong>s com estratégiamista (paráfrase e cópia). É importante salientar também que, <strong>em</strong> relação aoc<strong>on</strong>teúdo <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s, 86,8% provém do título e do li<strong>de</strong> do textochamado.Sim<strong>on</strong>i (2004) analisou 68 ex<strong>em</strong>plares do gênero carta-c<strong>on</strong>sultacoletados <strong>em</strong> edições dos jornais O Globo e Folha <strong>de</strong> S. Paulo. Aorganização do gênero revela<strong>da</strong> pela pesquisa c<strong>on</strong>siste <strong>de</strong> três movimentosretóricos: a) i<strong>de</strong>ntificar o texto (geralmente mediante uma palavra ouexpressão curta); b) formular uma questão; e c) fornecer uma resposta. Éinteressante notar aqui que entram <strong>em</strong> cena, na produção do gênero, trêsenunciadores: o jornalista (resp<strong>on</strong>sável por organizar o material), o leitor(produtor inicial <strong>da</strong> carta) e a pessoa ou enti<strong>da</strong><strong>de</strong> que resp<strong>on</strong><strong>de</strong> a carta. Elalevantou dois modos <strong>de</strong> ocorrência do gênero: uma <strong>em</strong> que a resposta éproduzi<strong>da</strong> diretamente por um especialista e outra <strong>em</strong> que a resposta,<strong>em</strong>bora tendo uma f<strong>on</strong>te externa, é relata<strong>da</strong> pelo jornalista que serve <strong>de</strong>mediador.Innocente (2005) estudou um corpus <strong>de</strong> 46 tiras publica<strong>da</strong>s noJornal do Brasil e no Diário Catarinense. Ela c<strong>on</strong>cluiu que esse gênero seorganiza retoricamente <strong>em</strong> quatro movimentos: a) apresentar o título; b)preparar o cenário; c) apresentar o clímax; e d) quebrar a expectativa. Ostextos compõ<strong>em</strong>-se <strong>de</strong> uma a quatro vinhetas (ou quadrinhos), sendo maiscomuns os c<strong>on</strong>struídos com três vinhetas. O humor na tira <strong>em</strong>erge <strong>de</strong>ssaquebra <strong>de</strong> uma expectativa c<strong>on</strong>struí<strong>da</strong> inicialmente e <strong>da</strong> utilização <strong>de</strong>39


As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros...diversos recursos: ambigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> s<strong>em</strong>ântica, criação <strong>de</strong> uma exigência <strong>de</strong>inferência (mediante informação implícita), evocação <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimentoprévio do leitor, e efeito gráfico específico introduzido na tira.Das três pesquisas que estão <strong>em</strong> an<strong>da</strong>mento, um <strong>de</strong>las já estábastante avança<strong>da</strong>, <strong>de</strong> modo que se po<strong>de</strong>m ap<strong>on</strong>tar os resultados maisvisíveis. Corrêa iniciou um estudo sobre a carta do leitor <strong>em</strong> 2007, no qualela analisa 49 cartas publica<strong>da</strong>s e as compara com os originais enviadospelos leitores. Ao observar o en<strong>de</strong>reçamento e o propósito <strong>da</strong>s cartas,Corrêa i<strong>de</strong>ntificou cinco tipos <strong>de</strong> cartas do leitor: a) carta para o jornal ouum <strong>de</strong> seus envolvidos com elogio ou crítica; b) carta para envolvido(s) <strong>em</strong>um fato com comentário positivo ou negativo; c) carta para os leitores dojornal com esclarecimento sobre texto publicado anteriormente; d) cartapara outro leitor com questi<strong>on</strong>amento ou apoio; e) carta para a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>com crítica <strong>de</strong> comportamento. Na comparação entre a carta publica<strong>da</strong> e aoriginal, Corrêa levantou quatro grupos <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> textualizaçãorealiza<strong>da</strong>s pelo editor <strong>da</strong> seção <strong>de</strong> cartas: as ações <strong>de</strong> eliminação,acréscimo, substituição e correção ortográfica.As outras três pesquisas (FRANCISCHINI, 2008; FOGOLARI,2008; LIMA, 2008) enc<strong>on</strong>tram-se ain<strong>da</strong> <strong>em</strong> fase inicial. Francischini estáanalisando a crônica a partir <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plares coletados do jornal Zero Hora.Trata-se <strong>de</strong> um gênero já bastante estu<strong>da</strong>do, mas com raros trabalhos <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> uma ótica <strong>de</strong> gênero. Além disso, a crônica é um gênero <strong>de</strong> difícil<strong>de</strong>finição (o que se evi<strong>de</strong>ncia na literatura c<strong>on</strong>sulta<strong>da</strong>) e com fr<strong>on</strong>teirasmuito tênues com outros gêneros do jornalismo (como o comentário). Asoutras duas pesquisas têm por objeto gêneros imagéticos do jornal: ocin<strong>em</strong>inha (FOGOLARI, 2008) e o storyboard (LIMA, 2008). 11, 12 Trata-se<strong>de</strong> gêneros <strong>de</strong> ocorrência rara, o que traz certa dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> operaci<strong>on</strong>al paraa m<strong>on</strong>tag<strong>em</strong> do corpus <strong>de</strong> pesquisa. Em uma varredura nas edições <strong>da</strong>Folha <strong>de</strong> S. Paulo pelo período <strong>de</strong> um ano, foram enc<strong>on</strong>trados pelospesquisadores apenas cinco ex<strong>em</strong>plares do storyboard e seis do cin<strong>em</strong>inha.Uma <strong>da</strong>s maiores dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s enfrenta<strong>da</strong>s nessas pesquisas é a <strong>da</strong>seleção do corpus. Alguns gêneros, com a tira e a carta do leitor, sãofacilmente i<strong>de</strong>ntificáveis no jornal. Outros, porém, como a reportag<strong>em</strong> e ocomentário, não são evi<strong>de</strong>ntes, pois se c<strong>on</strong>fun<strong>de</strong>m com outros gêneros, o11 Cin<strong>em</strong>inha é uma “seqüência <strong>de</strong> fotos que ilustra uma matéria jornalística apresentando<strong>de</strong>talhes do <strong>de</strong>senvolvimento do fato noticiado” (RABAÇA; BARBOSA, 1978, p. 135).12 Storyboard é uma “seqüência <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos que, ilustrando uma matéria jornalística,apresentam <strong>de</strong>talhes e momentos sucessivos do fato noticiado ou <strong>de</strong> uma versão doac<strong>on</strong>tecimento” (RABAÇA; BARBOSA, 1978, p. 694).40


A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>inique exige todo um esforço <strong>de</strong> seleção, com a proposição <strong>de</strong> critérios e aanálise <strong>de</strong> um corpus b<strong>em</strong> maior até se chegar aos textos efetivos <strong>da</strong>pesquisa. Outra dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> enfrenta<strong>da</strong> é a <strong>de</strong> material bibliográfico. Osgêneros menos evi<strong>de</strong>ntes apresentam pouca ou nenhuma discussão prévia.Desse modo, no estudo <strong>de</strong> gêneros como o cin<strong>em</strong>inha, a galeria e ostoryboard, por ex<strong>em</strong>plo, po<strong>de</strong>-se c<strong>on</strong>tar, no máximo, com <strong>de</strong>finições <strong>de</strong>dici<strong>on</strong>ários <strong>de</strong> comunicação e <strong>de</strong> manuais <strong>de</strong> estilo dos jornais.Os gêneros estu<strong>da</strong>dos até o momento mostram papéis distintos nac<strong>on</strong>stituição do jornal. Alguns <strong>de</strong>les, como a notícia, a reportag<strong>em</strong> e a nota,ocorr<strong>em</strong> <strong>em</strong> praticamente todos os ca<strong>de</strong>rnos, enquanto outros, como a cartado leitor, a tira, a crítica <strong>de</strong> cin<strong>em</strong>a, se restring<strong>em</strong> a um espaço específico<strong>de</strong>ntro do jornal.4. C<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rações finaisAs pesquisas no PROJOR têm <strong>em</strong> vista resultados que favoreçam oensino dos gêneros do jornal na educação básica e superior. Outra meta<strong>de</strong>ssas pesquisas é levantar questões e probl<strong>em</strong>as que possam servir <strong>de</strong> basepara a discussão e futuras pesquisas sobre esses gêneros. Os estudosrealizados até o momento já permit<strong>em</strong> visualizar aspectos que c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>plamessas duas metas.As probl<strong>em</strong>atizações <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>a<strong>da</strong>s por tais estudos, a ex<strong>em</strong>plo <strong>da</strong>relação entre o jornal e seus gêneros, mediante o c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> hipergênero,colocam questões para o ensino <strong>de</strong>sses textos, à medi<strong>da</strong> que a sua produção<strong>em</strong> ambiente escolar, por ex<strong>em</strong>plo, passa por uma reflexão sobre essasfr<strong>on</strong>teiras e sobre as práticas que as c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong>. Essas mesmas questõestambém se revelam t<strong>em</strong>as para estudos e para a reflexão teórica sobre ogênero como objeto <strong>de</strong> pesquisa.Em uma etapa posterior do PROJOR, vai se somar a esse projeto,um outro que terá como objetivo a elaboração didática <strong>de</strong>sses c<strong>on</strong>teúdos.Os resultados do PROJOR, portanto, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> naturalmente <strong>de</strong>s<strong>em</strong>bocar <strong>em</strong>um projeto sobre a produção e o ensino-aprendizag<strong>em</strong> do jornal escolar.41


As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros...ReferênciasBAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: ______. Estética <strong>da</strong> criação verbal.Tradução <strong>de</strong> Paulo Bezerra. São Paulo: Martins F<strong>on</strong>tes, 2006 [1953].BAZERMAN, C. Syst<strong>em</strong>s of genres and the enactment of social intenti<strong>on</strong>s. In:FREEDMAN, A.; MEDWAY, P. (Eds.). Genre and the new rhetoric. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>:Taylor & Francis, 1994. p. 79-101.______. Gêneros textuais, tipificação e interação. Org. por Angela P. Di<strong>on</strong>ísio eJudith C. Hoffnagel. São Paulo: Cortez, 2005.BHATIA, V. K. Analysing genre: language use in professi<strong>on</strong>al settings. NewYork: L<strong>on</strong>gman, 1993.______. Worlds of written discourse: a genre-based view. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>; New York:C<strong>on</strong>tinuum, 2004.BONINI, A. Em busca <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo integrado para os gêneros do jornal. In:CAVALCANTE, M. M.; BRITO, M. A. P. (Orgs.). Gêneros textuais ereferenciação. Fortaleza, CE: Grupo Protexto, 2004 [2001]. (livro <strong>em</strong> cd-rom)______. Metodologias para o estudo dos gêneros textuais: como estu<strong>da</strong>r o encaixedos gêneros no jornal. In: CAVALCANTE, M. M.; BRITO, M. A. P. (Orgs.).Gêneros textuais e referenciação. Fortaleza, CE: Grupo Protexto, 2004 [2002].(livro <strong>em</strong> cd-rom)______. Os gêneros do jornal: o que ap<strong>on</strong>ta a literatura <strong>da</strong> área <strong>de</strong> comunicação noBrasil? Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 4, n. 1, 2003a. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/revista/revista.htm.______. Veículo <strong>de</strong> comunicação e gênero textual: noções c<strong>on</strong>flitantes. D.E.L.T.A.,v. 19, n. 1, p. 65-89, 2003b. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0102-4450&lng=pt&nrm=iso.______. O c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> gênero textual/discursivo: teorias versus fenômeno. In:CRISTÓVÃO, V. L. L.; NASCIMENTO, E. L. (Orgs.). Gêneros textuais: teoria eprática. L<strong>on</strong>drina: Moriá, 2004. p. 3-17.______. Os gêneros do jornal: questões <strong>de</strong> pesquisa e ensino. In: KARWOSKI, A.M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Org.). Gêneros textuais: reflexões e ensino.2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Lucerna, 2006 [Kaygangue, 2005]. p. 57-71.______. A relação entre prática social e gênero textual: questão <strong>de</strong> pesquisa eensino. Vere<strong>da</strong>s (UFJF), v. 11, n. 2, p. 1-21, 2007. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www.revistavere<strong>da</strong>s.ufjf.br/volumes.html.______. The distincti<strong>on</strong> between news and reportage in the Brazilian journalisticc<strong>on</strong>text: a matter of <strong>de</strong>gree. In: BAZERMAN, C.; BONINI, A.; FIGUEIREDO,D.C. (Orgs). Genre in a changing world – advances in genre theory, analysis, andteaching. West Lafayette, IN: Parlor Press; Fort Collins, CO: WAC Clearinghouse.(Prelo)42


A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini______. Hipergênero, mídia e suporte: gêneros textuais e suas relações. (Mimeo)______; BIASI-RODRIGUES, B.; CARVALHO, G. Análise <strong>de</strong> gêneros textuais<strong>de</strong> acordo com a abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> sócio-retórica. In: LEFFA, V. J. (Org.). Pesquisa <strong>em</strong>lingüística aplica<strong>da</strong>: t<strong>em</strong>as e métodos. 1. ed. Pelotas: Educat, 2006. p. 187-226.BORBA, M. S. A entrevista jornalística: uma análise do gênero a partir <strong>de</strong>ex<strong>em</strong>plares publicados no jornal Zero Hora. 2007. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong>Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Educação. Secretaria <strong>de</strong> Educação Fun<strong>da</strong>mental.Parâmetros curriculares naci<strong>on</strong>ais: terceiro e quarto ciclos do ensino fun<strong>da</strong>mental:Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.CALDEIRA, A. B. Chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> capa: análise do gênero jornalístico comabor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> sócio-retórica <strong>de</strong> Swales. 2007. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.CARVALHO, G. <strong>de</strong>. Gênero como ação social <strong>em</strong> Miller e Bazerman: o c<strong>on</strong>ceito,uma sugestão metodológica e um ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> aplicação. In: MEURER, J. L.;BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Orgs.). Gêneros: teorias, métodos, <strong>de</strong>bates. 2.ed. São Paulo: Parábola, 2007 [2005].CASSAROTTI, L. C. Crítica <strong>de</strong> cin<strong>em</strong>a no Jornal Folha <strong>de</strong> S. Paulo: um estudodo gênero. 2006. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.CORRÊA, Z. T. B. O gênero carta do leitor: análise <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plares publicados nojornal Folha <strong>de</strong> S. Paulo. Mestrado (Projeto <strong>de</strong> Dissertação)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina,2007.DEVITT, A. J. Intertextuality in tax accounting. In: BAZERMAN, C.; PARADIS,J. (Eds.). Textual dynamics of the professi<strong>on</strong>s. Madis<strong>on</strong>: University of Wisc<strong>on</strong>sinPress, 1991. p. 336-357.FIGUEIREDO, L. F. A nota jornalística no Jornal do Brasil: um estudo do gênerotextual e <strong>de</strong> sua função no jornal. 2003. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.FOGOLARI, L A. O gênero fotojornalístico cin<strong>em</strong>inha: um estudo a partir <strong>da</strong>perspectiva sócio-retórica. Mestrado (Projeto <strong>de</strong> Dissertação)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina,2008.FOLHA DE S. PAULO. Novo manual <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção. São Paulo: Folha <strong>de</strong> S. Paulo,1998.43


As relações c<strong>on</strong>stitutivas entre o jornal e seus gêneros...FRANCISCHINI J. B. A crônica jornalística <strong>em</strong> uma perspectiva sócio-retórica:organização textual e processo <strong>de</strong> produção. Mestrado (Projeto <strong>de</strong> Dissertação) –<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong>Santa Catarina, 2008.HEMAIS, B.; BIASI-RODRIGUES, B. A proposta sócio-retórica <strong>de</strong> John M.Swales para o estudo <strong>de</strong> gêneros textuais. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.;MOTTA-ROTH, D. (Orgs.). Gêneros: teorias, métodos, <strong>de</strong>bates. 2. ed. São Paulo:Parábola, 2007 [2005]. p. 108-129.INNOCENTE, L. G. A tira <strong>de</strong> quadrinhos no Jornal do Brasil: um estudo dogênero. 2005. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> doSul <strong>de</strong> Santa Catarina. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.KINDERMANN, C. A. A reportag<strong>em</strong> jornalística no Jornal do Brasil:<strong>de</strong>sven<strong>da</strong>ndo as variantes do gênero. 2003. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.LIMA, E. Storyboard jornalístico: estudo do gênero a partir <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plarespublicados na Folha <strong>de</strong> S. Paulo. Mestrado (Projeto <strong>de</strong> Dissertação) – <strong>Programa</strong> <strong>de</strong>Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> SantaCatarina, 2008.MILLER, C. R. Genre as social acti<strong>on</strong>. In: FREEDMAN, A., MEDWAY, P.(Eds.). Genre and the new rhetoric. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Taylor & Francis, 1994 [1984]. p. 23-42.MONTEIRO, D. A. O gênero comentário: análise sócio-retórica <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plarespublicados nos jornais diário catarinense e Folha <strong>de</strong> S. Paulo. 2008. Dissertação(Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina.Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.PARÉ, A.; SMART, G. Observing genres in acti<strong>on</strong>: toward a researchmethodology. In: FREEDMAN, A., MEDWAY, P. (Eds.). Genre and the newrhetoric. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Taylor & Francis, 1994. p. 146–154.RABAÇA, C. A.; BARBOSA, G. G. Dici<strong>on</strong>ário <strong>de</strong> comunicação. 2 ed. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Campus, 2001 [1978].SIMONI, R. M. S. Uma caracterização do gênero carta c<strong>on</strong>sulta nos jornais OGlobo e Folha <strong>de</strong> S. Paulo. 2004. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.SPINUZZI, C. Tracing genres through organizati<strong>on</strong>s: A sociocultural approach toinformati<strong>on</strong> <strong>de</strong>sign. Cambridge, MA: MIT Press, 2003a.SWALES, J. M. Aspects of article introducti<strong>on</strong>s. Birmingham, U.K.: TheUniversity of Ast<strong>on</strong>, 1981.44


A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini______. Genre analysis: English in aca<strong>de</strong>mic and research settings. New York:Cambridge: Cambridge University Press, 1990.______. Re-thinking genre: another look at discourse community effects. In:RETHINKING GENRE COLLOQUIUM. Proceedings… Otawa: Carlet<strong>on</strong>University,1992.______. Other floors, other voices: a textography of a small university building.Mahwah, N. J.: Lawrence Erlbaum, 1998.______. Research genres: explorati<strong>on</strong> and applicati<strong>on</strong>s. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 2004.______; FEAK, C. B. Aca<strong>de</strong>mic writing for graduate stu<strong>de</strong>nts: essential tasks andskills. Ann Arbor, MI.: The University of Michigan Press, 1994.______; NAJJAR, H. The writing of research article introducti<strong>on</strong>s. WrittenCommunicati<strong>on</strong>, v. 4, p. 175-192, 1987.45


DISCURSO E SOCIEDADE: A PERSPECTIVADA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSOE DA LINGÜÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONALDébora <strong>de</strong> Carvalho FigueiredoMaria Ester W. Moritz1. IntroduçãoA análise do discurso surgiu, nos anos 70, a partir <strong>da</strong>s c<strong>on</strong>tribuições<strong>de</strong> várias outras disciplinas, como a antropologia, a lingüística, a sociologiae a psicologia. Segundo Cal<strong>da</strong>s-Coulthard, “os primeiros estudos assimchamados discursivos preocupavam-se com a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> formas <strong>da</strong>interação oral e escrita” (2008, p. 27). Des<strong>de</strong> então a área v<strong>em</strong> se<strong>de</strong>senvolvendo dos dois lados do Atlântico, <strong>em</strong> países como a Inglaterra, aFrança, os EUA e, mais recent<strong>em</strong>ente, o Brasil, utilizando uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> abor<strong>da</strong>gens teóricas e métodos <strong>de</strong>scritivos, como a análise <strong>da</strong> c<strong>on</strong>versa ea análise textual.Neste mesmo período cresceu também, no campo dos estudosaplicados <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>, a preocupação com a relação entre linguag<strong>em</strong> esocie<strong>da</strong><strong>de</strong>, especialmente a partir do trabalho <strong>de</strong> Michael Halli<strong>da</strong>y (1970,1978, 2004) sobre a lingüística sistêmico-funci<strong>on</strong>al, autor que “iniciou ainterpretação crítica dos discursos quando propôs que a linguag<strong>em</strong> é umas<strong>em</strong>iótica social” (CALDAS-COULTHARD, 2008, p. 27).Com a adoção <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> sistêmico-funci<strong>on</strong>al como baselingüística para muitos trabalhos <strong>em</strong> análise do discurso, po<strong>de</strong>mos dividiras pesquisas nessa área <strong>em</strong> dois gran<strong>de</strong>s grupos, <strong>de</strong> acordo sua orientaçãosocial: aquelas <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> não-crítica e as <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> crítica. Oprimeiro grupo inclui pesquisas <strong>de</strong> natureza basicamente <strong>de</strong>scritiva sobre osusos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>, enquanto que o segundo inclui trabalhos que buscam,além <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver as práticas discursivas utiliza<strong>da</strong>s <strong>em</strong> diferentes c<strong>on</strong>textossociais, investigar e interpretar os modos como “o discurso é c<strong>on</strong>dici<strong>on</strong>adopor i<strong>de</strong>ologias e relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r” (CALDAS-COULTHARD, 2008, p.28).Este segundo grupo <strong>de</strong> pesquisas inclui a Lingüística Críticainicia<strong>da</strong> no final dos anos 70 por Fowler et alii (1979), a S<strong>em</strong>iótica Social(HODGE; KRESS, 1988), os estudos sobre a multimo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> (KRESS;


Discurso e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>...VAN LEEUWEN, 1996, 2001), a abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> proposta por Pêcheux (1992),os trabalhos <strong>em</strong> Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 1989, 1992,1995, 2003, 2006), e os trabalhos sobre Linguag<strong>em</strong> e Gênero (CAMERON,1992, 1995, 2002; SUNDERLAND, 1994; HEBERLE, 2000; ECKERT;MCCONNELL-GINET, 2003; HEBERLE; FIGUEIREDO; OSTERMAN,2006).Dentro <strong>de</strong>ssa linha <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> orientação discursiva crítica,este artigo t<strong>em</strong> dois objetivos básicos: 1) apresentar uma visão panorâmica<strong>da</strong> Análise Crítica do Discurso, uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> teórico-metodológicavolta<strong>da</strong> para a investigação do papel do discurso, ou <strong>da</strong> s<strong>em</strong>iose, nac<strong>on</strong>stituição <strong>de</strong> visões <strong>de</strong> mundo, <strong>de</strong> relações sociais e <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>ssociais; e 2) <strong>de</strong>screver os projetos e trabalhos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>senvolvidos no<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> (PPGCL), <strong>da</strong>Unisul, que se filiam à ACD e que, como gran<strong>de</strong> parte dos trabalhos nessaárea, adotam a Lingüística Sistêmico-Funci<strong>on</strong>al como base teórica eanalítica para a investigação <strong>de</strong> textos <strong>em</strong> situações c<strong>on</strong>cretas <strong>de</strong> uso e suasligações com as práticas e as estruturas sociais mais amplas.Para tanto, o artigo está organizado nas seguintes seções: 2)Fun<strong>da</strong>mentação teórica e metodológica <strong>da</strong> análise do discurso <strong>de</strong> linhacrítica; 3) Estudos discursivos críticos no Brasil; 3.1) ACD e LSF no<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> (PPGCL) <strong>da</strong>Unisul; e 4) C<strong>on</strong>tribuições dos trabalhos realizados no PPGCL para oscampos <strong>da</strong> ACD e <strong>da</strong> LSF.2. Fun<strong>da</strong>mentação teórica2.1 Análise Crítica do Discurso: abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> transdisciplinar paraestudos críticos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>Segundo Ramalho, a ACD c<strong>on</strong>stitui “uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> científicatransdisciplinar para estudos críticos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> como prática social”(2008, p. 44). Essa abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> está inseri<strong>da</strong> na tradição <strong>da</strong>s “ciênciassociais críticas”, que <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> pesquisas que possam oferecer suportecientífico a questões sociais relaci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s ao po<strong>de</strong>r, à <strong>de</strong>scriminação, àexclusão social, à justiça, à ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, etc. Como abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong>transdisciplinar, a ACD rompe fr<strong>on</strong>teiras epist<strong>em</strong>ológicas com diversasáreas <strong>da</strong>s ciências sociais, valendo-se <strong>de</strong> teorias <strong>de</strong>las provin<strong>da</strong>s para apoiarsua abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> sociodiscursiva, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que oferece as/aos48


Débora <strong>de</strong> Carvalho Figueiredo; Maria Ester W. Moritzcientistas sociais a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> acrescentar um viés discursivo a suasinvestigações.Como ciência crítica, o foco <strong>da</strong> ACD são os efeitos i<strong>de</strong>ológicos queos eventos discursivos (ou textos, num sentido amplo) exerc<strong>em</strong> sobrenossas formas <strong>de</strong> nos relaci<strong>on</strong>armos e agirmos socialmente, nossas formas<strong>de</strong> ser (ou nossas i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s), e nossos sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> valores, crenças eatitu<strong>de</strong>s. Na perspectiva crítica <strong>de</strong> Thomps<strong>on</strong> (2002), a ACD investigacomo o discurso, e os sentidos textuais, atuam “a serviço <strong>de</strong> projetosparticulares <strong>de</strong> dominação e exploração, que sustentam a distribuição<strong>de</strong>sigual <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r [na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>]” (RAMALHO, 2008, p. 45).Uma <strong>da</strong>s pr<strong>em</strong>issas básicas <strong>da</strong> ACD é que texto e discurso nãopo<strong>de</strong>m ser dissociados <strong>da</strong>s práticas sociais. Chouliaraki e Fairclough (1999)argumentam que n<strong>em</strong> to<strong>da</strong> interação social t<strong>em</strong> um caráter discursivo, masa maior parte <strong>da</strong>s interações <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> substancialmente do discurso,justificando focalizá-lo como forma <strong>de</strong> interpretar as interações sociais.To<strong>da</strong> prática social é tanto produtiva quanto reflexiva, isto é, to<strong>da</strong> práticainclui pessoas envolvi<strong>da</strong>s <strong>em</strong> relações sociais aplicando tecnologias amateriais, mas também inclui representações <strong>de</strong>ssa prática como parteintegrante <strong>da</strong> própria prática. O discurso participa <strong>da</strong>s práticas sociais <strong>de</strong>duas formas: as práticas são parcialmente discursivas (na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> quefalar, escrever, ler e ouvir são formas <strong>de</strong> ação), mas também sãodiscursivamente representa<strong>da</strong>s. Se essas representações auxiliar<strong>em</strong> amanutenção <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> dominação <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s práticas, elas po<strong>de</strong>m serchama<strong>da</strong>s <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ológicas.A versão atual <strong>da</strong> ACD (FAIRCLOUGH 2003a, 2006) se baseia<strong>em</strong> uma perspectiva <strong>da</strong> s<strong>em</strong>iose entendi<strong>da</strong> como parte inseparável dosprocessos sociais materiais. A vi<strong>da</strong> social é vista como uma série <strong>de</strong> re<strong>de</strong>sinterliga<strong>da</strong>s <strong>de</strong> práticas sociais <strong>de</strong> diferentes tipos (ec<strong>on</strong>ômicas, políticas,culturais, etc.), e ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>ssas práticas t<strong>em</strong> um el<strong>em</strong>ento s<strong>em</strong>iótico.Uma prática social é, por um lado, uma forma relativamentepermanente <strong>de</strong> atuar no social, <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>, por um lado, como parte <strong>de</strong> umare<strong>de</strong> estrutura<strong>da</strong> <strong>de</strong> práticas e, por outro, como um domínio/campo <strong>de</strong> açãoe interação social que, além <strong>de</strong> reproduzir as estruturas, possui também opo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> transformá-las. To<strong>da</strong>s as práticas são práticas <strong>de</strong> produção, umavez que c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong> os cenários nos quais se reproduz a vi<strong>da</strong> social, sejamelas <strong>de</strong> caráter ec<strong>on</strong>ômico, político, cultural ou cotidiano. A prática social,na perspectiva <strong>da</strong> ACD, é forma<strong>da</strong> pelos seguintes el<strong>em</strong>entos, distintos,porém não completamente discretos ou separados (FAIRCLOUGH,2003b):49


Discurso e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>...• Ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> produtiva• Meios <strong>de</strong> produção• Relações sociais• I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais• Valores culturais• C<strong>on</strong>sciência• S<strong>em</strong>ioseO foco atual <strong>da</strong> ACD é a análise <strong>da</strong>s relações dialéticas entre as<strong>em</strong>iose (incluindo a linguag<strong>em</strong>) e outros el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong>s práticas sociais.Mais especificamente, os trabalhos <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> se centram nasmu<strong>da</strong>nças radicais que têm ocorrido na vi<strong>da</strong> social c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea, nopapel <strong>da</strong> s<strong>em</strong>iose <strong>em</strong> processos <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça, e nas mu<strong>da</strong>nças na relaçãoexistente entre a s<strong>em</strong>iose e outros el<strong>em</strong>entos não-s<strong>em</strong>ióticos <strong>da</strong>s re<strong>de</strong>s <strong>de</strong>práticas sociais. Segundo Fairclough (2003b), o papel <strong>da</strong> s<strong>em</strong>iose naspráticas sociais não po<strong>de</strong> ser tomado como <strong>da</strong>do, mas precisa serestabelecido através <strong>da</strong> análise.De modo geral, a s<strong>em</strong>iose participa <strong>de</strong> três formas nas práticassociais. Primeiro, como parte <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> social, a s<strong>em</strong>iose c<strong>on</strong>stitui osgêneros textuais, ou formas s<strong>em</strong>ióticas relativamente estáveis <strong>de</strong> ação einteração social. A s<strong>em</strong>iose, na representação e auto-representação <strong>da</strong>spráticas sociais, c<strong>on</strong>stitui os discursos, ou maneiras relativamente estáveis<strong>de</strong> representar o mundo a partir <strong>de</strong> p<strong>on</strong>tos <strong>de</strong> vista particulares (e.g.discurso racista, discurso ecológico, discurso neoliberal). A s<strong>em</strong>iose, narepresentação <strong>da</strong>s posições sociais, c<strong>on</strong>stitui os estilos, formasrelativamente estáveis através <strong>da</strong>s quais os sujeitos sociais i<strong>de</strong>ntificam a simesmos e aos <strong>de</strong>mais. Segundo Ramalho, “essas maneiras <strong>de</strong> (inter-)agir,representar e i<strong>de</strong>ntificar(se) <strong>em</strong> práticas sociais internalizam traços <strong>de</strong>outros momentos não-discursivos, assim como aju<strong>da</strong>m a c<strong>on</strong>stituir essesmomentos” (2008, p. 52).As práticas sociais c<strong>on</strong>struí<strong>da</strong>s <strong>de</strong> um modo c<strong>on</strong>creto, <strong>em</strong> forma <strong>de</strong>re<strong>de</strong>s, c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong> uma or<strong>de</strong>m social – por ex<strong>em</strong>plo, a atual or<strong>de</strong>mneoliberal e global do capitalismo tardio. O aspecto s<strong>em</strong>iótico <strong>de</strong> umaor<strong>de</strong>m social é o que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> discurso. Umaor<strong>de</strong>m <strong>de</strong> discurso é a forma como diferentes gêneros, discursos e estilossão combinados numa re<strong>de</strong>. Trata-se <strong>de</strong> uma estruturação social <strong>da</strong>srelações entre as diferentes formas <strong>de</strong> gerar significado, isto é, <strong>de</strong> produzir50


Débora <strong>de</strong> Carvalho Figueiredo; Maria Ester W. Moritzdiscursos, estilos e gêneros diferentes (FAIRCLOUGH, 2003b). Algumas<strong>da</strong>s formas <strong>de</strong> gerar significados são dominantes ou majoritárias numa<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> discurso (e.g. representações do <strong>de</strong>sign corporalc<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rado belo na c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong> no discurso <strong>da</strong> mídia <strong>de</strong> massas, <strong>da</strong>medicina e <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>); outras são marginais, ou <strong>de</strong> oposição, ou“alternativas” (e.g. representações corporais enc<strong>on</strong>tra<strong>da</strong>s <strong>em</strong> c<strong>on</strong>tradiscursosdo corpo, como dos modificadores <strong>de</strong> corpos, dos grupos que<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m o sobrepeso, <strong>da</strong> ‘perversão’).Os c<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia e <strong>de</strong> heg<strong>em</strong><strong>on</strong>ia são bastante úteis para aanálise <strong>da</strong>s or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> discurso. Segundo Fairclough, “as i<strong>de</strong>ologias sãorepresentações <strong>de</strong> aspectos do mundo que c<strong>on</strong>tribu<strong>em</strong> para estabelecer <strong>em</strong>anter relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, dominação e exploração” (2003a, p. 218),enquanto que a heg<strong>em</strong><strong>on</strong>ia é “uma forma particular (associa<strong>da</strong> comGramsci) <strong>de</strong> c<strong>on</strong>ceitualizar o po<strong>de</strong>r e as lutas pelo po<strong>de</strong>r nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>scapitalistas, que enfatiza a <strong>de</strong>pendência do po<strong>de</strong>r do c<strong>on</strong>sentimento e <strong>da</strong>aquiescência, mais do que <strong>da</strong> força, e a importância <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ologia” (2003a,p. 218). Vale l<strong>em</strong>brar que o po<strong>de</strong>r heg<strong>em</strong>ônico nunca é estático ouabsoluto, sendo alvo permanent<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> lutas. Da mesma forma, umaor<strong>de</strong>m <strong>de</strong> discurso não é um sist<strong>em</strong>a fechado e rígido, mas sim um sist<strong>em</strong>aaberto que está exposto a riscos como c<strong>on</strong>seqüência do que ocorre nasinterações reais. Como afirma Fairclough, “o discurso, incluindo adominação e a naturalização <strong>de</strong> representações particulares [...], é umaspecto significante <strong>da</strong> heg<strong>em</strong><strong>on</strong>ia, e as lutas pelo discurso são lutasheg<strong>em</strong>ônicas” (2003a, 218).Fairclough propõe o seguinte mo<strong>de</strong>lo analítico como forma <strong>de</strong>investigar as relações existentes entre os eventos sociais, as práticas sociaise as estruturas sociais (2003b, p.184):a) Focalizar um probl<strong>em</strong>a social que tenha um aspecto s<strong>em</strong>iótico.b) I<strong>de</strong>ntificar seus obstáculos para po<strong>de</strong>r abordá-los, através <strong>da</strong>análise:c) Da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas nas quais estão localizadosd) Da relação s<strong>em</strong>iótica que eles mantêm com outros el<strong>em</strong>entos<strong>da</strong> prática(s) social(ais) <strong>on</strong><strong>de</strong> se inser<strong>em</strong>e) Do discurso (isto é, <strong>da</strong> própria s<strong>em</strong>iose), o que inclui a análiselingüística.f) C<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rar se a or<strong>de</strong>m social (a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas) <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong>steprobl<strong>em</strong>a para existir.51


Discurso e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>...g) I<strong>de</strong>ntificar as possíveis formas <strong>de</strong> superar os obstáculos.h) Refletir criticamente sobre a análise (i-iv).2.2 A ACD e o realismo críticoA <strong>on</strong>tologia que <strong>em</strong>basa a atual abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>da</strong> ACD(CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999; FAIRCLOUGH, 2003a) provém<strong>de</strong> um diálogo transdisciplinar com o Realismo Crítico proposto pelofilósofo Roy Bhaskar (1978, 1989, 1993, 1998). Bhaskar c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra omundo um sist<strong>em</strong>a aberto, <strong>em</strong> c<strong>on</strong>stante mu<strong>da</strong>nça, composto pelosdomínios do real, do actual e do <strong>em</strong>pírico, e por diferentes estratos – ofísico, o biológico, o social, o s<strong>em</strong>iótico, etc. –, que possu<strong>em</strong> estruturas <strong>em</strong>ecanismos gerativos distintos situados no domínio do real. 13O domínio do real corresp<strong>on</strong><strong>de</strong> a tudo que existe, natural ou social,<strong>em</strong>pírico ou não. Trata-se do domínio dos objetos, com suas estruturas,mecanismos e po<strong>de</strong>res causais. No domínio do real, mecanismos gerativos<strong>de</strong> diversos estratos (físico, biológico, s<strong>em</strong>iótico, etc.) operamsimultaneamente com seus po<strong>de</strong>res causais, provocando efeitos sobre osoutros domínios (RAMALHO, 2008). Essa inter<strong>de</strong>pendência causalsignifica que qualquer operação <strong>de</strong> um mecanismo gerativo <strong>de</strong> um dosestratos é s<strong>em</strong>pre media<strong>da</strong> pela operação simultânea dos <strong>de</strong>mais.Enquanto o domínio do real corresp<strong>on</strong><strong>de</strong> às estruturas, mecanismose po<strong>de</strong>res causais dos objetos, o actual refere-se àquilo que os po<strong>de</strong>rescausais faz<strong>em</strong> e ao que ocorre quando eles são postos <strong>em</strong> ação. O sist<strong>em</strong>as<strong>em</strong>iótico, ou a potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong> para significar, po<strong>de</strong> ser associado aodomínio do real, enquanto que os sentidos do texto po<strong>de</strong>m ser relaci<strong>on</strong>adoscom o domínio do actual (o significado <strong>em</strong> si). Dessa forma, o actual é odomínio dos eventos, que po<strong>de</strong>m ou não ser experienciados por nós,localizado entre o domínio mais abstrato (estruturas e po<strong>de</strong>res) e o maisc<strong>on</strong>creto (eventos vivenciados). O <strong>em</strong>pírico, por fim, é o domínio <strong>da</strong>sexperiências efetivas, a parte do real e do actual que atores sociaisespecíficos vivenciam. Em outras palavras, o <strong>em</strong>pírico é o que sab<strong>em</strong>os doreal e do actual, mas não esgota as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s do que tenha ocorrido oupo<strong>de</strong>ria ter ocorrido (RAMALHO, 2008).Essa c<strong>on</strong>cepção do social implica que não t<strong>em</strong>os acesso direto aodomínio do real, que só po<strong>de</strong> ser alcançado através <strong>de</strong> nosso c<strong>on</strong>hecimento13 Seguimos aqui a opção <strong>de</strong> manter este termo <strong>em</strong> inglês, como fez Ramalho (2008) eoutros autores <strong>em</strong> traduções brasileiras.52


Débora <strong>de</strong> Carvalho Figueiredo; Maria Ester W. Moritz(crenças, valores, i<strong>de</strong>ologias), ou seja, a partir do actual e do <strong>em</strong>pírico.Segundo Bhaskar, estu<strong>da</strong>r o mundo ‘real’ <strong>de</strong> forma ‘objetiva’ é uma“falácia epistêmica”, uma vez que só po<strong>de</strong>mos investigar o real através dofiltro <strong>de</strong> nossas experiências, assim como é reduci<strong>on</strong>ista e falaciosoc<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rar que o mundo é c<strong>on</strong>stituído apenas pelo que vivenciamos, ouseja, pelo domínio do <strong>em</strong>pírico. Esse é um p<strong>on</strong>to fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> ligaçãoentre a <strong>on</strong>tologia crítica <strong>de</strong> Bhaskar e a abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>da</strong> ACD: ambasap<strong>on</strong>tam a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisas “objetivas” <strong>em</strong> análise do discurso,que teriam acesso à “reali<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Entretanto, apesar <strong>de</strong> admitir aimpossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> análises objetivas do ‘real’, o trabalho <strong>de</strong> análisetextual, como parte <strong>da</strong> análise discursiva crítica, “é científico porquec<strong>on</strong>juga compreensão, <strong>de</strong>scrições e interpretações <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s do texto,e explanação, processo situado entre c<strong>on</strong>ceitos e material <strong>em</strong>pírico, <strong>em</strong> queproprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> textos particulares são ‘re<strong>de</strong>scritas’ com base <strong>em</strong> umarcabouço teórico particular” (RAMALHO, 2008, p. 48).A partir <strong>de</strong>ssa perspectiva, chega-se à pr<strong>em</strong>issa <strong>de</strong> que o discursot<strong>em</strong> efeitos na vi<strong>da</strong> social, mas esses efeitos não po<strong>de</strong>m ser investigadossomente com base no aspecto discursivo <strong>da</strong>s práticas sociais. A lógica <strong>da</strong>ACD é relaci<strong>on</strong>al/dialética, ou seja, “orienta<strong>da</strong> para acessar como omomento discursivo funci<strong>on</strong>a <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> prática social, do p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista <strong>de</strong>seus efeitos sobre lutas pelo po<strong>de</strong>r e relações <strong>de</strong> dominação”(CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999, p. 67). Assim, o foco <strong>da</strong>abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> proposta pela ACD não está na estrutura social, fixa e abstrata,n<strong>em</strong> nas ações individuais, flexíveis e c<strong>on</strong>cretas, mas sim na enti<strong>da</strong><strong>de</strong>intermediária entre esses dois níveis: as práticas sociais.Nessa c<strong>on</strong>cepção <strong>de</strong> c<strong>on</strong>strução do social, “socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s” e“indivíduos”, ou estruturas (“c<strong>on</strong>juntos <strong>de</strong> regras e recursos implicados, <strong>de</strong>modo recursivo, na vi<strong>da</strong> social”) e agência humana (“capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>spessoas para realizar as coisas”), não são redutíveis uns aos outros, mas sãocausalmente inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes (GIDDENS, 2003, p. 10). Isso é o queGid<strong>de</strong>ns chama <strong>de</strong> “duali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> estrutura” – a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> estruturasocial ser tanto meio para a agência humana quanto resultado <strong>da</strong> ação queela recursivamente organiza (RAMALHO, 2008, p. 49).Em resumo, a relação entre estrutura e agência é dual: a estrutura étanto c<strong>on</strong>dição, ou causa material, para a ação humana, quanto é resultado<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> humana que, por sua vez, produz e reproduz as estruturassociais. Assim, po<strong>de</strong>mos afirmar que os seres humanos não criamestruturas, mas as reproduz<strong>em</strong> à medi<strong>da</strong> que as utilizam <strong>em</strong> suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s(BHASKAR, 1998; RAMALHO, 2008). Nas palavras <strong>de</strong> Ramalho,53


Discurso e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>...[...] ação e estrutura c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong>-se transformaci<strong>on</strong>al ereciprocamente, <strong>de</strong> maneira que uma não po<strong>de</strong> ser separa<strong>da</strong><strong>da</strong> outra, ou mesmo reduzi<strong>da</strong> à outra. Em práticas sociais,agentes individuais se val<strong>em</strong> <strong>da</strong> estrutura social,(re)articulando mecanismos e po<strong>de</strong>res causais, e a(re)produz<strong>em</strong>, gerando no mundo efeitos imprevisíveis.(2008, p. 50).2.3 A lingüística sistêmico-funci<strong>on</strong>alA lingüística sistêmico-funci<strong>on</strong>al (LSF), <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> porHalli<strong>da</strong>y, é tanto uma teoria <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> quanto um método <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>textos e seus c<strong>on</strong>textos <strong>de</strong> uso. Devido a essa natureza dual, a LSF objetivaexplicar como os indivíduos usam a linguag<strong>em</strong> e como a linguag<strong>em</strong> éestrutura<strong>da</strong> <strong>em</strong> seus diferentes usos (EGGINS, 2004). Adotando uma visãomultifunci<strong>on</strong>al <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>, ou seja, <strong>de</strong> que a linguag<strong>em</strong> é como é pararealizar as funções sociais a que serve, a LSF divi<strong>de</strong> os significadosrealizados pelos textos <strong>em</strong> três tipos: i<strong>de</strong>aci<strong>on</strong>ais, interpessoais e textuais.De acordo com essa perspectiva, a linguag<strong>em</strong> é c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> sistêmicaporque c<strong>on</strong>siste <strong>de</strong> um c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> escolhas, <strong>em</strong> que ca<strong>da</strong>sist<strong>em</strong>a oferece ao falante/escritor uma varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> maneiras paraexpressar o significado proposto, e é funci<strong>on</strong>al porque serve a propósitosfunci<strong>on</strong>ais. Os aspectos funci<strong>on</strong>ais <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> são expressos,simultaneamente, nos três tipos <strong>de</strong> significados citados anteriormente.Os significados experienciais relaci<strong>on</strong>am-se com o modo com que alinguag<strong>em</strong> é usa<strong>da</strong> para representar nossas experiências e o modo comov<strong>em</strong>os o mundo. Esses significados são realizados através do sist<strong>em</strong>a <strong>da</strong>transitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que, por sua vez, é representado como uma c<strong>on</strong>figuração <strong>de</strong>um processo (realizado por um grupo verbal), os participantes envolvidos(manifestos por grupos nominais) e suas circunstâncias (geralmenteexpressas por grupos adverbiais).A transitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> é realiza<strong>da</strong> por três tipos principais <strong>de</strong> processos(MARTIN; MATHIESSEN; PAINTER, 1997, p. 102), ca<strong>da</strong> qual associadoa certos papéis dos participantes. Os processos materiais são processos <strong>de</strong>fazer, agir. O participante obrigatório que “faz” a ação é chamado <strong>de</strong> Ator.O outro participante, opci<strong>on</strong>al, é chamado <strong>de</strong> “meta”, aquele que recebe aação. Os processos verbais são processos <strong>de</strong> dizer, nos quais o participanteprincipal é chamado <strong>de</strong> dizente. Os processos relaci<strong>on</strong>ados com o pensar ousentir são chamados <strong>de</strong> processos mentais. O experienciador é oparticipante que sente, pensa e percebe, enquanto que o fenômeno é oparticipante sentido ou percebido. O quarto tipo <strong>de</strong> processo é o relaci<strong>on</strong>al.54


Débora <strong>de</strong> Carvalho Figueiredo; Maria Ester W. MoritzAs orações relaci<strong>on</strong>ais, <strong>de</strong> acordo com Martin, Mathiessen e Painter (1997),“c<strong>on</strong>stro<strong>em</strong> seres” (p. 106). Esse tipo <strong>de</strong> processo relaci<strong>on</strong>a o principalparticipante a uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> (i<strong>de</strong>ntificador) ou a um atributo (portador).Os significados interpessoais são realizados pelos sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong>modo e <strong>de</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>. O modo relaci<strong>on</strong>a-se com a troca <strong>de</strong> informações e<strong>de</strong> bens e serviços. Quando trocamos informação, a oração toma a forma <strong>de</strong>uma proposição, enquanto que quando trocamos bens e serviços a oração échama<strong>da</strong> <strong>de</strong> proposta. A partir <strong>da</strong> perspectiva interpessoal, a oração c<strong>on</strong>témum el<strong>em</strong>ento do modo que c<strong>on</strong>siste <strong>de</strong> duas partes: o sujeito (grup<strong>on</strong>ominal) e o finito (operador verbal). Uma parte essencial do finito (finite)é a polari<strong>da</strong><strong>de</strong>: as orações po<strong>de</strong>m ser positivas ou negativas. Entretanto,entre esses dois pólos há posições intermediárias chama<strong>da</strong>s <strong>de</strong> mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>,pela qual po<strong>de</strong>mos expressar a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> ou habituali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>sproposições através <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>lização, e o grau <strong>de</strong> obrigação ou inclinação<strong>da</strong>s propostas através <strong>da</strong> modulação (HALLIDAY, 2004).O significado textual relaci<strong>on</strong>a-se a maneira na qual o texto éorganizado <strong>em</strong> relação ao seu c<strong>on</strong>texto e à sua mensag<strong>em</strong>. As oraçõesvistas como mensagens projetam os significados textuais através do sist<strong>em</strong>a<strong>de</strong> T<strong>em</strong>a/R<strong>em</strong>a, que diz respeito ao p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> <strong>da</strong> mensag<strong>em</strong> (T<strong>em</strong>a)e sua c<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong> (R<strong>em</strong>a) na organização sintática.A análise textual <strong>de</strong> natureza sistêmico-funci<strong>on</strong>al ap<strong>on</strong>ta evidênciasmicro-textuais <strong>de</strong> certas práticas sociais, permitindo à/o analista dodiscurso, entre outras coisas, revelar os interesses ocultos <strong>da</strong>/osescritores/as/falantes e dos textos que eles/as produz<strong>em</strong>.2.4 ACD e LSFA análise discursiva proposta pela ACD envolve, inicialmente, a<strong>de</strong>scrição e interpretação do texto <strong>de</strong>ntro do c<strong>on</strong>texto situaci<strong>on</strong>al maisimediato do evento discursivo no qual ele foi produzido, procurando entãoexplicá-lo <strong>de</strong>ntro do c<strong>on</strong>texto instituci<strong>on</strong>al (a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> práticas sociais) esocial mais r<strong>em</strong>oto no qual esse evento discursivo e essas práticas sociaisestão inseridos. A ACD está basea<strong>da</strong> na noção <strong>de</strong> que o uso <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>,ou discurso, é um modo <strong>de</strong> ação social e historicamente situado, numarelação dialética com outros aspectos do social – ou seja, ele é formadosocialmente, mas também forma o social. Para a teria social do discurso, ouso <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> simultaneamente c<strong>on</strong>stitui (i) i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais, (ii)relações sociais, e (iii) sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento e crença(FAIRCLOUGH, 1992).55


Discurso e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>...Esses três aspectos c<strong>on</strong>stitutivos do discurso estão ligados àLingüística Sistêmica Funci<strong>on</strong>al (LSF), a teoria lingüística <strong>de</strong> base para aACD. Segundo Fairclough, a LSF é bastante a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> para a ACD porestar “profun<strong>da</strong>mente interessa<strong>da</strong> na relação entre linguag<strong>em</strong> e outrosel<strong>em</strong>entos e aspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social, e [por] sua abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> à análiselingüística <strong>de</strong> textos [ser] s<strong>em</strong>pre orienta<strong>da</strong> para o caráter social dos textos”(FAIRCLOUGH, 2003, p. 5).Assim como Halli<strong>da</strong>y vê a linguag<strong>em</strong> como multifunci<strong>on</strong>al,Fairclough também vê os textos como multifunci<strong>on</strong>ais, <strong>em</strong>bora <strong>de</strong> formadistinta – i.e., segundo esse último autor, os textos reflet<strong>em</strong> e c<strong>on</strong>stro<strong>em</strong>formas <strong>de</strong> representar, formas <strong>de</strong> agir e formas <strong>de</strong> ser, estando ligados aoevento social no qual são gerados, aos participantes <strong>de</strong>sse evento, e aomundo físico e social mais amplo. Nessa perspectiva, Fairclough (2003)prefere falar não <strong>em</strong> funções exerci<strong>da</strong>s pelos textos, mas <strong>em</strong> diferentessignificados que eles criam, reproduz<strong>em</strong> ou alteram. Segundo o autor, ostrês gran<strong>de</strong>s grupos <strong>de</strong> significados textuais são:a) representaci<strong>on</strong>ais: corresp<strong>on</strong><strong>de</strong>m à metafunção i<strong>de</strong>aci<strong>on</strong>al <strong>de</strong>Halli<strong>da</strong>y.b) aci<strong>on</strong>ais: corresp<strong>on</strong><strong>de</strong>m à metafunção interpessoal <strong>de</strong> Halli<strong>da</strong>y.Ao investigarmos os significados aci<strong>on</strong>ais <strong>de</strong> um texto nossofoco está na forma como esse texto atua como meio <strong>de</strong>interação <strong>em</strong> eventos sociais, englobando as relações entre osparticipantes (i.e. os textos <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penham relações sociais).c) i<strong>de</strong>ntitários: também corresp<strong>on</strong><strong>de</strong>m à função interpessoal <strong>de</strong>Halli<strong>da</strong>y, <strong>em</strong>bora Halli<strong>da</strong>y não distinga entre as funçõesrelaci<strong>on</strong>ais e i<strong>de</strong>ntitárias <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>. Para Fairclough, poroutro lado, o que Halli<strong>da</strong>y chama <strong>de</strong> função interpessoal édividi<strong>da</strong> <strong>em</strong> dois grupos <strong>de</strong> significados: os aci<strong>on</strong>ais, relativosàs relações sociais estabeleci<strong>da</strong>s via texto, e os i<strong>de</strong>ntitários,relativos às formas <strong>de</strong> ser, às i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais c<strong>on</strong>struí<strong>da</strong>spelos textos. 14Esses três grupos <strong>de</strong> significados estão presentes simultaneamente<strong>em</strong> qualquer texto. A divisão apresenta<strong>da</strong> acima t<strong>em</strong> apenas fins14 Quanto à terceira metafunção halli<strong>da</strong>yana, a textual, Fairclough não distingue um grupo<strong>de</strong> significados textuais separa<strong>da</strong>mente, mas os inclui nos significados aci<strong>on</strong>ais (2003).56


Débora <strong>de</strong> Carvalho Figueiredo; Maria Ester W. Moritzorganizaci<strong>on</strong>ais. Segundo Fairclough, “focalizar a análise textual nainteração entre significados representaci<strong>on</strong>ais, aci<strong>on</strong>ais e i<strong>de</strong>ntitários nospermite acrescentar uma perspectiva social aos pequenos <strong>de</strong>talhes do texto”(2003, p. 27-8).Cruzando a visão do discurso como c<strong>on</strong>stitutivo <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> comos três grupos <strong>de</strong> significados textuais i<strong>de</strong>ntificados por Fairclough e comas metafunções textuais propostas por Halli<strong>da</strong>y, teríamos o seguinte:Aspectos do socialc<strong>on</strong>stituídos (<strong>em</strong> parte)pelo discursoSist<strong>em</strong>as <strong>de</strong>c<strong>on</strong>hecimento e crençaSignificados textuais(FAIRCLOUGH, 2003a)Representaci<strong>on</strong>aisMetafunçõeshalli<strong>da</strong>yanas(HALLIDAY, 2004)Metafunção i<strong>de</strong>aci<strong>on</strong>alRelações sociais Aci<strong>on</strong>ais Metafunção interpessoalI<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais I<strong>de</strong>ntitários Metafunção interpessoalQuadro 1: Cruzamento <strong>da</strong> visão social <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> segundo a ACD e a LSF3. Estudos discursivos críticos no BrasilA ACD chegou ao Brasil no início dos anos 1990, com os trabalhospi<strong>on</strong>eiros <strong>da</strong>s pesquisadoras Carmen Rosa Cal<strong>da</strong>s-Coulthard, naUniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina (UFSC), e Izabel Magalhães, naUniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília (UnB). Outro marco <strong>da</strong> inserção <strong>de</strong> pesquisadoresbrasileiros nessa área foi a publicação, <strong>em</strong> 1996, do livro Texts andpractices: readings in critical discourse analysis, editado por Carmen RosaCal<strong>da</strong>s-Coulthard e Malcolm Coulthard. Atualmente, pesquisas ancora<strong>da</strong>sna abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>da</strong> ACD e <strong>da</strong> LSF vêm sendo <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s <strong>em</strong> programas<strong>de</strong> pós-graduação na área <strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> diversasuniversi<strong>da</strong><strong>de</strong>s brasileiras, como a UFSC, a UnB, a UFMG, a PUC-SP, aUERJ, a UFSM, e a UNISUL. Em termos <strong>de</strong> eventos específicos na área,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005 v<strong>em</strong> sendo realizado bienalmente no Brasil o SimpósioInternaci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> Análise Crítica do Discurso, e <strong>em</strong> outubro <strong>de</strong> 2008 foirealizado, na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina (UFSC), o 4º.C<strong>on</strong>gresso <strong>da</strong> Associação <strong>de</strong> Lingüística Sistêmico-Funci<strong>on</strong>al <strong>da</strong> AméricaLatina, ligado à ISFLA (Internati<strong>on</strong>al Syst<strong>em</strong>ic Functi<strong>on</strong>al LinguisticsAssociati<strong>on</strong>).57


Discurso e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>...3.1 ACD e LSF no <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong> (PPGCL) <strong>da</strong> UnisulDes<strong>de</strong> 2002, a ACD e a LSF têm servido como teorias lingüísticodiscursivas<strong>de</strong> base para projetos <strong>de</strong> pesquisa realizados no PPGCL. Doisprojetos já foram c<strong>on</strong>cluídos, c<strong>on</strong>duzidos por Débora <strong>de</strong> CarvalhoFigueiredo. O primeiro c<strong>on</strong>sistiu <strong>em</strong> um projeto guar<strong>da</strong>-chuva dividido <strong>em</strong>duas etapas. A primeira etapa, intitula<strong>da</strong> “Análise crítica do Discurso I –Questões <strong>de</strong> gênero e po<strong>de</strong>r no discurso educaci<strong>on</strong>al, corporativo e <strong>da</strong>mídia” (2002-2005), investigou questões <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e gênero socialc<strong>on</strong>struí<strong>da</strong>s, media<strong>da</strong>s e modifica<strong>da</strong>s pelas práticas discursivas <strong>em</strong>ambientes instituci<strong>on</strong>ais diversos, como a escola <strong>de</strong> ensino fun<strong>da</strong>mental, auniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> priva<strong>da</strong>, o sist<strong>em</strong>a jurídico, a <strong>em</strong>presa e a mídia. Maisespecificamente, foram investigados os seguintes t<strong>em</strong>as: a interlocuçãoentre professores <strong>de</strong> LM, as novas teorias sobre o professor reflexivo, osPCNs e as propostas curriculares municipais; as estratégias discursivasutiliza<strong>da</strong>s por uma <strong>em</strong>presa petrolífera para c<strong>on</strong>struir um discurso pósmo<strong>de</strong>rno<strong>de</strong> resp<strong>on</strong>sabili<strong>da</strong><strong>de</strong> social; o impacto dos cursos <strong>de</strong> formaçãoc<strong>on</strong>tinua<strong>da</strong> sobre as representações dos professores <strong>de</strong> inglês <strong>da</strong> re<strong>de</strong>pública; as implicações <strong>da</strong> entra<strong>da</strong> do discurso comodificado <strong>em</strong> umauniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> priva<strong>da</strong>, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e relações entre alunos,professores e gestores; as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> aplicação do mo<strong>de</strong>lo teóricometodológico<strong>da</strong> ACD para a análise <strong>de</strong> textos midiáticos, inclusive na sala<strong>de</strong> aula <strong>de</strong> línguas; e as representações <strong>de</strong> gênero social <strong>em</strong> acórdãos <strong>de</strong>casos <strong>de</strong> estupro. Nessa primeira etapa foram produzi<strong>da</strong>s quatrodissertações <strong>de</strong> mestrado (TORIZANI, 2005; SANTOS, 2006; BUENO DEOLIVEIRA, 2006; OLIVEIRA, 2006), um número especial <strong>de</strong> periódico(CALDAS-COULTHARD; FIGUEIREDO, 2004), três artigos científicos(FIGUEIREDO, 2004a, 2004b, 2005b) e participações <strong>em</strong> eventos.Na segun<strong>da</strong> etapa do projeto, intitula<strong>da</strong> “Análise crítica doDiscurso II – Questões <strong>de</strong> gênero e po<strong>de</strong>r nos discursos <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong>polícia” (2005 – 2006), pauta<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> pelas linhas teóricas e metodológicas<strong>da</strong> Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH 1992, 2001, 2002, 2003),<strong>da</strong> Lingüística Sistêmica Funci<strong>on</strong>al (HALLIDAY, 2004), dos Estudos <strong>de</strong>Gênero (CAMERON, 2002; SUNDERLAND, 1994; HEBERLE, 2000;HEBERLE; FIGUEIREDO; OSTERMAN 2006), e dos Estudos Culturais(HALL, 1997; GIDDENS, 1991; GIDDENS, BECK; LASH 1995;MATTELART; NEVEU, 2003), os trabalhos realizados envolveram aanálise <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> gênero no discurso <strong>da</strong> Polícia Civil sobre58


Débora <strong>de</strong> Carvalho Figueiredo; Maria Ester W. Moritzas Delegacias <strong>da</strong> Mulher, no discurso publicitário e no discurso sobre otrabalho. Os objetivos do projeto foram os seguintes: 1. <strong>de</strong>screver algumas<strong>da</strong>s práticas discursivas que ocorr<strong>em</strong> <strong>em</strong> organizações e discursos sociaisdiversos; 2. interpretar e explicar como essas práticas discursivas estãoliga<strong>da</strong>s a processos sociais mais amplos. Nessa segun<strong>da</strong> etapa foramproduzi<strong>da</strong>s duas dissertações <strong>de</strong> mestrado (CARVALHO, 2006;SCARDUELI, 2006), um livro (HEBERLE; OSTERMANN;FIGUEIREDO, 2006), três artigos científicos (FIGUEIREDO, 2005c,2005d, 2006) e participações <strong>em</strong> eventos.Atualmente, há dois projetos <strong>em</strong> an<strong>da</strong>mento, cujas bases teóricometodológicassão a ACD e a LSF. O primeiro <strong>de</strong>les, sob o comando <strong>de</strong>Débora <strong>de</strong> Carvalho Figueiredo, intitula-se “A representação <strong>da</strong>stransformações corporais e i<strong>de</strong>ntitárias pós-mo<strong>de</strong>rnas nos discursosmidiáticos”. Com as mu<strong>da</strong>nças tecnológicas e sociais dos t<strong>em</strong>pos pósmo<strong>de</strong>rnos,o sentido <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> individual e social se fragmentadiariamente. Mulheres são especialmente afeta<strong>da</strong>s, já que suas maneiras <strong>de</strong>ser e <strong>de</strong> se apresentar ao mundo são ameaça<strong>da</strong>s por discursos persuasivosque impõ<strong>em</strong> e valorizam certos ‘estilos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>’ enquanto <strong>de</strong>svalorizam ouexclu<strong>em</strong> outros. Seus corpos se tornam um ‘lócus’ <strong>de</strong> comodificação nosdiscursos, <strong>da</strong> propagan<strong>da</strong>, do tratamento do corpo, nas práticas <strong>de</strong><strong>em</strong>agrecimento, nas aca<strong>de</strong>mias <strong>de</strong> ginástica e na cirurgia plástica. Nacultura <strong>de</strong> c<strong>on</strong>sumo, a mulher é c<strong>on</strong>stant<strong>em</strong>ente ‘informa<strong>da</strong>’ que <strong>de</strong>ve sereternamente jov<strong>em</strong>, magra e b<strong>on</strong>ita. Ao manipular (e muita vezes mutilar)seu corpo, a mulher pós-mo<strong>de</strong>rna se transforma e, <strong>de</strong>sta forma, me<strong>de</strong>ia arelação entre a sua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> própria e uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> social imposta pelasocie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> c<strong>on</strong>sumo. A manutenção <strong>de</strong> um (im) possível corpo perfeito éc<strong>on</strong>struí<strong>da</strong> através <strong>de</strong> muito sofrimento. Assim como, ao l<strong>on</strong>go <strong>da</strong> história,as mulheres apren<strong>de</strong>ram a disciplinar seus corpos com espartilhos, cintas,sapatos que <strong>de</strong>formavam os pés, roupas íntimas mo<strong>de</strong>ladoras (e.g. w<strong>on</strong><strong>de</strong>rbra, calcinhas com enchimentos), na tentativa <strong>de</strong> alcançar o mo<strong>de</strong>loheg<strong>em</strong>ônico corrente <strong>de</strong> corpo belo f<strong>em</strong>inino, na mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> tardia elaspo<strong>de</strong>m recorrer à ciência e à tecnologia para operar essa mo<strong>de</strong>lag<strong>em</strong> ec<strong>on</strong>trole <strong>de</strong> forma mais <strong>de</strong>finitiva, porém mais dolorosa, através do bisturi,dos implantes, <strong>da</strong> lipoaspiração, <strong>da</strong>s injeções <strong>de</strong> botox ou <strong>de</strong> colágeno.Dentro <strong>de</strong>sse quadro <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nças corporais c<strong>on</strong>stantes e, muitas vezes,radicais, esse projeto investiga, com base nos c<strong>on</strong>strutos teóricos <strong>em</strong>etodológicos <strong>da</strong> Análise Crítica do Discurso, <strong>da</strong> Lingüística SistêmicaFunci<strong>on</strong>al, dos Estudos <strong>de</strong> Gênero, e dos Estudos Culturais, como a mídiarepresenta as transformações que o corpo f<strong>em</strong>inino t<strong>em</strong> sofrido a partir do59


Discurso e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>...final do século XX, e como as i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s f<strong>em</strong>ininas t<strong>em</strong> sido impacta<strong>da</strong>spor essas representações.Os objetivos específicos <strong>de</strong>sse projeto são:a) coletar um corpus <strong>de</strong> textos midiáticos, provenientes <strong>de</strong>diferentes suportes (revistas f<strong>em</strong>ininas, jornais, páginas <strong>da</strong> web,panfletos, e-mails, etc.) e <strong>em</strong> diferentes gêneros textuais(artigos, propagan<strong>da</strong>s, entrevistas, notas, narrativas,corresp<strong>on</strong>dência eletrônica, etc.), que trat<strong>em</strong> <strong>da</strong>stransformações corporais e i<strong>de</strong>ntitárias abertas para as mulheresna pós-mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>;b) investigar como esses textos representam as transformaçõescorporais <strong>da</strong> pós-mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>, os novos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> corpos eos novos estilos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, especialmente sob o impacto <strong>de</strong>técnicas disciplinares como o vestuário, as dietas alimentares,os exercícios físicos e as cirurgias plásticas cosméticas;c) interpretar e explicar como os novos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> corporei<strong>da</strong><strong>de</strong>apresentados na mídia <strong>de</strong> massa no terceiro milênio, as técnicas<strong>de</strong> c<strong>on</strong>trole utiliza<strong>da</strong>s para c<strong>on</strong>struir esses mo<strong>de</strong>los corporais, ec<strong>on</strong>seqüent<strong>em</strong>ente as novas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> c<strong>on</strong>struçãoi<strong>de</strong>ntitária abertas para os indivíduos, estão ligados ao discursopromoci<strong>on</strong>al, ao fenômeno <strong>da</strong> comodificação do discurso, e àcultura <strong>de</strong> c<strong>on</strong>sumo.Dentro <strong>de</strong>sse projeto foram produzi<strong>da</strong>s três dissertações <strong>de</strong>mestrado (SILVA, 2007; MELLO, 2008; DAUFEMBACK, 2008),havendo duas outras <strong>em</strong> an<strong>da</strong>mento. Também foram produzidos cincoartigos científicos (FIGUEIREDO, no prelo 1 e 2, 2008a, 2008b, 2005a), eparticipações <strong>em</strong> eventos.O segundo projeto, “Gêneros acadêmicos”, sob o comando <strong>de</strong>Maria Ester W. Moritz, propõe a investigação <strong>de</strong> diferentes gênerosacadêmicos – <strong>em</strong> língua portuguesa e <strong>em</strong> língua inglesa – <strong>de</strong> modo aenten<strong>de</strong>r como esses gêneros são produzidos e c<strong>on</strong>sumidos e a facilitar aparticipação ativa <strong>de</strong> m<strong>em</strong>bros (ou futuro m<strong>em</strong>bros) (SWALES, 1990)nessa comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Dessa forma, o projeto analisa a organização macro <strong>em</strong>icro estrutural dos gêneros mais comumente usados pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>acadêmica universitária (e.g. artigo, resenha, ensaio). Para a análise macroestrutural,verifica-se a organização retórica dos textos com base nos60


Débora <strong>de</strong> Carvalho Figueiredo; Maria Ester W. Moritzprincípios <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> gêneros propostos por Swales (1990). Para aanálise micro-estrutural, utiliza-se a gramática sistêmico-funci<strong>on</strong>alhalli<strong>da</strong>yana (1994), com foco na mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>, dimensão que corresp<strong>on</strong><strong>de</strong> àfunção interpessoal <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>.São objetivos do projeto:a) i<strong>de</strong>ntificar os gêneros produzidos e c<strong>on</strong>sumidos pelacomuni<strong>da</strong><strong>de</strong> universitária acadêmica;b) i<strong>de</strong>ntificar o padrão <strong>de</strong> organização retórica <strong>de</strong>sses gêneros;c) investigar os significados interpessoais que permeiam aspráticas discursivas dos autores dos textos;d) i<strong>de</strong>ntificar possíveis s<strong>em</strong>elhanças e/ou diferenças, tanto n<strong>on</strong>ível micro quanto no nível macro estrutural, entre textosescritos <strong>em</strong> português como língua nativa e <strong>em</strong> inglês comolíngua nativa e como língua estrangeira.4. Um diálogo entre os trabalhos realizados no PPGCL e os campos <strong>da</strong>ACD e <strong>da</strong> LSFA ACD, ao c<strong>on</strong>ceber o discurso como parte inseparável dosprocessos sociais materiais e, ao centrar seu foco na análise <strong>da</strong>s relaçõesdialéticas entre a s<strong>em</strong>iose (incluindo a linguag<strong>em</strong> verbal) e outrosel<strong>em</strong>entos <strong>da</strong>s práticas sociais, oferece c<strong>on</strong>strutos teóricos e metodológicosque permitiram, no PPGCL, a produção <strong>de</strong> diversos trabalhos (dissertações,artigos, etc.) que investigaram as mu<strong>da</strong>nças radicais que têm ocorrido navi<strong>da</strong> social c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea <strong>em</strong> distintos c<strong>on</strong>textos sociais, como a escola, auniversi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a mídia <strong>de</strong> massa e a indústria cultural, e o papel <strong>da</strong> s<strong>em</strong>iosenesses processos <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça.Por outro lado, as pesquisas realiza<strong>da</strong>s <strong>de</strong>ntro dos projetos <strong>de</strong>scritosanteriormente (seção 3.1) c<strong>on</strong>tribuíram para expansão <strong>da</strong> ACD e <strong>da</strong> LSFcomo novas áreas <strong>de</strong> pesquisa discursiva crítica no Brasil, apresentandoevidências <strong>de</strong> como os textos reflet<strong>em</strong>, c<strong>on</strong>stro<strong>em</strong>, reforçam ou alteramrelações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> exclusão e <strong>de</strong> dominação social, tanto no c<strong>on</strong>textomais restrito dos eventos discursivos no qual são produzidos, c<strong>on</strong>sumidos edistribuídos, quanto no nível <strong>da</strong>s práticas sociais (or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> discurso) <strong>da</strong>qual faz<strong>em</strong> parte, quanto no nível mais amplo e abstrato <strong>da</strong>s estruturassociais.61


Discurso e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>...Além <strong>de</strong> c<strong>on</strong>tribuir para o campo <strong>da</strong>s pesquisas discursivas <strong>de</strong>orientação crítica, <strong>em</strong> especial para as abor<strong>da</strong>gens <strong>da</strong> ACD e <strong>da</strong> LSF, ostrabalhos realizados nessa linha no PPGCL também tiveram e têmdimensões políticas e sociais. Como quase todos os integrantes dos projetos<strong>de</strong> pesquisa acima citados são professores <strong>de</strong> língua (L1 ou L2), atuando<strong>em</strong> diferentes níveis <strong>de</strong> ensino (fun<strong>da</strong>mental, médio e superior) e <strong>em</strong>diferentes tipos <strong>de</strong> instituições educativas (priva<strong>da</strong>s, públicas, fun<strong>da</strong>ci<strong>on</strong>ais,escolas livres <strong>de</strong> idiomas, etc.), esses novos pesquisadores e educadorespassaram a compartilhar com seus alunos, através <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>como prática social, uma teoria crítica do discurso capaz <strong>de</strong> auxiliá-los <strong>em</strong>processos <strong>de</strong> c<strong>on</strong>scientização, <strong>em</strong>ancipação e <strong>em</strong>po<strong>de</strong>ramento.ReferênciasBHASKAR, R. A realist theory of science. Bright<strong>on</strong>: Harvester, 1978._____. The possibility of Naturalism: a philosophical critique of the c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poraryHuman Sciences. H<strong>em</strong>el H<strong>em</strong>pstead: Harverster Wheatsheaf, 1989._____. Dialectic: the pulse of freedom. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Verso, 1993._____. Philosophy and scientific realism. In: ARCHER, M.; BHASKAR, R.;COLLIER, A; LAWSON, T.; NORRIE, A. (Eds.) Critical realism: essentialreadings. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>/New York: Routledge, 1998.BUENO DE OLIVEIRA, N. Análise crítica <strong>da</strong>s crenças dos professores <strong>de</strong> LínguaInglesa <strong>em</strong> processo <strong>de</strong> formação c<strong>on</strong>tinua<strong>da</strong> no Estado do Paraná. Dissertação(Mestrado <strong>em</strong> Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> SantaCatarina, 2006. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.CALDAS-COULTHARD, C. R. News as social practice. Florianópolis: Pós-Graduação <strong>em</strong> Inglês: UFSC, 1997.CALDAS-COULTHARD, C.R.; FIGUEIREDO, D.C. (Orgs.) Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong>(Dis)curso: Análise crítica do discurso – Perspectivas textuais e discursivas, v. 4,no. especial, 2004.CALDAS-COULTHARD, C.R.; COULTHARD, M. (Eds.) Texts and practices:Readings in critical discourse analysis. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Routledge, 1996.CAMERON, D. Verbal Hygiene. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Routledge, 1995._____. F<strong>em</strong>inism and Linguistic Theory. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Macmillan, 1992._____. The f<strong>em</strong>inist critique of language: A rea<strong>de</strong>r. 2 nd ed. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Routledge,2002.62


Débora <strong>de</strong> Carvalho Figueiredo; Maria Ester W. MoritzCARVALHO, R. S. Análise crítica do discurso publicitário na promoção <strong>de</strong> livrosdidáticos <strong>de</strong> língua inglesa. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina, 2006. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late mo<strong>de</strong>rnity. Edinburgh:Edinburgh UP, 1999.DAUFEMBACK, A.A. O imperativo do corpo magro e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s corporaisadolescentes na revista Capricho: uma análise a partir <strong>da</strong> gramática visual.Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> SantaCatarina, 2008. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.ECKERT, P.; MCCONNELL-GINET, S. Language and gen<strong>de</strong>r. Cambridge:Cambridge University, 2003.EGGINS, S. An introducti<strong>on</strong> to syst<strong>em</strong>ic functi<strong>on</strong>al linguistics. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>/New York:C<strong>on</strong>tinuum, 2004.FAIRCLOUGH, N. Language and power. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: L<strong>on</strong>gman, 1989._____. Discourse and social change. Cambridge: Polity Press, 1992a._____. Critical language awareness. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: L<strong>on</strong>gman, 1992b._____. Critical discourse analysis. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: L<strong>on</strong>gman, 1995a._____. Media discourse. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: L<strong>on</strong>gman,1995b._____. A análise crítica do discurso e a mercantilização do discurso público: asuniversi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. In: C. MAGALHÃES (Org.) Reflexões sobre a análise crítica dodiscurso. Belo Horiz<strong>on</strong>te: FALE-UFMG, 2001._____. Analysing discourse: textual analysis for social research. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>:Routledge, 2003a._____. El análisis crítico <strong>de</strong>l discurso como método para la investigación enciencias sociales. In: WODAK, R.; MEYER, M. Métodos <strong>de</strong> análisis crítico <strong>de</strong>ldiscurso. Barcel<strong>on</strong>a: Gedisa Editorial, p. 179-204, 2003b._____. Language and globalizati<strong>on</strong>. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Routledge, 2006.FIGUEIREDO, D.C. Narrative and i<strong>de</strong>ntity formati<strong>on</strong>: an analysis of mediapers<strong>on</strong>al accounts from patients of cosmetic plastic surgery. In: BAZERMANN,C.; BONINI, A.; FIGUEIREDO, D.C. (Eds.) Genre in a changing world: advancesin genre theory, analysis, and teaching. West Lafayette, IN: Parlor Press; FortCollins, CO: WAC Clearinghouse, no prelo1._____. “Como você se relaci<strong>on</strong>a com a comi<strong>da</strong>?” A c<strong>on</strong>strução <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>f<strong>em</strong>inina no discurso midiático sobre o <strong>em</strong>agrecimento. Revista Matraga, no prelo2._____. Discurso, corpo e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>: a c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s f<strong>em</strong>ininas nasrevistas Boa Forma e Corpo a Corpo. In: MOTTA-ROTH, D.; CABANAS, T.;63


Discurso e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>...HENDGES, G.R. (Orgs.) Práticas <strong>de</strong> análise do texto e do discurso. Santa Maria,RS: DLEM/PPGL – UFSM, 2008a._____. Mídia, <strong>de</strong>sign corporal e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> na pós-mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>: os discursos sobreo <strong>em</strong>agrecimento e a cirurgia plástica cosmética. In: Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> – VIICírculo <strong>de</strong> Estudos Lingüísticos do Sul. Pelotas: EDUCAT/UCPel, 2008b._____. Os discursos públicos sobre o estupro e a c<strong>on</strong>strução social <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s<strong>de</strong> gênero. In: HEBERLE, V. M.; OSTERMANN, A.C.; FIGUEIREDO, D.C.Linguag<strong>em</strong> e gênero no trabalho, na mídia e <strong>em</strong> outros c<strong>on</strong>textos. Florianópolis:Editora <strong>da</strong> UFSC, 2006._____. Culto ao corpo e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> f<strong>em</strong>inina: uma análise do discurso midiáticosobre o <strong>em</strong>agrecimento. Atas do I Simpósio Internaci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> Análise do DiscursoCrítica. Brasília: Ed. <strong>da</strong> UnB, 2005a._____. Gen<strong>de</strong>r issues in the legal discourse <strong>on</strong> rape: C<strong>on</strong>tributi<strong>on</strong>s from CriticalDiscourse Analysis and Syst<strong>em</strong>ic Functi<strong>on</strong>al Linguistics. In: I CONFERENCIAREGIONAL LATINO-AMERICANA DE LINGUÍSTICA SISTÉMICO-FUNCIONAL. Atas I C<strong>on</strong>ferencia Regi<strong>on</strong>al Latino-Americana <strong>de</strong> LinguísticaSistémico-Funci<strong>on</strong>al – La lingüística sistémico-funci<strong>on</strong>al, la lengua y la educación.Mendoza: Editora <strong>de</strong> la Universi<strong>da</strong>d <strong>de</strong> Cuyo, 2005b._____. “Do bal<strong>de</strong> à BMW”: posici<strong>on</strong>amento <strong>de</strong> gênero num anúncio publicitário.In: TOMITCH, L.M.B., ABRAHÃO, M.H, DAGHLIAN, C., e RISTOFF, D.(Org.). A interculturali<strong>da</strong><strong>de</strong> no ensino <strong>de</strong> inglês. Florianópolis: ARES (AdvancedResearch in English Series)/Abrapui, 2005c._____. The new spirit of capitalism in the hotel sector: c<strong>on</strong>tributi<strong>on</strong>s from criticaldiscourse analysis and ec<strong>on</strong>omic sociology. In: III INTERNATIONALCONFERENCE ON DISCOURSE, COMMUNICATION AND THEENTERPRISE, 2005, Rio <strong>de</strong> Janeiro. III Internati<strong>on</strong>al C<strong>on</strong>ference <strong>on</strong> Discourse,Communicati<strong>on</strong> and the Enterprise – Abstracts and proceedings, 2005d._____. Discurso, texto e ensino <strong>de</strong> línguas. In: II ENCONTRO NACIONAL DEENSINO DE LÍNGUAS E XVII SEMANA DE LETRAS, 2003, Caxias do Sul.Anais do II Enc<strong>on</strong>tro Naci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> Ensino <strong>de</strong> Línguas. Caxias do Sul: Ed. <strong>da</strong> UCS,2004a._____. Produção textual acadêmica escrita: uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> discursiva crítica. In:XVI SEMINÁRIO DO CELLIP – CENTRO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS ELITERÁRIOS DO PARANÁ, 2003, L<strong>on</strong>drina. Anais do XVI S<strong>em</strong>inário do Cellip –Centro <strong>de</strong> Estudos Lingüísticos e Literários do Paraná. 2004b.GIDDENS, A. Mo<strong>de</strong>rnity and self-i<strong>de</strong>ntity. Cambridge: Polity, 1991._____. A c<strong>on</strong>stituição <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. São Paulo: Martins F<strong>on</strong>tes, 2003.GIDDENS, A.; BECK, U.; LASH, S. Mo<strong>de</strong>rnização reflexiva: Política, tradição eestética na or<strong>de</strong>m social mo<strong>de</strong>rna. São Paulo: Editora <strong>da</strong> UNESP, 1995.HALL, S. A i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural na pós-mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro: DP&A,1999.64


Débora <strong>de</strong> Carvalho Figueiredo; Maria Ester W. MoritzHALLIDAY, M.A.K. Language structure and language functi<strong>on</strong>. In: LYONS, J.(Ed.) New horiz<strong>on</strong>s in linguistics. Harm<strong>on</strong>dsworth: Penguin Books, 1970.HALLIDAY, M.A.K. Language as social s<strong>em</strong>iotic: the social interpretati<strong>on</strong> oflanguage and meaning. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Edward Arnold, 1978.HALLIDAY, M.A.K. An introducti<strong>on</strong> to functi<strong>on</strong>al grammar. 3 rd ed. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>:Edward Arnold., 2004.HEBERLE, V.M. Critical Reading: integrating principles of critical discourseanalysis and gen<strong>de</strong>r studies. Ilha do Desterro, v. 38, 2000.HEBERLE, V. M.; OSTERMANN, A.C.; FIGUEIREDO, D.C. Linguag<strong>em</strong> egênero no trabalho, na mídia e <strong>em</strong> outros c<strong>on</strong>textos. Florianópolis: Editora <strong>da</strong>UFSC, 2006.HODGE, R.; KRESS, G. Social s<strong>em</strong>iotics. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Polity Press, 1988.HOLMES, J.; MEYERHOFF, M. The handbook of language and gen<strong>de</strong>r. Mal<strong>de</strong>n,MA: Blackwell, 2005.KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Reading images: the Grammar of VisualDesign. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Routledge, 1996._____. Multimo<strong>da</strong>l discourse: the mo<strong>de</strong>s and media of c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porarycommunicati<strong>on</strong>. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Arnold, 2001.MARTIN, J. R.; MATTHIESSEN, C. M. I. M.; PAINTER, C. Working withFuncti<strong>on</strong>al Grammar. L<strong>on</strong>d<strong>on</strong>: Arnold, 1997.MATTELART, A.; NEVEU, E. Introdução aos estudos culturais. São Paulo:Parábola, 2004.MELLO, F. C. A representação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s corporais f<strong>em</strong>ininas pós-mo<strong>de</strong>rnasna mídia <strong>de</strong> massa: Os discursos <strong>da</strong>s revistas <strong>de</strong> mo<strong>da</strong>. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong>Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina, 2008. Disp<strong>on</strong>ível<strong>em</strong>: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.OLIVEIRA, K .S. L. O discurso comodificado <strong>da</strong>s instituições <strong>de</strong> ensino superior– um estudo <strong>de</strong> caso no oeste do Paraná. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina, 2006. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.RAMALHO, V. C. V. S. Discurso e i<strong>de</strong>ologia na propagan<strong>da</strong> <strong>de</strong> medicamentos:Um estudo crítico sobre mu<strong>da</strong>nças sociais e discursivas. Tese (Doutorado <strong>em</strong>Lingüística)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Brasília (UnB), 2008.SANTOS, P. G. O discurso <strong>da</strong> resp<strong>on</strong>sabili<strong>da</strong><strong>de</strong> social na Petrobrás. Dissertação(Mestrado <strong>em</strong> Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> SantaCatarina, 2006. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.SCARDUELI, M. C. N. A representação <strong>da</strong> Delegacia <strong>da</strong> Mulher para policiaiscivis <strong>da</strong> 19ª Região Policial Catarinense. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>65


Discurso e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>...Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina, 2006. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.SILVA, F. “Eu c<strong>on</strong>segui!”: A representação <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s corporaisc<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneas no discurso midiático sobre o <strong>em</strong>agrecimento. Dissertação(Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina,2007. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.SUNDERLAND, J. Exploring gen<strong>de</strong>r: questi<strong>on</strong>s for English Language Educati<strong>on</strong>.H<strong>em</strong>el H<strong>em</strong>pstead: Prentice Hall, 2004.SWALES, J. M. Genre analysis: English in aca<strong>de</strong>mic and research settings.Cambridge: Cambridge UP, 1990.TORIZANI, J. E. Análise crítica <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> do professor <strong>de</strong> Língua Portuguesa<strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Municipal <strong>de</strong> Jaraguá do Sul. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong>)–Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina, 2005. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguag<strong>em</strong>/disserta/in<strong>de</strong>x.htm.66


TEORIA DA RELEVÂNCIAE CIÊNCIAS DA LINGUAGEM:ESTADO DA ARTE, EVOLUÇÃO E TENDÊNCIAS1. IntroduçãoFábio José RauenAs pesquisas <strong>em</strong> teoria <strong>da</strong> relevância, <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s no <strong>Programa</strong><strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul, originaram-se domeu c<strong>on</strong>tato com o livro: Pragmática e cognição: a textuali<strong>da</strong><strong>de</strong> pelarelevância <strong>de</strong> Jane Rita Caetano <strong>da</strong> Silveira e Heloísa Pedroso <strong>de</strong> MoraesFeltes (1999). Fruto do trabalho pi<strong>on</strong>eiro do grupo <strong>de</strong> pesquisa capitaneadopor Jorge Campos <strong>da</strong> Costa (PUC/RS), a obra inspirou meus primeirostrabalhos e os <strong>de</strong> meus primeiros orientandos, e c<strong>on</strong>stitui leitura essencialpara primeiras incursões nesse campo.Não s<strong>em</strong> motivo, Silveira e eu organizamos, <strong>em</strong> 2005, um númeroespecial do quinto volume <strong>de</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso sobre teoria <strong>da</strong>relevância. Foi nessa época que estabeleci c<strong>on</strong>tato com as pesquisas <strong>de</strong>Fábio Alves (UFMG) e José Luiz Vila Real G<strong>on</strong>çalves (UFOP) na interfacecom os estudos <strong>da</strong> tradução. Além <strong>de</strong> dois textos próprios, dos textos <strong>de</strong>Alves e G<strong>on</strong>çalves, participaram também <strong>de</strong>ssa edição os trabalhos <strong>de</strong>Luciano Klöckner, Marcos Souza, Jorge Campos <strong>da</strong> Costa e Ana Ibaños.Nesse número, nós tiv<strong>em</strong>os a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> histórica <strong>de</strong> traduzirdois textos <strong>de</strong> Sperber e Wils<strong>on</strong>: o Posfácio <strong>da</strong> edição <strong>de</strong> 1995 <strong>de</strong>“Relevância: comunicação & cognição”, até então inédito <strong>em</strong> línguaportuguesa; e o texto Teoria <strong>da</strong> relevância, que sintetiza o <strong>de</strong>senvolvimento<strong>da</strong> teoria no <strong>de</strong>cênio 1995-2004.Resultado <strong>de</strong>ssa interação e motivado pelo texto <strong>de</strong> Jorge Campos<strong>da</strong> Costa publicado nesse número especial, participei <strong>de</strong> estágio <strong>de</strong> pósdoutorad<strong>on</strong>a PUC/RS, discutindo aspectos do princípio cognitivo <strong>de</strong>relevância, dos quais surg<strong>em</strong> as noções <strong>da</strong>s variáveis <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>raçãoapresenta<strong>da</strong>s na seção 3.1 <strong>de</strong>ste capítulo.Este ano, Jorge Campos <strong>da</strong> Costa e eu estamos organizando umlivro bilíngüe, português/inglês, intitulado: Tópicos sobre teoria <strong>da</strong>relevância. Nessa obra, estamos apresentando o estado <strong>da</strong> arte na pesquisanesse campo.


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...Participam <strong>de</strong>sse projeto: Fábio Alves (UFMG), José Luiz VilaReal G<strong>on</strong>çalves (UFOP), Fábio Rauen (Unisul), Heloísa Pedroso <strong>de</strong>Moraes Feltes (UCS) Jorge Campos <strong>da</strong> Costa, Ana Ibaños, Jane RitaCaetano <strong>da</strong> Silveira e Cristina Perna (PUC/RS).Na Unisul, estudos <strong>de</strong> relevância <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m textual-discursiva vêmsendo abrigados no grupo <strong>de</strong> pesquisa Práticas sociais e tecnologiasdiscursivas e na linha <strong>de</strong> pesquisa Textuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e práticas discursivas.Atualmente, <strong>de</strong>senvolvo dois projetos. O primeiro, intitulado Pragmática,cognição e interação, analisa aspectos cognitivos e interaci<strong>on</strong>ais <strong>da</strong>comunicação humana. O segundo, intitulado Teoria <strong>da</strong> relevância II:práticas <strong>de</strong> leitura e produção textual <strong>em</strong> c<strong>on</strong>texto escolar, aplica a teoria<strong>em</strong> c<strong>on</strong>textos <strong>de</strong> leitura e produção textual <strong>em</strong> ambiente escolar.Para <strong>da</strong>r c<strong>on</strong>ta do estado <strong>de</strong> arte e apresentar perspectivas <strong>de</strong>evolução e tendências <strong>da</strong> pesquisa <strong>em</strong> relevância na Unisul, dividi estecapítulo <strong>em</strong> quatro seções. Na primeira, apresento c<strong>on</strong>ceitos centrais <strong>da</strong>teoria; nas duas seções seguintes, apresento pesquisas <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s e <strong>em</strong>an<strong>da</strong>mento; e, na quarta seção, teço c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rações finais.2. C<strong>on</strong>ceitos centraisC<strong>on</strong>forme a teoria <strong>da</strong> relevância, ostensão e inferência são duasproprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s c<strong>on</strong>juga<strong>da</strong>s e indissociáveis na comunicação humana. Umfalante/escritor comunica ostensivamente quando produz um estímulo quetorna uma intenção informativa mutuamente manifesta, para ofalante/escritor e para o ouvinte/leitor. Um enunciado é uma evidênciadireta ou ostensiva <strong>da</strong> intenção informativa do falante/escritor. Cabe aoouvinte/leitor c<strong>on</strong>struir suposições inferenciais com base nessas evidências.Sperber e Wils<strong>on</strong> (1986, 1995) e Carst<strong>on</strong> (1988) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que acompreensão <strong>de</strong> enunciados po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrita e explica<strong>da</strong> <strong>em</strong> três níveisrepresentaci<strong>on</strong>ais: o nível <strong>da</strong> forma lógica, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> <strong>de</strong>codificaçãolingüística; o nível <strong>da</strong> explicatura, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>forma lógica por processos inferenciais <strong>de</strong> natureza pragmática; e o nível <strong>da</strong>implicatura, que é uma inferência pragmática que <strong>de</strong>corre <strong>da</strong> explicatura.Nesse c<strong>on</strong>texto, a <strong>de</strong>codificação dos inputs lingüísticos c<strong>on</strong>stituium dos processos modulares subsidiários aos mecanismos centrais dopensamento, c<strong>on</strong>forme Fodor (1983), pois eles possu<strong>em</strong> traços reflexos eautomáticos caracterizadores dos sist<strong>em</strong>as perceptuais. Uma <strong>da</strong>s funções<strong>de</strong>sses sist<strong>em</strong>as é c<strong>on</strong>verter representações sensoriais <strong>em</strong> representações68


Fábio José Rauenc<strong>on</strong>ceituais, <strong>de</strong>ntre as quais interessam as proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s lógicas à cognição.Sperber e Wils<strong>on</strong> (1995, p. 72) <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> a forma lógica <strong>de</strong> um enunciadocomo um “c<strong>on</strong>junto estruturado <strong>de</strong> c<strong>on</strong>stituintes que subjaz<strong>em</strong> operaçõeslógicas formais <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s por sua estrutura”.Para ilustrar, observe-se a resposta <strong>de</strong> uma f<strong>on</strong>oaudióloga àprofessora <strong>de</strong> um estu<strong>da</strong>nte disléxico chamado Lucas. 15(1a) Professora: Lucas c<strong>on</strong>seguiu superar seu déficitf<strong>on</strong>ológico?(1b) F<strong>on</strong>oaudióloga: Ele fez uma terapia e lê textos simples.O enunciado (1b) c<strong>on</strong>forma-se na forma lógica (1c):(1c) (fazer x, y) ∧ (ler x, y).As formas lógicas po<strong>de</strong>m ser proposici<strong>on</strong>ais ou não. As primeirassão sintaticamente b<strong>em</strong> forma<strong>da</strong>s e s<strong>em</strong>anticamente completas; as segun<strong>da</strong>ssão sintaticamente b<strong>em</strong> forma<strong>da</strong>s, mas s<strong>em</strong>anticamente incompletas. Noprocesso <strong>de</strong> compreensão, os seres humanos são capazes <strong>de</strong> enriquecerformas lógicas incompletas por operações pragmáticas, tais como, as <strong>de</strong>atribuição <strong>de</strong> referência, <strong>de</strong>sambiguação, resolução <strong>de</strong> in<strong>de</strong>terminações,interpretação <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> metafórica, enriquecimento <strong>de</strong> elipses. Oproduto <strong>de</strong>ssas operações é a explicatura ou forma lógica proposici<strong>on</strong>al.C<strong>on</strong>forme a forma lógica (1c), é preciso preencher certas lacunas<strong>em</strong> aberto para tornar o enunciado (1b) proposici<strong>on</strong>al. A primeiraproposição do enunciado é a <strong>de</strong> que alguém (x) fez algo (y). Na funçãosintática do sujeito, é preciso atribuir referente ao pr<strong>on</strong>ome ‘ele’. No caso, émutuamente manifesto na interação que o diálogo se refere a LUCAS. Alémdisso, é preciso explicitar a que tipo <strong>de</strong> terapia a f<strong>on</strong>oaudióloga se refere.Por hipótese, trata-se <strong>de</strong> uma TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA.Na segun<strong>da</strong> proposição, a <strong>de</strong> que alguém (x) lê algo (y), é precisopreencher a elipse do sujeito sintático do verbo ‘ler’, que é formaliza<strong>da</strong> <strong>em</strong>(1d), a seguir, por ‘Ø’: outra vez LUCAS. Além disso, é preciso atribuirc<strong>on</strong>exão t<strong>em</strong>poral à c<strong>on</strong>junção ‘e’, formaliza<strong>da</strong> <strong>em</strong> (1c) pelo símbolo lógico“∧“ e <strong>em</strong> (1d), a seguir, por “e [ENTÃO]”. Supostamente, a intenção <strong>da</strong>15 Nesta seção, valho-me <strong>de</strong> uma a<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong> revisão teórica <strong>em</strong> Rauen e Rabello (2008a).69


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...f<strong>on</strong>oaudióloga é a <strong>de</strong> comunicar que o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho satisfatório na leitura <strong>de</strong>textos simples <strong>de</strong>corre <strong>da</strong> participação <strong>de</strong> Lucas na terapia. 16A formulação (1d) preten<strong>de</strong> capturar a forma lógica proposici<strong>on</strong>alou explicatura do enunciado (1b). 17Veja-se:(1d) Ele [LUCAS] x fez uma terapia [FONOAUDIOLÓGICA] y e[ENTÃO] Ø [LUCAS] x lê textos simples y .A resposta (1b), explica<strong>da</strong> <strong>em</strong> (1d), não resp<strong>on</strong><strong>de</strong> diretamente apergunta (1a) <strong>da</strong> professora sobre a superação dos déficits f<strong>on</strong>ológicos <strong>de</strong>Lucas. Para li<strong>da</strong>r com isso, é preciso recorrer ao c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> implicatura.Segundo rediscute a teoria <strong>da</strong> relevância, uma implicatura é uma inferênciaque surge <strong>da</strong>s expectativas <strong>de</strong> relevância ótima do ouvinte como umac<strong>on</strong>clusão implica<strong>da</strong> <strong>de</strong> um cálculo <strong>de</strong>dutivo. No ex<strong>em</strong>plo, a explicatura(1d) ingressa no módulo <strong>de</strong>dutivo pressuposto pelo mo<strong>de</strong>lo teórico(SPERBER; WILSON, 1995, p. 93-102), como uma pr<strong>em</strong>issa implica<strong>da</strong> <strong>de</strong>uma regra <strong>de</strong>dutiva <strong>de</strong> eliminação.Sperber e Wils<strong>on</strong> propõ<strong>em</strong> duas regras <strong>de</strong> eliminação: a regra <strong>de</strong>eliminação-e e a regra <strong>de</strong> modus p<strong>on</strong>ens. No ex<strong>em</strong>plo, o mecanismopo<strong>de</strong>ria, <strong>em</strong> primeiro lugar, eliminar analiticamente a c<strong>on</strong>junção <strong>da</strong>s duasproposições que compõe o enunciado (1d). A regra <strong>de</strong> eliminação-e capturaa inferência <strong>de</strong> que, havendo duas proposições trata<strong>da</strong>s como ver<strong>da</strong><strong>de</strong>irasnum argumento c<strong>on</strong>juntivo, ambas as proposições <strong>de</strong>ssa c<strong>on</strong>junção sãover<strong>da</strong><strong>de</strong>iras isola<strong>da</strong>mente (formalmente: P ∧ Q; P, ou: P ∧ Q; Q).No caso, preservando a segun<strong>da</strong> proposição, se o ouvinte tomacomo ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro que LUCAS FEZ UMA TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA (P) eque LUCAS LÊ TEXTOS SIMPLES (Q), então é ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro que LUCAS LÊTEXTOS SIMPLES (Q).S 1 – P ∧ Q;S 2 – Q.16 Isso sugere que os processos inferenciais não se restring<strong>em</strong> à formação <strong>de</strong> implicaturas,como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Grice (1982), mas são requisitados para completar ou compl<strong>em</strong>entar a própriaforma lógica <strong>da</strong> sentença enuncia<strong>da</strong>.17 Expressões lingüísticas serão apresenta<strong>da</strong>s entre aspas simples ‘Lucas’, c<strong>on</strong>ceitos <strong>em</strong>versalete LUCAS e referências no mundo não receberão qualquer indicação.70


Fábio José RauenS 1 – LUCAS FEZ UMA TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA ∧ LUCAS LÊTEXTOS SIMPLES (pr<strong>em</strong>issa implica<strong>da</strong> do input lingüístico <strong>da</strong>f<strong>on</strong>oaudióloga).S 2 – LUCAS LÊ TEXTOS SIMPLES (c<strong>on</strong>clusão implica<strong>da</strong> poreliminação-e).Em segundo lugar, o mecanismo po<strong>de</strong>ria gerar uma implicatura aocombinar o resultado <strong>da</strong> eliminação <strong>da</strong> c<strong>on</strong>junção com certa suposição <strong>da</strong>m<strong>em</strong>ória enciclopédica, por meio <strong>da</strong> regra <strong>de</strong> modus p<strong>on</strong>ens. Nessa regra,<strong>em</strong> uma ca<strong>de</strong>ia <strong>on</strong><strong>de</strong> uma proposição c<strong>on</strong>dici<strong>on</strong>al (antece<strong>de</strong>nte) implicauma c<strong>on</strong>clusão (c<strong>on</strong>seqüente), afirmar essa proposição c<strong>on</strong>dici<strong>on</strong>al implicaaceitar a c<strong>on</strong>clusão como ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira (formalmente: P; P Q; Q, ou ain<strong>da</strong>:P; Se P então Q; Q).No ex<strong>em</strong>plo, admitindo-se como antece<strong>de</strong>nte que LUCAS LÊTEXTOS SIMPLES, po<strong>de</strong>-se inferir que LUCAS, POSSIVELMENTE, CONSEGUIUAMENIZAR SEU DÉFICIT FONOLÓGICO. Veja-se:S 1 – P;S 2 – Se P, então Q;S 3 – Q.S 1 – LUCAS LÊ TEXTOS SIMPLES (pr<strong>em</strong>issa implica<strong>da</strong> que<strong>de</strong>corre <strong>da</strong> regra <strong>de</strong> eliminação-e <strong>em</strong> (1d));S 2 – Se LUCAS LÊ TEXTOS SIMPLES, então LUCAS,POSSIVELMENTE, CONSEGUIU AMENIZAR SEU DÉFICITFONOLÓGICO (por regra <strong>de</strong> modus p<strong>on</strong>ens);S 3 – (1e) LUCAS, POSSIVELMENTE, CONSEGUIU AMENIZAR SEUDÉFICIT FONOLÓGICO (c<strong>on</strong>clusão implica<strong>da</strong> por afirmação doantece<strong>de</strong>nte S 1 ).Aplica<strong>da</strong> a regra <strong>de</strong> modus p<strong>on</strong>ens, obtém-se (1e), a seguir:(1e) LUCAS, POSSIVELMENTE, CONSEGUIU AMENIZAR SEUDÉFICIT FONOLÓGICO.Por hipótese, a interpretação pretendi<strong>da</strong> pela f<strong>on</strong>oaudióloga é a <strong>de</strong>que Lucas amenizou seu déficit. Ela escolhe a resposta indireta, pois apostaque, <strong>de</strong>vido ao investimento adici<strong>on</strong>al para gerar a implicatura (1e), aprofessora também saberá, entre outras questões: que Lucas está fazendoterapia f<strong>on</strong>oaudiológica, lê textos simples, amenizou seu déficit porque fazterapia f<strong>on</strong>oaudiológica, etc..71


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...A relevância <strong>de</strong> um input ocorre por implicação, como na aplicação<strong>da</strong> regra <strong>de</strong> modus p<strong>on</strong>ens; por fortalecimento, quando uma novainformação fornece mais evidência para uma suposição já c<strong>on</strong>heci<strong>da</strong>; oupor eliminação, quando uma nova informação c<strong>on</strong>tradiz uma suposição jác<strong>on</strong>heci<strong>da</strong>. Quanto maiores for<strong>em</strong> esses efeitos cognitivos obtidos, maiorserá a relevância. Por outro lado, visto que a geração <strong>de</strong> efeitos requeresforço <strong>de</strong> processamento, um input será mais relevante, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que,para alcançar esses efeitos, sejam menores os dispêndios energéticos.Nesse cotejo, para ser obtido o que os autores <strong>de</strong>nominaram <strong>de</strong>relevância ótima, é preciso que o c<strong>on</strong>texto inicial seja o mais produtivopossível, <strong>de</strong>rivando o maior número <strong>de</strong> efeitos com dispêndio <strong>de</strong> energiaminimamente justificável. Destaque-se que nenhuma suposição é relevante<strong>em</strong> si mesma, e cotejos <strong>de</strong> relevância difer<strong>em</strong> entre indivíduos e situações.Desse modo, Sperber e Wils<strong>on</strong> (1995, p. 140) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que a relevância<strong>de</strong>va ser caracteriza<strong>da</strong> <strong>de</strong> forma psicologicamente mais apropria<strong>da</strong> comorelevância para um indivíduo.Para eles, um estímulo é um fenômeno <strong>de</strong>stinado a realizar efeitosc<strong>on</strong>textuais. Portanto, para produzir um efeito cognitivo específico énecessário produzir um estímulo que atinja o efeito pretendido, quandoprocessado otimamente. Em enunciados, o estímulo <strong>de</strong>ve atrair a atenção<strong>da</strong> audiência e focalizar as intenções do comunicador.Disso <strong>em</strong>ana o Princípio Comunicativo <strong>de</strong> Relevância <strong>de</strong> que “todoato <strong>de</strong> comunicação ostensiva comunica a presunção <strong>de</strong> sua relevânciaótima” (SPERBER; WILSON, 1995, p. 158). Um ato <strong>de</strong> comunicaçãoostensiva é um requisito à atenção, que automaticamente comunica umapresunção (inferência) <strong>de</strong> sua relevância.Essa presunção é <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> por dois fatores: a) esforço cognitiv<strong>on</strong>unca maior que o requerido para processá-la otimamente; e b) efeitosalcançados por esse processamento ótimo nunca menores que o necessáriopara tornar o estímulo válido <strong>de</strong> ser processado.Numa presunção <strong>de</strong> relevância ótima, o estímulo ostensivo érelevante o suficiente para merecer processamento, e é o mais relevantecompatível com as habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e preferência do comunicador (SPERBER;WILSON, 1995, p. 270).Diante <strong>de</strong> um estímulo otimamente relevante, é função do ouvinte aseleção <strong>da</strong> primeira interpretação acessível e c<strong>on</strong>sistente com o princípio <strong>de</strong>relevância. Assim, seguindo um caminho <strong>de</strong> menor esforço, ele chega auma interpretação que satisfaz suas expectativas <strong>de</strong> relevância e que, na72


Fábio José Rauenausência <strong>de</strong> evidências c<strong>on</strong>trárias, é a hipótese mais plausível sobre osignificado do falante. Como a compreensão é um processo <strong>de</strong> inferêncianão-<strong>de</strong>m<strong>on</strong>strativo, essa hipótese po<strong>de</strong> revelar-se falsa; mas é a melhor queum ouvinte raci<strong>on</strong>al po<strong>de</strong> fazer (WILSON; SPERBER, 2005).C<strong>on</strong>hecidos os c<strong>on</strong>ceitos centrais <strong>da</strong> teoria, apresento, nas duasseções seguintes, os resultados dos estudos vinculados aos dois projetos <strong>de</strong>pesquisa que venho <strong>de</strong>senvolvendo.3. Relevância, cognição e interaçãoNo projeto Pragmática, cognição e interação, analiso aspectoscognitivos e interaci<strong>on</strong>ais <strong>da</strong> comunicação humana, investigando peçascomunicativas do p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista ostensivo-inferencial e relendocriticamente c<strong>on</strong>ceitos centrais <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> relevância (como intenção,relevância, representação, subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, ostensão e inferência). Nestaseção, <strong>de</strong>staco dois trabalhos próprios, b<strong>em</strong> como pesquisas orienta<strong>da</strong>s<strong>de</strong>ntro do escopo <strong>de</strong>sse projeto.3.1 Variáveis <strong>de</strong> exaustão e <strong>de</strong> saturaçãoEm meu pós-doutorado, motivado pelo trabalho <strong>de</strong> Costa (2005),investiguei o paradoxo <strong>da</strong> otimização <strong>da</strong> relevância versus a a<strong>de</strong>são arotinas estereotipa<strong>da</strong>s. 18 No ensaio Sobre relevância e irrelevâncias(RAUEN, 2008a, b), repensei a aplicação reitera<strong>da</strong> ou recursiva doprincípio cognitivo <strong>de</strong> relevância, argumentando que isso implicaria umestado permanent<strong>em</strong>ente estressante <strong>de</strong> captura <strong>de</strong> informações.Tome-se um mundo possível, <strong>on</strong><strong>de</strong> mecanismos cognitivos sãoguiados pelo princípio <strong>de</strong> relevância, <strong>de</strong> tal sorte que s<strong>em</strong>pre será relevanteo estímulo ostensivo <strong>em</strong> que o ganho cognitivo for maior do que o esforço<strong>de</strong> processamento. Imagine-se uma dinâmica “x” reitera<strong>da</strong>mente relevantenesse mundo possível, <strong>de</strong> tal forma que essa dinâmica gera, ad infinitum,um efeito cognitivo a mais do que o esforço para obter esse efeitocognitivo. Como esse mecanismo sairia <strong>de</strong>sse loop ou efeito <strong>de</strong> hamster?18 Costa (2005, p. 161-169) apresenta sete espécies <strong>de</strong> eventos comunicativos que <strong>de</strong>safiamo princípio <strong>de</strong> relevância: os clichês amorosos, a c<strong>on</strong>versa light, a cultura <strong>de</strong> massa, apropensão <strong>de</strong> falar sobre si mesmo, o <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po ao telef<strong>on</strong>e, os cumprimentos ec<strong>on</strong>tatos, e a navegação redun<strong>da</strong>nte na internet.73


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...Dado que seres humanos saudáveis alternam estados tensos edistensos, <strong>on</strong><strong>de</strong> a cognição opera guia<strong>da</strong> ora pelos efeitos, ora pelos custos,essa reiteração é intuitivamente incorreta. Seria então o princípio cognitivo<strong>de</strong> relevância incorreto, justamente quando se percebe sua a<strong>de</strong>quação <strong>em</strong>inc<strong>on</strong>táveis investigações? Para resp<strong>on</strong><strong>de</strong>r a essa questão, propus ac<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> duas variáveis mo<strong>de</strong>radoras na relação custo/benefício: aexaustão <strong>de</strong> recursos cognitivos e a saturação <strong>de</strong> estímulos salientes.No que se refere à exaustão, meu argumento é o <strong>de</strong> que a escassez<strong>de</strong> recursos cognitivos inibe o investimento energético. Assim, a atuaçãoreitera<strong>da</strong>mente tensa do mecanismo é proibitiva, <strong>de</strong>vido ao <strong>de</strong>sgasteprecoce <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> o organismo prover recursos energéticos paranovas <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s cognitivas. Logo, mesmo guiado pela otimização <strong>de</strong>efeitos cognitivos, essa otimização é c<strong>on</strong>stringi<strong>da</strong> pelo gasto energéticodispensado para a obtenção <strong>de</strong>sses efeitos.Defendo que os organismos m<strong>on</strong>itoram dispêndios energéticos,minimizando ou bloqueando <strong>de</strong>sgastes excessivos. Isso é perceptívelquando, cansados, <strong>da</strong>mos atenção a estímulos irrelevantes ou <strong>de</strong>sistimos <strong>de</strong>uma <strong>de</strong>man<strong>da</strong> cognitiva. Se insistirmos, nossos organismos resp<strong>on</strong><strong>de</strong>m comefeitos ca<strong>da</strong> vez mais pobres, até que sobrevenha o limite <strong>de</strong> exaustão.Desse modo, minha tese é a <strong>de</strong> que o organismo obtém efeitos cognitivosque compensam o dispêndio energético crescente até um ótimo <strong>de</strong> Pareto.19 Para além <strong>de</strong>sse limiar, efeitos não compensam esforços.Assim, <strong>de</strong>fendo a exaustão como mo<strong>de</strong>radora <strong>da</strong> relaçãocusto/benefício, <strong>de</strong> modo que:[...] <strong>em</strong> igual<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> c<strong>on</strong>dições, quanto mais exausto estivero organismo, maior será o dispêndio <strong>de</strong> energia paracompensar o efeito cognitivo, minimizando a eficiênciacognitiva ou relevância <strong>de</strong> um fenômeno até um ótimo <strong>de</strong>Pareto (RAUEN, 2008a, b).19 Vilfredo Pareto cunhou a noção <strong>de</strong> ótimo ou eficiência <strong>de</strong> Pareto para questõesec<strong>on</strong>ômicas. Segundo Pareto, uma situação ec<strong>on</strong>ômica é ótima se não for possível melhorara situação ou utili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um agente ec<strong>on</strong>ômico s<strong>em</strong> <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>r a situação ou utili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>outro agente ec<strong>on</strong>ômico. Analogamente, no domínio <strong>de</strong> uma variável <strong>de</strong> exaustão, não épossível aumentar a obtenção <strong>de</strong> efeitos cognitivos s<strong>em</strong> <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>r a reserva energética dosist<strong>em</strong>a cognitivo. Ou seja, o investimento cognitivo é c<strong>on</strong>stringido por um limiar para alémdo qual: a) os efeitos cognitivos não compensam o investimento energético; e b) oinvestimento energético <strong>de</strong>gra<strong>da</strong> as reservas <strong>de</strong> energia do sist<strong>em</strong>a.74


75Fábio José RauenC<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rar uma variável <strong>de</strong> exaustão gera duas c<strong>on</strong>seqüências nãotriviais.Primeiro, <strong>em</strong>bora um organismo possa aumentar o custo <strong>de</strong>processamento para obter maiores efeitos cognitivos, isso <strong>de</strong>ve sercompensado pela minimização <strong>de</strong> custos, mesmo que a eficiência tambémseja minimiza<strong>da</strong> <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> efeitos cognitivos. Segundo, há uma relaçãoinversamente proporci<strong>on</strong>al entre a otimização <strong>de</strong> efeitos cognitivos <strong>em</strong>relação ao custo <strong>de</strong> processamento, por um lado, e o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> investimento<strong>de</strong> energia para a obtenção <strong>de</strong>sses efeitos cognitivos, por outro. O aumento<strong>de</strong> custo implica aumento <strong>de</strong> eficiência apenas <strong>em</strong> curto prazo e abaixo <strong>de</strong>um ótimo <strong>de</strong> Pareto. Se capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>s energéticas mo<strong>de</strong>ram o princípio <strong>de</strong>relevância, estratégias distensas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> compensar estratégias tensas,poupando energia entre ciclos <strong>de</strong> reposição.No que se refere à variável <strong>de</strong> saturação, refiro-me à capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>insaturação <strong>de</strong> um estímulo, quando sucessivamente repetido. Ou seja, àcapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um estímulo sensibilizar o organismo quando repetidoreitera<strong>da</strong>mente, <strong>de</strong> tal sorte que sua c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ração gere certo efeito cognitivoque compense o esforço cognitivo dispensado.Quando fatigados, nossa atenção po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>svia<strong>da</strong> a estímulostriviais. Isso funci<strong>on</strong>a, porque o c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> suposições c<strong>on</strong>heci<strong>da</strong>s épraticamente pleno <strong>em</strong> c<strong>on</strong>textos triviais, a não ser por algum aspectopouco relevante, cujo dispêndio energético para obtê-lo é quase nulo. Umc<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> suposições c<strong>on</strong>heci<strong>da</strong>s ou factuais é tratado pelo indivíduocomo certo ou quase certo. Trata-se <strong>de</strong> um c<strong>on</strong>hecimento fort<strong>em</strong>enteassegurado pelo indivíduo e fort<strong>em</strong>ente enraizado <strong>em</strong> sua cognição.Nesse c<strong>on</strong>texto, argumento que nenhuma suposição po<strong>de</strong> serc<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> como maximamente ou plenamente certa, mesmo quandogera<strong>da</strong> por um input perceptual; mas é a reiteração sucessiva <strong>de</strong> umasuposição que a torna mais forte ou mais factual. Essa repetição énecessária até um limiar teórico <strong>de</strong> saturação, para além do qual, uma novarepetição <strong>da</strong> mesma suposição <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser saliente e é filtra<strong>da</strong> peloorganismo como irrelevante. Assim, há também um ótimo <strong>de</strong> Pareto para avariável saturação, <strong>de</strong> modo que, ultrapassado esse limiar, um estímul<strong>on</strong>ovamente apresentado <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> sensibilizar os mecanismos, pois os efeitoscognitivos não mais compensam os esforços para a obtenção <strong>de</strong>sses efeitoscognitivos <strong>de</strong> fortalecimento mediante reiteração.Adotar uma variável <strong>de</strong> saturação e um limiar <strong>de</strong> saturação éimportante, pois sugere uma explicação para a a<strong>de</strong>são dos seres humanos arotinas habituais. Para um organismo que é guiado para a relevância epoupa recursos energéticos, é importante que o c<strong>on</strong>texto seja composto do


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...maior número <strong>de</strong> suposições factuais ou estáveis. O modo como os sereshumanos garant<strong>em</strong> a estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do mundo é percebendo as regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>smediante reiterações sucessivas. A percepção <strong>de</strong> regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s os tornacapazes <strong>de</strong> tomar c<strong>on</strong>sciência <strong>de</strong> irregulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s relevantes.Duas c<strong>on</strong>seqüências não-triviais po<strong>de</strong>m ser apresenta<strong>da</strong>s. Aprimeira é a <strong>de</strong> que, sendo o reforço <strong>de</strong> uma suposição uma <strong>da</strong>s formasmais ec<strong>on</strong>ômicas <strong>de</strong> se obter um efeito cognitivo, essa estratégia <strong>de</strong>ve serpersegui<strong>da</strong> por todos aqueles que li<strong>da</strong>m com a promoção ou revisão <strong>de</strong>hábitos. A segun<strong>da</strong> é a <strong>de</strong> que a utilização <strong>de</strong> estímulos saturados po<strong>de</strong>produzir efeitos <strong>de</strong> relevância. Basta produzir um enunciado <strong>de</strong> baixarelevância ou mesmo irrelevante para <strong>de</strong>sviar a atenção <strong>da</strong> audiência paraoutros el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong> comunicação: suposições satura<strong>da</strong>s funci<strong>on</strong>am comobackground para suposições novas relevantes.3.2 Relevância e gêneroO princípio <strong>de</strong> relevância e a variável <strong>de</strong> saturação po<strong>de</strong>m serprodutivos numa interface com estudos <strong>de</strong> gêneros textuais. Se relevância é<strong>de</strong>fini<strong>da</strong> pelo cotejo <strong>de</strong> efeitos e esforços cognitivos, po<strong>de</strong>-se avaliar opapel <strong>da</strong> produção e <strong>da</strong> recepção <strong>de</strong> gêneros específicos nessa relação.É nessa perspectiva que analisei um ex<strong>em</strong>plar <strong>de</strong> uma cartac<strong>on</strong>sulta<strong>de</strong> Sim<strong>on</strong>i (2004) no ensaio Relevance and genre: theoretical andc<strong>on</strong>ceptual interfaces (RAUEN, 2008c). Nessa carta, um mutuário não sabecomo registrar um imóvel comprado num c<strong>on</strong>trato <strong>de</strong> gaveta, cujo titularele não tinha c<strong>on</strong>tato há anos. Veja-se o texto, cujos passos retóricosatribuídos por Sim<strong>on</strong>i (2004) estão entre colchetes.(1) Gaveta [Citar tópico do texto].(2) Tenho um c<strong>on</strong>trato <strong>de</strong> gaveta registrado <strong>em</strong> cartório <strong>em</strong>1985.(3) Em meio <strong>de</strong> 1996, quitei o imóvel com o FGTS [De<strong>line</strong>aro cenário].(4) A Caixa me informou agora que a proprietária do imóvelt<strong>em</strong> que assinar o c<strong>on</strong>trato <strong>de</strong> quitação.(5) Mas há anos não tenho mais c<strong>on</strong>tato com ela [Apresentaro probl<strong>em</strong>a].(6) O que <strong>de</strong>vo fazer [Solicitar uma solução]?(7) Luiz Silva(8) Rio <strong>de</strong> Janeiro [Fornecer <strong>da</strong>dos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação].76


Fábio José RauenNo ensaio, argumento que a carta-c<strong>on</strong>sulta foi c<strong>on</strong>struí<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong>compl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong> um dos c<strong>on</strong>stituintes lógicos <strong>da</strong> questão relevante noenunciado (6). É sobre esse c<strong>on</strong>stituinte lógico que gravitam movimentos epassos retóricos do texto, sugerindo que estruturas genéricas estão a serviço<strong>de</strong> algo mais essencial: as relações <strong>de</strong> relevância.O enunciado (6), agora (6a), c<strong>on</strong>tém a forma lógica (6b):(6a) O que <strong>de</strong>vo fazer?(6b) <strong>de</strong>ver fazer, alguém, algo (<strong>de</strong>ver fazer, x, y).O enunciado (6) é uma pergunta-QU. Perguntas com um pr<strong>on</strong>omeinterrogativo, segundo Sperber e Wils<strong>on</strong> (1995, p. 252) não c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong>uma forma proposici<strong>on</strong>al total, porque o c<strong>on</strong>stituinte lógico explicitadopelo pr<strong>on</strong>ome ‘que’ está incompleto, e o falante não t<strong>em</strong> como completá-lo.A relevância gravita <strong>em</strong> torno do objeto <strong>de</strong> ‘<strong>de</strong>ver saber’: Luiz Silva,sujeito <strong>de</strong> ‘<strong>de</strong>ver fazer’ não sabe como registrar o imóvel.Para Sim<strong>on</strong>i (2004), o movimento retórico “formular uma questão”enseja quatro passos retóricos: “<strong>de</strong><strong>line</strong>ar o cenário”, “apresentar oprobl<strong>em</strong>a”, “solicitar uma resposta” e “fornecer <strong>da</strong>dos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação”.Defendo que o passo “solicitar uma solução” é supra-or<strong>de</strong>nado, poismobiliza o movimento “fornecer uma resposta”, guiado pela relevância.A explicatura do enunciado (6) po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> como (6c) e,incluindo uma <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> alto nível que dê c<strong>on</strong>ta do ato <strong>de</strong> fala <strong>em</strong> jogo,algo b<strong>em</strong> próximo do passo retórico <strong>de</strong> “solicitar uma resposta”, po<strong>de</strong> ser<strong>de</strong>scrita como <strong>em</strong> (6d-e).(6b) <strong>de</strong>ver fazer, alguém, algo.(6c) <strong>de</strong>ver fazer, Luiz Silva, QU.(6d) O c<strong>on</strong>sulente está perguntando algo (<strong>de</strong>ver fazer,alguém, algo).(6e) Luiz Silva está perguntando (<strong>de</strong>ver fazer, Luiz Silva,QU).Embora (6e) aproxime-se do que está <strong>em</strong> jogo no passo retórico,ain<strong>da</strong> não capta a dúvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> ‘Luiz Silva’. Isso só é possível se o leitorc<strong>on</strong>tar com um c<strong>on</strong>texto suficient<strong>em</strong>ente rico <strong>de</strong> suposições que <strong>de</strong>v<strong>em</strong>incluir c<strong>on</strong>hecimentos sobre o sist<strong>em</strong>a financeiro <strong>da</strong> habitação no Brasil.Esse c<strong>on</strong>hecimento <strong>em</strong>parelhado com o enunciado (5), que explicita o77


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Luiz Silva e permite inferir o motivo <strong>de</strong> sua c<strong>on</strong>sulta, tornapossível estabelecer uma proposição possivelmente completa para oenunciado (6). Essa proposição, provavelmente, é suficient<strong>em</strong>ente relevantepara merecer processamento <strong>de</strong> todos os leitores do texto.(6f) O enunciador 2 está perguntando algo (<strong>de</strong>ver fazer,alguém, algo, para algum propósito).(6g) Luiz Silva está perguntando (<strong>de</strong>ver fazer, Luiz Silva,QU, para formalizar o c<strong>on</strong>trato <strong>de</strong> gaveta <strong>de</strong> Luiz Silva coma proprietária do imóvel).Perguntar é a forma mais ec<strong>on</strong>ômica <strong>de</strong> obter respostas. Luiz Silvafez isso <strong>em</strong> um jornal, porque entram <strong>em</strong> jogo suas suposições sobre ofunci<strong>on</strong>amento do gênero. Assim, se a obtenção <strong>de</strong> uma resposta é adimensão que catalisa o texto, haver práticas sociais <strong>de</strong> fornecimento <strong>de</strong>respostas a dúvi<strong>da</strong>s nos jornais viabiliza a interação. O jornalista me<strong>de</strong>ia ainterlocução formatado pelas c<strong>on</strong>figurações do gênero.Várias suposições são mobiliza<strong>da</strong>s pelos interlocutores paraprocessar a carta-c<strong>on</strong>sulta, por ex<strong>em</strong>plo, que atos para formalização doc<strong>on</strong>trato <strong>de</strong> gaveta inclu<strong>em</strong> obtenção <strong>da</strong> escritura, quitação dofinanciamento e registro do imóvel. Para Blass (1990), os textos são apenaspistas para o processo <strong>de</strong> compreensão, fornecendo parte dos <strong>da</strong>dos lógicoc<strong>on</strong>ceituaispara a fase inferencial <strong>da</strong> interpretação. Assim, a textuali<strong>da</strong><strong>de</strong>não se explica necessária e suficient<strong>em</strong>ente pela articulação <strong>da</strong>s estruturaslingüístico-textuais, mas é um fenômeno <strong>de</strong> processamento operado namente. Para interpretar o enunciado (6), além <strong>da</strong> <strong>de</strong>codificação,mobilizaram-se c<strong>on</strong>hecimentos enciclopédicos sobre como se registram ouse financiam imóveis, além do c<strong>on</strong>hecimento, mesmo que intuitivo, dofunci<strong>on</strong>amento do gênero <strong>em</strong> questão.A resposta <strong>de</strong> Luiz Wanis, advogado c<strong>on</strong>sultado pelo jornalista, foia <strong>de</strong> que: se o ven<strong>de</strong>dor do imóvel tivesse outorgado uma procuração para ocomprador representá-lo nos atos relativos à efetivação do negócio, issoresolveria o probl<strong>em</strong>a; s<strong>em</strong> uma procuração, Luiz Silva <strong>de</strong>veria ajuizar umaação <strong>de</strong> adjudicação compulsória e, <strong>de</strong> posse <strong>da</strong> sentença judicial que lheoutorga a escritura <strong>de</strong>finitiva, obter a quitação <strong>da</strong> Caixa.78


Fábio José Rauen3.3 Relevância e produtos midiáticosNo que tange à análise <strong>de</strong> produtos midiáticos, três trabalhospo<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>stacados: Silva (2003), Coral (2003) e Cal<strong>de</strong>ira (2007).Em 2003, Célia Maria <strong>da</strong> Silva <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a dissertação: Processosostensivo-inferenciais do filme “Neve sobre os cedros”, <strong>de</strong> Scott Hicks. Ofilme relata o julgamento <strong>de</strong> Kazuo Miyamoto, ci<strong>da</strong>dão jap<strong>on</strong>ês <strong>de</strong> umacomuni<strong>da</strong><strong>de</strong> americana, réu do suposto homicídio <strong>de</strong> Carl Heine.O julgamento é um pretexto para <strong>de</strong>spertar m<strong>em</strong>órias do amor queo jornalista Ishmael Chambers sente por Hatsue Miyamoto, esposa do réu.A narrativa é uma amálgama <strong>de</strong> flashbacks <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> outros flashbacks, quevão sendo sincr<strong>on</strong>icamente entrelaçados <strong>em</strong> torno do julgamento e do amornão-c<strong>on</strong>cretizado. Segundo Silva (2003, p. 8), “o filme vai se <strong>de</strong>senrolando,até a catarse do protag<strong>on</strong>ista Ishmael, que se alia à resolução do crime”.No início, Ishmael Chambers e espectador implicam a c<strong>on</strong><strong>de</strong>naçãodo réu, e <strong>de</strong>poimentos fortalec<strong>em</strong> essa suposição. Cenas <strong>em</strong> flashback,porém, c<strong>on</strong>trapõ<strong>em</strong> esse veredicto revelando aspectos <strong>da</strong> integri<strong>da</strong><strong>de</strong> moral<strong>da</strong> educação jap<strong>on</strong>esa e injustiças com a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> jap<strong>on</strong>esa na Segun<strong>da</strong>Guerra. Essas cenas visam equiparar o ambiente cognitivo do espectador ao<strong>de</strong> Ishmael, para qu<strong>em</strong> se <strong>de</strong>flagra o c<strong>on</strong>flito entre o profissi<strong>on</strong>al íntegro e oamante frustrado. Suspeitando <strong>da</strong> inocência <strong>de</strong> Kazuo, Ishmael vai àguar<strong>da</strong>-costeira, e os registros c<strong>on</strong>firmam a provável injustiça nojulgamento. Revelar a inocência torna-se o dil<strong>em</strong>a <strong>da</strong> pers<strong>on</strong>ag<strong>em</strong>.Na seqüência, Silva <strong>de</strong>screve e explica com acui<strong>da</strong><strong>de</strong> os<strong>de</strong>sdobramentos <strong>da</strong> trama. Lances dramáticos do julgamento levam Ishmaela revelar sua <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muita hesitação e, por c<strong>on</strong>ta disso, o réué absolvido. A vingança passi<strong>on</strong>al per<strong>de</strong> espaço para a <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>.C<strong>on</strong>forme Silva: “No final, há uma saí<strong>da</strong> para o mocinho” (2003, p. 113).O trabalho <strong>de</strong>m<strong>on</strong>strou a a<strong>de</strong>quação <strong>da</strong> teoria para revelar ascrenças <strong>de</strong> Ishmael Chambers <strong>em</strong> relação à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> jap<strong>on</strong>esa, ocomportamento potencial do júri no julgamento e as crenças do espectadorsobre esses fatos. Com ênfase nos comportamentos ostensivo-inferenciais<strong>de</strong> Ishmael, especialmente no capítulo <strong>de</strong>zesseis, o <strong>da</strong>s argumentações,analisou-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a possível c<strong>on</strong><strong>de</strong>nação do réu, passando pelos dil<strong>em</strong>as <strong>da</strong>busca por evidências <strong>da</strong> inocência, até sua obtenção e revelação.Ain<strong>da</strong> <strong>em</strong> 2003, Ruth <strong>de</strong> Farias Coral, <strong>em</strong> sua dissertaçãointitula<strong>da</strong>: Progressão t<strong>em</strong>ática <strong>em</strong> entrevista <strong>de</strong> Anth<strong>on</strong>y Garotinho aBoris Casoy: análise com base na teoria <strong>da</strong> relevância, pôs <strong>em</strong> cena o t<strong>em</strong>a79


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...dos <strong>de</strong>bates políticos, com base <strong>em</strong> uma <strong>da</strong>s entrevistas <strong>da</strong> SériePresi<strong>de</strong>nciáveis <strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Record <strong>de</strong> Televisão <strong>em</strong> 2002. A partir <strong>da</strong>s noções<strong>de</strong> forma lógica, explicatura e implicatura, <strong>da</strong> explicitação do t<strong>em</strong>asubseqüente e <strong>da</strong> função t<strong>em</strong>ática ou r<strong>em</strong>ática dos el<strong>em</strong>entos retomados,Coral estabeleceu doze categorias <strong>de</strong> análise.Os <strong>da</strong>dos ap<strong>on</strong>taram para: uma prevalência <strong>de</strong> progressão com t<strong>em</strong>aexplícito; um equilíbrio entre progressões com base na estrutura lingüística<strong>de</strong> um lado e <strong>de</strong> explicaturas e implicaturas, <strong>de</strong> outro; e um equilíbrio entrea <strong>de</strong>rivação a partir do t<strong>em</strong>a ou do r<strong>em</strong>a <strong>da</strong> cláusula-f<strong>on</strong>te. Além disso, anoção <strong>de</strong> explicatura permitiu <strong>de</strong>screver boa parte <strong>da</strong> progressão implícita,e a noção <strong>de</strong> implicatura foi capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver e aprofun<strong>da</strong>r a categoria <strong>de</strong>salto t<strong>em</strong>ático, proposta por Koch (1997).Em 2007, Fátima Hassan Cal<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a dissertação:Ambiente cognitivo mútuo e suposições factuais mutuamente manifestascomo <strong>de</strong>limitadores <strong>da</strong> fr<strong>on</strong>teira familiar: o caso Mariene Stier <strong>em</strong> Troca<strong>de</strong> Família. O trabalho investigou a proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> dos c<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong> ambientecognitivo mútuo e <strong>de</strong> suposições factuais mutuamente manifestas para a<strong>de</strong>scrição e a explicação <strong>da</strong>s <strong>de</strong>limitações <strong>de</strong> fr<strong>on</strong>teiras familiares. Cal<strong>de</strong>iraobservou as interações comunicativas <strong>de</strong>correntes <strong>da</strong> inserção <strong>de</strong> MarieneStier no c<strong>on</strong>texto <strong>da</strong> família Tomaz, <strong>em</strong> dois episódios do programa Troca<strong>de</strong> Família <strong>da</strong> Re<strong>de</strong> Record <strong>de</strong> Televisão.Segundo Cal<strong>de</strong>ira (2007), a troca <strong>de</strong> mães exige que mãe substitutae família alargu<strong>em</strong> ambientes cognitivos: um investimento cognitivo n<strong>em</strong>s<strong>em</strong>pre compensado por ganhos cognitivos mútuos. Como o aumento <strong>de</strong>custos se justifica somente pelo aumento <strong>de</strong> benefícios cognitivos, essastrocas serão relevantes apenas quando um ambiente <strong>de</strong> cooperação seinstala. Não foi esse o caso <strong>da</strong>s situações tensas que ocorreram no Troca <strong>de</strong>família. Nessas situações, <strong>em</strong>ergiram c<strong>on</strong>flitos <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> falhas ou<strong>de</strong> discordâncias explícitas no mapeamento <strong>da</strong>s suposições factuais.Para Cal<strong>de</strong>ira, <strong>de</strong>ntre as crenças e valores dos Stier, a organização eo papel matriarcal tradici<strong>on</strong>al se impõ<strong>em</strong> <strong>em</strong> aspectos como limpeza,rigi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> horários e refeições como espaço sagrado <strong>de</strong> c<strong>on</strong>vívio. Marienetravou diversas discussões com os Tomaz por não aceitar o <strong>de</strong>sleixo com alimpeza e a organização <strong>da</strong> casa e, particularmente estressante para ela, ofato <strong>de</strong> os Tomaz fazer<strong>em</strong> as refeições individualmente.Esses achados suger<strong>em</strong> que os c<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong> suposições factuaismutuamente manifestas e <strong>de</strong> ambiente cognitivo mútuo são capazes <strong>de</strong><strong>de</strong>limitar as fr<strong>on</strong>teiras familiares, c<strong>on</strong>tribuindo para o estudo <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong>socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.80


Fábio José Rauen4. Relevância e ensinoO projeto Teoria <strong>da</strong> relevância: práticas <strong>de</strong> leitura e produçãotextual <strong>em</strong> c<strong>on</strong>texto escolar, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que avalia a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>scritiva e explanatória <strong>da</strong> teoria, c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra sua aplicação prática naanálise <strong>de</strong> c<strong>on</strong>textos <strong>de</strong> leitura e produção textual <strong>em</strong> ambiente escolar.Os trabalhos vinculados a esse projeto <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a hipóteseoperaci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> que a aplicação dos níveis representaci<strong>on</strong>ais: forma lógica,explicatura e implicatura, permit<strong>em</strong> uma <strong>de</strong>scrição <strong>em</strong>pírica e umaexplicação a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> dos processos ostensivo-inferenciais <strong>em</strong> processos <strong>de</strong>interação comunicativa <strong>em</strong> c<strong>on</strong>textos <strong>de</strong> ensino-aprendizag<strong>em</strong>.4.1 Relevância, leitura e produção textualA dissertação <strong>de</strong> Jaque<strong>line</strong> Marcos Garcia <strong>de</strong> Godói (2004) foi oprimeiro trabalho nessa perspectiva. Nesse estudo, intitulado Influência <strong>de</strong>implicaturas na elaboração <strong>de</strong> resumo s<strong>em</strong> c<strong>on</strong>sulta ao texto <strong>de</strong> base:estudo <strong>de</strong> caso com base na teoria <strong>da</strong> relevância, Godói verificou ainfluência <strong>de</strong> implicaturas na elaboração <strong>de</strong> um resumo informativo s<strong>em</strong>c<strong>on</strong>sulta ao texto <strong>de</strong> base, elaborado por um acadêmico do curso <strong>de</strong>Administração. A autora comparou as suposições <strong>de</strong>riva<strong>da</strong>s <strong>da</strong> estruturalingüística do texto <strong>de</strong> resumo com as suposições <strong>de</strong>riva<strong>da</strong>s <strong>da</strong> estruturalingüística e <strong>da</strong>s implicaturas do texto <strong>de</strong> base.Os <strong>da</strong>dos evi<strong>de</strong>nciaram que, <strong>de</strong>ntre as 34 suposições do texto <strong>de</strong>resumo, 13 foram retoma<strong>da</strong>s <strong>de</strong> suposições <strong>de</strong>riva<strong>da</strong>s <strong>de</strong> explicaturas doinput lingüístico, e 21 <strong>de</strong>rivaram <strong>de</strong> implicaturas. Ou seja, o resumo foiprevalent<strong>em</strong>ente c<strong>on</strong>struído a partir <strong>da</strong> combinação <strong>de</strong> suposições <strong>de</strong>riva<strong>da</strong>sdo input lingüístico com o c<strong>on</strong>hecimento enciclopédico <strong>de</strong> seu autor.A coleta <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos <strong>de</strong> Godói (2004) incluía a produção <strong>de</strong> resumoscom e s<strong>em</strong> c<strong>on</strong>sulta ao texto <strong>de</strong> base. Com base nesse corpus, elaborei umartigo intitulado Inferências <strong>em</strong> resumo com c<strong>on</strong>sulta ao texto <strong>de</strong> base:estudo <strong>de</strong> caso com base na teoria <strong>da</strong> relevância (RAUEN, 2005),comparando a primeira sentença dos dois resumos elaborados por um dosestu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> administração com as três primeiras sentenças do texto <strong>de</strong>base. Os resultados permitiram <strong>de</strong>tectar no segundo resumo evidências <strong>de</strong>el<strong>em</strong>entos do primeiro resumo, do texto <strong>de</strong> base e <strong>de</strong> inferências nãoc<strong>on</strong>t<strong>em</strong>pla<strong>da</strong>s no primeiro resumo.81


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...Para chegar a essa c<strong>on</strong>clusão, elaborei uma metodologia <strong>de</strong> análise<strong>de</strong> produtos textuais com base <strong>em</strong> textos prévios. Para a teoria <strong>da</strong>relevância, o c<strong>on</strong>texto para a compreensão <strong>de</strong> um estímulo ostensivo não éuma variável fixa, mas c<strong>on</strong>struí<strong>da</strong> no processo <strong>de</strong> compreensão. Em ca<strong>da</strong>etapa do processamento, o indivíduo dispõe <strong>de</strong> um c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> c<strong>on</strong>textosacessíveis que lhes são parcialmente or<strong>de</strong>nados.Ca<strong>da</strong> c<strong>on</strong>texto, exceto o inicial, c<strong>on</strong>tém um ou maisc<strong>on</strong>textos menores e ca<strong>da</strong> c<strong>on</strong>texto (exceto os c<strong>on</strong>textosmáximos) está c<strong>on</strong>tido <strong>em</strong> um ou mais c<strong>on</strong>textos maiores.[...] essa relação formal t<strong>em</strong> uma c<strong>on</strong>traparte psicológica: aor<strong>de</strong>m <strong>de</strong> inclusão corresp<strong>on</strong><strong>de</strong> à or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> acessibili<strong>da</strong><strong>de</strong>.(SPERBER; WILSON, 1995, p. 142).No trabalho <strong>de</strong> Godói, o c<strong>on</strong>texto cognitivo do estu<strong>da</strong>nte amplia-see torna-se mais complexo, quando as tarefas se suce<strong>de</strong>m. Godói apresentouo texto <strong>de</strong> base (T) O que é... humil<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> Mr. Max (Max Gehringer), aestu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> Administração. Destinado um período para a leitura (L), eleselaboraram um resumo s<strong>em</strong> c<strong>on</strong>sulta ao texto (R 1 ) e, <strong>de</strong>pois, um resumocom c<strong>on</strong>sulta (R 2 ). Formalizei as tarefas respectivamente como t 1 , t 2 e t 3 e oc<strong>on</strong>texto cognitivo do estu<strong>da</strong>nte <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> tarefa como C.Na leitura (L), primeira tarefa (t 1 ), os enunciados do texto <strong>de</strong> base(T) c<strong>on</strong>stituíram-se como estímulos ostensivos do autor (inputs) para osprocessos <strong>de</strong> compreensão. Eles aci<strong>on</strong>aram suposições no ambientecognitivo (C) do estu<strong>da</strong>nte:ou seja,L = f (Tt 1 Ct 1 ),a compreensão na leitura foi uma função (f) <strong>da</strong> combinaçãodo enunciados do texto <strong>de</strong> base com o ambiente cognitivo doestu<strong>da</strong>nte na tarefa 1.Na segun<strong>da</strong> tarefa (t 2 ), resumo s<strong>em</strong> c<strong>on</strong>sulta ao texto <strong>de</strong> base (R 1 ),os enunciados foram organizados exclusivamente <strong>em</strong> função do c<strong>on</strong>textocognitivo (C) do estu<strong>da</strong>nte. Esse c<strong>on</strong>texto cognitivo ampliado incluiu umc<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> suposições que <strong>em</strong>ergiram somente no <strong>de</strong>correr <strong>da</strong> elaboraçãodo resumo s<strong>em</strong> c<strong>on</strong>sulta (Ct 2 ) e um c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> suposições que <strong>de</strong>correu <strong>da</strong>combinação do texto <strong>de</strong> base e <strong>da</strong>s suposições do c<strong>on</strong>texto cognitivodurante a leitura (Tt 1 Ct 1 ).82


Fábio José RauenVeja-se:R 1 = f C[Ct 2 (Tt 1 Ct 1 )],ou seja,os enunciados do resumo s<strong>em</strong> c<strong>on</strong>sulta (R 1 ) foram umafunção (f) do c<strong>on</strong>texto cognitivo do estu<strong>da</strong>nte que incluiu oc<strong>on</strong>texto cognitivo <strong>em</strong>ergente na tarefa 2 (t 2 ) <strong>em</strong> combinaçãocom o c<strong>on</strong>texto cognitivo <strong>da</strong> tarefa 1 (t 1 ).Na terceira tarefa (t 3 ), o resumo com c<strong>on</strong>sulta (R 2 ) caracterizou-sepela combinação dos enunciados do texto <strong>de</strong> base (T) com o ambientecognitivo do estu<strong>da</strong>nte (C) <strong>em</strong> (t 3 ). Esse ambiente cognitivo c<strong>on</strong>stituiu-sedo c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> suposições <strong>em</strong> (t 3 ) <strong>em</strong> combinação com o c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong>suposições <strong>em</strong> (t 2 ), ou seja, com o c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> suposições fortaleci<strong>da</strong>s,enfraqueci<strong>da</strong>s, c<strong>on</strong>traditas ou inferi<strong>da</strong>s quando <strong>da</strong> elaboração do primeiroresumo s<strong>em</strong> c<strong>on</strong>sulta. Como já foi dito, o c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> suposições <strong>em</strong> (t 2 ) jáfora função <strong>da</strong> m<strong>em</strong>orização <strong>da</strong> intersecção do c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> suposições dosenunciados do texto <strong>de</strong> base (T) <strong>em</strong> (t 1 ) com as suposições estoca<strong>da</strong>s nam<strong>em</strong>ória (C) <strong>em</strong> (t 1 ).Veja-se:R 2 = f Tt 3 C{Ct 3 C[Ct 2 (Tt 1 Ct 1 )]},ou seja,os enunciados do resumo com c<strong>on</strong>sulta foram uma função (f)do c<strong>on</strong>texto cognitivo do estu<strong>da</strong>nte que incluiu o c<strong>on</strong>textocognitivo <strong>em</strong>ergente na tarefa 3 (t 3 ) <strong>em</strong> combinação com osc<strong>on</strong>textos cognitivos <strong>da</strong> tarefa 2 (t 2 ) e <strong>da</strong> tarefa 1 (t 1 ).Assim, o resumo com c<strong>on</strong>sulta (R 2 ) c<strong>on</strong>stituiu-se como funçãopalimpséstica <strong>da</strong>s tarefas anteriores e, por c<strong>on</strong>seqüência, <strong>de</strong>ve ser possível<strong>de</strong>tectar três f<strong>on</strong>tes <strong>de</strong> evidências nos enunciados <strong>de</strong>sse resumo, a saber:83


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...a) evidências <strong>de</strong> Tt 3 – suposições que não foram c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>pla<strong>da</strong>s noresumo s<strong>em</strong> c<strong>on</strong>sulta e que <strong>em</strong>ergiram <strong>em</strong> função <strong>da</strong> releitura dotexto <strong>de</strong> base (suposições do texto <strong>de</strong> base);b) evidências <strong>de</strong> Ct 3 – suposições que não foram c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>pla<strong>da</strong>s noresumo s<strong>em</strong> c<strong>on</strong>sulta e que <strong>em</strong>ergiram <strong>de</strong> inferências <strong>da</strong>combinação dos enunciados do texto <strong>de</strong> base com o ambientecognitivo do estu<strong>da</strong>nte <strong>em</strong> (t 3 ) (inferências <strong>em</strong> R 2 ); ec) evidências <strong>de</strong> Ct 2 (Tt 1 Ct 1 ) – suposições do c<strong>on</strong>texto cognitivo doestu<strong>da</strong>nte <strong>em</strong> (t 2 ), resumo s<strong>em</strong> c<strong>on</strong>sulta, que já fora ampliado pelac<strong>on</strong>textualização dos enunciados do texto <strong>de</strong> base com o c<strong>on</strong>textocognitivo do estu<strong>da</strong>nte <strong>em</strong> (t 1 ), leitura (inferências <strong>em</strong> R 1 ).Ain<strong>da</strong> <strong>em</strong> 2005, a dissertação <strong>de</strong> Maria <strong>de</strong> Fátima Pavei, intitula<strong>da</strong>Influência do título na interpretação <strong>de</strong> charge: estudo <strong>de</strong> caso com basena teoria <strong>da</strong> relevância, analisou a influência do título na interpretação <strong>da</strong>charge “Fome Zero” por <strong>de</strong>z alunos <strong>da</strong> 8ª série do ensino fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong>Escola Básica Municipal Quintino Rizzieri do Município <strong>de</strong> Içara, SC,divididos <strong>em</strong> grupo experimental (presença do título) e <strong>de</strong> c<strong>on</strong>trole.Figura 1 – Charge “Fome Zero”Os resultados ap<strong>on</strong>taram que o título exerceu influência categóricana interpretação. Nenhuma interpretação do grupo <strong>de</strong> c<strong>on</strong>trole referiu-se aoprograma Fome Zero enquanto to<strong>da</strong>s as interpretações referiram-se aoprograma quando o título estava presente.Colateralmente, o estudo <strong>de</strong> Pavei (2005) <strong>de</strong>stacou a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>dos estu<strong>da</strong>ntes <strong>em</strong> explicitar lingüisticamente o c<strong>on</strong>teúdo proposici<strong>on</strong>al dosenunciados. Em função <strong>de</strong>sse cenário, a questão <strong>da</strong> explicitação lingüísticarecebeu atenção especial no grupo <strong>de</strong> estudo. Nesse sentido, duas pesquisas84


85Fábio José Raueninvestigaram formas <strong>de</strong> intervenção docente na produção textual <strong>de</strong>aprendizes: Souza (2006), intitula<strong>da</strong> Graus <strong>de</strong> explicitação <strong>em</strong> reescrita <strong>de</strong>produção textual: análise, com base na teoria <strong>da</strong> relevância, dos efeitos <strong>da</strong>intervenção oral docente; e Bolzan (2008), intitula<strong>da</strong> Influência <strong>da</strong>intervenção escrita do docente <strong>em</strong> textos dissertativo-argumentativosreescritos: análise com base na teoria <strong>da</strong> relevância.Jamille Militão <strong>de</strong> Souza (2006) analisou a influência <strong>de</strong> umaintervenção oral e individual do docente nos graus <strong>de</strong> explicitação <strong>em</strong>reescrita <strong>de</strong> produção textual. Com base na metodologia <strong>de</strong> Rauen (2005), apesquisa revelou que os enunciados <strong>da</strong> reescrita foram mais explícitos doque os do primeiro texto, e que houve marcas <strong>da</strong> influência <strong>da</strong> intervençã<strong>on</strong>esse segundo texto, além <strong>de</strong> marcas dos ambientes cognitivos ativados nasfases anteriores e informações inéditas.Rosane Maria Bolzan (2008), ao observar que a pesquisa <strong>de</strong> Souzapressupôs a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> o docente fazer uma intervenção oral comca<strong>da</strong> aluno <strong>em</strong> turno diferente <strong>da</strong>quele <strong>da</strong>s aulas, argumentou que isso nãoseria viável nas c<strong>on</strong>dições materiais do trabalho docente. Desse modo,sugeriu que estratégias <strong>de</strong> intervenção coletiva, como as que corrig<strong>em</strong> umaprodução no quadro-negro, ou individuais, como as que <strong>de</strong>ixam pistasescritas que permitam aos estu<strong>da</strong>ntes aprimorar<strong>em</strong> a re<strong>da</strong>ção, po<strong>de</strong>riam sermais viáveis. Seu trabalho optou por uma intervenção do segundo tipo.Bolzan analisou a influência do registro escrito <strong>de</strong> questões <strong>de</strong>segun<strong>da</strong> or<strong>de</strong>m (perguntas-QU) pelo docente na explicitação lingüísticados el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong> forma lógico-proposici<strong>on</strong>al dos enunciados <strong>da</strong> reescrita<strong>de</strong> produções textuais dissertativo-argumentativas <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> 1ª fasedo ensino médio do Centro Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Educação Tecnológica <strong>de</strong> SantaCatarina, <strong>em</strong> São José.O ex<strong>em</strong>plo a seguir, ilustra o trabalho <strong>de</strong> Bolzan:Primeira produção textual(1) Nossa língua é b<strong>em</strong> varia<strong>da</strong>, uma região fala <strong>de</strong> um jeitodiferente uma <strong>da</strong> outra, mas qual será o jeito certo <strong>de</strong> falar?Perguntas-QU?(2a) De que língua você fala?(2b) De que regiões você fala?Segun<strong>da</strong> produção textual(3a) Nossa língua, Língua Portuguesa, é b<strong>em</strong> varia<strong>da</strong>.(3b) Uma região fala <strong>de</strong> um jeito diferente uma <strong>da</strong> outra, porex<strong>em</strong>plo o RS t<strong>em</strong> seu sotaque e suas particulari<strong>da</strong><strong>de</strong>sdiferentes do PR que também possue as suas, e assimsucessivamente com todos os estados.


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...O enunciado (1) <strong>da</strong> primeira produção não explicita a que língua ea quais regiões o autor se refere. Bolzan, então, insere duas perguntas-QU(2a-b), sugerindo a explicitação <strong>de</strong>ssas informações. O resultado, <strong>em</strong>itálico, c<strong>on</strong>siste na inserção <strong>de</strong> um aposto após o it<strong>em</strong> lexical ‘língua’, b<strong>em</strong>como to<strong>da</strong> uma explicitação <strong>da</strong>s diferenças <strong>de</strong> fala. Veja-se que o estu<strong>da</strong>nteapresenta a informação <strong>em</strong> dois enunciados (3a-b) e <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> questi<strong>on</strong>arqual seria o ‘jeito certo <strong>de</strong> falar’.Os resultados <strong>de</strong> Bolzan foram similares aos <strong>de</strong> Souza, no que serefere à maior explicitação e à <strong>de</strong>tecção <strong>de</strong> marcas <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as etapas nosenunciados. O estudo i<strong>de</strong>ntificou que os enunciados <strong>da</strong> reescrita formaramescalas focais completas influencia<strong>da</strong>s pelas perguntas-QU do docente.No esteio <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> leitura e <strong>de</strong> reescrita, estão <strong>em</strong>an<strong>da</strong>mento, vários trabalhos <strong>de</strong> iniciação científica e uma dissertação <strong>de</strong>mestrado. 20 Nesse sentido, Eloíse Machado <strong>de</strong> Souza Alano qualificou oprojeto <strong>de</strong> dissertação: Reescrita <strong>de</strong> texto por alunos <strong>da</strong> disciplina <strong>de</strong>leitura e produção textual nas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s presencial e virtual: estudocomparativo com base na teoria <strong>da</strong> relevância. Nessa investigação, Alano(2008) preten<strong>de</strong> comparar efeitos <strong>da</strong> intervenção do docente na reescrita <strong>de</strong>acadêmicos <strong>de</strong> direito nas duas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Em ambos os casos, a pesquisadora acrescentará perguntas-QU porescrito na primeira versão. Na mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> presencial, a pesquisadora estarádisp<strong>on</strong>ível para sanar oralmente as dúvi<strong>da</strong>s dos alunos no momento <strong>da</strong>reescrita; e na mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> virtual, a pesquisadora estará disp<strong>on</strong>ível <strong>on</strong>-<strong>line</strong>.A pesquisa preten<strong>de</strong> verificar como e <strong>em</strong> que medi<strong>da</strong> essas c<strong>on</strong>dições <strong>de</strong>produção interfer<strong>em</strong> na quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> reescrita.Por fim, vale menci<strong>on</strong>ar um trabalho relaci<strong>on</strong>ado à dislexia. Em2007, Berenice <strong>de</strong> Azevedo Rabello <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a dissertação: Estratégias <strong>de</strong>compreensão textual na dislexia: análise com base na teoria <strong>da</strong> relevância.21Nessa pesquisa, Rabello comparou o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho <strong>de</strong> disléxicosf<strong>on</strong>ológicos mo<strong>de</strong>rados na interpretação <strong>de</strong> um <strong>de</strong> um c<strong>on</strong>to infanto-juvenil<strong>de</strong> Mabel C<strong>on</strong><strong>de</strong>marim com o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho <strong>de</strong> leitores <strong>de</strong> mesma i<strong>da</strong><strong>de</strong>cr<strong>on</strong>ológica e <strong>de</strong> leitura, grupos <strong>de</strong> c<strong>on</strong>trole.20 Em nível <strong>de</strong> iniciação científica, <strong>de</strong>stacam-se os trabalhos <strong>de</strong> Silva (PIBIC/CNPq) eFernan<strong>de</strong>s (PUIC/Unisul), sobre reescrita coletiva <strong>de</strong> produções textuais com alunos <strong>da</strong> 1ª e<strong>da</strong> 2ª série do ensino fun<strong>da</strong>mental; e trabalhos sobre processos interaci<strong>on</strong>ais entre alunos,tutores e m<strong>on</strong>itores nas disciplinas Sociologia e Didática I, Oliveira (PUIC/Unisul) e Corrêa(Artigo 170/Unisul).21 Ver também Rauen e Rabello (2008a, b).86


Fábio José RauenOs resultados <strong>de</strong>m<strong>on</strong>straram que os sujeitos dos grupos <strong>de</strong> c<strong>on</strong>trolefun<strong>da</strong>mentaram preferencialmente suas inferências a partir dos inputslingüísticos do texto <strong>de</strong> base e que os sujeitos disléxicos, <strong>em</strong> função dodéficit <strong>de</strong> comp<strong>on</strong>ente f<strong>on</strong>ológico, fun<strong>da</strong>mentaram suas inferências a partirdo c<strong>on</strong>texto e <strong>da</strong>s suposições <strong>de</strong> sua m<strong>em</strong>ória enciclopédica, corroborandoa literatura na área.4.2 Relevância e avaliação escolarNo que diz respeito aos processos <strong>de</strong> interação escolar, um dosp<strong>on</strong>tos que mais se <strong>de</strong>staca é o <strong>da</strong> avaliação <strong>de</strong> trabalhos escolares, entre osquais os <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> interpretação textual. Diante <strong>da</strong> poliss<strong>em</strong>iac<strong>on</strong>stitutiva <strong>da</strong> língua, avaliar textos interpretativos é uma questãoincômo<strong>da</strong>. Duas c<strong>on</strong>dutas <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> diante <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>safio: fixar-se <strong>em</strong> umainterpretação forneci<strong>da</strong> por um gabarito ou julga<strong>da</strong> como correta e medir asinterpretações dos alunos <strong>em</strong> função <strong>da</strong> aproximação ou distanciamento<strong>de</strong>ssa interpretação; ou aceitar to<strong>da</strong> e qualquer interpretação.Em 2005, orientei um Trabalho <strong>de</strong> C<strong>on</strong>clusão <strong>de</strong> Curso, intituladoAvaliação <strong>de</strong> interpretação textual por cinco docentes <strong>de</strong> LínguaPortuguesa: análise com base na Teoria <strong>de</strong> Relevância. Nessa pesquisa,Luana Rabelo <strong>da</strong> Silveira verificou se a s<strong>em</strong>elhança entre a interpretação ea estrutura lingüística do texto <strong>de</strong> base influenciava a atribuição <strong>de</strong> nota,lançando a hipótese <strong>de</strong> que: quanto mais as respostas dos intérpretes sec<strong>on</strong>formass<strong>em</strong> com as entra<strong>da</strong>s lexicais do texto, maior seria a nota.Em primeiro lugar, Silveira (2005) aplicou os c<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong> formalógica, explicatura e implicatura <strong>em</strong> um texto <strong>de</strong> Cecília Meireles, extraídodo livro Seleta <strong>em</strong> prosa e verso. A seguir, ela obteve um c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong>respostas autênticas <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> terceira série do ensino médio paracinco questões caracteriza<strong>da</strong>s pela possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> resp<strong>on</strong>di<strong>da</strong>sinferencialmente. Mais a frente, Silveira seleci<strong>on</strong>ou as respostas que maisse aproximavam <strong>da</strong> estrutura lingüística do texto e as respostas inferenciaismais significativas, para então simular seis alunos verossímeis, três rapazese três moças, diferenciados por uma gra<strong>da</strong>ção c<strong>on</strong>sistente <strong>de</strong> respostaslingüísticas e inferenciais. Por fim, as interpretações foram li<strong>da</strong>s, corrigi<strong>da</strong>se avalia<strong>da</strong>s por cinco professores <strong>de</strong> Língua Portuguesa.Os achados suger<strong>em</strong> não haver tendência para diminuição <strong>da</strong>s notas<strong>em</strong> função do distanciamento do texto. Apesar disso, os docentesc<strong>on</strong>si<strong>de</strong>raram as respostas textuais corretas e dois docentes atribuíram nota87


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...máxima ao estu<strong>da</strong>nte que transcreveu to<strong>da</strong>s as respostas do texto. Emboraos docentes c<strong>on</strong>cor<strong>de</strong>m que a interpretação <strong>de</strong>va ser inferencial e quecópias <strong>de</strong> fragmentos do texto são indícios <strong>de</strong> transcrição e não <strong>de</strong>interpretação, diante <strong>de</strong> respostas inferenciais, houve dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s nacorreção e recorrência ao texto como referência. Além disso, houvecomprometimento <strong>da</strong> nota, diante <strong>de</strong> respostas inusita<strong>da</strong>s ou diferentes<strong>da</strong>quelas autoriza<strong>da</strong>s pelos docentes, sugerindo que somente inferênciasautoriza<strong>da</strong>s pelos docentes são c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s corretas.Na dissertação: Interpretações do po<strong>em</strong>a ‘O barro’, <strong>de</strong> PauloL<strong>em</strong>inski, por docentes do ensino fun<strong>da</strong>mental: análise com base na teoria<strong>da</strong> relevância, Ana Sueli Ribeiro Vandresen (2005) estudou os processos<strong>de</strong> compreensão <strong>de</strong>sse po<strong>em</strong>a por estu<strong>da</strong>ntes do curso <strong>de</strong> capacitação eaperfeiçoamento para professores <strong>de</strong> primeira a quarta séries, oferecidopelas Facul<strong>da</strong><strong>de</strong>s São Ju<strong>da</strong>s Ta<strong>de</strong>u <strong>de</strong> Pinhais, PR, <strong>em</strong> Fartura, SP. 22Veja-se o po<strong>em</strong>a:O barroToma a formaQue você quiserVocê n<strong>em</strong> sabeEstar fazendoO que o barro querVandresen (2005) aplicou a escala focal (cf. Sperber e Wils<strong>on</strong>,1995, seção 2.6.6), gerando quatro critérios objetivos para a avaliação <strong>da</strong>sinterpretações: atribuição a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> ou potencialmente a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> <strong>de</strong>referente ao it<strong>em</strong> lexical ‘barro’; atribuição a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> ou potencialmentea<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> <strong>de</strong> referente ao it<strong>em</strong> lexical ‘você’; recuperação <strong>da</strong> relação <strong>de</strong>oposição entre as duas estrofes do po<strong>em</strong>a; e, recuperação <strong>da</strong> relaçãoparadoxal <strong>da</strong>s duas estrofes do po<strong>em</strong>a.Com base nesses critérios, ela rec<strong>on</strong>struiu a dinâmica dos processosinferenciais realizados para <strong>de</strong>m<strong>on</strong>strar o cálculo <strong>de</strong>dutivo utilizado pelosalunos do curso. Os resultados revelaram haver diversificação <strong>de</strong> referentesao it<strong>em</strong> lexical ‘barro’, sobressaindo-se a interpretação <strong>de</strong> que barro r<strong>em</strong>etea alunos e a c<strong>on</strong>cepção <strong>de</strong> educando como tabula rasa. Dentre as vinteinterpretações que recuperaram a relação adversativa, apenas <strong>on</strong>zeinterpretações recuperaram o paradoxo implícito do po<strong>em</strong>a.22 Veja-se também Rauen e Vandresen (2006, 2007).88


Fábio José RauenSegundo a teoria <strong>da</strong> relevância, já no nível <strong>da</strong> explicatura énecessária certa dose <strong>de</strong> raciocínio inferencial. O trabalho <strong>de</strong> Vandresencorroborou tendência já verifica<strong>da</strong> <strong>em</strong> testes <strong>de</strong> letramento: a interpretaçãoque envolve inferências é sofrível entre escolares (aqui, mais preocupantepor tratar-se <strong>de</strong> docentes do ensino fun<strong>da</strong>mental).Com base nos trabalhos <strong>de</strong> Silveira (2005) e Vandresen (2005),está <strong>em</strong> curso a dissertação <strong>de</strong> Eva Lour<strong>de</strong>s Pires, intitula<strong>da</strong> Justificativas<strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> interpretações do po<strong>em</strong>a O barro, <strong>de</strong> Paulo L<strong>em</strong>inski, pordocentes <strong>de</strong> língua portuguesa: análise com base na teoria <strong>da</strong> relevância.O objetivo <strong>de</strong>ssa pesquisa c<strong>on</strong>siste <strong>em</strong> <strong>de</strong>screver e explicar os processosostensivo-inferenciais <strong>da</strong>s justificativas <strong>da</strong>s notas atribuí<strong>da</strong>s por cincodocentes <strong>de</strong> Língua Portuguesa às interpretações do po<strong>em</strong>a O barro, PauloL<strong>em</strong>inski, a partir dos textos obtidos por Vandresen (2005), tomados comoelaborados por <strong>de</strong>z discentes do terceiro ano ensino médio. O trabalho <strong>de</strong>Pires replica a metodologia <strong>de</strong> Silveira (2005) e toma por <strong>em</strong>préstimo dozeinterpretações seleci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s do trabalho <strong>de</strong> Vandresen (2005).No veio <strong>da</strong> avaliação, mas com enfoque diferente, orientei adissertação: Compreensão <strong>de</strong> texto <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong>scritiva: estudo <strong>de</strong> casoexploratório com base na teoria <strong>da</strong> relevância, <strong>de</strong> Alesandra <strong>da</strong> Cruz. Apartir dos Parâmetros Curriculares Municipais, a re<strong>de</strong> municipal <strong>de</strong> SãoLudgero, SC, passou a exigir uma avaliação <strong>de</strong>scritiva <strong>da</strong> aprendizag<strong>em</strong>.Cruz (2008) verificou a influência <strong>de</strong>ssa avaliação no que uma mãe relatater sido relevante sobre a aprendizag<strong>em</strong> do filho. A análise percorreu: otexto do parecer <strong>de</strong>scritivo; a interação oral entre professora epesquisadora; a interação <strong>da</strong> professora e mãe; e a interação oral final entr<strong>em</strong>ãe e pesquisadora.Segundo Cruz, os <strong>da</strong>dos suger<strong>em</strong> prevalência <strong>de</strong>cisiva <strong>de</strong>suposições <strong>de</strong>riva<strong>da</strong>s <strong>da</strong> versão oral <strong>da</strong> avaliação sobre as suposiçõesregistra<strong>da</strong>s por escrito, acresci<strong>da</strong>s <strong>de</strong> suposições inferi<strong>da</strong>s pela mãe a partir<strong>da</strong> interação ou evoca<strong>da</strong>s por ela a partir <strong>de</strong> sua m<strong>em</strong>ória. Isso sugere que aversão escrita exerce pouca influência para fun<strong>da</strong>mentar a interação.Por ex<strong>em</strong>plo, na avaliação <strong>de</strong>scritiva e na interação com a mãe, aprofessora se esforça para solicitar aju<strong>da</strong> à família para que a aluna nãoreprove na primeira série. Em <strong>da</strong>do momento, há o seguinte diálogo:P – Só que, assim, a senhora já percebeu não estác<strong>on</strong>seguindo acompanhar a turma assim, né. Tô <strong>da</strong>ndo umasativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s diferentes pra ela, né.89


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...M – Porque eu acho assim. Na minha opinião, se ela não t<strong>em</strong>c<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> passar, então, por mim, se ela ficar, repetirmais um ano até vai ser melhor.Aqui, a mãe infere a reprovação e raci<strong>on</strong>aliza que essa reprovaçãofará b<strong>em</strong> para sua filha. Mais adiante, a mãe dirá à pesquisadora:PQ – O que a professora colocou?M – Que seria assim, que no caso <strong>de</strong>la seria necessáriorepetir o ano, né. Porque ela não acompanha a turma ain<strong>da</strong>,mas ela já <strong>de</strong>senvolveu um m<strong>on</strong>te, já.No caso, a c<strong>on</strong>clusão implica<strong>da</strong> <strong>de</strong> que a filha <strong>de</strong>verá ser reprova<strong>da</strong>não provém <strong>da</strong> fala <strong>da</strong> professora, muito menos foi parte <strong>de</strong> sua avaliação<strong>de</strong>scritiva, mas é uma inferência <strong>de</strong> resp<strong>on</strong>sabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> própria mãe.4.3 Relevância, ensino infantil e fun<strong>da</strong>mentalAs pesquisas <strong>em</strong> relevância têm atraído a atenção <strong>de</strong> docentes doensino infantil e <strong>da</strong>s séries iniciais. Clésia <strong>da</strong> Silva Men<strong>de</strong>s Zapelini (2005)comparou a produção <strong>de</strong> texto oral e escrito elaborado com base nainterpretação <strong>de</strong> história <strong>em</strong> quadrinhos. O estudo <strong>de</strong> caso <strong>de</strong> Zapelinianalisou processos <strong>de</strong> explicitação <strong>em</strong> interpretação oral e escrita <strong>da</strong>história <strong>em</strong> quadrinhos “Pega os pratos!”, <strong>de</strong> Maurício <strong>de</strong> Souza. Para isso,Zapelini estudou oito alunos <strong>de</strong> 1ª série do ensino fun<strong>da</strong>mental do CentroEducaci<strong>on</strong>al Alpha I<strong>de</strong>al <strong>de</strong> Braço do Norte, SC.O estudo <strong>de</strong>tectou que as crianças fizeram inferências diferentesnas duas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Dado que a ausência do código numa história <strong>em</strong>quadrinhos torna-a mais vaga, uma mesma história po<strong>de</strong> <strong>de</strong> sercompreendi<strong>da</strong> <strong>de</strong> modos diferentes, mesmo <strong>em</strong> tarefas sucessivas. Nahistória <strong>em</strong> quadrinhos <strong>em</strong> questão, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito malabarismo parapegar os pratos que estavam por cair <strong>em</strong> função <strong>de</strong> um tropeço do garçom,Magali <strong>de</strong>rruba-os tão logo percebe que sua comi<strong>da</strong> estava sendo servi<strong>da</strong> nasua mesa. Esse comportamento é coerente com a fama glut<strong>on</strong>a <strong>da</strong>pers<strong>on</strong>ag<strong>em</strong>. Porém, a percepção dos pratos quebrados não foi vista porvárias crianças, e outras inferências foram relevantes com base nessesinputs, reforçando a tese <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong><strong>de</strong> do c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> relevância.90


91Fábio José RauenSegundo Zapelini, a relevância <strong>de</strong> um olhar baseado no c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong>relevância ilumina a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> inferencial que as crianças possu<strong>em</strong>quando interpretam histórias. N<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre o resultado <strong>da</strong> interpretaçãoequivale ao do adulto. Não equivaler, c<strong>on</strong>tudo, não implica inferiori<strong>da</strong><strong>de</strong>,equívoco ou erro, mas simplesmente diferença compatível com o estágio <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> criança (ZAPELINI, 2005, p. 111).A pesquisa <strong>de</strong> Zapelini ocorreu com alunos alfabetizandos, e atarefa <strong>de</strong>mandou que os alunos elaborass<strong>em</strong> uma interpretação oral e,posteriormente, uma interpretação por escrito <strong>da</strong> história <strong>em</strong> quadrinhos.Evi<strong>de</strong>nte, seu foco estava centrado na tradução <strong>da</strong> história <strong>em</strong> quadrinhos<strong>em</strong> questão do registro oral para o escrito. No que se refere aos resultados,o estudo <strong>de</strong>stacou a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> a criança explicitar o c<strong>on</strong>teúdoproposici<strong>on</strong>al <strong>de</strong> seu pensamento <strong>em</strong> ambos os registros. A obtenção <strong>de</strong>coerência <strong>de</strong> muitas <strong>da</strong>s interpretações só se admitiu <strong>em</strong> função dopreenchimento <strong>de</strong> pr<strong>em</strong>issas implícitas. Entretanto, isso foi especialment<strong>em</strong>arcado quando a criança está interpretando oralmente a história. Ou seja,nesse estudo, mesmo <strong>em</strong> fase <strong>de</strong> alfabetização, foram enc<strong>on</strong>tra<strong>da</strong>s menoslacunas na interpretação escrita, sugerindo que as crianças já estão<strong>de</strong>senvolvendo competências específicas c<strong>on</strong>forme o registro.Qual seria o comportamento <strong>de</strong> alunos do ensino infantil <strong>em</strong> tarefasimilar? Esta é a questão que a dissertação <strong>de</strong> Alba <strong>da</strong> Rosa Vieira preten<strong>de</strong>resp<strong>on</strong><strong>de</strong>r. Obviamente, não se trata <strong>de</strong> comparar registros, a criança nãoestá alfabetiza<strong>da</strong>, mas verificar que competências e habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s crianças <strong>de</strong>três a quatro anos têm quando interpretam uma história <strong>em</strong> quadrinhos.Diante <strong>de</strong>ssa dúvi<strong>da</strong>, Vieira (2008) está <strong>de</strong>senvolvendo um estudo <strong>de</strong> caso,<strong>on</strong><strong>de</strong> o docente fornece um c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> quadrinhos s<strong>em</strong> balões <strong>de</strong> fala paraque as crianças or<strong>de</strong>n<strong>em</strong> e produzam uma narrativa.Em 2004, José Ant<strong>on</strong>io Matiola <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a dissertação: Aulas <strong>de</strong>Filosofia com alunos <strong>de</strong> sétima série do ensino fun<strong>da</strong>mental: análise <strong>de</strong>processos interaci<strong>on</strong>ais com base na teoria <strong>da</strong> relevância. Matiolainvestigou processos ostensivo-inferenciais <strong>em</strong> interações <strong>de</strong> professor ealunos <strong>em</strong> aula <strong>de</strong> Filosofia sobre questões éticas relativas ao aborto. Otrabalho envolveu 30 alunos <strong>de</strong> sétima série do ensino fun<strong>da</strong>mental doColégio Deh<strong>on</strong>, <strong>de</strong> Tubarão, SC, para os quais se apresentou o textoGravi<strong>de</strong>z e aborto <strong>de</strong> Nunes e Silva (2001) para posteriores discussões <strong>em</strong>pequenos grupos e <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> grupo.Matiola (2004) observou que as r<strong>em</strong><strong>em</strong>orações <strong>de</strong> suposições dotexto <strong>de</strong> base foram <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong> intervenção do professor e nuncaocorreram esp<strong>on</strong>taneamente. Houve <strong>de</strong>cisiva influência do docente nas


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...suposições acessa<strong>da</strong>s e nas inferências realiza<strong>da</strong>s pelos alunos. Além disso,as suposições que <strong>em</strong>ergiram <strong>da</strong>s vivências dos alunos e estavam ausentesno texto e nas intervenções do professor foram invariavelmente provoca<strong>da</strong>spela intervenção do professor. O trabalho <strong>de</strong>m<strong>on</strong>strou o papel fun<strong>da</strong>mentaldo docente como <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ador do processo inferencial, quando incentivao aluno a expor, analisar e ouvir a opinião dos colegas.Em 2005, Scheyla Damian Preve dos Santos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u adissertação: Interação jogos instruci<strong>on</strong>ais, docente e estu<strong>da</strong>ntes <strong>em</strong> aulas<strong>de</strong> mat<strong>em</strong>ática sobre números inteiros: análise com base na teoria <strong>da</strong>relevância. Santos investigou processos interaci<strong>on</strong>ais entre docente eestu<strong>da</strong>ntes, tendo por base jogos educativos sobre números inteiros <strong>em</strong>aulas <strong>de</strong> mat<strong>em</strong>ática. A pesquisa trabalhou com quinze alunos <strong>da</strong> sextasérie do ensino fun<strong>da</strong>mental do Colégio Deh<strong>on</strong> <strong>de</strong> Tubarão, SC.Os achados <strong>de</strong>m<strong>on</strong>straram que os jogos viabilizaram utilizaçãoc<strong>on</strong>stante do raciocínio lógico. Segundo Santos (2005), os alunosnegociaram inferencialmente soluções para os probl<strong>em</strong>as, mesmo <strong>em</strong> casos<strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s específicas com as regras <strong>de</strong> sinais. As interações, além <strong>de</strong>privilegiar a aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> mat<strong>em</strong>ática, foram capazes <strong>de</strong> promoveraspectos éticos e, nesse sentido, o comportamento docente não se limitou aaspectos técnicos. O estudo evi<strong>de</strong>nciou, sobretudo, o papel central <strong>da</strong>interação na aprendizag<strong>em</strong> humana.5. C<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rações finaisNesse capítulo, procurei <strong>de</strong>m<strong>on</strong>strar o que venho <strong>de</strong>senvolvendo<strong>em</strong> pesquisas relaci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s à cognição, à interação e ao ensino com base nateoria <strong>da</strong> relevância. Nesses trabalhos, os c<strong>on</strong>ceitos teóricos e osprocedimentos analíticos <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> relevância têm sido c<strong>on</strong>sistent<strong>em</strong>entecorroborados <strong>em</strong> mais <strong>de</strong> trinta trabalhos acadêmicos publicados.De or<strong>de</strong>m mais específica, três <strong>de</strong>senvolvimentos teórico-analíticosmerec<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>stacados nessa trajetória. Em processos <strong>de</strong> reescrita eavaliação <strong>de</strong> textos, vale <strong>de</strong>stacar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma metodologiaexplícita <strong>de</strong> formalização <strong>de</strong> processos ostensivo-inferenciais <strong>em</strong>palimpsestos (RAUEN, 2005). Essa metodologia, que v<strong>em</strong> sendosist<strong>em</strong>aticamente testa<strong>da</strong> nas pesquisas do <strong>Programa</strong>, visa <strong>de</strong>screver, combase no aparato teórico guiado por relações <strong>de</strong> relevância, como ca<strong>da</strong> etapado processo <strong>de</strong> leitura produção textual <strong>de</strong>ixa marcas nos produtos textuaisanalisados.92


Fábio José RauenDe or<strong>de</strong>m teórica, vale também <strong>de</strong>stacar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>duas variáveis mo<strong>de</strong>radoras <strong>da</strong> correlação custo benefício pressuposta noprincípio cognitivo <strong>de</strong> relevância (RAUEN, 2008a, b). No que se refere àvariável <strong>de</strong> exaustão, <strong>de</strong>fendi a tese <strong>de</strong> que <strong>em</strong> igual<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> c<strong>on</strong>dições,estando mais exaurido o organismo, o dispêndio <strong>de</strong> energia para compensaro efeito cognitivo <strong>de</strong>verá ser maior, minimizando a eficiência cognitiva ourelevância <strong>de</strong> um fenômeno até um ótimo <strong>de</strong> Pareto, para além do qual oestímulo <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser relevante. No que tange à variável <strong>de</strong> saturação,argumentei que a reiteração <strong>de</strong> estímulos é relevante ao indivíduo até umótimo <strong>de</strong> Pareto, para além do qual esse estímulo torna-se saturado e falha<strong>em</strong> sensibilizar o organismo: os efeitos cognitivos não compensam osesforços <strong>de</strong> fortalecimento mediante reiteração.Por fim, minhas primeiras incursões na interface com os estudos <strong>de</strong>gêneros textuais suger<strong>em</strong> <strong>de</strong>stacar que a teoria <strong>da</strong> relevância po<strong>de</strong> serprodutivamente utiliza<strong>da</strong> no domínio <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> gêneros. Seguindo Blass(1990), <strong>de</strong>fendo a tese <strong>de</strong> que os textos são pistas para o processo <strong>de</strong>compreensão. Eles fornec<strong>em</strong> parte dos <strong>da</strong>dos lógico-c<strong>on</strong>ceituais para a faseinferencial <strong>da</strong> interpretação, que é guia<strong>da</strong> essencialmente por relações <strong>de</strong>relevância. Noutras palavras, as estruturas genéricas <strong>de</strong>corr<strong>em</strong> <strong>de</strong> algo maisessencial: as relações <strong>de</strong> relevância. Investigar essa hipótese é um <strong>de</strong>safio aser perseguido nos anos vindouros.Em síntese, se as pesquisas produzi<strong>da</strong>s e <strong>em</strong> an<strong>da</strong>mento na Unisultêm corroborado sist<strong>em</strong>aticamente a pertinência <strong>da</strong> teoria para o tratamento<strong>da</strong> interação comunicaci<strong>on</strong>al, por um lado; por outro, seguramente, hámuito ain<strong>da</strong> o que fazer nesse campo <strong>de</strong> investigação, <strong>de</strong>ixando entreverque a relevância <strong>da</strong> pesquisa <strong>em</strong> relevância está muito l<strong>on</strong>ge <strong>de</strong> se esgotar.ReferênciasALANO, E. M. <strong>de</strong> S. Reescrita <strong>de</strong> texto por alunos <strong>da</strong> disciplina <strong>de</strong> leitura eprodução textual nas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s presencial e virtual: estudo comparativo combase na teoria <strong>da</strong> relevância. 53 f. Projeto <strong>de</strong> Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong>)–Curso <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2008.BLASS, R. Relevance relati<strong>on</strong>s in discourse: a study with special reference toSissala. Cambridge: Cambridge U. P., 1990.BOLZAN, R. M. Influência <strong>da</strong> intervenção escrita do docente <strong>em</strong> textosdissertativo-argumentativos reescritos: análise com base na teoria <strong>da</strong> relevância,2008. 136 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Curso <strong>de</strong> Pósgraduação<strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2008.93


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>...CALDEIRA, F. H. Ambiente cognitivo mútuo e suposições factuais mutuament<strong>em</strong>anifestas como <strong>de</strong>limitadores <strong>da</strong> fr<strong>on</strong>teira familiar: o caso Mariene Stier <strong>em</strong>Troca <strong>de</strong> família, 2007. 176 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2007CARSTON, R. Implicature, explicature, and truth-theoretic s<strong>em</strong>antics. In:KEMPSON, R. (Ed.). Mental representati<strong>on</strong>s: the interface between language andreality. Cambridge: Cambrige University, 1988, p. 155-181.CORAL, R. F. Progressão t<strong>em</strong>ática <strong>em</strong> entrevista <strong>de</strong> Anth<strong>on</strong>y Garotinho a BorisCasoy: análise com base na teoria <strong>da</strong> relevância, 2003. 104f. Dissertação (Mestrado<strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2003.CORREA, C. Análise <strong>de</strong> processos interaci<strong>on</strong>ais no Espaço Virtual <strong>de</strong>Aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul: estudo <strong>de</strong> caso com a oferta 2008/1 <strong>da</strong> disciplinaDidática I a partir <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> relevância, 2008. 5f. Projeto <strong>de</strong> Iniciação Científica(Artigo 170).COSTA, J. C. <strong>da</strong>. A teoria <strong>da</strong> relevância e as irrelevâncias <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana.Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso (Tubarão), v. 5, n. esp., p. 161-169, 2005._____; RAUEN, F. J. (Orgs.). Tópicos <strong>em</strong> teoria <strong>da</strong> relevância [Topics <strong>on</strong>relevance theory]. Porto Alegre: Edipucrs, 2008 [no prelo].CRUZ, A. <strong>da</strong>. compreensão <strong>de</strong> texto <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong>scritiva: estudo <strong>de</strong> casoexploratório com base na teoria <strong>da</strong> relevância, 2008. 95 f. Dissertação (Mestrado<strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Curso <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>,UNISUL, 2007.FERNANDES, Bruna Nunes. Análise, com base na Teoria <strong>da</strong> Relevância, <strong>de</strong>processos interaci<strong>on</strong>ais <strong>em</strong> reescrita <strong>de</strong> produções textuais <strong>de</strong> alunos <strong>da</strong> 2ª série(3º ano) do ensino fun<strong>da</strong>mental. 5f. Projeto <strong>de</strong> Iniciação Científica (PUIC/Unisul).FODOR, J. The modularity of mind. Cambridge, USA: MIT, 1983.GODÓI, J. M. G. Influência <strong>de</strong> implicaturas na elaboração <strong>de</strong> resumo s<strong>em</strong>c<strong>on</strong>sulta ao texto <strong>de</strong> base: estudo <strong>de</strong> caso com base na teoria <strong>da</strong> relevância, 2004.129 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Curso <strong>de</strong> Pós-graduação<strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2004.GRICE, H. P. Lógica e c<strong>on</strong>versação. In: DASCAL, Marcelo (Org.). Fun<strong>da</strong>mentosmetodológicos <strong>da</strong> lingüística. V. 4 Pragmática. Campinas: Unicamp, 1982 [©1975], p. 81-104.KEMPSON, R. (Ed.). Mental representati<strong>on</strong>s: the interface between language andreality. Cambridge: Cambrige University, 1988, p. 155-181.KOCH, I. G. V. A coesão textual. São Paulo: C<strong>on</strong>texto, 1997.MATIOLLA, J. A. Aulas <strong>de</strong> Filosofia com alunos <strong>de</strong> sétima série do EnsinoFun<strong>da</strong>mental: análise <strong>de</strong> processos interaci<strong>on</strong>ais com base na teoria <strong>da</strong> relevância,94


95Fábio José Rauen2004. 111 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pósgraduação<strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2004.NUNES, C.; SILVA, E. Sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>(s) Adolescente(s). Florianópolis, SC: Sophos,2001 (Coleção Educador para Educador).OLIVEIRA, L. A. <strong>de</strong>. Análise <strong>de</strong> processos interaci<strong>on</strong>ais no Espaço Virtual <strong>de</strong>Aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul: estudo <strong>de</strong> caso com a oferta 2008/1 <strong>da</strong> disciplinaSociologia a partir <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> relevância. 5f. Projeto <strong>de</strong> Iniciação Científica(PUIC/Unisul).PAVEI, M. F. S. Influência do título na interpretação <strong>de</strong> charge: estudo <strong>de</strong> casocom base na teoria <strong>da</strong> relevância, 2005. 117 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências<strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL,2005.PIRES, E. L. Justificativas <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> interpretações do po<strong>em</strong>a O barro, <strong>de</strong>Paulo L<strong>em</strong>inski, por docentes <strong>de</strong> língua portuguesa: análise com base na teoria <strong>da</strong>relevância. 55 f. Projeto <strong>de</strong> Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2007.RABELLO, B. A. Estratégias <strong>de</strong> compreensão textual na dislexia: análise combase na teoria <strong>da</strong> relevância, 2007. 106 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong>)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL,2007.RAUEN, F. J. On relevance and irrelevances. In: COSTA, J. C. <strong>da</strong>; _____ (Orgs.).Tópicos <strong>em</strong> teoria <strong>da</strong> relevância [Topics <strong>on</strong> relevance theory]. Porto Alegre:Edipucrs, 2008a [no prelo]._____. Sobre relevâncias e irrelevâncias. In: _____; _____ (Orgs.). Tópicos <strong>em</strong>teoria <strong>da</strong> relevância [Topics <strong>on</strong> relevance theory]. Porto Alegre: Edipucrs, 2008b[no prelo]._____. Relevance and genre: theoretical and c<strong>on</strong>ceptual interfaces In:BAZERMAN, C.; BONINI, A.; FIGUEIREDO, D. C. Genre in a changing world.Bost<strong>on</strong>: WAC Clearinghouse, 2008c [No prelo]._____. Inferências <strong>em</strong> resumo com c<strong>on</strong>sulta ao texto <strong>de</strong> base: estudo <strong>de</strong> caso combase na teoria <strong>da</strong> relevância. Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso (Tubarão), v. 5, n. esp., p.33-57, 2005._____; RABELLO, B. A. Estratégias <strong>de</strong> relevância <strong>em</strong> compreensão textual:estudo <strong>de</strong> caso com leitor disléxico f<strong>on</strong>ológico mo<strong>de</strong>rado. Revista Signo (UNISC),2008a (prelo)._____; _____. Relevância e compreensão textual: estudo <strong>de</strong> caso com leitoresdisléxicos f<strong>on</strong>ológicos mo<strong>de</strong>rados e grupos <strong>de</strong> c<strong>on</strong>trole <strong>de</strong> mesma faixa etária e <strong>de</strong>mesmo nível <strong>de</strong> leitura. Revista Virtual <strong>de</strong> Estudos <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> – ReVEL, v. 6, n.11, ago. 2008b._____; SILVEIRA. J. R. C. <strong>da</strong> (Orgs.). Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso (Tubarão), v. 5,n. esp., 2005 [Número especial sobre teoria <strong>da</strong> relevância].


Teoria <strong>da</strong> relevância e ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>..._____; VANDRESEN, A. S. R. Aplicação <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> relevância <strong>em</strong>interpretações do po<strong>em</strong>a O barro, <strong>de</strong> Paulo L<strong>em</strong>inski, por docentes do ensinofun<strong>da</strong>mental. Diadorim (Rio <strong>de</strong> Janeiro), v. 2, p. 131-150, 2007._____; _____. Análise do po<strong>em</strong>a O barro, <strong>de</strong> Paulo L<strong>em</strong>inski, com base na escalafocal <strong>de</strong> Sperber e Wils<strong>on</strong>. Revista Trama (Cascavel), v. 2, p. 73-86, 2006SANTOS, S. D. P. Interação jogos instruci<strong>on</strong>ais, docente e estu<strong>da</strong>ntes <strong>em</strong> aulas <strong>de</strong>mat<strong>em</strong>ática sobre números inteiros: análise com base na teoria <strong>da</strong> relevância,2005. 87 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pósgraduação<strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2005.SILVA, C. M. <strong>da</strong>. Processos ostensivo-inferenciais do filme Neve sobre os cedros<strong>de</strong> Scott Hicks, 2003. 117 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2003.SILVA, M. C. <strong>da</strong>. Processos interaci<strong>on</strong>ais <strong>em</strong> reescrita coletiva <strong>de</strong> produçõestextuais <strong>de</strong> alunos <strong>da</strong> 1ª série (2º ano) do ensino fun<strong>da</strong>mental: análise com base nateoria <strong>da</strong> relevância, 2008. 5 f. Projeto <strong>de</strong> Iniciação Científica (PIBIC/CNPq).SILVEIRA, L. R. <strong>da</strong>. Avaliação <strong>de</strong> interpretação textual por cinco docentes <strong>de</strong>Língua Portuguesa: análise com base na Teoria <strong>de</strong> Relevância, 2005. 88 f.Trabalho <strong>de</strong> C<strong>on</strong>clusão <strong>de</strong> Curso, Graduação <strong>em</strong> Letras, UNISUL, 2005._____; FELTES, H. P. <strong>de</strong> M. Pragmática e cognição: a textuali<strong>da</strong><strong>de</strong> pelarelevância e outros ensaios. 2. ed. Porto Alegre: Edipucrs, 1999.SIMONI, R. M. S. Uma caracterização do gênero carta-c<strong>on</strong>sulta nos jornais OGlobo e Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 2004. 119 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong>)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL,2004.SOUZA, J. M. <strong>de</strong>. Graus <strong>de</strong> explicitação <strong>em</strong> reescrita <strong>de</strong> produção textual: análisecom base na teoria <strong>da</strong> relevância, dos efeitos <strong>da</strong> intervenção oral docente, 2006.133 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–Curso <strong>de</strong> Pós-graduação<strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2006.SPERBER, D.; WILSON, D. Relevance: communicati<strong>on</strong> & cogniti<strong>on</strong>. 2 nd ed.Oxford: Blackwell, 1995 [1 st ed.1986]._____; _____. Posfácio <strong>da</strong> edição <strong>de</strong> 1995 <strong>de</strong> “Relevância: comunicação &cognição”. Trad. <strong>de</strong> F. J. Rauen e J. R. C. <strong>da</strong> Silveira. Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso(Tubarão), v. 5, n. esp., p. 171-220, 2005VANDRESEN, A. S. R. Interpretações do po<strong>em</strong>a ‘O barro’, <strong>de</strong> Paulo L<strong>em</strong>inski,por docentes do Ensino Fun<strong>da</strong>mental: análise com base na teoria <strong>da</strong> relevância,2005. 120 f. Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pósgraduação<strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2005.VIEIRA, A. <strong>da</strong> R. Relatos orais <strong>de</strong> crianças <strong>de</strong> três a quatro anos produzidos apartir <strong>da</strong> or<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> gravuras <strong>de</strong> uma história <strong>em</strong> quadrinhos s<strong>em</strong> balões <strong>de</strong>fala: análise com base na teoria <strong>da</strong> relevância. 56 f. Projeto <strong>de</strong> Dissertação96


Fábio José Rauen(Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências<strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2008.WILSON, D.; SPERBER, D. Teoria <strong>da</strong> relevância. Trad. <strong>de</strong> F. J. Rauen e J. R. C.<strong>da</strong> Silveira. Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso (Tubarão), v. 5, n. esp., p. 221-268, 2005.ZAPELINI, C. S. M. Produção <strong>de</strong> texto oral e escrito a partir <strong>da</strong> interpretação <strong>de</strong>história <strong>em</strong> quadrinhos: análise com base na teoria <strong>da</strong> relevância, 2005. 114 f.Dissertação (Mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>)–<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação<strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, UNISUL, 2005.97


ENSINO DE LÍNGUA:ALFABETIZAÇÃO COM E PARA O LETRAMENTOMariléia Reis1. IntroduçãoNeste capítulo, propõe-se uma síntese reflexiva <strong>da</strong>s propostas <strong>de</strong>pesquisa que se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> no projeto Letramento, ensino e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,do PPGCL <strong>da</strong> UNISUL, firma<strong>da</strong>s no estudo e ensino <strong>de</strong> língua (incluindo aaprendizag<strong>em</strong> inicial <strong>da</strong> leitura), a partir <strong>de</strong> seus aspectos funci<strong>on</strong>ais,cognitivos e sociais. Abor<strong>da</strong>-se a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> elaboração <strong>de</strong> materialdidático voltado para a alfabetização com e para o letramento, com base <strong>em</strong>pesquisas e <strong>de</strong>scobertas <strong>da</strong>s neurociências c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneas.Trata-se <strong>de</strong> pesquisas realiza<strong>da</strong>s no c<strong>on</strong>texto do Grupo <strong>de</strong> análisedo discurso: pesquisa e ensino – GADIPE, grupo <strong>de</strong> estudo articulado porduas linhas <strong>de</strong> pesquisa: Análise discursiva <strong>de</strong> processos s<strong>em</strong>ânticos eTextuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e práticas discursivas, sendo esta última a que subsidiateórico e metodologicamente o referido projeto. 23Descrev<strong>em</strong>-se, nesse trabalho, as articulações teoricamenterelevantes e operaci<strong>on</strong>almente propícias à formação docente para aalfabetização com e para o letramento, com base nos princípios do sist<strong>em</strong>aalfabético do Português do Brasil – PB, c<strong>on</strong>forme Le<strong>on</strong>or Scliar-Cabral, etambém com base nos pressupostos teórico-metodológicos dos trabalhos <strong>de</strong>Paulo Freire e Mag<strong>da</strong> Soares.Acredita-se que a formação do alfabetizador <strong>de</strong>ve c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>plar: a) aaprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> leitura estendi<strong>da</strong> a todos os anos/séries inicias (e nãosomente ao primeiro ano); b) a aprendizag<strong>em</strong> e compreensão dos princípiosdo sist<strong>em</strong>a alfabético do PB, e c) o c<strong>on</strong>hecimento dos avanços <strong>da</strong>spesquisas <strong>da</strong>s neurociências no que diz respeito ao mapeamento <strong>da</strong> ativaçãodos circuitos cerebrais, no momento <strong>da</strong> leitura. Tais fatores, quandocompreendidos e b<strong>em</strong> trabalhados pelos alfabetizadores, po<strong>de</strong>rão<strong>de</strong>terminar o sucesso na aprendizag<strong>em</strong> inicial <strong>da</strong> leitura e escrita <strong>de</strong> seusalunos, prevenindo, especificamente, o analfabetismo funci<strong>on</strong>al no Brasil.23 Sobre histórico, objetivos e propostas do GADIPE, veja-se o capítulo <strong>de</strong> Maria MartaFurlanetto e Sandro Braga na presente coletânea.


Ensino <strong>de</strong> língua: alfabetização com e para o letramento2. Aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> leitura: o avanço <strong>da</strong>s neurociênciasC<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> espécie humana, t<strong>em</strong>-se aescrita como muito recente: cerca <strong>de</strong> cinco mil anos, apenas. E aaprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> leitura? Mais recente ain<strong>da</strong>: só no final do século XIX,por ex<strong>em</strong>plo, é estendi<strong>da</strong> a alfabetização a gran<strong>de</strong>s grupos, num só períodoe <strong>em</strong> ambiente coletivo <strong>de</strong> aprendizag<strong>em</strong>, inclusive à gran<strong>de</strong> massa <strong>da</strong>população oriun<strong>da</strong> <strong>da</strong>s classes menos favoreci<strong>da</strong>s. Então, só há b<strong>em</strong> poucot<strong>em</strong>po, passado um pouco mais <strong>de</strong> c<strong>em</strong> anos, a aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> leitura <strong>em</strong>instituições escolares passou a c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>plar as crianças (e adultosinteressados) <strong>de</strong> ambos os sexos, classe social e etnias diversifica<strong>da</strong>s. E,mais recente ain<strong>da</strong>, é que se passou a ter uma c<strong>on</strong>tribuição mais efetiva <strong>da</strong>sneurociências na orientação para a formação do alfabetizador,especificamente <strong>em</strong> relação à <strong>de</strong>scrição <strong>da</strong>s <strong>de</strong>scobertas sobre a trajetóriados circuitos dos neurônios <strong>da</strong> leitura, obti<strong>da</strong>s por meio <strong>de</strong> neuroimagens,no início do século XXI: na sua maioria, <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> ress<strong>on</strong>ânciamagnética, eletroencefalografia e magnetoencefalografia.Tais avanços muito têm esclarecido no que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> c<strong>on</strong>sistir asnovas metodologias <strong>de</strong> alfabetização, nas quais entraria a importância <strong>de</strong> setrabalhar a c<strong>on</strong>sciência f<strong>on</strong>ológica na fase inicial e durante a aprendizag<strong>em</strong><strong>da</strong> leitura. 24 Abor<strong>da</strong>-se o trabalho <strong>da</strong> c<strong>on</strong>sciência f<strong>on</strong>ológica a partir <strong>da</strong><strong>de</strong>codificação <strong>de</strong> palavras inseri<strong>da</strong>s <strong>em</strong> c<strong>on</strong>texto lingüístico maior, ou seja,inseri<strong>da</strong>s <strong>em</strong> textos <strong>da</strong> prática social <strong>de</strong> leitura e escrita do aprendiz, o quejustificaria a aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> alfabetização com e para o letramento.Nos estudos <strong>de</strong> Dehaene (2007), do centro Neurospin, <strong>de</strong> Paris, foi<strong>de</strong>scoberto que o cérebro junta as regiões <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> e <strong>da</strong> visão paraproporci<strong>on</strong>ar a leitura. Em seus experimentos, a partir <strong>de</strong> estímulos visuais(textos verbais e não-verbais), foram submetidos dois grupos <strong>de</strong> pessoasexamina<strong>da</strong>s pela máquina <strong>de</strong> ress<strong>on</strong>ância magnética: um grupo <strong>de</strong>alfabetizados, e o outro, <strong>de</strong> não-alfabetizados, e que levaram Dehaene a nãohesitar <strong>em</strong> informar que é o lado esquerdo do cérebro que ativamos quandol<strong>em</strong>os, precisamente atrás <strong>da</strong> orelha, na região occipito-t<strong>em</strong>poral-ventral-24 C<strong>on</strong>sciência f<strong>on</strong>ológica: c<strong>on</strong>cebe-se como a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> do indivíduo <strong>em</strong> articular(<strong>de</strong>smanchar) a palavra <strong>em</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s menores, c<strong>on</strong>sciente <strong>de</strong> que, na troca <strong>de</strong> um f<strong>on</strong><strong>em</strong>a(materializado na fala por um som) haverá distinção <strong>de</strong> significado, ou seja: c<strong>on</strong>sciênciaf<strong>on</strong>ológica compreen<strong>de</strong> a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se rec<strong>on</strong>hecer<strong>em</strong> os f<strong>on</strong><strong>em</strong>as c<strong>on</strong>stituintes <strong>de</strong> ca<strong>da</strong>pe<strong>da</strong>dinho (sílaba) <strong>de</strong> uma <strong>da</strong><strong>da</strong> palavra.100


Mariléia Reisesquer<strong>da</strong>. 25 Seria, então, essa a região que mu<strong>da</strong> no momento <strong>da</strong> leitura: aspessoas alfabetiza<strong>da</strong>s, ao ler<strong>em</strong>, ativam esse circuito; as não-alfabetiza<strong>da</strong>s,ao ser<strong>em</strong> expostas a letras, não ativam esse circuito. 26Se hoje, com o avanço <strong>da</strong>s neurociências, c<strong>on</strong>cebe-se a leituracomo ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> complexa e crescente<strong>de</strong> interc<strong>on</strong>exões entre vias visuais que rec<strong>on</strong>hec<strong>em</strong> as letras, <strong>de</strong> viasauditivas e motoras <strong>da</strong> palavra oral, e <strong>de</strong> vias que processam o sentido,c<strong>on</strong>cebe-se também que tais traços <strong>da</strong> topologia neur<strong>on</strong>ial po<strong>de</strong>m nosinstruir (e muito) sobre a forma <strong>de</strong> como a criança vai apren<strong>de</strong>r (<strong>de</strong>codificare codificar) o sist<strong>em</strong>a escrito: uma <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s c<strong>on</strong>tribuições <strong>de</strong>stas<strong>de</strong>scobertas é, por ex<strong>em</strong>plo, a <strong>de</strong> que, na alfabetização, <strong>de</strong>ve-se partir,então, do nível f<strong>on</strong>ológico para o grafêmico, ou seja, <strong>da</strong> <strong>de</strong>codificação(leitura) para a codificação (escrita), uma vez que a recepção <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>é anterior à sua produção. Em outras palavras: o processo <strong>de</strong> leitura se dámediante as interc<strong>on</strong>exões <strong>da</strong>s vias visuais, auditivas e motoras <strong>da</strong> palavraoral (recepção). Logo, uma criança que não sabe ler não apren<strong>de</strong>, portanto,a escrever, e n<strong>em</strong> a <strong>de</strong>senvolver sua competência discursiva <strong>de</strong>corrente <strong>da</strong>spráticas sociais <strong>da</strong> leitura e escrita. 27 Segundo Scliar-Cabral (2008), aescrita até po<strong>de</strong> ser trabalha<strong>da</strong> durante a leitura, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que àquela não sejaatribuí<strong>da</strong> importância maior: mas jamais a aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> escrita <strong>de</strong>ve serabor<strong>da</strong><strong>da</strong> anteriormente à aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> leitura.Vale l<strong>em</strong>brar que, ao ser enfatiza<strong>da</strong> a importância <strong>de</strong> se buscar<strong>em</strong>os avanços <strong>da</strong>s neurociências para a melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino eaprendizag<strong>em</strong> inicial <strong>da</strong> leitura, relevam-se também as razões <strong>de</strong> se ensinare apren<strong>de</strong>r a língua por meio <strong>de</strong> textos, <strong>de</strong>correntes <strong>da</strong> própria c<strong>on</strong>ceituação<strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>, <strong>de</strong> língua e <strong>de</strong> texto: este último, a realização <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> e<strong>da</strong> língua, resp<strong>on</strong>sável pela interação, tal como orientam os ParâmetrosCurriculares Naci<strong>on</strong>ais. Então, o processo <strong>de</strong> aprendizag<strong>em</strong> inicial <strong>da</strong>leitura po<strong>de</strong> <strong>de</strong>correr <strong>da</strong> análise e rec<strong>on</strong>hecimento <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s menores notexto, como letras/f<strong>on</strong><strong>em</strong>as, sílabas e palavras, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que estas estejaminseri<strong>da</strong>s num c<strong>on</strong>texto lingüístico maior, para que não se c<strong>on</strong>stituamestratos <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>textualizados e vazios <strong>de</strong> significados.25 C<strong>on</strong>forme Anexo: Mo<strong>de</strong>lo neurológico <strong>da</strong> leitura x visão mo<strong>de</strong>rna <strong>da</strong>s re<strong>de</strong>s corticais <strong>da</strong>leitura (DEHAENE, 2007).26 Outra importante <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong>corrente dos experimentos <strong>de</strong> Dehaene (2007) trata-se dodiagnóstico <strong>da</strong> dislexia e no tratamento <strong>de</strong> pessoas que sofreram traumatismo craniano.27 Atenção: a criança até po<strong>de</strong>rá apren<strong>de</strong>r a copiar, diferent<strong>em</strong>ente do que se enten<strong>de</strong> porescrever.101


Ensino <strong>de</strong> língua: alfabetização com e para o letramentoSó para citar um <strong>de</strong>sdobramento negativo <strong>de</strong> má c<strong>on</strong>dução <strong>da</strong>aprendizag<strong>em</strong> inicial <strong>da</strong> leitura, <strong>de</strong>ntre tantos outros: hoje, ain<strong>da</strong> é muitocomum na escola pública brasileira <strong>de</strong>fr<strong>on</strong>tarmo-nos com um númeroexcessivamente gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> crianças que chegam, por ex<strong>em</strong>plo, à fase finaldos anos/séries iniciais s<strong>em</strong>, no entanto, c<strong>on</strong>seguir<strong>em</strong> efetivamente lertextos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente do gênero textual/discursivo <strong>em</strong> que estejaminseridos. Daí a questão: como estas crianças <strong>de</strong> 4º ano, por ex<strong>em</strong>plo, queain<strong>da</strong> não sab<strong>em</strong> ler, po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>senvolver sua competência discursiva, suacapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e produzir textos, <strong>em</strong> particular, os <strong>de</strong> amplacirculação na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, tal como propõ<strong>em</strong> os Parâmetros CurricularesNaci<strong>on</strong>ais? Veja-se abaixo:A importância e o valor dos usos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> são<strong>de</strong>terminados historicamente segundo as <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s sociais<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> momento. Atualmente, exig<strong>em</strong>-se níveis <strong>de</strong> leitura e<strong>de</strong> escola e <strong>de</strong> escrita diferentes dos que satisfizeram as<strong>de</strong>man<strong>da</strong>s sociais até há b<strong>em</strong> pouco t<strong>em</strong>po – e tudo indicaque essa exigência ten<strong>de</strong> a ser crescente. A necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>aten<strong>de</strong>r a essa <strong>de</strong>man<strong>da</strong> obriga à revisão substantiva dosmétodos <strong>de</strong> ensino e à c<strong>on</strong>stituição <strong>de</strong> práticas quepossibilit<strong>em</strong> ao aluno ampliar sua competência discursiva nainterlocução. (BRASIL, 1998, p. 23).E, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> todo o processo <strong>de</strong>formado na aprendizag<strong>em</strong>inicial <strong>da</strong> leitura, realçam-se os probl<strong>em</strong>as que se vinculam ao mau<strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho <strong>de</strong> nossos alunos no que se refere a questões <strong>de</strong> leitura,compreensão e, c<strong>on</strong>seqüent<strong>em</strong>ente, <strong>de</strong> produção textual nas nossas escolas,nos mais diversos gêneros textuais/discursivos. Fato é que, mesmo <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> <strong>de</strong>corridos cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>em</strong> que os Parâmetros CurricularesNaci<strong>on</strong>ais formalizaram a orientação pe<strong>da</strong>gógica <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> língua noc<strong>on</strong>texto escolar a partir <strong>da</strong> multimo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>, ou seja, a partir <strong>da</strong> inserção<strong>da</strong> plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> gêneros textuais/discursivos <strong>da</strong> prática social <strong>de</strong> leitura eescrita <strong>de</strong> nossos alunos, ain<strong>da</strong> assim, estes apresentam dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> ler,compreen<strong>de</strong>r e produzir textos, o que implica no aumento do índice <strong>de</strong>analfabetismo funci<strong>on</strong>al no Brasil. 28 Na visão do nosso grupo <strong>de</strong> estudo,com certeza, estes maus resultados têm relação direta com a máalfabetização dos estu<strong>da</strong>ntes, soma<strong>da</strong> a centenas <strong>de</strong> muitos outros fatores. E28 Vale l<strong>em</strong>brar a citação <strong>de</strong> outros documentos nesta direção, como os <strong>da</strong> PropostaCurricular <strong>de</strong> Santa Catarina (1998; 2005), documentos que subsidias teórico <strong>em</strong>etodologicamente os trabalhos do projeto ‘Letramento, ensino e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>’.102


Mariléia Reisquesti<strong>on</strong>a-se: como chegar à c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> inferências <strong>de</strong> textos verbaisescritos, s<strong>em</strong>, no entanto, dispor <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento preciso dos princípios dosist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> escrita <strong>de</strong> uma <strong>da</strong><strong>da</strong> língua? No Brasil, por ex<strong>em</strong>plo, s<strong>em</strong> oc<strong>on</strong>hecimento dos princípios do sist<strong>em</strong>a alfabético do PB?O que se preten<strong>de</strong> abor<strong>da</strong>r nos nossos estudos não é a sobreposição<strong>da</strong> importância <strong>de</strong> uma estratégia <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> língua a outra (estratégia),ou <strong>de</strong> um c<strong>on</strong>teúdo a outro, ao se abor<strong>da</strong>r a aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> leitura comoimportante arma c<strong>on</strong>tra o analfabetismo funci<strong>on</strong>al, mas <strong>de</strong> somar umc<strong>on</strong>hecimento lingüístico a outro, visto que, para a leitura e compreensãoplena <strong>de</strong> textos (na mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> escrita), <strong>em</strong> seus diferentes gêneros,inicialmente o indivíduo precisa saber ler o referido texto, só <strong>de</strong>pois é queele vai somar a esta habili<strong>da</strong><strong>de</strong> inicial a interação <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entosque envolv<strong>em</strong> a compreensão leitora, como c<strong>on</strong>hecimento <strong>de</strong> mundo eenciclopédico, i<strong>de</strong>ologia, formação discursiva, <strong>de</strong>ntre outros el<strong>em</strong>entosdiscursivos e pragmáticos que envolv<strong>em</strong> esta interação.Se é fato que o indivíduo, quando não for b<strong>em</strong> alfabetizado, vai terdificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ler e compreen<strong>de</strong>r textos, <strong>em</strong> seus diferentes gêneros,c<strong>on</strong>seqüent<strong>em</strong>ente, também terá dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>, a partir do texto, fazerinferências. Por isso, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhos que se volt<strong>em</strong> para aformação <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> língua materna, incluindo,especificamente, a formação dos alfabetizadores, s<strong>em</strong>pre com o propósito<strong>de</strong> combater (e prevenir) o analfabetismo funci<strong>on</strong>al.Mas o que se enten<strong>de</strong> por analfabetismo funci<strong>on</strong>al? C<strong>on</strong>cebe-secomo analfabeto funci<strong>on</strong>al o indivíduo que, <strong>em</strong>bora alfabetizado, nãocompreen<strong>de</strong> os textos que lê, dificultando, assim, o seu exercício <strong>de</strong>ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, no que se refere às suas práticas sociais <strong>da</strong> leitura e <strong>da</strong> escrita.Nos trabalhos <strong>de</strong> nosso grupo <strong>de</strong> estudo, o foco t<strong>em</strong>ático recai sobre apr<strong>em</strong>ente necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma base teórica atualiza<strong>da</strong>, que fun<strong>da</strong>mente aação pe<strong>da</strong>gógica sobre os processos <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência e aprendizag<strong>em</strong> inicial<strong>da</strong> leitura e <strong>da</strong> escrita que implicam a aprendizag<strong>em</strong> neur<strong>on</strong>ial (DEHAENE,2007), com vistas a práticas sociais efetivas e significativas.Comprometido com a prevenção e o combate ao analfabetismofunci<strong>on</strong>al no Brasil, historicamente instalado <strong>em</strong> nosso sist<strong>em</strong>aeducaci<strong>on</strong>al, situa-se o projeto interinstituci<strong>on</strong>al, Ler & Ser: prevenindo oanalfabetismo funci<strong>on</strong>al.103


Ensino <strong>de</strong> língua: alfabetização com e para o letramento3. Projeto Ler & Ser: prevenindo o analfabetismo funci<strong>on</strong>alMinha participação mais efetiva no projeto ‘Ler & Ser: prevenindoo analfabetismo funci<strong>on</strong>al’, vincula<strong>da</strong> ao projeto ‘Letramento, ensino esocie<strong>da</strong><strong>de</strong>, firma-se no <strong>de</strong>bate e na elaboração <strong>de</strong> livros-guia do professor eguia do aluno, e <strong>de</strong> material didático para as séries iniciais do ensinofun<strong>da</strong>mental que aten<strong>de</strong>m às metas do referido Projeto: a fun<strong>da</strong>mentaçãosobre a teoria subjacente à metodologia <strong>da</strong> alfabetização para o letramento,sobre a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> e organização dos exercícios e sobre como aplicá-los. 29,30 A<strong>da</strong>ptado à reali<strong>da</strong><strong>de</strong> do Brasil e <strong>de</strong> acordo com os princípios do sist<strong>em</strong>aalfabético do PB (Scliar-Cabral, 2003), elabora-se o material com base nosrecentes achados <strong>da</strong> psicologia cognitiva (DEHAENE, 2007) e na melhorexperiência mundial <strong>de</strong> combate ao analfabetismo funci<strong>on</strong>al (EarlyInterventi<strong>on</strong> Initiative, Escócia).Num c<strong>on</strong>texto lúdico, busca-se fazer com que a criança domine eautomatize o rec<strong>on</strong>hecimento dos traços invariantes que distingu<strong>em</strong> asletras e os valores dos graf<strong>em</strong>as, levando-a à i<strong>de</strong>ntificação <strong>da</strong> palavra e auma leitura fluente. Aju<strong>da</strong>r o aprendiz a analisar a ca<strong>de</strong>ia <strong>da</strong> fala,vinculando ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> a um graf<strong>em</strong>a, eis o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio no início <strong>da</strong>alfabetização para o letramento, para o qual os professores <strong>de</strong>v<strong>em</strong> estarmuito b<strong>em</strong> preparados, tendo ao seu dispor material pe<strong>da</strong>gógico <strong>de</strong> p<strong>on</strong>ta. 314. Alfabetização com e para o letramento no projeto ‘Letramento,ensino e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>’A alfabetização com e para o letramento c<strong>on</strong>stitui uma <strong>da</strong>s metasdo projeto ‘Letramento, ensino e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>’, por mim coor<strong>de</strong>nado, no PPG<strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> UNISUL: neste, à s<strong>em</strong>elhança do ‘Ler &Ser’, o foco recai sobre a formação do professor, no sentido <strong>de</strong> melhorhabilitá-lo para o exercício <strong>de</strong> sua prática pe<strong>da</strong>gógica, especificamente no29 O projeto ‘Ler & Ser: prevenindo o analfabetismo funci<strong>on</strong>al’ c<strong>on</strong>stitui-se um projetointerinstituci<strong>on</strong>al: na UFSC, é coor<strong>de</strong>nado pela professora Emeritus Le<strong>on</strong>or Scliar-Cabral,fun<strong>da</strong>dora e coor<strong>de</strong>nadora-geral do projeto. Na Unisul, está sob minha coor<strong>de</strong>nação.Maiores informações, sugerimos a visita ao blog: http://lereser.wordpress.com.30 Nome do livro-guia originado do projeto ‘Ler & Ser: prevenindo o analfabetismofunci<strong>on</strong>al’, que está sendo lançado pela Unisul: ‘Alfabetização: aprendizag<strong>em</strong> neur<strong>on</strong>ialpara as práticas <strong>de</strong> leitura e escrita’.31 Mais informações sobre o projeto ‘Ler & Ser: prevenindo o analfabetismo funci<strong>on</strong>al’, ver<strong>em</strong> anexo.104


Mariléia Reisque se refere ao avanço <strong>da</strong>s <strong>de</strong>scobertas <strong>da</strong>s neurociências sobre o modocomo se dá o processamento <strong>da</strong>s habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> leitura e escrita no cérebrohumano, b<strong>em</strong> como o c<strong>on</strong>hecimento dos princípios do sist<strong>em</strong>a alfabético doPB, atualizados segundo o novo Acordo Ortográfico, assinado pelopresi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República, Luís Inácio Lula <strong>da</strong> Silva, <strong>em</strong> outubro <strong>de</strong> 2008. 32No projeto, <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>-se trabalhos que c<strong>on</strong>ceb<strong>em</strong> o letramentocomo práticas e eventos relaci<strong>on</strong>ados ao uso, função e impacto social <strong>da</strong>escrita na e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Nesta perspectiva, a c<strong>on</strong>cepção <strong>de</strong> letramentovincula-se aos eventos e práticas comunicativas mediados pelo texto verbal.Enten<strong>de</strong>-se que, para alfabetizar letrando, atribu<strong>em</strong>-se múltiplas funções esignificados ao termo letramento, manifestos a partir <strong>de</strong> diferentesagências: agência <strong>de</strong> letramento escolar, religiosa, política, familiar, etc..Nesses termos, trabalha-se a alfabetização com e para o letramento, ou seja,prepara-se o professor para que ele alfabetize o estu<strong>da</strong>nte, com o propósito<strong>de</strong> prepará-lo para o exercício pleno <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.No aspecto cognitivo, o ‘Letramento, ensino e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>’ abor<strong>da</strong> aaprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> leitura e escrita com base nos avanços <strong>da</strong>s neurociências,no que se refere à <strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> região do cérebro que processa a leitura,c<strong>on</strong>forme Dehaene (2007), e com base nos princípios do sist<strong>em</strong>a alfabéticodo PB, c<strong>on</strong>forme Scliar-Cabral (2003a; b).Os artigos e dissertações oriundos do referido projeto têm-se comoobjetivos: a) operaci<strong>on</strong>alizar ações c<strong>on</strong>sistentes e c<strong>on</strong>tinua<strong>da</strong>s para reduziro analfabetismo funci<strong>on</strong>al, com cursos <strong>de</strong> formação inicial e c<strong>on</strong>tinua<strong>da</strong> adocentes sobre a aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> leitura e <strong>da</strong> escrita volta<strong>da</strong> para aspráticas sociais; b) elaborar material didático <strong>de</strong> apoio tanto paraprofessores do ensino fun<strong>da</strong>mental quanto para alunos, visando àoperaci<strong>on</strong>alização dos pressupostos teórico-metodológicos <strong>da</strong> PropostaCurricular <strong>de</strong> Santa Catarina (1998; 2005) e dos princípios do sist<strong>em</strong>aalfabético do PB; c) aprofun<strong>da</strong>r reflexões interdisciplinares sobre aformação do professor <strong>de</strong> língua (incluindo o professor alfabetizador) nasocie<strong>da</strong><strong>de</strong> multicultural, visando à inclusão do alfabetizando nas práticasmultimo<strong>da</strong>is <strong>de</strong> fala e escrita, habilitando-o para o uso <strong>da</strong> língua nos seusmúltiplos registros e varie<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociolingüísticas.Tais objetivos c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong> uma proposta <strong>de</strong> aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> leituracom e para o letramento, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que criam c<strong>on</strong>dições para que oaluno, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os anos iniciais, possa firmar, <strong>de</strong> forma progressiva eintegra<strong>da</strong>, suas potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> interação com o mundo <strong>da</strong> escrita e <strong>da</strong>32 Sítio: www.unisul.br/linguag<strong>em</strong>.105


Ensino <strong>de</strong> língua: alfabetização com e para o letramentoleitura: uma vez que se tenha material pe<strong>da</strong>gógico b<strong>em</strong> fun<strong>da</strong>mentadoteórico e metodologicamente para a aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> leitura como uma <strong>da</strong>smais importantes práticas sociais, e elaborado <strong>de</strong> maneira sist<strong>em</strong>atiza<strong>da</strong>,cuja complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> cognitiva do processo <strong>da</strong> alfabetização seja dispostanuma escalari<strong>da</strong><strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>nte, firma-se a tentativa <strong>de</strong> se romper com afragmentação enc<strong>on</strong>tra<strong>da</strong> na maioria do material pe<strong>da</strong>gógico, queatualmente circula no mercado, <strong>de</strong>stinado às séries iniciais <strong>de</strong>escolarização.Abor<strong>da</strong>-se, então, o estudo <strong>da</strong>s interações orais e escritas comocomp<strong>on</strong>entes <strong>de</strong> práticas socialmente situa<strong>da</strong>s: uma vez que os textos sãoentendidos como realizações <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> práticas discursivas esociais, a alfabetização com e para o letramento, no projeto ‘Letramento,ensino e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>’, também se volta às pesquisas que procuram <strong>da</strong>r c<strong>on</strong>tados âmbitos social (gênero textual, discurso, i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s, relações sociais) ecognitivo (produção, recepção e representação) <strong>da</strong>s interações. 335. C<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rações finaisAtravés <strong>da</strong>s <strong>de</strong>scobertas <strong>da</strong>s pesquisas <strong>da</strong>s neurociências (na suamaioria, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> ress<strong>on</strong>ância magnética,eletroencefalografia e magnetoencefalografia), Dehaene (2007) levou-nos acompreen<strong>de</strong>r melhor o processamento <strong>da</strong> leitura no cérebro e o modo comoapren<strong>de</strong>mos a ler: como o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> escrita do português é alfabético, estesestudos evi<strong>de</strong>nciam que as novas metodologias <strong>de</strong> alfabetização <strong>de</strong>v<strong>em</strong>c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>plar estratégias <strong>de</strong> trabalho que relev<strong>em</strong> a importância <strong>da</strong>c<strong>on</strong>sciência f<strong>on</strong>ológica no processo <strong>de</strong> aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> leitura.E, uma vez que se c<strong>on</strong>cebe o f<strong>on</strong><strong>em</strong>a como um feixe <strong>de</strong> traços cujafunção é a <strong>de</strong> distinguir significado, ao relevarmos a importância <strong>da</strong>c<strong>on</strong>sciência f<strong>on</strong>ológica na alfabetização, ain<strong>da</strong> que tal estratégia muito seaproxime ao que tradici<strong>on</strong>almente se c<strong>on</strong>hece como método estritamentefônico, não se po<strong>de</strong>rá jamais c<strong>on</strong>fundi-la à <strong>de</strong>ss<strong>em</strong>anticização por quepassaram tais métodos mecânicos <strong>de</strong> repetição <strong>de</strong> s<strong>on</strong>s e sílabas s<strong>em</strong>sentido, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>em</strong> déca<strong>da</strong>s passa<strong>da</strong>s.Como vimos na introdução <strong>de</strong>sse trabalho, a topologia neur<strong>on</strong>ial doprocessamento <strong>da</strong> leitura é traça<strong>da</strong> por uma re<strong>de</strong> complexa e crescente <strong>de</strong>33 As dissertações vincula<strong>da</strong>s ao projeto ‘Letramento, ensino e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>’ estão arrola<strong>da</strong>snos anexos.106


Mariléia Reisinterc<strong>on</strong>exões entre vias visuais (que rec<strong>on</strong>hec<strong>em</strong> as letras), vias auditivas <strong>em</strong>otoras <strong>da</strong> palavra oral e vias que processam o sentido (e que po<strong>de</strong>m nosinstruir sobre a forma como a criança vai apren<strong>de</strong>r a ler o sist<strong>em</strong>a escrito):tal <strong>de</strong>scoberta representa, <strong>de</strong> fato, um gran<strong>de</strong> avanço para os professoresalfabetizadores e para o ensino-aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> leitura <strong>em</strong> todos os níveis<strong>de</strong> escolarização. Entretanto, ela po<strong>de</strong>rá representar um gran<strong>de</strong> avanço,mas, diríamos, pouco produtivo, se não se c<strong>on</strong>verter <strong>em</strong> material didáticope<strong>da</strong>gógicoque aten<strong>da</strong> às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>s com que nos<strong>de</strong>paramos na nossa prática docente. Por isso as pesquisas dos projetos ‘Ler& Ser: combatendo o analfabetismo funci<strong>on</strong>al’ e ‘Letramento, ensino esocie<strong>da</strong><strong>de</strong>’ c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>plam efetivamente a publicação <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong>trabalho para o professor e para o aluno, e estes instrumentos firmam-se, <strong>de</strong>fato, como uma <strong>de</strong> suas principais metas e <strong>de</strong>safio.A preocupação na elaboração <strong>de</strong> material didático dá-se pelo fato<strong>de</strong> se ter c<strong>on</strong>hecimento <strong>da</strong> precarie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhos disp<strong>on</strong>ibilizados naárea: por isso ele dirige-se a todos quantos estejam <strong>em</strong>penhados noprocesso <strong>de</strong> alfabetizar com e para o letramento. Em primeiro lugar,porque, apesar dos esforços dos educadores, o índice <strong>de</strong> analfabetismofunci<strong>on</strong>al no Brasil ain<strong>da</strong> é muito alto, e preten<strong>de</strong>mos combatê-lo, porém,antes, preveni-lo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fase inicial <strong>da</strong> aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> leitura. E sabe-seque os professores estão c<strong>on</strong>scientes disso e mais ansiosos do que ninguémpara que seus alunos apren<strong>da</strong>m a ler os textos escritos que circulam à suavolta, com compreensão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os não-escolares, como os jornais,anúncios, avisos, instruções ou informações no computador, por ex<strong>em</strong>plo,até os tradici<strong>on</strong>almente enc<strong>on</strong>trados no c<strong>on</strong>texto escolar, como os textos dolivro didático, textos ficci<strong>on</strong>ais (romance, po<strong>em</strong>as), <strong>de</strong>ntre tantos outros; etambém para que os estu<strong>da</strong>ntes apren<strong>da</strong>m a redigir <strong>de</strong> modo eficiente, nosentido <strong>de</strong> fazer<strong>em</strong>-se enten<strong>de</strong>r quando precisar<strong>em</strong> fazer uso <strong>da</strong> palavraescrita, seja no simples envio <strong>de</strong> uma corresp<strong>on</strong>dência, ou no exame escritopara c<strong>on</strong>seguir<strong>em</strong> um <strong>em</strong>prego, ou para entrar<strong>em</strong>, por ex<strong>em</strong>plo, nauniversi<strong>da</strong><strong>de</strong>.Tais materiais pe<strong>da</strong>gógicos têm por alvo fazer com que osprofessores: a) obtenham melhores resultados com seus alunos e sintam-s<strong>em</strong>ais c<strong>on</strong>fiantes nas suas práticas, <strong>de</strong>spertando nestes o gosto e a apreciaçãopela leitura e escrita; b) enten<strong>da</strong>m melhor as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> seus alunos esaibam como c<strong>on</strong>torná-las; c) tenham à sua disposição um material <strong>de</strong>quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, sabendo para que serve, por ex<strong>em</strong>plo, ca<strong>da</strong> exercício nelec<strong>on</strong>cebido, e como <strong>de</strong>ve ser utilizado <strong>em</strong> suas aulas.107


Ensino <strong>de</strong> língua: alfabetização com e para o letramento6. AnexosAnexo 1: Síntese <strong>da</strong> proposta do projeto ‘Ler & Ser: prevenindo oanalfabetismo funci<strong>on</strong>al’“O projeto Ler & Ser: prevenindo o analfabetismo funci<strong>on</strong>al buscaresp<strong>on</strong><strong>de</strong>r a um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio no mundo c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneo: como fazer comque nossas crianças e jovens se insiram <strong>em</strong> um novo mundo do trabalho,que exige proativi<strong>da</strong><strong>de</strong> e competências para uma educação c<strong>on</strong>tinua<strong>da</strong>.O que se enten<strong>de</strong> como analfabetismo funci<strong>on</strong>al? Significa que osujeito, <strong>em</strong>bora seja capaz <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar as letras, não c<strong>on</strong>seguecompreen<strong>de</strong>r aquilo que leu. Não c<strong>on</strong>segue, a partir <strong>de</strong> um texto básico,agir proativamente, elaborar novos c<strong>on</strong>ceitos ou associar a informaçãorecém-obti<strong>da</strong> com aquela <strong>de</strong>riva<strong>da</strong> <strong>de</strong> outras f<strong>on</strong>tes. Além disso, como opensamento lógico-mat<strong>em</strong>ático também <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do entendimento <strong>de</strong>c<strong>on</strong>ceitos que são textuais, o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho <strong>em</strong> mat<strong>em</strong>ática, ciências e outrasdisciplinas fica comprometido. Isto representa, <strong>em</strong> um mundo com rápi<strong>da</strong>se c<strong>on</strong>stantes mu<strong>da</strong>nças tecnológicas, que o analfabeto funci<strong>on</strong>al nãoc<strong>on</strong>segue manter uma educação c<strong>on</strong>tinua<strong>da</strong>, imprescindível no mundo dotrabalho. Além disso, ele também vê comprometi<strong>da</strong> sua atuação comoci<strong>da</strong>dão <strong>de</strong> direito: é um estrangeiro <strong>em</strong> seu próprio país.Segundo Scliar-Cabral (2007), a situação no Brasil é agravante: nafaixa etária dos brasileiros <strong>de</strong> 15 a 64 anos t<strong>em</strong>os: 7% <strong>de</strong> analfabetosabsolutos; no nível rudimentar, t<strong>em</strong>os 25%; no nível básico, t<strong>em</strong>os 40%.Apenas 28% c<strong>on</strong>segu<strong>em</strong> o nível pleno <strong>de</strong> letramento (INAF, 2007). 32%dos brasileiros não têm as c<strong>on</strong>dições mínimas para o exercício <strong>da</strong>ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, n<strong>em</strong> para refazer a leitura <strong>de</strong> mundo, a partir <strong>da</strong> leitura <strong>da</strong>palavra (FREIRE, 2002, p. 54). A situação não é diferente nos estados doSul, que possu<strong>em</strong> um <strong>de</strong>senvolvimento ec<strong>on</strong>ômico maior. Santa Catarina eParaná, os dois estados c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>plados com este projeto, apresentam índices<strong>de</strong> analfabetismo funci<strong>on</strong>al na sua população com mais <strong>de</strong> 15 anos queultrapassa os 15% e, muitas vezes, atinge os patamares <strong>de</strong> 30%.Como todos os probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> difícil solução, também aqui ocenário é complexo, mas é possível, e muito, alcançar b<strong>on</strong>s resultados nocombate ao analfabetismo. O projeto Ler & Ser preten<strong>de</strong> <strong>da</strong>r respostas aesta questão. O objetivo é realizar uma ação c<strong>on</strong>sistente e c<strong>on</strong>tinua<strong>da</strong> parareduzir o analfabetismo funci<strong>on</strong>al nos municípios participantes, com vistasà educação para qualificação profissi<strong>on</strong>al e para a garantia dos direitos <strong>da</strong>108


Mariléia Reiscriança e do adolescente: na base <strong>de</strong> ambos enc<strong>on</strong>tra-se a competência paraa leitura.O fun<strong>da</strong>mento metodológico do projeto parte <strong>de</strong> duas experiênciasb<strong>em</strong> sucedi<strong>da</strong>s: a dos Círculos <strong>de</strong> Cultura <strong>em</strong> Angicos, <strong>de</strong> Paulo Freire e ado programa Iniciativa <strong>de</strong> Intervenção Precoce (Early Interventi<strong>on</strong>Initiative) <strong>de</strong> Dunbart<strong>on</strong>shire, na Escócia. Este último programa c<strong>on</strong>seguiureduzir o analfabetismo funci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> 28% para 6%.O projeto divi<strong>de</strong>-se <strong>em</strong> quatro fases b<strong>em</strong> <strong>de</strong>limita<strong>da</strong>s:a) elaboração dos materiais <strong>de</strong> apoio;b) capacitação dos multiplicadores;c) capacitação dos professores;d) atendimento direto.Ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>stas fases segue um cr<strong>on</strong>ograma próprio, que incluiseleção dos participantes, acompanhamento dos resultados, a<strong>de</strong>quação <strong>de</strong>processos, etc. Atualmente, já estamos trabalhando na elaboração dosmateriais <strong>de</strong> apoio, captando e recursos e fechando parcerias. Além dobenefício direto esperado – redução do analfabetismo funci<strong>on</strong>al – o projetoagrega outros: estímulo à participação <strong>da</strong>s famílias e comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s;articulação com o po<strong>de</strong>r público para impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong> estratégiaseficientes <strong>em</strong> alfabetização e inclusão do respeito à diversi<strong>da</strong><strong>de</strong>sociolingüística na agen<strong>da</strong> <strong>da</strong> educação.O objetivo do Projeto Ler & Ser: prevenindo o analfabetismofunci<strong>on</strong>al, é um passo para garantir o direito que to<strong>da</strong> criança, adolescente ejov<strong>em</strong> adulto têm ao letramento pleno, com isso ampliando o acesso àci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e à <strong>em</strong>pregabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Serão formados 500 multiplicadores e 2.586professores, que aten<strong>de</strong>rão uma população <strong>de</strong> 131.458 crianças e jovens.Um projeto que po<strong>de</strong>rá ser replicado <strong>em</strong> outros municípios <strong>de</strong> todo oBrasil. Além disso, o uso <strong>da</strong>s mídias sociais permitirá a troca <strong>de</strong>experiências, a melhoria c<strong>on</strong>tinua do projeto e ampliação dos resultados”.(SCLIAR-CABRAL, 2007)109


Ensino <strong>de</strong> língua: alfabetização com e para o letramentoAnexo 2: FigurasFigura 1: Mo<strong>de</strong>lo neurológico <strong>da</strong> leitura x visão mo<strong>de</strong>rna <strong>da</strong>s re<strong>de</strong>s corticais <strong>da</strong>leitura, c<strong>on</strong>forme Dehaene (2007)Figura 2: H<strong>em</strong>isfério esquerdo – a palavra escrita, c<strong>on</strong>forme Dehaene (2007)110


Mariléia ReisAnexo 3 - Dissertações do projeto ‘Letramento, ensino e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>’Até o momento, foram <strong>de</strong>fendi<strong>da</strong>s as seguintes dissertações: 34SILVA, Raquel <strong>da</strong>. A c<strong>on</strong>versão do f<strong>on</strong><strong>em</strong>a /S/ <strong>em</strong> c<strong>on</strong>textos competitivos: umestudo exploratório com professores do ensino fun<strong>da</strong>mental.GONÇALVES, Suzete <strong>da</strong> Rosa. A Língua Portuguesa no Ensino Fun<strong>da</strong>mental apartir <strong>da</strong> avaliação discente: perspectiva <strong>de</strong> letramento num estudo <strong>de</strong> caso.CARDOSO, Maria Angélica. Leitura <strong>de</strong> diferentes linguagens <strong>em</strong> suporte <strong>de</strong> text<strong>on</strong>ão-escolar: o gênero <strong>em</strong>balag<strong>em</strong> <strong>de</strong> produtos alimentícios na ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>pe<strong>da</strong>gógica.DIAS, Almerin<strong>da</strong> Tereza Bianca Bez Batti. Apagamento do f<strong>on</strong><strong>em</strong>a /r/ pósvocálico<strong>em</strong> textos orais <strong>de</strong> informantes <strong>em</strong> fase final <strong>de</strong> aquisição <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>estudo <strong>de</strong> caso.POSSAMAI, Darlei. Filosofia no Ensino Médio: o gênero <strong>em</strong> História <strong>em</strong>Quadrinhos numa perspectiva <strong>de</strong> letramento.PEREIRA, Gerusa. M<strong>on</strong>ot<strong>on</strong>gação dos dit<strong>on</strong>gos orais [ay], [ey] e [ow] noportuguês falado <strong>em</strong> Tubarão (SC): estudo <strong>de</strong> casos.TRENTO, Lisandra. A posteriorização [õw] na alternância fônica do dit<strong>on</strong>g<strong>on</strong>asal [ãw] na fala <strong>de</strong> informantes bilíngües <strong>de</strong> terceira i<strong>da</strong><strong>de</strong> do município <strong>de</strong>Treze <strong>de</strong> Maio (SC) evocação <strong>da</strong> tradição ítalo-brasileira.LUZ, Silvana Edinezia Campos <strong>da</strong>. Gestão <strong>de</strong>mocrática escolar e capacitaçãoc<strong>on</strong>tinua<strong>da</strong> <strong>de</strong> gestores:(res)significação <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> no c<strong>on</strong>texto escolar.ReferênciasBRASIL, Secretaria <strong>de</strong> educação Fun<strong>da</strong>mental. Parâmetros CurricularesNaci<strong>on</strong>ais: terceiro e quarto ciclos do ensino fun<strong>da</strong>mental: línguaportuguesa/Secretaria <strong>de</strong> Educação Fun<strong>da</strong>mental/Brasília: MEC/SEF, 1998.DEHAENE, S. Les neur<strong>on</strong>es <strong>de</strong> la lecture. Paris: Odile Jacob, 2007.PELANDRÉ, N. L. Ensinar e apren<strong>de</strong>r com Paulo Freire. São Paulo: Cortez,2002.SANTA CATARINA. Secretaria <strong>de</strong> Estado <strong>da</strong> Educação, Ciência e Tecnologia.Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina: estudos t<strong>em</strong>áticos. Florianópolis: IOESC,2005.34 To<strong>da</strong>s as dissertações do PPGCL estão disp<strong>on</strong>ibiliza<strong>da</strong>s (na íntegra) no site do PPGCL:www.unisul.br/linguag<strong>em</strong>. As <strong>de</strong>mais dissertações, por mim orienta<strong>da</strong>s, mas que faz<strong>em</strong>parte do então projeto PROCOTEXTOS, também estão disp<strong>on</strong>ibiliza<strong>da</strong>s no referido site.111


Ensino <strong>de</strong> língua: alfabetização com e para o letramento_____. Secretaria <strong>de</strong> Estado <strong>da</strong> Educação e do Desporto. Proposta Curricular <strong>de</strong>Santa Catarina: educação infantil, ensino fun<strong>da</strong>mental e médio (disciplinascurriculares). Florianópolis: COGEN, 1998.SCLIAR-CABRAL, L. Guia prático <strong>da</strong> alfabetização. São Paulo: C<strong>on</strong>texto, 2003._____. Princípios do sist<strong>em</strong>a alfabético do português do Brasil. São Paulo:C<strong>on</strong>texto, 2003._____. Projeto Ler&Ser, combatendo o analfabetismo funci<strong>on</strong>al. Dez<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>2007.SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira <strong>de</strong>Educação. Jan/Fev/Mar/Abr 2004, No. 5.112


PARTE IIANÁLISE DISCURSIVA DE PROCESSOSSEMÂNTICOS


LINGUAGENS, CIÊNCIAS E TECNOLOGIASNA FORMULAÇÃO DO CONHECIMENTOMarci Fileti MartinsRosângela MorelloSolange Le<strong>da</strong> Gallo1. IntroduçãoA Análise do Discurso t<strong>em</strong> diferentes abor<strong>da</strong>gens <strong>em</strong> diferentespaíses e línguas. Como ex<strong>em</strong>plo disso, po<strong>de</strong>ríamos citar a Análise doDiscurso proposta por Zelig Harris, nos EUA, nos anos 50, ou a Análise doDiscurso proposta por Michel Foucault, na França, nos anos 60-70, duasc<strong>on</strong>cepções originais, com motivações bastante diferentes. No primeirocaso, trata-se <strong>de</strong> uma proposta situa<strong>da</strong> no campo lingüístico e que se propõea alargar o alcance s<strong>em</strong>ântico, até então reduzido à frase, para um c<strong>on</strong>textoenunciativo por meio <strong>de</strong> procedimentos distribuci<strong>on</strong>ais. Como diz Brandão(1994, p. 15),<strong>em</strong>bora a obra <strong>de</strong> Harris possa ser c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> o marcoinicial <strong>da</strong> análise do discurso, ela se coloca ain<strong>da</strong> comosimples extensão <strong>da</strong> lingüística imanente na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> quetransfere e aplica procedimentos <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>língua aos enunciados e situa-se fora <strong>de</strong> qualquer reflexãosobre a significação e as c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rações sócio-históricas <strong>de</strong>produção que vão distinguir e marcar posteriormente aanálise do discurso.Em relação à Análise do Discurso proposta por Foucault, asc<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> formulação são outras, muito diferentes. Já <strong>em</strong> Arqueologiado Saber (obra <strong>de</strong> 1969), ele se expressa a respeito <strong>de</strong> seu trabalho <strong>de</strong>análise <strong>da</strong> seguinte maneira (1997, p. 226-227):Se falei <strong>de</strong> um discurso, não foi para mostrar que osmecanismos ou os processos <strong>da</strong> língua aí se mantinhamintegralmente; mas, antes, para fazer aparecer, na <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>da</strong>s performances verbais, a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos níveis possíveis<strong>de</strong> análise; para mostrar que, ao lado dos métodos <strong>de</strong>estruturação lingüística (ou dos <strong>de</strong> interpretação), podia-se


Linguagens, ciências e tecnologias na formulação do c<strong>on</strong>hecimentoestabelecer uma <strong>de</strong>scrição específica dos enunciados, <strong>de</strong> suaformação e <strong>da</strong>s regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s próprias do discurso. Sesuspendi as referências ao sujeito falante, não foi para<strong>de</strong>scobrir leis <strong>de</strong> c<strong>on</strong>strução ou formas que seriam aplica<strong>da</strong>s<strong>da</strong> mesma maneira por todos os sujeitos falantes, n<strong>em</strong> parafazer falar o gran<strong>de</strong> discurso universal que seria comum atodos os homens <strong>de</strong> uma época. Tratava-se, pelo c<strong>on</strong>trário,<strong>de</strong> mostrar <strong>em</strong> que c<strong>on</strong>sistiam as diferenças, como erapossível que homens, no interior <strong>de</strong> uma mesma práticadiscursiva, falass<strong>em</strong> <strong>de</strong> objetos diferentes, tivess<strong>em</strong> opiniõesopostas, fizess<strong>em</strong> escolhas c<strong>on</strong>traditórias; tratava-se também<strong>de</strong> mostrar <strong>em</strong> que as diferentes práticas discursivas sedistinguiam umas <strong>da</strong>s outras; <strong>em</strong> suma, não quis excluir oprobl<strong>em</strong>a do sujeito; quis <strong>de</strong>finir as posições e as funçõesque o sujeito podia ocupar na diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos discursos.Assim, quando Michel Pêcheux propõe a Análise do Discurso,enquanto um método analítico e uma teoria, alguns parâmetros já existiam.No entanto, Pêcheux procurou estabelecer uma interrelação <strong>de</strong> áreas ain<strong>da</strong>mais ousa<strong>da</strong>, colocando <strong>em</strong> c<strong>on</strong>exão a lingüística, a psicanálise e omarxismo. Para Henry (1990, p. 34),no momento <strong>em</strong> que escreve A Análise Automática doDiscurso (1969)... Pêcheux segue mais Althusser que Lacan,Derri<strong>da</strong> ou Foucault... Os sujeitos <strong>de</strong> Lacan, Foucault eDerri<strong>da</strong> são ligados à linguag<strong>em</strong> ou ao signo. A referência ài<strong>de</strong>ologia não t<strong>em</strong> as mesmas implicações que a referência àlinguag<strong>em</strong>. Althusser (por sua vez) não estavaparticularmente interessado na linguag<strong>em</strong>, e é aí quechegamos ao âmago <strong>da</strong>quilo que t<strong>em</strong> a ver com Pêcheux: asrelações entre a linguag<strong>em</strong> e a i<strong>de</strong>ologia. Para fazer isso, elesó tinha a sua disposição a indicação formula<strong>da</strong> porAlthusser sobre o paralelo entre a evidência <strong>da</strong> transparência<strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> e o “efeito i<strong>de</strong>ológico el<strong>em</strong>entar”, a evidênciasegundo a qual somos sujeitos. Althusser estabeleceu oparalelo s<strong>em</strong> estabelecer uma ligação. E foi para expressaressa ligação que Pêcheux introduziu aquilo que ele chamadiscurso, tentando <strong>de</strong>senvolver uma teoria do discurso e umdispositivo operaci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> análise do discurso. O discurso <strong>de</strong>Pêcheux (portanto) não é o <strong>de</strong> Foucault.Po<strong>de</strong>-se dizer que a análise discursiva <strong>de</strong> Pêcheux teve suafun<strong>da</strong>mentação mais forte <strong>em</strong> 1971, na obra S<strong>em</strong>ântica e discurso (Lesvérités <strong>de</strong> la palice, no original francês), c<strong>on</strong>forme c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra Maldidier(2003, p. 32):116


Marci Fileti Martins; Rosangela Morello; Solange Le<strong>da</strong> GalloO materialismo histórico é a posição explícita <strong>de</strong> <strong>on</strong><strong>de</strong> serealiza a intervenção epist<strong>em</strong>ológica c<strong>on</strong>tra uma duplaameaça, a do <strong>em</strong>pirismo, “a probl<strong>em</strong>ática subjetivistacentra<strong>da</strong> no indivíduo” e a do formalismo que c<strong>on</strong>fun<strong>de</strong> “alíngua como objeto com o campo <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>”. É a partirdo materialismo histórico que se faz a indicação <strong>de</strong> novosobjetos, no caso o discurso, explicitamente posto <strong>em</strong> relaçãoà i<strong>de</strong>ologia. Mas Michel Pêcheux <strong>de</strong>cidi<strong>da</strong>mente nossurpreen<strong>de</strong>rá s<strong>em</strong>pre. Em algumas linhas aperta<strong>da</strong>s <strong>em</strong> queca<strong>da</strong> palavra é um c<strong>on</strong>ceito, ele lança, como um navioincendiário, a primeira formulação <strong>da</strong> teoria do discurso.As formações i<strong>de</strong>ológicas [...] comportam necessariamentecomo um <strong>de</strong> seus comp<strong>on</strong>entes uma ou mais formaçõesdiscursivas interrelaci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s que <strong>de</strong>terminam o que po<strong>de</strong> e<strong>de</strong>ve ser dito (articulado sob a forma <strong>de</strong> uma arenga, <strong>de</strong> umsermão, <strong>de</strong> um panfleto, <strong>de</strong> uma exposição, <strong>de</strong> um programa,etc) a partir <strong>de</strong> uma posição <strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>em</strong> uma c<strong>on</strong>juntura <strong>da</strong><strong>da</strong>.Tudo, ou quase tudo já estava <strong>em</strong> seu lugar. Curiosamente,Althusser não foi nomeado.Pêcheux publica uma crítica a sua própria obra referi<strong>da</strong> acima.Nessa crítica ele aproxima-se ain<strong>da</strong> mais <strong>da</strong> psicanálise, s<strong>em</strong>, entretanto,abrir mão do caráter i<strong>de</strong>ológico <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> sentido (1988, p. 300):C<strong>on</strong>tinua, pois, bastante ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro o fato <strong>de</strong> que o “sentido”é produzido no ‘n<strong>on</strong>-sense’ pelo <strong>de</strong>slizamento s<strong>em</strong> orig<strong>em</strong>do significante, <strong>de</strong> <strong>on</strong><strong>de</strong> a instauração do primado <strong>da</strong>metáfora sobre o sentido, mas é indispensável acrescentarimediatamente que esse <strong>de</strong>slizamento não <strong>de</strong>saparece s<strong>em</strong><strong>de</strong>ixar traços no sujeito ego <strong>da</strong> “forma-sujeito” i<strong>de</strong>ológica,i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong> com a evidência <strong>de</strong> um sentido. Apreen<strong>de</strong>r até oseu limite máximo a interpelação i<strong>de</strong>ológica como ritual,supõe rec<strong>on</strong>hecer que não há ritual s<strong>em</strong> falhas;enfraquecimento e brechas, “uma palavra por outra” é a<strong>de</strong>finição <strong>da</strong> metáfora, mas é também o p<strong>on</strong>to <strong>em</strong> que o ritualse estilhaça no lapso.Assim proposta, a Análise <strong>de</strong> Discurso na perspectiva <strong>de</strong> Pêcheuxt<strong>em</strong> natureza multidisciplinar. A uni<strong>da</strong><strong>de</strong> s<strong>em</strong>ântica é a formaçãoi<strong>de</strong>ológica, que resulta <strong>em</strong> uma formação discursiva que não é <strong>line</strong>ar n<strong>em</strong>t<strong>em</strong> limites precisos, apenas dominância. Nosso interesse está no fato <strong>de</strong>que, por essa perspectiva discursiva, se po<strong>de</strong> trabalhar com o sentidoproduzido <strong>em</strong> qualquer forma, seja ela verbal, imagética, s<strong>on</strong>ora, ou muitasformas c<strong>on</strong>juga<strong>da</strong>s.117


Linguagens, ciências e tecnologias na formulação do c<strong>on</strong>hecimentoNo Brasil, os estudos <strong>de</strong> Análise <strong>de</strong> Discurso se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> <strong>em</strong>muitas direções e são realizados hoje por muitos grupos que estão situados<strong>em</strong> diferentes regiões e universi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do país, <strong>em</strong>bora tenham sidoiniciados na Unicamp, Campinas, SP, nos anos 80, por Eni Orlandi, autora<strong>de</strong> muitas obras <strong>da</strong> área. Em um <strong>de</strong> seus livros, intitulado Análise dodiscurso – princípios e procedimentos, Orlandi se refere à Análise <strong>de</strong>Discurso <strong>da</strong> seguinte forma (1999, p. 15):A análise do discurso, como seu próprio nome indica, nãotrata <strong>da</strong> língua, não trata <strong>da</strong> gramática, <strong>em</strong>bora to<strong>da</strong>s essascoisas lhe interess<strong>em</strong>. Ela trata do discurso. E a palavradiscurso, etimologicamente, t<strong>em</strong> <strong>em</strong> si a idéia <strong>de</strong> curso, <strong>de</strong>percurso, <strong>de</strong> correr por, <strong>de</strong> movimento. O discurso é assimpalavra <strong>em</strong> movimento, prática <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>: com o estudodo discurso observa-se o hom<strong>em</strong> falando.Na análise <strong>de</strong> discurso, procura-se compreen<strong>de</strong>r a línguafazendo sentido, enquanto trabalho simbólico, parte dotrabalho social geral, c<strong>on</strong>stitutivo do hom<strong>em</strong> e <strong>da</strong> suahistória.Dentro <strong>de</strong>sse c<strong>on</strong>texto teórico e metodológico, inscrev<strong>em</strong>o-nos nalinha <strong>de</strong> pesquisa Análise discursiva <strong>de</strong> processos s<strong>em</strong>ânticos do <strong>Programa</strong><strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul. Essa linha <strong>de</strong>pesquisa reúne trabalhos envolvendo, por um lado, a análise <strong>de</strong> materiaisproduzidos pela mídia e, por outro, uma investigação sobre o papel <strong>da</strong>ciência na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea. Nas pesquisas sobre a mídia,enten<strong>de</strong>mos como materiais midiáticos tanto textos verbais como nãoverbais,e o objetivo do projeto é o <strong>de</strong> investigar a materiali<strong>da</strong><strong>de</strong> históricae/ou os processos s<strong>em</strong>ânticos <strong>de</strong>sses textos: cin<strong>em</strong>a, imprensa, TV, rádio,WEB, já que a mídia enquanto discurso produz <strong>de</strong>slocamentos e efeitos <strong>de</strong>sentido próprios, ou seja, sentidos relaci<strong>on</strong>ados a um maior ou menor grau<strong>de</strong> espetacularização.Nessas pesquisas sobre a mídia, <strong>de</strong>stacamos que nos interessadiscutir questões envolvendo a linguag<strong>em</strong> do audiovisual nac<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong>. Teixeira (2008, p. 283), tratando do documentário,afirma que, nas ultimas déca<strong>da</strong>s, “o campo do documentário passou pormu<strong>da</strong>nças estr<strong>on</strong>dosas, introduzi<strong>da</strong>s pela cultura cibernético-informaci<strong>on</strong>al[...]. E, <strong>em</strong> meio a esse turbilhão <strong>de</strong> transformações, [...] abriram-se ascomportas do documentário para processos <strong>de</strong> hibridização que mobilizamvastos materiais”. Além disso, observam-se nesses audiovisuais,características <strong>de</strong> uma linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> documentário diferencia<strong>da</strong>, se118


Marci Fileti Martins; Rosangela Morello; Solange Le<strong>da</strong> Gallolevarmos <strong>em</strong> c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ração o modo como se dá o tratamento <strong>da</strong> imag<strong>em</strong>: acâmera se apresenta com mais dinamici<strong>da</strong><strong>de</strong>, ou seja, não está estática,estabiliza<strong>da</strong> e o áudio já não é limpo, pois capta-se o “ruído” do ambienteque passa a integrar a narrativa. Os planos, enquadramentos, closes tambémfog<strong>em</strong> do padrão clássico. Segundo Nunes e Martins (2007, p. 9), essesmateriais parec<strong>em</strong> se aproximar <strong>de</strong> alguns audiovisuais que v<strong>em</strong>os surgir naInternet, materiais estes que escapam também <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> audiovisualclássica.No caso dos ví<strong>de</strong>os <strong>da</strong> Internet, isso se <strong>de</strong>ve, provavelmente,ao acesso ca<strong>da</strong> vez mais fácil à tecnologia <strong>de</strong> gravação <strong>de</strong>ví<strong>de</strong>o possibilitando que um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> pessoasleigas nas técnicas <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> audiovisuais possaproduzir materiais e divulgá-los por meio <strong>da</strong> Internet. Oresultado, <strong>em</strong> muitos casos, são ví<strong>de</strong>os <strong>em</strong> que a câmera nãoestá estática, que captam os ruídos do ambiente e apresentamuma m<strong>on</strong>tag<strong>em</strong> que foge aos padrões c<strong>on</strong>venci<strong>on</strong>ais.A investigação sobre ciência, por sua vez, parte dos trabalhos dogrupo <strong>de</strong> pesquisa registrado no CNPq, sob o título Produção e divulgação<strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento científico. Os objetivos do grupo envolv<strong>em</strong> uma discussãosobre a produção do c<strong>on</strong>hecimento científico na c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong>,ressaltando os modos como esse c<strong>on</strong>hecimento circula e é divulgado. De talmodo, t<strong>em</strong>os interesse <strong>em</strong> analisar corpora <strong>de</strong> textos que se inscrev<strong>em</strong> nodiscurso <strong>da</strong> ciência e <strong>da</strong> divulgação/circulação científica. Nossa abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong>t<strong>em</strong> incidido, atualmente, <strong>em</strong> quatro eixos <strong>de</strong> reflexão: questões <strong>de</strong> autoria;ciência: processos e produtos; discurso científico na c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong>:heterogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong>; e línguas, ciências e tecnologias.2. Questões <strong>de</strong> autoriaUm dos focos principais <strong>de</strong> nosso trabalho é refletir sobreprincipalmente nas questões <strong>de</strong> autoria. Ou seja, nos interessa, porex<strong>em</strong>plo, pesquisar o modo como o sujeito do discurso <strong>da</strong> divulgação serelaci<strong>on</strong>a com o seu interlocutor cientista e ao mesmo t<strong>em</strong>po com seuinterlocutor, o leitor leigo e, entre os dois, como ele formula seu texto,c<strong>on</strong>stituindo nessa (incômo<strong>da</strong>) posição sua autoria. Também nos interessasaber <strong>de</strong> que lugar i<strong>de</strong>ológico fala esse autor, por ex<strong>em</strong>plo, se <strong>de</strong> umare<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> jornal, se <strong>de</strong> uma <strong>em</strong>issora <strong>de</strong> rádio ou TV, se <strong>de</strong> uma119


Linguagens, ciências e tecnologias na formulação do c<strong>on</strong>hecimentouniversi<strong>da</strong><strong>de</strong>, ou <strong>de</strong> uma agência <strong>de</strong> fomento, ou <strong>de</strong> um centro <strong>de</strong> pesquisa,enfim. De acordo com a perspectiva discursiva, ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>ssas formas <strong>de</strong>inscrição discursiva resulta <strong>em</strong> um tipo específico <strong>de</strong> autoria e um modoespecífico <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> sentido.Nossa reflexão t<strong>em</strong> se pautado não somente por produçõescoleta<strong>da</strong>s, mas principalmente pelas nossas próprias produções, ou seja, asproduções do nosso laboratório <strong>de</strong> produção e divulgação <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimentocientífico, mais especificamente por meio <strong>de</strong> nossa revista <strong>on</strong>-<strong>line</strong> Ciência<strong>em</strong> curso. Para essa revista, produzimos materiais multimo<strong>da</strong>is (foto, ví<strong>de</strong>o,texto, áudio, software), <strong>em</strong> interação com os pesquisadores do núcleo ougrupo que está sendo divulgado. Nessa interface, Ciência <strong>em</strong> curso procurarepresentar, pela sua apresentação <strong>em</strong> espiral, o movimento c<strong>on</strong>tínuo quecaracteriza a produção científica. Pelo jogo <strong>da</strong>s formas <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>(verbal e não-verbal), procura produzir um espaço para discutir a ciência,sua forma <strong>de</strong> se c<strong>on</strong>stituir e se mostrar para a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. É, portanto, umaproposta que investe na relação do sujeito com a linguag<strong>em</strong> (e o sentido)para tratar <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento, mas o faz pauta<strong>da</strong> na pr<strong>em</strong>issa <strong>de</strong>que tal relação é <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> por c<strong>on</strong>dições históricas, pelo que já está dito,visto, significado.Como já foi menci<strong>on</strong>ado, a análise do discurso é uma disciplina <strong>de</strong>interpretação <strong>de</strong> textos, mas não se trata <strong>de</strong> um tipo <strong>de</strong> interpretação queparte <strong>da</strong> questão o que o texto significa? Mas sim, como o texto significa?Ou melhor, não se trata do que o autor do texto quis dizer, mas <strong>de</strong> outraquestão: quais os saberes necessários para que se compreen<strong>da</strong> o texto?Esses saberes são <strong>de</strong> âmbito social, histórico e i<strong>de</strong>ológico.O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssa proposta se organiza por meio <strong>de</strong> noçõesque procuram <strong>da</strong>r c<strong>on</strong>sistência a uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> dos processos discursivosque estão na base <strong>da</strong> produção do sentido e do sujeito (PÊCHEUX, 1990),portanto, <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento. De fato, a proposta metodológica<strong>da</strong> análise do discurso nos leva a i<strong>de</strong>ntificar os processos <strong>de</strong> formulaçãocomo discursos que se c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong> <strong>em</strong> relação a c<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> produçãoespecíficas e históricas. Dessas c<strong>on</strong>dições faz parte todo o aparatoinstituci<strong>on</strong>al e social que regula a produção do c<strong>on</strong>hecimento, assim comoas posições que os invest<strong>em</strong>, com as quais o sujeito se i<strong>de</strong>ntifica e a partir<strong>da</strong>s quais enuncia – s<strong>em</strong>pre marcado por relações <strong>de</strong> c<strong>on</strong>tradição, por c<strong>on</strong>ta<strong>da</strong>s relações <strong>de</strong> força e divisões <strong>em</strong> jogo. Quer<strong>em</strong>os com isso dizer que osujeito do discurso não é somente um sujeito que enuncia, mas um sujeitoque está <strong>de</strong>terminado pelo c<strong>on</strong>texto social, pela história e pela i<strong>de</strong>ologia nomomento <strong>de</strong>ssa enunciação.120


Marci Fileti Martins; Rosangela Morello; Solange Le<strong>da</strong> GalloAssim como a dimensão social, na sua amplitu<strong>de</strong> máxima não éacessível ao sujeito <strong>da</strong> enunciação, tampouco a dimensão histórica o é. Ossentidos dos enunciados estão se c<strong>on</strong>stituindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito antes <strong>da</strong>existência <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> sujeito falante <strong>em</strong> particular e vão para muito além <strong>de</strong>sua enunciação. Esse c<strong>on</strong>tínuo do sentido, na sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, é inacessívelao sujeito. Por essa razão, o sujeito não t<strong>em</strong> c<strong>on</strong>trole sobre os efeitos <strong>de</strong>sentido <strong>da</strong>quilo que ele enuncia.O sujeito do Discurso, portanto, diferente do sujeito <strong>da</strong> enunciação,é um sujeito que t<strong>em</strong> uma dimensão inc<strong>on</strong>sciente, ou seja, uma esfera doimpensado, do esquecido, do não presente na c<strong>on</strong>sciência. São sentidos nãoenunciados, não ditos, que acompanham todo dizer e que significam àrevelia do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> c<strong>on</strong>trole do sujeito, porque a posição que ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong>nós ocupa <strong>em</strong> um discurso produz sentidos que estão s<strong>em</strong>pre-já-lá e quenós atualizamos. Na Análise do Discurso esse é c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rado o espaço dointerdiscurso.Todo espaço discursivo, portanto, t<strong>em</strong> uma forma <strong>de</strong> sujeito jácunha<strong>da</strong> historicamente, pr<strong>on</strong>ta para receber a inscrição dos indivíduos queaí se i<strong>de</strong>ntificam (mais ou menos) e assum<strong>em</strong> uma posição <strong>em</strong> relação aessa forma-sujeito. Essa inscrição não dá s<strong>em</strong> c<strong>on</strong>fr<strong>on</strong>tos, pois esse espaçodiscursivo é s<strong>em</strong>pre heterogêneo e múltiplo.No caso <strong>da</strong> Revista Laboratório Ciência <strong>em</strong> Curso, por ex<strong>em</strong>plo,estão <strong>em</strong> c<strong>on</strong>fr<strong>on</strong>to a posição-sujeito cientista, a posição-sujeito jornalista, aposição-sujeito técnico (informática), s<strong>em</strong> falar naquelas que são relativasao discurso acadêmico (professor, aluno etc.). Essas posições sãohistoricamente c<strong>on</strong>stituí<strong>da</strong>s e são lugares <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.Na c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>ssas posições, importa enfatizar que elas se realizamcomo projeções imaginárias que c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong> a formulação, <strong>de</strong> modo queesta se materializa como um espaço <strong>de</strong> significação clivado pela relaçãocom o já-dito e o dizer, pela injunção entre fazer vínculo com o formuladoe dizer-se <strong>em</strong> um novo sentido.Acolh<strong>em</strong>os, <strong>de</strong>sse modo, a heterogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s formulações,prop<strong>on</strong>do séries <strong>de</strong> instalações discursivas no âmbito <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s quepromov<strong>em</strong>os. De acordo com Orlandi (2001), a formulação, juntamentecom a c<strong>on</strong>stituição e a circulação, apresenta-se como um dos momentosrelevantes dos processos <strong>de</strong> produção dos discursos.Para a autora (1999, p. 9), é na formulação que[...] a linguag<strong>em</strong> ganha vi<strong>da</strong>, que a m<strong>em</strong>ória se atualiza, queos sentidos se <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m, que o sujeito se mostra (e se121


Linguagens, ciências e tecnologias na formulação do c<strong>on</strong>hecimentoesc<strong>on</strong><strong>de</strong>). Momento <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>finição: corpo e <strong>em</strong>oções <strong>da</strong>/nalinguag<strong>em</strong>. Sulcos no solo do dizer. Trilhas. Materialização<strong>da</strong> voz <strong>em</strong> sentidos, do gesto <strong>em</strong> escrita, <strong>em</strong> traço, <strong>em</strong> signo.Do olhar, do trejeito, <strong>da</strong> toma<strong>da</strong> do corpo pela significação.E o inverso: os sentidos tomando corpo.3. A ciência: processos e produtosA divulgação feita pela Revista Laboratório Ciência <strong>em</strong> Cursopreten<strong>de</strong>, como diss<strong>em</strong>os, ser diferencia<strong>da</strong>, já que todo o trabalho <strong>de</strong>pesquisa divulgado é apresentado <strong>de</strong> maneira c<strong>on</strong>textualiza<strong>da</strong>, ou seja, sãoimportantes para a divulgação as informações sobre o c<strong>on</strong>tato dos gruposcom outros grupos que <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> pesquisas similares, a situação dosgrupos <strong>de</strong> pesquisa no cenário científico naci<strong>on</strong>al e internaci<strong>on</strong>al que lhes épertinente, as c<strong>on</strong>dições materiais <strong>de</strong> implantação e <strong>de</strong> manutenção dosgrupos <strong>de</strong> pesquisa, e as formas <strong>de</strong> incentivo <strong>da</strong>s instituições <strong>de</strong> ensinosuperior e dos órgãos <strong>de</strong> fomento.Além disso, a divulgação feita pela Revista, que se utiliza <strong>de</strong>diferentes mídias: áudio, ví<strong>de</strong>o, texto (hipertexto), e parte-se <strong>de</strong> um t<strong>em</strong>a <strong>de</strong>pesquisa que se apresenta inicialmente como argumento para um <strong>de</strong>bat<strong>em</strong>aior que se <strong>de</strong>senvolverá no <strong>de</strong>correr do t<strong>em</strong>po. O internauta, por sua vez,vai interagir, po<strong>de</strong>ndo escolher os caminhos para entendimento <strong>de</strong>ste t<strong>em</strong>a,s<strong>em</strong> compromisso com a <strong>line</strong>ari<strong>da</strong><strong>de</strong> (www.ciencia<strong>em</strong>curso.unisul.br).C<strong>on</strong>tudo, mesmo tendo como objetivo “captar a ciência no seumovimento/percurso, na busca <strong>de</strong> um aprofun<strong>da</strong>mento c<strong>on</strong>stante, e nãocomo produto acabado e inequívoco”, o que t<strong>em</strong>os observado nesteexercício efetivo <strong>de</strong> levar a ciência para o gran<strong>de</strong> público, ou melhor, paracerto tipo <strong>de</strong> leitor que não é um cientista, é a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> do processo: otexto <strong>de</strong> divulgação não po<strong>de</strong> ser hermético, mostrando-se como outraversão <strong>de</strong> um artigo científico, n<strong>em</strong> tampouco po<strong>de</strong> transformar o t<strong>em</strong>aciência <strong>em</strong> notícia, como faz o jornalismo.De fato, o que se vê, hoje, nos textos <strong>de</strong> divulgação <strong>de</strong> ciência,sobretudo, os <strong>de</strong> jornalismo científico, é uma tendência a fazer prevalecerc<strong>on</strong>hecimentos <strong>da</strong> mídia sobre ciência, isto é, o que é <strong>de</strong>terminante aí é umam<strong>em</strong>ória <strong>da</strong> ciência trata<strong>da</strong> como notícia: um ac<strong>on</strong>tecimento científico éatualizado, transformando o “fato” pela objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> jornalística.Objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> esta, intensamente <strong>de</strong>sdobra<strong>da</strong>, através <strong>da</strong> manipulação <strong>da</strong>língua que, enquanto código “s<strong>em</strong> falhas”, é o instrumento capaz <strong>de</strong>referencializar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> dos fatos, o que c<strong>on</strong>strói, segundo Mariane122


Marci Fileti Martins; Rosangela Morello; Solange Le<strong>da</strong> Gallo(1998, p. 72), “o mito <strong>da</strong> informação jornalística com base noutro mito: o<strong>da</strong> comunicação lingüística”. Este imaginário permite ao sujeito queenuncia (o jornalista) ser “neutro e imparcial”, capaz <strong>de</strong> relatar osac<strong>on</strong>tecimentos, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, para um leitor (o gran<strong>de</strong> público) que, por serc<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rado uma tabula rasa, precisa receber a informação <strong>de</strong> forma “clarae objetiva”.De tal modo, produz-se uma m<strong>em</strong>ória <strong>da</strong> ciência, que se c<strong>on</strong>stituipela mídia e não pela própria ciência. O resultado disso é um simulacro <strong>de</strong>ciência exposto à população leiga, simulacro este que surge como efeito <strong>da</strong>não-explicitação <strong>da</strong>s c<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> produção <strong>da</strong> pesquisa científica. Para opúblico leigo, a ciência se produz <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>textualiza<strong>da</strong> e<strong>de</strong>sc<strong>on</strong>tínua. Esse efeito se produz, segundo Gallo (2004, p. 3), justamenteporque a c<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong>, quando existe, é resultante <strong>de</strong> outros textos sobre omesmo t<strong>em</strong>a publicados anteriormente pela própria mídia, e não peloc<strong>on</strong>hecimento <strong>da</strong> história <strong>da</strong> ciência e <strong>da</strong> pesquisa <strong>em</strong> questão:Estamos c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando simulacro o que resulta <strong>de</strong> umprocesso <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> um sentido c<strong>on</strong>struído <strong>em</strong> um<strong>de</strong>terminado discurso (que lhe sustenta historicamente,socialmente e i<strong>de</strong>ologicamente) para outro discurso que t<strong>em</strong>outra sustentação histórica, social e i<strong>de</strong>ológica e que,portanto, vai interpretar esse “sentido transferido” <strong>de</strong> umamaneira própria, certamente diferente. Dessa mesmamaneira, nos parece funci<strong>on</strong>ar o que se diz “ciência” noDiscurso <strong>de</strong> Divulgação, ou seja, trata-se <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong>ciência, aquela que a m<strong>em</strong>ória do discurso que a divulga,produz. Nesse lugar discursivo, a ciência nos parece sersimulacro.Por outro lado, sabe-se que o discurso científico também t<strong>em</strong> umam<strong>em</strong>ória que <strong>de</strong>termina seu lugar na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> como outro “discurso <strong>de</strong>ver<strong>da</strong><strong>de</strong>”, ou seja, sob o prisma <strong>de</strong> seu objetivo e <strong>de</strong> seu método, que po<strong>de</strong>ser c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rado pela via <strong>da</strong> razão (ciência cartesiana) ou pela via <strong>da</strong><strong>de</strong>m<strong>on</strong>stração (ciência positivista), a ciência está s<strong>em</strong>pre pauta<strong>da</strong> <strong>em</strong> buscara “ver<strong>da</strong><strong>de</strong> e, àqueles que a manipulam ou mesmo <strong>de</strong>la se beneficiam,assiste o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> interpretá-la como tal” (LAVILLE; DIONNE, 1999).Da perspectiva teórica na qual nos situamos, a Análise do Discurso,que leva <strong>em</strong> c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ração as <strong>de</strong>terminações históricas e i<strong>de</strong>ológicas para ac<strong>on</strong>stituição <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> e, por c<strong>on</strong>seguinte, dos sentidos, pensar odiscurso científico ou o discurso jornalístico, implica <strong>em</strong> fazer “uma críticaà afirmação do obvio” (PÊCHEUX, 1988), implica <strong>de</strong>sestabilizar esta123


Linguagens, ciências e tecnologias na formulação do c<strong>on</strong>hecimentom<strong>em</strong>ória que garantiu às práticas discursivas tanto <strong>da</strong> imprensa quanto <strong>da</strong>ciência, tornar<strong>em</strong>-se tão “naturaliza<strong>da</strong>s” que os seus sentidos sãoc<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rados “evi<strong>de</strong>ntes, legítimos e necessários”. Para isto, é preciso quese revel<strong>em</strong> as suas reais c<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> produção, o papel do processohistórico-i<strong>de</strong>ológico <strong>de</strong> sua c<strong>on</strong>stituição.Portanto, o tipo <strong>de</strong> divulgação a que se propõe a Revista Ciência<strong>em</strong> Curso inci<strong>de</strong> nessa forma <strong>de</strong> c<strong>on</strong>stituição dos textos <strong>de</strong> divulgação, <strong>de</strong>modo a torná-los mais c<strong>on</strong>seqüentes do p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista histórico, político esocial. Po<strong>de</strong>mos adiantar que, como p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> <strong>da</strong> investigação,seguimos uma dupla forma pela qual os modos <strong>de</strong> formulação seapresentam historicamente: <strong>em</strong> uma, a forma ancora<strong>da</strong> nos espaços <strong>de</strong>representação estabelecidos, como aqueles dos projetos, diretórios <strong>de</strong>pesquisas, periódicos, instituições. Um mapeamento <strong>de</strong>sses espaçosc<strong>on</strong>stitui, portanto, uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> importante para compreen<strong>de</strong>rmos osmodos <strong>de</strong> formulação. Na outra forma, t<strong>em</strong>os as formulações <strong>em</strong> processo,que se perfaz<strong>em</strong> como tais num c<strong>on</strong>tinuum, passíveis apenas <strong>de</strong> p<strong>on</strong>tuaçõesprovisórias, <strong>de</strong> instantes <strong>de</strong> estabilização. Localizar ou <strong>de</strong>senvolverinstrumentos <strong>de</strong> formulação que acolham esse c<strong>on</strong>tinuum c<strong>on</strong>stitui um<strong>de</strong>safio específico <strong>da</strong> pesquisa.Essa dupla forma <strong>de</strong> existência dos modos <strong>de</strong> formulação afeta ossentidos <strong>de</strong> produção, e nos coloca sob uma tensão específica entre o que sedá como produto e sua c<strong>on</strong>traface, o processo. Assim, a c<strong>on</strong>cepção quetraz<strong>em</strong>os <strong>de</strong> produção c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>pla, por princípio, essa marca <strong>de</strong>transitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> entre processo-produto-processo, fato que nos obriga aassumir, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, uma posição reflexiva e crítica sobre os sentidos doc<strong>on</strong>hecimento que tomamos na re<strong>de</strong> <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória. E que <strong>de</strong>senvolver<strong>em</strong>osao l<strong>on</strong>go <strong>da</strong> pesquisa.Em relação a isso, importa comentar que a divulgação científicaproduzi<strong>da</strong> <strong>em</strong> uma universi<strong>da</strong><strong>de</strong> se difere <strong>da</strong>quela produzi<strong>da</strong> por um veículo<strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa. Esse fato traz c<strong>on</strong>seqüências relativas aodiscurso aí transverso, ao seja, ao pré-c<strong>on</strong>struído (m<strong>em</strong>ória) do discursoacadêmico. Esses todos são aspectos com os quais estamos todosenvolvidos, hoje, enquanto pesquisadores, como os espaços cibernéticos esuas c<strong>on</strong>seqüências, as re<strong>de</strong>s ca<strong>da</strong> vez mais complexas, as novas formas <strong>de</strong>autoria, as formas instantâneas <strong>de</strong> produção e absorção <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento.Os resultados <strong>de</strong> nossas pesquisas são ressignificados por essesatravessamentos que não são somente tecnológicos, mas principalmentediscursivos e que <strong>de</strong>slocam permanent<strong>em</strong>ente nossas posições.124


Marci Fileti Martins; Rosangela Morello; Solange Le<strong>da</strong> Gallo4. O discurso científico na c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong>: heterogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> e<strong>de</strong>sc<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong>Esse eixo <strong>de</strong> pesquisa preten<strong>de</strong> levantar questões envolvendo aprodução do c<strong>on</strong>hecimento científico, discutindo, especificamente,possíveis paradoxos e rupturas que parec<strong>em</strong> estar c<strong>on</strong>stituindo o discursocientífico na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. A socie<strong>da</strong><strong>de</strong> c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea, <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> poralguns <strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna, caracteriza-se por uma c<strong>on</strong>juntura instável, <strong>em</strong> queestão <strong>em</strong> jogo transformações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social, política e ec<strong>on</strong>ômica.Bauman (2001), tratando <strong>de</strong>ssa questão, <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> “mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>líqui<strong>da</strong>” esse movimento <strong>de</strong> transformação e rupturas <strong>da</strong> atual socie<strong>da</strong><strong>de</strong>com certos valores tradici<strong>on</strong>ais e estabilizados (“mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> sóli<strong>da</strong>”), quese c<strong>on</strong>stituíram a partir do advento <strong>de</strong> valores clássicos. Para o autor, na“mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> líqui<strong>da</strong>” tudo é volátil e as relações sociais não são mais tãotangíveis, pois o trabalho, a política, a vi<strong>da</strong> <strong>em</strong> c<strong>on</strong>junto, a familiar, <strong>de</strong>casais, <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> amigos, per<strong>de</strong>m c<strong>on</strong>sistência e estabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Dessaperspectiva, Bauman (i<strong>de</strong>m) acredita que a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea sec<strong>on</strong>stitui por uma c<strong>on</strong>juntura heterogênea, <strong>em</strong> que se inter-relaci<strong>on</strong>am essesdois momentos histórico-sociais c<strong>on</strong>flitantes. Já Lyotard (2002, p.3),discutindo o que ele <strong>de</strong>nomina “c<strong>on</strong>dição pós-mo<strong>de</strong>rna”, <strong>de</strong>staca que astransformações <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m cultural pelas quais passa a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea envolv<strong>em</strong> o fim <strong>da</strong>s metanarrativas. C<strong>on</strong>seqüent<strong>em</strong>ente,segundo ele, os gran<strong>de</strong>s esqu<strong>em</strong>as explicativos teriam caído <strong>em</strong> <strong>de</strong>scréditoe não haveria mais “garantias”, posto que mesmo a “ciência” já não po<strong>de</strong>riaser c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> como a f<strong>on</strong>te <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>.A partir do entendimento <strong>de</strong>ssas c<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> produção, estamosinteressados <strong>em</strong> compreen<strong>de</strong>r o lugar <strong>da</strong> ciência na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, que parece,<strong>em</strong> certa medi<strong>da</strong>, refletir essa c<strong>on</strong>juntura, ao se distanciar tanto <strong>de</strong> umraci<strong>on</strong>alismo/positivismo exclusivista, que ortodoxamente c<strong>on</strong>stituíram odiscurso <strong>da</strong> ciência, quanto do lugar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ocupado pela ciência na nossasocie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Essa reflexão parte <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> materiais, como artigoscientíficos, m<strong>on</strong>ografias entre outros, mas também se dá <strong>de</strong> forma indireta,pois a pesquisa também se <strong>de</strong>senvolve através <strong>da</strong> análise do discursocientífico ressignificado pelo discurso divulgação <strong>de</strong> ciência. A RevistaLaboratório Ciência <strong>em</strong> Curso é um dos espaços <strong>de</strong> divulgação utilizadospara analisarmos as transformações e rupturas que po<strong>de</strong>m estar afetando aciência na c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong>.Partimos <strong>da</strong> proposta <strong>de</strong> Martins (2007) que, na sua análise <strong>de</strong>alguns materiais <strong>de</strong> divulgação científica, <strong>de</strong>staca certos enunciados, como“incerteza”, “incompletu<strong>de</strong>”, “imperfeição”, “provisório”, “não po<strong>de</strong> ser125


Linguagens, ciências e tecnologias na formulação do c<strong>on</strong>hecimentocomprovado jamais”, “na<strong>da</strong> existe a não ser que observ<strong>em</strong>os” e “nósprecisamos <strong>da</strong> incerteza, é o único modo <strong>de</strong> c<strong>on</strong>tinuar”. Estes enunciadosestariam materializando, segundo a autora, certos sentidos sobre ciênciaaparent<strong>em</strong>ente c<strong>on</strong>flitantes com o funci<strong>on</strong>amento <strong>de</strong> um discurso <strong>da</strong> ciênciac<strong>on</strong>cebido tanto “como uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> triag<strong>em</strong> entre enunciadosver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros e enunciados falsos”, quanto como a produção <strong>de</strong> um sujeito <strong>da</strong>ciência que está “presente pela sua ausência” (PÊCHEUX, 1988, p. 197-198).A relevância <strong>de</strong>ssa discussão para a área científica/educaci<strong>on</strong>al éevi<strong>de</strong>nte, já que são as instituições acadêmicas, juntamente com os seuscentros tecnológicos, os lugares instituci<strong>on</strong>alizados <strong>da</strong> produção ecirculação do c<strong>on</strong>hecimento científico na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. E, ao se verificar que omundo mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong>u à ciência, <strong>de</strong> certa forma, a incumbência <strong>de</strong> enc<strong>on</strong>trarsoluções para os probl<strong>em</strong>as <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e que na c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong> essaincumbência po<strong>de</strong> estar sendo minimiza<strong>da</strong>, é especialmente importantecompreen<strong>de</strong>r como se dão esses <strong>de</strong>slocamentos e essas transformações.5. Línguas, ciências e tecnologiasEsse eixo está sendo estruturado, nesse momento, com o objetivo<strong>de</strong> mapear as iniciativas <strong>em</strong> tecnologias <strong>da</strong> informação e comunicaçãoimpl<strong>em</strong>enta<strong>da</strong>s por e <strong>em</strong> diferentes línguas brasileiras, discutindo osalcances sociais e políticos <strong>de</strong> tais iniciativas na produção e gestão <strong>de</strong>c<strong>on</strong>hecimentos. A diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s línguas t<strong>em</strong> sido objeto <strong>de</strong> atenção <strong>de</strong>recentes políticas públicas dos Estados Naci<strong>on</strong>ais. Colocando <strong>em</strong> foco anecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fomentar a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong>, essas políticas reflet<strong>em</strong> uma relação<strong>de</strong> tensão e c<strong>on</strong>tradição com processos globalizadores <strong>da</strong>s relações <strong>de</strong>comunicação e informação engendrados pelas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tecnologias digitais.A compreensão <strong>de</strong>sse quadro no c<strong>on</strong>texto brasileiro c<strong>on</strong>stitui o objeto <strong>de</strong>nossa pesquisa. Especificamente in<strong>da</strong>gamos sobre o quadro atual <strong>da</strong>slínguas brasileiras que participam <strong>da</strong>s re<strong>de</strong>s digitais <strong>de</strong> comunicação einformação (incluindo a internet), procurando c<strong>on</strong>struir uma compreensãoqualifica<strong>da</strong> sobre as formas <strong>de</strong>ssa participação para a impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong>políticas lingüísticas. No processo <strong>de</strong> c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong>sse quadrointerpretativo, refletir<strong>em</strong>os sobre a documentação lingüística e ofunci<strong>on</strong>amento <strong>da</strong>s tecnologias <strong>de</strong> comunicação e informação.Discutir<strong>em</strong>os a idéia <strong>de</strong> que, se as tecnologias são espaços <strong>de</strong> circulaçãomassiva <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento, são também, e sobretudo, espaços <strong>de</strong> produção<strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimentos e vínculos que ressoam na gestão <strong>da</strong>s línguas e dossujeitos que as falam126


Marci Fileti Martins; Rosangela Morello; Solange Le<strong>da</strong> GalloC<strong>on</strong>clusivamente, elaborar essa discussão no entr<strong>em</strong>eio dostrabalhos <strong>de</strong> divulgação e dos modos <strong>de</strong> formulação do c<strong>on</strong>hecimentosignifica atuar nas c<strong>on</strong>tradições que permeiam as práticas <strong>de</strong> especialistas<strong>em</strong> diferentes áreas – informática, multimídia, lingüística. Essa interlocuçãopotencializa um espaço para formulação <strong>de</strong> instrumentos voltados aosestudos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>, como a Revista Laboratório Ciência <strong>em</strong> Curso, fatoque justifica e ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>safia nosso programa <strong>de</strong> trabalhointerinstituci<strong>on</strong>al. Desse modo, o trajeto que propomos se inicia e retornasobre a discussão a respeito <strong>da</strong> cultura científica e <strong>da</strong> figuração <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong>m<strong>em</strong>ória.ReferênciasBAUMAN, Z. Mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> Líqui<strong>da</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro. Jorge Zahar, 2001.FOUCAULT, M. A Arqueologia do Saber. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária,1997.GALLO, S. Escrita e Simulacro: discurso <strong>de</strong> divulgação científica. IV Enc<strong>on</strong>tro doCírculo <strong>de</strong> Estudos Lingüísticos do Sul. Anais... Florianópolis, UFSC, 2004._____. Plágio na Internet. In: MORELLO, R. (Org.). Giros na Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Campinas:Unicamp/Labeurb, 2004_____. Autoria: função do sujeito e efeito do discurso. In: TASSO, I (Org.).Estudos do texto e do discurso. São Carlos: Claraluz, 2008._____. Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Pesquisa e a Produção <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento. XXIII ENANPOLL.Anais... http://www.fflch.usp.br/dlm/mo<strong>de</strong>rnas/anpoll-frame.htm. Goiânia, 2008.LYOTARD, J-F. A C<strong>on</strong>dição Pós-Mo<strong>de</strong>rna. Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio, 2002.HENRY, P. Os fun<strong>da</strong>mentos teóricos <strong>da</strong> análise do discurso <strong>de</strong> Michel Pêcheux. inGADET, F.; HAK, T. (Orgs.). Por uma análise automática do discurso. Campinas:Ed. <strong>da</strong> Unicamp, 1990.LAVILLE, C.; DIONNE, J. A C<strong>on</strong>strução do Saber: manual <strong>de</strong> metodologia <strong>da</strong>pesquisa <strong>em</strong> ciências humanas. Porto Alegre: ARTMED, 1999.MALDIDIER, D. A inquietação do discurso. Campinas, P<strong>on</strong>tes, 2003.BRANDÃO, H. N. Introdução à Análise do Discurso. Campinas: Ed. <strong>da</strong> Unicamp,1994.MARIANI, B. PCB e a Imprensa: os comunistas imaginário dos jornais <strong>de</strong> (1922-1989). Campinas: Revan; Ed. <strong>da</strong> Unicamp, 1998.MARTINS, F. M. Divulgação científica e a heterogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> discursiva: análise <strong>de</strong>“Uma Breve História do T<strong>em</strong>po” <strong>de</strong> Stephen Hawking. Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso,v. 6, n. 2, 2006.127


Linguagens, ciências e tecnologias na formulação do c<strong>on</strong>hecimento_____. O que po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser dito no discurso <strong>de</strong> divulgação <strong>de</strong> ciência:nós precisamos <strong>da</strong> incerteza, é o único modo <strong>de</strong> c<strong>on</strong>tinuar. III SEAD. Porto Alegre,2007_____. Os sentidos do ilegítimo e do provisório no audiovisual c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneo.XXIII Enc<strong>on</strong>tro Naci<strong>on</strong>al <strong>da</strong> ANPOLL. Anais... Goiânia. 2008. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>http://www.fflch.usp.br/dlm/mo<strong>de</strong>rnas/anpoll-frame.htm._____ et al. A ciência enquanto processo: um caso <strong>de</strong> divulgação científica. Artigoa ser apresentado no 4º C<strong>on</strong>gresso Internaci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> Comunicação, Cultura e Mídia– coMcult, <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro 2008.MORELLO, R. A Língua Portuguesa pelo Brasil: comentário e escrita <strong>da</strong> autoria.Revista Internaci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> Lingüística Iberoamericana, v. 2, n. 1 (3), Instituto Ibero-Americano Berlin/Br<strong>em</strong>en; Vervuert, Madrid. 2004_____. Política Científica e Linguagens tecnológicas In: MORELLO, R. (Org.).Giros na Ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Campinas: Unicamp/Labeurb, 2004._____. Por uma Política <strong>de</strong> Vínculos <strong>de</strong> C<strong>on</strong>hecimento na Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ensino in <strong>em</strong>GT-AD/ANPOLL, 2004b_____. Definir e linkar: <strong>em</strong> que sentido? ORLANDI, E. (Org.). Para umaenciclopédia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Campinas: P<strong>on</strong>tes; Labeurb/UNICAMP, 2003._____. A Língua Portuguesa pelo Brasil: diferença e autoria. Tese <strong>de</strong>Doutoramento, DL/IEL UNICAMP, 2002NUNES, M. A. V.; MARTINS, M. F. O discurso artístico na c<strong>on</strong>stituição dosmateriais <strong>de</strong> divulgação <strong>de</strong> ciência: a Revista Laboratório Ciência <strong>em</strong> Curso.Artigo submetido ao Prêmio Jov<strong>em</strong> Cientista-CNPq. 2007ORLANDI, E. Para uma enciclopédia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. _____ (Org.) Campinas: P<strong>on</strong>tes;Labeurb/UNICAMP, 2003._____ Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas: P<strong>on</strong>tes,2001._____Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas: P<strong>on</strong>tes, 1999.PÊCHEUX, M. Por uma análise automática do discurso. In: GADET, F.; HAK, T.(Orgs). Campinas: Ed. <strong>da</strong> Unicamp, 1990._____. S<strong>em</strong>ântica e Discurso. Campinas: Ed. <strong>da</strong> Unicamp, 1988._____. O Discurso: estrutura ou ac<strong>on</strong>tecimento. ). Campinas: P<strong>on</strong>tes, 1990._____. Rôle <strong>da</strong> la Mémoire. In: ACHARD, P., GRUENAIS, M-P, JAULIN, D.(Orgs). Histoire et m<strong>em</strong>oire: actes <strong>de</strong> la tables r<strong>on</strong><strong>de</strong> “langage et société”. ENS-Paris, Avril/1983. Trad. bras. <strong>de</strong> NUNES, J. H. Papel <strong>da</strong> M<strong>em</strong>ória. Campinas:P<strong>on</strong>tes, 1999.TEIXEIRA, F. E. Documentário Mo<strong>de</strong>rno. In: MASCARELLO, F. (Org). Históriado Cin<strong>em</strong>a Mundial. São Paulo: Papirus, 2008.128


ANÁLISE DO DISCURSO: O CAMPOSandro BragaMaria Marta Furlanetto1. O nascimento (ou Introdução)Comec<strong>em</strong>os por uma tentativa <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>atizar o que se enten<strong>de</strong>pelos termos Análise do Discurso, discurso e pesquisa. Em segui<strong>da</strong>,diríamos que resp<strong>on</strong><strong>de</strong>r o que é Análise do Discurso não é uma tarefa fácil.Definir o que é o discurso, por sua vez, é algo bastante difícil. Falar sobrepesquisa, sobretudo aquela <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> a localizar os sentidos do fazersentido, fazendo uso <strong>de</strong> uma teoria <strong>de</strong> Análise do Discurso, é <strong>de</strong>safiador.O parágrafo acima, antes que um <strong>de</strong>sestímulo ao leitor, t<strong>em</strong> aintenção <strong>de</strong> encorajá-lo. Preten<strong>de</strong> p<strong>on</strong>tuar que a Análise do Discurso é umateoria que mais se pauta pelo questi<strong>on</strong>ar, probl<strong>em</strong>atizar e interrogar, queresp<strong>on</strong><strong>de</strong>r, afirmar e c<strong>on</strong>statar. Desse modo, po<strong>de</strong>mos dizer que, melhorque c<strong>on</strong>ceituar a Análise <strong>de</strong> Discurso, seria dizer do que trata essa correnteteórica.A Análise <strong>de</strong> Discurso <strong>de</strong> corrente francesa trata especificamentedo sentido, mais do que isso, dos efeitos do sentido. Ora, quando diz<strong>em</strong>os“efeitos do sentido”, já sinalizamos que, para essa teoria, não existe umúnico sentido para um discurso produzido. E é justamente por se tratar <strong>de</strong>certa plurali<strong>da</strong><strong>de</strong>/multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> que o terreno <strong>da</strong> análise do discurso é tãoarenoso, difícil <strong>de</strong> ser percorrido, inclusive, teoricamente. Mesmo assim,vamos tentar localizar nosso leitor que preten<strong>de</strong> aventurar-se nesse campo.A Análise do Discurso francesa foi inaugura<strong>da</strong> pelo francês MichelPêcheux no ano <strong>de</strong> 1969, com o lançamento do livro Análise automática dodiscurso.[...] <strong>em</strong> que a gran<strong>de</strong> questão [do estruturalismo] é a relação<strong>da</strong> estrutura com a história, do indivíduo com o sujeito, <strong>da</strong>língua com a fala, assim como se interroga a interpretação.[...] Para isto a análise <strong>de</strong> discurso reúne, <strong>de</strong>slocando, línguasujeito-história,c<strong>on</strong>struindo um objeto próprio, o discurso, eum campo teórico específico. (ORLANDI, 2008, p. 6).


Análise do discurso: o campoCabe dizer que, nesse c<strong>on</strong>texto, o estruturalismo vive seu auge naEuropa, sobretudo na França, e se prepõe como paradigma <strong>de</strong> formataçãodo mundo, <strong>da</strong>s idéias e <strong>da</strong>s coisas para to<strong>da</strong> uma geração <strong>de</strong> intelectuais.Como <strong>em</strong>pecilho para essa formatação estava o “sujeito”, el<strong>em</strong>entoperturbador, uma vez que <strong>de</strong> difícil (ou impossível) esquadrinhamento nãofísico,o que se tornava um probl<strong>em</strong>a para o objeto científico. Assim, osujeito fica excluído <strong>da</strong> proposta estruturante.As ciências humanas, <strong>de</strong> certa forma, toca<strong>da</strong>s pelo <strong>de</strong>scartar <strong>da</strong>subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, propõ<strong>em</strong> um movimento probl<strong>em</strong>atizando esse paradigmaque impera e traz o sujeito novamente para o centro do panorama teórico. É<strong>de</strong>ssa forma que a Análise do Discurso nasce. Com um viés político <strong>de</strong>intervenção, no que diz respeito aos estudos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>, visa a combatero c<strong>on</strong>tun<strong>de</strong>nte formalismo lingüístico <strong>da</strong> época.Sintetizamos com Orlandi (2005, p. 15):A primeira coisa a se observar na Análise do Discurso é queela não trabalha com a língua enquanto um sist<strong>em</strong>a abstrato,mas com a língua do mundo, com maneiras <strong>de</strong> significar,com homens falando, c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando a produção <strong>de</strong> sentidosenquanto parte <strong>de</strong> suas vi<strong>da</strong>s, seja enquanto sujeitos, sejaenquanto m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> forma <strong>de</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.2. Primeiros passosNa tentativa <strong>de</strong> localizar o sujeito, a Análise do Discurso vaipropor enc<strong>on</strong>trá-lo na psicanálise e no materialismo histórico. Assim, t<strong>em</strong>secomo está formulado este c<strong>on</strong>ceito-chave e até hoje fun<strong>da</strong>mental. Dapsicanálise, a AD vai retirar – a partir <strong>de</strong> Freud e Lacan – a compreensão <strong>de</strong>um sujeito <strong>de</strong>sejante, inc<strong>on</strong>sciente e <strong>de</strong>scentrado. No tangente aomaterialismo histórico – a partir <strong>de</strong> Althusser – compreen<strong>de</strong> o sujeitoassujeitado, c<strong>on</strong>stituído pela materiali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> língua e interpelado pelai<strong>de</strong>ologia.A Análise do Discurso nasceu <strong>em</strong> uma z<strong>on</strong>a já povoa<strong>da</strong> etumultua<strong>da</strong> – <strong>de</strong> um lado, numa esquina, ocupando quasetodo o quarteirão – a lingüística; na outra p<strong>on</strong>ta espaçoso, omaterialismo histórico, e no meio dividindo o espaço lado alado com a psicanálise, a teoria do discurso. Portanto, essac<strong>on</strong>tigüi<strong>da</strong><strong>de</strong>, esse c<strong>on</strong>vívio fr<strong>on</strong>teiriço entre análise dodiscurso e psicanálise v<strong>em</strong> <strong>de</strong> l<strong>on</strong>ge, v<strong>em</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início. Tais130


Sandro Braga; Maria Marta Furlanettovizinhas, c<strong>on</strong>tudo, ain<strong>da</strong> que bastante próximas guar<strong>da</strong>mdistância e não c<strong>on</strong>fun<strong>de</strong>m seus espaços comuns – sãoíntimas, mas n<strong>em</strong> tanto, d<strong>on</strong><strong>de</strong> há “estranha intimi<strong>da</strong><strong>de</strong>”.(FERREIRA, 2005, p. 213).S<strong>em</strong> medo <strong>de</strong> redundância, diz<strong>em</strong>os que o objeto <strong>da</strong> Análise doDiscurso é o discurso, mais precisamente a c<strong>on</strong>stituição do sujeito no limiardo discurso. Nas palavras <strong>de</strong> Paul Henry, “o sujeito é s<strong>em</strong>pre e, ao mesmot<strong>em</strong>po, sujeito <strong>da</strong> i<strong>de</strong>ologia e sujeito do <strong>de</strong>sejo inc<strong>on</strong>sciente e isso t<strong>em</strong> a vercom o fato <strong>de</strong> nossos corpos ser<strong>em</strong> atravessados pela linguag<strong>em</strong> antes <strong>de</strong>qualquer cogitação” (HENRY, 1992, p. 188).Se o sujeito se c<strong>on</strong>stitui pela linguag<strong>em</strong> através do discurso queassume ou é assujeitado por ele, cabe agora tentarmos alinhavar o que é odiscurso. Para isso, precisamos pensar primeiramente no processo <strong>de</strong>comunicação <strong>em</strong> que a língua serve APENAS para transmitir a informação,como muitas vezes visto na teoria <strong>da</strong> informação (cf. Jakobs<strong>on</strong>) <strong>em</strong> queentra <strong>em</strong> cena um <strong>em</strong>issor, um receptor e, a partir <strong>de</strong> um canal, c<strong>on</strong>segue-sepropagar uma mensag<strong>em</strong>. C<strong>on</strong>trariamente, a noção discurso (cf. Pêcheux)se opõe a essa formulação, pois com ela se enten<strong>de</strong> que a língua não étransparente; não há uma relação direta entre a palavra e seu significado.Desse modo, o discurso é compreendido como o efeito <strong>de</strong> sentidoproduzido no momento <strong>em</strong> que se dá a interlocução. “O discurso não éfechado <strong>em</strong> si mesmo e n<strong>em</strong> é domínio exclusivo do locutor: aquilo que sediz significa <strong>em</strong> relação ao que não se diz, ao lugar social do qual se diz,para qu<strong>em</strong> se diz, <strong>em</strong> relação a outros discursos” (ORLANDI, 2006, p. 83).É no discurso e no cruzamento <strong>de</strong> suas vias que se interligam osp<strong>on</strong>tos que un<strong>em</strong> essa re<strong>de</strong> discursiva e as sustentam. Desse modo, não sepo<strong>de</strong> falar <strong>em</strong> discurso s<strong>em</strong> aci<strong>on</strong>ar outros sentidos e pensar <strong>em</strong> outrosc<strong>on</strong>ceitos que lhe c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong>, tais como o <strong>de</strong> língua, sujeito e história. Epor isso que se enten<strong>de</strong> o discurso não como aquilo que está esc<strong>on</strong>dido –como muitas vezes se pensa <strong>em</strong> senso comum – ou como sinônimo <strong>de</strong>falsi<strong>da</strong><strong>de</strong> ou não ver<strong>da</strong><strong>de</strong>; ou ain<strong>da</strong> <strong>de</strong> que a Análise do Discurso vai<strong>de</strong>sven<strong>da</strong>r o que está por trás do discurso; não. A AD busca justamentelocalizar o discurso, ou os discursos c<strong>on</strong>stitutivos <strong>da</strong>s relações sociais e dosujeito inserido nesse campo e tomado pelo inc<strong>on</strong>sciente e pela i<strong>de</strong>ologia.Assim, o discurso po<strong>de</strong> ser compreendido como um lugar i<strong>de</strong>al paraobservação <strong>da</strong>s relações entre língua e i<strong>de</strong>ologia e também um lugar <strong>de</strong>mediação, <strong>de</strong> imbricação no campo do dispositivo teórico-analítico,permitindo que se possam observar <strong>em</strong> seu funci<strong>on</strong>amento os processos <strong>de</strong>produção <strong>de</strong> sentido <strong>de</strong>ssa materiali<strong>da</strong><strong>de</strong> simbólica.131


Análise do discurso: o campoL<strong>em</strong>bro-me <strong>de</strong> uma aula <strong>de</strong> Filosofia <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> quediscutia com os alunos, a partir <strong>da</strong> leitura do texto Pensamento <strong>de</strong>Linguag<strong>em</strong>, <strong>de</strong> Sylvain Auroux, a diferença entre a linguag<strong>em</strong> humana ti<strong>da</strong>como natural e a artificial. Vários foram os argumentos, tais como acapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> (<strong>da</strong> primeira) <strong>de</strong> raciocinar diferent<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> estar programa<strong>da</strong>para operaci<strong>on</strong>alizar uma ação, capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar <strong>de</strong>cisões, capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> sentir <strong>em</strong>oções. Até surgir uma fala que propunha como uma c<strong>on</strong>dição(<strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> artificial) ain<strong>da</strong> não possível ao computador, mas... Para nãome esten<strong>de</strong>r, trago um p<strong>on</strong>to proposto pelo próprio Auroux: “Em todo caso,o que falta ao computador para falar como um hom<strong>em</strong> [...] não é dispor <strong>de</strong>uma alma ou <strong>de</strong> enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s intensi<strong>on</strong>ais como as idéias, é ter um corpo epo<strong>de</strong>r estar imerso <strong>em</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong>” (1998, p. 231).O que o autor nos mostra <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> outro paradigma teórico é que alinguag<strong>em</strong> humana jamais será possível <strong>de</strong> ser produzi<strong>da</strong> artificialmente,pois não basta um léxico e um c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> regras morfossintáticas paramanusear o código lingüístico. A língua não é transparente; não é apenasum sist<strong>em</strong>a como primeiramente propôs Saussure. A língua se c<strong>on</strong>stitui <strong>de</strong>discursos e nós somos c<strong>on</strong>stituídos por eles. Assim, também não basta <strong>da</strong>rcorpo à máquina (como ac<strong>on</strong>tece com os robôs) e inseri-la socialmente paraque se reproduza a linguag<strong>em</strong> humana, pois o corpo também não é na<strong>da</strong>mais que discurso. Não somos apenas tecido ósseo e células, a carnehumana é cerzi<strong>da</strong> pela língua, <strong>de</strong> modo que esse corpo está sob c<strong>on</strong>stantec<strong>on</strong>strução.O uso <strong>da</strong> metáfora “cerzir” é interessante, pois do latim sarciresignifica coser um tecido <strong>de</strong> forma que não se not<strong>em</strong> as costuras. Po<strong>de</strong>mosdizer que n<strong>em</strong> perceb<strong>em</strong>os como a trama discursiva materializa<strong>da</strong> pelalíngua reveste o corpo, assim como a pele e os ossos.Sintetizando, o sujeito é a pedra angular <strong>da</strong> análise do discurso, e odiscurso, objeto <strong>da</strong> prática analítica. É a partir do sujeito que surg<strong>em</strong> osdiscursos, <strong>em</strong>bora ele não seja o centro <strong>de</strong> seu discurso e não tenha po<strong>de</strong>r<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, escolher ou propor estratégias <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> seu própriodiscurso, ao invés disso, ele é c<strong>on</strong>stituído pelo discurso. O sujeito t<strong>em</strong> ailusão <strong>de</strong> ser o d<strong>on</strong>o <strong>de</strong> seu dizer, mas pelo viés <strong>da</strong> AD, é o inc<strong>on</strong>sciente e ai<strong>de</strong>ologia que <strong>de</strong>terminam o discurso assumido, fazendo com que esse dizeratua no plano do que é possível dizer <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> posição <strong>em</strong> que esse sujeitose enc<strong>on</strong>tra.132


Sandro Braga; Maria Marta Furlanetto3. Alguns nomes importantes para a ADApresentar<strong>em</strong>os nomes <strong>de</strong> alguns intelectuais que, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>suas perspectivas teóricas, trouxeram c<strong>on</strong>tribuições importantes para aAnálise do Discurso <strong>de</strong> corrente francesa. Comec<strong>em</strong>os por Marx eAlthusser, tendo <strong>em</strong> vista a importância do c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia propostopelo primeiro e reelaborado pelo segundo, do qual Pêcheux se apropria parapensar a formulação do primeiro quadro teórico <strong>da</strong> AD. Seguimos comFreud e Lacan, com a proposição <strong>de</strong> que sujeito interessa ou fala a AD.Foucault, por sua vez, é um nome importante visto que seu método“arqueológico” <strong>de</strong> investigação <strong>da</strong>s relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r é já umapossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong>ssas formações discursivas. Essaapresentação finaliza-se com Orlandi, figura central e promotora <strong>da</strong>corrente francesa no Brasil, pois ela <strong>de</strong>senvolveu um extenso trabalho <strong>de</strong>pesquisa e subsidiou novas formulações teóricas que têm servido <strong>de</strong>referência aos pesquisadores <strong>da</strong> área do discurso.Karl MarxKarl Marx, pensador al<strong>em</strong>ão que <strong>de</strong>senvolveu uma teoria acerca <strong>da</strong>i<strong>de</strong>ologia, c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando-a como um instrumento <strong>de</strong> dominação que ageatravés do c<strong>on</strong>vencimento, eliminando a c<strong>on</strong>sciência humana e camuflandoa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Autor, juntamente com Friedrich Engels, <strong>de</strong> A i<strong>de</strong>ologia al<strong>em</strong>ã(1965), Marx parte <strong>de</strong> uma crítica aos filósofos al<strong>em</strong>ães pela maneira <strong>de</strong> verabstrata e i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong>stes, que não estabelec<strong>em</strong> ligação entre a filosofiaal<strong>em</strong>ã e a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> al<strong>em</strong>ã, ou seja, não c<strong>on</strong>stro<strong>em</strong> um laço entre a críticaproposta e seu próprio material, acabando perdidos <strong>em</strong> suas fraseologias.Marx e Engels i<strong>de</strong>ntificam i<strong>de</strong>ologia com a separação que sefaz entre a produção <strong>da</strong>s idéias e as c<strong>on</strong>dições sociais ehistóricas <strong>em</strong> que são produzi<strong>da</strong>s. Por isso é que eles tomamcomo base para suas formulações apenas <strong>da</strong>dos possíveis <strong>de</strong>uma verificação puramente <strong>em</strong>pírica. (BRANDÃO, s. d, p.19).Para Marx, os <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> são os indivíduos reais, sua açãoe suas c<strong>on</strong>dições materiais <strong>de</strong> existência, aquelas que já enc<strong>on</strong>traram a suaespera e aquelas que surg<strong>em</strong> com sua própria ação. Disso resulta ai<strong>de</strong>ologia como sist<strong>em</strong>a or<strong>de</strong>nado <strong>de</strong> idéias ou representações e o c<strong>on</strong>junto133


Análise do discurso: o campo<strong>de</strong> regras normatizantes como algo separado e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong>s c<strong>on</strong>diçõesmateriais, uma vez que os teóricos (intelectuais) não estão diretamenteligados à produção material <strong>da</strong>s c<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> existência. Brandão (ibid.)ap<strong>on</strong>ta que essa separação entre trabalho intelectual e trabalho material dáuma aparente aut<strong>on</strong>omia ao primeiro, o que significa dizer que para asidéias, automatiza<strong>da</strong>s e prevalecendo sobre o segundo, passam a ser aexpressão <strong>da</strong>s idéias <strong>da</strong> classe dominante.A partir <strong>de</strong>ssa elaboração, Marx vê a i<strong>de</strong>ologia como instrumento<strong>de</strong> dominação <strong>de</strong> classe, porque a classe dominante faz com que suas idéiaspass<strong>em</strong> a ser idéias <strong>de</strong> todos. Nas palavras dos autores:As idéias <strong>da</strong> classe dominante são, <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> época, as idéiasdominantes, isto é, a classe que é a força material dominante<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> é, ao mesmo t<strong>em</strong>po, sua força espiritual. [...]Na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que dominam como classe e <strong>de</strong>terminam todoo âmbito <strong>de</strong> uma época histórica, é evi<strong>de</strong>nte que o façam <strong>em</strong>to<strong>da</strong> sua extensão [...] domin<strong>em</strong> também como pensadores,como produtores <strong>de</strong> idéias; que regul<strong>em</strong> a produção edistribuição <strong>de</strong> idéias <strong>de</strong> seu t<strong>em</strong>po e que suas idéias sejam,por isso mesmo, as idéias dominantes <strong>da</strong> época. (MARX;ENGELS, 1965, p. 15)Louis AlthusserLouis Althusser recupera a ótica marxista <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia, masenten<strong>de</strong> sua materialização pelas práticas <strong>da</strong>s instituições. Publica I<strong>de</strong>ologiae aparelhos i<strong>de</strong>ológicos do estado (1970). Ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que toma oc<strong>on</strong>ceito proposto por Marx, relaci<strong>on</strong>a-o com a psicanálise. Para Althusser,a i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong>riva dos c<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong> inc<strong>on</strong>sciente (Freud) e <strong>da</strong> fase doespelho (Lacan). Ele <strong>de</strong>screve as estruturas e sist<strong>em</strong>as que permit<strong>em</strong> criarum c<strong>on</strong>ceito do eu. Para ele, é impossível escapar <strong>de</strong>ssas estruturas queatuam como agentes <strong>de</strong> repressão.A i<strong>de</strong>ologia, <strong>em</strong> Althusser, é a relação imaginária, transforma<strong>da</strong> <strong>em</strong>práticas, reproduzindo as relações <strong>de</strong> produção vigentes. Ele propõe quatrocategorias fun<strong>da</strong>mentais na realização i<strong>de</strong>ológica: a interpretação, orec<strong>on</strong>hecimento, a sujeição e os Aparelhos I<strong>de</strong>ológicos <strong>de</strong> Estado. Notangente ao papel do estado, através <strong>de</strong> seus Aparelhos Repressores (oGoverno, a administração, o Exército, a política, os tribunais, as prisões...)e Aparelhos I<strong>de</strong>ológicos (a religião, a escola, a família, a política, a cultura,a informação...) atuam ou pela repressão ou pela i<strong>de</strong>ologia, tentando forçara classe dominante a submeter-se às relações e c<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> explorações.134


Sandro Braga; Maria Marta FurlanettoAlthusser diferencia ain<strong>da</strong> a i<strong>de</strong>ologia geral <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>ologiasparticulares. Enquanto estas exprim<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre, seja qual for a forma,posições <strong>de</strong> classe, aquelas seriam a abstração dos el<strong>em</strong>entos comuns <strong>de</strong>qualquer i<strong>de</strong>ologia c<strong>on</strong>creta, a fixação teórica <strong>de</strong> qualquer mecanismo geral<strong>de</strong> qualquer i<strong>de</strong>ologia. Para isto, propõ<strong>em</strong>: a i<strong>de</strong>ologia representa a relaçãoimaginária <strong>de</strong> indivíduos com suas reais c<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> existência; ai<strong>de</strong>ologia t<strong>em</strong> uma existência s<strong>em</strong>pre num aparelho e na sua prática ou suaspráticas; e a i<strong>de</strong>ologia interpela indivíduos como sujeitos.Sigmund Freud e Jacques LacanA psicanálise é um dos tripés <strong>da</strong> Analise do Discurso, juntamentecom a história e a lingüística. Freud elaborou c<strong>on</strong>ceitos fun<strong>da</strong>mentais paraessa teoria, chegando ao c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> “inc<strong>on</strong>sciente” e tentou <strong>de</strong>sven<strong>da</strong>r seufunci<strong>on</strong>amento. Como já dito, à AD interessa esse sujeito inc<strong>on</strong>sciente,<strong>de</strong>scentrado, <strong>de</strong>sejante e afetado pela figura narcísica (fase do espelho).Lacan já havia proposto o uso do termo discurso, diferenciando-o <strong>de</strong> línguae <strong>de</strong> fala. Ele referia-se a algo que escapa do campo do simbólico, <strong>da</strong>s leis,dos códigos, dos direitos e dos <strong>de</strong>veres que regulam o mundo, como a sobrados discursos que regulam as formas <strong>de</strong> vínculo social.Além <strong>de</strong> formulação do sujeito na psicanálise, t<strong>em</strong>-se a formulaçãodo Outro (com letra maiúscula) que não trata <strong>de</strong> um outro indivíduo, mas<strong>de</strong> um lugar <strong>de</strong> formulação <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>, para além <strong>de</strong> qualquer pessoa e<strong>on</strong><strong>de</strong> o que é interior ao sujeito e que, no entanto, o <strong>de</strong>termina como sujeito.Michel FoucaultMichel Foucault propõe a idéia <strong>de</strong> discurso, <strong>em</strong> A arqueologia dosaber (1969), a partir <strong>de</strong> suas observações <strong>de</strong> como são produzidos osenunciados.[...] todo o discurso manifesto repousaria secretamente sobreum já-dito; e que este já dito não seria simplesmente umafrase já pr<strong>on</strong>uncia<strong>da</strong>, um texto já escrito, mas um “jamaisdito”,um discurso s<strong>em</strong> corpo, uma voz tão silenciosa quantoum sopro, uma escrita que não é senão o vazio <strong>de</strong> seupróprio rastro. (FOUCAULT, 2004, p. 28).135


Análise do discurso: o campoAssim, Foucault c<strong>on</strong>cebe o discurso como uma dispersão, formadopor el<strong>em</strong>entos que não possu<strong>em</strong> nenhuma uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ligação. Interessa-sepelo que chama <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> formação dos discursos, a fim <strong>de</strong> enc<strong>on</strong>trar osel<strong>em</strong>entos que o compõ<strong>em</strong>, tais como os objetos, os tipos <strong>de</strong> enunciação, osc<strong>on</strong>ceitos, os t<strong>em</strong>as e as teorias. São também essas regras que <strong>de</strong>terminamque uma formação discursiva se apresente como sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> relações entreobjetos, tipos enunciativos, c<strong>on</strong>ceitos e estratégias. Dessa forma,caracterizam a formação discursiva <strong>em</strong> sua singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> e possibilitampassar <strong>da</strong> dispersão para a regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>.Para Foucault, o discurso é um c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> enunciados comprincípios regulares envoltos <strong>em</strong> uma mesma formação discursiva, e aanálise <strong>de</strong>ssa formação c<strong>on</strong>siste <strong>em</strong> <strong>de</strong>screver os enunciados que acompõ<strong>em</strong>. Já <strong>em</strong> Foucault, percebe-se a preocupação <strong>de</strong> c<strong>on</strong>trapor oenunciado como produto <strong>da</strong> língua <strong>em</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> social e histórica,diferent<strong>em</strong>ente <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> frase como uma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> arranjolingüístico <strong>em</strong> uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> língua. Desse modo, o autor enten<strong>de</strong> aformação discursiva como uni<strong>da</strong><strong>de</strong> el<strong>em</strong>entar para, como o próprio nomeap<strong>on</strong>ta, formar o discurso. “A formação discursiva aparece, ao mesmot<strong>em</strong>po, como princípio <strong>de</strong> escansão no <strong>em</strong>aranhado dos discursos eprincípio <strong>de</strong> vacui<strong>da</strong><strong>de</strong> no campo <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>” (FOUCAULT, 2004, p.135).Ain<strong>da</strong> quanto ao enunciado e à função enunciativa, Foucault<strong>de</strong>staca quatro características c<strong>on</strong>stitutivas:1) Um enunciado não t<strong>em</strong> diante <strong>de</strong> si um correlato. Está antesligado a um referencial que não é c<strong>on</strong>stituído <strong>de</strong> coisas, <strong>de</strong> fatos, <strong>de</strong>reali<strong>da</strong><strong>de</strong> ou <strong>de</strong> seres, mas <strong>de</strong> leis <strong>de</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> existênciapara os objetos que aí se enc<strong>on</strong>tram nomeados, <strong>de</strong>signados ou <strong>de</strong>scritos,para as relações que aí se enc<strong>on</strong>tram afirma<strong>da</strong>s ou nega<strong>da</strong>s. O referencialdo enunciado forma o lugar, a c<strong>on</strong>dição, o campo <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência e ainstância <strong>de</strong> diferenciação dos indivíduos e/ou dos objetos; <strong>de</strong>fine o que dáà frase sentido (FOUCAULT, 2004, p. 103).2) A relação do enunciado com seu sujeito. Foucault se opõe a umac<strong>on</strong>cepção i<strong>de</strong>alista <strong>de</strong> sujeito. E propõe o sujeito como uma função vazia,um espaço a ser preenchido por diferentes indivíduos que o ocuparão aoformular<strong>em</strong> o enunciado. Rejeita qualquer c<strong>on</strong>cepção unificante <strong>de</strong> sujeito,pois o discurso não é atravessado pela uni<strong>da</strong><strong>de</strong> do sujeito, mas por suadispersão. A história não vista mais como um discurso <strong>de</strong> c<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong>,mas por uma série <strong>de</strong> rupturas no t<strong>em</strong>po. O sujeito do enunciado136


Sandro Braga; Maria Marta Furlanett<strong>on</strong>ão é, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, a causa, orig<strong>em</strong> ou p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> dofenômeno <strong>da</strong> articulação escrita ou oral <strong>de</strong> uma frase; não é,tampouco, a intenção significante que, invadindosilenciosamente o terreno <strong>da</strong>s palavras, as or<strong>de</strong>na como ocorpo visível <strong>de</strong> sua intuição [...] É um lugar <strong>de</strong>terminado evazio que po<strong>de</strong> ser efetivamente ocupado por indivíduosdiferentes, mas esse lugar, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido <strong>de</strong> umavez por to<strong>da</strong>s e se manter uniforme [...] é variável o bastantepara po<strong>de</strong>r c<strong>on</strong>tinuar idêntico a si mesmo. (FOUCAULT,2004, p. 107).A c<strong>on</strong>cepção <strong>de</strong> discurso, para Foucault, como um campo <strong>de</strong>regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s, <strong>em</strong> que diversas posições <strong>de</strong> sujeito po<strong>de</strong>m atuar,redimensi<strong>on</strong>a o papel <strong>de</strong>sse sujeito no processo <strong>de</strong> organização <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong>, eliminando-a como f<strong>on</strong>te geradora <strong>de</strong> significações. Nos termosdo autor:Descrever uma formulação enquanto enunciado não c<strong>on</strong>siste<strong>em</strong> analisar as relações entre e o que ele disse (ou quis dizer,ou disse s<strong>em</strong> querer), mas <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminar qual é a posiçãoque po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ocupar todo indivíduo para ser seu sujeito.(FOUCAULT, 2004, p. 107).3) A função enunciativa não po<strong>de</strong> se exercer s<strong>em</strong> a existência <strong>de</strong>um domínio associado, também compreendido como campo adjacente ouespaço colateral. O enunciado é formulado associado a outros anunciados,não existe enunciado isola<strong>da</strong>mente; somente é possível isolar a frase comoestrutura gramatical. A essa associação entre enunciados, Pêcheux vaichamar <strong>de</strong> interdiscurso.4) A existência material. Trata-se s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> registrodo signo, mesmo que dissimula<strong>da</strong>. Para marcar essa materiali<strong>da</strong><strong>de</strong>,Foucault distingue enunciado <strong>de</strong> enunciação. Enquanto o primeiro po<strong>de</strong> serrepetido, a enunciação é o próprio ato <strong>de</strong> uso <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>, assim não serepete e é marca<strong>da</strong> pela singulari<strong>da</strong><strong>de</strong>, “há enunciação ca<strong>da</strong> vez que umc<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> signos for <strong>em</strong>itido. Ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>ssas articulações t<strong>em</strong> suaindividuali<strong>da</strong><strong>de</strong> espaço-t<strong>em</strong>poral” (FOUCAULT, 2004, p. 114). Talformulação <strong>de</strong> enunciação serve para se compreen<strong>de</strong>r o que a AD vaichamar <strong>de</strong> ac<strong>on</strong>tecimento (na linguag<strong>em</strong>) e singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> (no sujeito).137


Análise do discurso: o campoEni Orlandi e a “escola brasileira <strong>de</strong> Análise do Discurso”Reserva-se este espaço <strong>de</strong>stinado a Orlandi para se falar <strong>de</strong> como seinstitui a teoria <strong>da</strong> AD e essa prática analítica no Brasil, ao mesmo t<strong>em</strong>po<strong>em</strong> que se tenta mostrar a(s) dicotomia(s) presente(s) quando se fala <strong>em</strong>Análise <strong>de</strong> Discurso. Orlandi, mesmo sendo qu<strong>em</strong> propõe o pensamento <strong>de</strong>intelectuais franceses aqui no Brasil, tendo c<strong>on</strong>vivido, inclusive, commuitos <strong>de</strong>les na França, p<strong>on</strong>tua uma diferença fun<strong>da</strong>dora para AD queinstala no país. “A ciência <strong>da</strong> língua que assim se c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra não estáaparta<strong>da</strong> do território <strong>em</strong> que se produz. Tampouco a análise <strong>de</strong> discurso”(ORLANDI, s. d, p. 2).A primeira gran<strong>de</strong> divisão estaria presente no que se enten<strong>de</strong> porAnálise do Discurso <strong>de</strong> escola francesa e a americana ou, ain<strong>da</strong>, anglosaxônica.Po<strong>de</strong>-se dizer que, num primeiro momento, a proposta francesapreten<strong>de</strong> essa prática analítica volta<strong>da</strong> ao texto escrito, enquanto a anglosaxãse fixa ao oral produzido na c<strong>on</strong>versação cotidiana. Esta, nac<strong>on</strong>versação ordinária, c<strong>on</strong>centra-se nos propósitos <strong>da</strong> comunicação epren<strong>de</strong>-se ao seu caráter <strong>de</strong>scritivo e imanente <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> – seu método éinteraci<strong>on</strong>ista – com base na psicologia e sociologia. A francesa –estruturalista – apóia-se na lingüística, história e psicanálise.Do lado <strong>da</strong> americana (e essa não é uma divisão meramentegeográfica) está a tendência <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>clinação lingüísticopragmática(<strong>em</strong>piricista) <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> discurso com umsujeito intenci<strong>on</strong>al, e do lado europeu a tendência(materialista) que <strong>de</strong>sterritorializa a noção <strong>de</strong> língua e <strong>de</strong>sujeito (afetado pelo inc<strong>on</strong>sciente e c<strong>on</strong>stituído pelai<strong>de</strong>ologia) na sua relação com discurso <strong>em</strong> cuja análise nãose proce<strong>de</strong> pelo isomorfismo. (ORLANDI, s. d., p. 6).Para Orlandi, o mais importante é po<strong>de</strong>r rec<strong>on</strong>hecer nos estudos enas pesquisas sobre o discurso uma filiação específica que teve Pêcheuxcomo um dos fun<strong>da</strong>dores e que se <strong>de</strong>senvolveu mantendo c<strong>on</strong>sistência comalguns princípios <strong>em</strong> relação à língua, ao sujeito e à história; ou ain<strong>da</strong>, arelação língua e i<strong>de</strong>ologia, <strong>em</strong> que o discurso se põe como lugar <strong>de</strong>observação <strong>de</strong>ssas relações. Para ela, somente <strong>de</strong>ssa forma po<strong>de</strong>-se falar <strong>de</strong>como os estudos e pesquisas <strong>da</strong> AD – <strong>de</strong>sta filiação – se c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong> comsuas especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s no Brasil, na França, no México ou <strong>em</strong> qualquer outrolugar: o Brasil é um forte lugar <strong>de</strong> representação. E essa autora propõechamar a essa prática no Brasil <strong>de</strong> Análise do Discurso brasileira.138


Sandro Braga; Maria Marta FurlanettoAin<strong>da</strong> <strong>em</strong> relação à divisão entre uma Análise do Discurso volta<strong>da</strong>à escrita e outra à orali<strong>da</strong><strong>de</strong>, Orlandi (s. d., p. 7) diz:Em termos <strong>de</strong> história <strong>da</strong> ciência, a Análise <strong>de</strong> Discursopratica<strong>da</strong> no Brasil não <strong>de</strong>ixa tampouco intoca<strong>da</strong> a relação jáfixa<strong>da</strong> e dominante que t<strong>em</strong>, <strong>de</strong> um lado, a tradição européiae, <strong>de</strong> outro, a norte-americana (ou anglo-saxã). Ela vaicolocar questões para essa forma <strong>de</strong> dicotomizar a históriado pensamento sobre a linguag<strong>em</strong>. Porque se nessa<strong>de</strong>clinação coube à Europa (apesar <strong>de</strong> M. Pêcheux) fixar-sepreferent<strong>em</strong>ente na escrita, e aos americanos, no oral(c<strong>on</strong>versaci<strong>on</strong>al, pragmática etc), no Brasil a análise <strong>de</strong>discurso não foi afeta<strong>da</strong> por esta divisão imaginária entreescrita e oral.Eni Orlandi esteve/está presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros ensaios <strong>de</strong>instauração <strong>da</strong> AD (com filiação francesa) no Brasil. É a autora brasileiramais referencia<strong>da</strong> <strong>em</strong> pesquisas na área, no país, e seus livros alcançam<strong>de</strong>staque no cenário internaci<strong>on</strong>al: As formas do silêncio ganhou o prêmioJabuti e foi traduzido para o francês. Sua c<strong>on</strong>tribuição c<strong>on</strong>siste não apenas<strong>em</strong> reproduzir as propostas teóricas francesas, mas, e sobretudo, <strong>em</strong>formular novas perspectivas ao campo. Assim, <strong>em</strong> sua proposta para o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> teoria e <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> discurso, no estabelecimento <strong>da</strong>noção <strong>de</strong> discurso, interroga o que é interpretação (ORLANDI, 1996),re<strong>de</strong>finindo o que é i<strong>de</strong>ologia, e propõe (ORLANDI, 1988) uma distinçãobásica entre sujeito e autor (e escritor) e entre discurso e texto que afetasobr<strong>em</strong>aneira a relação entre o que t<strong>em</strong> proposto como dispositivo teórico(específico à teoria <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> discurso) e dispositivo analítico <strong>da</strong>interpretação “que se abre para as diferentes teorias liga<strong>da</strong>s ao campo <strong>de</strong>questões assumido pelo analista, seja ele lingüista, historiador, cientistasocial, f<strong>on</strong>oaudiólogo etc.” (ORLANDI, s. d., p. 16).4. E o futuro (?)As correntes que olham a linguag<strong>em</strong> sob a perspectiva do discursoaplicam o que se po<strong>de</strong> chamar <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento crítico à próprialinguag<strong>em</strong>. Dito <strong>de</strong> outro modo, a partir <strong>de</strong> uma materiali<strong>da</strong><strong>de</strong> lingüística,busca-se evi<strong>de</strong>nciar os el<strong>em</strong>entos que faz<strong>em</strong> com que esses processos <strong>de</strong>formulação <strong>de</strong> discursos são assim c<strong>on</strong>stituídos e não <strong>de</strong> outro modo, a fim<strong>de</strong> que um sentido possa se estabelecer e não outro. Ora, isso significa dizerque a linguag<strong>em</strong> não é neutra, assim como o discurso, que a t<strong>em</strong> comogeradora.139


Análise do discurso: o campoDiz<strong>em</strong>os isso para mostrar que, mesmo quando se opta por umcaminho analítico a ser percorrido, <strong>em</strong> nosso caso, a Análise do Discurso<strong>de</strong> filiação francesa, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os ter <strong>em</strong> mente que não é esse o único modo –ou ain<strong>da</strong>, o melhor modo – <strong>de</strong> se pensar criticamente a linguag<strong>em</strong>. Mesmoquando localizamos um <strong>de</strong>terminado p<strong>on</strong>to histórico que fez com que essacorrente <strong>de</strong> pensamento e <strong>de</strong> pensadores se estabelecesse, essa mesmahistória (talvez fosse melhor dizer essa mesma outra história) possibilitoutambém outras formas <strong>de</strong> análise do(s) funci<strong>on</strong>amento(s) <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>.No entanto, no que tange à Análise do Discurso <strong>de</strong> correntefrancesa e às diversas vertentes que po<strong>de</strong>mos fazer uso para <strong>em</strong>basar nossaspráticas analíticas, é preciso ter cautela com as dissidências e dissensões<strong>da</strong>s próprias teorias nas quais nos alçamos. Perceber a diferença entredissidência e dissensão muitas vezes não é fácil, sobretudo, como nãoincorrer nessas armadilhas. Como dissi<strong>de</strong>ntes, t<strong>em</strong>os correntes que part<strong>em</strong><strong>de</strong> uma mesma teoria, mas acabam criando uma metodologia própriadistanciando-se <strong>da</strong> primeira. Quanto à dissensão, po<strong>de</strong>mos enten<strong>de</strong>r asc<strong>on</strong>tribuições <strong>de</strong> outros autores que passam a incorporar as teorias comalguma ressignificação. Um ex<strong>em</strong>plo são as c<strong>on</strong>tribuições <strong>de</strong> MichelFoucault e Mikhail Bakhtin. Desse modo, Michel Pêcheux (propositor <strong>da</strong>AD) toma a noção <strong>de</strong> formação discursiva e a associa à i<strong>de</strong>ologia, o quenão era feito por Foucault. Depois, a própria AD vai ressignificar a noção<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologia <strong>em</strong> que a questão <strong>de</strong> classe passa a ser apenas umapossibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas não a única. O mesmo po<strong>de</strong> ser percebido com osc<strong>on</strong>ceitos bakhtinianos: a noção <strong>de</strong> polif<strong>on</strong>ia – <strong>da</strong> qual se faz bastante uso –é ressignifica<strong>da</strong> na AD como heterogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> que, por c<strong>on</strong>seguinte, éproposta para auxiliar na percepção <strong>de</strong> que as formações discursivas sãoatravessa<strong>da</strong>s e <strong>de</strong>limita<strong>da</strong>s s<strong>em</strong>pre por outras formações discursivas. Além<strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar a atenção para outro c<strong>on</strong>ceito caro para AD, que são asposições-sujeito como lugar <strong>de</strong> dispersão.Levando <strong>em</strong> c<strong>on</strong>ta o pouco do dito aqui, como mera ex<strong>em</strong>plificação<strong>de</strong> que o terreno <strong>da</strong> AD não é tão firme como às vezes o tomamos, algunsautores/pesquisadores estão prop<strong>on</strong>do trabalhos sob a perspectiva <strong>de</strong> umaanálise bakhtiniana do discurso, ou seja, propõ<strong>em</strong> uma análise com basenos termos bakhtinianos, tais como o próprio autor apresenta. E outroschegam a propor análise foucaultiana do discurso, atentando, sobretudo,para o próprio c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> discurso formulado por Foucault.No que diz respeito a Bakhtin, o que aproxima a Análise doDiscurso (francesa) <strong>de</strong> seu pensamento é o mesmo p<strong>on</strong>to que a distancia: osujeito e o discurso. Enquanto para a AD o discurso é to<strong>da</strong> manifestação <strong>de</strong>140


Sandro Braga; Maria Marta Furlanettolinguag<strong>em</strong> produzi<strong>da</strong> no entr<strong>em</strong>eio <strong>da</strong> língua/história/psicanálise, ou seja, osujeito se c<strong>on</strong>stitui alçado pelo discurso que assume como seu, o sujeito,para Bakhtin, é produto social – pelo viés sociológico. Bakhtin não estápreocupado com a relação subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>/inc<strong>on</strong>sciente. O discurso <strong>de</strong> quetrata é para c<strong>on</strong>struir uma proposta teórica acerca dos gêneros do discurso,<strong>em</strong> que o discurso é tomado pelas esferas <strong>de</strong> comunicação humana. Assim,para ele, ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>ssas esferas se caracteriza pelo modo como o socialfaz uso <strong>da</strong> língua no processo <strong>de</strong> interlocução. Esses discursos, por sua vez,são organizados pelo que o autor chama <strong>de</strong> dialogismo.Finalizando essa querela, acredito ser possível tanto fazer análisedo discurso incorporando as c<strong>on</strong>tribuições <strong>da</strong>s mais diversas correntes,porém, faz-se necessário saber interpretar os c<strong>on</strong>ceitos in natura e suasressignificações quando a<strong>da</strong>ptados por outras teorias.5. ReferênciasqAUROUX, S. (1998) A filosofia <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>. Campinas: Editora <strong>da</strong> Unicamp,1998.BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e filosofia <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>. 10. ed. SãoPaulo: Hucitec/Annablume, 2002.BRANDÃO, H. H. N. Introdução à Análise do Discurso. 7. ed. Campinas: Editora<strong>da</strong> Unicamp, s/d.FERREIRA, M. C. L. A língua <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> discurso: esse extranho objeto <strong>de</strong><strong>de</strong>sejo. In: INDURSKY, F.; FERREIRA, M. C. L. (Orgs.). Michel Pêcheux e aanálise do discurso: uma relação <strong>de</strong> nunca acabar. São Carlos: Claraluz, 2005.HENRY, P. A Ferramenta Imperfeita. Língua, Sujeito e Discurso. Campinas:Editora <strong>da</strong> Unicamp, 1992.MARX, K.; ENGELS, F. A i<strong>de</strong>ologia al<strong>em</strong>ã. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1965.MELMAN, C. O hom<strong>em</strong> s<strong>em</strong> gravi<strong>da</strong><strong>de</strong>: gozar a qualquer preço. Entrevistas porJean-Pierre Lebrun. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Companhia <strong>de</strong> Freud, 2003.ORLANDI, E. P. Análise <strong>de</strong> discurso: princípios e procedimentos. 6. ed. SãoPaulo: P<strong>on</strong>tes; Campinas: Unicamp, 2005._____. A linguag<strong>em</strong> e seu funci<strong>on</strong>amento: as formas do discurso. 4a ed. Campinas:P<strong>on</strong>tes, 2006._____. A análise <strong>de</strong> discurso <strong>em</strong> suas diferentes tradições intelectuais: o Brasil.Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>: http://www.discurso.ufrgs.br/evento/c<strong>on</strong>f_04/eniorlandi.pdf.Acesso <strong>em</strong>: 5 jun. 2008141


ANÁLISE DO DISCURSO E ENSINOMaria Marta FurlanettoSandro Braga1. IntroduçãoO capítulo Análise do discurso: o campo, nesta coletânea, forneceum quadro teórico que orienta basicamente as pesquisas realiza<strong>da</strong>s. Mas épreciso dizer que o professor Ingo Voese, falecido <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 2007,<strong>em</strong>bora fizesse análise do discurso, não partilhava esses pressupostos, ain<strong>da</strong>que houvesse s<strong>em</strong>elhança <strong>em</strong> alguns p<strong>on</strong>tos. Sua abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> teóricac<strong>on</strong>gregava substancialmente Bakhtin, Heller e Lukács.2. Pesquisas realiza<strong>da</strong>s no c<strong>on</strong>texto do GADIPE (Grupo <strong>de</strong> Análise dodiscurso: pesquisa e ensino)2.1. Os projetosOs trabalhos que <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>os no GADIPE são articulados pelaslinhas <strong>de</strong> pesquisa: Análise discursiva <strong>de</strong> processos s<strong>em</strong>ânticos eTextuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e práticas discursivas. Aqui vamos nos ater à primeira linha,que visa ao estudo dos processos <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> sentido, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> suadimensão subjetiva até sua dimensão social, histórica e i<strong>de</strong>ológica.C<strong>on</strong>cebe-se que os processos s<strong>em</strong>ântico-discursivos s<strong>em</strong>pre se dão <strong>em</strong>eventos sociais específicos e únicos que aci<strong>on</strong>am, além <strong>da</strong> língua,<strong>de</strong>terminações materiais.O GADIPE, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong> seu funci<strong>on</strong>amento <strong>em</strong> 2001,organiza-se a partir dos seguintes objetivos gerais (que enquadramigualmente as pesquisas <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> linha do grupo):a) explorar fenômenos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> oral e <strong>da</strong> escrita, nas suasdiferentes formas <strong>de</strong> manifestação e representação no c<strong>on</strong>textosócio-histórico brasileiro;b) examinar as relações entre enunciação, discurso e fatores sóciohistóricos;


Análise do discurso e ensinoc) explorar o dinamismo <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> e a multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seusregistros, <strong>em</strong> si mesmos ou <strong>em</strong> referência ao chamado padrão;d) viabilizar orientações teórico-metodológicas que permitam o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> ensino e aprendizag<strong>em</strong> nosvários níveis <strong>de</strong> ensino.Nossos projetos são encampados, hoje, por um projeto guar<strong>da</strong>chuva,que <strong>de</strong>nominamos “Revisão e atualização teórica <strong>da</strong> PropostaCurricular <strong>de</strong> Santa Catarina (1998) – prática <strong>de</strong> língua portuguesa naescola fun<strong>da</strong>mental e formação <strong>de</strong> professores”, <strong>de</strong>senvolvido, ca<strong>da</strong>pesquisador <strong>em</strong> seu campo específico, por Maria Marta Furlanetto, SandroBraga, Mariléia Silva dos Reis e Jussara Bittencourt <strong>de</strong> Sá.Até meados <strong>de</strong> 2007, também faziam parte do grupo os professoresIngo Voese e Wils<strong>on</strong> Schuelter, este trabalhando na linha <strong>de</strong> Textuali<strong>da</strong><strong>de</strong>se práticas discursivas, voltando-se para estudos do hipertexto.1) O projeto Tendências no uso escrito culto do portuguêsbrasileiro. Implicações normativas e pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> língua (Fase II),<strong>de</strong>senvolvido por Maria Marta Furlanetto, teve uma primeira fase que s<strong>em</strong>ostrou muito produtiva, e t<strong>em</strong> prosseguimento <strong>em</strong> sua segun<strong>da</strong> fase, <strong>de</strong>2007 até hoje.Na atual fase, <strong>da</strong><strong>da</strong> a extensão <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos já coletados e a perspectiva<strong>de</strong> ampliação dos fenômenos estu<strong>da</strong>dos, e c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando ain<strong>da</strong> aimportância <strong>da</strong> aplicabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seus resultados, preten<strong>de</strong>-se completar aanálise <strong>de</strong> vários tópicos e centrar a reflexão nas questões relaci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s aoensino, prevendo a composição <strong>de</strong> um banco <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos (formação <strong>de</strong>professores e material didático). Enquadra-se aqui também, então, adiscussão do c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> ‘norma’ e ‘norma objetiva’, ao lado do que possasignificar ‘purismo’ e ‘correção’.O t<strong>em</strong>a <strong>da</strong> inovação <strong>em</strong> linguag<strong>em</strong> e <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça lingüística t<strong>em</strong>chamado a atenção <strong>de</strong> vários setores, que o vê<strong>em</strong> <strong>de</strong> forma diversifica<strong>da</strong>c<strong>on</strong>forme o lugar <strong>de</strong> <strong>on</strong><strong>de</strong> o fenômeno é percebido, provocando até mesmopolêmica, ao lado <strong>de</strong> certas atitu<strong>de</strong>s mais práticas, tais como o incr<strong>em</strong>ento<strong>de</strong> programas específicos para a “c<strong>on</strong>servação” <strong>da</strong> pureza do idioma(programas televisivos, c<strong>on</strong>sultórios gramaticais, manuais e outras obrasmais alenta<strong>da</strong>s, quando não <strong>de</strong>cretos governamentais...).144


Maria Marta Furlanetto; Sandro BragaCertas tendências lingüísticas (“<strong>de</strong>svios”, do p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vistanormativo) <strong>em</strong> pessoas <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> prestígio são um sintoma (ou indício)<strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça. Isso permite observar formas alternativas, as já estabiliza<strong>da</strong>s eas inovadoras, que po<strong>de</strong>m entrar <strong>em</strong> c<strong>on</strong>flito. Admite-se que entre o que énormatizado e o que se apresenta como novo há um espectro amplo.Propõe-se uma reflexão sobre os fatores intervenientes na c<strong>on</strong>tínuamu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> formas/significações tomando como p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> a escritamais ou menos formal (c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando aqui <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a linguag<strong>em</strong> enc<strong>on</strong>tra<strong>da</strong>nos meios <strong>de</strong> comunicação até aquela que se espera <strong>de</strong> um acadêmico <strong>em</strong>seu trabalho científico).O objetivo geral <strong>de</strong><strong>line</strong>ado é estu<strong>da</strong>r, a partir <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos coletados <strong>em</strong>documentos escritos que supostamente utilizam o português padrão, astendências à “<strong>de</strong>riva” <strong>em</strong> vários níveis (lexicológico, morfossintático,s<strong>em</strong>ântico, discursivo), buscando <strong>de</strong>terminar fatores <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>riva e nível <strong>de</strong>aceitação com base <strong>em</strong> freqüência <strong>de</strong> uso (ocorrências registra<strong>da</strong>s), b<strong>em</strong>como encarar perspectivas para a área pe<strong>da</strong>gógica.Os objetivos específicos assim se apresentam:a) sist<strong>em</strong>atizar <strong>da</strong>dos relativos ao uso <strong>da</strong> língua portuguesa escrita<strong>de</strong> nível culto, através <strong>de</strong> recortes que situ<strong>em</strong> fenômenos quepossam ser c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rados <strong>de</strong> “<strong>de</strong>riva”;b) Estabelecer o que po<strong>de</strong>ria ser encarado “bom uso <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong>” (língua culta) c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando (não com base <strong>em</strong>)normas gerais <strong>de</strong> gramáticas <strong>de</strong>scritivo-normativasc<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneas e, a partir <strong>da</strong>í, as tendências <strong>de</strong> <strong>de</strong>riva(“<strong>de</strong>svio”, “ina<strong>de</strong>quação”, “incorreção”, “hipercorreção”);c) Buscar critérios para estabelecer níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>riva e níveis <strong>de</strong>aceitação <strong>da</strong>s tendências <strong>de</strong>tecta<strong>da</strong>s (originali<strong>da</strong><strong>de</strong>,ina<strong>de</strong>quação, incorreção?);d) Refletir sobre as questões que se abr<strong>em</strong> para pensar o ensino ea aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> língua portuguesa dita culta.C<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando a questão <strong>de</strong> como a “gramática” <strong>da</strong> línguaportuguesa estaria sendo viola<strong>da</strong>, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> normas sociais, Auroux(1997) afirma que qualquer gramática, <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminado momento, s<strong>em</strong>ostrará ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> para explicar fenômenos produzidos pelos sujeitos, <strong>de</strong>modo que será preciso produzir outra gramática, e assim por diante,periodicamente. Quer se trate <strong>de</strong> uma gramática formal como a gerativa145


Análise do discurso e ensino(com algoritmos), quer <strong>de</strong> uma com regras <strong>de</strong> prescrição, a partir <strong>de</strong> ummo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> b<strong>em</strong> falar e b<strong>em</strong> escrever, a mu<strong>da</strong>nça e a novi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> umalíngua, apesar <strong>da</strong>s fortes restrições sociais, são uma c<strong>on</strong>stante.Uma c<strong>on</strong>cepção <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> humana mais <strong>de</strong> acordo com essefenômeno <strong>de</strong>ve supor “a eficácia dos atos ou ac<strong>on</strong>tecimentos lingüísticosno sist<strong>em</strong>a <strong>da</strong> língua”. “Des<strong>de</strong> o momento <strong>em</strong> que introduzimos os atos e osac<strong>on</strong>tecimentos lingüísticos <strong>em</strong> nossa c<strong>on</strong>cepção <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>,introduzimos, além <strong>da</strong> t<strong>em</strong>porali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong>sentre o que se passa antes e o que se passa <strong>de</strong>pois. Em outras palavras,encaramos a irreversibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> certos processos” (1997, p. 127; tradução<strong>da</strong> pesquisadora). Para Auroux, a criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> diz respeito a procedimentose estratégias interativas que englobam mundo, sujeito e outros sujeitos,<strong>em</strong>piricamente c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rados. E é isso que compõe o que ele chamahiperlíngua.Auroux <strong>de</strong>scarta regras homogêneas, que estariam presentes <strong>em</strong>todos os sujeitos <strong>de</strong> mesma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> lingüística, <strong>em</strong> proveito <strong>de</strong>mo<strong>de</strong>los interativos p<strong>on</strong>do <strong>em</strong> presença sujeitos diferentes comcompetências diferentes, cuja c<strong>on</strong>fr<strong>on</strong>tação no t<strong>em</strong>po produzirá novascompetências e o aparecimento <strong>de</strong> novas regras e novas estruturaslingüísticas. Isso significa rec<strong>on</strong>hecer que a gramática “não exprime n<strong>em</strong> atotali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s causas produtoras <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>, n<strong>em</strong> mesmo os limitesexatos <strong>da</strong> ação <strong>de</strong>ssas causas produtoras” (1997, p. 138). Daí ele hipotetizarque as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s lingüísticas são sub<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s pela gramática, ou seja,não são s<strong>em</strong>pre o produto <strong>de</strong> regras gramaticais: a invenção t<strong>em</strong> aí o seulugar.C<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra-se, na AD dita <strong>de</strong> orientação/linha francesa, que a língua(sist<strong>em</strong>a significante) é instável, heterogênea, não-fecha<strong>da</strong>, com lacunas noespectro formal. É aí que ac<strong>on</strong>tec<strong>em</strong> as falhas, os <strong>de</strong>slocamentos, rupturas<strong>de</strong> sentido – local <strong>de</strong> “<strong>de</strong>riva”. Assim, qualquer enunciado lingüístico,como forma material <strong>de</strong> discursos, está exposto ao “equívoco”. Esse seria oespaço privilegiado <strong>da</strong> análise discursiva, buscando-se a historici<strong>da</strong><strong>de</strong> dosentido a partir <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> produção.No entanto, falar <strong>em</strong> <strong>de</strong>riva supõe um centro (<strong>em</strong> ca<strong>da</strong> momento <strong>de</strong>análise), e no caso <strong>da</strong> língua será preciso refletir sobre a língua comoestrutura e como ac<strong>on</strong>tecimento, porque <strong>de</strong> certo p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista amateriali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> língua (já que não se quer o abstrato, o formal) envolve,<strong>de</strong> alguma forma, o ac<strong>on</strong>tecimento.146


Maria Marta Furlanetto; Sandro BragaUma questão crucial assim se representa pela divisão discursiva <strong>em</strong>dois universos, segundo Pêcheux (1997): o <strong>da</strong>s significações estabiliza<strong>da</strong>s(serie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sentido, legitimação); o <strong>da</strong>s transformações (instabili<strong>da</strong><strong>de</strong>).Vamos, pois, interpretar a <strong>de</strong>riva, associa<strong>da</strong> aqui com a resistência <strong>da</strong>língua.2) O projeto Revisão e atualização teórica <strong>da</strong> Proposta Curricular<strong>de</strong> Santa Catarina (1998) – Língua Portuguesa, também <strong>de</strong>senvolvido porMaria Marta Furlanetto, iniciou <strong>em</strong> 2007 e objetiva revisar a formulação <strong>da</strong>Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina (1998), na área <strong>de</strong> LínguaPortuguesa, pela abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> crítica dos c<strong>on</strong>teúdos sugeridos e questõesteóricas e metodológicas, com vistas à c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>scorresp<strong>on</strong><strong>de</strong>ntes, volta<strong>da</strong>s para práticas sociais específicas. C<strong>on</strong>ta hoje comdois bolsistas <strong>de</strong> Iniciação Científica. 35Em sua segun<strong>da</strong> versão, a Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina(SANTA CATARINA, 1998) é uma importante etapa histórica <strong>de</strong>abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> dos currículos, mas após alguns anos <strong>de</strong> aplicação e avaliação,necessita <strong>de</strong> c<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong> sist<strong>em</strong>ática do trabalho teórico e metodológico,com uma etapa <strong>de</strong> caráter mais pragmático, envolvendo subsídiosc<strong>on</strong>sistentes para o trabalho <strong>em</strong> sala <strong>de</strong> aula.Após a impl<strong>em</strong>entação <strong>da</strong> Proposta através <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong>capacitação no Estado, vários trabalhos já avaliaram seus fun<strong>da</strong>mentos esua formulação, b<strong>em</strong> como houve observação e intervenção realiza<strong>da</strong>s noambiente <strong>da</strong> escola. Do p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista <strong>da</strong>s teorias e práticas relativas aosgêneros, <strong>de</strong> 1998 para cá, cabe enfatizar que o aprofun<strong>da</strong>mento dos estudost<strong>em</strong> trazido aportes notáveis e características práticas dos gêneros que serãoc<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rados para que se possa promover gradualmente a a<strong>de</strong>quação dosmateriais <strong>de</strong> estudo para o professor (o mediador privilegiado) e para osalunos.O objetivo <strong>de</strong>ste projeto é efetuar uma revisão dos c<strong>on</strong>teúdossugeridos para Língua Portuguesa, abor<strong>da</strong>ndo-se questões teóricas <strong>em</strong>etodológicas que inci<strong>de</strong>m sobre as práticas <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> – pensando-sena c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que corresp<strong>on</strong><strong>da</strong>m à proposta, <strong>em</strong> direção apráticas sociais específicas. Um dos focos principais é a abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> dosgêneros <strong>de</strong> discurso e sua formulação <strong>em</strong> textos orais e escritos, que <strong>de</strong>v<strong>em</strong>ser abor<strong>da</strong>dos como resultado <strong>de</strong> práticas sociais específicas, e portanto35 De modo menos sist<strong>em</strong>ático, o projeto já vinha se <strong>de</strong>senvolvendo b<strong>em</strong> antes, no c<strong>on</strong>texto<strong>de</strong> uma proposta mais ampla.147


Análise do discurso e ensinocomo efeito <strong>da</strong>s interações observa<strong>da</strong>s nas várias esferas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> – ou<strong>da</strong>s várias mídias. Como pano <strong>de</strong> fundo, incorporam-se os princípiosfilosóficos e sócio-históricos <strong>da</strong> Proposta Curricular, enfatizando aformação dos estu<strong>da</strong>ntes com vistas ao exercício pleno <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia (sobreo c<strong>on</strong>ceito, veja-se FURLANETTO, 2003; RICCI, 1999).São estes os objetivos específicos propostos:a) avaliar os fun<strong>da</strong>mentos e a formulação <strong>da</strong> Proposta Curricular<strong>de</strong> Santa Catarina, com base <strong>em</strong> trabalhos <strong>de</strong>senvolvidos apartir <strong>de</strong> sua impl<strong>em</strong>entação;b) estabelecer os aportes teóricos e características dos gênerosc<strong>on</strong>sentâneos com os fun<strong>da</strong>mentos filosóficos e teóricos <strong>da</strong> PC-SC;c) avaliar a articulação <strong>da</strong> PC-SC com o documento mais recente<strong>de</strong> <strong>de</strong>sdobramento <strong>da</strong> PC-SC; 36d) focalizar questões <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e os processos <strong>de</strong> inclusão eexclusão;e) promover a a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> formulação dos materiais <strong>de</strong> estudo parao professor e para o aluno;f) estabelecer critérios preliminares para a formulação <strong>de</strong> umcurso <strong>de</strong> capacitação <strong>de</strong> professores.Em trabalhos anteriores apresentados <strong>em</strong> eventos científicos, foramtrata<strong>da</strong>s preliminarmente questões relaci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s à compreensão dodocumento <strong>da</strong> Proposta Curricular <strong>em</strong> sua relação com a prática pe<strong>da</strong>gógicacorresp<strong>on</strong><strong>de</strong>nte, b<strong>em</strong> como se t<strong>em</strong> acompanhado trabalhos que envolv<strong>em</strong>análise e reflexão do material exposto. Foi estu<strong>da</strong>do, por ex<strong>em</strong>plo, um t<strong>em</strong>aabor<strong>da</strong>do por Dela Justina (2004), que ap<strong>on</strong>ta, <strong>em</strong> seu artigo Nível <strong>de</strong>letramento do professor: implicações para o trabalho com o gênero textualna sala <strong>de</strong> aula, probl<strong>em</strong>as relativos ao nível <strong>de</strong> letramento do professor, apartir <strong>de</strong> uma avaliação que faz, <strong>em</strong> pesquisa específica, sobre “estratégias<strong>de</strong> leitura/escrita dos gêneros do discurso” (2004, p. 349) com referência àPC-SC.36 Trata-se do documento Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina: estudos t<strong>em</strong>áticos(SANTA CATARINA, 2005).148


Maria Marta Furlanetto; Sandro Braga3) Efeitos <strong>de</strong> leitura no processo <strong>de</strong> ensino/aprendizag<strong>em</strong> é projetorecente, <strong>de</strong> 2008, elaborado por Sandro Braga, que preten<strong>de</strong> c<strong>on</strong>tribuir paraos estudos voltados à compreensão <strong>da</strong>s c<strong>on</strong>dições materiais e i<strong>de</strong>ológicasque envolv<strong>em</strong> professor e aluno na formulação e aquisição <strong>de</strong>c<strong>on</strong>hecimento a partir <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> leitura. Mais especificamente, visadiagnosticar as resultantes <strong>de</strong>sses processos <strong>de</strong> tal modo que se possamformular comparações <strong>da</strong>s competências <strong>de</strong> leitura e <strong>de</strong> escrita dosestu<strong>da</strong>ntes, <strong>de</strong>ntro no âmbito do ensino <strong>de</strong> Língua Portuguesa.Especificamente <strong>em</strong> relação à escrita <strong>de</strong> textos escolares, t<strong>em</strong>-se<strong>de</strong>flagrado um grau maior <strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> no manejo <strong>da</strong> língua, uma questãoinquietante, uma vez que o estu<strong>da</strong>nte, como m<strong>em</strong>bro efetivo <strong>de</strong> umacomuni<strong>da</strong><strong>de</strong> lingüística, já possui domínio do código <strong>de</strong>ssa língua. Surg<strong>em</strong>então outras questões: <strong>de</strong> quantas línguas se está falando? Ou, qual arelação entre as variantes lingüísticas e suas implicações? O que se sabe éque o uso formal <strong>da</strong> língua padrão, regido por certas regras normativas, nãoé o mesmo <strong>da</strong> língua coloquial, <strong>em</strong> que as regras são mais flexíveis.A proposta <strong>de</strong> se voltar a essas variações resi<strong>de</strong> na observância <strong>da</strong>aut<strong>on</strong>omia que as línguas vivas possu<strong>em</strong> e que, antag<strong>on</strong>icamente, ag<strong>em</strong>sobre suas próprias regras c<strong>on</strong>stitutivas. É nesse sentido que o lugar <strong>da</strong>língua não é, ao menos não é apenas, o dos manuais normativos.No entanto, essas c<strong>on</strong>statações <strong>de</strong> uma língua que se modificaresultam, muitas vezes, <strong>em</strong> um c<strong>on</strong>traste: alunos que não apresentamdificul<strong>da</strong><strong>de</strong> no uso <strong>da</strong> língua <strong>em</strong> sua mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> oral enc<strong>on</strong>tramdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s na formulação e até mesmo na compreensão (interpretação) <strong>de</strong>enunciados escritos.De acordo com esse pressuposto, cabe à questão uma série <strong>de</strong>investigações no campo <strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>. Assim, num segundomomento, tendo como p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> os entraves na c<strong>on</strong>soli<strong>da</strong>ção <strong>de</strong> umhábito <strong>de</strong> leitura c<strong>on</strong>sistente, a proposta prevê a elaboração <strong>de</strong> alternativas<strong>de</strong> estímulo à leitura e à interpretação. Nessa fase outra, a idéia é <strong>de</strong> já<strong>de</strong>spertar o texto do outro (<strong>da</strong>quele <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> se está lendo, do autor) comomotivação para se pensar na c<strong>on</strong>strução do próprio texto (o estu<strong>da</strong>nte comoautor).O projeto t<strong>em</strong> como objetivo geral diagnosticar as resultantes doprocesso <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento a partir <strong>de</strong> práticas <strong>de</strong> leitura <strong>de</strong> tal modo que sepossam formular comparações entre as competências <strong>de</strong> leitura e <strong>de</strong> escritados estu<strong>da</strong>ntes, <strong>de</strong>ntro no âmbito do ensino <strong>de</strong> Língua Portuguesa.149


Análise do discurso e ensinoOs objetivos específicos são:a) verificar as c<strong>on</strong>dições materiais para se propor uma prática <strong>de</strong>leitura;b) analisar os el<strong>em</strong>entos que compõ<strong>em</strong> o exercício <strong>da</strong> leitura;c) ampliar, no c<strong>on</strong>texto escolar, os modos <strong>de</strong> leitura;d) investigar como se ensina a leitura na escola;e) propor formas <strong>de</strong> verificação <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimentos a partir <strong>da</strong>leitura;f) i<strong>de</strong>ntificar na comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> escolar a preocupação com o quefazer com a leitura;g) relaci<strong>on</strong>ar a leitura à prática <strong>da</strong> escrita.4) O discurso <strong>da</strong> amorosi<strong>da</strong><strong>de</strong> foi um projeto <strong>de</strong>senvolvido porIngo Voese, colega falecido <strong>em</strong> julho <strong>de</strong> 2007. Refletindo sobre o momentohistórico <strong>da</strong> retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> discussão que enfatiza a importância <strong>da</strong> educaçãocomo processo-meio para atuar sobre a crescente violência social, suagran<strong>de</strong> meta era repensar as relações sociais como c<strong>on</strong>dição para propornovos direci<strong>on</strong>amentos. Seu probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> pesquisa assim foi <strong>de</strong><strong>line</strong>ado: Porque a educação, assim como é pratica<strong>da</strong>, não c<strong>on</strong>segue intervir noprobl<strong>em</strong>a do aumento <strong>da</strong> <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> violência social?Ele acreditava ser provável que a <strong>de</strong>scrição do discurso comoreflexo e refração <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social po<strong>de</strong>ria fornecer pistas do que impe<strong>de</strong>que as interações sociais se torn<strong>em</strong> produtivas para organizar <strong>de</strong> formasaudável as relações humanas.Eram seus objetivos:a) <strong>de</strong>screver o discurso como mediação <strong>da</strong>s interações sociais;b) pesquisar as <strong>de</strong>terminações sociais que são, enquanto discurso,obstáculos a uma educação para a amorosi<strong>da</strong><strong>de</strong>;c) <strong>de</strong>screver e interpretar à luz <strong>de</strong> uma visão <strong>on</strong>tológica ex<strong>em</strong>plose rumos <strong>de</strong> uma educação para a paz e a amorosi<strong>da</strong><strong>de</strong>.Como fun<strong>da</strong>mentação teórica, Voese tratou três c<strong>on</strong>ceitos centrais:o Discurso – na linha teórica <strong>de</strong> Bakhtin; as Determinações sociais – comapoio prioritário nas obras <strong>de</strong> Lukács e Heller; e a Amorosi<strong>da</strong><strong>de</strong> – na linha<strong>de</strong> pensamento <strong>de</strong> Freire e Larossa.150


Maria Marta Furlanetto; Sandro BragaIngo Voese <strong>de</strong>senvolveu, anteriormente, um projeto intituladoAnálise do Discurso e ensino, assim <strong>de</strong>scrito:Na disciplina que se <strong>de</strong>nomina Análise do Discurso (AD), há umadificul<strong>da</strong><strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong> para se passar <strong>da</strong> fase <strong>de</strong> c<strong>on</strong>ceituação do objeto –o discurso – para a análise propriamente dita. Além disso, c<strong>on</strong>stata-se que oensino fun<strong>da</strong>mental e o ensino médio pouco ou na<strong>da</strong> se beneficiaram doque foi produzido até aqui na aca<strong>de</strong>mia: os livros didáticos c<strong>on</strong>tinuamapresentando lacunas importantes nesse sentido. Cabe questi<strong>on</strong>ar essadistância que se verifica entre o que se produz na aca<strong>de</strong>mia e a suaaplicação na sala <strong>de</strong> aula. Objetiva-se, ao apresentar não apenas uma teoriado discurso, mas também um roteiro <strong>de</strong> análise, tentar superar essadistância entre o que se realiza <strong>de</strong> estudo e pesquisa no ensino superior e asua aplicação nas aulas <strong>de</strong> Língua Portuguesa. O trabalho <strong>de</strong>stina-se, <strong>em</strong>princípio, a professores do Fun<strong>da</strong>mental e Ensino Médio, pessoas que, <strong>em</strong>geral, têm poucos c<strong>on</strong>tatos com a disciplina <strong>da</strong> AD e, <strong>em</strong> especial, com adiversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s abor<strong>da</strong>gens que se pratica.Outro projeto, <strong>de</strong>senvolvido <strong>em</strong> parceria com a professora JussaraBittencourt <strong>de</strong> Sá, foi Uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> discursiva do texto nas sériesiniciais. Este tinha como objetivo estabelecer c<strong>on</strong>teúdos e metodologia naestruturação <strong>de</strong> um livro didático para ser utilizado experimentalmente nasprimeiras séries do Ensino Fun<strong>da</strong>mental. O material referente a essetrabalho não teve ain<strong>da</strong> divulgação.2.2. Trabalhos produzidos2.2.1. Projeto: Tendências no uso escrito culto do português brasileiro.Implicações normativas e pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> língua (Maria MartaFurlanetto)Neste trabalho o foco será o c<strong>on</strong>junto <strong>da</strong> produção bibliográficaresultante do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sse projeto. 37 Foram publicados <strong>em</strong>periódicos, na forma <strong>de</strong> artigos:1. Estiramento <strong>de</strong> palavras: efeitos discursivos. São <strong>de</strong>scritas, dop<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista discursivo, ocorrências lingüísticas do que se chamou“estiramento <strong>de</strong> palavras”, tendência enc<strong>on</strong>tra<strong>da</strong> na escrita formal <strong>em</strong>esten<strong>de</strong>r e criar palavras, ora a partir <strong>de</strong> formas básicas, ora <strong>de</strong> formas já37 Se for <strong>de</strong> interesse c<strong>on</strong>hecer as referências dos trabalhos, basta buscar no site do CNPq oscurrículos dos pesquisadores.151


Análise do discurso e ensino<strong>de</strong>riva<strong>da</strong>s, através <strong>de</strong> afixação b<strong>em</strong> como formação analógica,manifestando aparent<strong>em</strong>ente algum excesso.2. Os caminhos <strong>de</strong> <strong>on</strong><strong>de</strong> no português do Brasil: instrumentoslingüísticos e <strong>de</strong>riva. Nesse texto, a análise do corpus com foco nofunci<strong>on</strong>amento <strong>de</strong> <strong>on</strong><strong>de</strong> mostra um distanciamento gradual relativamente aoque prec<strong>on</strong>izam os instrumentos lingüísticos, ap<strong>on</strong>tando um uso <strong>em</strong> que hádispersão e <strong>de</strong>slizamento s<strong>em</strong>ântico, mostrando-se que, para além <strong>da</strong>referência <strong>de</strong> <strong>on</strong><strong>de</strong> a t<strong>em</strong>po, ocorr<strong>em</strong> casos <strong>de</strong> referência a processo, a meioou p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> parti<strong>da</strong>, e ain<strong>da</strong> a explicação que t<strong>em</strong> como escopo umaseqüência significativa.3. Pluralização <strong>de</strong> nomes abstratos – um caso <strong>de</strong> c<strong>on</strong>cordâncias<strong>em</strong>ântica? Este trabalho mostra a <strong>de</strong>riva <strong>em</strong> um caso tratado como <strong>de</strong>“c<strong>on</strong>cordância s<strong>em</strong>ântica”: a pluralização <strong>de</strong> nomes abstratos.Outro texto do projeto aparece como capítulo do livro “Análise doDiscurso: perspectivas”, publicado <strong>em</strong> Uberlândia (MG) pela EDUFU, <strong>em</strong>2007.4. “O fato <strong>de</strong>...” – c<strong>on</strong>struindo o real. Trata-se aqui <strong>de</strong> discutir ouso <strong>da</strong> expressão o fato <strong>de</strong>, que introduz, aparent<strong>em</strong>ente, uma seqüênciaenunciativa que r<strong>em</strong>eteria a um “fato”. Verifica-se, por um lado, o espectros<strong>em</strong>ântico <strong>de</strong> uso comparado ao que se enc<strong>on</strong>tra estabilizado nos arquivos<strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> discurso (gramatização); por outro lado,analisa-se esse uso <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminados c<strong>on</strong>textos, observando-se aí a eventualcompatibili<strong>da</strong><strong>de</strong> s<strong>em</strong>ântica e os efeitos discursivos. Como resultado <strong>da</strong>análise, t<strong>em</strong>-se <strong>de</strong> admitir que há diferenças marcantes <strong>de</strong> discriminação eavaliação, e que o espectro <strong>de</strong> uso vai muito além <strong>da</strong>quilo que se registracomo gramatizado. Para o fato <strong>de</strong>, prenunciando uma porção <strong>de</strong> texto ajusante, cujo enunciado se quer ver rec<strong>on</strong>hecido, o uso indica que ocorreesmaecimento <strong>da</strong>s ress<strong>on</strong>âncias possíveis <strong>de</strong> fato, ressaltando a função <strong>de</strong>suporte <strong>da</strong> c<strong>on</strong>strução sintática, que acaba por mostrá-lapredominant<strong>em</strong>ente <strong>em</strong> seu papel argumentativo (<strong>da</strong>ndo corpo aoenunciado). Apresentar algo como fato, nessas c<strong>on</strong>dições, é ir <strong>em</strong> busca <strong>de</strong>a<strong>de</strong>são.Outros resultados <strong>de</strong>sse projeto estão divulgados <strong>em</strong> anais <strong>de</strong>eventos:5. Do discurso estenográfico – uma análise <strong>da</strong> “falsa inerência”Este trabalho mostra um processo comum na língua portuguesa: a “falsainerência”, que diz respeito a uma relação específica do adjetivo com <strong>on</strong>ome (função argumental), marca<strong>da</strong> pela redução <strong>de</strong> uma expressão152


153Maria Marta Furlanetto; Sandro Bragacomplexa. Examinam-se as várias nuanças <strong>de</strong>sse fenômeno e os efeitos <strong>de</strong>sentido que po<strong>de</strong>m produzir no discurso.6. O uso <strong>de</strong> ‘inclusive’ <strong>em</strong> textos escritos formais. A reflexão queapresento neste texto refere-se ao tratamento do uso <strong>da</strong> expressão“inclusive”. O espectro s<strong>em</strong>ântico <strong>de</strong> inclusive aproxima-se do movimentos<strong>em</strong>ântico <strong>de</strong> mesmo, até mesmo – o que permite aventar a hipótese <strong>de</strong>expansão do espectro, a partir do que se registra como gramatizado, ou seja,do que se enc<strong>on</strong>tra na <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uso padrão. As possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>significância dos el<strong>em</strong>entos lingüísticos são c<strong>on</strong>tínua e ativamentenegocia<strong>da</strong>s: a língua não resiste – se assim se po<strong>de</strong> dizer –, ela sofr<strong>em</strong>o<strong>de</strong>lag<strong>em</strong>, uma vez que c<strong>on</strong>stitutivamente aberta ao jogo, e os sentidoshistoricamente estabelecidos não são meramente reproduzidos.A par dos resultados <strong>de</strong> pesquisa publicados, alguns textos já seenc<strong>on</strong>tram praticamente pr<strong>on</strong>tos para publicação:7. As “redundâncias” são mesmo redundâncias? Umacomunicação foi apresenta<strong>da</strong> no CELLIP 2007, <strong>em</strong> P<strong>on</strong>ta Grossa (PR).Esse trabalho está centrado no estudo <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s “redundâncias”. Sãodiscuti<strong>da</strong>s algumas hipóteses a respeito do funci<strong>on</strong>amento discursivo <strong>da</strong>sredundâncias: ocorre esvaziamento s<strong>em</strong>ântico <strong>de</strong> palavras, o que justifica a“repetição”; a parafrasag<strong>em</strong> na formulação discursiva é uma <strong>da</strong>s faces <strong>da</strong>redundância; as redundâncias previn<strong>em</strong> a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>formação aoser feita a interpretação. Investiga-se, assim, a plurivoci<strong>da</strong><strong>de</strong> inscrita nosenunciados e o jogo entre i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e alteri<strong>da</strong><strong>de</strong> que aí se observa.8. Formações neológicas e discurso. Uma comunicação foiapresenta<strong>da</strong> no I SIMELP (2008, São Paulo) e um texto sintético foiproposto para publicação nos anais <strong>de</strong>sse evento. O material completo serásubmetido a um periódico. Nas formações neológicas trata<strong>da</strong>s nessetrabalho o foco é o rec<strong>on</strong>hecimento <strong>da</strong> <strong>em</strong>ergência <strong>de</strong> certas palavras eexpressões cuja i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> t<strong>em</strong>porária po<strong>de</strong> ser ap<strong>on</strong>ta<strong>da</strong> com base <strong>em</strong>possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s histórico-discursivas, produzindo certos efeitos. Assim,levando <strong>em</strong> c<strong>on</strong>ta as c<strong>on</strong>dições sociais <strong>de</strong> produção e interpretação dodiscurso, apresenta-se um modo <strong>de</strong> compreensão do surgimento <strong>de</strong> umavarie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> neologismos <strong>em</strong> relação às práticas e suas representaçõessociais.Além <strong>de</strong>sses trabalhos publicados ou por publicar, outros estãosendo <strong>de</strong>senvolvidos paulatinamente e simultaneamente, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>da</strong>scircunstâncias, envolvendo os tópicos ain<strong>da</strong> por tratar quanto à <strong>de</strong>riva:questões <strong>de</strong> c<strong>on</strong>cordância, uso do gerúndio, abreviações,correção/a<strong>de</strong>quação no tratamento gramatical e outros mais.


Análise do discurso e ensino2.2.2. Projeto: Revisão e atualização teórica <strong>da</strong> Proposta Curricular <strong>de</strong>Santa Catarina (1998) – Língua Portuguesa (Maria Marta Furlanetto)Quanto a esse projeto, cujas linhas e objetivos foram apresentadosno início, ele t<strong>em</strong> permitido um s<strong>em</strong>-número <strong>de</strong> textos, alguns dos quaistangenciais ao seu núcleo, mas igualmente relevantes, c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando seudireci<strong>on</strong>amento para o ensino-aprendizag<strong>em</strong>.Segu<strong>em</strong> artigos publicados <strong>em</strong> periódicos.1. O sujeito, o dizer, a interpretação: i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> crise. Nesseensaio apresenta-se uma reflexão sobre o funci<strong>on</strong>amento <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong>nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, a partir do Dici<strong>on</strong>ário do brasileiro <strong>de</strong> bolso, <strong>de</strong> TeixeiraCoelho (1991), que examina expressões <strong>da</strong> língua portuguesa <strong>em</strong> uso noc<strong>on</strong>texto social brasileiro dos anos 1964-1990. A partir <strong>da</strong>í, exploram-seaspectos do processo <strong>de</strong> c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> sentido e <strong>de</strong> compreensão,articulando esses el<strong>em</strong>entos com a formação <strong>da</strong> naci<strong>on</strong>ali<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong>ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, focalizando alguns aspectos do c<strong>on</strong>traste entre uni<strong>da</strong><strong>de</strong>lingüística e diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> na língua portuguesa do Brasil. Mostra-se ain<strong>da</strong> apertinência <strong>da</strong>s diretrizes <strong>da</strong> Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina para aformação <strong>de</strong> professores e <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia através <strong>da</strong> compreensão e do usocrítico <strong>da</strong> língua portuguesa.2. Argumentação e subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> no gênero: o papel dos topoi.Quando se propõe uma “dissertação” na escola, espera-se do estu<strong>da</strong>nte queapresente um probl<strong>em</strong>a e p<strong>on</strong>tos <strong>de</strong> vista, argumentando para <strong>da</strong>r umaresposta satisfatória ao probl<strong>em</strong>a. Exige-se <strong>de</strong>le, c<strong>on</strong>tudo, impessoali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Tenta-se <strong>de</strong>m<strong>on</strong>strar, do p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista discursivo, que s<strong>em</strong>pre há naprodução textual uma escolha para dirigir a interpretação do interlocutor,sendo relevante, para isso, o uso <strong>de</strong> certos operadores. Focaliza-se aqui oc<strong>on</strong>flito entre ser impessoal e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r um p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista (opinião) – p<strong>on</strong>do<strong>em</strong> c<strong>on</strong>traste o mo<strong>de</strong>lo <strong>da</strong> dissertação escolar e a caracterização dialógicado c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> gênero <strong>em</strong> Bakhtin, e os efeitos resultantes <strong>em</strong> um caso e nooutro, com vistas a uma alternativa <strong>de</strong> ensino.3. Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina (1998): revisão eperspectivas para a formação docente. Nesse artigo o objetivo é rever,avaliar e projetar formas alternativas e compl<strong>em</strong>entares <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r epraticar os parâmetros apresentados na Proposta Curricular <strong>de</strong> SantaCatarina (PC-SC), área <strong>de</strong> Língua Portuguesa, c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando especialmentea relação <strong>da</strong> Proposta com seus leitores privilegiados, os professores.4. Sujeito epistêmico e materiali<strong>da</strong><strong>de</strong> do discurso: o efeito <strong>de</strong>singulari<strong>da</strong><strong>de</strong>. A proposta é refletir sobre a subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> tal como154


Maria Marta Furlanetto; Sandro Braga<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> no quadro <strong>da</strong> Análise do Discurso (AD), e resp<strong>on</strong><strong>de</strong>r àsseguintes perguntas: o pesquisador po<strong>de</strong> dizer-se “Eu” no relatoc<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando a formação discursiva associa<strong>da</strong> à disciplina científica? Qu<strong>em</strong>o “Eu” do relato representa, no momento <strong>da</strong> enunciação? Para isso,examino o c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> ciência, exploro a AD como saber científico eprop<strong>on</strong>ho a análise <strong>de</strong> um texto, focalizando o modo <strong>de</strong> inserção dopesquisador <strong>em</strong> seu relato.5. Gêneros do discurso e leitura (<strong>em</strong> co-autoria com Maria HelenaVincenzi). Neste trabalho, focalizam-se o ensino e o aprendizado <strong>da</strong> línguaportuguesa com base nos gêneros do discurso; mais especificamente,abor<strong>da</strong>-se a leitura c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando os fun<strong>da</strong>mentos e c<strong>on</strong>teúdos sugeridos naProposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina (1998). A reflexão centra-se naprodução <strong>de</strong> leitura a partir dos gêneros e p<strong>on</strong>tua a análise e avaliação <strong>de</strong>probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong>tectados <strong>em</strong> estu<strong>da</strong>ntes brasileiros noRelatório PISA 2000. Apresenta-se, por último, uma amostra <strong>de</strong> como aleitura po<strong>de</strong> ser media<strong>da</strong> na escola.6. Produzindo textos: gêneros ou tipos? Esse estudo c<strong>on</strong>stituireflexão sobre um tópico <strong>de</strong> trabalho anterior focando recursos expressivos<strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> Letras (“Gênero discursivo, tipo textual eexpressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>”). Na perspectiva sociointeraci<strong>on</strong>ista, foi ap<strong>on</strong>tado comoprimeiro critério <strong>de</strong> análise do corpus o tópico 'gênero e tipo – estilos <strong>de</strong>projeção', mostrando c<strong>on</strong>flitos entre a c<strong>on</strong>ceituação ofereci<strong>da</strong> pela obradidática utiliza<strong>da</strong> e os textos produzidos. Retoma-se a discussão teóricacentralizando-a na relação gênero/tipo, salientando a distinção propostaentre gênero discursivo e tipo textual, privilegiando a metodologia doensino/aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> língua portuguesa. Inser<strong>em</strong>-se nessa propostareflexões posteriores com base <strong>em</strong> Bakhtin e outros autores.7. Inovações e c<strong>on</strong>flitos na Proposta Curricular <strong>de</strong> SC:perspectivas na formação <strong>de</strong> professores (artigo no prelo). Este trabalhotrata <strong>de</strong> algumas questões associa<strong>da</strong>s à linguag<strong>em</strong> no c<strong>on</strong>texto social eoutras relaci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s ao ensino e à aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> língua portuguesa comolíngua materna. Reflete-se sobre certas questões vincula<strong>da</strong>s à tradição <strong>de</strong>c<strong>on</strong>ceber a “uni<strong>da</strong><strong>de</strong> lingüística” naci<strong>on</strong>al no c<strong>on</strong>texto <strong>da</strong>s normas sociais eaos meios corrent<strong>em</strong>ente utilizados para ensinar língua. Põe-se o foco sobreos aportes <strong>da</strong> Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina (PC-SC), levando <strong>em</strong>c<strong>on</strong>ta as políticas <strong>de</strong> educação lingüística. Apresentam-se também alguns<strong>de</strong>safios e perspectivas para a vali<strong>da</strong><strong>de</strong> e c<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s diretrizes postasnesse documento, especialmente com vistas à formação docente, a partir <strong>de</strong>155


Análise do discurso e ensinoavaliações já efetua<strong>da</strong>s e <strong>de</strong> investigações educaci<strong>on</strong>ais <strong>em</strong> c<strong>on</strong>textos maisabrangentes.Outros trabalhos estão publicados como capítulos <strong>em</strong> coletâneas:8. Práticas discursivas: <strong>de</strong>safio no ensino <strong>de</strong> língua portuguesa.Aqui são apresenta<strong>da</strong>s algumas c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rações sobre <strong>de</strong>safios <strong>da</strong> LingüísticaAplica<strong>da</strong> relativamente à pe<strong>da</strong>gogia <strong>de</strong> línguas, abor<strong>da</strong>ndo-se a noção <strong>de</strong>prática discursiva no c<strong>on</strong>texto <strong>da</strong> Análise do Discurso. Dessa disciplina, sãoexpostas algumas noções relevantes para o c<strong>on</strong>texto <strong>de</strong> ensino: o textocomo uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> análise, materializando discursos através <strong>de</strong> gênerosespecíficos, abarcando o horiz<strong>on</strong>te social e integrando outras formas <strong>de</strong>linguag<strong>em</strong>, <strong>em</strong> sua relação com a produção e a interpretação. Discute-seain<strong>da</strong> a noção <strong>de</strong> fragmentação subjetiva e a repercussão disso no ambiente<strong>de</strong> ensino, e abor<strong>da</strong>m-se algumas questões vincula<strong>da</strong>s à relaçãoteoria/prática.9. Função-autor e interpretação: uma polêmica revisita<strong>da</strong>. Nesteensaio revisita-se a noção <strong>de</strong> função-autor tal como proposta por Foucault,tomando-a como o resultado do processo dialético entre a autoria comofunção <strong>de</strong> um sujeito raci<strong>on</strong>al, c<strong>on</strong>sciente, e o apagamento do autor através<strong>da</strong> filosofia <strong>da</strong> <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>strução; paralelamente, examina-se como essa funçãoé trata<strong>da</strong> na Análise do Discurso, b<strong>em</strong> como, à guisa <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plo, analisamsecasos específicos para mostrar nuanças na função subjetiva <strong>de</strong> autoria eap<strong>on</strong>tar novas questões.10. Gênero do discurso como comp<strong>on</strong>ente do arquivo <strong>em</strong>Dominique Maingueneau. Nesse capítulo explora-se a c<strong>on</strong>tribuição <strong>de</strong>Dominique Maingueneau para o estudo dos gêneros, na perspectiva <strong>da</strong>Análise do Discurso (AD) <strong>de</strong> tradição francesa. Apresenta-se,primeiramente, o que se c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra teoricamente relevante <strong>em</strong> seu trabalho;<strong>em</strong> segui<strong>da</strong>, procura-se mostrar uma compreensão pessoal do t<strong>em</strong>aexplorando um texto segundo as categorias propostas e discuti<strong>da</strong>s peloautor; finalmente, propõe-se uma análise crítica <strong>de</strong> questões que suaabor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> levanta, associando esse p<strong>on</strong>to crucial <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> discurso ac<strong>on</strong>ceitos que diz<strong>em</strong> respeito a sua compreensão, b<strong>em</strong> como tenta-seap<strong>on</strong>tar as perspectivas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ssa abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> discursiva.11. Escrita e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia: <strong>de</strong>safio político-pe<strong>da</strong>gógico. Mostra-senesse texto que o entendimento <strong>de</strong> “ci<strong>da</strong>dão” variou <strong>de</strong> modo sensível no<strong>de</strong>curso <strong>da</strong> história do País. Para chegar ao que “se <strong>de</strong>seja” que “ci<strong>da</strong>dão” e“ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia” represent<strong>em</strong> hoje (o que talvez não seja <strong>de</strong> c<strong>on</strong>senso), pararelaci<strong>on</strong>ar tal ao processo <strong>da</strong> escrita, percorr<strong>em</strong>-se algumas etapas <strong>da</strong>história brasileira, através <strong>de</strong> vozes que se ocuparam do t<strong>em</strong>a. Isso mostrará156


Maria Marta Furlanetto; Sandro Bragaque houve uma c<strong>on</strong>stituição <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, e que não se trata <strong>de</strong> umac<strong>on</strong>cepção idêntica <strong>em</strong> momentos históricos diferentes – n<strong>em</strong> <strong>de</strong> umaevolução para o melhor dos mundos.12. Curricular Proposal of Santa Catarina State: assessing thecourse, opening paths. Esse texto, que se enc<strong>on</strong>tra no prelo, é uma versãoaprimora<strong>da</strong> e mais extensa do artigo publicado nos anais do 4º SIGET,evento realizado na Unisul <strong>em</strong> 2007. Com base na abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> teórica efilosófica <strong>de</strong> Bakhtin, esse estudo propõe a reflexão e a avaliação <strong>de</strong> umc<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> trabalhos anteriores com foco sobre questões discursivasrelativas aos gêneros do discurso. O c<strong>on</strong>texto instituci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> estudo é o <strong>da</strong>Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina (1998), documento oficial que éobjeto <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> diferentes perspectivas. Utiliza-se também aabor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> histórico-cultural <strong>de</strong> Vygotsky, buscando retomar articulaçõesteoricamente relevantes e operaci<strong>on</strong>almente frutíferas c<strong>on</strong>cernentes àabor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>da</strong>s práticas <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong> envolvendo gêneros no ambienteescolar, vinculando-os ao mundo social.Traduzido para o inglês pelo professor Fernando Vugman, o textoserá publicado na obra Genre in a changing world – advances in genretheory analysis and teaching pela WAC Clearing House, Parlor Press. Seusorganizadores são Charles Bazerman, A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini e Débora <strong>de</strong> CarvalhoFigueiredo.Além <strong>de</strong>sses artigos e ensaios, foram organiza<strong>da</strong>s duas obras queestão associa<strong>da</strong>s pelos t<strong>em</strong>as ao projeto <strong>em</strong> questão:13. Foucault e a autoria, <strong>de</strong> 2006 (Maria Marta Furlanetto e Osmar<strong>de</strong> Souza).14. Gêneros textuais e ensino-aprendizag<strong>em</strong>, também <strong>de</strong> 2006,coletânea do periódico Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso (Maria Marta Furlanetto,A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini).Em anais <strong>de</strong> eventos enc<strong>on</strong>tram-se divulgados outros trabalhos:15. Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina: avaliando o percurso,abrindo caminhos (4º SIGET, 2007). O resumo corresp<strong>on</strong><strong>de</strong> ao exposto noit<strong>em</strong> 12, acima.16. Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina (1998): revisão eperspectivas para o estudo <strong>de</strong> gêneros (III SIGET, 2005)Nesse trabalho são focados os c<strong>on</strong>teúdos sugeridos na PC-SC e suac<strong>on</strong>cretização através <strong>de</strong> textos com sua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> genérica, abor<strong>da</strong>ndo-sequestões teóricas e metodológicas que inci<strong>de</strong>m sobre as práticas <strong>de</strong>157


Análise do discurso e ensinolinguag<strong>em</strong>, e questi<strong>on</strong>ando a relação entre o trabalho acadêmico e a práticamagisterial.17. Função-autor e interpretação: uma polêmica revisita<strong>da</strong>(S<strong>em</strong>inário Internaci<strong>on</strong>al Michel Foucault: perspectivas, 2004). O texto éuma versão curta do capítulo <strong>de</strong> mesmo nome apresentado no it<strong>em</strong> 9.18. O professor e os gêneros do discurso: o probl<strong>em</strong>a doletramento (6º Enc<strong>on</strong>tro do Celsul, 2004). Nesse trabalho, tendo comoc<strong>on</strong>texto a Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina, propõe-se uma reflexãofocando a probl<strong>em</strong>atização feita por Dela Justina (2004) sobre o nível <strong>de</strong>letramento do professor e suas implicações para o trabalho com gêneros nasala <strong>de</strong> aula.19. C<strong>on</strong>teúdos <strong>de</strong> língua e gêneros: revisitando a PropostaCurricular <strong>de</strong> Santa Catarina (1998) (VI CBLA, 2001). Realiza-se umareflexão sobre os c<strong>on</strong>teúdos sugeridos na PC-SC e sua c<strong>on</strong>cretização <strong>em</strong>textos que manifestam gêneros, abor<strong>da</strong>ndo-se questões teóricas <strong>em</strong>etodológicas que inci<strong>de</strong>m sobre as práticas <strong>de</strong> linguag<strong>em</strong>, especialmentesobre o espaço que vai <strong>de</strong> uma proposta às práticas corresp<strong>on</strong><strong>de</strong>ntes.Por fim, listam-se as dissertações <strong>de</strong>fendi<strong>da</strong>s por estu<strong>da</strong>ntes domestrado:a) Ana Regene Varela Sangaletti (2003). O papel <strong>da</strong> línguaportuguesa na evasão escolar: a perspectiva dos alunos queaband<strong>on</strong>aram o ensino fun<strong>da</strong>mental;b) Cátia Amara Horst (2006). Discurso pe<strong>da</strong>gógico e discursoacadêmico: a c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> relatórios <strong>de</strong>prática <strong>de</strong> ensino;c) Celestina Inez Magnanti (2003). Vozes docentes: avaliando aProposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina;d) Lisiane Vandresen (2007). As representações indígenas na sala<strong>de</strong> aula do ensino fun<strong>da</strong>mental: produção e circulação <strong>de</strong>sentidos;e) Miriam Gomes D'Alascio (2008). Efeitos <strong>de</strong> sentido <strong>da</strong>Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina no discurso <strong>de</strong>professores e alunos <strong>de</strong> 5ª e <strong>de</strong> 6ª série <strong>de</strong> uma escola estadual<strong>de</strong> Santa Catarina;f) Rosandra Schlickmann Sachetti Hübbe (2004). O discursoutilizado nos anúncios publicitários dirigidos ao públicoinfantil;158


159Maria Marta Furlanetto; Sandro Bragag) Vânia Terezinha Silva <strong>da</strong> Luz (2005). Aula <strong>de</strong> línguaportuguesa: do planejamento à prática. Trabalho com gênerosdo discurso <strong>em</strong> uma 5ª série;2.2.3. Projetos: O discurso <strong>da</strong> amorosi<strong>da</strong><strong>de</strong> e Análise do discurso eensino (Ingo Voese)No primiero projeto, o professor chegou a participar, comopalestrante, <strong>de</strong> alguns eventos realizados na Unisu. S<strong>em</strong>inário do curso <strong>de</strong>Medicina. Unisul. “Os sentidos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e o discurso médico”. 2006.S<strong>em</strong>ana Integra<strong>da</strong> <strong>da</strong>s Licenciaturas <strong>da</strong> Unisul. “O discurso como sintoma”.2006. Também orientou uma estu<strong>da</strong>nte, no c<strong>on</strong>texto <strong>de</strong>sse projeto:Diabetes Mellitus: como passar do discurso <strong>da</strong> amargura para o <strong>da</strong>doçura, <strong>de</strong> El<strong>on</strong>ir Gomes (2006).No segundo projeto, comec<strong>em</strong>os pelos artigos <strong>em</strong> periódicos.1. Vozes sociais cita<strong>da</strong>s e sobrepostas: a polif<strong>on</strong>ia e a dialogia. Otrabalho abor<strong>da</strong> a relação <strong>de</strong> discurso e c<strong>on</strong>texto, focando especialmente asdimensões e a importância do que se enten<strong>de</strong>, <strong>em</strong> geral, por <strong>de</strong>terminaçõessociais do discurso. Tendo como referência teórica principal a voz <strong>de</strong>Bakhtin, a reflexão operaci<strong>on</strong>aliza a noção <strong>de</strong> c<strong>on</strong>texto como vozes sociaisque, na relação com o discurso <strong>de</strong> um <strong>da</strong>do enunciante, efetivam umenc<strong>on</strong>tro dialógico e polifônico com o social. A dimensão dialógica epolifônica do discurso, por sua vez, coloca <strong>em</strong> cena o que se enten<strong>de</strong> porcitação, cuja operaci<strong>on</strong>alização se faz, no texto, tomando como ex<strong>em</strong>plo, air<strong>on</strong>ia.2. Ah... se todos foss<strong>em</strong> iguais (ou não) a uma <strong>on</strong><strong>da</strong> do mar... Otexto <strong>de</strong>senvolve uma reflexão sobre a noção <strong>de</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, apoia<strong>da</strong>especialmente <strong>em</strong> Bakhtin, Lukács e Heller, diferent<strong>em</strong>ente <strong>da</strong> linha teóricado materialismo estruturalista <strong>da</strong> Análise do Discurso <strong>da</strong> escola francesa.3. C<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rações sobre o ensino <strong>de</strong> Língua Portuguesa à luz <strong>de</strong>uma teoria do discurso. Trata-se <strong>de</strong> uma reflexão sobre os efeitos quepo<strong>de</strong>m produzir as referências <strong>de</strong> uma teoria do Discurso e seus<strong>de</strong>sdobramentos metodológicos sobre o ensino <strong>de</strong> Língua Portuguesa.Aband<strong>on</strong>a-se a orientação <strong>da</strong> escola francesa e busca-se apoioespecialmente <strong>em</strong> Bakhtin e Heller para c<strong>on</strong>struir a noção <strong>de</strong> mediação, oque <strong>de</strong>ve ampliar o horiz<strong>on</strong>te <strong>da</strong> compreensão do fenômeno lingüístico e <strong>da</strong>prática pe<strong>da</strong>gógica.4. Desafios para uma análise do discurso (e para o ensino?). Nestetrabalho discut<strong>em</strong>-se alguns probl<strong>em</strong>as <strong>da</strong> Análise do Discurso. É realiza<strong>da</strong>


Análise do discurso e ensinouma análise <strong>de</strong> texto com o propósito <strong>de</strong> expor uma metodologia <strong>de</strong> AD e<strong>de</strong> abrir espaço para futuras reflexões sobre a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> tal tipo <strong>de</strong>ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> trazer benefícios ao ensino nos níveis fun<strong>da</strong>mental e médio.No c<strong>on</strong>texto <strong>de</strong> seu projeto, Ingo Voese publicou os livros:5. Análise do Discurso e o Ensino <strong>de</strong> Língua Portuguesa (2004). Oautor propõe, nesta obra, um roteiro <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> discursos, s<strong>em</strong> apretensão <strong>de</strong> que isso se c<strong>on</strong>stitua <strong>em</strong> procedimento para enc<strong>on</strong>trar osver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros sentidos dos textos; e mostra as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s que osprocedimentos <strong>de</strong> leitura e análise elaborados abr<strong>em</strong> para o trabalho <strong>de</strong>ensino e aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> língua portuguesa. Voese c<strong>on</strong>fere ao texto oestatuto <strong>de</strong> vozes dos outros, <strong>de</strong> instância dialógica, que po<strong>de</strong> tecer arelação <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> amorosi<strong>da</strong><strong>de</strong> necessária para que professorese alunos c<strong>on</strong>struír<strong>em</strong>-se como sujeitos.6. Organização <strong>de</strong> número especial <strong>de</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso:Subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (2003). Este número <strong>da</strong> revista reúne, numa edição especial,textos inéditos que abor<strong>da</strong>m a t<strong>em</strong>ática <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. A idéia é manteraberto o <strong>de</strong>bate que estimula o rigor <strong>da</strong> diferenciação e cotejasau<strong>da</strong>velmente posições teóricas diversifica<strong>da</strong>s e focos <strong>de</strong> análise variados,comp<strong>on</strong>do um amplo panorama do t<strong>em</strong>a. Assim, pesquisadores queanalisam o discurso <strong>em</strong> suas facetas percorr<strong>em</strong> o campo e c<strong>on</strong>versam.João Wan<strong>de</strong>rley Geraldi põe a lente sobre textos <strong>de</strong> crianças,captando neles indícios sobre outros textos, que resultam <strong>de</strong> práticasdiscursivas escolares, através dos quais mostra, nos primeiros, umacompreensão específica (um tom apreciativo) <strong>da</strong>s palavras que circulam noambiente escolar e <strong>da</strong>s atitu<strong>de</strong>s aí manifesta<strong>da</strong>s.Sírio Possenti sintetiza teses básicas <strong>em</strong> análise do discurso,mostrando o <strong>de</strong>sdobramento <strong>da</strong> questão do sujeito <strong>em</strong> outros domínios <strong>da</strong>sciências humanas, estabelecendo o não fechamento <strong>da</strong> discussão.Pedro <strong>de</strong> Souza retoma o t<strong>em</strong>a do assujeitamento na análise dodiscurso e o ap<strong>on</strong>ta como lugar <strong>em</strong> que também <strong>em</strong>erge a resistência dosujeito, num movimento que participa <strong>de</strong> sua c<strong>on</strong>strução <strong>em</strong> outra or<strong>de</strong>m.Bethania Mariani põe foco no “imaginário lingüístico” – c<strong>on</strong>formea expressão <strong>de</strong> Michel Pêcheux –, tentando uma corresp<strong>on</strong>dência, que elajulga fun<strong>da</strong>mental, com o c<strong>on</strong>ceito psicanalítico <strong>de</strong> inc<strong>on</strong>sciente. Nessaabor<strong>da</strong>g<strong>em</strong>, trata-se inequivocamente <strong>de</strong> um sujeito dividido; a autoracompreen<strong>de</strong> a discursivi<strong>da</strong><strong>de</strong> como um campo atravessado por uma teoriado sujeito <strong>de</strong> base psicanalítica.160


Maria Marta Furlanetto; Sandro BragaBelmira Magalhães c<strong>on</strong>juga Lukács, Bakhtin e Pêcheux paraexplicar a c<strong>on</strong>stituição c<strong>on</strong>traditória do sujeito na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, através <strong>da</strong> qualprocura compreen<strong>de</strong>r a posição <strong>de</strong> sujeito e <strong>da</strong> autoria no discurso.Maria Marta Furlanetto propõe uma análise do modo <strong>de</strong> inserçãodo próprio analista do discurso <strong>em</strong> um discurso <strong>de</strong> caráter científico,examinando essa posição e a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> o sujeito pr<strong>on</strong>unciar-se como“eu”.Fábio Rauen adota uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> <strong>da</strong> biologia do c<strong>on</strong>hecer, combase especialmente <strong>em</strong> Humberto Maturana. É assim que ele abor<strong>da</strong> a<strong>em</strong>ergência do eu do ser humano – como um corpo cujo organismo serealiza num modo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> que é <strong>de</strong> s<strong>em</strong>iose, havendo câmbio moduladopelo próprio viver <strong>em</strong> linguag<strong>em</strong>, que implica a alteri<strong>da</strong><strong>de</strong>.Finalmente, Ingo Voese c<strong>on</strong>grega as vozes <strong>de</strong> Bakhtin, Lukács eHeller para <strong>de</strong>senvolver uma noção <strong>de</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, op<strong>on</strong>do-se, c<strong>on</strong>formeexpressa, à linha <strong>da</strong> análise <strong>de</strong> discurso francesa. Ele focaliza a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>mental subjetiva e a formação <strong>da</strong> c<strong>on</strong>sciência <strong>em</strong> seus diversos graus,c<strong>on</strong>cluindo que, a par do c<strong>on</strong>trole social e dos rituais, o ser humano po<strong>de</strong>apropriar-se <strong>de</strong>les e torná-los singulares <strong>em</strong> sua c<strong>on</strong>sciência; po<strong>de</strong> retornarsobre eles e atuar sobre essa mo<strong>de</strong>lação.Em sua linha <strong>de</strong> trabalho, Ingo Voese orientou as seguintesdissertações:a) Ant<strong>on</strong>io Pedro G<strong>on</strong>çalves (2007). Os ascensos revoluci<strong>on</strong>ários<strong>de</strong> fevereiro e outubro <strong>de</strong> 1917 na Rússia nos livros didáticos<strong>de</strong> história;b) Elisângela <strong>de</strong> Castro Reynaldo Rodrigues (2003). Cançõessertanejas: um diálogo entre raízes e i<strong>de</strong>ologias;c) João Batista <strong>da</strong> Cruz Dias (2005). O discurso <strong>da</strong> avaliaçãocomo exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r: um estudo <strong>de</strong> caso <strong>em</strong> escolas <strong>da</strong>região metropolitana <strong>de</strong> Curitiba-PR;d) Jos<strong>em</strong>eri Peruchi Mezari (2007). Um Discurso Fragmentado: aUniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> e suas ações sobre a Reali<strong>da</strong><strong>de</strong> Social;e) Luana Me<strong>de</strong>iros B<strong>on</strong>etti (2003). Proposta Curricular <strong>de</strong> SantaCatarina: Língua Portuguesa;f) Marilane Men<strong>de</strong>s Cascaes <strong>da</strong> Rosa (2005). Silenciamento <strong>de</strong>sentidos: o trabalho <strong>em</strong> (dis)curso;161


Análise do discurso e ensino3. Análise dos resultadosAo olharmos <strong>em</strong> c<strong>on</strong>junto os trabalhos <strong>de</strong>senvolvidos e aqueles <strong>em</strong>realização no c<strong>on</strong>texto do mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> e <strong>da</strong> Unisul,perceb<strong>em</strong>os que t<strong>em</strong> havido uma apreciável soma <strong>de</strong> resultados, querepercut<strong>em</strong> no nosso meio social. Há que levar <strong>em</strong> c<strong>on</strong>ta os inúmerosprobl<strong>em</strong>as que enfrentamos, c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando a <strong>de</strong>man<strong>da</strong>, os prazos e osimprevistos, além <strong>da</strong> carga horária <strong>de</strong>dica<strong>da</strong> às aulas, à orientação <strong>de</strong>estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong> mestrado, <strong>de</strong> iniciação científica e eventualmente <strong>de</strong>especialização.Atentando para os objetivos mais gerais que estabelec<strong>em</strong>os nogrupo <strong>de</strong> trabalho e para nossa gran<strong>de</strong> meta, que é a viabilização <strong>de</strong>orientações teórico-metodológicas para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong>ensino e aprendizag<strong>em</strong> nos vários níveis <strong>de</strong> ensino, sentimos que todos osmeios e objetos explorados <strong>em</strong> nossas pesquisas adquir<strong>em</strong> sentido <strong>em</strong>nosso c<strong>on</strong>texto sócio-histórico. Ao procuramos analisar e enten<strong>de</strong>r essec<strong>on</strong>texto, <strong>da</strong>mo-nos c<strong>on</strong>ta <strong>de</strong> que esses objetos e meios po<strong>de</strong>m serrelevant<strong>em</strong>ente aproveitados nas várias esferas sociais <strong>em</strong> que circulamos:levamos e traz<strong>em</strong>os informações, propostas, to<strong>da</strong>s eiva<strong>da</strong>s <strong>de</strong> valores,<strong>de</strong>sejos, esperanças. É nesse circuito <strong>de</strong> instituições que c<strong>on</strong>seguimosescutar e <strong>da</strong>r respostas, ou seja, realizar as trocas mais substanciais, aomesmo t<strong>em</strong>po estimulando o estudo discursivo <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> e <strong>da</strong>s línguas.O mais importante do trabalho que realizamos está exatamentec<strong>on</strong>figurado na quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> com quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s interações efetiva<strong>da</strong>s, dorelaci<strong>on</strong>amento acadêmico para a discussão teórica e dos serviços quepossamos prestar às comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s. O mais imediato, que é o trabalho <strong>de</strong>aperfeiçoamento <strong>de</strong> nossos orientandos <strong>em</strong> pesquisa acadêmica, t<strong>em</strong>produzido também, a par dos t<strong>em</strong>as escolhidos, resultados importantes dop<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> formação magisterial, o que implica que <strong>da</strong>mos àsocie<strong>da</strong><strong>de</strong> sujeitos capazes <strong>de</strong>, por sua vez, atuar como b<strong>on</strong>s educadores eformadores.Estas são algumas <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>em</strong> que nos t<strong>em</strong>os <strong>em</strong>penhadopara divulgar resultados <strong>de</strong> pesquisa, realizar trocas acadêmicas, fazerpropostas, aperfeiçoar a formação e prestar serviços:a) participação <strong>em</strong> bancas examinadoras. Elas permit<strong>em</strong>, porvezes, penetrar <strong>em</strong> campos <strong>de</strong>safiadores e nos instigar a162


163Maria Marta Furlanetto; Sandro Bragapercorrer novas paisagens: <strong>em</strong> religião, filosofia, estética,jornalismo, mo<strong>da</strong>, projetos educaci<strong>on</strong>ais...;b) participação <strong>em</strong> eventos. Eventos são ricos <strong>de</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>spara divulgação <strong>de</strong> pesquisa e <strong>de</strong> instituições, paraplanejamento <strong>de</strong> trabalhos c<strong>on</strong>juntos, para c<strong>on</strong>tato compesquisadores <strong>da</strong> mesma área e <strong>de</strong> áreas afins, para lançamento<strong>de</strong> livros. E, por que não dizer, para com<strong>em</strong>orações e um pouco<strong>de</strong> turismo geográfico e cultural;c) participação <strong>em</strong> cursos <strong>de</strong> capacitação. A Unisul oferece,periodicamente, cursos <strong>de</strong> capacitação para seus docentes, taiscomo o do SEER/IBICT – Editoração Eletrônica, organizadopela Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Pós-graduação e <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Bibliotecase realizado <strong>em</strong> agosto <strong>de</strong> 2007; e o <strong>de</strong> tutoria para ensino adistância, que se repete há vários anos, sob a orientação <strong>de</strong>professores e técnicos <strong>da</strong> Unisul Virtual;d) c<strong>on</strong>sultoria e cursos para secretarias <strong>de</strong> educação (Estado <strong>em</strong>unicípios). Essa forma <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> nos aproxima dosprobl<strong>em</strong>as mais pr<strong>em</strong>entes <strong>da</strong> educação brasileira e nos fornecea oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> avaliá-los com os resp<strong>on</strong>sáveis <strong>da</strong> área, b<strong>em</strong>como aju<strong>da</strong>r com propostas, acompanhar o trabalho docente <strong>em</strong>inistrar cursos;e) coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> grupo <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> associação naci<strong>on</strong>al. É ocaso <strong>da</strong> ANPOLL, que c<strong>on</strong>grega pesquisadores <strong>de</strong> múltiplasuniversi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. De julho <strong>de</strong> 2006 até o presente ano o subGT <strong>de</strong>Teorias <strong>de</strong> gênero <strong>em</strong> práticas sociais do GT <strong>de</strong> LingüísticaAplica<strong>da</strong> é coor<strong>de</strong>nado por Maria Marta Furlanetto, que c<strong>on</strong>duzos trabalhos relativos aos projetos <strong>de</strong>senvolvidos no subgrupo.Também preparou e manteve atualiza<strong>da</strong> a página web com os<strong>da</strong>dos do subGT, incluindo a produção dos pesquisadores. Essarepresentação reforça a integração <strong>da</strong>s pesquisas do <strong>Programa</strong>com a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> científica <strong>da</strong> área. Envolve pesquisadores<strong>da</strong>s universi<strong>da</strong><strong>de</strong>s: UNISUL, UERJ, UFSC, UFMT,UNICAMP, UFRN, PUC-SP, UCS, PUC-RIO, UFC, UFJF,UECE, UNISINOS, UFSM, UEL (ver URL:http://www2.intercorp.com.br/mmarta/);f) organização <strong>de</strong> coletâneas e editoria. As publicações domestrado viabilizam o intercâmbio c<strong>on</strong>stante compesquisadores na área. Em 2003, Ingo Voese foi o organizadordo primeiro número especial <strong>da</strong> revista Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong>


Análise do discurso e ensino(Dis)curso, com o t<strong>em</strong>a “Subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>”, reunindo trabalhosinéditos sobre o t<strong>em</strong>a. Em 2006 foi publicado número especialsobre gêneros textuais e ensino-aprendizag<strong>em</strong>, c<strong>on</strong>cretização<strong>de</strong> uma <strong>da</strong>s metas traça<strong>da</strong>s para o biênio 2004-2006 pelosubGT <strong>de</strong> Teorias <strong>de</strong> gênero <strong>em</strong> práticas sociais <strong>da</strong> AssociaçãoNaci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> Pós-Graduação e Pesquisa <strong>em</strong> Letras e Lingüística(ANPOLL). A edição foi organiza<strong>da</strong> por A<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>ini e MariaMarta Furlanetto. Nossa Coleção Linguagens investe napublicação <strong>de</strong> artigos científicos, ensaios, m<strong>on</strong>ografias quedifun<strong>de</strong>m os resultados dos projetos <strong>de</strong> pesquisa relaci<strong>on</strong>adoscom as linhas <strong>de</strong> pesquisa do mestrado. O primeiro livro <strong>da</strong>coleção é O c<strong>on</strong>texto refletido – vozes sobrepostas <strong>de</strong> umdiálogo, <strong>de</strong> Ingo Voese, lançado <strong>em</strong> 2007; o segundo, O gozoestético do crime: dicção homici<strong>da</strong> na ficção c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea,<strong>de</strong> Fábio <strong>de</strong> Carvalho Messa; o terceiro, <strong>em</strong> preparação, seráTexto (e autoria). Como apre(e)n<strong>de</strong>r essa matéria? Análisediscursiva do texto (e do autor), <strong>de</strong> Solange Le<strong>da</strong> Gallo.4. Perspectivas do grupoÉ ver<strong>da</strong><strong>de</strong> que n<strong>em</strong> todos os projetos (pequenos, médios ougran<strong>de</strong>s), por vezes ambiciosos, por vezes inexeqüíveis, por vezes malesboçados, vingam <strong>em</strong> nosso meio acadêmico – ou cresc<strong>em</strong> e se <strong>de</strong>stacamcom o mesmo ímpeto. Há aqueles que se pensa forjar mal <strong>de</strong>sperta<strong>da</strong> umaidéia luminosa, e na s<strong>em</strong>ana seguinte per<strong>de</strong>m o viço e acabam esquecidos,s<strong>em</strong> qualquer formulação específica. Outros <strong>de</strong>spertam a partir <strong>de</strong> umadiscussão ar<strong>de</strong>nte, esfriam, acabam sendo retomados, mas as circunstânciasfaz<strong>em</strong> com que adormeçam por bom t<strong>em</strong>po sob as cinzas, aguar<strong>da</strong>ndo novoressurgimento. Eles s<strong>em</strong>pre aparec<strong>em</strong>, sendo propícias as circunstâncias,mas às vezes falta t<strong>em</strong>po para <strong>de</strong>senvolvê-los, sobretudo quando envolv<strong>em</strong>pessoas extr<strong>em</strong>amente ocupa<strong>da</strong>s – é o caso dos docentes que atuam <strong>em</strong>cursos <strong>de</strong> graduação <strong>da</strong> Unisul. Mas alguns precisam ser formulados, <strong>em</strong>esmo tendo maus momentos, produz<strong>em</strong> b<strong>on</strong>s frutos.Os dois atuais pesquisadores do grupo <strong>da</strong> linha Análise discursiva<strong>de</strong> processos s<strong>em</strong>ânticos, Sandro Braga e Maria Marta Furlanetto, têmcomo seus colaboradores estu<strong>da</strong>ntes do mestrado, seus orientandos, eestu<strong>da</strong>ntes bolsistas <strong>de</strong> iniciação científica, futuros candi<strong>da</strong>tos ao mestrado.164


Maria Marta Furlanetto; Sandro BragaUma <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s que surgiu e começou a ser discuti<strong>da</strong> já <strong>em</strong>2007, e que não se <strong>de</strong>seja que morra, é a <strong>de</strong> um projeto que envolveria acolaboração (necessária) <strong>de</strong> alguns docentes <strong>da</strong> graduação interessados <strong>em</strong>integrar o GADIPE. Propôs-se, a par <strong>de</strong> sua inserção no grupo, a elaboração<strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> s<strong>em</strong>inário com graduandos, mestrandos e professores <strong>da</strong>re<strong>de</strong> pública, para <strong>da</strong>r um tratamento específico a questões cruciais liga<strong>da</strong>sao ensino <strong>em</strong> todos os níveis, começando por uma discussão quet<strong>em</strong>atizaria “gramática”, a tratar sob diversas óticas. Com esse propósito,c<strong>on</strong>seguiu-se c<strong>on</strong>gregar numa primeira reunião, além <strong>da</strong>s professorasc<strong>on</strong>vi<strong>da</strong><strong>da</strong>s do mestrado pela professora Andréia Daltoé dos Anjos (MariaMarta Furlanetto e Mariléia Silva dos Reis), as professoras PerpétuaGuimarães Prudêncio, Marilane Cascaes, Luana Me<strong>de</strong>iros B<strong>on</strong>etti e MariaFelomena Espíndola). C<strong>on</strong>ta-se com a participação <strong>de</strong> Sandro Braga, se oprojeto vier a tomar pé (é, supõe-se, <strong>de</strong> interesse <strong>da</strong> instituição),c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando que seu foco <strong>de</strong> pesquisa é a leitura.ReferênciasAUROUX, S. Les limites <strong>de</strong> la grammaire. Organ<strong>on</strong>, Porto Alegre, v. 11, n. 25, p.123-141, 1997.DELA JUSTINA, E. W. N. Nível <strong>de</strong> letramento do professor: implicações para otrabalho com o gênero textual na sala <strong>de</strong> aula. Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso, Tubarão,v. 4, n. 2, p. 349-370, jan./jun. 2004.FURLANETTO, M. M. Escrita e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia: <strong>de</strong>safio político-pe<strong>da</strong>gógico. In:BOHN, Hilário I.; SOUZA, Osmar <strong>de</strong> (Orgs.). Escrita e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Florianópolis:Insular, 2003. p. 17-36.PÊCHEUX, M. Estrutura ou ac<strong>on</strong>tecimento [?]. 2. ed. Tradução <strong>de</strong> Eni Orlandi.Campinas: P<strong>on</strong>tes, 1997.RICCI, R. O perfil do educador para o século XXI: <strong>de</strong> boi <strong>de</strong> coice a boi <strong>de</strong>cambão. Educação & Socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, ano XX, n. 66, p. 143-178, abril 1999.SANTA CATARINA. Secretaria <strong>de</strong> Estado <strong>da</strong> Educação e do Desporto. PropostaCurricular <strong>de</strong> Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino Fun<strong>da</strong>mental e Médio:disciplinas curriculares. Florianópolis: COGEN, 1998._____. Secretaria <strong>de</strong> Estado <strong>da</strong> Educação, Ciência e Tecnologia. PropostaCurricular <strong>de</strong> Santa Catarina: estudos t<strong>em</strong>áticos. Florianópolis: IOESC, 2005.165


PARTE IIILINGUAGEM E PROCESSOS CULTURAIS


MITOLOGIA E AUTO-SUSTENTABILIDADEDE COMUNIDADES GUARANIDO ESTADO DE SANTA CATARINA1. IntroduçãoAldo LitaiffOs Guarani vêm sofrendo ao l<strong>on</strong>go do t<strong>em</strong>po violento e aceleradoprocesso <strong>de</strong> <strong>de</strong>scaracterização e <strong>de</strong>struição, sendo que grupos inteirosforam dizimados. Atualmente, através <strong>de</strong> pesquisas acadêmicas e com aadoção <strong>de</strong> políticas públicas, observa-se uma maior visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e aumento<strong>da</strong>s populações indígenas do estado <strong>de</strong> Santa Catarina. A partir <strong>de</strong>stequadro, a Unisul v<strong>em</strong> investindo <strong>em</strong> iniciativas que buscam <strong>de</strong>senvolver eaprofun<strong>da</strong>r o c<strong>on</strong>hecimento <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>stas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Nesta direção,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001, <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>os os projetos S<strong>em</strong> tekoa não há teko: S<strong>em</strong> terranão há cultura, visando à auto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s guarani <strong>da</strong>região, Registro audio-visual <strong>da</strong> execução do projeto “S<strong>em</strong> tekoa não háteko e Mitologia guarani, que t<strong>em</strong> por objetivo principal redigir um livrosobre a linguag<strong>em</strong> mítica dos Guarani.Pertencentes à família Tupi-Guarani do tr<strong>on</strong>co lingüístico Tupi, osGuarani c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong> uma <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s indígenas brasileiras maisnumerosas. 38 Atualmente exist<strong>em</strong> quatro grupos Guarani localizados naAmérica do Sul: Chiriguanos na Bolívia (60.000 indivíduos), Kayowa(40.000), Chiripa ou Nhan<strong>de</strong>va (30.000) e Mbya (30.000), distribuídos nocentro-oeste, sul e su<strong>de</strong>ste do Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai. 39 OsGuarani, que historicamente eram <strong>de</strong>nominados Carijo, habitavam a costaatlântica, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Barra <strong>da</strong> Cananéia até o Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (<strong>on</strong><strong>de</strong> era ogrupo mais numeroso), a partir <strong>da</strong>í até os rios Paraná e Paraguai(MÉTRAUX, 1979, p. 70). No litoral sul e su<strong>de</strong>ste brasileiro, enc<strong>on</strong>tra-seatualmente uma gran<strong>de</strong> c<strong>on</strong>centração <strong>de</strong> Mbya e <strong>de</strong> Chiripa, habitando o38 A <strong>de</strong>signação “Guarani” foi <strong>da</strong><strong>da</strong> pelos Jesuítas no século XVII a certos grupos indígenas<strong>da</strong> região platina.39 Como ocorre na maioria dos povos indígenas, “Mbya” ou “Mbüa”, significa “gente”.Segundo Scha<strong>de</strong>n (1969, p. 83), existe gran<strong>de</strong> c<strong>on</strong>fusão quanto aos nomes dos vários grupos<strong>em</strong> que se divi<strong>de</strong>m os Guarani, por este motivo adotamos esta nomenclatura <strong>em</strong> obediênciaao que estabelece a c<strong>on</strong>venção sobre a grafia <strong>de</strong> nomes tribais firma<strong>da</strong> por ocasião <strong>da</strong>Primeira Reunião Brasileira <strong>de</strong> Antropologia, 1953, Rio <strong>de</strong> Janeiro”.


Mitologia e auto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Guarani do estado <strong>de</strong> Santa Catarinaterritório <strong>on</strong><strong>de</strong> viveram seus ancestrais Carijo, até seu <strong>de</strong>saparecimento noséculo XVII. Estes lugares são importantes p<strong>on</strong>tos <strong>de</strong> referência histórica <strong>em</strong>itológica, uma vez que eles ain<strong>da</strong> c<strong>on</strong>servam seus “nomes Guarani”,topônimos que se refer<strong>em</strong> à cosmologia e à <strong>de</strong>scrição geográfica <strong>de</strong>steslocais. Estes índios c<strong>on</strong>tinuam então fiéis ao seu território <strong>de</strong> orig<strong>em</strong>,procurando se estabelecer nos mesmos amba, ou seja, lugares ou espaçoscriados e <strong>de</strong>ixados por Deus para ser<strong>em</strong> ocupados por eles. Ressaltamosque estes amba estão localizados nos mesmos limites geográficosobservados pelos cr<strong>on</strong>istas durante a c<strong>on</strong>quista (LADEIRA, 1992, p. 58).Os Guarani atuais intensificaram seus <strong>de</strong>slocamentos populaci<strong>on</strong>ais <strong>em</strong>direção ao litoral do Brasil no início do século XX, provenientes do interior<strong>da</strong> América do Sul (Paraguai, Argentina e do estado brasileiro do MatoGrosso do Sul), forçados pela invasão <strong>de</strong> suas terras por col<strong>on</strong>izadores,pelos c<strong>on</strong>flitos com outros autóct<strong>on</strong>es, e, principalmente, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> Yvymara ey, a “Terra s<strong>em</strong> Mal”. Os Mbya, que outrora habitavamexclusivamente as florestas do sul <strong>da</strong> América do Sul, atualmente circulamtambém sobre as rodovias, visitando parentes, procurando terras, ven<strong>de</strong>ndoo artesanato que produz<strong>em</strong> e/ou buscando trabalho saz<strong>on</strong>al. Tanto no litoralcomo no interior dos estados do sul e do su<strong>de</strong>ste do Brasil, os Mbya e osChiripa têm sido vizinhos, por vezes coabitando uma mesma área, <strong>em</strong>razão <strong>de</strong> suas s<strong>em</strong>elhanças culturais (LITAIFF, 1996). O Guarani, e <strong>em</strong>particular o Mbya, é um <strong>de</strong>sterrado, um estrangeiro <strong>em</strong> seu próprioterritório.Um dos principais fatores <strong>de</strong> reforço aos estereótipos oriundos doetnocentrismo dos Oci<strong>de</strong>ntais é a má-fé e/ou o <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>hecimento <strong>da</strong> históriae <strong>da</strong>s características atuais <strong>de</strong>stas populações. O Guarani é c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rado “oíndio clássico”, símbolo naci<strong>on</strong>al, imag<strong>em</strong> do indígena brasileiro, t<strong>em</strong>a <strong>de</strong>óperas e <strong>de</strong> poesias. Paradoxalmente, este, assim como outros índios, évisto pelo Branco como “vagabundo, preguiçoso, bêbado, feio, sujo eladrão”, à marg<strong>em</strong> <strong>da</strong> população brasileira. Para alguns, estes índios “nãosão n<strong>em</strong> mesmo brasileiros” (LITAIFF, 1996), não tendo, portanto,nenhum direito a qualquer reivindicação. Outros grupos que formam a etniaGuarani, assim como outros índios que entraram <strong>em</strong> c<strong>on</strong>tato com os Mbya,c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ram estes últimos “seres inferiores atrasados no t<strong>em</strong>po... falandouma língua estranha e vivendo como animais”, os últimos na hierarquia <strong>da</strong>socie<strong>da</strong><strong>de</strong> naci<strong>on</strong>al. Isto se <strong>de</strong>ve principalmente ao fato dos Mbyarecusar<strong>em</strong>-se a ser “civilizados”, preferindo habitar distante <strong>de</strong> outrosíndios e dos Brancos. Por outro lado, c<strong>on</strong>trariamente aos índios <strong>da</strong> regiãodo Xingu, o Guarani carrega c<strong>on</strong>sigo a imag<strong>em</strong> do índio integrado, que usavestimentas oci<strong>de</strong>ntais e fala português. Isto se <strong>de</strong>ve ao fato <strong>de</strong> que para170


Aldo Litaiffsobreviver, o Mbya se viu obrigado a incorporar itens <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>soci<strong>de</strong>ntais a sua cultura milenar, a<strong>da</strong>ptando-se, <strong>em</strong> parte, mas preservandoaspectos importantes <strong>de</strong> sua religião, organização social, língua e mitologia,sendo esta uma <strong>da</strong>s suas características mais importantes.Atualmente, a população Guarani no Brasil é <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 50.000indivíduos, <strong>de</strong>stes, menos <strong>da</strong> meta<strong>de</strong> vivendo junto aos postos indígenas,pois, até recent<strong>em</strong>ente, não possuíam quase nenhum al<strong>de</strong>amento <strong>de</strong>finitivo,sendo comum enc<strong>on</strong>trá-los ain<strong>da</strong> hoje <strong>em</strong> pequenos grupos circulando pelasrodovias do país. Mesmo assim, eles procuram se isolar, buscando omínimo <strong>de</strong> c<strong>on</strong>tato com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> naci<strong>on</strong>al. O antropólogo catarinenseEg<strong>on</strong> Scha<strong>de</strong>n <strong>de</strong>clara que, apesar <strong>da</strong>s pesquisas existentes, é fun<strong>da</strong>mentalfomentar estudos <strong>de</strong> campo que abor<strong>de</strong>m c<strong>on</strong>textos específicos, pois, “énecessário <strong>de</strong>struir a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> que a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> Guarani já é bastantec<strong>on</strong>heci<strong>da</strong> e insistir sobre a urgência <strong>de</strong> se retomar os estudos <strong>de</strong>sta culturacom referência às suas variantes regi<strong>on</strong>ais” (1963, p. 83).2. Projeto S<strong>em</strong> Tekoa não há teko: S<strong>em</strong> terra não há culturaNo dia 5 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1994, oito famílias mbya chegam <strong>em</strong>Massiambu, município <strong>de</strong> Palhoça (<strong>on</strong><strong>de</strong> se enc<strong>on</strong>tra o Campus PedraBranca <strong>da</strong> Unisul), <strong>em</strong> área seqüestra<strong>da</strong> judicialmente. O local é um antigop<strong>on</strong>to <strong>de</strong> referência para os Guarani, que habitaram esta região até ser<strong>em</strong>expulsos pelo avanço <strong>da</strong> população branca. 40 No ano seguinte, outro grupombya chega ao Morro dos Cavalos, também <strong>em</strong> Palhoça, após os moradoresanteriores (uma família chiripa já mestiça<strong>da</strong>) aband<strong>on</strong>ar<strong>em</strong> o local. Em 19<strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1999, os Mbya chegam <strong>em</strong> Imaruí, a mais recente al<strong>de</strong>iaguarani <strong>de</strong> Santa Catarina. Os grupos familiares que chegaram às al<strong>de</strong>ias <strong>de</strong>Massiambu, Imaruí e Morro dos Cavalos, vieram <strong>de</strong> diversas comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>slocaliza<strong>da</strong>s no interior <strong>de</strong> Santa Catarina, Paraná e Rio Gran<strong>de</strong> do Sul,sendo que alguns indivíduos vieram <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> São Paulo, Rio <strong>de</strong> Janeiroe Espírito Santo. Após a chega<strong>da</strong> do primeiro grupo li<strong>de</strong>rado por Augusto<strong>da</strong> Silva, c<strong>on</strong>hecido entre os Mbya por Karai Tataendy, apareceram outrasfamílias que foram se agregando à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, enquanto outras partiam, oque caracteriza a dinâmica social <strong>de</strong>ste povo. Atualmente, as três al<strong>de</strong>iasc<strong>on</strong>tam com uma população <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 600 indivíduos.40 Um documento <strong>da</strong>tado <strong>de</strong> 1576 registra a presença dos Guarani na região <strong>de</strong> Massiambu,na época <strong>de</strong>nominado “Viaça” (Revista <strong>de</strong> propagan<strong>da</strong> do Estado e dos Municípios, Ediçãodo Departamento <strong>de</strong> Administração Municipal, ano 1, n.1, 1939).171


Mitologia e auto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Guarani do estado <strong>de</strong> Santa CatarinaLocaliza<strong>da</strong> a 13 km do município <strong>de</strong> Palhoça, 35 km <strong>da</strong> capital doestado, a área <strong>de</strong> Massiambu possui menos <strong>de</strong> 5,5 ha (c<strong>on</strong>formedocumentação <strong>de</strong> registro do imóvel), doze habitações, <strong>on</strong><strong>de</strong> moram cerca<strong>de</strong> cinqüenta e dois indivíduos, divididos <strong>em</strong> várias famílias nucleares, quese organizam <strong>em</strong> algumas famílias extensas. No Morro dos Cavalos, com121,8 ha, distante cerca <strong>de</strong> 3 km <strong>da</strong> primeira al<strong>de</strong>ia, com cerca <strong>de</strong> 220indivíduos, incluindo visitantes (número este que po<strong>de</strong> mu<strong>da</strong>r <strong>em</strong> função<strong>da</strong>s c<strong>on</strong>stantes movimentações, como vimos acima), os índiosacomo<strong>da</strong>ram-se <strong>em</strong> vinte casas. Com 80 ha e localiza<strong>da</strong> no município domesmo nome, a 50 km <strong>da</strong>s outras al<strong>de</strong>ias, 80 km <strong>de</strong> Florianópolis, a Al<strong>de</strong>ia<strong>de</strong> Imaruí possui 30 casas e cerca <strong>de</strong> 230 habitantes. As três al<strong>de</strong>ias estãopróximas do Parque Estadual <strong>da</strong> Serra do Tabuleiro. Trata-se <strong>de</strong> umagran<strong>de</strong> área <strong>de</strong> 90.000 ha <strong>de</strong> Mata Atlântica, <strong>de</strong>clara<strong>da</strong> <strong>de</strong> preservaçãopermanente, através do Decreto estadual M/SETMA, n. 1.260, <strong>de</strong>01.11.1975 (sendo que, posteriormente, o Decreto n.17.720/82 retificouseus limites <strong>em</strong> 87.405 ha). É importante salientar que, a partir <strong>de</strong> nossos<strong>da</strong>dos (LITAIFF, 1999) e apoiado pela bibliografia especializa<strong>da</strong> (MELIÁ,1987), verificamos que os Guarani são profundos c<strong>on</strong>hecedores <strong>da</strong> MataAtlântica, praticando há séculos o manejo florestal (ver também NOELLI,1993).No início <strong>de</strong> nossa pesquisa entre os Guarani, c<strong>on</strong>statamos que afalta <strong>de</strong> terras e <strong>de</strong> recursos naturais (provocados pela col<strong>on</strong>ização branca epelo acelerado processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição <strong>da</strong>s florestas brasileiras), geravamgran<strong>de</strong>s períodos <strong>de</strong> fome, que c<strong>on</strong>tinua matando a escassa população querestou dos Guarani do passado. Tanto os Mbya, quanto a maioria dosGuarani <strong>de</strong> Santa Catarina, enc<strong>on</strong>travam-se numa situação <strong>de</strong> miséria,sendo comum enc<strong>on</strong>trarmos Guarani esmolando nas ruas <strong>de</strong> Florianópolis,principalmente mulheres e crianças. As doenças, a subnutrição, que afetam,principalmente, a população infantil, e o alcoolismo (probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> quasetodos os grupos “indígenas” brasileiros), dizimam <strong>de</strong> forma dramática seuc<strong>on</strong>tingente populaci<strong>on</strong>al. O probl<strong>em</strong>a <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> está estreitamenterelaci<strong>on</strong>ado à questão <strong>da</strong> falta <strong>de</strong> terras, pois, “com uma boa terra po<strong>de</strong>plantar, pegar r<strong>em</strong>édio no mato, ninguém fica doente”, <strong>de</strong>clara o CaciqueMbya. 41 As áreas <strong>de</strong> Massiambu e Morro dos Cavalos são insuficientes eina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s para aten<strong>de</strong>r às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s básicas dos Mbya, que reclamam<strong>de</strong> sua pequena extensão, infertili<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> escassez <strong>da</strong> mata: “são muitopequenas, não têm florestas e mal dá para plantar. Guarani é do mato, vive41 S<strong>em</strong>pre quando utilizamos somente o termo “cacique” s<strong>em</strong> o nome <strong>da</strong> pessoa, estamosnos referindo a Augusto <strong>da</strong> Silva Karai Tataendy.172


Aldo Litaiffno mato, com terra gran<strong>de</strong>, muita árvore, palmito, terra boa para plantar, sea terra não for boa, o Guarani lá não vive”, <strong>de</strong>clara um <strong>de</strong> nossoscolaboradores. Acrescentamos que os próprios Mbya se <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> comosendo “índios <strong>da</strong> floresta”. Tekoa, então, é um espaço com terra fértil,florestas, lugar <strong>de</strong> agricultura e coleta. Por este motivo, <strong>de</strong>ntre os gruposguarani, os Mbya são os que mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>da</strong>s florestas para suasubsistência.A comercialização do artesanato e a agricultura são atualmente asprincipais f<strong>on</strong>tes <strong>de</strong> subsistência dos Mbya. A agricultura é ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>importância fun<strong>da</strong>mental na vi<strong>da</strong> dos Mbya. Os Guarani <strong>de</strong> Santa Catarinarelatam, porém, que o fomento ao artesanato comercial surgiu comosolução para a falta <strong>de</strong> terras e a c<strong>on</strong>seqüente impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> exercer aagricultura. Os Mbya ven<strong>de</strong>m seus artesanatos aos turistas, ao l<strong>on</strong>go <strong>da</strong>rodovia BR-101, ou nas ruas e praças <strong>de</strong> Florianópolis. Os objetoscomercializados com maior freqüência são: colares, arcos e flechas,chocalhos (mbaraka), abanadores e cestarias (adjaka) <strong>de</strong> diversos tipos etamanhos. No litoral sul <strong>de</strong> Santa Catarina, to<strong>da</strong> matéria-prima utiliza<strong>da</strong> porestes Guarani é proveniente <strong>da</strong>s florestas adjacentes, no caso <strong>da</strong>s trêsal<strong>de</strong>ias Mbya, principalmente <strong>da</strong> Serra do Tabuleiro. Por este motivo,<strong>de</strong>ntre os povos Guarani, os Mbya são os que mais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>da</strong>s florestaspara sua subsistência: “s<strong>em</strong> a mata o Mbya não é na<strong>da</strong>”, assinala um velhoMbya.Entre os Mbya, o milho (awaty) e a mandioca (mandió) são osprincipais alimentos. Observamos também o cultivo <strong>da</strong> batata-doce (jety),feijão (comandá), banana (pakoá), mandu’i e cana (taquare’ey). Foramregistrados quatro tipos diferentes <strong>de</strong> milho: awaty jú, amarelo <strong>de</strong> espigapequena, awaty sí, espiga branca e macia, awaty para í, espiga com grãos“coloridos”, e awaty jú guaçú, espigas gran<strong>de</strong>s e amarelas. Além <strong>de</strong> umagran<strong>de</strong> área <strong>de</strong> lavoura coletiva (cana, abacaxi, mandioca e milho), exist<strong>em</strong>outras menores, próximas a pequenas c<strong>on</strong>centrações <strong>de</strong> casas (normalmente<strong>de</strong> três a cinco residências), para c<strong>on</strong>sumo diário (banana, mandioca,batata-doce e milho). Os Mbya criam patos, marrecos e galinhas, que ficamsoltos pela al<strong>de</strong>ia. O milho e a mandioca, certamente, são os alimentos maisc<strong>on</strong>sumidos entre esses índios. O Cacique relata que a primeira mandiocateria nascido sobre a sepultura <strong>de</strong> um Guarani morto e <strong>de</strong>screve como seprocessava a lavoura Mbya: “Nosso alimento antigamente era milho, feijãovag<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> sal e s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>pero, antes não tinha o sal, n<strong>em</strong> açúcar. O índiovivia <strong>de</strong> caça, tateto, raposa (como <strong>de</strong>nominam ‘gambá’), tatu, Jaku,pegava mel, peixe do rio, plantava milho, mandioca, banana, batata. Dois173


Mitologia e auto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Guarani do estado <strong>de</strong> Santa Catarinatipos <strong>de</strong> amendoim: o amarelo e o vermelho. Antes a mulher plantava, ohom<strong>em</strong> só caçava, pescava e pegava mel. Hom<strong>em</strong> só queimava e limpava omato para mulher plantar, num mesmo buraco, milho e feijão, <strong>de</strong>poistapava o buraco com o pé. Os dois cresc<strong>em</strong> e o feijão se enrosca no pé <strong>de</strong>milho. Agora tudo mudou, não t<strong>em</strong> jeito. Em agosto plantava amendoim,maio é a colheita, as mulheres se juntavam para colher, <strong>de</strong>pois fazia comi<strong>da</strong><strong>de</strong> milho com amendoim torrado ou cozido. Crianças treinavam colher efazer comi<strong>da</strong> nos pequenos balaios. O hom<strong>em</strong> vai caçar no mato, agora étriste, não t<strong>em</strong> mais. Naquele t<strong>em</strong>po s<strong>em</strong>pre alegre, não tinha tristeza. Eratudo unido, amigo, hoje tudo mudou. O mundo não mu<strong>da</strong>, o povo é qu<strong>em</strong>u<strong>da</strong>”. Po<strong>de</strong>mos ver aqui a estreita relação entre subsistência e organizaçãosocial, sendo a “ec<strong>on</strong>omia <strong>de</strong> reciproci<strong>da</strong><strong>de</strong>”, um dos dispositivos principais<strong>da</strong> dinâmica social Guarani, e uma <strong>da</strong>s mais importantes características<strong>de</strong>stes índios.A compra do alimento industrializado também t<strong>em</strong> gerado gravesprobl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> entre os Guarani. C<strong>on</strong>forme nos relatou umaenfermeira <strong>da</strong> FUNAI que visitou as al<strong>de</strong>ias catarinenses: “além <strong>de</strong> maiscaro é menos nutritivo, causando a subnutrição, resp<strong>on</strong>sável pela maiorparte <strong>da</strong>s doenças e pela mortali<strong>da</strong><strong>de</strong> infantil. Aqui, nestas al<strong>de</strong>ias, játiv<strong>em</strong>os várias crianças com <strong>de</strong>sidratação, causa<strong>da</strong> por forte diarréia,tuberculose, an<strong>em</strong>ia, pneum<strong>on</strong>ia (principalmente entre crianças com menos<strong>de</strong> dois anos) e outras doenças. Isto tudo porque o índio ain<strong>da</strong> não c<strong>on</strong>heceo alimento do branco, ele não sabe como funci<strong>on</strong>a no seu organismo, <strong>em</strong>termos nutritivos”. Sensível às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta população, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1992, aequipe forma<strong>da</strong> por alunos (graduação e pós-graduação), pesquisadores eprofessores do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>(PPGCL) <strong>da</strong> Unisul t<strong>em</strong> se <strong>de</strong>dicado a buscar meios para soluci<strong>on</strong>ar estesprobl<strong>em</strong>as, como por ex<strong>em</strong>plo, o isolamento <strong>de</strong> cinco tipos <strong>de</strong> awaty, omilho Guarani, <strong>da</strong> c<strong>on</strong>taminação pelo milho híbrido. Desta forma, osGuarani voltaram a cultivar o awaty <strong>de</strong> acordo com suas antigas técnicas,que é comprova<strong>da</strong>mente, a espécie <strong>de</strong> milho mais a<strong>da</strong>ptado e resistente àc<strong>on</strong>dições adversas (gea<strong>da</strong>, seca etc.), sendo que suas s<strong>em</strong>entes foramleva<strong>da</strong>s por estes índios a várias outras comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro e fora doestado.Executado entre março <strong>de</strong> 2001 e <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2004, o projeto S<strong>em</strong>Tekoa não há teko teve, como objetivo geral, incentivar formas ec<strong>on</strong>ômicasapropria<strong>da</strong>s ao etno<strong>de</strong>senvolvimento e à auto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s terrasindígenas Guarani do litoral do Estado <strong>de</strong> Santa Catarina, medi<strong>da</strong>s174


Aldo Litaiffcompatíveis com teko, ou seja, modo <strong>de</strong> ser, cultura Guarani. 42 Buscou-setambém c<strong>on</strong>tribuir no processo <strong>de</strong> regeneração <strong>da</strong> Mata Atlântica e do solo(para fomento <strong>da</strong> agricultura familiar, coletiva e outros tipos <strong>de</strong> manejoflorestal, características <strong>de</strong>stes índios), <strong>de</strong> 3 <strong>da</strong>s 18 áreas Guarani do litoralcatarinense, a maioria recent<strong>em</strong>ente ocupa<strong>da</strong> por estes índios, que, nestaregião, c<strong>on</strong>tam cerca <strong>de</strong> 1050 indivíduos.C<strong>on</strong>scientes <strong>da</strong> grave situação <strong>em</strong> que atualmente se enc<strong>on</strong>tram osGuarani, e c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando que as poucas terras <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong> nãoapresentam as c<strong>on</strong>dições básicas previstas na C<strong>on</strong>stituição Fe<strong>de</strong>ralBrasileira <strong>de</strong> 1988, partimos do pressuposto <strong>de</strong> que este projeto <strong>de</strong>veriarespeitar as c<strong>on</strong>dições mínimas para a manutenção do modo <strong>de</strong> ser Guarani.Sab<strong>em</strong>os que a sobrevivência <strong>de</strong> uma população só é possível quando asterras a ela <strong>de</strong>stina<strong>da</strong>s permitam perpetuar seus costumes. To<strong>da</strong>via,atualmente, o maior probl<strong>em</strong>a para os Guarani é a improdutivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>spoucas terras <strong>em</strong> que se enc<strong>on</strong>tram. Nossa intenção t<strong>em</strong> sido a <strong>de</strong> modificartal situação, através <strong>da</strong> impl<strong>em</strong>entação do <strong>de</strong>senvolvimento sustentável <strong>de</strong>antigas e novas áreas recent<strong>em</strong>ente adquiri<strong>da</strong>s, <strong>de</strong> acordo com asnecessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> subsistência e a situação <strong>de</strong>mográfica. A partir <strong>de</strong>experiências anteriores e do estudo do c<strong>on</strong>texto atual, obtiv<strong>em</strong>os umacorreta avaliação <strong>da</strong> presente situação, assim como do impacto que estaspopulações vêm sofrendo ao l<strong>on</strong>go <strong>de</strong>ste violento processo <strong>de</strong> c<strong>on</strong>tato coma civilização oci<strong>de</strong>ntal.Com o intuito <strong>de</strong> eleger priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s para a elaboração dos projetos,tomamos como principal critério c<strong>on</strong>sultar não só as li<strong>de</strong>ranças comotambém outros integrantes, mulheres e anciães, <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s indígenas<strong>em</strong> questão. Cientes <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s e do estreito relaci<strong>on</strong>amento entre asal<strong>de</strong>ias, optamos pelo método comparativo, procurando enten<strong>de</strong>r ass<strong>em</strong>elhanças e diferenças entre elas. Esta nos pareceu ser a melhormetodologia para se chegar a alguns p<strong>on</strong>tos c<strong>on</strong>sensuais que nospermitiram eleger as priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Portanto, a presença <strong>da</strong>s li<strong>de</strong>ranças, comoo Cacique Augusto <strong>da</strong> Silva Karai Tataendy, e outros representantesdurante o processo <strong>de</strong> eleição <strong>da</strong>s priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s, foram fun<strong>da</strong>mentais nac<strong>on</strong>fecção dos objetivos dos projetos, que, <strong>de</strong>sta forma, foram <strong>de</strong>finidos eexecutados <strong>em</strong> c<strong>on</strong>junto com os m<strong>em</strong>bros <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Tomando o caminho inverso <strong>da</strong>s soluções assistencialistas e/oupaternalistas, que geram maior <strong>de</strong>pendência com relação à socie<strong>da</strong><strong>de</strong>42 Observamos que no ano <strong>de</strong> 2008 o projeto <strong>de</strong>ve ser aplicado <strong>em</strong> outras quatrocomuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Guarani localiza<strong>da</strong>s no litoral norte do Estado <strong>de</strong> Santa Catarina.175


Mitologia e auto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Guarani do estado <strong>de</strong> Santa Catarinanaci<strong>on</strong>al envolvente, executamos algumas medi<strong>da</strong>s simples, visando aoc<strong>on</strong>trole dos meios que c<strong>on</strong>duz<strong>em</strong> a uma maior aut<strong>on</strong>omia e autosubsistência,tendo como c<strong>on</strong>seqüência a sobrevivência dos indivíduos, <strong>de</strong>sua socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> sua cultura. Visando à realização <strong>de</strong>sta meta, foramalcançados os seguintes objetivos, previstos inicialmente no projeto S<strong>em</strong>tekoa não há teko: a) análise e correção do solo para melhor produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>,respeitando, porém, os princípios <strong>da</strong> cultura Guarani, que prevê a utilizaçãopreferencial <strong>da</strong> agricultura orgânica (adubo e irrigação); b) plantio <strong>de</strong>milhares <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>s árvores frutíferas (1.500 uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s: laranja lima, goiaba,banana etc.); c) aquisição <strong>de</strong> pequenos animais, como: galinhas, patos <strong>em</strong>arrecos, f<strong>on</strong>tes alternativas <strong>de</strong> proteína; d) c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> açu<strong>de</strong>s paracriação <strong>de</strong> peixes (outra importante f<strong>on</strong>te protéica – principalmente carpa etilápia, <strong>de</strong> fácil manejo); e) reflorestamento <strong>da</strong> mata no interior <strong>da</strong> área,através do cultivo <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>s <strong>de</strong> árvores típicas <strong>da</strong> região (5.000uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s: palmeira, canela, cedro, etc.), quase totalmente <strong>de</strong>sapareci<strong>da</strong>snestes locais. Observou-se que estas árvores são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importânciareligiosa para os Mbya, que, quando manejam as florestas, não visamsomente à utilização <strong>de</strong> seus recursos, mas, sobretudo sua recuperação e aeliminação <strong>de</strong> espécies exóticas invasoras (como pinos e eucalipto); f)i<strong>de</strong>ntificação, a partir <strong>da</strong> c<strong>on</strong>cepção <strong>de</strong> manejo agroflorestal guarani, não só<strong>da</strong>s espécies retira<strong>da</strong>s, como também do local e <strong>da</strong> técnica <strong>de</strong> coleta (queposteriormente teve classificação biológica, traçando paralelos com ataxi<strong>on</strong>omia guarani), e <strong>da</strong> roça tradici<strong>on</strong>al (coivara), que é a base alimentar,rica <strong>em</strong> amido (milho, mandioca, batata-doce, amendoim, feijão); g)geração <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento teórico-prático que hoje orienta projetos nas áreas<strong>de</strong> Etnologia Indígena, Mitologia, Estudos <strong>de</strong> Linguag<strong>em</strong>, Ecologia epolíticas públicas <strong>de</strong> educação e saú<strong>de</strong>.Inicialmente, foram elenca<strong>da</strong>s as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais urgentes <strong>da</strong>scomuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s, visando à elaboração dos objetivos <strong>de</strong>ste projeto. Para suaexecução, foram necessárias a alocação <strong>de</strong> equipamentos e a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong>alunos/estagiários (graduação e pós-graduação) para orientação eaprendizado durante as seguintes ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s: a) coleta <strong>de</strong> amostra, análise ecorreção do solo; b) avaliação <strong>da</strong> área para introdução <strong>da</strong>s árvoresfrutíferas, <strong>em</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>, distribuição e local apropriados (<strong>de</strong>acordo com especialistas acadêmicos e os próprios Índios); c) plantio <strong>de</strong>árvores nativas <strong>da</strong> região, especificamente araucária, cedro, canela epalmeira, com o acompanhamento c<strong>on</strong>stante por parte <strong>de</strong> m<strong>on</strong>itoresGuarani (tendo, como c<strong>on</strong>seqüência, uma per<strong>da</strong> mínima – menos <strong>de</strong> 12%);d) reuniões entre alunos/estagiários e os m<strong>em</strong>bros <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, visandoao “m<strong>on</strong>itoramento acadêmico” e à avaliação c<strong>on</strong>stante <strong>da</strong> execução do176


Aldo Litaiffprojeto. Com isto, c<strong>on</strong>seguimos alcançar o máximo <strong>de</strong> aproveitamento eprodutivi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos recursos do projeto, b<strong>em</strong> como dos recursos ambientais<strong>da</strong>s áreas <strong>em</strong> questão.Sublinhamos que partimos <strong>de</strong> experiências anteriores igualmenteb<strong>em</strong>-sucedi<strong>da</strong>s, aplica<strong>da</strong>s <strong>em</strong> outras comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Guarani, como o caso <strong>da</strong>Terra Indígena <strong>de</strong> Bracuí (localiza<strong>da</strong> no litoral do Estado do Rio <strong>de</strong>Janeiro), <strong>on</strong><strong>de</strong> foram implanta<strong>da</strong>s, pela primeira vez, estas mesmas medi<strong>da</strong>scom sucesso: organizamos grupos <strong>de</strong> trabalho c<strong>on</strong>stituídos pelos índios,como foi visto acima, que participaram ativamente no processo <strong>de</strong> correçãodo solo, plantio <strong>de</strong> árvores, acompanhamento do crescimento e recuperação<strong>da</strong> floresta, sendo esta uma f<strong>on</strong>te t<strong>em</strong>porária <strong>de</strong> subsistência para estesGuarani, que foram r<strong>em</strong>unerados, c<strong>on</strong>forme foi previsto no projeto. Através<strong>de</strong>ste projeto, acreditamos ter c<strong>on</strong>seguido minimizar alguns efeitosnefastos, frutos do c<strong>on</strong>tato com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal, procurando,principalmente, evitar interferências paternalistas e assistencialistas.Buscamos, neste sentido, a regeneração do solo e <strong>da</strong> Mata Atlânticaadjacente, a diminuição <strong>de</strong> doenças entre a população infantil, a que<strong>da</strong> <strong>da</strong>mortali<strong>da</strong><strong>de</strong> infantil, a diminuição do alcoolismo e <strong>de</strong> DST/AIDS (com aauto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> os índios não mais necessitam se ausentar <strong>de</strong> suascomuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego saz<strong>on</strong>al, ven<strong>da</strong> <strong>de</strong> artesanato etc.) e adiminuição do número <strong>de</strong> c<strong>on</strong>flitos internos (brigas entre jovens,<strong>de</strong>savenças c<strong>on</strong>jugais etc.), frutos <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as relaci<strong>on</strong>ados à subsistência.Acreditamos ser esta a forma correta <strong>de</strong> c<strong>on</strong>tribuir para apreservação <strong>da</strong> cultura e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> Guarani, <strong>de</strong> acordo com os dispositivosestabelecidos pelo artigo 231 <strong>da</strong> C<strong>on</strong>stituição <strong>de</strong> 1988. Enten<strong>de</strong>mos queeste projeto c<strong>on</strong>tribuirá na promoção <strong>de</strong> medi<strong>da</strong>s preventivas liga<strong>da</strong>s àsc<strong>on</strong>dições gerais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>em</strong> seu sentido mais amplo, apoia<strong>da</strong>snecessariamente <strong>em</strong> ações intersetoriais, que c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>pl<strong>em</strong> a produção <strong>de</strong>alimentação básica e, principalmente, a posse <strong>de</strong> “tekoa”, ou seja, a posse<strong>de</strong> terras a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s, com solo fértil, água limpa e florestas preserva<strong>da</strong>s.Enten<strong>de</strong>mos que, com este projeto, c<strong>on</strong>seguimos aten<strong>de</strong>r a umareivindicação legítima dos Guarani: c<strong>on</strong>dições mínimas <strong>de</strong> subsistência.Estamos seguros <strong>de</strong> que, com estas ações, enc<strong>on</strong>tramo-nos ca<strong>da</strong> vez maispróximos <strong>da</strong> solução dos probl<strong>em</strong>as <strong>da</strong>s populações indígenas do Estado <strong>de</strong>Santa Catarina, sendo este o maior mérito <strong>de</strong>ste projeto, pois s<strong>em</strong> tekoa nãohá teko (MELIA, 1990), ou seja, s<strong>em</strong> terra não existe cultura n<strong>em</strong>socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.177


Mitologia e auto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Guarani do estado <strong>de</strong> Santa Catarina3. Projeto Registro audiovisual <strong>da</strong> execução do projeto S<strong>em</strong> tekoa nãohá tekoNosso objetivo principal neste projeto foi o <strong>de</strong> criar um registroaudiovisual <strong>da</strong> execução do projeto S<strong>em</strong> tekoa não há teko (também<strong>de</strong>nominado “projeto-base”). Partindo <strong>de</strong> uma experiência <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> vinteanos junto às populações guarani do Brasil, solicitamos a presença <strong>da</strong>sli<strong>de</strong>ranças e outros representantes durante o processo <strong>de</strong> eleição <strong>da</strong>spriori<strong>da</strong><strong>de</strong>s do projeto, sendo fun<strong>da</strong>mental na c<strong>on</strong>fecção <strong>de</strong> seus objetivos,passando assim pelas estratégias adota<strong>da</strong>s para a obtenção do máximo <strong>de</strong>envolvimento <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, até na re<strong>da</strong>ção do relatório final.Os fatos observados <strong>em</strong> campo foram acompanhados por registroaudiovisual, que permitiu uma melhor c<strong>on</strong>textualização do universo sóciocultural<strong>em</strong> questão. Assim, o material foi gravado e fotografado, c<strong>on</strong>formeos objetivos do projeto e as <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s <strong>de</strong> campo. Atualmente, o produto<strong>de</strong>ste trabalho é utilizado <strong>em</strong> cursos e palestras sobre a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> Guarani,especificamente sobre o manejo dos recursos naturais, dirigidos não só àUnisul, como a outras instituições <strong>de</strong> ensino. Sublinhamos que através doprocesso <strong>de</strong> “m<strong>on</strong>itoramento acadêmico” (ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> que compreen<strong>de</strong> aobservação participante e coleta <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos <strong>em</strong> campo, executa<strong>da</strong> pelospróprios índios, pelo coor<strong>de</strong>nador e alunos), asseguramos o amplo acesso aeste c<strong>on</strong>hecimento pelos diferentes setores <strong>da</strong> instituição prop<strong>on</strong>ente, assimcomo seu efeito multiplicador. Nosso público-alvo foi a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>indígena Guarani, outras comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s indígenas e comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> regi<strong>on</strong>al,pesquisadores, docentes e discentes <strong>de</strong> diversas áreas do c<strong>on</strong>hecimento.Hoje se rec<strong>on</strong>hece a importância dos recursos audiovisuaisutilizados nas Ciências Sociais e <strong>da</strong> Comunicação, não somente enquantomeios necessários, mas imprescindíveis <strong>em</strong> disciplinas, como, por ex<strong>em</strong>plo,a antropologia e a sociologia. Nosso interesse aqui foi o <strong>de</strong> motivar ainterdisciplinari<strong>da</strong><strong>de</strong> entre antropologia e meios audiovisuais <strong>de</strong>comunicação, através <strong>da</strong> participação dos alunos do curso <strong>de</strong> Cin<strong>em</strong>a eVí<strong>de</strong>o e do PPGCL <strong>da</strong> Unisul, que po<strong>de</strong>rão criar roteiros, operar câmaras,dirigir e executar todo o processo <strong>de</strong> documentação visual <strong>de</strong>ste projeto.Acreditamos que a informação visual t<strong>em</strong> to<strong>da</strong> a potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong> heurística,científica e mesmo <strong>on</strong>tológica <strong>de</strong> ser c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> documentação <strong>de</strong> statuscientífico, po<strong>de</strong>ndo ser vista como um prol<strong>on</strong>gamento <strong>da</strong>s capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>ssensíveis do investigador, <strong>em</strong> seu esforço <strong>de</strong> registrar e estu<strong>da</strong>r eventos domundo social.178


Aldo LitaiffApesar <strong>de</strong> todo o importante material audiovisual, que v<strong>em</strong> sendoproduzido, c<strong>on</strong>statamos certa resistência dos intelectuais do mundoacadêmico <strong>em</strong> aceitar nossa metodologia <strong>de</strong> trabalho mais positivamente,rec<strong>on</strong>hecendo-lhe o caráter científico, pois esta disciplina também sepropõe a observar, investigar, <strong>de</strong>screver e compreen<strong>de</strong>r visualmente osfatos humanos. Numa <strong>da</strong>s primeiras e mais interessantes publicações sobreAntropologia Visual, E. Samain e H. Sôlha (in MENESES, C. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong>Antropologia Visual, FUNAI, RJ, 1987) questi<strong>on</strong>am: “[...] tal probl<strong>em</strong>áticatoma c<strong>on</strong>tornos mais claros quando se pergunta sobre as razões <strong>de</strong> tãoparcim<strong>on</strong>iosa utilização, até hoje, dos filmes etnográficos na formação dofuturo antropólogo. O que pensar ain<strong>da</strong> <strong>de</strong>sta discrição para não dizer <strong>de</strong>statimi<strong>de</strong>z, com que os mais sensíveis antropólogos ilustram oucompl<strong>em</strong>entam visualmente as centenas <strong>de</strong> páginas m<strong>on</strong>ográficas queescrev<strong>em</strong>?” Os pesquisadores citam como ex<strong>em</strong>plo o trabalho pi<strong>on</strong>eiro queGregory Bates<strong>on</strong> e Margaret Mead realizaram na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 40 (MEAD, M.Principles of Visual Anthropology, Paris: Mout<strong>on</strong>, 1975), entre osba<strong>line</strong>nses, utilizando os recursos fotográficos, com o objetivo <strong>de</strong> pesquisara cultura <strong>de</strong>sta socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.A partir <strong>de</strong>ste e <strong>de</strong> outros importantes trabalhos, po<strong>de</strong>mos c<strong>on</strong>statarque, tanto o cin<strong>em</strong>a, o ví<strong>de</strong>o, quanto a fotografia, po<strong>de</strong>m e, até mesmo,<strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser associados à pesquisa antropológica e sociológica. Desta forma,segundo Meneses (i<strong>de</strong>m), estes recursos tornam-se “instrumento <strong>de</strong>importância capital tanto na educação popular, quanto para a recuperaçãodo passado histórico <strong>da</strong>s populações indígenas”. A autora explica que ocin<strong>em</strong>a, o ví<strong>de</strong>o e a fotografia po<strong>de</strong>m servir <strong>de</strong> p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> para asetnias indígenas, por ex<strong>em</strong>plo, no processo político interno, reforçandoalianças, estimulando a circulação <strong>de</strong> informações e possibilitando não só àretoma<strong>da</strong>, mas a “reinvenção <strong>da</strong> tradição”.Sobre as questões metodológicas, Samain e Sôlha (i<strong>de</strong>m) afirmam,ain<strong>da</strong>, que há <strong>de</strong> se rec<strong>on</strong>hecer que a Antropologia Visual t<strong>em</strong> se ressentidoaté hoje <strong>da</strong> falta <strong>de</strong> discussões mais aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>s, relevando os seguintesp<strong>on</strong>tos: a) repensar o c<strong>on</strong>junto metodológico que a Antropologia nosofereceu até o momento, face às especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s que a Antropologia Visualpo<strong>de</strong> também nos proporci<strong>on</strong>ar; b) procurar criar um espaço no trabalhoantropológico que permita a experimentação <strong>de</strong> um “novo fazer”, gerandosubsídios necessários à elaboração <strong>de</strong> metodologias específicas do uso dosmultimeios nesse campo; c) tal elaboração não po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>svincula<strong>da</strong>,pensamos, <strong>de</strong> uma profun<strong>da</strong>s reflexão sobre a lógica do visual, a qual nãopo<strong>de</strong> ser equilibra<strong>da</strong> <strong>de</strong> ant<strong>em</strong>ão à lógica <strong>da</strong> escrita e <strong>da</strong> orali<strong>da</strong><strong>de</strong>.179


Mitologia e auto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Guarani do estado <strong>de</strong> Santa CatarinaNa busca <strong>de</strong>stas e <strong>de</strong> outras respostas às questões acima abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s,propomos, através <strong>de</strong>ste projeto, fomentar a produção acadêmica <strong>de</strong>audiovisuais <strong>de</strong> caráter sociológico e antropológico. Acentuamos que omaterial audiovisual produzido durante este projeto pelos estu<strong>da</strong>ntes <strong>de</strong>graduação do curso <strong>de</strong> Cin<strong>em</strong>a e Ví<strong>de</strong>o t<strong>em</strong> servido aos alunos do PPGCL<strong>da</strong> Unisul, como p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> reflexão para suas dissertações e também comoreferência para futuras pesquisas teóricas sobre o uso científico <strong>de</strong>audiovisual, com vistas a uma c<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong> entre os dois cursos. Alémdisto, c<strong>on</strong>stata-se um significativo efeito multiplicador, fomentado através<strong>da</strong> divulgação <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os e <strong>de</strong> outros materiais <strong>de</strong> caráter audiovisual,resultantes do projeto (c<strong>on</strong>fecção <strong>de</strong> catálogo <strong>de</strong> fotos e exposição <strong>da</strong>smesmas), <strong>em</strong> escolas, <strong>em</strong> outras universi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e <strong>em</strong> outras al<strong>de</strong>iasindígenas. Com estas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, esperamos sensibilizar o maior númeropossível <strong>de</strong> indivíduos quanto à vali<strong>da</strong><strong>de</strong> e importância do projeto-base.Partindo dos objetivos específicos, foram produzidos: a) roteiros,ví<strong>de</strong>os e/ou material fotográfico, a título <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> c<strong>on</strong>clusão <strong>de</strong>disciplina (Antropologia Cultural e <strong>da</strong> Imag<strong>em</strong>) ou mesmo como trabalhofinal <strong>de</strong> curso (neste caso, Cin<strong>em</strong>a e Ví<strong>de</strong>o); b) registro audiovisual queservirá <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ória <strong>da</strong> execução <strong>da</strong>s fases do projeto-base S<strong>em</strong> tekoa nãohá teko; c) a partir <strong>de</strong>ste material, comparamos a situação <strong>de</strong> subsistência<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s guarani <strong>em</strong> questão, anterior e posterior à execução doprojeto, o que servirá <strong>de</strong> p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> referência para futuros projetos nestaárea; d) foi produzido um ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> divulgação e propagan<strong>da</strong>, para brancos eíndios, sobre os resultados do projeto e as vantagens <strong>de</strong> se trabalhar com,por ex<strong>em</strong>plo, agricultura orgânica e reflorestamento, que <strong>de</strong>terminam umasituação ec<strong>on</strong>ômica, social e política, caracteriza<strong>da</strong>s pela autosustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong>.A execução <strong>de</strong>ste projeto obe<strong>de</strong>ceu às seguintes etapas: a)organização <strong>da</strong> equipe <strong>de</strong> alunos e técnicos; b) registro visual (ví<strong>de</strong>o e/oufoto) <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> campo (coleta <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos preliminares); c)levantamento do equipamento e material necessários; d) registro visual <strong>da</strong>implantação dos açu<strong>de</strong>s para a criação <strong>de</strong> peixes; e) registro visual doprocesso <strong>de</strong> correção do solo e irrigação; f) registro visual <strong>da</strong> compra <strong>de</strong>mu<strong>da</strong>s <strong>de</strong> árvores; g) registro visual do processo <strong>de</strong> plantio <strong>de</strong> árvoresfrutíferas; h) registro visual do reflorestamento e manejo <strong>da</strong> mata nativa; i)organização, análise do material fotográfico produzido, edição e m<strong>on</strong>tag<strong>em</strong>do ví<strong>de</strong>o; j) c<strong>on</strong>fecção <strong>de</strong> um relatório final e avaliação dos resultados.Sublinhamos, enfim, que o documentário Mbya Guarani, os gerreiros <strong>da</strong>liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, dirigido por Charles Cesc<strong>on</strong>etto, professor do Curso <strong>de</strong>180


181Aldo LitaiffComunicação Social <strong>da</strong> Unisul, cujo roteiro partiu <strong>de</strong> nossas pesquisas, foivencedor do primeiro DOC TV, c<strong>on</strong>curso naci<strong>on</strong>al promovido pela TVCultura, com exibição naci<strong>on</strong>al.4. Projeto Mitologia GuaraniO objetivo principal <strong>de</strong>ste projeto é escrever um livro sobre arelação entre mitologia e práticas dos índios Guarani do litoral <strong>de</strong> SantaCatarina. O campo mitológico c<strong>on</strong>stitui uma importante via para oc<strong>on</strong>hecimento etnográfico. Propomos neste livro uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong>sincrônica e diacrônica dos mitos que atualmente circulam entre ascomuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s guarani do litoral brasileiro. Utilizar<strong>em</strong>os os textos <strong>de</strong> AndréThevet (Cosmographie universelle, 1575), que viveu entre os Tupinambásdurante o século XVI; os artigos <strong>de</strong> Le<strong>on</strong> Cadogan (1949, 1953, 1955 e1960) que, no inicio do século XX, registrou mitos e costumes dosGuarani-mbya do Paraguai; os trabalhos <strong>de</strong> Curt Nimuen<strong>da</strong>ju Unkel(1914/1985), que trata <strong>da</strong>s versões chiripa <strong>de</strong>sses mesmos mitos registradosno inico do século XX; e as versões mbya e chiripa que registramos entreos Guarani do litoral. Nosso objetivo é ap<strong>on</strong>tar as s<strong>em</strong>elhanças e asdiferenças mais significativas entre as versões <strong>da</strong>s principais narrativasmíticas dos povos Tupi e Guarani, que apresentam gran<strong>de</strong> s<strong>em</strong>elhança <strong>em</strong>seus mitos. Os t<strong>em</strong>as abor<strong>da</strong>dos no discurso mítico são: a criação <strong>da</strong>primeira terra e dos primeiros homens; o “Mito do dilúvio”; a criação <strong>da</strong>segun<strong>da</strong> terra, incluí<strong>da</strong> no “Mito dos irmãos” ou “Ciclo dos gêmeos”; e o“Mito do fogo”. A partir <strong>da</strong> classificação proposta por Le<strong>on</strong> Cadogan (1946e 1954), os mitos guarani po<strong>de</strong>m ser divididos <strong>em</strong> dois gêneros: a) os“mitos esotéricos” ou sagrados – sendo que apenas seus fragmentos sãocantados na casa <strong>de</strong> reza durante o ritual <strong>de</strong> poraei. Essa categoria inclui oMaino’i reko ypy kue e o Ayvu Rapyta, mitos cosmogânicos <strong>on</strong><strong>de</strong> Deus criaseu próprio corpo, o universo, os astros, a terra e os primeiros homens; b)os “mitos exotéricos” ou não-sagrados – os textos não-cantados, dividos <strong>em</strong>duas categorias: o Mito do dilúvio, o Mito dos irmãos e a c<strong>on</strong>quista dofogo; e as narrativas etno-históricas, histórias antigas e recentes, que tratam,por ex<strong>em</strong>plo, <strong>da</strong> c<strong>on</strong>quista <strong>da</strong> América do Sul pelos portugueses eespanhóis, os c<strong>on</strong>flitos armados pelos c<strong>on</strong>quistadores; os <strong>de</strong>slocamentos <strong>de</strong>populações mbya e chiripa no litoral brasileiro. Juntam-se a esses asnarrativas <strong>da</strong> situação c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea dos Guarani e suas histórias <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> .(abor<strong>da</strong>mos as narrativas etno-históricas num outro trabalho (LITAIFF,1996)). Ressaltamos que os Mbya diferenciam claramente esses dois tipos<strong>de</strong> narrativas, ou seja, as míticas e as históricas; entretanto, os nossos


Mitologia e auto-sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Guarani do estado <strong>de</strong> Santa Catarinainformantes guarani utilizam quase s<strong>em</strong>pre as narrativas míticas parac<strong>on</strong>firmar ou explicar os eventos históricos, como por ex<strong>em</strong>plo, “nósestamos aqui no litoral porque a Terra s<strong>em</strong> mal começa <strong>de</strong>pois do mar, é láque Kuaray foi morar”, diz<strong>em</strong> os Mbya. Perceb<strong>em</strong>os então que a distinçãoentre mitos e narrativas históricas fica mais clara quando perguntamos aosguarani as s<strong>em</strong>elhanças entre os dois tipos <strong>de</strong> narrativa, “os brancos nãodão valor às histórias que não são escritas. É por isso que eles nãorespeitam o nhan<strong>de</strong> rekoram idjypy [mito], a história <strong>da</strong> orig<strong>em</strong> <strong>de</strong> nhan<strong>de</strong>reko, que é como chamamos o nosso sist<strong>em</strong>a. Agora nós não po<strong>de</strong>mos maismisturar estas histórias muito antigas com a história <strong>de</strong> nossa luta nomundo <strong>de</strong> hoje”, resp<strong>on</strong><strong>de</strong>m nossos interlocutores. A diferença entre omundo mítico e o mundo histórico aparece no discurso mbya, não somente<strong>em</strong> função <strong>da</strong> diacr<strong>on</strong>ia, mas também pelo valor intrínseco dos fatosnarrados. Salientamos que o produto final <strong>de</strong>ste projeto, ou seja, o livro,enc<strong>on</strong>tra-se <strong>em</strong> fase <strong>de</strong> c<strong>on</strong>clusão, <strong>de</strong>vendo ser publicado durante oprimeiro s<strong>em</strong>estre do ano <strong>de</strong> 2009.Finalmente, enten<strong>de</strong>mos que estes projetos c<strong>on</strong>tribu<strong>em</strong> para ummaior c<strong>on</strong>hecimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> Guarani, assim como na promoção <strong>de</strong>medi<strong>da</strong>s liga<strong>da</strong>s às c<strong>on</strong>dições gerais, saú<strong>de</strong>, <strong>em</strong> seu sentido mais amplo,apoia<strong>da</strong>s necessariamente <strong>em</strong> ações intersetoriais, que c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>pl<strong>em</strong>,principalmente, a posse <strong>de</strong> terras a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s e a c<strong>on</strong>seqüente preservação <strong>de</strong>sua cultura, garantindo, <strong>de</strong>sta forma, a sobrevivência <strong>de</strong>ste povo.ReferênciasBEGOSSI, A. Ecologia humana: um enfoque <strong>da</strong>s relações hom<strong>em</strong>-ambiente.Interciência. v. 18, n. 3, maio/jun. 1993.CADOGAN, L. Sintesis <strong>de</strong> la medicina raci<strong>on</strong>al y mística mbya-guarani. AméricaIndígena. México, v. IX, n. 1, 1949._____. La Lengua Mbya-Guarani. Boletin <strong>de</strong> Filologia. M<strong>on</strong>tevi<strong>de</strong>o, n. 5, 1949b._____. Ayvy-Rapyta (fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> humana). Revista do MuseuAntropológico, v. 1 e 2, São Paulo, 1953 e 1954._____. Ywyra ne’e ry – Flui <strong>de</strong> la arvore la palavra. In: Suppl<strong>em</strong>entoantropologico <strong>de</strong> la revista <strong>de</strong>l ateneo paraguaio, Asunci<strong>on</strong>, 1955._____. En torno a la aculturación <strong>de</strong> los mbya-guarani <strong>de</strong>l Guairá. AméricaIndígena, México, v. XX, 1960.CARDOSO <strong>de</strong> OLIVEIRA, R. et alii. Mito e linguag<strong>em</strong> social. Comunicação/1.Rio <strong>de</strong> Janeiro: T<strong>em</strong>po brasileiro, 1970.CLASTRES, H. A terra s<strong>em</strong> mal: o profetismo tupi-guarani. São Paulo:Brasiliense, 1978.182


Aldo LitaiffCLASTRES, P. A fala sagra<strong>da</strong>: mitos e cantos sagrados dos índios guarani. SãoPaulo: Papirus, 1990.LADEIRA, M. I. M. O caminhar sob a luz: o território mbya e a beira do oceano.São Paulo, 1992. Dissertação (Mestrado). PUC.LITAIFF, A. As divinas palavras: i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> étnica dos Guarani-mbya.Florianópolis: Editora <strong>da</strong> UFSC, 1996._____. Les Fils du Soleil: mythe et pratique <strong>de</strong>s Indiens Mbya-guarani du littoraldu Brésil. Tese <strong>de</strong> doutorado apresenta<strong>da</strong> ao Departamento <strong>de</strong> Antropologia <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> M<strong>on</strong>treal, Canadá, 1999.LÉVI-STRAUSS, C. Anthropologie structurale. Paris: Librairie Pl<strong>on</strong>, 1958._____. La pensee sauvage. Paris: Librairie Pl<strong>on</strong>, 1962._____. Mythologiques I: le cru et le cuit. Paris: Librairie Pl<strong>on</strong>, 1964._____. Mythologiques II: du miel aux cendres. Paris: Librairie Pl<strong>on</strong>, 1966._____. Mythologiques III: l’origine <strong>de</strong>s manieres <strong>de</strong> table. Paris: Librairie Pl<strong>on</strong>,1968._____. Mythologiques IV: l’homme nu. Paris: Librairie Pl<strong>on</strong>, 1971._____. Anthropologie structurale II. Paris: Librairie Pl<strong>on</strong>, 1973._____. Le regard éloigne. Paris: Librairie Pl<strong>on</strong>, 1983.MELIÁ, B. O Guarani: uma bibliografia etnológica. Santo Ângelo:FUNDAMES/FISA, 1987.MÉTRAUX, A. A religião tupinambá. São Paulo: Naci<strong>on</strong>al, USP, Brasiliana, v.267, 1979.MONTOYA, A. R. <strong>de</strong>. C<strong>on</strong>quista espiritual. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1985._____. Tesoro <strong>de</strong> la lengva gvarani. Leipzing: B.G. Teubner, Julio Platzmann,1639/1876.NIMUENDAJÚ, C. U. As len<strong>da</strong>s <strong>da</strong> criação e <strong>de</strong>struição do mundo, comofun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> religião dos apapocúva-guarani. São Paulo: Hucitec, 1987.NOELLI, F. S. S<strong>em</strong> tekoha não há tekó. Dissertação <strong>de</strong> Mestrado: PUC/RS, 1993.SANTOS, S. C. dos. Índios e brancos no sul do Brasil. Porto Alegre: Movimento,1987.SCHADEN, E. Características específicas <strong>da</strong> cultura Mbuá-guarani. Revista <strong>de</strong>Antropologia, São Paulo, n. XI, 1963._____. Aspectos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> cultura guarani. São Paulo: EDU/EDUSP, 1974._____. A mitologia heróica <strong>de</strong> tribos indígenas brasileiras. São Paulo: Ed. <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, 1989.183


A IMAGEM COMO MATRIZ HISTÓRICADA NAÇÃO MODERNAAnt<strong>on</strong>io Carlos SantosReligião <strong>da</strong> salvação pela imag<strong>em</strong>,o cristianismo se viu <strong>de</strong>sprovid<strong>on</strong>o século XIX <strong>de</strong> sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>da</strong>r um c<strong>on</strong>teúdo espiritual à história. Restoua arte que se tornou a matriz <strong>da</strong> história:a imag<strong>em</strong> não projetava mais um futurohomólogo ao passado que ela test<strong>em</strong>unhava,ela se tornava capaz <strong>de</strong> produzir um futuros<strong>em</strong> prece<strong>de</strong>ntes. Nosso século é her<strong>de</strong>irodos românticos que fizeram do artista umprofeta e <strong>de</strong>ram à imag<strong>em</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>da</strong>rforma à história sob o risco <strong>de</strong> que esse novopo<strong>de</strong>r esteja a serviço dos totalitarismos.Éric MichaudImag<strong>em</strong> e nação são as duas noções que <strong>em</strong>basam essa pesquisaque procura trabalhar com as imagens <strong>da</strong> nação c<strong>on</strong>struí<strong>da</strong>s no século XIXpela pintura, pela fotografia e pela literatura. Para pensar essas duas noçõesseria necessário retomar uma discussão que começa no próprio século XIX,sobre a nação, com a c<strong>on</strong>ferência que Ernest Renan fez na Sorb<strong>on</strong>ne, no dia11 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1882, “O que é uma nação?”, até a edição <strong>de</strong> Comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>sImagina<strong>da</strong>s, <strong>de</strong> Benedict An<strong>de</strong>rs<strong>on</strong>, c<strong>em</strong> anos <strong>de</strong>pois, que nos permite fazeruma ligação entre nação e imag<strong>em</strong>. Da idéia <strong>de</strong> Renan <strong>de</strong> que uma nação “éuma alma, um princípio espiritual”, até o c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> An<strong>de</strong>rs<strong>on</strong> <strong>de</strong> “umacomuni<strong>da</strong><strong>de</strong> política imagina<strong>da</strong>” como limita<strong>da</strong> e soberana, vimos caír<strong>em</strong>por terra todos os critérios que pareciam naturais para <strong>de</strong>finir essefenômeno que ganha corpo no século XIX: língua, território, povo, etc. Seuma nação é então uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> imagina<strong>da</strong>, não é difícil c<strong>on</strong>cor<strong>da</strong>rcom pesquisadores que c<strong>on</strong>clu<strong>em</strong> que a nação é efeito <strong>de</strong> ficções narrativas,basta l<strong>em</strong>brar o livro <strong>de</strong> Doris Sommer, Ficções fun<strong>da</strong>ci<strong>on</strong>ais (2004), queliga a c<strong>on</strong>strução <strong>da</strong>s mo<strong>de</strong>rnas comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s naci<strong>on</strong>ais na América Latinaa romances sentimentais, sobretudo os do século XIX, como Facundo eAmalia (Argentina), Sab (Cuba), Martín Rivas (Chile), El Zarco (México),O Guarani e Irac<strong>em</strong>a (Brasil). Desta maneira, as duas noções, a <strong>de</strong> imag<strong>em</strong>


A imag<strong>em</strong> como matriz histórica <strong>da</strong> nação mo<strong>de</strong>rnae a <strong>de</strong> nação, estão muito próximas e nos permit<strong>em</strong> ler nas imagensc<strong>on</strong>struí<strong>da</strong>s por escritores, pintores e fotógrafos as muitas caras <strong>de</strong>sse paísque, para um mo<strong>de</strong>rnista, como Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, ain<strong>da</strong> não tinha umai<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> no início do século XX.Gostaria <strong>de</strong> partir, então, para pensar a idéia <strong>de</strong> imag<strong>em</strong>, <strong>de</strong> umafrase do senso comum: “uma imag<strong>em</strong> vale mais do que mil palavras”.T<strong>em</strong>os aqui um juízo sobre a imag<strong>em</strong> e as palavras que, por um lado,<strong>de</strong>screve b<strong>em</strong> o nosso presente e, por outro, esc<strong>on</strong><strong>de</strong> uma relação íntimaque existe entre os dois termos, ou seja, entre o visível e o dizível. Descrevenosso presente porque todos parec<strong>em</strong> ap<strong>on</strong>tar nossa c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong>como sendo regi<strong>da</strong> por imagens, a p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> se dizer que não há maisreali<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas apenas imagens. A frase indica, ain<strong>da</strong>, uma comparaçãovalorativa, ou seja, atribui à imag<strong>em</strong> mais valor do que às palavras; elasseriam mais fiéis na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que reproduziriam o mundo lá fora talcomo ele é. Vamos tentar logo <strong>de</strong>finir o que seria uma imag<strong>em</strong>. Hegel, nocurso <strong>de</strong> estética que <strong>de</strong>senvolveu <strong>em</strong> Berlim <strong>de</strong> 1823 a 1829, diz oseguinte: “Obtém-se uma imag<strong>em</strong> quando se reún<strong>em</strong> dois fenômenos ouestados in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, um dos quais corresp<strong>on</strong><strong>de</strong> a uma significação e ooutro para tornar mais perceptível tal significação” (HEGEL, 1996 p. 453).Há, portanto, para o filósofo al<strong>em</strong>ão, uma relação entre uma significação ealguma outra coisa que tenta realçar essa significação: seria o caso <strong>de</strong>pensarmos aqui <strong>em</strong> imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma maneira mais ampla do que aquelac<strong>on</strong>ti<strong>da</strong> na frase do senso comum, pois o que importa para Hegel é umarelação hierárquica entre os dois fenômenos, o segundo aju<strong>da</strong>ndo a explicaro primeiro. Po<strong>de</strong>ríamos pensar nas imagens literárias, ou seja, nas imagensdizíveis e não somente visíveis. E o ex<strong>em</strong>plo que Hegel dá é o po<strong>em</strong>a <strong>de</strong>Goethe “O canto <strong>de</strong> Maomé”. Seguindo ain<strong>da</strong> mais um pouco o autor <strong>da</strong>“Fenomenologia do Espírito”, po<strong>de</strong>mos ver como a imag<strong>em</strong>[...] po<strong>de</strong> ter por significação to<strong>da</strong> uma gama <strong>de</strong> estados,ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, produções, modos <strong>de</strong> existência, e, s<strong>em</strong> lhes fazera menor alusão, po<strong>de</strong> tornar esta significação perceptívelpela própria imag<strong>em</strong>, invocando a analogia que existe entre aesfera a que pertence a imag<strong>em</strong> e uma outra esfera”.(HEGEL, 1996 p. 454).T<strong>em</strong>os aqui, portanto, uma <strong>de</strong>finição mais geral <strong>de</strong> imag<strong>em</strong> queap<strong>on</strong>ta para a analogia entre dois fenômenos, sendo função do segundoexplicar o primeiro e que se distancia <strong>de</strong> nossa frase do senso comum poraproximar os dois termos (imagens e palavras) separados pelo juízo <strong>de</strong>186


Ant<strong>on</strong>io Carlos Santosvalor. Vale buscar <strong>em</strong> outro filósofo uma <strong>de</strong>finição diferente <strong>de</strong> imag<strong>em</strong>,uma que tenta <strong>da</strong>r c<strong>on</strong>ta, ou <strong>da</strong>r fim, a esse caráter binário presente nopensamento hegeliano. Bergs<strong>on</strong>, <strong>em</strong> Matéria e m<strong>em</strong>ória, um livro do finaldo século XIX, nos c<strong>on</strong>vi<strong>da</strong> a esquecer o binarismo tradici<strong>on</strong>al <strong>da</strong> filosofia,corpo e mente, reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ali<strong>da</strong><strong>de</strong>, res cogitans e res extensa, e pensar omundo como imagens: “Eis-me portanto <strong>em</strong> presença <strong>de</strong> imagens, nosentido mais vago <strong>em</strong> que se possa tomar essa palavra, imagens percebi<strong>da</strong>squando abro meus sentidos, <strong>de</strong>spercebi<strong>da</strong>s quando os fecho”. (BERGSON,1990, p. 9). Na leitura que faz <strong>da</strong>s teses <strong>de</strong> Bergs<strong>on</strong>, Deleuze mostra queelas estabelec<strong>em</strong> uma igual<strong>da</strong><strong>de</strong> entre imag<strong>em</strong>, movimento e matéria. Oque há são imagens, que ag<strong>em</strong> e reag<strong>em</strong> sobre outras imagens. E por queessa palavra imag<strong>em</strong>? Porque, nos diz Deleuze, imag<strong>em</strong> é aquilo queaparece, ou seja, o que a filosofia chama <strong>de</strong> fenômeno. Pois b<strong>em</strong>, essasimagens não são um suporte <strong>de</strong> ações e reações, mas são, elas mesmas, <strong>em</strong>to<strong>da</strong>s as suas partes e sob to<strong>da</strong>s as suas faces, ação e reação, ou seja, ação ereação são imagens. Em outras palavras, a imag<strong>em</strong> é uma vibração e,portanto, movimento. E, como as coisas são imagens e as imagens iguais aomovimento, fica estabeleci<strong>da</strong> a tríplice i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> entre imag<strong>em</strong>,movimento e matéria.Como po<strong>de</strong>mos ver, a tese <strong>de</strong> Bergs<strong>on</strong> faz <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> uma espécie<strong>de</strong> absoluto na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que <strong>de</strong>strói o dualismo e nos permite pensar omundo e nós mesmos como imagens. Sab<strong>em</strong>os que <strong>da</strong>í Deleuze <strong>de</strong>duz umareflexão sobre o cin<strong>em</strong>a, l<strong>em</strong>brando que Bergs<strong>on</strong> <strong>de</strong>senvolve suas tesesexatamente no momento <strong>em</strong> que o cin<strong>em</strong>a está sendo criado.Mas <strong>de</strong>ix<strong>em</strong>os <strong>de</strong> lado Bergs<strong>on</strong> e Deleuze para introduzir umaoutra reflexão sobre a imag<strong>em</strong> que parte, <strong>de</strong>sta vez, <strong>da</strong> fotografia. VilémFlusser, um ju<strong>de</strong>u <strong>de</strong> Praga <strong>de</strong> língua al<strong>em</strong>ã, como Franz Kafka, que morouno Brasil <strong>de</strong> 1939 a 1973, c<strong>on</strong>strói <strong>em</strong> seu ensaio <strong>de</strong> 1983, Filosofia <strong>da</strong>Caixa Preta, um movimento ternário, imag<strong>em</strong>, escrita e imag<strong>em</strong> técnica,para pensar a c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong>. Digamos que no princípio era a imag<strong>em</strong>e a imag<strong>em</strong>, uma tentativa <strong>de</strong> representar algo do “mundo lá fora”. Assim,os povos pré-históricos pintavam nas cavernas cenas <strong>de</strong> suas caça<strong>da</strong>s,reproduziam os animais com que lutavam <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> sobrevivência,transformavam o mundo <strong>de</strong> quatro dimensões <strong>em</strong> um outro mundo, o <strong>da</strong>imag<strong>em</strong>, <strong>de</strong> apenas duas dimensões. Diríamos, portanto, que a operaçãoque esses homens pré-históricos realizavam era regi<strong>da</strong> por umprocedimento <strong>de</strong> redução: <strong>de</strong> quatro para as duas dimensões do plano.Chamamos <strong>de</strong> imaginação exatamente essa capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> redimensi<strong>on</strong>ar omundo <strong>da</strong>s quatro dimensões espaço-t<strong>em</strong>porais <strong>em</strong> duas dimensões planas.187


A imag<strong>em</strong> como matriz histórica <strong>da</strong> nação mo<strong>de</strong>rnaPara <strong>de</strong>cifrar essas imagens, nosso olhar vagueia sobre a superfície <strong>de</strong>forma circular: é o t<strong>em</strong>po do eterno retorno, t<strong>em</strong>po <strong>da</strong> magia, diferente dot<strong>em</strong>po <strong>line</strong>ar com suas causas e efeitos. Essas imagens são, portanto, umamaneira <strong>de</strong> codificar, <strong>de</strong> traduzir eventos, ac<strong>on</strong>tecimentos do “mundo láfora”, <strong>em</strong> cenas, são mediações entre o hom<strong>em</strong> e o mundo, têm o propósito<strong>de</strong> representar o mundo para um hom<strong>em</strong> incapaz <strong>de</strong> ter acesso direto a ess<strong>em</strong>esmo mundo. Em um <strong>de</strong>terminado momento, essas imagens <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong>significar o mundo para tornar<strong>em</strong>-se, elas mesmas, o mundo, ou seja,<strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> servir como uma mediação entre o hom<strong>em</strong> e o mundo para setornar<strong>em</strong> uma barreira: é uma época <strong>de</strong> crise <strong>da</strong> imag<strong>em</strong>, <strong>de</strong> idolatria.É nessa época, cerca <strong>de</strong> dois mil anos antes <strong>de</strong> Cristo, que surgirampessoas <strong>em</strong>penha<strong>da</strong>s <strong>em</strong> restituir a função original <strong>da</strong>s imagens. Passaramentão a “rasgá-las” com o objetivo <strong>de</strong> abrir ao hom<strong>em</strong>, novamente, amediação entre elas e o mundo. Mas o método que utilizaram c<strong>on</strong>sistia <strong>em</strong><strong>de</strong>sfiar as superfícies <strong>da</strong>s imagens <strong>em</strong> linhas e alinhar os el<strong>em</strong>entos <strong>da</strong>imag<strong>em</strong>, transformando o t<strong>em</strong>po circular <strong>em</strong> <strong>line</strong>ar, as cenas novamente <strong>em</strong>processos. Foi assim que apareceu a c<strong>on</strong>sciência histórica, c<strong>on</strong>sciênciadirigi<strong>da</strong> c<strong>on</strong>tra as imagens, fato que po<strong>de</strong> ser observado entre os filósofospré-socráticos e, sobretudo, entre os profetas ju<strong>de</strong>us. Uma <strong>da</strong>s maneiras <strong>de</strong><strong>de</strong>finir a história é dizer que ela é o resultado <strong>da</strong> luta <strong>da</strong> escrita <strong>line</strong>ar c<strong>on</strong>traa imag<strong>em</strong>. Pois b<strong>em</strong>, a escrita seria, então, essa possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> codificarplanos <strong>em</strong> retas e abstrair to<strong>da</strong>s as dimensões, com exceção <strong>de</strong> uma: a <strong>da</strong>c<strong>on</strong>ceituação, que permite codificar textos e <strong>de</strong>cifrá-los. É importantel<strong>em</strong>brar que com esse passo, com essa entra<strong>da</strong> na era histórica, <strong>da</strong> escrita<strong>line</strong>ar, o hom<strong>em</strong> se afastou ain<strong>da</strong> mais do mundo, pois os textos nãosignificam o mundo diretamente, mas o faz<strong>em</strong> através <strong>de</strong> imagens rasga<strong>da</strong>s.Os c<strong>on</strong>ceitos não significam diretamente os fenômenos, significam idéias e<strong>de</strong>cifrar textos é <strong>de</strong>scobrir as imagens significa<strong>da</strong>s pelos c<strong>on</strong>ceitos. Afunção dos textos, portanto, é explicar imagens, a dos c<strong>on</strong>ceitos é analisarcenas. Ou seja, a escrita é meta-código <strong>da</strong> imag<strong>em</strong>.Essa era <strong>da</strong> escrita <strong>line</strong>ar, <strong>da</strong> c<strong>on</strong>sciência histórica, <strong>da</strong> tentativa <strong>de</strong><strong>de</strong>smagicizar o pensamento pré-histórico, enc<strong>on</strong>tra também seu momento<strong>de</strong> crise: os textos, que pretendiam fazer uma mediação entre o hom<strong>em</strong> e aimag<strong>em</strong>, acabam por se tornar opacos, tapando as imagens querepresentavam: o hom<strong>em</strong> não é mais capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>cifrar textos, o que o tornatambém incapaz <strong>de</strong> rec<strong>on</strong>stituir as imagens abstraí<strong>da</strong>s. O nome <strong>de</strong>ssa crise étextolatria. A crise dos textos implica o naufrágio <strong>da</strong> história, que é, comodiss<strong>em</strong>os antes, processo <strong>de</strong> recodificação <strong>de</strong> imagens <strong>em</strong> c<strong>on</strong>ceitos.História é explicação progressiva <strong>de</strong> imagens, <strong>de</strong>smagicização,188


Ant<strong>on</strong>io Carlos Santosc<strong>on</strong>ceituação. Se os textos não mais significam imagens, na<strong>da</strong> resta aexplicar, é o fim <strong>da</strong> história. Em tal mundo, explicações passam a sersupérfluas: mundo absurdo, mundo <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Pois é precisamente nesse mundo <strong>de</strong> crise textual que sãoinventa<strong>da</strong>s as imagens técnicas. Brev<strong>em</strong>ente, para não levar mais l<strong>on</strong>geesse panorama ternário <strong>de</strong> Flusser, ir<strong>on</strong>icamente hegeliano, imagenstécnicas são imagens produzi<strong>da</strong>s por aparelhos, ou seja, produzi<strong>da</strong>s poralgo que é produto <strong>da</strong> técnica, <strong>de</strong> texto científico aplicado. Daí sua<strong>de</strong>finição como produtos indiretos <strong>de</strong> textos – o que dá a essas imagenstécnicas uma posição histórica e <strong>on</strong>tológica diferente <strong>da</strong>s imagenstradici<strong>on</strong>ais. Historicamente, as imagens tradici<strong>on</strong>ais vêm antes dos textos eas imagens técnicas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> textos altamente evoluídos.Ontologicamente, a imag<strong>em</strong> tradici<strong>on</strong>al é abstração <strong>de</strong> primeiro grau:abstrai duas dimensões do fenômeno; a imag<strong>em</strong> técnica é abstração <strong>de</strong>terceiro grau: abstrai uma <strong>da</strong>s dimensões <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> tradici<strong>on</strong>al pararesultar <strong>em</strong> textos (abstração <strong>de</strong> segundo grau); <strong>de</strong>pois, rec<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong> adimensão abstraí<strong>da</strong>, a fim <strong>de</strong> resultar novamente <strong>em</strong> imag<strong>em</strong>. As imagenstradici<strong>on</strong>ais são pré-históricas; as imagens técnicas, pós-históricas.Ontologicamente, as imagens tradici<strong>on</strong>ais imaginam o mundo; as imagenstécnicas imaginam textos que c<strong>on</strong>ceb<strong>em</strong> imagens que imaginam o mundo.Essa posição <strong>da</strong>s imagens técnicas é <strong>de</strong>cisiva para o seu <strong>de</strong>ciframento.Portanto, para Flusser, a relação entre as imagens e as palavras é maiscomplexa do que a relação <strong>de</strong> valor estabeleci<strong>da</strong> pela frase do sensocomum, pois as imagens técnicas acumulam cama<strong>da</strong>s <strong>de</strong> sentido dos textose <strong>da</strong>s imagens tradici<strong>on</strong>ais, estando por isso afasta<strong>da</strong>s <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> namedi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que é preciso retornar à imag<strong>em</strong> tradici<strong>on</strong>al para se chegar àmediação entre o hom<strong>em</strong> e o “mundo lá fora”.Se voltarmos agora nossa atenção para as teses <strong>de</strong> Eric Michaud(2001, p. 41), ver<strong>em</strong>os que essa relação <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> com o “mundo lá fora”ganha uma outra dimensão. Segundo ele, to<strong>da</strong>s as formas <strong>de</strong> representaçãopor imagens c<strong>on</strong>stro<strong>em</strong> sua própria reali<strong>da</strong><strong>de</strong> por transfiguração. Suaintenção é “reorientar o olhar sobre as imagens <strong>de</strong> modo que do estatuto <strong>de</strong>test<strong>em</strong>unha, elas pass<strong>em</strong> ao <strong>de</strong> agentes <strong>da</strong> história”. Fazer <strong>da</strong>s imagensf<strong>on</strong>tes históricas, test<strong>em</strong>unhas oculares ou espelhos direci<strong>on</strong>ados paraaquilo que se passou, e não se reproduzirá jamais, é esquecer a “parteprodutiva” <strong>da</strong> imag<strong>em</strong>, esquecer que a imag<strong>em</strong> c<strong>on</strong>strói relações, laços,com os ac<strong>on</strong>tecimentos e os corpos que ela re-apresenta, assim como com ohom<strong>em</strong> que virá, ou seja, com o futuro: “É claro que n<strong>em</strong> para seusfinanciadores, n<strong>em</strong> para seus produtores, as imagens se reduz<strong>em</strong> a simples189


A imag<strong>em</strong> como matriz histórica <strong>da</strong> nação mo<strong>de</strong>rnatest<strong>em</strong>unhas do passado: elas serão s<strong>em</strong>pre c<strong>on</strong>cebi<strong>da</strong>s como agentes <strong>da</strong>história”. (i<strong>de</strong>m, p.42). Dessa maneira, as imagens, mesmo as <strong>da</strong> fotografia,são menos um “processo <strong>de</strong> figuração do real” do que um “processo <strong>de</strong>seleção e <strong>de</strong> interpretação <strong>da</strong>quilo que ela m<strong>em</strong>oriza”, ou seja, nas palavras<strong>de</strong> Hanna Arendt, to<strong>da</strong> seleção <strong>de</strong> material é uma intervenção na história.Se as imagens, mais do que test<strong>em</strong>unhas <strong>de</strong> um passado, produz<strong>em</strong>um futuro, como li<strong>da</strong>r com essas imagens tão <strong>de</strong>svaloriza<strong>da</strong>s pelosmo<strong>de</strong>rnistas como, por ex<strong>em</strong>plo, as <strong>da</strong> pintura do século XIX? Ac<strong>on</strong><strong>de</strong>nação <strong>da</strong> produção do século XIX como “acadêmica” pelosmo<strong>de</strong>rnistas põe no limbo trabalhos como “Arrufos”, <strong>de</strong> Belmiro <strong>de</strong>Almei<strong>da</strong>, <strong>de</strong> 1887, ou “Descanso do Mo<strong>de</strong>lo”, <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Júnior, 1882, ouain<strong>da</strong> “Estudo <strong>de</strong> Mulher”, <strong>de</strong> Rodolfo Amoedo, <strong>de</strong> 1884, pintores que<strong>de</strong>m<strong>on</strong>stram gran<strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento dos movimentos <strong>de</strong> secessão <strong>em</strong> Paris,<strong>on</strong><strong>de</strong> todos estiveram, passando tanto pela Aca<strong>de</strong>mia quanto pelos ateliês<strong>de</strong> professores in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, assim como <strong>de</strong>spreza a ruptura <strong>em</strong> relação àpintura dos gran<strong>de</strong>s t<strong>em</strong>as naci<strong>on</strong>ais <strong>de</strong> Victor Meireles e Pedro Américo, apintura her<strong>da</strong><strong>da</strong> dos franceses neoclássicos que haviam se tornadoheg<strong>em</strong>ônicos durante a época napoleônica, mas que, com a vira<strong>da</strong> política ea restauração na França, tiveram <strong>de</strong> buscar trabalho <strong>em</strong> um império distantee sequioso por imagens. É portanto nesse momento exatamente anterior aomo<strong>de</strong>rnismo dos anos 10 e 20 <strong>de</strong> São Paulo, ou seja, na última meta<strong>de</strong> doséculo XIX e na vira<strong>da</strong> para o XX, que se cruzam as realizações, porex<strong>em</strong>plo, <strong>da</strong> literatura naturalista, não apenas Aluísio Azevedo, mastambém Adolfo Caminha, Inglês <strong>de</strong> Sousa, Domingos Olímpio, Manoel <strong>de</strong>Oliveira Paiva, <strong>da</strong> pintura realista que <strong>de</strong>strói as regras do regimerepresentativo ao romper com a hierarquia dos t<strong>em</strong>as e <strong>da</strong> fotografia quecom Revert Henrique Klumb, Christiano Júnior, Augusto Stahl, JuanGutierrez e Marc Ferrez c<strong>on</strong>strói um arquivo <strong>de</strong> imagens e <strong>de</strong> p<strong>on</strong>tos <strong>de</strong>vista sobre a gente e a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do Mundo Novo. Quadros, por ex<strong>em</strong>plo,como “Leitura” (1892), “Moça com livro” e “Repouso”, <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Júnior,<strong>em</strong> que se <strong>de</strong>stacam a literatura e a mulher como a leitora do romance –vale ressaltar as três formas <strong>de</strong> feitiço <strong>da</strong> leitura aí apresenta<strong>da</strong>s: noprimeiro, a mulher senta<strong>da</strong> c<strong>on</strong>fortavelmente <strong>em</strong> uma varan<strong>da</strong> está imersano livro, alheia totalmente à natureza e ao ambiente que a cerca; nasegun<strong>da</strong>, a moça <strong>de</strong>ita<strong>da</strong> na relva t<strong>em</strong> a mão esquer<strong>da</strong> nas páginas do livro,enquanto a direita segura o queixo, mantendo a cabeça e os olhos fixos, oumelhor, perdidos, <strong>em</strong> algo distante; no terceiro, ela aparece totalmenteentregue ao olhar do espectador, recosta<strong>da</strong> <strong>em</strong> um sofá sob a janela, o braçoesquerdo levantado apoiando a cabeça e o direito caído, ain<strong>da</strong> com o livro àmão, recém-adormeci<strong>da</strong>, provavelmente <strong>em</strong>bala<strong>da</strong> pela história li<strong>da</strong> – se190


191Ant<strong>on</strong>io Carlos Santosvistos <strong>em</strong> c<strong>on</strong>traste com as gran<strong>de</strong>s batalhas e os feitos heróicos ou mesmocom as cenas indianistas b<strong>em</strong> a gosto dos românticos ap<strong>on</strong>tam certamentepara uma nova direção e c<strong>on</strong>stro<strong>em</strong> imagens distintas <strong>da</strong> nação. As cenas <strong>de</strong>leitura, assim como as <strong>de</strong> interior burguês como <strong>em</strong> “Depois <strong>da</strong> Festa”(1886), “Cena <strong>de</strong> família <strong>de</strong> Adolfo Augusto Pinto” (1891), ou dos lugares<strong>da</strong> arte, como <strong>em</strong> “Ateliê <strong>de</strong> Paris” (1880), “Descanso do mo<strong>de</strong>lo” (1882),“O mo<strong>de</strong>lo” (1897), “O importuno” (1898), ou ain<strong>da</strong> do campo, como <strong>em</strong>“Caipira picando fumo” (1893), “O violeiro” (1899) ou “O <strong>de</strong>rrubadorbrasileiro” (1879), todos quadros <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Júnior, dão c<strong>on</strong>ta <strong>de</strong> umanova situação <strong>da</strong> arte – e, claro, <strong>de</strong> uma nova situação social –, com aexploração <strong>de</strong> novos t<strong>em</strong>as, um outro uso <strong>da</strong>s cores e do <strong>de</strong>senho, e com ainvasão <strong>da</strong>s telas por pers<strong>on</strong>agens comuns, as mulheres burguesaspensativas, o trabalhador <strong>em</strong> ação, o interior <strong>da</strong> casa burguesa como lugar<strong>de</strong> <strong>de</strong>scanso íntimo, <strong>de</strong> c<strong>on</strong>strução do eu, o campo do caipira comoc<strong>on</strong>traposição à ci<strong>da</strong><strong>de</strong> gran<strong>de</strong> e os lugares <strong>de</strong> trabalho, entre eles esse lugar<strong>da</strong> arte, o ateliê do artista. Aqui ac<strong>on</strong>tece aquilo que Jacques Rancière(2005) teoriza como a passag<strong>em</strong> do regime representativo ou poético para oregime estético, ou seja, este momento <strong>em</strong> que as regras estabeleci<strong>da</strong>s pelaspoéticas, basea<strong>da</strong>s no par mímesis/poiésis, dão lugar a uma outra lógicaque, no realismo literário, fica clara com o rompimento, por ex<strong>em</strong>plo, doprivilégio <strong>da</strong>s ações sobre os caracteres, ou <strong>da</strong> narração sobre a <strong>de</strong>scrição.Ao recusar a noção <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> por ser ela “o c<strong>on</strong>ceito que se<strong>em</strong>penha <strong>em</strong> ocultar a especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sse regime <strong>da</strong>s artes” (i<strong>de</strong>m p. 34),referindo-se ao regime estético, Rancière afirma que a ruptura entre o“antigo” e o “mo<strong>de</strong>rno” não está na passag<strong>em</strong> <strong>da</strong> figuração à não-figuração,ou do representativo ao anti-representativo, mas sim no realismo que,segundo ele, “não significa <strong>de</strong> modo algum a valorização <strong>da</strong> s<strong>em</strong>elhança,mas a <strong>de</strong>struição dos limites <strong>de</strong>ntro dos quais ela funci<strong>on</strong>ava”. (i<strong>de</strong>m p. 35).A idéia é mostrar como a discussão sobre as artes no mundoc<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneo está vicia<strong>da</strong> por um parti pris, já que a noção <strong>de</strong>mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> estética “recobre, s<strong>em</strong> lhe atribuir um c<strong>on</strong>ceito, asingulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um regime particular <strong>da</strong>s artes, isto é, um tipo específico<strong>de</strong> ligação entre modos <strong>de</strong> produção <strong>da</strong>s obras ou <strong>da</strong>s práticas, formas <strong>de</strong>visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas práticas e modos <strong>de</strong> c<strong>on</strong>ceituação <strong>de</strong>stas ou <strong>da</strong>quelas”.(i<strong>de</strong>m p. 27). É para c<strong>on</strong>testar essa noção, assim como a <strong>de</strong> vanguar<strong>da</strong>, queo teórico francês propõe três gran<strong>de</strong>s regimes <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação para as artes:o regime ético <strong>da</strong>s imagens, momento <strong>em</strong> que a arte se enc<strong>on</strong>tra subsumi<strong>da</strong>na questão geral <strong>da</strong>s imagens, e a referência é Platão; o regime poético ourepresentativo, cuja referência é Aristóteles, e que está <strong>de</strong>limitado pelo parmímesis/poiésis, sendo a mímesis não um princípio normativo que regula


A imag<strong>em</strong> como matriz histórica <strong>da</strong> nação mo<strong>de</strong>rnaum domínio <strong>de</strong> s<strong>em</strong>elhança entre cópias e mo<strong>de</strong>los e sim “um princípiopragmático que isola, no domínio geral <strong>da</strong>s artes (<strong>da</strong>s maneiras <strong>de</strong> fazer),certas artes particulares que executam coisas específicas, a saber,imitações”; e, finalmente, um regime estético, ou seja, aquele <strong>em</strong> que a artese torna singular, <strong>de</strong>sobriga<strong>da</strong> <strong>de</strong> qualquer regra específica, <strong>da</strong> hierarquia <strong>de</strong>t<strong>em</strong>as, gêneros e artes. Para encurtar a exposição, Rancière afirma entãoque aquilo que se costuma chamar <strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rnismo é apenas ac<strong>on</strong>sciência do fim <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado paradigma, qual seja, “a tentativa<strong>de</strong>sespera<strong>da</strong> <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>r um ‘próprio <strong>da</strong> arte’ atando-o a uma teleologiasimples <strong>da</strong> evolução e <strong>da</strong> ruptura históricas”. (i<strong>de</strong>m p. 41). O próximopasso <strong>de</strong> Rancière é mostrar que se o regime estético se <strong>de</strong>fine exatamentecomo a “ruína do sist<strong>em</strong>a <strong>da</strong> representação”, ou seja, dos valores e normasque regiam as artes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Aristóteles até o início do século XIX, é nele quea literatura torna possível, por ex<strong>em</strong>plo, a fotografia, c<strong>on</strong>testando assim asteses dos teóricos que viam na singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> máquina (fotográfica oucin<strong>em</strong>atográfica) a mágica <strong>de</strong>ssas novas artes técnicas. O realismo literárioprefigura a fotografia na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que rompe com a hierarquia dos t<strong>em</strong>ase dos gêneros e passa a focalizar o hom<strong>em</strong> comum, permitindo assim que o<strong>de</strong>talhe possa revelar o todo:Que uma época e uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> possam ser li<strong>da</strong>s nos traços,vestimentas ou gestos <strong>de</strong> um indivíduo qualquer (Balzac),que o esgoto seja revelador <strong>de</strong> uma civilização (Hugo), que afilha do fazen<strong>de</strong>iro e a mulher do banqueiro sejamcaptura<strong>da</strong>s pela mesma potência do estilo como ‘maneiraabsoluta <strong>de</strong> ver as coisas’ (Flaubert), to<strong>da</strong>s essas formas <strong>de</strong>anulação ou <strong>de</strong> subversão <strong>da</strong> oposição do alto e do baixo nãoapenas prece<strong>de</strong>m os po<strong>de</strong>res <strong>da</strong> reprodução mecânica. Elestornam possível que esta seja mais do que a reproduçãomecânica. (RANCIÈRE, 2005, p. 47).A mesma idéia po<strong>de</strong>mos enc<strong>on</strong>trar nas reflexões <strong>de</strong> Susan S<strong>on</strong>tagsobre a fotografia, mais especificamente no ensaio Photography Unlimited,publicado <strong>em</strong> junho <strong>de</strong> 1977, no New York Review of Books, e,posteriormente, incluído <strong>em</strong> livro. Neste ensaio, a crítica norte-americana,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> comentar o “pavor vago” que Balzac tinha <strong>em</strong> relação àfotografia, afirma que “o processo <strong>da</strong> fotografia é, por assim dizer, umamaterialização do que havia <strong>de</strong> mais original <strong>em</strong> seu método <strong>de</strong>romancista”. (SONTAG, 2004, p. 175). E como era o método <strong>de</strong> Balzac?Ele c<strong>on</strong>sistia na focalização e ampliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong> maneira que todoum universo po<strong>de</strong>ria ser revelado através <strong>de</strong> um pequeno p<strong>on</strong>to. Em nota,192


193Ant<strong>on</strong>io Carlos SantosS<strong>on</strong>tag r<strong>em</strong>ete essa idéia a Erich Auerbach e sua leitura <strong>de</strong> Père Goriot <strong>em</strong>Mímesis. Ao <strong>de</strong>screver a d<strong>on</strong>a <strong>da</strong> pensão, Ma<strong>da</strong>me Vauquer, na abertura <strong>da</strong>narrativa, Balzac, segundo Auerbach, t<strong>em</strong> como procedimento a analogiaentre ela e o meio, o espaço. Por isso, a leitura do saiote <strong>de</strong> Ma<strong>da</strong>meVauquer é um resumo <strong>de</strong> todo o ambiente <strong>da</strong> pensão: “Este saiote torna-se,por um instante, o símbolo do meio, e <strong>de</strong>pois o c<strong>on</strong>junto todo é resumido nafrase: Quand elle est là, ce spectacle est complet; não é necessário esperar ocafé <strong>da</strong> manhã e os hóspe<strong>de</strong>s; tudo isso já está incluído na sua pessoa”.(AUERBACH, 2004, p. 421).Se, como postula Jacques Rancière, o realismo não é <strong>de</strong> maneiranenhuma a valorização <strong>da</strong> s<strong>em</strong>elhança, “mas a <strong>de</strong>struição dos limites <strong>de</strong>ntrodos quais ela funci<strong>on</strong>ava”, “a subversão <strong>da</strong>s hierarquias <strong>da</strong> representação” e“a adoção <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong> focalização fragmenta<strong>da</strong>, ou próxima, que impõea presença bruta <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento dos enca<strong>de</strong>amentos raci<strong>on</strong>ais” (2005, p. 5),é com os quadros <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> Júnior, Belmiro <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> ou RodolfoAmoedo, para citar apenas alguns, ou com romances como O missi<strong>on</strong>ário(1891), <strong>de</strong> Inglês <strong>de</strong> Sousa, A carne (1888), <strong>de</strong> Júlio Ribeiro, ou Luzia-Hom<strong>em</strong> (1903), <strong>de</strong> Domingos Olímpio, que se percebe uma lógica, “umsist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> formas a priori <strong>de</strong>terminando o que se dá a sentir”, aquilo queRancière chama <strong>de</strong> regime estético <strong>da</strong>s artes, “aquele que i<strong>de</strong>ntifica a arteno singular e <strong>de</strong>sobriga essa arte <strong>de</strong> to<strong>da</strong> e qualquer regra específica” (2005,p.33). A arte realista, recusa<strong>da</strong> pelo p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista <strong>da</strong>s vanguar<strong>da</strong>shistóricas e acusa<strong>da</strong> <strong>de</strong> mimética, ganha assim potência <strong>de</strong> modo, porex<strong>em</strong>plo, a aparecer como prefiguração ou como aquela que instaura asc<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> fotografia e do cin<strong>em</strong>a, ao fazer do <strong>de</strong>talheum acesso ao todo, como Balzac <strong>em</strong> Père Goriot, e ao abrir espaço àexploração do hom<strong>em</strong> comum, esse mesmo que já começara a surgiracelera<strong>da</strong>mente, por ex<strong>em</strong>plo, mas ain<strong>da</strong> fantasmaticamente <strong>de</strong>vido aoslimites técnicos, na fotografia <strong>de</strong> Revert Henrique Klumb, um al<strong>em</strong>ão quechega ao Brasil <strong>em</strong> 1852 e produz mais <strong>de</strong> duzentas vistas estereoscópicas<strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do Rio entre 1855 e 1862, e do escravo, objeto <strong>da</strong>s lentes dotambém al<strong>em</strong>ão Augusto Stahl, que passa pelo Recife antes <strong>de</strong> chegar àcorte, e do açoriano Christiano Júnior, que trabalha <strong>em</strong> Maceió, <strong>on</strong><strong>de</strong> chega<strong>em</strong> 1855, no Rio, <strong>em</strong> Florianópolis, no Uruguai e na Argentina (<strong>de</strong> 1867aos anos 80) e morre quase cego <strong>em</strong> Assunção do Paraguai, <strong>em</strong> 1902. Oescravo, ou ex-escravo, aliás, é pers<strong>on</strong>ag<strong>em</strong> raro nas pinturas <strong>da</strong> épocarealista apesar <strong>de</strong> todo o <strong>de</strong>bate <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> abolição, ao c<strong>on</strong>trário do quese vê no trabalho dos <strong>de</strong>senhistas e pintores estrangeiros (Debret, porex<strong>em</strong>plo, ou Rugen<strong>da</strong>s ou ain<strong>da</strong> Taunay) que “documentam” algumasdéca<strong>da</strong>s antes os costumes, a paisag<strong>em</strong> e a gente <strong>de</strong>sse mundo recém-aberto


A imag<strong>em</strong> como matriz histórica <strong>da</strong> nação mo<strong>de</strong>rnaaos olhares europeus. Interessante observar uma certa distribuição <strong>de</strong> t<strong>em</strong>asentre essas artes visuais, o <strong>de</strong>senho, a pintura e a fotografia, por ex<strong>em</strong>plo,que segu<strong>em</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s regras ou c<strong>on</strong>venções <strong>de</strong> acordo com sua função<strong>em</strong> uma expedição naturalista ou <strong>em</strong> uma aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> belas artes (pinturahistórica, <strong>de</strong> paisag<strong>em</strong>, retratos), estrutura que será também <strong>de</strong>sorganiza<strong>da</strong>ao l<strong>on</strong>go <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do século XIX pelos movimentos <strong>de</strong> secessãodos artistas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes com a aut<strong>on</strong>omização <strong>da</strong> arte no regime estético,regime que dá c<strong>on</strong>ta <strong>da</strong> situação <strong>da</strong> arte <strong>em</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalistaburguesa.Questão crucial no <strong>de</strong>bate <strong>da</strong>s artes, a questão do realismo aparececomo probl<strong>em</strong>a nos trabalhos <strong>de</strong> muitos pesquisadores. Em seu ensaio“Narrar ou <strong>de</strong>screver”, <strong>de</strong> 1936 (1965, p. 43), ao comparar um trecho <strong>de</strong>Ana Karenina, <strong>de</strong> Tolstoi, a corri<strong>da</strong> <strong>de</strong> cavalos, a outro <strong>de</strong> Naná, <strong>de</strong> Zola,também uma corri<strong>da</strong> <strong>de</strong> cavalos, Lukács reprova este último por ser uma“digressão <strong>de</strong>ntro do c<strong>on</strong>junto do romance”, ac<strong>on</strong>tecimentos que po<strong>de</strong>riam“facilmente ser suprimidos” e estabelece a partir <strong>da</strong>í uma série <strong>de</strong> oposiçõeshierárquicas: arte épica X <strong>de</strong>scrição por imagens, necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> Xcasuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, viver, ou participar, X observar; <strong>de</strong> um lado estão Tolstoi,Walter Scott, Balzac; <strong>de</strong> outro, Zola, Flaubert, os G<strong>on</strong>court. Em sua análise,Lukács formula a questão: “o que nos importa é saber como e por que a<strong>de</strong>scrição – que originalmente era um entre os muitos meios <strong>em</strong>pregados nacriação artística (e, por certo, um meio subalterno) – chegou a se tornar oprincípio fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> composição”. O que ele não po<strong>de</strong> ver é que esse“meio subalterno” é exatamente aquilo que rompe com as regras <strong>da</strong>spoéticas que <strong>de</strong>terminam a supr<strong>em</strong>acia <strong>da</strong>s ações sobre a <strong>de</strong>scrição,instaurando um outro momento, um outro regime. De certa forma, aliás, elevê, mas como <strong>de</strong>cadência, como resultado <strong>da</strong> divisão capitalista do trabalhoque profissi<strong>on</strong>aliza o escritor e faz do livro mercadoria. “A narraçãodistingue e or<strong>de</strong>na. A <strong>de</strong>scrição nivela to<strong>da</strong>s as coisas”, afirma, ap<strong>on</strong>tandopara o fim <strong>da</strong>s hierarquias <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as e gêneros e para a entra<strong>da</strong> <strong>da</strong>s massas edo hom<strong>em</strong> comum, pois distinguir e or<strong>de</strong>nar é estabelecer as diferenças <strong>de</strong>valores <strong>da</strong> biblioteca, c<strong>on</strong>tra a homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> horiz<strong>on</strong>tal do arquivo. O queLukács censura <strong>em</strong> Zola, este censura <strong>em</strong> Gautier, ou seja, a <strong>de</strong>scrição pela<strong>de</strong>scrição. Para o autor <strong>de</strong> Naná, não se trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver o mundo <strong>em</strong> umbelo estilo, mas sim <strong>de</strong> promover um “estudo exato do meio, na c<strong>on</strong>stataçãodos estados do mundo exterior que corresp<strong>on</strong><strong>de</strong>m aos estados interiores <strong>da</strong>spers<strong>on</strong>agens” (ZOLA, 1995, p. 44), ou seja, trabalhar no mesmo sentido <strong>em</strong>que trabalhava Balzac, segundo a análise <strong>de</strong> Auerbach. A cegueira <strong>de</strong> Zolaestá <strong>em</strong> se situar no “p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista científico”, enquanto, para ele, Gautierpermanece um “pintor”. De alguma forma, Zola <strong>de</strong>seja se afastar dos194


Ant<strong>on</strong>io Carlos Santosmo<strong>de</strong>los anteriores, fun<strong>da</strong>r um novo estilo que rejeita as “belas letras” e as“belas-artes” c<strong>on</strong>forma<strong>da</strong>s pelas poéticas, e por isso se aferra à ciência, umaespécie <strong>de</strong> “doença” do final do século, basta l<strong>em</strong>brar que é neste final <strong>de</strong>século que a ciência c<strong>on</strong>strói as teorias racistas que sustentam e “explicam”a superiori<strong>da</strong><strong>de</strong> do hom<strong>em</strong> branco europeu que, assim, po<strong>de</strong>ria escravizars<strong>em</strong> culpa cristã as outras etnias do planeta.São esses “meios subalternos” a que se refere o teórico húngaro quechamam a atenção <strong>de</strong> Roland Barthes, <strong>em</strong> seu famoso ensaio <strong>de</strong> 1968 “Oefeito <strong>de</strong> real” (1988, p.158), aqueles “pormenores ‘supérfluos’” que aanálise estrutural <strong>de</strong>sprezava. Barthes percebe que a singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><strong>de</strong>scrição, que “não se justifica por nenhuma finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ação ou <strong>de</strong>comunicação” (1968, p. 160), “<strong>de</strong>signa uma questão <strong>da</strong> maior importânciapara a análise estrutural <strong>da</strong> narrativa” (i<strong>de</strong>m) e o que ele busca é a“significação <strong>de</strong>ssa insignificância”. E essa significação é o aceno que essessignificantes faz<strong>em</strong> como a dizer “nós somos o real”. Barthes, no entanto,não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ap<strong>on</strong>tar a diferença entre “esse novo verossímil” e o antigo:“esse novo verossímil é muito diferente do antigo, pois não é n<strong>em</strong> orespeito <strong>da</strong>s ‘leis do gênero’, n<strong>em</strong> sequer a sua máscara, mas proce<strong>de</strong> <strong>da</strong>intenção <strong>de</strong> alterar a natureza triparti<strong>da</strong> do signo para fazer <strong>da</strong> notação osimples enc<strong>on</strong>tro <strong>de</strong> um objeto e <strong>de</strong> sua expressão”. (1968, p. 165) Atentativa <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r esse aspecto colado ao referente do signo“realista” reaparece na leitura que Barthes faz <strong>da</strong> fotografia <strong>em</strong> A câmaraclara (1984), na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que afirma seu caráter indicial, materializad<strong>on</strong>a expressão ça a été que dá c<strong>on</strong>ta <strong>de</strong> um corpo que efetivamente esteve ládiante câmera. Ir<strong>on</strong>icamente, Rancière afirma ser pouco provável que oautor <strong>da</strong>s Mitologias acreditasse que a fotografia fosse uma <strong>em</strong>anaçãodireta do corpo exposto:É mais verossímil que este mito lhe tenha servido para expiaro pecado do mitólogo <strong>de</strong> antes: o <strong>de</strong> ter querido <strong>de</strong>stituir domundo visível seus artifícios, <strong>de</strong> ter transformado seusespetáculos e seu prazeres <strong>em</strong> um gran<strong>de</strong> tecido <strong>de</strong> sintomase <strong>em</strong> um comércio suspeito <strong>de</strong> signos. O s<strong>em</strong>iólogo searrepen<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter passado uma boa parte <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong> a dizer:Atenção! Isso que vocês tomam por uma evidência visível é<strong>de</strong> fato uma mensag<strong>em</strong> secreta pela qual uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> ouum po<strong>de</strong>r se legitima ao se naturalizar, ao se fun<strong>da</strong>r naevidência s<strong>em</strong> frase do visível. Ele torce o sinal para o outrosentido valorizando, a título <strong>de</strong> punctum, a evidência s<strong>em</strong>frase <strong>da</strong> fotografia para rejeitar na platitu<strong>de</strong> do studium amaneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>cifrar as mensagens. (RANCIÈRE, 2003, p.18).195


A imag<strong>em</strong> como matriz histórica <strong>da</strong> nação mo<strong>de</strong>rnaJá <strong>em</strong> La fable cinématographique (2001), Rancière c<strong>on</strong>testa aidéia <strong>de</strong> que as imagens técnicas, no caso o cin<strong>em</strong>a, tenham seu valor naespecifici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sse aparelho que faz <strong>de</strong> c<strong>on</strong>ta que não faz mediação entrea imag<strong>em</strong> e o “mundo lá fora”. A fábula <strong>de</strong>ssa relação direta com a vi<strong>da</strong>, acrença <strong>de</strong> que o aparelho registra as coisas do mundo tal como as vê o olhohumano, é apenas um <strong>da</strong>do que inscreve o cin<strong>em</strong>a <strong>em</strong> um <strong>de</strong>terminadoregime <strong>da</strong>s artes, o regime estético.Pensar a questão <strong>da</strong> nação e <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> passa, portanto, por reveros c<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong> realismo e a produção do século XIX <strong>de</strong> modo a percebercomo se passa <strong>de</strong> uma “fábrica <strong>de</strong> imagens” c<strong>on</strong>trola<strong>da</strong> pelo Estado, aAca<strong>de</strong>mia Imperial fun<strong>da</strong><strong>da</strong> pelos franceses c<strong>on</strong>tratados por D. Pedro II, oudos romances românticos que alegorizam a nação através do casamento <strong>de</strong>brancos com nativos, para uma arte que t<strong>em</strong>atiza a burguesia, sua vi<strong>da</strong> nosinteriores <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> gran<strong>de</strong>, as mulheres leitoras, os retratos dos novos<strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dores, etc. Se, como afirma Éric Michaud, as imagens produz<strong>em</strong>a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e não apenas são o test<strong>em</strong>hunho <strong>de</strong>las, que reali<strong>da</strong><strong>de</strong> é essa queas imagens do século XIX c<strong>on</strong>stro<strong>em</strong> <strong>da</strong> nação? Que futuro é esse que aarte produz para o Brasil?ReferênciasANDERSON, B. Comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s imagina<strong>da</strong>s: reflexões sobre a orig<strong>em</strong> e a difusãodo naci<strong>on</strong>alismo. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s Letras, 2008.AUERBACH, E. Mimesis. A representação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> na literatura oci<strong>de</strong>ntal. 5.Ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.BARTHES, R. O efeito <strong>de</strong> real. In _____. O rumor <strong>da</strong> língua. Tradução MárioLaranjeira, prefácio Leyla Perr<strong>on</strong>e-Moisés. São Paulo: Brasiliense, 1988._____. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Tradução <strong>de</strong> Júlio Castañ<strong>on</strong>Guimarães. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fr<strong>on</strong>teira, 1984.BENJAMIN, W. Passagens. Willi Bole (Org); tradução Irene Ar<strong>on</strong> e Cle<strong>on</strong>icePaes Barreto Mourão. Belo Horiz<strong>on</strong>te e São Paulo: Ed. <strong>da</strong> UFMG; ImprensaOficial do Estado <strong>de</strong> São Paulo, 2006.BERGSON, H. Matéria e m<strong>em</strong>ória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito.Trad. Paulo Neves <strong>da</strong> Silva. São Paulo: Martins F<strong>on</strong>tes, 1990.DEBRET, J. B. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> viag<strong>em</strong>. Texto e org. Julio Ban<strong>de</strong>ira. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Sextante, 2006.DIENER, P.; COSTA, M. F. Rugen<strong>da</strong>s e o Brasil. São Paulo: Capivara, 2002.196


Ant<strong>on</strong>io Carlos SantosDUQUE, G.. A arte brasileira. Introdução e notas Ta<strong>de</strong>u Chiarelli. Campinas:Mercado <strong>de</strong> Letras, 1995.FLUSSER, Vilém. Filosofia <strong>da</strong> caixa preta: ensaios para uma futura filosofia <strong>da</strong>fotografia. Trad. do autor. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Relume Dumará, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2002.Hegel, G. W. F. Curso <strong>de</strong> Estética/O belo na arte. Trad. Orlando Vitorino. SãoPaulo: Martins F<strong>on</strong>tes, 1996.MONTEIRO, S.; KAZ, L. (realização editorial e direção gráfica). ExpediçãoLangsdorff no Brasil, 1821-1829. Ic<strong>on</strong>ografia do Arquivo <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia <strong>de</strong>Ciências <strong>da</strong> União Soviética. Rep. Fot. Claus C. Meyer, texto Boris Komissarov,classificação científica e comentários Luiz Emygdio <strong>de</strong> Mello Filho e outros. Rio<strong>de</strong> Janeiro: Edições Alumbramento; Livroarte, 1988.LAGO, B. C.. Augusto Stahl/Obra completa <strong>em</strong> Pernambuco e Rio <strong>de</strong> Janeiro.Apresentação Sérgio Burgi. Rio <strong>de</strong> Janeiro: C<strong>on</strong>tra Capa; Capivara, 2001.LUKÁCS, G. Narrar ou <strong>de</strong>screver. Tradução <strong>de</strong> Giseh Vianna K<strong>on</strong><strong>de</strong>r. In:KONDER, L. (Coord.). Ensaios sobre literatura. Rio <strong>de</strong> Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1965.MICHAUD, E. La c<strong>on</strong>structi<strong>on</strong> <strong>de</strong> l’image comme matrice <strong>de</strong> l’histoire. In:Vingtième Siècle. Revue d’histoire, 72, octobre-déc<strong>em</strong>bre 2001, p. 41-52.RANCIÈRE, J. La fable cinématographique. Paris: Éditi<strong>on</strong>s du Seuil, 2001._____. Les <strong>de</strong>stin <strong>de</strong>s images. Paris: La Fabrique éditi<strong>on</strong>s, 2003._____. A partilha do sensível. Estética e política. Tradução Mônica Costa Neto.São Paulo: EXO; Ed. 34, 2005.SONTAG, Susan. Sobre a fotografia. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo:Companhia <strong>da</strong>s Letras, 2004.VASQUEZ, Pedro Karp. Revert Henrique Klumb/Um al<strong>em</strong>ão na corte imperialbrasileira. Apresentação Joaquim Marçal Ferreira <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>. Coleção Visões doBrasil. Rio <strong>de</strong> Janeiro: C<strong>on</strong>tra Capa Livraria; Capivara, 2001.ZOLA, Emile. O senso do real. In: _____. Do romance. Trad. Plinio AugustoCoelho. São Paulo: Imaginário; Ed. <strong>da</strong> USP, 1995.197


A LITERATURA DE RECEPÇÃO INFANTIL EJUVENIL: CAMINHOS TRILHADOS EPERSPECTIVAS DE PESQUISASEliane Santana Dias Debus1. Literatura <strong>de</strong> recepção infantil e juvenil: a que(m) se <strong>de</strong>stinará?O poeta Manuel <strong>de</strong> Barros, <strong>em</strong> seu livro Exercícios <strong>de</strong> ser criança(1999), <strong>de</strong>senha a cena poética <strong>de</strong> um menino a carregar água na peneira,que faz peraltagens e <strong>de</strong>spropósitos com as palavras e recebe, sob o olharterno <strong>da</strong> mãe, o vaticínio: “– Meu filho você vai ser poeta, você vaicarregar água na peneira a vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong>. Você vai encher os vazios com as suasperaltagens e algumas pessoas vão te amar por seus <strong>de</strong>spropósitos”. Parec<strong>em</strong>eser esta uma <strong>da</strong>s <strong>de</strong>scrições metafóricas mais sensíveis sobre o exercício<strong>da</strong> escrita, o exercício <strong>da</strong> escrita <strong>de</strong> ficção, o exercício <strong>de</strong> ser ficci<strong>on</strong>ista:carregar água na peneira!!!Outra imag<strong>em</strong> retoma<strong>da</strong> pelo mesmo poeta, e que compartilh<strong>on</strong>este texto, é a <strong>de</strong> “escovar palavras”. Isto mesmo: “escovar palavras”! EmM<strong>em</strong>órias inventa<strong>da</strong>s: a infância (2003), ele <strong>de</strong>screve a profissão dosarqueólogos e o seu ofício <strong>de</strong> escovar ossos, imag<strong>em</strong> que o levou, muitocedo, a crer que gostaria <strong>de</strong> escovar palavras, para <strong>de</strong>las escutar osprimeiros s<strong>on</strong>s.Gostaria <strong>de</strong> segurar entre as mãos, como se uma fotografia foss<strong>em</strong>,estas duas imagens: um menino a carregar água na peneira e a escovarpalavras para iniciar este diálogo, esta partilha sobre a literatura parainfância e juventu<strong>de</strong>, não só no que diz respeito a sua escrita, mas tambéma sua leitura: exercícios <strong>de</strong> carregar água na peneira e escovar palavras.Ao refletir sobre a literatura <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> às crianças e aos jovens, énecessário <strong>de</strong>stacar, <strong>de</strong> imediato, a relação triádica que a compõe(AZEVEDO, 2006), pois o diálogo entre esses leitores e o texto ocorre <strong>de</strong>forma indireta/assimétrica, entrevendo um terceiro pers<strong>on</strong>ag<strong>em</strong>, sendo ele,muitas vezes, o leitor primeiro do texto literário: o adulto.A ambivalência <strong>da</strong> literatura <strong>de</strong> recepção infantil resi<strong>de</strong>, como<strong>de</strong>staca a pesquisadora israelita Zohar Shavit (2003), na simultanei<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>dois distintos tipos <strong>de</strong> leitores-mo<strong>de</strong>los: um leitor-mo<strong>de</strong>lo criança e um


A literatura <strong>de</strong> recepção infantil e juvenil...leitor-mo<strong>de</strong>lo adulto, sendo que, se sobre o primeiro recai a idéia <strong>de</strong>inexperiência acerca dos dispositivos <strong>de</strong> c<strong>on</strong>strução do texto literário, sobreo segundo recai a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> experiência e, por isso, a sua função <strong>de</strong>mediador. Outro <strong>da</strong>do que se entrelaça o segundo ao primeiro é o <strong>da</strong>produção escrita, já que é também o adulto que escreve o texto que acriança lerá, ressalva<strong>da</strong>s poucas exceções.Produto cultural historicamente marcado pelo próprio c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong>infância, a literatura infantil ganha vi<strong>da</strong> c<strong>on</strong>creta no século XVIII, quando afamília burguesa caminha para uma c<strong>on</strong>soli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>quilo que se cunhou <strong>de</strong>sentimento <strong>de</strong> infância (ARIÈS, 1981). A criança torna-se um ser diferentedo adulto, com características próprias, necessitando <strong>de</strong> orientações para se(a)firmar nesse novo jogo <strong>de</strong> forças <strong>em</strong> que o tom m<strong>on</strong>ológico <strong>em</strong><strong>on</strong>ocárdio do adulto prevalece e sobrepõe-se à voz do outro – a criança.Assim, enten<strong>de</strong>-se que a literatura <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> à infância, <strong>em</strong> seunascedouro, está vincula<strong>da</strong> à pe<strong>da</strong>gogia, pois esta foi solicita<strong>da</strong> a ser seuinstrumento, transmitindo valores e normas sociais, sendo negado orec<strong>on</strong>hecimento do seu valor estético. Sobre esse aspecto, ReginaZilberman (2003, p. 46) ap<strong>on</strong>ta a duplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> natureza <strong>da</strong> LiteraturaInfantil:[...] <strong>de</strong> um lado, percebi<strong>da</strong> <strong>da</strong> óptica do adulto, <strong>de</strong>svela-sesua participação no processo <strong>de</strong> dominação do jov<strong>em</strong>,assumindo um caráter pe<strong>da</strong>gógico, por transmitir normas eenvolver-se com sua formação moral; <strong>de</strong> outro, quando secompromete com o interesse <strong>da</strong> criança, transforma-se nummeio <strong>de</strong> acesso ao real, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que facilita aor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> experiências existenciais, pelo c<strong>on</strong>hecimento<strong>de</strong> histórias, e a expansão <strong>de</strong> seu domínio lingüístico.Nesse sentido, sobre a literatura infantil pesa certa in<strong>de</strong>finiçãoc<strong>on</strong>ceitual. As críticas c<strong>on</strong>verg<strong>em</strong>, sobretudo, para duas questões: <strong>de</strong> umaparte, a questão recai sobre a especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seu leitor – a criança; <strong>de</strong>outra, a sua vinculação umbilical com a instituição escolar, <strong>de</strong>nuncia<strong>da</strong>como uma produção didática e doutrinadora, s<strong>em</strong> preocupação estética. Osdois fatores estão interligados e colaboram para a c<strong>on</strong>ceituação pejorativa eo marginalato <strong>de</strong>sse gênero.Vejamos o que alguns estudiosos ap<strong>on</strong>tam sobre essa c<strong>on</strong>struçãodiscursiva.200


201Eliane Santana Dias DebusRegina Zilberman (1987, p. 85) <strong>de</strong>staca que a relação <strong>de</strong>sse gênerocom seu <strong>de</strong>stinatário é mais agu<strong>da</strong>, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que “a sedução <strong>de</strong>dominação própria à linguag<strong>em</strong> narrativa po<strong>de</strong> se c<strong>on</strong>verter <strong>em</strong> inclinaçãoadultocêntrica e <strong>de</strong>ixar transparecer a índole educativa”. Na maioria <strong>da</strong>svezes, a supr<strong>em</strong>acia do adulto prevalece, ao c<strong>on</strong>struir seu discurso literário“para” ou “sobre” a criança e não “com” a criança.Para Marisa Lajolo (1994), o questi<strong>on</strong>amento sobre o fazer literárioestá no significado mais amplo do texto, sendo que, para tanto, não se <strong>de</strong>vecentrar a análise <strong>em</strong> cima “do que o texto diz”, mas sim na forma “como otexto diz o que diz”. A<strong>de</strong>ntra-se, então, no campo <strong>da</strong> variabili<strong>da</strong><strong>de</strong> histórica,visto que a produção literária é uma comunicação histórica, localiza<strong>da</strong> not<strong>em</strong>po e no espaço. No caso <strong>da</strong> literatura infantil, estará vincula<strong>da</strong> à visãohistórica <strong>da</strong> infância.Acredita-se que, até a déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1970, ressalvas feitas a M<strong>on</strong>teiroLobato, a literatura <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> ao público infantil e juvenil, no Brasil, erac<strong>on</strong>stituí<strong>da</strong> <strong>de</strong> textos que falavam “para” o leitor, com orientações eposturas formaliza<strong>da</strong>s “sobre” a criança. O tratamento <strong>da</strong>do à linguag<strong>em</strong>, orespeito à criança e a tentativa <strong>de</strong> diálogo “com” a criança é que faz<strong>em</strong>surgir um novo discurso.Edmir Perrotti faz uma distinção <strong>de</strong>sses dois discursos: um <strong>de</strong>caráter utilitário, vinculado aos padrões moralizantes e pe<strong>da</strong>gógicos; eoutro <strong>de</strong> caráter estético, capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar o leitor para o prazer do texto.Esse autor, no entanto, ap<strong>on</strong>ta o perigo <strong>de</strong> um utilitarismo às avessas,surgido nos anos <strong>de</strong> 1970 que, preten<strong>de</strong>ndo romper com a tradição dogênero, acaba colocando, <strong>de</strong> forma implícita, os padrões discursivostradici<strong>on</strong>ais. “O recurso utilizado é, então, a manipulação dos registros(narrativa/discurso), criando no leitor a ilusão <strong>de</strong> que não se trata <strong>de</strong> umensinamento, até o final, quando este já está <strong>da</strong>do e o jogo po<strong>de</strong> explicitarse”.(PERROTTI, 1986, p.125).Na apresentação do livro Literatura infantil: autoritarismo e<strong>em</strong>ancipação (1987), Regina Zilberman e Ligia Ca<strong>de</strong>rmatori Magalhãesap<strong>on</strong>tam a relação que se po<strong>de</strong> estabelecer entre livro e <strong>de</strong>stinatário, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> areprodução <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo autoritário <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, imp<strong>on</strong>do normas esubmetendo o leitor ao seu cumprimento, até a um mo<strong>de</strong>lo <strong>em</strong>ancipatório,que rompe com a submissão, c<strong>on</strong>vertendo o leitor à critici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> que está inserido.Nelly Novaes Coelho (2003) distingue dois tipos <strong>de</strong> discursos: otradici<strong>on</strong>al e o c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneo, levantando, por meio <strong>da</strong> t<strong>em</strong>ática e <strong>da</strong>speculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s, os valores tradici<strong>on</strong>ais e os valores novos que faz<strong>em</strong> diferir


A literatura <strong>de</strong> recepção infantil e juvenil...a produção para crianças e jovens <strong>de</strong> <strong>on</strong>t<strong>em</strong> e <strong>de</strong> hoje. Em outro momento,ela ap<strong>on</strong>ta as características estilísticas e estruturais que diferenciam essesdois tipos discursivos.Ana Mariza Filipouski (1988), analisando textos publicados a partir<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1970, avalia a “incorporação <strong>de</strong> técnicas e mo<strong>de</strong>losliterariamente inovadores” e <strong>de</strong><strong>line</strong>ia uma tipologia <strong>da</strong>s narrativas, sob aótica <strong>da</strong> apresentação do narrador, seguindo os estudos <strong>de</strong> M. Bakhtin,diferenciando as narrativas – m<strong>on</strong>ológica, quase m<strong>on</strong>ológica e dialógica -, eestabelecendo uma tipologia <strong>da</strong> leitura: pragmática, quase pragmática eficci<strong>on</strong>al.Analisando o exposto, não creio que possamos vislumbrar umalinha <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcação na qual o discurso tradici<strong>on</strong>al do gênero tenha sidosuplantado pelo discurso c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneo; esses discursos se interpenetrame c<strong>on</strong>viv<strong>em</strong> lado a lado. A visão <strong>de</strong> dois discursos existe, mas não afiança amorte do velho para o nascimento do novo. Um dos fatos relevantes paraessa c<strong>on</strong>vivência quase pacífica dá-se, provavelmente, pela forma como édistribuído e difundido o gênero, via mercado editorial, que explora o filãocom unhas e <strong>de</strong>ntes.2. Por <strong>on</strong><strong>de</strong> caminham, no Brasil, as pesquisas sobre a literatura <strong>de</strong>recepção infantil e juvenilSe a produção literária <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> à criança e aos jovens, no Brasil érecente, já que os primeiros títulos <strong>da</strong>tam do final do século XIX, osestudos sist<strong>em</strong>atizados sobre essa produção o são mais ain<strong>da</strong>. Basta l<strong>em</strong>brarque essa sist<strong>em</strong>atização só se dá no final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1960, com asprimeiras inserções <strong>da</strong> literatura infantil como disciplina optativa nocurrículo <strong>de</strong> formação dos professores nos cursos <strong>de</strong> graduação. MariaAnt<strong>on</strong>ieta Cunha (1997) <strong>de</strong>staca que, quando realizou sua primeiraexperiência, na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Mina Gerais (UFMG, 1969), enfrentouvárias dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s, <strong>em</strong> especial o pré-c<strong>on</strong>ceito.A história <strong>da</strong> literatura infantil brasileira recebeu maior atenção apartir <strong>de</strong> 1980. Embora alguns trabalhos, como o <strong>de</strong> Bárbara Vasc<strong>on</strong>celos<strong>de</strong> Carvalho (1961) e <strong>de</strong> Le<strong>on</strong>ardo Arroyo (1968), tenham se antecipado aesse período, somente <strong>em</strong> 1984 surge um livro que abor<strong>da</strong> a história <strong>de</strong>ssegênero, <strong>de</strong> forma mais sist<strong>em</strong>ática, pelas mãos <strong>de</strong> Regina Zilberman eMarisa Lajolo: Literatura infantil brasileira: história & histórias.202


Eliane Santana Dias DebusEsse livro cumpre a sua função iniciática <strong>de</strong> rec<strong>on</strong>stituir a história<strong>da</strong> literatura infantil no Brasil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as primeiras obras a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s, que<strong>da</strong>tam <strong>da</strong>s últimas déca<strong>da</strong>s do século XIX, até 1983, com os c<strong>on</strong>tos <strong>de</strong>Marina Colasanti. Zilberman e Lajolo c<strong>on</strong>stro<strong>em</strong> seu discurso no c<strong>on</strong>textomais amplo <strong>da</strong> literatura brasileira (panorama histórico, político, social ecultural), s<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ap<strong>on</strong>tar as especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> literatura paracrianças, proporci<strong>on</strong>ando uma nova credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> aos estudos sobre essegênero.Outra produção <strong>de</strong> fôlego, <strong>em</strong>bora não se <strong>de</strong>nomine, n<strong>em</strong> se queirac<strong>on</strong>stituir como uma história do gênero, mas que se torna referência aotrazer <strong>da</strong> forma mais abrangente possível a produção literária para crianças,publica<strong>da</strong> no Brasil, é o Dici<strong>on</strong>ário crítico <strong>da</strong> literatura infantil e juvenil, <strong>de</strong>Nelly Novaes Coelho (1995). Trata-se <strong>de</strong> uma pesquisa que alarga a visãosobre os livros para crianças produzidos entre os anos <strong>de</strong> 1808 e 1990 eseus respectivos autores, tendo M<strong>on</strong>teiro Lobato como marco divisório <strong>da</strong>obra, que está estrutura<strong>da</strong> <strong>em</strong> duas partes: “I. Os Precursores – Período Prélobatiano(1808-1920) e II. A Literatura Infantil/Juvenil Mo<strong>de</strong>rna e Pósmo<strong>de</strong>rna– período lobatiano e pós-lobatiano (1920-1990)”. O dici<strong>on</strong>ário écomposto <strong>de</strong> 784 verbetes que enumeram os escritores; na primeira parte aautora elenca 50 escritores e na segun<strong>da</strong> parte 734.O crescente interesse <strong>de</strong> pesquisadores pela literatura infantil ejuvenil c<strong>on</strong>tribuiu para uma extensa publicação na área, quer seja <strong>em</strong> forma<strong>de</strong> livro, quer seja <strong>em</strong> outros meios <strong>de</strong> publicação impressa (dissertações,teses, revistas, boletins etc.). Os avanços tecnológicos tambémc<strong>on</strong>tribuíram para a diss<strong>em</strong>inação <strong>da</strong>s pesquisas realiza<strong>da</strong>s <strong>em</strong> diferentespaíses. Por meio <strong>da</strong> Internet, torna-se possível o acesso rápido a revistaseletrônicas, sites <strong>de</strong> núcleos e grupos <strong>de</strong> pesquisas, b<strong>em</strong> como blogs <strong>de</strong>diferentes instituições.Em documento produzido no início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1990, apesquisadora Nadia Glotlib (apud HOLLANDA, 1994) avaliava osprincipais grupos <strong>em</strong>ergentes nos estudos teóricos, na área <strong>de</strong> Letras: aliteratura feita por mulheres; a literatura africana; a literatura popular (oral e<strong>de</strong> cor<strong>de</strong>l); e a literatura infanto-juvenil. A partir <strong>de</strong>sses <strong>da</strong>dos, HeloísaBuarque <strong>de</strong> Hollan<strong>da</strong> (1994) ap<strong>on</strong>ta os traços comuns <strong>de</strong>ssas narrativas esua <strong>em</strong>ergência, como resultado <strong>de</strong> novos paradigmas:São aquelas que até pouco t<strong>em</strong>po foram i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>s comoáreas marginais, não c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s, ou quase nãoc<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s, legítimas pela historiografia canônica e cujos203


A literatura <strong>de</strong> recepção infantil e juvenil...produtos foram tradici<strong>on</strong>almente <strong>de</strong>finidos como gêneros‘menores’ na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que se apoiavam <strong>em</strong> literaturasorais, corresp<strong>on</strong>dência, narrativas populares, cuja ‘quali<strong>da</strong><strong>de</strong>’era sist<strong>em</strong>aticamente posta <strong>em</strong> questão pela crítica literária.(HOLLANDA, 1994, p. 453).Quase que regras implícitas nos trabalhos <strong>de</strong> caráter teórico sobre aliteratura <strong>de</strong> recepção infantil eram/são a justificativa do estudo e osméritos do gênero, como se fosse necessário marcar terreno e <strong>de</strong>ixar claroque este era/é um discurso válido para os estudos literários.Literatura infantil não é um gênero menor!O questi<strong>on</strong>amento sobre a vali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um discurso afirmativotambém foi <strong>de</strong>batido <strong>em</strong> plenária <strong>em</strong> três eventos recentes: C<strong>on</strong>gressoInternaci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> Leitura e Literatura Infantil e Juvenil (PUCRS – 11 a 13 <strong>de</strong>junho <strong>de</strong> 2008); no V Enc<strong>on</strong>tro <strong>de</strong> Literatura Infantil e Juvenil (UFRJ – 8 a10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2008); e no Simpósio A narrativa ficci<strong>on</strong>al para crianças ejovens e as representações literárias <strong>de</strong> prática <strong>de</strong> leitura (XI ABRALIC,USP – 13 a 17 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2008).As mu<strong>da</strong>nças gra<strong>da</strong>tivas nos estudos literários são resultantes <strong>de</strong>novos paradigmas c<strong>on</strong>struídos socialmente. Refletir sobre um produtocultural <strong>de</strong>stinado à infância é exigir quali<strong>da</strong><strong>de</strong> no que é produzido, évali<strong>da</strong>r o papel estético <strong>da</strong> palavra e a sua c<strong>on</strong>tribuição para umasensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> leitora.Estu<strong>da</strong>r a literatura infantil implica li<strong>da</strong>r com uma produçãocultural marca<strong>da</strong> historicamente pelo c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> infância. Assim, esseproduto literário traz <strong>de</strong> modo mais c<strong>on</strong>tun<strong>de</strong>nte a imag<strong>em</strong> que o <strong>em</strong>issorescritor(adulto) t<strong>em</strong> <strong>de</strong> seu leitor-receptor (criança). No entanto, não seriapossível exercitar nosso olhar para o outro lado <strong>de</strong>ssa comunicação evermos como o leitor se vê nessa c<strong>on</strong>strução fictícia? Ou melhor, seria“realizável” refletir sobre a literatura infantil c<strong>on</strong>struí<strong>da</strong>/li<strong>da</strong> pelo olhar doseu leitor?Embora saibamos que, c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poraneamente, a prática <strong>de</strong> registro<strong>da</strong>s leituras está, na maioria <strong>da</strong>s vezes, vincula<strong>da</strong> a tarefas escolares (fichas<strong>de</strong> leitura – perguntas avaliativas e s<strong>em</strong> significado subjetivo, já que nãomensurável),acreditamos que o <strong>de</strong>poimento do leitor é um dos caminhosviáveis para enten<strong>de</strong>rmos um pouco <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> história <strong>de</strong>ssaliteratura. Assim, uma <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> análise seria a corresp<strong>on</strong>dênciaentre escritor e leitor, uma prática que v<strong>em</strong> se c<strong>on</strong>soli<strong>da</strong>ndo e que traz, n<strong>em</strong>s<strong>em</strong>pre, é claro, as marcas <strong>da</strong> esp<strong>on</strong>tanei<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando antever práticasleitoras.204


Eliane Santana Dias DebusEm 1996, na dissertação <strong>de</strong> mestrado (Entre vozes e leituras: arecepção <strong>da</strong> literatura infantil e juvenil – UFSC), o test<strong>em</strong>unho dos leitorespor meio <strong>de</strong> cartas à escritora catarinense Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Kriegerpossibilitou verificar como se efetiva a comunicação entre autor, texto eleitor. As cartas (1979-1994) traziam os <strong>de</strong>poimentos sobre o ato <strong>da</strong> leiturae suas implicações, resp<strong>on</strong><strong>de</strong>ndo, <strong>de</strong> certa forma, a algumas inquietaçõesrelativas ao processo <strong>de</strong> recepção.Em janeiro <strong>de</strong> 2001, trazíamos novamente a público, <strong>em</strong> forma <strong>de</strong>tese <strong>de</strong> doutorado, uma pesquisa que focalizava a voz do leitor, agora pelarecepção <strong>da</strong> literatura infantil <strong>de</strong> M<strong>on</strong>teiro Lobato nas déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 20, 30 e40 do século XX, através <strong>da</strong> sua relação sui generis com o leitor: as cartas(DEBUS, 2004). O diálogo c<strong>on</strong>creto entre o escritor M<strong>on</strong>teiro Lobato(1882-1948) e seus leitores evi<strong>de</strong>ncia o papel <strong>da</strong> sua literatura na formaçãoliterária <strong>de</strong>ssa geração <strong>de</strong> leitores e o efeito <strong>de</strong> tal relação nas narrativas doescritor. Percebe-se que as narrativas <strong>de</strong> M<strong>on</strong>teiro Lobato acabaram sedistanciando e se <strong>de</strong>stacando <strong>da</strong> literatura infantil que circulava no país, nasdéca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 20, 30 e 40 do século XX, pela sua compreensão do leitorcriança,que <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> ter um papel passivo e assumia-se comointerlocutor ativo no ato <strong>da</strong> leitura. E a figura imaginária do leitor, teci<strong>da</strong>nas entrelinhas do texto, acabava por dialogar com o leitor c<strong>on</strong>creto peloregistro epistolográfico.É importante <strong>de</strong>stacar que a literatura infantil e juvenil obe<strong>de</strong>ce acritérios esteticamente literários. Como afirma Ant<strong>on</strong>io Candido, “osubsolo <strong>da</strong> arte é um só” ou, ain<strong>da</strong>, nas palavras <strong>de</strong> Cecília Meireles, “tudoé uma arte só”. Assim sendo, as reflexões sobre essa produção,c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poraneamente, t<strong>em</strong> ganhado fôlego e são muitos os vieses <strong>de</strong>pesquisas que tentam abarcar a sua produção, circulação e c<strong>on</strong>sumo.3. On<strong>de</strong> se apresentam as perspectivas <strong>de</strong> pesquisa docenteAtualmente, como m<strong>em</strong>bro integrante do Grupo <strong>de</strong> PesquisaEstudo <strong>da</strong> estética <strong>da</strong>s linguagens verbais e não-verbais, inserido na linha<strong>de</strong> pesquisa Linguagens e processos culturais, do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, tenho como Projeto integrador “ALiteratura <strong>de</strong> recepção infantil e juvenil: reflexões sobre os caminhos <strong>de</strong> suaprodução, circulação e c<strong>on</strong>sumo”, que t<strong>em</strong> como fim c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>plar aliteratura <strong>de</strong> recepção infantil e juvenil, a partir <strong>da</strong> investigação do sist<strong>em</strong>a<strong>de</strong> sua produção, circulação e c<strong>on</strong>sumo. Esses três eixos levam <strong>em</strong> c<strong>on</strong>ta: 1)205


A literatura <strong>de</strong> recepção infantil e juvenil...os escritores, seu processo <strong>de</strong> c<strong>on</strong>strução escrita e as características <strong>de</strong>ssa,os aspectos físicos c<strong>on</strong>stitutivos do objeto livro (tipo <strong>de</strong> papel, suporte,cores etc), b<strong>em</strong> como os <strong>da</strong> fabricação (ilustração, edição, revisão etc); 2)as instâncias mediadoras do livro e <strong>da</strong> leitura, entre elas, escola, livrarias,feiras, bibliotecas; e 3) a criança e o jov<strong>em</strong> como público-leitor: suaspreferências, <strong>de</strong>sejos leitores, mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> leitura.Acredito que, a partir <strong>de</strong>sse enfoque, possam ser trilhados alargadoscaminhos norteados pelos seguintes objetivos:a) analisar a produção literária para crianças e jovens nosdiferentes gêneros e suportes;b) investigar os espaços formais e não-formais <strong>de</strong> educação, <strong>em</strong>que a literatura infantil e juvenil circula;c) verificar a recepção do público-leitor diante <strong>de</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>obra.Esse leque amplo possibilita <strong>de</strong>senvolver vários olhares sobre aprodução literária para crianças, <strong>em</strong> especial apreço pelos títulos voltadosàs crianças <strong>de</strong> 0 a 10 anos, e como essa literatura circula nos espaçossociais. Atuando como docente no curso <strong>de</strong> Pe<strong>da</strong>gogia, percebo que o(<strong>de</strong>s)c<strong>on</strong>hecimento provoca resultados duradouros na formação leitora <strong>da</strong>scrianças que c<strong>on</strong>viverão com esses futuros professores. Entrelaçando asativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino, pesquisa e extensão, preten<strong>de</strong>-se criar uma trama quesubsidie a formação acadêmica e c<strong>on</strong>tribua para a formação c<strong>on</strong>tinua<strong>da</strong> dosprofessores <strong>em</strong> serviço. Do c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s a ser<strong>em</strong> realiza<strong>da</strong>s,po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar a c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> um site <strong>de</strong> literatura infantil e juvenil, paradivulgação dos trabalhos dos alunos <strong>de</strong> graduação, c<strong>on</strong>cretizados nadisciplina <strong>de</strong> Literatura Infantil; dos alunos <strong>de</strong> iniciação científica, e dosTrabalhos <strong>de</strong> C<strong>on</strong>clusão <strong>de</strong> Curso <strong>de</strong> graduação, b<strong>em</strong> como os <strong>de</strong> Pós-Graduação.O aporte teórico que dá subsídio a essas pesquisas centra-se nos <strong>da</strong>teoria literária: na estética <strong>da</strong> recepção para a compreensão <strong>da</strong>s expectativase horiz<strong>on</strong>tes <strong>de</strong> leitura, na sociologia <strong>da</strong> leitura e nos estudos culturais.Para além dos projetos <strong>de</strong> pesquisa a ser<strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvidos junto aoprograma <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> (PPGCL),efetivamente, tenho realizado, nos últimos três anos, pesquisas que levam<strong>em</strong> c<strong>on</strong>ta a t<strong>em</strong>atização <strong>da</strong> cultura africana e afro-brasileira na literatura <strong>de</strong>recepção infantil e juvenil: “A representação do negro na literaturabrasileira para crianças e jovens: negação ou c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> uma206


207Eliane Santana Dias Debusi<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>?” (PUIP-2006) e “As histórias <strong>de</strong> lá para leitores <strong>da</strong>qui: os (re)c<strong>on</strong>tos africanos para crianças pelas mãos <strong>de</strong> escritores brasileiros” (PUIP,2007). Na primeira pesquisa, mapeamos a produção literária a partir <strong>de</strong> setecatálogos <strong>de</strong> casas editoriais (Ática, Companhia <strong>da</strong>s Letrinhas, DCL, FTD,Paulinas, Salamandra e Scipi<strong>on</strong>e/2005), verificando-se que a representação<strong>de</strong> pers<strong>on</strong>agens negras na literatura infantil, <strong>em</strong>bora tenha ganhado, nosúltimos anos, mais espaço nas editoras, ain<strong>da</strong> ocupa um lugar muitopequeno, <strong>em</strong> relação ao total <strong>de</strong> títulos. Do total <strong>de</strong> 1.785 títulos levantados,79 títulos traz<strong>em</strong> pers<strong>on</strong>agens negras e, <strong>da</strong>s editoras levanta<strong>da</strong>s, as que maistêm se <strong>de</strong>dicado sobre a t<strong>em</strong>ática é a DCL e a Paulinas. Os escritoresRogério Andra<strong>de</strong> Barbosa, Joel Rufino dos Santos, Júlio Emílio Brás e asescritoras Georgina Martins e Heloisa Prieto são os que têm mais títulos<strong>de</strong>dicados ao t<strong>em</strong>a.A segun<strong>da</strong> pesquisa teve como foco <strong>de</strong> análise os títulos <strong>de</strong>literatura infantil <strong>de</strong> Rogério Andra<strong>de</strong> Barbosa, Joel Rufino dos Santos eJúlio Emílio Braz, autores que (re)c<strong>on</strong>tam narrativas <strong>da</strong> literatura oralafricana e <strong>da</strong>s literaturas afro-brasileiras. Nela avaliou-se a importância<strong>de</strong>ssas narrativas para a c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> étnica, apresentandoseestratégias <strong>de</strong> intervenção a partir <strong>de</strong> propostas didático-pe<strong>da</strong>gógicas aser<strong>em</strong> utiliza<strong>da</strong>s no espaço escolar.A <strong>em</strong>ergência <strong>de</strong>ssas pesquisas resulta <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> visitar omercado editorial, para enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> que modo ele t<strong>em</strong> se comprometidocom a publicação <strong>de</strong> títulos que t<strong>em</strong>atizam a cultura africana e afrobrasileira,observando as exigências legais <strong>da</strong> Lei nº 10.639/03-MEC,altera<strong>da</strong> <strong>em</strong> 10 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2008, pela Lei nº 11.645, que estabelece asdiretrizes e bases <strong>da</strong> educação naci<strong>on</strong>al, para incluir, no currículo oficial <strong>da</strong>re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino, a obrigatorie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> t<strong>em</strong>ática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.As instituições que <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> programas <strong>de</strong> formação inicial ec<strong>on</strong>tinua<strong>da</strong> <strong>de</strong> professores, como é o caso <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> SantaCatarina – UNISUL (<strong>em</strong> nível <strong>de</strong> graduação, pós-graduação e extensão),são c<strong>on</strong>clama<strong>da</strong>s pelo parecer CNE/CP 3/2004 a introduzir, “nos c<strong>on</strong>teúdos<strong>de</strong> disciplinas e ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s curriculares dos cursos que ministram, aEducação <strong>da</strong>s Relações Étnico-Raciais, b<strong>em</strong> como o tratamento <strong>de</strong> questõese t<strong>em</strong>áticas que diz<strong>em</strong> respeito aos afro<strong>de</strong>scententes” (BRASIL, 2004b, p.30).A c<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ste projeto <strong>de</strong> pesquisa se produz na socializaçãodos <strong>da</strong>dos, <strong>de</strong> forma articula<strong>da</strong> com os sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> ensino (Re<strong>de</strong> Municipal<strong>de</strong> Educação <strong>de</strong> Florianópolis), estabelecimentos <strong>de</strong> ensino superiores


A literatura <strong>de</strong> recepção infantil e juvenil...(UNISUL/UFSC) e Núcleos <strong>de</strong> Estudo Negro (NEN, <strong>de</strong> Florianópolis), quevenham ao enc<strong>on</strong>tro <strong>da</strong>s exigências <strong>da</strong>s “Ações educativas <strong>de</strong> combate aoracismo e à discriminação” (BRASIL, 2004b, p.23), que <strong>de</strong>terminam que asinstituições <strong>de</strong> ensino superior provi<strong>de</strong>nci<strong>em</strong> esta articulação.Pesquisas e artigos significativos vêm sendo produzidos porpesquisadores <strong>de</strong> diversos campos do c<strong>on</strong>hecimento, <strong>em</strong> especial <strong>de</strong> Letrase Educação, na tentativa <strong>de</strong> (res)significar o olhar para as narrativas quet<strong>em</strong>atizam a questão étnico-racial. Entre esses trabalhos, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar oartigo <strong>de</strong> cunho historiográfico <strong>de</strong> Maria Cristina Gouvêa (2000), queanalisa as representações sociais sobre o negro, produzi<strong>da</strong>s na literatura <strong>de</strong>recepção infantil no Brasil, nas três primeiras déca<strong>da</strong>s do século XX.Travesti<strong>da</strong> <strong>em</strong> uma suposta integração racial, essa produção é marca<strong>da</strong> poruma visão etnocêntrica, <strong>on</strong><strong>de</strong> as pers<strong>on</strong>agens são i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>s pelo <strong>de</strong>sejo<strong>de</strong> <strong>em</strong>branquecimento. Por c<strong>on</strong>seqüência, o leitor resultante <strong>de</strong>sses textos[...] era marcado pela i<strong>de</strong>ntificação com a cultura e estéticabrancas, ao mesmo t<strong>em</strong>po que <strong>de</strong>squalificador <strong>da</strong> cultura eestética negra. Negro ou branco, os textos acabavam por<strong>em</strong>branquecer o leitor, ao reitera<strong>da</strong>mente, representar a raçabranca como superior. (GOUVÊA, 2000).Destacam-se, igualmente, os estudos <strong>de</strong> Andréia Sousa (2003;2005), c<strong>on</strong>tribuindo para a análise <strong>da</strong> produção literária <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> àscrianças e <strong>da</strong>s relações étnico-raciais representa<strong>da</strong>s através <strong>de</strong>la. A suaanálise é <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> sobre a literatura infantil e juvenil c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea,principalmente aquela produzi<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> meta<strong>de</strong> <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1980, jácom marcas afirmativas <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> negra.A busca <strong>de</strong> livros que retrat<strong>em</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> não-discriminatória, areflexão sobre características presentes nos livros <strong>de</strong> literatura, quereforçam, ou não, o prec<strong>on</strong>ceito, auxiliam no rompimento <strong>de</strong> uma visãoc<strong>on</strong>struí<strong>da</strong> sobre uma base <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong> étnica e proporci<strong>on</strong>a espaçoseducativos comprometidos com a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> étnica e cultural do nossopaís.Como já <strong>de</strong>stacado <strong>em</strong> texto anterior (DEBUS; SILVA;AZEVEDO, 2007), no qual foram analisa<strong>da</strong>s narrativas <strong>de</strong> caráterintercultural, c<strong>on</strong>statou-se que elas permit<strong>em</strong> ao leitor uma reflexão sobre adiversi<strong>da</strong><strong>de</strong> e multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural que o ro<strong>de</strong>ia, c<strong>on</strong>tribuindo para umaformação <strong>em</strong> que a plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural é edifica<strong>da</strong> pela singulari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ca<strong>da</strong> indivíduo.208


Eliane Santana Dias Debus4. Carregando água na peneira... impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> c<strong>on</strong>clusãoNo aeroporto o menino perguntou:- E se o avião tropicar num passarinho?O pai ficou torto e não resp<strong>on</strong><strong>de</strong>u.O menino perguntou <strong>de</strong> novo:E se o avião tropicar num passarinho triste?A mãe teve ternuras e pensou:Será que os absurdos não são as maiores virtu<strong>de</strong>s <strong>da</strong> poesia?Será que os <strong>de</strong>spropósitos não são mais carregados <strong>de</strong> poesiado que o bom senso?Ao sair do sufoco, o pai refletiu:com certeza, a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> e a poesia a gente apren<strong>de</strong> com ascrianças.E ficou sendo.Manoel <strong>de</strong> Barros, 1999.Este ensaio teve como única pretensão trazer à t<strong>on</strong>a um olhar sobrea literatura <strong>de</strong> recepção infantil e juvenil, mapeando os caminhos dosprojetos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>senvolvidos por mim até aqui e <strong>de</strong><strong>line</strong>andoexpectativas <strong>de</strong> trabalhos futuros.Pensar a literatura é como li<strong>da</strong>r ludicamente com a linguag<strong>em</strong>,recriando-a, reinventando-a, tornando-a uma linguag<strong>em</strong> cheia <strong>de</strong>meninices. Assim é que eu vejo, sinto a linguag<strong>em</strong> literária, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntedo seu <strong>de</strong>stinatário.O escritor <strong>de</strong> literatura, ao escovar as palavras, <strong>de</strong>sarranja-as,tirando-as do lugar comum e as reveste <strong>de</strong> outras poeiras: <strong>on</strong><strong>de</strong> está areali<strong>da</strong><strong>de</strong>? On<strong>de</strong> está a ficção? Parece-me uma lengalenga <strong>de</strong> esc<strong>on</strong><strong>de</strong>esc<strong>on</strong><strong>de</strong>:“cadê o pe<strong>da</strong>ço <strong>de</strong> toicinho que estava aqui? O gato comeu? “...ou letra <strong>de</strong> uma música: “O gato comeu, o gato comeu e ninguém viu?”.O texto ficci<strong>on</strong>al coloca o leitor <strong>em</strong> suspenso... <strong>de</strong> espreita, àescuta....No caso específico <strong>da</strong> literatura <strong>de</strong> recepção infantil, é o adulto o“guardião <strong>da</strong> infância” (PERROTI, 1986), aquele a qu<strong>em</strong> se reserva odireito <strong>de</strong> oferecer ou não um produto cultural a<strong>de</strong>quado à criança.E, para o adulto, o que seria uma literatura a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> à infância?Em seu princípio, a literatura infantil surge atrela<strong>da</strong> a umutilitarismo que per<strong>de</strong> força muito mansamente, pois ain<strong>da</strong> enc<strong>on</strong>tramos209


A literatura <strong>de</strong> recepção infantil e juvenil...adultos buscando no livro para criança “c<strong>on</strong>teúdos” específicos: <strong>de</strong>s<strong>de</strong>normas <strong>de</strong> comportamento, lições <strong>de</strong> moral a lições <strong>de</strong> c<strong>on</strong>teúdo curricular:geografia, história etc. Recebo com certa c<strong>on</strong>stância c<strong>on</strong>sultas sobre títulos,autores... que po<strong>de</strong>riam ir ao enc<strong>on</strong>tro <strong>de</strong> projetos instituci<strong>on</strong>ais: é aescolarização ina<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> <strong>da</strong> literatura infantil que me <strong>de</strong>sagra<strong>da</strong> e<strong>de</strong>sagrega o valor do literário.Tenho certa afini<strong>da</strong><strong>de</strong> com o texto <strong>de</strong> Mag<strong>da</strong> Soares “Aescolarização <strong>da</strong> literatura infantil e juvenil” (1999) quando ela traduzaquilo que me parece “claro como água <strong>de</strong> pote”: a escola é o local <strong>de</strong>escolarizar, fatalmente o que está na escola será escolarizado, no entanto, apesquisadora mineira nos <strong>de</strong>screve esta escolarização, não pelo viés <strong>da</strong>negativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas pelo <strong>da</strong> c<strong>on</strong>strução, isto é, fazendo-nos refletir sobre aspossibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> se li<strong>da</strong>r <strong>de</strong> forma a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong> com este objeto cultural noambiente escolar.O que se t<strong>em</strong> c<strong>on</strong>statado é que, na escola, a literatura, <strong>em</strong>bora sejaresguar<strong>da</strong><strong>da</strong> por um saber legitimado que ap<strong>on</strong>ta sua vali<strong>da</strong><strong>de</strong>, está s<strong>em</strong>pre<strong>em</strong> segundo plano nos anos iniciais do ensino fun<strong>da</strong>mental.5. ReferênciasARIÈS, P. História social <strong>da</strong> criança e <strong>da</strong> família. 2. ed. Trad. Dora Flaksman. Rio<strong>de</strong> Janeiro Guanabara, 1981.AZEVEDO, F. Literatura infantil recepção leitora e competência literária. In _____(Coord). Língua materna e literatura infantil: el<strong>em</strong>entos nucleares. Lisboa: Li<strong>de</strong>l,2006._____; DEBUS, E. S. D.; SILVA, S. R. O diálogo intercultural na literatura infantil<strong>de</strong> Luís Sepúlve<strong>da</strong> e Jorge Amado. Leitura: teoria e prática, ALB, Ano 25, nov.2007.BARROS, M. Exercícios <strong>de</strong> ser criança. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Salamandra, 1999._____. M<strong>em</strong>órias inventa<strong>da</strong>s: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Educação. Diretrizes Curriculares Naci<strong>on</strong>ais para aEducação <strong>da</strong>s Relações Étnico-Raciais e para o Ensino <strong>de</strong> História e CulturaAfro-Brasileira e Africana. Brasília, jul. 2004a._____. Ministério <strong>da</strong> Educação. C<strong>on</strong>selho Naci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> Educação. ParecerCNE/CP3/2004. Brasília, 2004b.CANDIDO, A. Sílvia Pelica na Liber<strong>da</strong><strong>de</strong>. In: LAJOLO, M.; ZILBERMAN, R.Um Brasil para crianças: para c<strong>on</strong>hecer a literatura infantil brasileira. São Paulo:Global, 1988.210


Eliane Santana Dias DebusCOELHO, N. N. Dici<strong>on</strong>ário Crítico <strong>da</strong> Literatura Infantil e Juvenil Brasileira:séculos XIX e XX. 4.ed. rev. e ampl. São Paulo: Edusp, 1995._____. Literatura Infantil. São Paulo: Mo<strong>de</strong>rna, 2003.CUNHA, M. A. Escola no livro ou livro na escola? In: PAULINO, G. (Org.). Ojogo do livro infantil. Belo Horiz<strong>on</strong>te: Dimensão, 1997.DEBUS, E. S. D. Entre vozes e leituras: a recepção <strong>da</strong> literatura infantil e juvenil– UFSC, 1996. (Dissertação <strong>de</strong> Mestrado)_____. M<strong>on</strong>teiro Lobato e o leitor, esse c<strong>on</strong>hecido. Florianópolis:UFSC/UNIVALI, 2004._____. A representação do negro na literatura para crianças e jovens: negação ouc<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>? In: Fernando Azevedo; Joaquim Machado <strong>de</strong>Araújo, Cláudia Sousa Pereira e Alberto Filipe Araújo. (Org.). Imaginário,i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e margens: estudos <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> literatura infanto-juvenil: Vila Nova<strong>de</strong> Gaia: Gailivro, 2007.FILIPOUSKI, A. M. R. Literatura Infantil <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 70: a caminho <strong>da</strong>Polif<strong>on</strong>ia. Porto Alegre, 1988. (tese <strong>de</strong> doutorado apresenta<strong>da</strong> à PUCRS)HOLLANDA, H. B. A historiografia f<strong>em</strong>inista: algumas questões <strong>de</strong> fundo. In:FUNCK, S. B. (Org.). Trocando idéias sobre a mulher e a literatura.Florianópolis: Ed. <strong>da</strong> UFSC, 1994.LAJOLO, M.; ZILBERMAN, R. Literatura infantil brasileira: história & histórias.6. ed. São Paulo: Ática, 1990.LAJOLO, M. Do mundo <strong>da</strong> leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática,1994.MEIRELES, C.. Probl<strong>em</strong>as <strong>da</strong> Literatura Infantil. 4. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: NovaFr<strong>on</strong>teira, 1984.PERROTTI, E. O texto sedutor na literatura infantil. São Paulo: Íc<strong>on</strong>e, 1986.SHAVIT, Z. Poética <strong>da</strong> literatura para crianças. Lisboa: Caminho, 2003.SOARES, M. A escolarização <strong>da</strong> literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA,A. A. M.; BRANDÃO, H. M. B. (org.). A escolarização <strong>da</strong> leitura literária: Ojogo do livro infantil e juvenil. Belo Horiz<strong>on</strong>te: Autêntica, 1999. p.17 a 48.ZILBERMAN, R. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003._____. A Literatura Infantil e o leitor. In:_____; MAGALHÃES, L. C. Literaturainfantil: autoritarismo e <strong>em</strong>ancipação. 3. ed. São Paulo: Ática, 1987.211


ENTRE O FICTO E O FACTO:O GOZO ESTÉTICO DO CRIMEFábio MessaQuando lancei O Gozo Estético do Crime – Dicção Homici<strong>da</strong> naFicção C<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea, <strong>em</strong> março <strong>de</strong> 2008, já vinha esten<strong>de</strong>ndo adiscussão <strong>em</strong> sala <strong>de</strong> aula para o estudo <strong>da</strong>s narrativas factuais jornalísticas,também procurando evi<strong>de</strong>nciar: o crime – enquanto objeto do discurso, ouseja, quando se fala <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado criminoso e traça-se o seu perfil;relevando seus atos; e o crime – enquanto discurso próprio ou a intitula<strong>da</strong>Dicção Homici<strong>da</strong>, ou seja, o discurso do assassino, disposto <strong>em</strong> entrevistasou matérias que traçam o seu perfil.No livro, eu estudo pers<strong>on</strong>agens e narradores ficci<strong>on</strong>ais. Subdividoas <strong>de</strong>scrições analíticas: para as questões t<strong>em</strong>áticas, quando se fala e<strong>de</strong>screve o crime, disp<strong>on</strong>do <strong>de</strong> sua mise-en-scène, mostrando os seusaspectos estéticos; e para as questões <strong>da</strong> dicção propriamente: algumaspeculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> c<strong>on</strong>strução do discurso-arma, palavra-projétil, próprio doassassino, a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> seu ódio, as intenções <strong>de</strong> matar e, especialmente,os seus argumentos pós-execução, seu sentimento <strong>de</strong> culpa ou suaindiferença. Voltando o olhar para os atos criminosos e/ou para os perfiscriminológicos apresentados nas narrativas midiáticas, posso seguir amesma linha <strong>de</strong> raciocínio.Se a idéia s<strong>em</strong>pre foi a <strong>de</strong> se especular sobre a c<strong>on</strong>strução do crimee dos criminosos na ficção, só troco o dispositivo, já que tanto textoliterário quanto texto jornalístico dispõe-se <strong>em</strong> estruturas narrativas. Estareflexão, portanto, po<strong>de</strong> ser feita a partir <strong>da</strong> c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>plação <strong>de</strong> algunsel<strong>em</strong>entos fun<strong>da</strong>mentais para explorar e interpretar o crime na narrativajornalística, levando <strong>em</strong> c<strong>on</strong>ta os mesmos comp<strong>on</strong>entes <strong>da</strong> narrativaficci<strong>on</strong>al: a t<strong>em</strong>ática, o foco narrativo, o espaço, o t<strong>em</strong>po, a atitu<strong>de</strong>narrativa, formas <strong>de</strong> intertextuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e alguns aspectos psicológicos <strong>de</strong>pers<strong>on</strong>agens e/ou narradores. Abro espaço, então, para discutir a produção<strong>de</strong> sentido <strong>em</strong> torno do fenômeno crime (o homicídio, <strong>em</strong> particular) notexto jornalístico, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua primeira versão narrativa (primeira notícia, asprimeiras abor<strong>da</strong>gens) até os posteriores <strong>de</strong>sdobramentos <strong>em</strong> forma <strong>de</strong>suítes ou séries seqüenciais <strong>de</strong> reportagens, que vão incorporandogra<strong>da</strong>tivamente uma diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos próprios do universoficci<strong>on</strong>al. Isso c<strong>on</strong>stitui o que se po<strong>de</strong>ria também <strong>de</strong>nominar <strong>de</strong>sensaci<strong>on</strong>alismo.


Entre o ficto e o facto: o gozo estético do crimeO Projeto Mitos e Mídia, c<strong>on</strong>cebido por mim, no <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pósgraduação<strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, já t<strong>em</strong> agregado dissertações <strong>de</strong>orientandos e produzido artigos científicos, cujos objetos <strong>de</strong> pesquisa sãoprodutos culturais literários e/ou midiáticos. É mais do que c<strong>on</strong>venient<strong>em</strong>anter um olhar crítico sobre os rumos <strong>da</strong>s narrativas jornalísticas,impressas e televisivas, que t<strong>em</strong>atizam e investigam crimes. Percebe-se,nestes casos, uma forte influência persuasiva sobre a audiência, que t<strong>em</strong>não só tomado partido dos casos, mas mimetizado e sofrido efeitoscatárticos surpreen<strong>de</strong>ntes.C<strong>on</strong>vém vislumbrarmos alguns casos <strong>de</strong> abusos <strong>da</strong> imprensa,fazendo um recorte do caso Escola Base (1994) ao caso Isabella (2008), ou,qu<strong>em</strong> sabe, agora o caso Eloá. Há uma série <strong>de</strong> narrativas jornalísticas que,<strong>em</strong> vez <strong>de</strong> apurar e transmitir informação, produzir c<strong>on</strong>hecimento, aguçarc<strong>on</strong>sciências, têm se apresentado como níti<strong>da</strong>s campanhas i<strong>de</strong>ológicas,dota<strong>da</strong>s <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos ficci<strong>on</strong>ais, numa lógica <strong>de</strong> mercado e propagan<strong>da</strong>. Ot<strong>em</strong>a do projeto é pertinente para o esclarecimento na formação <strong>de</strong>sta novageração <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> línguas, comunicadores e cientistas <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong>, que preten<strong>de</strong>m atuar como agentes <strong>de</strong> transformação social epo<strong>de</strong> propiciar uma visão severamente crítica aos acadêmicos sobre osc<strong>on</strong>glomerados midiáticos – produção e recepção <strong>de</strong> mensagens, relações<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e política dos meios.Preten<strong>de</strong>-se, com isso, gerar discussões acerca <strong>da</strong> produção <strong>de</strong>mitos do crime pela mídia, a partir <strong>da</strong>s manifestações no discursojornalístico, impresso e/ou eletrônico, chamando a atenção para os futurosprofissi<strong>on</strong>ais <strong>da</strong>s ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> sobre as tendências mercadológicase persuasivas. Assim, posso i<strong>de</strong>ntificar os el<strong>em</strong>entos ficci<strong>on</strong>ais e dramáticosque compõ<strong>em</strong> as narrativas jornalísticas e que as tornam sensaci<strong>on</strong>alistas.Analisa-se o c<strong>on</strong>teúdo <strong>da</strong>s matérias, impressas e televisivas, à luz <strong>de</strong>algumas teorias narrativas e <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>. Destacam-se <strong>de</strong>sse processoaspectos estruturais, como a m<strong>on</strong>tag<strong>em</strong> narrativa e i<strong>de</strong>ológica, para aju<strong>da</strong>r asustentar o argumento <strong>de</strong> que a cobertura jornalística sobre crime soa,muitas vezes, como campanha propagandística para outros fins, que nãosomente os <strong>de</strong> veicular informação e esclarecer a população.É preciso, portanto, revisar fortuna crítica sobre jornalismo,sensaci<strong>on</strong>alismo, propagan<strong>da</strong> i<strong>de</strong>ológica e teorias <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> que possamsubsidiar esse viés analítico. C<strong>on</strong>vém seleci<strong>on</strong>ar alguns casos jornalísticospassíveis <strong>de</strong> análise, agrupando-os e categorizando-os. Po<strong>de</strong>m-se <strong>de</strong>screveras narrativas, <strong>de</strong>comp<strong>on</strong>do-as <strong>em</strong> seus aspectos t<strong>em</strong>áticos e estruturais,organizá-las cr<strong>on</strong>ologicamente, evi<strong>de</strong>nciando suas relações intertextuais e214


Fábio Messadiscursivas. Tais t<strong>em</strong>as e tópicos <strong>de</strong> pesquisa costumam ser socializadoscom os cursos <strong>de</strong> graduação <strong>da</strong> instituição, apresentando painéis ilustrativos– <strong>em</strong> pôsteres e edição <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os, para comunicações orais, c<strong>on</strong>ferências ouworkshops – que eluci<strong>de</strong>m os pressupostos <strong>de</strong>ste projeto, a fim <strong>de</strong> expô-los<strong>em</strong> c<strong>on</strong>gressos, simpósios e eventos <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as afins, <strong>de</strong>ntro e fora <strong>da</strong>universi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Tenta-se chegar a algumas c<strong>on</strong>clusões provisórias sobre asnovas tendências do discurso jornalístico, ca<strong>da</strong> vez mais atrelado às lógicas<strong>da</strong> propagan<strong>da</strong> e do entretenimento, que gera efeitos perturbadores eseqüelas traumáticas na audiência.Para enten<strong>de</strong>r melhor o sensaci<strong>on</strong>alismo, precisamos ressaltar que otermo <strong>de</strong>riva do adjetivo sensaci<strong>on</strong>al, oriundo do substantivo sensação, osensaci<strong>on</strong>al seria a sensação intensa. O sensaci<strong>on</strong>alismo seria, então, otermo <strong>de</strong>stinado a caracterizar um <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> divulgação ouexploração <strong>de</strong> uma matéria, que seja capaz <strong>de</strong> <strong>em</strong>oci<strong>on</strong>ar ou escan<strong>da</strong>lizar aaudiência. Assim, o sensaci<strong>on</strong>alismo ocorre no jornalismo quando a notíciatransmiti<strong>da</strong> gera forte impacto sobre o público (ANGRIMANI, 1995).Mott (apud ANGRIMANI, 1995, p. 14) afirma que osensaci<strong>on</strong>alismo é utilizado para matérias que buscam respostas <strong>em</strong>oci<strong>on</strong>ais<strong>da</strong> audiência, geralmente enfatizando t<strong>em</strong>as relaci<strong>on</strong>ados ao sexo, àviolência, a <strong>de</strong>sastres e a escân<strong>da</strong>los. A partir do momento <strong>em</strong> que ainformação é capta<strong>da</strong> e codifica<strong>da</strong> até o momento <strong>em</strong> que é transmiti<strong>da</strong>, anotícia sofre transformações, para ficar com a forma que a produção <strong>de</strong>sejae assim permanecer mais t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> veiculação, o que nos faz pensar atéque p<strong>on</strong>to é efetiva ou se é apenas ocorrência sensaci<strong>on</strong>alista para pren<strong>de</strong>r aatenção <strong>da</strong>s pessoas (KARAM, 2004).Um pers<strong>on</strong>ag<strong>em</strong> ou narrador <strong>de</strong> história po<strong>de</strong> não falar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>,mas sua encenação nos soa tão real, que as pessoas passam a acreditar noque estão escutando, já que pensam que o relato é feito por uma pessoamais experiente e vivi<strong>da</strong> do que elas, o mesmo ac<strong>on</strong>tece quando ojornalismo transmite a informação <strong>de</strong> maneira manipuladora.O público já está numa relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência com os meios <strong>de</strong>comunicação, que passa a não criar para si representações do real, passandoa acreditar na reali<strong>da</strong><strong>de</strong> transmiti<strong>da</strong> pelos meios. A violência é t<strong>em</strong>acorriqueiro no jornalismo, um signo estimulante que dá priori<strong>da</strong><strong>de</strong> aoscasos mais impressi<strong>on</strong>antes, para que o impacto e absorção sejameficientes. Assim o jornalismo c<strong>on</strong>segue atingir as pessoas no que mais lhesimpressi<strong>on</strong>am.215


Entre o ficto e o facto: o gozo estético do crimeOs jornais populares recorr<strong>em</strong> para a linguag<strong>em</strong> coloquial, já que“a linguag<strong>em</strong> sensaci<strong>on</strong>alista não po<strong>de</strong> ser sofistica<strong>da</strong>, n<strong>em</strong> o estilo elegante[...], mas a coloquial exagera<strong>da</strong>, com <strong>em</strong>prego excessivo <strong>de</strong> gíria epalavrões”, linguag<strong>em</strong> essa que “obriga o leitor a se envolver<strong>em</strong>oci<strong>on</strong>almente” (ANGRIMANI, 1995, p. 16).Para Dias (1996), o estudo <strong>de</strong>ssa variante jornalística serviutambém para colocar <strong>em</strong> evidência a violência urbana e o seu apareciment<strong>on</strong>a imprensa escrita e televisiva popular. O extinto jornal NotíciasPopulares, <strong>de</strong> São Paulo, que se intitulava ‘o jornal do trabalhador’, tratava<strong>de</strong> ec<strong>on</strong>omia, polícia, cultura, esporte, com colunas diversas sobre assuntosreferentes a sexo, saú<strong>de</strong>, horóscopo <strong>de</strong>ntre outros. Amaral (2006) járegistrou que o popular é assim usado, porque o jornal se propõe a mol<strong>da</strong>r omodo comunicativo para se aproximar ca<strong>da</strong> vez mais eficient<strong>em</strong>ente dopúblico-alvo. Esta mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> discursiva jornalística acaba obe<strong>de</strong>cendo a<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s regras para <strong>de</strong>finir sua prática. C<strong>on</strong>vém listá-las:Intensificação, exagero e heterogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> gráfica;ambivalência lingüístico-s<strong>em</strong>ântica, que produz o efeito <strong>de</strong>informar através <strong>da</strong> não i<strong>de</strong>ntificação imediata <strong>da</strong>mensag<strong>em</strong>; valorização <strong>da</strong> <strong>em</strong>oção <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong>informação; exploração do extraordinário e do vulgar, <strong>de</strong>forma espetacular e <strong>de</strong>sproporci<strong>on</strong>al; a<strong>de</strong>quação discursivaao status s<strong>em</strong>iótico <strong>da</strong>s classes subalternas; <strong>de</strong>staque <strong>de</strong>el<strong>em</strong>entos insignificantes, ambíguos, supérfluos ousugestivos: subtração <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos importantes e acréscimoou invenção <strong>de</strong> palavras ou fatos; valorização <strong>de</strong> c<strong>on</strong>teúdosou t<strong>em</strong>áticas isola<strong>da</strong>s, com pouca possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>sdobramento nas edições subseqüentes e s<strong>em</strong>c<strong>on</strong>textualização político-ec<strong>on</strong>ômico-social-cultural;discursivi<strong>da</strong><strong>de</strong> repetitiva, fecha<strong>da</strong> ou centra<strong>da</strong> <strong>em</strong> si mesma,ambígua, motiva<strong>da</strong>, autoritária, <strong>de</strong>spolitizadora,fragmentária, unidireci<strong>on</strong>al, vertical, ambivalente,dissimula<strong>da</strong>, in<strong>de</strong>fini<strong>da</strong>, substitutiva, <strong>de</strong>slizante, avaliativa;exposição do oculto, mas próximo; produção discursivas<strong>em</strong>pre trágica, erótica, violenta, ridícula, insóli<strong>da</strong>, grotescaou fantástica; especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> discursiva <strong>de</strong> jornal<strong>em</strong>presarial-capitalista, pertencente ao segmento popular <strong>da</strong>gran<strong>de</strong> <strong>em</strong>presa industrial-urbana, <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> c<strong>on</strong>soli<strong>da</strong>çãoec<strong>on</strong>ômica ao mercado jornalístico; escamoteamento <strong>da</strong>questão do popular, apesar do pretenso engajamento com ouniverso social marginal; gramática discursiva fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>no <strong>de</strong>snivelamento sócio-ec<strong>on</strong>ômico e sociocultural entre asclasses heg<strong>em</strong>ônicas e subalternas. (PEDROSO, 1994 apudANGRIMANI, 1995, p. 15).216


Fábio MessaTo<strong>da</strong> essa enumeração só c<strong>on</strong>firma a caracterização que Marc<strong>on</strong><strong>de</strong>sFilho (1986) dá ao sensaci<strong>on</strong>alismo, quando o <strong>de</strong>fine como o estágio maisradical <strong>da</strong> comercialização <strong>da</strong> informação, que ain<strong>da</strong> <strong>de</strong>ve ser maisimpactante na chama<strong>da</strong>. O sensaci<strong>on</strong>alismo é a produção <strong>de</strong> um noticiárioficci<strong>on</strong>al que vai além do real e superestima o fato.Angrimani (1995) compara o meio <strong>de</strong> comunicação sensaci<strong>on</strong>alistacom uma pessoa neurótica que <strong>de</strong>seja externar seus <strong>de</strong>sejos mais insanos,<strong>em</strong> que o primeiro é a forma camufla<strong>da</strong> para a realização inc<strong>on</strong>sciente doúltimo, já que a narrativa sensaci<strong>on</strong>alista[...] transporta o leitor; é como se ele estivesse lá, junto aoestuprador, ao assassino, ao macumbeiro, ao seqüestrador,sentindo as mesmas <strong>em</strong>oções. Essa narrativa <strong>de</strong>legasensações por procuração, porque a interiorização, aparticipação e o rec<strong>on</strong>hecimento <strong>de</strong>sses papeis, tornam omundo <strong>da</strong> c<strong>on</strong>travenção subjetivamente real para o leitor. Ahumanização do relato faz com que o leitor reviva oac<strong>on</strong>tecimento, como se fosse ele o próprio autor do que estásendo narrado. (PEDROSO, 1994 apud ANGRIMANI,1995. p. 17).Sabe-se que essa narrativa sensaci<strong>on</strong>alista <strong>em</strong> jornais populares nãoé recente, v<strong>em</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios. Já no século XIX, existiam os jornaispopulares <strong>de</strong> uma só página que traziam apenas notícia <strong>em</strong> chama<strong>da</strong>s como:‘Um crime abominável!!! Um hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> 60 anos cortado <strong>em</strong> pe<strong>da</strong>ços’ esubtítulo ‘Enfiado <strong>em</strong> uma lata e jogado como ração aos porcos’. Alémdisso, existiam também os chamados fait divers, publicações <strong>de</strong> imagenscom notícias do mundo <strong>de</strong> gêneros diversos. Estes, relatados anteriormentena i<strong>da</strong><strong>de</strong> média, por meio <strong>de</strong> canções (ANGRIMANI, 1995).Edgar Morin (apud ANGRIMANI, 1995) já disse que os fait diverseram resp<strong>on</strong>sáveis pelo aumento dos rendimentos dos editores e mascates,que passaram a negociar com artistas que registravam as práticas dosbandidos famosos <strong>da</strong> França.Assim como nos dias <strong>de</strong> hoje, na antigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> já se produzianotícias para levar o receptor ao c<strong>on</strong>sumo com notícias sensaci<strong>on</strong>alistas quenão permitiss<strong>em</strong> o raciocínio lógico <strong>da</strong> proposta <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado assunto,mas comunicavam apenas informações com c<strong>on</strong>clusões já fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s, s<strong>em</strong>direitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa (MARQUES, 2006).A linguag<strong>em</strong> mol<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>de</strong> forma <strong>line</strong>ar pelos agentes <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>pô<strong>de</strong> fazer com que a articulação “entre aparência e reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, fato e fator,217


Entre o ficto e o facto: o gozo estético do crimesubstância e atributo, <strong>de</strong>saparecesse. Os el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> aut<strong>on</strong>omia,<strong>de</strong>scoberta, <strong>de</strong>m<strong>on</strong>stração e crítica recuam diante <strong>da</strong> <strong>de</strong>signação, asserção eimitação” (MARCUSE, 1983 apud MARQUES, 2006, p. 45).Para Marques (2006), o discurso jornalístico está mais distante <strong>da</strong>reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e mais próximo do aspecto i<strong>de</strong>ológico, quando passa a abor<strong>da</strong>r asquestões sociais, buscando novas organizações, como a sensaci<strong>on</strong>alista, quecorresp<strong>on</strong><strong>de</strong> à maneira do espetáculo <strong>da</strong> produção <strong>da</strong> notícia. E isso se dápor meio <strong>da</strong> comercialização dos fatos.O espetáculo não é um c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> imagens, mas umarelação social entre pessoas, medi<strong>da</strong> por imagens. [...]C<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rado <strong>em</strong> sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o espetáculo é ao mesmot<strong>em</strong>po o resultado e o projeto do modo <strong>de</strong> produçãoexistente. Não é um supl<strong>em</strong>ento do mundo real. Sob to<strong>da</strong>s assuas formas particulares – informação ou propagan<strong>da</strong>,publici<strong>da</strong><strong>de</strong> ou c<strong>on</strong>sumo direto <strong>de</strong> divertimentos -, oespetáculo c<strong>on</strong>stitui o mo<strong>de</strong>lo atual <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dominante nasocie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ele é a c<strong>on</strong>firmação <strong>on</strong>ipresente <strong>da</strong> escolha jáfeita na produção, e o c<strong>on</strong>sumo que <strong>de</strong>corre <strong>de</strong>sta escolha.Forma e c<strong>on</strong>teúdo do espetáculo são, <strong>de</strong> modo idêntico, ajustificativa total <strong>da</strong>s c<strong>on</strong>dições e dos fins do sist<strong>em</strong>aexistente. O espetáculo também é a presença permanente<strong>de</strong>ssa justificativa, como ocupação <strong>da</strong> maior parte do t<strong>em</strong>povivido fora <strong>da</strong> produção mo<strong>de</strong>rna. (DEBORD, 1997 apudMARQUES, 2006, p. 55).A imprensa, como parte <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> do espetáculo, transformou anotícia e a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> jornalística <strong>em</strong> produto mercadológico, <strong>em</strong> que o fatojá <strong>de</strong>ve ser transmitido com um aspecto já <strong>de</strong>terminado, b<strong>em</strong> como afantasia <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa, quando <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong>mocráticosque transmit<strong>em</strong> a falsa sensação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r crítico à socie<strong>da</strong><strong>de</strong> (MARQUES,2006).É c<strong>on</strong>veniente acrescentar o que disse Bucci (2003, p. 09) sobre[...] a idéia <strong>de</strong> que as notícias <strong>de</strong> jornal ‘retratam a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>’não faz sentido. Não que os jornais mintam, distorçam,manipul<strong>em</strong>. Não é isso. Admitamos que os veículos <strong>da</strong>imprensa se esforce na direção <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>factual. Admitamos, mais ain<strong>da</strong>, que eles sejam b<strong>em</strong>sucedidos nesse esforço. Mesmo assim, a idéia <strong>de</strong> que eles‘retratam a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>’ não faz sentido. Faria mais sentidodizer que eles c<strong>on</strong>soli<strong>da</strong>m a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ou aquilo que218


Fábio Messachamamos, muito precariamente, <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. [...] Os fatosac<strong>on</strong>tec<strong>em</strong>, no instante <strong>em</strong> que ac<strong>on</strong>tece, já como relatos.Ou, se quisermos, como el<strong>em</strong>entos discursivos. Um fatoambici<strong>on</strong>a a c<strong>on</strong>dição <strong>de</strong> relato – pois só o relato <strong>da</strong>rá a ele,mero fato, um sentido narrativo. Não há, portanto, fatojornalístico s<strong>em</strong> o relato jornalístico. O que pretendo dizer,enfim, é que o relato jornalístico or<strong>de</strong>na e por <strong>de</strong>finição,c<strong>on</strong>stitui a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que ele mesmo representa como sendo areali<strong>da</strong><strong>de</strong> feita <strong>de</strong> fatos.A citação acima reforça a idéia <strong>de</strong> que há manipulação nainformação passa<strong>da</strong>, mesmo que s<strong>em</strong> intenção, ao receptor, que passa aacreditar piamente no relato recebido <strong>de</strong> forma tão impactante. Assim, areali<strong>da</strong><strong>de</strong> passa a ser reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois foi transmiti<strong>da</strong> pela mídia no geral(discurso publicitário e jornalístico) (BUCCI, 2003).O objetivo dos telejornais não é o <strong>de</strong> apenas transmitir, mas tornara informação uma espécie <strong>de</strong> telenovela, <strong>em</strong> que ca<strong>da</strong> capítulo é importantepara enten<strong>de</strong>r o próximo. Isso ocorre <strong>de</strong>vido à necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> audiência,mesmo que a notícia se torne excessiva, isso irá pren<strong>de</strong>r a atenção doespectador que <strong>de</strong>seja saber o <strong>de</strong>sfecho. Dessa forma, percebe-se que aestratégia usa<strong>da</strong> pelos jornais é somente para o c<strong>on</strong>sumo e não paraesclarecer e ser instrumento <strong>de</strong> reflexão do c<strong>on</strong>teúdo. Isso o torna um meio<strong>de</strong> alienação que t<strong>em</strong> pouco t<strong>em</strong>po para transmitir a informação e éc<strong>on</strong>duzi<strong>da</strong> s<strong>em</strong> oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> argumentação, há apenas uma aceitação<strong>de</strong>la (PENA, 2002).Outra questão relevante diz respeito à edição <strong>de</strong> imagens, que <strong>de</strong>vecausar sensações, porém não <strong>de</strong>ve ser totalmente revela<strong>da</strong>, para que apessoa se aproxime o máximo possível do fato, e o mesmo possa apresentarum referencial melhor <strong>da</strong> situação (PENA, 2002).O jornalismo não pára por aí, pois com tantos meios evoluídos,nessa ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira refinaria midiática, há uma gran<strong>de</strong> disputa para suaescolha. Trivinho (2000) é mo<strong>de</strong>sto quando informa que a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> viveno caos, na poluição, na marginali<strong>da</strong><strong>de</strong>, c<strong>on</strong>vivendo com <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego,doenças e dramas sociais. Isso faz com que as pessoas pass<strong>em</strong> porprocessos psíquicos, envolvendo-se mais <strong>em</strong>oci<strong>on</strong>almente com osfactói<strong>de</strong>s.To<strong>da</strong>s as “tragédias” só se assum<strong>em</strong> enquanto tais, <strong>de</strong>pois <strong>da</strong>nomeação que os próprios meios o faz<strong>em</strong>, transformando-as <strong>em</strong> espetáculopelos jornais sensaci<strong>on</strong>alistas, o que faz o fato migrar <strong>de</strong> eventual, parac<strong>on</strong>stante, tornando-o objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> milhões <strong>de</strong> pessoas que, mesmo219


Entre o ficto e o facto: o gozo estético do crimese mostrando horroriza<strong>da</strong>s com o fato, precisam ver e saber <strong>de</strong> tudominuciosamente, ou seja, não bastará saber que ocorreu uma explosão,precisa-se saber <strong>on</strong><strong>de</strong>, como, quando, se houve mortos e feridos, quantos, ai<strong>da</strong><strong>de</strong> dos mesmos e, se for possível, que tenha foto ou imagens ao vivo doocorrido (TRIVINHO, 2000).Trivinho (2000) afirma que os resp<strong>on</strong>sáveis pela comunicação nãocriam o medo, eles apenas estruturam algo já existente que se interioriza <strong>em</strong>ca<strong>da</strong> indivíduo <strong>de</strong> forma diferente, o que po<strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar o medo <strong>de</strong> algo jávivido pela pessoa, ou medo <strong>de</strong> que ac<strong>on</strong>teça c<strong>on</strong>sigo mesma. Essa é umaforma <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> violência física que nunca se sofreu, porém s<strong>em</strong> se<strong>da</strong>r c<strong>on</strong>ta <strong>de</strong> que é gera<strong>da</strong>, o que assegura que as c<strong>on</strong>dutas <strong>de</strong><strong>line</strong>a<strong>da</strong>s pelomedo são c<strong>on</strong>dutas patológicas, com várias significações. O medo geradopela violência transmiti<strong>da</strong> pelos meios <strong>de</strong> comunicação é o medo do mal,que também po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>sejado, inc<strong>on</strong>scient<strong>em</strong>ente, pelo espectador <strong>da</strong>notícia (KEHL, 2004).Uma questão importante que Kehl (2004) levanta é sobre ocomportamento dos indivíduos quando estão sobre a mira <strong>da</strong> mídia. Seráque os <strong>de</strong>sfechos <strong>da</strong>s histórias seriam aqueles que tiveram se a mídia nãoestivesse presente? Ou será que a negociação seria melhor com suaausência? Talvez sim, afinal: “a publici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma fantasia equivale a umincentivo para a sua realização: vá lá e faça, é a sua obrigação, é o mínimoque você po<strong>de</strong> fazer”. (KEHL, 2004, p. 94). Provoco um ex<strong>em</strong>plo que t<strong>em</strong>recheado as coberturas jornalísticas neste ínterim: o Caso Eloá, <strong>em</strong> SantoAndré-SP. Será que haveria vítimas, caso não houvesse tanta pressão <strong>da</strong>refinaria midiática circunscrita à tocaia policial? Seria preciso to<strong>da</strong> aquelaparafernália que c<strong>on</strong>struiu um plantão forçado aos nossos olhos, <strong>de</strong> mais <strong>de</strong>100 horas. Esta <strong>de</strong>signação 100 horas só teve seu estatuto <strong>de</strong> existência apartir <strong>de</strong> sua enunciação.O jornal sensaci<strong>on</strong>alista abor<strong>da</strong> a morte como espetáculo, um dosmelhores produtos <strong>de</strong> ven<strong>da</strong>, como se fosse um culto ou até mesmo umafantasia. Este espetáculo é atraente a to<strong>da</strong>s as classes, porém comlinguag<strong>em</strong> diferente, por este motivo é que exist<strong>em</strong> os jornaissensaci<strong>on</strong>alistas que têm um público <strong>de</strong> formação cultural precária, o queos <strong>de</strong>ixa mais próximos <strong>da</strong>s manifestações dos instintos, do que nas pessoasmais cultas, que normalmente estão mais sob c<strong>on</strong>trole (ANGRIMANI,1995).A morte proporci<strong>on</strong>a sensações diferentes <strong>em</strong> qu<strong>em</strong> a estápresenciando. A primeira é o choque, no qual me leva a pensar que opróximo será eu mesmo. A segun<strong>da</strong> é a sensação <strong>de</strong> alívio por não ter sido220


221Fábio Messaeu essa vítima. Estas sensações po<strong>de</strong>m acor<strong>da</strong>r as projeções sádicas,punitivas, vingativas, recalca<strong>da</strong>s e até mesmo propiciar a criação <strong>de</strong>histórias s<strong>em</strong>elhantes por meio <strong>de</strong> fantasias. O meio <strong>de</strong> comunicação mataalguém que eu <strong>de</strong>sejaria ter matado; porém, como há o respeito às regras <strong>de</strong>comportamento social, não posso realizar esse <strong>de</strong>sejo.Assim como a morte, todo o tipo <strong>de</strong> violência que é abor<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>em</strong>um jornal sensaci<strong>on</strong>alista, como estupro, assassinato, suicídio, brigas,agressões, po<strong>de</strong> ser entendido como o melhor meio para a <strong>de</strong>scarga <strong>de</strong> to<strong>da</strong>sessas tensões e o alívio <strong>da</strong>s pulsões do indivíduo que as c<strong>on</strong>some, mesmoque no seu mais profundo inc<strong>on</strong>sciente (ANGRIMANI, 1995).To<strong>da</strong> essa violência t<strong>em</strong> sido estu<strong>da</strong><strong>da</strong> e questi<strong>on</strong>a<strong>da</strong> através <strong>da</strong>sculturas vigentes nos povos, já que é <strong>de</strong> acordo com a cultura que se <strong>de</strong>fineo que é violento ou não, porém, para Michaud (1986 apud ANGRIMANI,1995), exist<strong>em</strong> dois tipos <strong>de</strong> violência – a humana (cultural) e a animal(natural), esta última não provedora <strong>de</strong> excessos, apenas necessária àsobrevivência.Outros t<strong>em</strong>as abor<strong>da</strong>dos por jornais sensaci<strong>on</strong>alistas são osassuntos c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rados tabus, como, por ex<strong>em</strong>plo, a c<strong>on</strong>fissão <strong>de</strong> prazer nosexo: por mais comum que esse t<strong>em</strong>a possa parecer, ain<strong>da</strong> há qu<strong>em</strong> orecrimine, ou tenha verg<strong>on</strong>ha <strong>em</strong> enunciar, pois qu<strong>em</strong> quebra um tabu éc<strong>on</strong><strong>de</strong>nado moralmente, uma vez que foi quebra<strong>da</strong> uma regra que po<strong>de</strong>ameaçar to<strong>da</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. No fundo, o tabu é algo que todos <strong>de</strong>sejamquebrar, mesmo que no mais profundo inc<strong>on</strong>sciente, no entanto, t<strong>em</strong><strong>em</strong>fazê-lo (ANGRIMANI, 1995).O tabu po<strong>de</strong> explicar melhor o porquê que se t<strong>em</strong> <strong>de</strong> proibir<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s atitu<strong>de</strong>s, como o homicídio, pois:[...] s<strong>em</strong>pre que exista uma proibição, ela <strong>de</strong>ve ter sidomovi<strong>da</strong> por um <strong>de</strong>sejo [...] A tendência criminosa existerealmente no inc<strong>on</strong>sciente e este tabu, como man<strong>da</strong>mentomoral, l<strong>on</strong>ge <strong>de</strong> ser supérfluo, se explica e se justifica poruma atitu<strong>de</strong> ambivalente com respeito ao impulso aohomicídio. (ANGRIMANI, 1995, p. 95).A perversão t<strong>em</strong> como objeto o prazer sexual, e a mesma liga<strong>da</strong> aoato sexual dito como normal (pessoas <strong>de</strong> sexo oposto) não t<strong>em</strong> <strong>de</strong>staque naimprensa sensaci<strong>on</strong>alista, já as classifica<strong>da</strong>s como fetichismo, voyeurismo,sadomasoquismo, homossexualismo, pedofilia são extr<strong>em</strong>amenteabor<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos jornais sensaci<strong>on</strong>alistas, pois são notícias que quebram ostabus <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> e criam revolta na população que <strong>de</strong>seja punição. Destaforma, ao abor<strong>da</strong>r estes assuntos, a imprensa se torna radical, usa


Entre o ficto e o facto: o gozo estético do crimeferramentas, como imagens para impressi<strong>on</strong>ar ain<strong>da</strong> mais qu<strong>em</strong> as vê(ANGRIMANI, 1995).Estes po<strong>de</strong>m ser mitos, ou seja, um signo que agrega e setransforma <strong>em</strong> mera forma ou significado <strong>de</strong> outro signo, já que a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>capitalista é a que mais produz mitos que passam a ser algo natural etambém um facilitador do entendimento do assunto (SAISI, 2006).Enten<strong>de</strong>-se por criminali<strong>da</strong><strong>de</strong> o c<strong>on</strong>junto dos crimes socialmenterelevantes e <strong>da</strong>s ações e omissões que, <strong>em</strong>bora não previstas como crimes,merec<strong>em</strong> a reprovação máxima. A criminali<strong>da</strong><strong>de</strong> é c<strong>on</strong>stante tanto no plano<strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> quanto no universo ficci<strong>on</strong>al, reveste-se <strong>de</strong> uma complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>bastante subjetiva. O homicídio é uma forma freqüente <strong>de</strong> criminali<strong>da</strong><strong>de</strong>c<strong>on</strong>venci<strong>on</strong>al que também se instaura no cosmos <strong>da</strong> ficção c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea.É para o homicídio que direci<strong>on</strong>o as análises. A morte dos homenspratica<strong>da</strong>s por eles mesmos traz <strong>em</strong> si um caráter <strong>de</strong> antinaturali<strong>da</strong><strong>de</strong>, quec<strong>on</strong>siste no fato <strong>de</strong> tanto vítima quanto agente pertencer<strong>em</strong> à mesmaespécie animal.A partir <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>signação cria<strong>da</strong> por Michel Petersen,<strong>de</strong>nominarei <strong>de</strong> Atitu<strong>de</strong> Narrativa o “c<strong>on</strong>junto dos julgamentos e tendênciasque levam o narrador a tomar, tanto no nível <strong>da</strong> narração que o narra,quanto <strong>em</strong> relação ao discurso que ele propõe, posici<strong>on</strong>amentos narrativos”(PETERSEN, 1995, p. 116). Isto quer dizer que, feito um locutor/falante, <strong>on</strong>arrador seleci<strong>on</strong>a certa uni<strong>da</strong><strong>de</strong> discreta <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong>/ oupreferencialmente a uma outra, operando, assim, discriminações <strong>de</strong>ntre osfatos <strong>em</strong>píricos e textuais que lhe são apresentados. O que não pretendoaqui efetivamente é divagar sobre as ambigüi<strong>da</strong><strong>de</strong>s teóricas que comportama c<strong>on</strong>cepção <strong>de</strong> narrador (ver BENJAMIN (1975, p. 63-81)). O que queromesmo é reforçar a afirmação <strong>de</strong> que “esta atitu<strong>de</strong> narrativa é dirigi<strong>da</strong>através do c<strong>on</strong>texto s<strong>em</strong>iótico, ou seja, as motivações <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong>narrativa não se compreen<strong>de</strong>m senão <strong>em</strong> função <strong>da</strong>s estratégias gerais <strong>da</strong>produção <strong>de</strong> sentido <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminado autor” (PETERSEN, 1995, p. 116).Isso equivale a dizer que to<strong>da</strong> atitu<strong>de</strong> narrativa resp<strong>on</strong><strong>de</strong> a umaatitu<strong>de</strong> interpretativa ou a uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> leitura. Nós, leitores/intérpretes,s<strong>em</strong>pre escolh<strong>em</strong>os, <strong>de</strong>ntre as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s ofereci<strong>da</strong>s pelo texto, maisuma leitura do que outra, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do nosso repertório intelectual e <strong>de</strong>nossa predisposição <strong>em</strong>oci<strong>on</strong>al, já que faz<strong>em</strong>os leitura raci<strong>on</strong>al e tambémpassi<strong>on</strong>al do texto literário. Assim, a atitu<strong>de</strong> interpretativa c<strong>on</strong>siste numasoma <strong>de</strong> julgamentos <strong>de</strong> valores <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>terminado leitor acerca <strong>de</strong> uma<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> obra, e nunca será uma <strong>de</strong>scrição neutra dos fatos textuais.222


Fábio MessaDe início, qualquer <strong>de</strong>scrição é uma soma <strong>de</strong> enunciadosavaliativos. Estes apenas adquir<strong>em</strong> sua objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> se a<strong>de</strong>scrição, ao se integrar <strong>em</strong> uma ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> valores quepertence a um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> valores, se modular <strong>em</strong> função doc<strong>on</strong>texto histórico e <strong>da</strong> cultura <strong>em</strong> que é executa<strong>da</strong> – vistoesse processo não <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> implicar uma certa dose <strong>de</strong>violência interpretativa.A atitu<strong>de</strong> narrativa, enquanto participa <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> sentido, estáliga<strong>da</strong> ao que Ross Chambers chamou <strong>de</strong> violência narrativa, que acusa ocaráter arbitrário do ato <strong>da</strong> narração porque ela é exerci<strong>da</strong> pelo narrador e,portanto, diz respeito à maneira pela qual se impõe uma narração. Seriapossível distinguir três tipos <strong>de</strong> atos narrativos violentos: a violência <strong>de</strong>substituição, a violência <strong>de</strong> exclusão e a violência <strong>de</strong> focalização. ParaChambers, ca<strong>da</strong> narrador escolheria a forma que melhor resp<strong>on</strong><strong>de</strong>sse assuas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e que, com maior eficácia, aten<strong>de</strong>sse aos seus interessess<strong>em</strong>ióticos (PETERSEN, 1995, p. 120). Por isso, to<strong>da</strong>s as narrativasocultariam ou exporiam to<strong>da</strong>s as formas <strong>de</strong> violência, pois necessitariam,senão <strong>de</strong> um narrador, pelo menos <strong>de</strong> uma instância que regulasse amultiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s vozes e dos discursos.A violência narrativa se distingue <strong>da</strong> atitu<strong>de</strong> narrativa <strong>de</strong>vido aofato <strong>de</strong> a primeira <strong>de</strong>svelar o caráter arbitrário <strong>da</strong> narração, enquanto asegun<strong>da</strong> r<strong>em</strong>ete a um c<strong>on</strong>texto s<strong>em</strong>iótico que impõe limites axiológicos a<strong>on</strong>arrador. A violência narrativa refere-se exclusivamente ao ato narrativo, jáa atitu<strong>de</strong> narrativa causa efeitos no c<strong>on</strong>junto do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> valores docomplexo autor-texto-leitor. Daí a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se reposici<strong>on</strong>ar<strong>em</strong> osc<strong>on</strong>ceitos avaliativos <strong>em</strong> seu respectivo c<strong>on</strong>texto, isto é, c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rá-los comolugar <strong>de</strong> interdiscursivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Desta maneira, o leitor terá c<strong>on</strong>dições <strong>de</strong>interpretar, comparando sua ca<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> valores com as do autor e <strong>da</strong>socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Por fim, resta <strong>de</strong>terminar quais seriam os comp<strong>on</strong>entes ficci<strong>on</strong>aisdo discurso telejornalístico: os flashs, as simulações, as estratégias <strong>de</strong>teledramaturgia, a apresentação <strong>de</strong> cenas dos capítulos anteriores, enredo,pers<strong>on</strong>agens, uma estética <strong>da</strong> redundância importa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s estratégias <strong>de</strong>folhetim, os planos e seqüências assum<strong>em</strong> o papel vital <strong>de</strong> c<strong>on</strong>tar a história,apresentar a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> s<strong>em</strong> mediações, o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> imagens é umcódigo específico <strong>de</strong> c<strong>on</strong>strução <strong>da</strong> mensag<strong>em</strong>. “Embora a c<strong>on</strong>struçãoromanesca seja <strong>de</strong>terminante para o sucesso <strong>da</strong> estratégia narrativa <strong>da</strong>notícia, ela não po<strong>de</strong> ser explicita<strong>da</strong> para o telespectador, pois o único pactoque po<strong>de</strong> ficar visível é o referencial, aquele a que aproxima o c<strong>on</strong>sumidor<strong>de</strong> sua <strong>de</strong>man<strong>da</strong> pelo facto” (PENA, 2002, p. 53).223


Entre o ficto e o facto: o gozo estético do crimeTorno a enfatizar que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005, o Projeto Mitos e Mídia v<strong>em</strong> se<strong>de</strong>senvolvendo, c<strong>on</strong>tribuindo na produção docente e discente e nac<strong>on</strong>fecção <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong> capacitação, oficinas, painéis e <strong>de</strong>bates <strong>em</strong> tornodos t<strong>em</strong>as relaci<strong>on</strong>ados ao discurso jornalístico e ao discurso <strong>da</strong> ficção.Des<strong>de</strong> então, t<strong>em</strong> c<strong>on</strong>sistido <strong>em</strong> agregar trabalhos <strong>de</strong> orientandos <strong>de</strong>mestrado e <strong>de</strong> graduação, cujos objetos <strong>de</strong> pesquisa são produtos culturaismidiatizados – jornalísticos, literários, cin<strong>em</strong>atográficos. Sabe-se qu<strong>em</strong>uitas narrativas, difundi<strong>da</strong>s pelos meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, seencarregam <strong>de</strong> c<strong>on</strong>stituir novos ou <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>struir antigos mitos, os quais sãoc<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rados mecanismos <strong>de</strong> fabricação <strong>de</strong> sentidos. Mantendo opressuposto <strong>de</strong> que o mito po<strong>de</strong> ser encarado como f<strong>on</strong>te básica a partir <strong>da</strong>qual textos/tramas/imagens <strong>da</strong> cultura são tecidos, este projeto costumaabarcar textos provenientes <strong>de</strong> um imaginário cultural, que se apresentamao leitor/espectador/c<strong>on</strong>sumidor como o território <strong>de</strong> enc<strong>on</strong>tro <strong>de</strong> c<strong>on</strong>teúdosuniversais, <strong>de</strong> arquétipos <strong>da</strong> cultura que se reatualizam c<strong>on</strong>stant<strong>em</strong>ente.T<strong>em</strong> sido um dos objetivos do projeto: esten<strong>de</strong>r a discussão acerca<strong>da</strong> produção e/ou <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> mitos <strong>em</strong> produtos culturaismidiatizados, a partir <strong>de</strong> suas manifestações nos discursos literário,cin<strong>em</strong>atográfico e <strong>da</strong>s histórias infantis e <strong>em</strong> quadrinhos. Com base <strong>em</strong>teorias s<strong>em</strong>ânticas e s<strong>em</strong>iológicas, são <strong>de</strong>senvolvidos artigos científicos edissertações <strong>de</strong> mestrado que evi<strong>de</strong>nciam textos culturais vistos comoinstrumentos comunicativos. T<strong>em</strong>os c<strong>on</strong>statado que, <strong>de</strong>ntre eles, o mitopossui um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque pelo seu estatuto <strong>de</strong> permanência. Com isso,t<strong>em</strong>-se <strong>de</strong>scrito analiticamente alguns mitos que c<strong>on</strong>stant<strong>em</strong>ente sereapresentam <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> cotidiani<strong>da</strong><strong>de</strong> transitória e veloz dos t<strong>em</strong>as <strong>da</strong>mídia. Da reunião inicial <strong>de</strong> textos midiatizados que apresentam <strong>em</strong> comuma proposta <strong>de</strong> aniquilação, <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>strução, manutenção ou produção <strong>de</strong>mitos, t<strong>em</strong> sido feita uma categorização, a partir <strong>da</strong>s suas diferentes formas<strong>de</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> e <strong>de</strong> atributos.Em 2006, Maciel <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a dissertação Maníaco <strong>da</strong> bicicleta: <strong>da</strong>c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> um mito ao discurso sensaci<strong>on</strong>alista que, com base <strong>em</strong>teorias s<strong>em</strong>ântico-pragmáticas, verificava evidências <strong>de</strong> c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong>reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s pela imprensa no caso policial “Maníaco <strong>da</strong> Bicicleta”, do JornalA Notícia, <strong>da</strong> região <strong>de</strong> Joinville. O trabalho mostrava como a imprensautiliza a função referencial <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> para fins <strong>de</strong> c<strong>on</strong>vencimento <strong>em</strong>suas campanhas. Amparando-se no mito <strong>da</strong> isenção, c<strong>on</strong>statou que ojornalismo apostava na credibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> opinião pública para transformar-se<strong>em</strong> núcleo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna. Postulou também sobre acredibili<strong>da</strong><strong>de</strong> através <strong>da</strong> aparente isenção, <strong>em</strong> que o jornalismo recorre a224


Fábio Messauma falsa polif<strong>on</strong>ia, quando oferece aos c<strong>on</strong>sumidores opiniões <strong>de</strong> pessoasdiferentes, porém com o mesmo p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista. Por fim, <strong>de</strong>terminou que osdiscursos <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s competentes serviam apenas para ratificar visõesestereotipa<strong>da</strong>s repeti<strong>da</strong>s c<strong>on</strong>tinuamente. Através <strong>de</strong>sta pesquisa, foi possível<strong>de</strong>sc<strong>on</strong>struir os mitos e as reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s inventa<strong>da</strong>s nas narrativas jornalísticaslocais.Em 2007, Felipe <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u a dissertação O Lobo mau que é bom: are-versão do mito nas histórias infantis, mostrando que as histórias infantisc<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneas apresentavam uma nova estrutura narrativa, que propunhauma peculiar reversão <strong>de</strong> mitos, <strong>em</strong> processos <strong>de</strong> intertextuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e<strong>de</strong>slizamento <strong>de</strong> sentidos. Este trabalho c<strong>on</strong>statou e <strong>de</strong>screveu o processo<strong>de</strong> reversão do mito do Lobo Mau <strong>em</strong> Lobo Bom, i<strong>de</strong>ntificando aspossíveis causas que influenciaram esse outro formato. Esta pesquisarevelou a quebra do paradigma <strong>da</strong> mal<strong>da</strong><strong>de</strong> e a tentativa <strong>de</strong> transmudá-lo<strong>em</strong> b<strong>on</strong><strong>da</strong><strong>de</strong>. Desse modo, procurou-se refletir sobre essa linhag<strong>em</strong> <strong>de</strong>narrativas que parafraseiam e/ou parodiam as antigas versões, revertendo omito, ressignificando-o e provocando novas relações <strong>de</strong> sentido.Estes dois trabalhos estavam amparados pela linha teórica doprojeto por tangenciar as questões relativas ao mito do crime e <strong>da</strong> mal<strong>da</strong><strong>de</strong>,como <strong>em</strong> O Gozo Estético do Crime, mas por compartilhar<strong>em</strong> <strong>da</strong>s mesmasteorias que norteiam o projeto Mitos e Mídia, ou seja, <strong>da</strong> s<strong>em</strong>iologiabarthesiana e <strong>da</strong>s teorias s<strong>em</strong>ântico-pragmáticas para a análise <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong> jornalística e <strong>da</strong> retórica <strong>da</strong> ficção.Em 2008 está <strong>em</strong> fase <strong>de</strong> re<strong>da</strong>ção, pós-qualificação, a dissertação<strong>de</strong> Vivian <strong>de</strong> Souza, Mito do menor infrator na ficção c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea, queretorna às linguagens <strong>da</strong> violência, reiniciando o percurso <strong>de</strong> categorização<strong>de</strong> perfis <strong>de</strong> pers<strong>on</strong>agens e narradores menores infratores, <strong>de</strong>sta vezrecortando textos <strong>de</strong> autores como Jorge Amado, Paulo Lins e PatríciaMelo.Espero, portanto, estar c<strong>on</strong>tribuindo para a formação ética e críticohumanísticados futuros profissi<strong>on</strong>ais <strong>de</strong> ciências <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> e <strong>de</strong>comunicação sobre os rumos do discursivo jornalístico nac<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong>. Quero <strong>de</strong>spertar, no âmbito acadêmico – <strong>da</strong>s áreas <strong>de</strong>ciências sociais e aplica<strong>da</strong>s, letras e artes –, uma visão probl<strong>em</strong>atizadorasobre as repercussões <strong>da</strong>s coberturas jornalísticas gera<strong>da</strong>s na audiência,para que se perceba o tipo <strong>de</strong> fruição estética que oleitor/espectador/c<strong>on</strong>sumidor comum po<strong>de</strong> realizar sobre os c<strong>on</strong>teúdosveiculados.225


Entre o ficto e o facto: o gozo estético do crimeReferênciasAMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: C<strong>on</strong>texto, 2006.ANGRIMANI, D. Espr<strong>em</strong>e que sai sangue. São Paulo: Summus, 1995.BERGER, C. Jornalismo na comunicação. In: Tensões e objetos: <strong>da</strong> pesquisa <strong>em</strong>comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2002.CARVALHO, N. Publici<strong>da</strong><strong>de</strong>: a linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> sedução. São Paulo: Ática, 2001.<strong>de</strong> CASTRO, V. J. A publici<strong>da</strong><strong>de</strong> e a primazia <strong>da</strong> mercadoria na cultura doespetáculo. In: COELHO, C. N. P.; <strong>de</strong> CASTRO, V. J. (Orgs.). Comunicação esocie<strong>da</strong><strong>de</strong> do espetáculo. São Paulo; Paulus, 2006.COELHO, C. N. P.; <strong>de</strong> CASTRO, V . J. (Orgs.). Comunicação e socie<strong>da</strong><strong>de</strong> doespetáculo. São Paulo; Paulus, 2006.DIAS, A. R. F. O discurso <strong>da</strong> violência: as marcas <strong>da</strong> orali<strong>da</strong><strong>de</strong> no jornalismopopular. São Paulo: EDUC, 1996.GARCIA, N. J. O que é propagan<strong>da</strong> i<strong>de</strong>ológica. 11. ed. São Paulo: Brasiliense,1994.BUCCI, E. O jornalismo or<strong>de</strong>nador. In: GOMES, M. R. São Paulo: Hacker; Edusp,2003.KARAM, F. J. A ética jornalística e o interesse público. São Paulo: Summus,2004.MARCONDES FILHO, C. O capital <strong>da</strong> notícia: jornalismo como produção social<strong>da</strong> segun<strong>da</strong> natureza. São Paulo: Ática, 1986.MARQUES, F. C. Uma reflexão sobre a espetacularização <strong>da</strong> imprensa. In:COELHO, C. N. P.; <strong>de</strong> CASTRO, V . J. (Orgs.). Comunicação e socie<strong>da</strong><strong>de</strong> doespetáculo. São Paulo; Paulus, 2006.MARSHALL, L. O jornalismo na era <strong>da</strong> publici<strong>da</strong><strong>de</strong>. São Paulo: Summus, 2003.MEDINA, C. Notícia, um produto à ven<strong>da</strong>. 2. Ed. São Paulo: Summus, 1988.PETERSEN, W. Curso <strong>de</strong> persuasão: pensamento e palavra unidos para o êxito.São Paulo: IBREX, 1973.PENA, F. Televisão e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>: do Big Brother à TV universitária. Rio <strong>de</strong>Janeiro: 7 Letras, 2002.PINTO, M. J. Comunicação e discurso. São Paulo: Hacker, 1999.PRETI, D. A imprensa sob o signo <strong>da</strong> violência. In: DIAS, A. R. F. O discurso <strong>da</strong>violência: as marcas <strong>da</strong> orali<strong>da</strong><strong>de</strong> no jornalismo popular. São Paulo: EDUC, 1996.SAISI, K. Estética e política, mais um espetáculo <strong>de</strong> c<strong>on</strong>sumo na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>midiática. In: COELHO, C. N. P.; <strong>de</strong> CASTRO, V . J. (Orgs.). Comunicação esocie<strong>da</strong><strong>de</strong> do espetáculo. São Paulo; Paulus, 2006.226


Fábio MessaSANDANO, C. A informação-mercadoria do jornalismo e as novas formas <strong>de</strong>trocas culturais na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> globaliza<strong>da</strong>. In: COELHO, C. N. P.; <strong>de</strong> CASTRO, V.J. (Orgs.). Comunicação e socie<strong>da</strong><strong>de</strong> do espetáculo. São Paulo; Paulus, 2006.TRIVINHO, E. Violência, cultura midiática, medo: ensaio <strong>de</strong> críticasociopsicanalítica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> tecnológica e <strong>da</strong> comunicação. In: LOPES, D. F.(Orgs). Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> midiática: significação, mediações e exclusão. Santos, SP:Editora Universitária Leopoldianum, 2000.227


ESTUDOS CULTURAIS E CINEMA E MITOFernando Simão Vugman1. IntroduçãoOs estudos culturais c<strong>on</strong>stitu<strong>em</strong> o campo <strong>da</strong>s pesquisas por mim<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s. Segundo Stuart Hall – rec<strong>on</strong>hecido como um <strong>de</strong> seusprimeiros e principais protag<strong>on</strong>istas – os estudos culturais nasceram <strong>em</strong>meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1950, no momento <strong>de</strong> uma “ruptura significativa”(2003, p. 131), quando “velhas correntes <strong>de</strong> pensamento são rompi<strong>da</strong>s,velhas c<strong>on</strong>stelações <strong>de</strong>sloca<strong>da</strong>s e el<strong>em</strong>entos novos e velhos são reagrupadosao redor <strong>de</strong> uma nova gama <strong>de</strong> pr<strong>em</strong>issas e t<strong>em</strong>as” (i<strong>de</strong>m). Os textos queinauguram o <strong>de</strong>slocamento teórico que <strong>da</strong>rá orig<strong>em</strong> aos estudos culturaissão As utilizações <strong>da</strong> cultura, <strong>de</strong> Richard Hoggart e Cultura e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>Raym<strong>on</strong>d Williams; o primeiro, ap<strong>on</strong>ta Hall, “teve como referência o‘<strong>de</strong>bate cultural’ há muito sustentado nas discussões acerca <strong>da</strong> ‘socie<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> massa’, b<strong>em</strong> como na tradição do trabalho intelectual i<strong>de</strong>ntificado comLeavis e a revista Scrutiny” (2003, p.132). Já o livro <strong>de</strong> Williams, ain<strong>da</strong>segundo Hall, v<strong>em</strong> rec<strong>on</strong>struir aquilo que po<strong>de</strong> ser resumido como “umal<strong>on</strong>ga tradição [...] [que] c<strong>on</strong>siste no ‘registro <strong>de</strong> um número <strong>de</strong> importantese c<strong>on</strong>tínuas reações a... mu<strong>da</strong>nças <strong>em</strong> nossa vi<strong>da</strong> social, ec<strong>on</strong>ômica epolítica’” (i<strong>de</strong>m), que acaba por c<strong>on</strong>struir um mapa para a exploração einvestigação <strong>de</strong>ssas mesmas mu<strong>da</strong>nças.Nesses trabalhos, e especialmente o livro <strong>de</strong> Hoggart, o que se vê éuma atenção para a cultura <strong>da</strong> classe trabalhadora, investigando seuspadrões e estruturas para <strong>de</strong>scobrir-lhes os valores e significados. A partir<strong>da</strong>í, a “produção cultural” <strong>da</strong> classe trabalhadora passa a ser examina<strong>da</strong>como um c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> “textos”. A c<strong>on</strong>seqüência que se apresenta comover<strong>da</strong><strong>de</strong>ira quebra <strong>de</strong> paradigma, quando uma cultura <strong>em</strong> pleno<strong>de</strong>senvolvimento é focaliza<strong>da</strong>, é a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se avançar o <strong>de</strong>batecom base na oposição entre alta e baixa cultura. O livro seguinte <strong>de</strong>Raym<strong>on</strong>d Williams, The l<strong>on</strong>g revoluti<strong>on</strong> (1961), indica a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> separtir <strong>de</strong> outro lugar teórico para se analisar a noção <strong>de</strong> “cultura-esocie<strong>da</strong><strong>de</strong>”antecipa<strong>da</strong> <strong>em</strong> seu livro anterior, <strong>on</strong><strong>de</strong> ele já apresenta a“uni<strong>da</strong><strong>de</strong>” dos Estudos Culturais “não <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> preocupações comuns,mas <strong>de</strong> preocupações características e formas <strong>de</strong> expressão <strong>de</strong> suas


Estudos culturais, cin<strong>em</strong>a e mitoin<strong>da</strong>gações” (HALL, 2003, p. 132). Outro livro que apresenta as mesmascaracterísticas <strong>de</strong> ruptura é A formação <strong>da</strong> classe operária inglesa, <strong>de</strong> E. P.Thomps<strong>on</strong>, lançado <strong>em</strong> 1963. Embora este livro ain<strong>da</strong> se <strong>de</strong>senvolva <strong>de</strong>ntro<strong>da</strong>s tradições <strong>da</strong> historiografia marxista inglesa e <strong>da</strong> história ec<strong>on</strong>ômica, ao“<strong>de</strong>stacar questões <strong>de</strong> cultura, c<strong>on</strong>sciência e experiência, e enfatizar oagenciamento, também rompeu <strong>de</strong>cisivamente com uma certa forma <strong>de</strong>evoluci<strong>on</strong>ismo tecnológico, com o ec<strong>on</strong>omicismo reduci<strong>on</strong>ista e com o<strong>de</strong>terminismo organizaci<strong>on</strong>al” (HALL, 2003, p. 133).Na sua instituci<strong>on</strong>alização a partir dos anos 1960 – c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando-sea criação, pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Birmingham, do Centre for C<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poraryCultural Studies, <strong>em</strong> 1963/64, então dirigido por Richard Hoggart e StuartHall, o p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> c<strong>on</strong>vergência dos estudos culturais é a “cultura”, muito<strong>em</strong>bora o exame dos textos fun<strong>da</strong>dores aqui menci<strong>on</strong>ados não permitaenc<strong>on</strong>trar uma <strong>de</strong>finição única e não probl<strong>em</strong>ática para esse termo tãocentral. De fato, a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ste c<strong>on</strong>ceito, que funci<strong>on</strong>a mais comoum p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> c<strong>on</strong>vergência <strong>de</strong> interesses, do que uma referência clara e b<strong>em</strong><strong>de</strong>fini<strong>da</strong>, mantém uma tensão permanente no campo. Assim, val<strong>em</strong>enci<strong>on</strong>ar, <strong>de</strong>ntre as diferentes c<strong>on</strong>ceituações <strong>de</strong> cultura, aquela que StuartHall c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra a mais central, posto ser esta <strong>de</strong>finição fun<strong>da</strong>mental para osestudos <strong>de</strong>senvolvidos <strong>em</strong> nossos projetos <strong>de</strong> pesquisa. Segundo ele, epartindo <strong>da</strong>s formulações ofereci<strong>da</strong>s por The l<strong>on</strong>g revoluti<strong>on</strong>, <strong>de</strong> Williams,a primeira c<strong>on</strong>ceituação “relaci<strong>on</strong>a cultura à soma <strong>da</strong>s <strong>de</strong>scriçõesdisp<strong>on</strong>íveis pelas quais as socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s dão sentido e reflet<strong>em</strong> as suasexperiências comuns” (2003, p. 135). Trata-se <strong>de</strong> uma c<strong>on</strong>cepção que, s<strong>em</strong><strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> recorrer “à ênfase primitiva sobre as ‘idéias’” (HALL, 2003, p.135), abre espaço para uma socialização e <strong>de</strong>mocratização do termo. É umac<strong>on</strong>cepção que aband<strong>on</strong>a a caracterização <strong>da</strong> cultura como aquilo que <strong>de</strong>melhor foi produzido; a arte, inclusive, passa agora a ser entendi<strong>da</strong> “comoapenas uma forma especial <strong>de</strong> processo social geral: o <strong>da</strong>r e tomarsignificados e o lento <strong>de</strong>senvolvimento dos significados comuns; isto é,uma cultura comum” (i<strong>de</strong>m).2. Cin<strong>em</strong>a e CulturaÉ, portanto, a partir dos paradigmas dos estudos culturais que ocin<strong>em</strong>a é promovido a objeto merecedor <strong>de</strong> estudos acadêmicos; <strong>de</strong>sfeitasas noções que permitiam reservar um lugar nobre à alta cultura e à Arte, ocin<strong>em</strong>a já não precisa mais se provar uma “arte autônoma”, como<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram seus primeiros teóricos, n<strong>em</strong> se <strong>de</strong>svencilhar <strong>da</strong> adjetivação <strong>de</strong>230


Fernando Simão Vugman“popular”. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, o cin<strong>em</strong>a parece ocupar um papel <strong>de</strong>stacado nospróprios <strong>de</strong>senvolvimentos ec<strong>on</strong>ômicos e sociais que criaram as c<strong>on</strong>dições<strong>de</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> para os estudos culturais. Afinal, a cultura que atrai o olhar<strong>de</strong> pensadores como Hoggart, Williams, Thomps<strong>on</strong> e Hall é justamenteaquela gera<strong>da</strong> nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> massas. Quando, <strong>em</strong> seu ensaio “A obra <strong>de</strong>arte na era <strong>de</strong> sua reprodutibili<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica”, primeiro publicado <strong>em</strong> 1936,Walter Benjamin alia o <strong>de</strong>sm<strong>on</strong>te dos c<strong>on</strong>ceitos <strong>da</strong> estética clássica àstecnologias <strong>de</strong> reprodução mecânica, é o cin<strong>em</strong>a que ele ap<strong>on</strong>ta como oprincipal veículo <strong>de</strong>ssa transformação:Po<strong>de</strong>r-se-ia dizer, <strong>de</strong> modo geral, que as técnicas <strong>de</strong>reprodução <strong>de</strong>stacam o objeto reproduzido do domínio <strong>da</strong>tradição. Multiplicando-lhe os ex<strong>em</strong>plares, elas substitu<strong>em</strong>por um fenômeno <strong>de</strong> massa um evento que não se produziusenão uma vez. Permitindo ao objeto reproduzido oferecer-seà visão ou à audição <strong>em</strong> qualquer circunstância, elas lhec<strong>on</strong>fer<strong>em</strong> uma atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Esses dois processos c<strong>on</strong>duz<strong>em</strong> aum c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rável abalo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> transmiti<strong>da</strong>: ao abalo <strong>da</strong>tradição, o que é a c<strong>on</strong>traface <strong>da</strong> crise que atravessaatualmente a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> sua atual renovação. Eles s<strong>em</strong>ostram <strong>em</strong> estreita correlação com os movimentos <strong>de</strong>massa que hoje se produz<strong>em</strong>. Seu mais eficaz agente é ofilme. (grifo nosso) (BENJAMIN, 2000, p. 226).Assim, não se trata apenas <strong>de</strong> coincidência t<strong>em</strong>poral, a partir dosanos 1950 e 1960, a <strong>em</strong>ergência e instituci<strong>on</strong>alização dos estudos culturaise dos estudos <strong>de</strong> cin<strong>em</strong>a, este último recebendo um forte impulso <strong>da</strong>Nouvelle vague e dos Cahiers du cin<strong>em</strong>a.E é <strong>de</strong>ssa junção entre a noção <strong>da</strong> produção cultural como“<strong>de</strong>scrições disp<strong>on</strong>íveis” para que as socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s atribuam sentido às suasexperiências coletivas com o enorme po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> encantamento e difusão docin<strong>em</strong>a, que o filme passa, também, a ser passível <strong>de</strong> ser lido como umtexto.Para o interesse <strong>de</strong> nossos projetos <strong>de</strong> pesquisa, tratamos o filmenão apenas como um texto que se apresenta para ser lido e interpretado,mas também como uma narrativa mitológica.231


Estudos culturais, cin<strong>em</strong>a e mito3. Literatura mo<strong>de</strong>rna, cin<strong>em</strong>a pós-mo<strong>de</strong>rnoO atual estágio <strong>de</strong> nossas pesquisas, a ser apresentado ao final <strong>de</strong>stecapítulo, r<strong>em</strong><strong>on</strong>ta ao meu interesse inicial pelo estudo comparativo entreliteratura e cin<strong>em</strong>a e, <strong>de</strong> modo mais específico, <strong>de</strong>ntro do <strong>de</strong>bate (que jácorreu mais acalorado) sobre mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> e pós-mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>,mo<strong>de</strong>rnismo e pós-mo<strong>de</strong>rnismo.Os primeiros estudos por mim <strong>de</strong>senvolvidos buscaram compararuma estética mo<strong>de</strong>rna à estética pós-mo<strong>de</strong>rna. Ex<strong>em</strong>plo do primeiro foi olivro 1984, <strong>de</strong> George Orwell, publicado <strong>em</strong> 1949, o qual analisei <strong>em</strong>c<strong>on</strong>traste com o filme Brazil (1985), dirigido por Terry Gilliam, quec<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rei uma a<strong>da</strong>ptação pós-mo<strong>de</strong>rna do primeiro. A pr<strong>em</strong>issa <strong>da</strong>investigação era que o livro <strong>de</strong> Orwell se <strong>de</strong>senvolvia <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma cultura<strong>em</strong> que a palavra, o texto, funci<strong>on</strong>ava como referência central,particularmente através <strong>da</strong> autori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>quilo que Lyotard chama <strong>de</strong>“gran<strong>de</strong>s narrativas”, como o projeto Iluminista, mas também outrasgran<strong>de</strong>s narrativas, como o “texto” marxista, ou a narrativa bíblica.Embora, <strong>em</strong> última instância, a narrativa <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> história <strong>de</strong> Orwell serevele amargamente ilusória, to<strong>da</strong> a busca do protag<strong>on</strong>ista se dá <strong>em</strong> torno<strong>de</strong> um suposto livro, que organizaria uma suposta resistência ao regime,b<strong>em</strong> como orienta a própria trama. Brazil, por outro lado, apresenta <strong>de</strong>forma caracteristicamente pós-mo<strong>de</strong>rna uma simultânea dissolução dodiscurso – o livro <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> trama <strong>de</strong> 1984 <strong>de</strong>saparece no filme <strong>de</strong> Gilliam,substituído por um ven<strong>da</strong>val, literalmente, <strong>de</strong> papéis e documentosburocráticos. De fato, Gilliam apresenta diálogos e discursos vazios <strong>de</strong>significado, um tagarelar interminável que parece servir apenas para negara terrível reali<strong>da</strong><strong>de</strong> ao redor. Além disto, o filme exibe uma mise-en-scéne<strong>em</strong> que as imagens, por vezes claramente <strong>em</strong> estilo publicitário, c<strong>on</strong>corr<strong>em</strong>com um discurso paralelo e vazio.Naquele estudo, também chamo a atenção para a c<strong>on</strong>strução doprotag<strong>on</strong>ista, ou herói <strong>da</strong> história. Enquanto Orwell nos apresenta um heróique busca <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong>mente rec<strong>on</strong>stituir um mundo compreensível,esforçando-se para enc<strong>on</strong>trar um caminho “real” <strong>em</strong> meio a uma infini<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> discursos e textos que não param <strong>de</strong> falsificá-lo, Gilliam não só divi<strong>de</strong> oherói <strong>em</strong> dois pers<strong>on</strong>agens “compl<strong>em</strong>entares”, como os apresenta perdidos<strong>em</strong> um mundo <strong>em</strong> que a ausência <strong>de</strong> sentido se enc<strong>on</strong>tra <strong>de</strong>finitivamenteinstala<strong>da</strong>. Assim, enquanto 1984 parece um último e <strong>de</strong>sesperado alertapara os perigos que se abr<strong>em</strong> quando a palavra e o discurso per<strong>de</strong>m valor<strong>de</strong> referência, Brazil se realiza <strong>em</strong> um universo <strong>on</strong><strong>de</strong> as narrativas já se232


233Fernando Simão Vugmanmostram vazias e inúteis, perdi<strong>da</strong>s, junto com os pers<strong>on</strong>agens, numainfini<strong>da</strong><strong>de</strong> imagens “intensas, superficiais e vazias <strong>de</strong> afeto” (JAMESON,2000, passim).Uma segun<strong>da</strong> linha <strong>de</strong> investigação voltou-se para o cin<strong>em</strong>ahollywoodiano. O p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> foi o interesse <strong>em</strong> mim <strong>de</strong>spertado pelafigura do gangster no cin<strong>em</strong>a estaduni<strong>de</strong>nse. Curioso sobre o valorsimbólico do gangster ficci<strong>on</strong>al, vi meus estudos seguir<strong>em</strong> o caminho <strong>da</strong>srepresentações mitológicas nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas. De fato, lançando oolhar para a orig<strong>em</strong> <strong>da</strong>s narrativas mitológicas estaduni<strong>de</strong>nses, po<strong>de</strong>-seperceber uma c<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong> estrutural narrativa que avança pela literaturadurante os séculos XVII, XVIII e XIX até chegar ao século XX, quando éincorpora<strong>da</strong> pelo cin<strong>em</strong>a hollywoodiano.O historiador estaduni<strong>de</strong>nse Richard Slotkin <strong>de</strong>senvolve umtrabalho bastante útil para se compreen<strong>de</strong>r não apenas a estrutura original<strong>da</strong> narrativa mitológica dos Estados Unidos, como também certasc<strong>on</strong>tradições i<strong>de</strong>ológicas originárias <strong>da</strong>s c<strong>on</strong>dições enc<strong>on</strong>tra<strong>da</strong>s pelosprimeiros col<strong>on</strong>izadores, que persist<strong>em</strong> na cultura <strong>da</strong>quele país até os dias<strong>de</strong> hoje. Segundo Slotkin, a mitologia <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> norte-americana t<strong>em</strong>sua orig<strong>em</strong> nas Narrativas do Cativeiro, que surg<strong>em</strong> <strong>em</strong> meados do séculoXVII. Nestas narrativas, ele explica, “uma pessoa, geralmente uma mulher,suporta passivamente as tentações do mal [os índios], esperando serresgata<strong>da</strong> pela graça <strong>de</strong> Deus [isto é, por um hom<strong>em</strong> branco]” (1996, p. 94).De modo bastante simplificado, nestas histórias a mulher branca, leva<strong>da</strong>pelos índios, representava os valores <strong>da</strong> civilização cristã: casti<strong>da</strong><strong>de</strong>,casamento heterossexual m<strong>on</strong>ogâmico, o direito <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>. São estesvalores que precisam ser resgatados <strong>da</strong>s forças do mal, c<strong>on</strong>ti<strong>da</strong>s na florestae na al<strong>de</strong>ia indígena.O resgate, por sua vez, estará a cargo <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> branco. Paralevar a cabo sua missão, o hom<strong>em</strong> branco terá que dominar as técnicas <strong>de</strong>guerra e <strong>de</strong> sobrevivência dos índios, e agir com violência e s<strong>em</strong> pie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ajustificativa para seus atos violentos e sua <strong>de</strong>sci<strong>da</strong> ao inferno resi<strong>de</strong> nasalvação <strong>da</strong> mulher branca, assim torna<strong>da</strong> um símbolo <strong>da</strong> civilização. Na<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Slotkin, <strong>em</strong> termos míticos, esta figura f<strong>em</strong>inina se tornará a“mulher re<strong>de</strong>ntora” (1998, p. 206): casta, dócil, compreensiva, c<strong>on</strong>fiável ebastião <strong>da</strong> civilização.O que está representado nessa narrativa <strong>de</strong> mito é o sentimentoc<strong>on</strong>traditório dos primeiros col<strong>on</strong>izadores dos Estados Unidos na busca poruma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> própria. Na tentativa <strong>de</strong> criar uma nova i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>, estescol<strong>on</strong>izadores precisavam, por um lado, diferenciar-se dos ingleses e do


Estudos culturais, cin<strong>em</strong>a e mitoVelho Mundo. Para isto, percebiam a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> incorporar<strong>em</strong> muitodo c<strong>on</strong>hecimento e dos costumes dos povos nativos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> s<strong>em</strong>preacostumados a sobreviver numa terra selvag<strong>em</strong>. Mas, por outro lado, paranão se c<strong>on</strong>fundir<strong>em</strong> com os selvagens, precisavam, também, reafirmar osvalores trazidos <strong>da</strong> Europa, especialmente aqueles valores fun<strong>da</strong>mentadosno Puritanismo e na organização social européia.Se c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rarmos a afirmação do antropólogo Lévi-Strauss <strong>de</strong> que“[...] o objetivo do mito é fornecer um mo<strong>de</strong>lo lógico para resolver umac<strong>on</strong>tradição (tarefa irrealizável quando a c<strong>on</strong>tradição é real)” (1996, p.254), ver<strong>em</strong>os que é disto que tratam as narrativas <strong>de</strong> cativeiro: ao resgataro símbolo dos valores fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> civilização branca, to<strong>da</strong> a violênciae artimanhas indígenas <strong>em</strong>prega<strong>da</strong>s pelo hom<strong>em</strong> branco estarãojustifica<strong>da</strong>s. Em outras palavras, a violência individual, especialmenteaquela pratica<strong>da</strong> pelo hom<strong>em</strong> branco, se justifica à medi<strong>da</strong> que serve àcausa <strong>da</strong> civilização, entendi<strong>da</strong>, principalmente, como a base <strong>de</strong> valorespuritanos. É este processo que Slotkin <strong>de</strong>nomina “regeneração através <strong>da</strong>violência”. De fato, o historiador situa nesta c<strong>on</strong>tradição histórica e na suaexpressão mítica a orig<strong>em</strong> <strong>da</strong> valorização cultural <strong>da</strong> prática individual <strong>da</strong>violência na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> norte-americana.Já o século XX traz c<strong>on</strong>sigo a sensação <strong>de</strong> que as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>expansão <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s fr<strong>on</strong>teiras naci<strong>on</strong>ais estão se esgotando, ao mesmot<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que os Estados Unidos <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser um país <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>enterural e se transformam numa nação urbana e industrializa<strong>da</strong>. É junto comessa urbanização e industrialização que nasce a indústria cin<strong>em</strong>atográficaamericana.O crítico estruturalista Will Wright observa que a <strong>de</strong>speito <strong>da</strong>populari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s novelas <strong>de</strong> faroeste, foi através do cin<strong>em</strong>a que o “mitotornou-se parte <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> cultural pela qual a América enten<strong>de</strong> a simesma” (1977, p. 12). E explica esta situação privilegia<strong>da</strong> dos filmes pelacapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> “imag<strong>em</strong> cin<strong>em</strong>ática [...] expressar ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente [...] aimportância central <strong>da</strong> terra” (i<strong>de</strong>m). Embora seja inegável o sucesso doWestern na criação <strong>de</strong> um espaço mítico na tela, po<strong>de</strong>mos ap<strong>on</strong>tar outrasrazões para que a produção hollywoodiana tenha se tornado o meioprivilegiado para expressar a mitologia americana c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea.Realmente, <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rar que Hollywood v<strong>em</strong> ocupar umlugar bastante especial na transformação dos Estados Unidos <strong>em</strong> uma naçãoindustrial e urbana: junto com sua capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> criar narrativas <strong>de</strong> mito, aindústria cin<strong>em</strong>atográfica americana c<strong>on</strong>stitui, ela própria, um c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong>mitos. Expressa, por ex<strong>em</strong>plo, um dos mitos mais caros ao capitalismo: o234


235Fernando Simão Vugmanmito do incessante <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, particularmente intens<strong>on</strong>as primeiras déca<strong>da</strong>s do século passado, quando novas tecnologias nãoapenas maravilhavam os ci<strong>da</strong>dãos americanos, mas <strong>de</strong> fato transformavame recriavam o modo <strong>de</strong> viver <strong>da</strong>quela organização social nascente (apersistência <strong>de</strong>ste mito po<strong>de</strong> ser verifica<strong>da</strong> na ênfase ca<strong>da</strong> vez maior nosefeitos especiais e no uso do computador na produção cin<strong>em</strong>atográficahollywoodiana). Outro mito caro aos americanos, a “América” como terra<strong>da</strong>s oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s, também enc<strong>on</strong>tra sua expressão <strong>em</strong> Hollywood, quandoesta absorve imigrantes ju<strong>de</strong>us, italianos e irlan<strong>de</strong>ses, entre outros, na sualinha <strong>de</strong> produção.Neste c<strong>on</strong>texto, o gangster surgiu como pers<strong>on</strong>ag<strong>em</strong> mitológicosingular <strong>em</strong> sua significação. Sua figura aparece <strong>em</strong> um momento especial<strong>da</strong> história norte-americana: ele aparece nas telas nas primeiras déca<strong>da</strong>s doséculo XX, momento <strong>em</strong> que a imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> um país vasto e <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>enterural e ain<strong>da</strong> selvag<strong>em</strong> é substituí<strong>da</strong> pela imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> uma nação industrial eurbana. Até então, os pers<strong>on</strong>agens mitológicos elaborados eram suficientespara expressar e reforçar os valores éticos e morais dominantes, b<strong>em</strong> comosuas c<strong>on</strong>tradições e paradoxos.Dentre tais pers<strong>on</strong>agens, minha pesquisa se voltou para a figura doherói americano. Este surge como o hom<strong>em</strong> branco que, c<strong>on</strong>hecedor <strong>da</strong>sartes <strong>de</strong> guerra próprias dos indígenas para lutar e sobreviver na floresta,age com violência e selvageria para libertar do cativeiro a mulher brancapor eles feita prisi<strong>on</strong>eira. É neste arcabouço mítico c<strong>on</strong>struído nessasnarrativas que está justifica<strong>da</strong> a violência individual, o <strong>de</strong>srespeito às regrassociais e o espírito competitivo do hom<strong>em</strong> branco americano, já que todoseu comportamento visa, <strong>em</strong> última instância, a salvação <strong>da</strong> mulher branca,símbolo <strong>da</strong> pureza e superiori<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> civilização col<strong>on</strong>izadora e veículo <strong>da</strong>re<strong>de</strong>nção do próprio herói.Porém, a urbanização e industrialização do país no início do séculoXX vêm limitar exatamente um dos el<strong>em</strong>entos-chave nesta estruturanarrativa mitológica: é o fim <strong>da</strong> fr<strong>on</strong>teira interminável, s<strong>em</strong>pre pr<strong>on</strong>ta paraser expandi<strong>da</strong>, explora<strong>da</strong> e c<strong>on</strong>quista<strong>da</strong>. É o fim <strong>da</strong> fr<strong>on</strong>teira que separa acivilização puritana, patriarcal, branca e superior, do inimigo indígena e suaNatureza, ambos selvagens, inferiores e <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>dos.É assim que nasce o gangster, figura mítica que reproduz as jácita<strong>da</strong>s quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s do herói americano – competitivo, violento, lí<strong>de</strong>r e cheio<strong>de</strong> iniciativa – mas, agora, ao c<strong>on</strong>trário do hom<strong>em</strong> <strong>da</strong> fr<strong>on</strong>teira, ou docowboy, s<strong>em</strong> um horiz<strong>on</strong>te infinito para <strong>on</strong><strong>de</strong> escapar. As quali<strong>da</strong><strong>de</strong>sfun<strong>da</strong>mentais na c<strong>on</strong>strução dos Estados Unidos como nação, que


Estudos culturais, cin<strong>em</strong>a e mitopermitiram o massacre c<strong>on</strong>tinuado dos povos nativos originais e a<strong>de</strong>struição <strong>da</strong> Natureza, passam a c<strong>on</strong>stituir também um probl<strong>em</strong>a noambiente urbano. E é a c<strong>on</strong>tradição cultural resultante que o gangster v<strong>em</strong>representar: ele possui to<strong>da</strong>s as quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s do herói mitológico tradici<strong>on</strong>al,mas sua li<strong>de</strong>rança natural, seu espírito competitivo, seu machismo, seuapego à violência como ferramenta váli<strong>da</strong> para escalar socialmente e, porque não, seu exacerbado c<strong>on</strong>sumismo, são também f<strong>on</strong>te <strong>de</strong> <strong>de</strong>sestruturaçãosocial. Para explicar o gangster, apliquei a metáfora do m<strong>on</strong>stro isto é,aquela figura cria<strong>da</strong> <strong>em</strong> to<strong>da</strong>s as culturas humanas para incorporar todo oMal, tudo o que é m<strong>on</strong>struoso, e cuja eventual <strong>de</strong>struição ou expulsãorepresenta a <strong>de</strong>rrota do Mal. O aspecto paradoxal do m<strong>on</strong>stro, porém, é quea sua <strong>de</strong>struição ou expulsão jamais po<strong>de</strong> ser final, e sua inevitávelressurreição ou retorno t<strong>em</strong> o efeito <strong>de</strong> borrar a linha divisória entre o b<strong>em</strong>e o mal, já que, <strong>em</strong>bora representante do mal, o m<strong>on</strong>stro não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> serfilho <strong>da</strong> mesma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que o repele.4. Rumos e questõesA partir do estudo <strong>de</strong>sses objetos, minhas pesquisas passaram ainterrogar uma gama <strong>de</strong> t<strong>em</strong>as e assuntos relaci<strong>on</strong>ados: o mito nassocie<strong>da</strong><strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas e, <strong>em</strong> particular, no cin<strong>em</strong>a hollywoodiano, mastambém o cin<strong>em</strong>a brasileiro, para <strong>on</strong><strong>de</strong> passei a lançar também minhaslentes. Para tratar do gangster, fez-se necessário participar do <strong>de</strong>bate sobregêneros artísticos <strong>em</strong> geral, e cin<strong>em</strong>atográficos <strong>em</strong> particular,especialmente para que se pu<strong>de</strong>sse apresentar alguma <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> filme <strong>de</strong>gangster, mesmo que apenas uma <strong>de</strong>finição provisória e instrumental (nestecaso, <strong>de</strong>fini o filme <strong>de</strong> gangster como aquele <strong>em</strong> que o gangster ésimultaneamente herói e protag<strong>on</strong>ista).Outra figura <strong>de</strong> interesse, sob o p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> vista mitológico esimbólico, é a do “herói americano” e a evolução <strong>de</strong> sua representação<strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua orig<strong>em</strong> aos dias <strong>de</strong> hoje. A figura do herói também t<strong>em</strong> sidoinvestiga<strong>da</strong> por mim fora do c<strong>on</strong>texto cultural estaduni<strong>de</strong>nse, sendoinvestigado também nas produções brasileiras. Ain<strong>da</strong> tendo como objeto afilmografia brasileira, os estudos e projetos <strong>de</strong>senvolvidos têm se voltadopara explorar a representação do malandro, c<strong>on</strong>forme Ant<strong>on</strong>io Candido, do“marginal”, c<strong>on</strong>forme João Cezar <strong>de</strong> Castro Rocha, e do “m<strong>on</strong>stro”,c<strong>on</strong>forme Fernando Vugman, <strong>em</strong> filmes como Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus, Amarelomanga, Rio 40 graus, O pagador <strong>de</strong> promessas, entre outros.Sobre estes t<strong>em</strong>as e questões, tenho produzido artigos, capítulos <strong>de</strong>livros e dissertações <strong>de</strong> mestrado por mim orienta<strong>da</strong>s.236


Fernando Simão VugmanReferênciasBARTHES, R. Mitologias. São Paulo: Difel, 2003.BENJAMIN, W. A obra <strong>de</strong> arte na era <strong>de</strong> sua reprodutibili<strong>da</strong><strong>de</strong> técnica. In: LIMA,L. C. (Org). Teoria <strong>da</strong> cultura <strong>de</strong> massa. Trad. <strong>de</strong> Júlia Elizabeth Levy. São Paulo:Paz e Terra, 2000.CAMPBELL, J. Hero with a thousand faces. Princet<strong>on</strong>: Princet<strong>on</strong> University,1990.CANDIDO, A. O discurso e a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>: dialética <strong>da</strong> malandrag<strong>em</strong>. São Paulo: DuasCi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, 1993.DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dil<strong>em</strong>abrasileiro. 4. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1983.HALL, S. Da diáspora – i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e mediações culturais. SOVIK, L. (Org). BeloHoriz<strong>on</strong>te: Editora <strong>da</strong> UFMG, 2003.JAMESON, F. Pós-mo<strong>de</strong>rnismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo:Ática, 2000.LEVI-STRAUSS, C.. Antropologia Estrutural. Trad. <strong>de</strong> Chaim Samuel Katz eEginardo Pires. Rio <strong>de</strong> Janeiro: T<strong>em</strong>po Brasileiro, 1996.ROCHA, J. C. C. The “dialetic of marginality”: preliminary notes <strong>on</strong> Brazilianc<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porary culture. 2004a. Working Paper, Number CBS 62-05, Centre forBrazilian Studies – University of Oxford. Disp<strong>on</strong>ível <strong>em</strong>:http://www.brazil.ox.ac.uk/workingpapers/Joao%20Cezar%20Castro%20Rocha%2062.pdf. Acesso <strong>em</strong>: 2 ago. 2006.SLOTKIN, R. Regenerati<strong>on</strong> through violence – the mythology of the Americanfr<strong>on</strong>tier 1600-1860. Middletown: Wesleyan University Press, 1996._____. Gunfighter nati<strong>on</strong> – the myth of the fr<strong>on</strong>tier in twentieth-century America.New York: University of Oklahoma Press, 1998.WRIGHT, W. Sixgun and society – a structural study of the Western. Berkley:University of California, 1977.237


DOCUMENTOS DO PRESENTEJorge Hoffmann Wolff1. IntroduçãoRecortar, questi<strong>on</strong>ar, combinar, sobrepor, <strong>de</strong>slocar, bricolar,criticar, atravessar a literatura e o cin<strong>em</strong>a brasileiros são os móveis básicos<strong>da</strong> presente pesquisa, inicia<strong>da</strong> na graduação <strong>em</strong> Comunicação Social <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> Santa Catarina (campus Pedra Branca, Gran<strong>de</strong>Florianópolis). Os “documentos do presente” <strong>em</strong> questão <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser vistos<strong>de</strong> modo paradoxal e ambivalente, uma vez que os termos se revest<strong>em</strong> <strong>de</strong>c<strong>on</strong>otações particulares nesta abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong>, a saber: documentos são s<strong>em</strong>pree inc<strong>on</strong>tornavelmente fato e ficção; documentos vistos sob a óticapositivista ag<strong>em</strong> com a intenção <strong>de</strong> preencher o vazio <strong>da</strong> história;documentos vistos sob a ótica antinaturalista esvaziam afirmativamente asnoções <strong>de</strong> arte e estética, cultura e natureza; e os não-lugares <strong>da</strong> m<strong>em</strong>ória,situa<strong>da</strong> s<strong>em</strong>pre no presente, <strong>em</strong>baralham l<strong>em</strong>brança, esquecimento einvenção. O <strong>em</strong>pírico e o imaginário, ou seja, os pólos <strong>da</strong>quilo que<strong>de</strong>signamos como “o ficci<strong>on</strong>al” e “o documental”, são tomados portanto <strong>em</strong>sua intersecção, no lugar entre que ocupam enquanto linguag<strong>em</strong> e modo <strong>de</strong>pensar as produções <strong>de</strong> sentido representa<strong>da</strong>s pela literatura e o cin<strong>em</strong>abrasileiros.No corpo <strong>da</strong> pesquisa, tais campos do c<strong>on</strong>hecimento sãoinvestigados na sua relação com o que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> “naturalismo”ou “documentalismo” (e suas vertentes neo) no Brasil – vertentes realistasestas que seriam estilos antes que escolas, c<strong>on</strong>forme sugere Werneck Sodré(1992, p. 53). Trata-se, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, <strong>de</strong> uma relaçãotensa que se manifesta por vezes <strong>de</strong> forma hipercrítica, como no caso dosescritores Sérgio Sant’anna, João Gilberto Noll e Bernardo Carvalho, e porvezes <strong>de</strong> forma mais integra<strong>da</strong> à órbita dominante, ne<strong>on</strong>aturalista oudocumentalista, como seria o caso dos escritores Marçal Aquino ou PauloLins. Como o c<strong>on</strong>senso ou o dissenso se manifestam <strong>em</strong> suas opçõesestéticas e realizações artísticas, isso é uma <strong>da</strong>s perguntas norteadoras <strong>da</strong>presente investigação – que inclui experiências interculturais como no caso<strong>de</strong> Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus (o livro <strong>de</strong> Lins; o filme <strong>de</strong> Meirelles e Lund) ou <strong>de</strong> Oinvasor (o filme <strong>de</strong> Beto Brant; o livro <strong>de</strong> Aquino, cuja parceria r<strong>em</strong><strong>on</strong>ta a


Documentos do presenteOs Matadores e Ação entre amigos). As narrativas ficci<strong>on</strong>ais <strong>em</strong> questãoganham nova perspectiva crítica, por outro lado, ao ser<strong>em</strong> vistas <strong>em</strong>c<strong>on</strong>trap<strong>on</strong>to com a vertente <strong>de</strong> cin<strong>em</strong>a-documentário <strong>da</strong>s últimas déca<strong>da</strong>sno país, tendo como figuras protagônicas os dois Eduardos, Coutinho eEscorel, e os dois Moreira Salles, Walter e João (o documentário na ficção;a ficção no documentário).2. Bases teóricasA investigação busca analisar as chama<strong>da</strong>s narrativas realistas edocumentais do fim do século XX (déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 1980 e 1990), além <strong>de</strong> lerestas narrativas literárias <strong>em</strong> sua articulação com os <strong>de</strong>bates a respeito <strong>da</strong>história, <strong>da</strong> ficção e <strong>da</strong> imag<strong>em</strong>. Assim, tomamos a s<strong>em</strong>ioclastia barthesianacomo a c<strong>on</strong>traface nostálgica <strong>da</strong>s recentes releituras <strong>de</strong> Jacques Rancière,que faz uma revisão crítica <strong>da</strong> trajetória do s<strong>em</strong>iólogo francês enquantoteórico <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> e, mais do que isto, <strong>da</strong>s próprias noções <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>e <strong>de</strong> vanguar<strong>da</strong> às quais Roland Barthes está umbilicalmente, isto é,visceral e probl<strong>em</strong>aticamente c<strong>on</strong>ectado (cf. análise <strong>de</strong> A câmara clara e Le<strong>de</strong>stin <strong>de</strong>s images no it<strong>em</strong> 2.4). Além <strong>de</strong> Rancière, e freqüent<strong>em</strong>ente <strong>em</strong>tensão com ele, outros teóricos <strong>da</strong> imag<strong>em</strong>, como Walter Benjamin, AndréBazin, Vilém Flusser, Gilles Deleuze, Jean-Louis Comolli e Georges Didi-Huberman, são reivindicados para a investigação do significado atual<strong>de</strong>stas “operações” que são as imagens, sejam elas verbais ou não-verbais,no âmbito <strong>de</strong> uma pesquisa <strong>de</strong>dica<strong>da</strong>, como dito acima, às ficçõesdocumentais do último fim-<strong>de</strong>-século.2.1 Documento/M<strong>on</strong>umentoNesta etapa inicial, buscamos <strong>de</strong>finir os c<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong> documento,presente, m<strong>em</strong>ória, reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e ficção, com base nestes e noutrospensadores <strong>da</strong> cultura. O que é então um documento e que variaçõess<strong>em</strong>ânticas a história <strong>de</strong>sta noção c<strong>on</strong>heceu? Perguntas s<strong>em</strong>elhantes sãoen<strong>de</strong>reça<strong>da</strong>s às <strong>de</strong>mais noções. Quanto às expressões ne<strong>on</strong>aturalismo eneodocumentalismo, elas têm sido <strong>em</strong>prega<strong>da</strong>s sist<strong>em</strong>aticamente por FloraSüssekind, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> pelo menos 1980, <strong>em</strong> sua reflexão sobre a aclimatação d<strong>on</strong>aturalismo, ou melhor, dos naturalismos no Brasil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro surto,no fim do século XIX, tendo como protag<strong>on</strong>ista a figura <strong>de</strong> Aluísio <strong>de</strong>240


Jorge Hoffmann WolffAzevedo, até o último, <strong>em</strong> pleno século XXI, representado por figuras,como Aquino ou Lins (cf. Tal Brasil, qual romance).A noção <strong>de</strong> documento é, como se sabe, histórica eetimologicamente simétrica à noção <strong>de</strong> m<strong>on</strong>umento, apesar <strong>da</strong>smetamorfoses s<strong>em</strong>ânticas verifica<strong>da</strong>s <strong>em</strong> ambas as palavras no <strong>de</strong>correr dosséculos. L<strong>em</strong>br<strong>em</strong>os algumas <strong>de</strong>ssas metamorfoses com a aju<strong>da</strong> <strong>de</strong> JacquesLe Goff (1997, p. 95), para qu<strong>em</strong> “estes materiais <strong>da</strong> m<strong>em</strong>ória apresentamsesob duas formas principais: os m<strong>on</strong>umentos, herança do passado, e osdocumentos, escolha do historiador”. A palavra latina m<strong>on</strong>umentumsignifica um sinal do passado, <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> m<strong>em</strong>ini, m<strong>em</strong>ória, ao mesmot<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que r<strong>em</strong>ete ao épico e à morte. Até o século XVIII, osm<strong>on</strong>umentos representavam o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> perpetuação <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>shistóricas e o acesso “a test<strong>em</strong>unhos que só numa parcela mínima sãotest<strong>em</strong>unhos escritos” (LE GOFF, 1997, p. 95). No século XIX, o termo éain<strong>da</strong> usado <strong>em</strong> referência às gran<strong>de</strong>s coleções <strong>de</strong> documentos, <strong>em</strong>bora ac<strong>on</strong>vivência <strong>da</strong>s duas noções não vá perdurar, sendo engolidos osm<strong>on</strong>umentos pela vorag<strong>em</strong> positivista.O paradoxo <strong>em</strong> relação a este esmagamento dos velhosm<strong>on</strong>umentos no século XIX é que o Oci<strong>de</strong>nte, <strong>em</strong>bebido no espíritopositivista, irá recriá-los c<strong>on</strong>forme a medi<strong>da</strong> <strong>de</strong> suas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>í <strong>em</strong>diante, através <strong>de</strong> novos avatares do historicismo. O último <strong>de</strong>les, segundoBeatriz Sarlo, <strong>em</strong> Ti<strong>em</strong>po pasado. Cultura <strong>de</strong> la m<strong>em</strong>oria y giro subjetivo,seria a irresistível tendência à m<strong>on</strong>umentalização característica domomento atual, ao qual chama <strong>de</strong> “império do instante”, iniciado no finaldo século XX, quando as socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s oci<strong>de</strong>ntais passam a mirar a si própriascomo nunca antes, através dos meios digitais (SARLO, 2005, p. 11), quehaviam encetado, por sua vez, a sua própria revolução documental a partir<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 60, com o advento <strong>da</strong> informática.Dito <strong>de</strong> forma breve, a “socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> c<strong>on</strong>trole”, nos termos <strong>de</strong>William Burroughs ou Gilles Deleuze, a<strong>de</strong>re <strong>de</strong>cidi<strong>da</strong>mente àm<strong>on</strong>umentalização do indivíduo e à sua “auto-arqueologização” (o passadocomo espetáculo), s<strong>em</strong> levar <strong>em</strong> c<strong>on</strong>ta que “qualquer documento é, aomesmo t<strong>em</strong>po, ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro – incluindo, e talvez sobretudo, os falsos – efalso, porque um m<strong>on</strong>umento é, <strong>em</strong> primeiro lugar, uma roupag<strong>em</strong>, umaaparência enganadora, uma m<strong>on</strong>tag<strong>em</strong>. É preciso começar por <strong>de</strong>sm<strong>on</strong>tar,<strong>de</strong>molir esta m<strong>on</strong>tag<strong>em</strong>, <strong>de</strong>sestruturar esta c<strong>on</strong>strução e analisar asc<strong>on</strong>dições <strong>de</strong> produção dos documentos-m<strong>on</strong>umentos” (LE GOFF, 1997, p.103-4). Esta é a tarefa do historiador, segundo LeGoff, assim como “a241


Documentos do presentetarefa do tradutor”, segundo Walter Benjamin no célebre ensaio <strong>de</strong> 1923, ésimultaneamente fazer e <strong>de</strong>sfazer.2.2 Documentário/FicçãoO cin<strong>em</strong>a-documentário apresenta diversas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as mais tradici<strong>on</strong>ais, instituci<strong>on</strong>ais e educativas, até asmais inovadoras, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e experimentais, que o levam a assumir <strong>em</strong>esmo a enfatizar a sua face ficci<strong>on</strong>al. É nessa direção que se <strong>de</strong>veenten<strong>de</strong>r a afirmação <strong>de</strong> Andrés Di Tella, segundo a qual o documentário é“o melhor que o cin<strong>em</strong>a t<strong>em</strong> para oferecer hoje” (DI TELLA, 2005, p. 81).O gênero, localizado entre o documental e o ficci<strong>on</strong>al, é uma forma <strong>de</strong>experiência audiovisual, sobretudo oposta aos gêneros televisivos ejornalísticos (COMOLLI, 2001, p. 4), já que sua característica básica resi<strong>de</strong>num imperativo <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ética, ligado à noção <strong>de</strong> reflexivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e alheio àsinjunções do mercado publicitário (LINS, 2004, p.17). Os melhoresdocumentários, brasileiros ou não, têm revelado insistent<strong>em</strong>ente aquilo queas representações dominantes <strong>da</strong> mídia evitam veicular e aquilo que oc<strong>on</strong>servadorismo no âmbito sócio-político evita ao mesmo t<strong>em</strong>po enxergare <strong>da</strong>r a ver (LEBLANC, 1999, p. 5). Este é um dos motivos pelos quais odocumentário é um gênero marginal, como costuma se referir a ele um <strong>de</strong>seus gran<strong>de</strong>s realizadores <strong>em</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, Eduardo Coutinho, tributário <strong>de</strong>uma tradição inicia<strong>da</strong> nas déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 1950 e 1960, com o “Cin<strong>em</strong>a Novo”brasileiro, o “Cin<strong>em</strong>a Direto” norte-americano e, sobretudo, o “Cin<strong>em</strong>aVer<strong>da</strong><strong>de</strong>” francês.Uma reflexão crítica sobre três filmes <strong>de</strong> t<strong>em</strong>ática comum – ocurta-metrag<strong>em</strong> Ilha <strong>da</strong>s flores (1989), <strong>de</strong> Jorge Furtado, o média-metrag<strong>em</strong>Boca <strong>de</strong> lixo (1992) e o l<strong>on</strong>ga-metrag<strong>em</strong> Estamira (2004), <strong>de</strong> Marcos Prado–, vistos enquanto documentos reveladores <strong>da</strong>quilo que não se quer ver(BERNARDET, 2003, p. 17), foi realiza<strong>da</strong> com a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> analisarsuas formas <strong>de</strong> <strong>da</strong>r voz ao “outro” e <strong>de</strong> representar o “real”, e também <strong>de</strong>c<strong>on</strong>trastar e <strong>de</strong> situar uns <strong>em</strong> relação aos outros, percebendo o cin<strong>em</strong>a como“arte ca<strong>da</strong> vez mais impura, aberta ao mundo, à diferença, ao imp<strong>on</strong><strong>de</strong>rávele ao presente”. (LINS, 2004, p. 11). Para Amir Labaki, reafirmando asugestão feita acima por Di Tella <strong>em</strong> nível naci<strong>on</strong>al, “o documentário é alocomotiva estética que t<strong>em</strong> <strong>de</strong>sbravado caminhos” no mundo do cin<strong>em</strong>abrasileiro (LABAKI, 2006, p. 9) – algo que corroboram amplamente os trêsfilmes.242


Jorge Hoffmann Wolff2.3 Mito/Reali<strong>da</strong><strong>de</strong>Em busca <strong>de</strong> ferramentas teóricas para falar dos documentos dopresente <strong>da</strong> cultura, retornamos a Roland Barthes (1915-1980). Há doisc<strong>on</strong>ceitos recorrentes na militância ensaístico-literária <strong>de</strong> Barthes – osc<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong> “mito” e <strong>de</strong> “reali<strong>da</strong><strong>de</strong>” –, pensados nesta pesquisa <strong>em</strong> relaçãoà teoria e à prática do filme-documentário como fala politiza<strong>da</strong>. A questãopo<strong>de</strong>ria ser enuncia<strong>da</strong> assim: como escrever o imaginário c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneo<strong>em</strong> plena “era do <strong>de</strong>poimento” e sobreviver ao “peso do presente”, tomando<strong>de</strong> <strong>em</strong>préstimo os termos <strong>de</strong> Beatriz Sarlo, uma <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s leitoras latinoamericanas<strong>de</strong> Barthes. Jacques Derri<strong>da</strong> c<strong>on</strong>ecta o primeiro e o últimoBarthes, o <strong>de</strong> O grau zero <strong>da</strong> escritura (1953) e o <strong>de</strong> A câmara clara (1978),enfatizando as relações entre a escritura e a morte, a fotografia e a morte,nos fragmentos <strong>de</strong> As duas mortes <strong>de</strong> Roland Barthes. De Derri<strong>da</strong><strong>em</strong>prestamos a idéia <strong>da</strong> <strong>de</strong>riva entre esses dois pólos, ao colocarmosigualmente <strong>em</strong> c<strong>on</strong>tato o primeiro e o último momento <strong>de</strong>ssa trajetóriamarca<strong>da</strong> pelo recomeço, através sobretudo <strong>da</strong>s Mitologias (<strong>de</strong> 1957 – oterceiro volume <strong>de</strong> sua bibliografia) e <strong>da</strong> Aula inaugural (<strong>de</strong> 1978 – oantepenúltimo a ser publicado). Em cena, portanto, a escritura e os mitos, otexto e o fulgor do real, com recurso também aos ensaios intermediáriosque passam <strong>de</strong> algum modo pela relação entre as mitologias e a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>ou o realismo, a fim <strong>de</strong> acompanhar seus c<strong>on</strong>hecidos <strong>de</strong>slocamentosteóricos e <strong>de</strong> investigar esses extr<strong>em</strong>os que se tocam.Esses <strong>de</strong>slocamentos têm início, portanto, com as Mitologias <strong>de</strong>meio século atrás, mitologias marca<strong>da</strong>mente marxistas e sartreanas, que vão<strong>da</strong>r lugar, a partir do fim dos anos 60, à filosofia <strong>de</strong>rridiana e à psicanáliselacaniana e, <strong>em</strong> c<strong>on</strong>seqüência, a todo um novo saber crítico: o real como oimpossível e como diss<strong>em</strong>inação, a fim <strong>de</strong> buscar alternativas à rec<strong>on</strong>heci<strong>da</strong>capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> regeneração <strong>de</strong>m<strong>on</strong>stra<strong>da</strong> pelos mitos c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneos. Nocaso do universo audiovisual, e do gênero documentário, o chamado“cin<strong>em</strong>a do real”, <strong>em</strong> particular, exist<strong>em</strong> dois ângulos para tentar enquadraro seu imaginário, se quisermos acompanhar as pr<strong>em</strong>issas do últimoBarthes: enquanto um novo saber crítico, ou enquanto mero espetáculo <strong>de</strong>reali<strong>da</strong><strong>de</strong>; como novos leitores <strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre novas narrativas, ou como<strong>de</strong>sprezíveis espectadores do disparatado show <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. O reality é, s<strong>em</strong>dúvi<strong>da</strong>, um dos gêneros mais b<strong>em</strong>-sucedidos <strong>de</strong> hoje, na linha<strong>de</strong>poimentista <strong>de</strong> “a história sou eu”. Ana Amado, por ex<strong>em</strong>plo, lê odocumentário como novo saber crítico <strong>em</strong> um ensaio sobre a obra doprimeiro documentarista blockbuster <strong>da</strong> história, o norte-americanoMichael Moore, ap<strong>on</strong>tando, ou melhor, questi<strong>on</strong>ando o seu modo <strong>de</strong>243


Documentos do presenteintervenção enquanto voz autoriza<strong>da</strong>, a fim <strong>de</strong> legitimar as suas própriasteses sobre a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> numa série <strong>de</strong> documentários-<strong>de</strong>núncia. Moore é,como diz Amado, o autor <strong>da</strong> versão documental <strong>da</strong> narrativa do Mal – <strong>em</strong>suas abor<strong>da</strong>gens dos Estados Unidos <strong>da</strong> América <strong>em</strong> Fahrenheit 9/11 ouTiros <strong>em</strong> Columbine. Sugerimos então, como hipótese <strong>de</strong> trabalho, que ocineasta brasileiro Jorge Furtado seria, primeiro, o documentarista <strong>da</strong>banali<strong>da</strong><strong>de</strong> do mal <strong>em</strong> Ilha <strong>da</strong>s flores e <strong>de</strong>pois o ficci<strong>on</strong>ista <strong>da</strong> banali<strong>da</strong><strong>de</strong>do b<strong>em</strong> <strong>em</strong>, digamos, O hom<strong>em</strong> que copiava: dois modos <strong>de</strong> “legitimaruma ‘ficção’ <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>” (AMADO, 2004, p. 225).O último gran<strong>de</strong> t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Roland Barthes, como l<strong>em</strong>bra Sarlo, foi otrabalho do escritor, assim como a obsessão inicial fora o trabalho domitólogo. Mas o trabalho do escritor não significa, como se sabe, escrever<strong>de</strong> modo correto, sensato ou coerente, ao c<strong>on</strong>trário, significa estar naencruzilha<strong>da</strong> <strong>de</strong> todos os discursos <strong>em</strong> busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> do <strong>de</strong>sejo, a fim <strong>de</strong>“mu<strong>da</strong>r a língua, mu<strong>da</strong>r o mundo”: Marx com Mallarmé (BARTHES,1978, p. 26). Se sua proposta vai c<strong>on</strong>tra “a língua <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a gente”, ouaquilo que chamou <strong>de</strong> Doxa, assumido inimigo número um, há razões <strong>de</strong>sobra para esta toma<strong>da</strong> <strong>de</strong> distância crítica, a começar pela idéia <strong>de</strong> que omelhor é ter várias línguas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mesmo idioma, o que tambémsugere na Aula inaugural <strong>de</strong> 1977. Trata-se <strong>da</strong> própria “Babel feliz”menci<strong>on</strong>a<strong>da</strong> no início <strong>de</strong> O prazer do texto (1973), livro <strong>em</strong> que surge oscriptor Barthes <strong>em</strong> to<strong>da</strong> sua radicali<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>em</strong> pleno uso do que chamou <strong>de</strong>função utópica, isto é, o <strong>de</strong>sejo do impossível <strong>em</strong> to<strong>da</strong> sua perversi<strong>da</strong><strong>de</strong>,que aqui é sinônimo <strong>de</strong> felici<strong>da</strong><strong>de</strong> e ao mesmo t<strong>em</strong>po função reveladora <strong>da</strong>“ina<strong>de</strong>quação fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> ao real”: “Que uma língua,qualquer que seja, não reprima outra: que o sujeito futuro c<strong>on</strong>heça, s<strong>em</strong>r<strong>em</strong>orso, s<strong>em</strong> recalque, o gozo <strong>de</strong> ter a sua disposição duas instâncias <strong>de</strong>linguag<strong>em</strong>, que ele fale isto ou aquilo segundo as perversões, não segundoa Lei” (BARTHES, 1978, p. 25).Quais as implicações sociais e políticas <strong>de</strong>sse elogio do gozo que seafirma na ressaca <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 68 e prossegue enigmático e <strong>de</strong>safiador? Nai<strong>da</strong><strong>de</strong> do som e <strong>da</strong> imag<strong>em</strong> digitais, v<strong>em</strong>os e ouvimos ca<strong>da</strong> vez mais esimultaneamente menos; os sentidos e os caminhos <strong>da</strong> leitura modificam-secom veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>, seja para ler a linguag<strong>em</strong> dos mitos ou <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. “Alinguag<strong>em</strong> é uma legislação, a língua é seu código”, ensina o últimoBarthes, mas “não v<strong>em</strong>os o po<strong>de</strong>r que resi<strong>de</strong> na língua porque esquec<strong>em</strong>osque to<strong>da</strong> língua é uma classificação, e que to<strong>da</strong> classificação é opressiva:ordo quer dizer, ao mesmo t<strong>em</strong>po, repartição e cominação. Jakobs<strong>on</strong>mostrou que um idioma se <strong>de</strong>fine menos pelo que ele permite dizer, do que244


Jorge Hoffmann Wolffpor aquilo que ele obriga a dizer”. E arr<strong>em</strong>ata o raciocínio com outropostulado recorrente <strong>em</strong> seu pensamento: “Mas a língua, como <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho<strong>de</strong> to<strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>, não é n<strong>em</strong> reaci<strong>on</strong>ária, n<strong>em</strong> progressista; ela ésimplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir <strong>de</strong> dizer, é obrigar adizer” (BARTHES, 1978, p. 4).Assim, a questão <strong>da</strong> ina<strong>de</strong>quação <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> ao real é, s<strong>em</strong>dúvi<strong>da</strong>, a pedra-<strong>de</strong>-toque do discurso barthesiano, o qual não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong>rec<strong>on</strong>hecer o fato inevitável <strong>de</strong> que “a utopia <strong>da</strong> língua é recupera<strong>da</strong> comolíngua <strong>da</strong> Utopia”, ou seja, ela nunca fica preserva<strong>da</strong> do po<strong>de</strong>r. No entanto,o que <strong>de</strong>v<strong>em</strong>os l<strong>em</strong>brar nesse momento é que, já nos anos 50, Barthesestava ciente <strong>de</strong> que, ao se <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>struír<strong>em</strong> os mitos, corria-se o risco <strong>de</strong>rec<strong>on</strong>struí-los com vigor renovado, <strong>de</strong> lhes <strong>da</strong>r vi<strong>da</strong> nova, comcaracterísticas até então <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>heci<strong>da</strong>s. Mas se não há como fugir <strong>da</strong> eternarecuperação pelos discursos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, “essa água que escorre por to<strong>da</strong>parte” (BARTHES, 1978, p. 34), é possível trapacear com ele, jogar com apalavra gregária e estabilizadora, tomar o signo como ficção. E é isto o quecaracteriza a sua famosa e c<strong>on</strong>troverti<strong>da</strong> noção <strong>de</strong> Texto, que marca atransição para a sua etapa final e que se propunha a ser “o próprio índice do<strong>de</strong>spo<strong>de</strong>r” (BARTHES, 1978, p. 35). Diríamos então que a narrativaaudiovisual <strong>de</strong> Ilha <strong>da</strong>s flores é um Texto, enquanto O hom<strong>em</strong> que copiavaé uma Obra, c<strong>on</strong>forme a famosa oposição estabeleci<strong>da</strong> por Barthes rumo aoprazer do texto, isto é, rumo à déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 70.Tendo <strong>em</strong> vista <strong>de</strong> modo permanente a noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>spo<strong>de</strong>r, Barthes,<strong>em</strong> sua ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> crítica, s<strong>em</strong>iológica e literária, como crítico, professor eescritor, persegue s<strong>em</strong> <strong>de</strong>scanso (e <strong>de</strong> forma redu<strong>da</strong>nte, segundo Rancière –cf. it<strong>em</strong> 2.4) a meta <strong>da</strong> <strong>de</strong>snaturalização <strong>de</strong> todo estereótipo. NasMitologias, escritas no pós-guerra, a visa<strong>da</strong> sociológica, mais precisamentesartreana e marxista, <strong>da</strong>va as cartas teóricas <strong>de</strong> sua ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mitólogo, aqual ele pretendia transformar <strong>em</strong> ciência, “ciência mitológica”, assimcomo nos anos 60 a “ciência s<strong>em</strong>iológica” – ilusões que mais tar<strong>de</strong>aband<strong>on</strong>a e com as quais acerta as c<strong>on</strong>tas, particularmente na Aulainaugural. Nesse primeiro momento, tratava-se, segundo Sarlo (1981, p.15),<strong>de</strong> um intelectual muito mais sartreano do que marxista – “no olhar sobre acultura pequeno-burguesa <strong>em</strong> algumas Mitologias, ou como moral <strong>da</strong>forma, quando Sartre representava a vanguar<strong>da</strong>, com a nova língua doensaio que inventou”. Mas foi <strong>em</strong> Marx que vislumbrou as “vibraçõesi<strong>de</strong>ológicas” <strong>de</strong> termos como “valor” e “trabalho” <strong>da</strong> forma, <strong>em</strong>bora tenhasido s<strong>em</strong>pre um antidogmático c<strong>on</strong>victo, como, aliás, insiste Derri<strong>da</strong> <strong>em</strong> Asmortes <strong>de</strong> Roland Barthes.245


Documentos do presenteAin<strong>da</strong> segundo Sarlo, agora a propósito <strong>da</strong> influência <strong>de</strong> Brecht edo teatro antiburguês, “Barthes enc<strong>on</strong>tra <strong>em</strong> Brecht um marxista querefletiu sobre os efeitos do signo, resolvendo a tensão <strong>de</strong> seu momentosartreano e marxista: o compromisso <strong>da</strong> forma” (SARLO, 1981, p. 17). Em“As tarefas <strong>da</strong> crítica brechtiana”, artigo <strong>de</strong> 1956, publicado na revistaArguments, fez o elogio do formalismo do diretor do Ber<strong>line</strong>r Ens<strong>em</strong>blenum tom <strong>de</strong> manifesto com “to<strong>da</strong>s as marcas <strong>de</strong> uma época”, como dizDerri<strong>da</strong>, a propósito <strong>de</strong> O grau zero <strong>da</strong> escritura. Barthes postulava entãoque “a arte <strong>de</strong>ve ser uma anti-Physis. O formalismo <strong>de</strong> Brecht é umprotesto radical c<strong>on</strong>tra a armadilha <strong>da</strong> falsa Natureza burguesa e pequenoburguesa:numa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> ain<strong>da</strong> aliena<strong>da</strong>, a arte <strong>de</strong>ve ser crítica, <strong>de</strong>veromper qualquer ilusão, inclusive a <strong>da</strong> ‘Natureza’; o signo <strong>de</strong>ve serparcialmente arbitrário, s<strong>em</strong> o que voltamos a cair numa arte <strong>da</strong> expressão,numa arte <strong>da</strong> ilusão essencialista” (SARLO, 1981, p. 18).Se o seu último gran<strong>de</strong> t<strong>em</strong>a foi o trabalho do escritor, a idéiapermanente no sist<strong>em</strong>a crítico e no gosto <strong>de</strong> Barthes (como Sarlo enfatiza)foi a <strong>de</strong> que “não há política revoluci<strong>on</strong>ária s<strong>em</strong> forma revoluci<strong>on</strong>ária”,c<strong>on</strong>forme postulara o próprio Marx. No entanto, a partir dos anos 50, arevolução, <strong>em</strong> termos literários, passa a ser representa<strong>da</strong> pelo nouveauroman, o (mal) chamado objetivismo <strong>de</strong> Michel Butor, Marguerite Duras,Clau<strong>de</strong> Sim<strong>on</strong>, Nathalie Sarraute e Alain Robbe-Grillet, <strong>de</strong> modo que areivindicação <strong>de</strong> Brecht era c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea à dos novos romancistas,c<strong>on</strong>forme manifesta <strong>em</strong> dois artigos publicados na revista Critique, <strong>em</strong>1954, “Literatura objetiva” e “Literatura literal”. A manutenção s<strong>em</strong>c<strong>on</strong>cessões <strong>da</strong> idéia <strong>de</strong> forma revoluci<strong>on</strong>ária vi<strong>da</strong> afora, <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento<strong>em</strong> <strong>de</strong>slocamento, <strong>de</strong> <strong>de</strong>cepção <strong>em</strong> <strong>de</strong>cepção (pois diz na Aula que a idéiapo<strong>de</strong> se tornar “<strong>de</strong>cepci<strong>on</strong>ante” diante <strong>de</strong> certo tipo <strong>de</strong> leitura), implicou naa<strong>de</strong>são a uma estética <strong>da</strong> transgressão (SARLO, 1981, p. 18). O que o leva,a partir dos anos 60, a figurar como o crítico mais pro<strong>em</strong>inente <strong>da</strong>neovanguar<strong>da</strong> francesa, revigora<strong>da</strong> por, entre outros, Severo Sarduy ePhilippe Sollers, e seguir adiante, <strong>da</strong> batalha mitológica antiburguesa à<strong>de</strong>sc<strong>on</strong>strução do signo sob as formas porosas e perversas do Texto e <strong>da</strong>escritura, cuja ilegibili<strong>da</strong><strong>de</strong> transformou-se ela própria <strong>em</strong> mito a ser<strong>de</strong>sc<strong>on</strong>struído. De qualquer modo, c<strong>on</strong>tra a plenitu<strong>de</strong> referencialcaracterística do verossímil realista dominante a partir do século XIX, tratase<strong>de</strong> “esvaziar o signo” e <strong>de</strong> colocar <strong>em</strong> questão a estética secular <strong>da</strong>“representação”, c<strong>on</strong>forme a c<strong>on</strong>clusão <strong>de</strong> “O efeito <strong>de</strong> real” (artigo <strong>de</strong>1968).246


247Jorge Hoffmann WolffQuando a nova narrativa e a nova crítica dos anos 60 passam a seras duas vertentes <strong>de</strong> uma só linha <strong>de</strong> pensamento – que po<strong>de</strong>ríamos chamar<strong>de</strong> telqueliano – e as vanguar<strong>da</strong>s abol<strong>em</strong> a distinção entre os própriosgêneros, Barthes propõe uma outra visão <strong>em</strong> relação a si mesmo, não<strong>de</strong>stituí<strong>da</strong> <strong>de</strong> humor, ao se situar “na retaguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> vanguar<strong>da</strong>”, ou seja, n<strong>on</strong>ão-lugar <strong>em</strong> que se coloca <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>da</strong> Aula, que é aquele <strong>de</strong> umsujeito incerto, <strong>de</strong> um sujeito impuro. Precisamente, o sujeito entendido<strong>de</strong>ssa forma vai ocupar o lugar indireto que a literatura fornece aos saberes,“e esse indireto é precioso”, segundo ele, porque “não fixa, não fetichizanenhum <strong>de</strong>les” (BARTHES, 1978, p. 18); ou, para dizê-lo com as marcas<strong>da</strong> época <strong>de</strong> 1950, não os mitifica. Vale notar, paralelamente, que essasmarcas corresp<strong>on</strong><strong>de</strong>m com exatidão à idéia <strong>de</strong> peso do presente, que nospermite abor<strong>da</strong>r os documentários <strong>de</strong> Jorge Furtado como frutos <strong>de</strong> suahistória: Ilha <strong>da</strong>s flores (1989) visto como um filme político ímpar doperíodo <strong>da</strong> re<strong>de</strong>mocratização, uma narrativa que <strong>em</strong> letras garrafais cheias<strong>de</strong> ir<strong>on</strong>ia afirma que “este não é um filme <strong>de</strong> ficção”, ao promover o<strong>de</strong>smanche <strong>de</strong>terminista e megalomaníaco <strong>da</strong> história do Oci<strong>de</strong>nte <strong>em</strong> doz<strong>em</strong>inutos <strong>de</strong> vertig<strong>em</strong> audiovisual; O sanduíche (2000), como uma narrativavolta<strong>da</strong> às políticas do corpo do leitor, ou seja, do espectador, e como teatrodo texto <strong>em</strong> abismo, escancarando igualmente seu procedimento; e Ohom<strong>em</strong> que copiava (2003), como típica narrativa <strong>da</strong> retoma<strong>da</strong> do cin<strong>em</strong>abrasileiro para as massas, <strong>em</strong> que os artifícios <strong>de</strong> vanguar<strong>da</strong> (marginaiscomo o gênero documentário) dão lugar a um discurso acessível “para to<strong>da</strong>a gente”.De modo que, se o mito é uma fala <strong>de</strong>spolitiza<strong>da</strong> (BARTHES,1981, p. 162), o documentário visto como fala politiza<strong>da</strong> e artificiosaprecisa livrar-se dos mitos que parasitam e tranqüilizam o gênero (l<strong>em</strong>breseque o mito, para Barthes, é um tranqüilizante e o po<strong>de</strong>r um parasita <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong>), gênero ou, antes, estilo – segundo Raúl Beceyro (2005, p. 14)– hoje <strong>on</strong>ipresente no bazar mundial <strong>da</strong>s imagens. Aqui se impõe a relaçãoentre o documentarismo minimalista <strong>de</strong> Eduardo Coutinho e a s<strong>em</strong>iologialiterária <strong>de</strong> Roland Barthes, ambos escritores <strong>de</strong> livros-filmes s<strong>em</strong> projeto,b<strong>em</strong> como a pergunta sobre a crença na representação dos espectadores quetransitam com facili<strong>da</strong><strong>de</strong> extr<strong>em</strong>a entre o real e o ficci<strong>on</strong>al, c<strong>on</strong>formeAmado: “Há um combate <strong>de</strong> exigências opostas com as quais se t<strong>em</strong> <strong>de</strong>negociar. O limite <strong>de</strong>ssa negociação é aquela que articula o sentido <strong>da</strong>produção documental e seu c<strong>on</strong>sumo por espectadores, que se <strong>de</strong>ve pactuar,como faz Michael Moore, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> uma crença. Não só na dimensão<strong>de</strong> uma utopia i<strong>de</strong>ológica, mas também no <strong>da</strong> crença que os espectadoreshoje edificam <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> representação, enquanto somente ela, a


Documentos do presenterepresentação, permite olhar a barbárie do mundo como algo <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m doreal” (AMADO, 2005, p. 223). Ou seja, é o (eterno) retorno do mito <strong>da</strong>velha estética <strong>da</strong> representação, <strong>de</strong> modo similar ao que Süssekind o lê nasnarrativas ficci<strong>on</strong>ais brasileiras.2.4 Fotografia/Imag<strong>em</strong>A câmara clara, o famoso <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro texto <strong>de</strong> Barthes, <strong>de</strong>dicado àfotografia, é também uma teoria <strong>da</strong> representação e <strong>da</strong> “imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> simesmo”, através <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> foto esmaeci<strong>da</strong>, única, aurática <strong>de</strong> sua mãequando menina. Este ensaio <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático mereceu uma revisão críticarecente <strong>em</strong> Le <strong>de</strong>stin <strong>de</strong>s images (2003), por Jacques Rancière, como parte<strong>de</strong> uma reflexão maior sobre a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> re<strong>de</strong>finição dos c<strong>on</strong>ceitos <strong>de</strong>imag<strong>em</strong> e <strong>de</strong> estética, a qual inclui a recusa <strong>da</strong>s idéias c<strong>on</strong>sagra<strong>da</strong>s <strong>de</strong>mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>de</strong> vanguar<strong>da</strong>, vistas como pouco esclarecedoras “para sepensar as novas formas <strong>de</strong> arte <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século passado, [ou] as relações doestético com o político”. (RANCIÈRE, 2003, p. 27).Em A câmara clara, Barthes procura <strong>de</strong>scobrir o “traço inimitável –o “no<strong>em</strong>a” – <strong>da</strong> fotografia enquanto “arte <strong>da</strong> Pessoa”. No caso do retrato,que marca as primeiras déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> sua existência, alguém terá visto,presenciado o referente <strong>em</strong> carne-e-osso, viu-o <strong>em</strong> pessoa. Ça a été etquelqu’un y a été – “isso foi” e “alguém esteve aí”, o que seria antes oatestado <strong>de</strong> que “o que vejo <strong>de</strong> fato existiu”, e não uma l<strong>em</strong>brançanostálgica com a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> restituir qualquer coisa, mesmo porque Acâmara clara fala <strong>da</strong> foto <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> Morte e mesmo <strong>de</strong> Ressurreição,s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>or <strong>de</strong> tomá-la como “presença imediata” <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m metafísica(BARTHES, 1984, p. 125). Morte porque se trata do “espectro <strong>da</strong> Fotoretrato”,ou do t<strong>em</strong>po obstruído por “essa imag<strong>em</strong> que produz a Morte aoquerer c<strong>on</strong>servar a vi<strong>da</strong>” (BARTHES, 1984, p. 138). E Ressurreição porquea fotografia o faz mergulhar “na substância religiosa <strong>de</strong> que sou forjado”,levando-o a perguntar: “não se po<strong>de</strong> dizer <strong>de</strong>la o que diziam os bizantinos<strong>da</strong> imag<strong>em</strong> do Cristo impregna<strong>da</strong> no Sudário <strong>de</strong> Turim, isto é, que ela nãoera feita por mão <strong>de</strong> hom<strong>em</strong>, acheiropoietos?” (BARTHES, 1984, p. 123-24).O que permite ao s<strong>em</strong>iólogo <strong>de</strong> formação sartreano-marxista falarnestes termos (ou fazer o “elogio do gozo”, c<strong>on</strong>forme menci<strong>on</strong>ado acima)na última déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> sua existência, os anos 1970? Em boa parte aquilo queele próprio chamaria <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ioclastia, a <strong>de</strong>struição/<strong>de</strong>sc<strong>on</strong>strução do signo248


Jorge Hoffmann Wolffao invés <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cifração obsessiva (como na época <strong>da</strong>s Mitologias e <strong>da</strong>Análise estrutural do relato, anos 50 e 60, respectivamente). A nova e<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira etapa manifesta-se a partir do ensaio S/Z (1969), sua leiturac<strong>on</strong>tracanônica – e c<strong>on</strong>tra si próprio – <strong>de</strong> um relato <strong>de</strong> Balzac, o quetambém po<strong>de</strong> ser rec<strong>on</strong>hecido tanto <strong>em</strong> O prazer do texto quanto na Aulainaugural, assim como <strong>em</strong> A câmara clara, livro <strong>em</strong> que l<strong>em</strong>os um meaculpa revelador <strong>de</strong> “uma espécie <strong>de</strong> <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>forto que s<strong>em</strong>pre me forac<strong>on</strong>hecido”:[...] o <strong>de</strong> ser um sujeito jogado entre duas linguagens, umaexpressiva, outra crítica; e <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta última, entre váriosdiscursos, os <strong>da</strong> sociologia, <strong>da</strong> s<strong>em</strong>iologia e <strong>da</strong> psicanálise –mas que, pela insatisfação <strong>em</strong> que por fim me enc<strong>on</strong>trava <strong>em</strong>relação tanto a uns quanto a outros, eu <strong>da</strong>va test<strong>em</strong>unho <strong>da</strong>única coisa segura que existia <strong>em</strong> mim (por mais ingênuaque fosse): a resistência apaix<strong>on</strong>a<strong>da</strong> a qualquer sist<strong>em</strong>aredutor. Pois to<strong>da</strong> vez que, tendo recorrido um pouco aalgum, sentia uma linguag<strong>em</strong> adquirir c<strong>on</strong>sistência, e assimresvalar para a redução e a reprimen<strong>da</strong>, eu a aband<strong>on</strong>avatranqüilamente e procurava <strong>em</strong> outra parte: punha-me a falar<strong>de</strong> outro modo. (BARTHES, 1984, p. 18-19).Mas os c<strong>on</strong>hecidos <strong>de</strong>slocamentos <strong>de</strong> rota <strong>em</strong> sua l<strong>on</strong>ga experiência<strong>de</strong> pensador-escritor reduz<strong>em</strong>-se a dois momentos (que se tocam), segundoa abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> crítica <strong>de</strong> Rancière: o antes e o <strong>de</strong>pois do estruturalismocientificista e militante, cujo marco se enc<strong>on</strong>tra no programa <strong>de</strong> abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong>radical do universo simbólico, a s<strong>em</strong>ioclastia, último gran<strong>de</strong> avatar <strong>da</strong><strong>de</strong>riva teórica <strong>de</strong> Roland Barthes, aband<strong>on</strong>ado assim, enquanto intelectualsituado no entrelugar <strong>da</strong> crítica e <strong>da</strong> criação, ao prazer do texto e aotrabalho do escritor. Pouco antes <strong>de</strong> escrever A câmara clara, compunha <strong>em</strong>inistrava os cursos <strong>de</strong> A preparação do romance, <strong>em</strong> que aproxima afotografia, que diz “isso foi”, do haicai, que diz “é isso”. Para ele, “o haicaise aproxima muito do no<strong>em</strong>a <strong>da</strong> fotografia” (BARTHES, 1984, p. 119). Asessão do dia 17 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1979 c<strong>on</strong>tém muitas cifras para o que viriaa ser o breviário <strong>de</strong> Barthes sobre a fotografia, e especialmente sobre suaposição teórica e sua visão <strong>da</strong> idéia <strong>de</strong> representação através do fotográfico.A guina<strong>da</strong> fenomenológica é explicita<strong>da</strong> no terceiro it<strong>em</strong> <strong>de</strong> sua lista <strong>de</strong>“Paradoxos <strong>em</strong> torno <strong>da</strong> Fotografia”:Tanto para a fotografia como para o cin<strong>em</strong>a, parece queain<strong>da</strong> não pu<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir a especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> imag<strong>em</strong>249


Documentos do presentefotográfica, o efeito próprio que ela possui (c<strong>on</strong>tra outrasartes). Não po<strong>de</strong>mos formular seu “no<strong>em</strong>a”: o modoespecífico <strong>de</strong> aparecer, <strong>de</strong> ser atingido pela visa<strong>da</strong>no<strong>em</strong>ática, <strong>de</strong> intenci<strong>on</strong>ali<strong>da</strong><strong>de</strong>; esse vocabuláriofenomenológico po<strong>de</strong> ser justificado pelo fato que, para aFenomenologia, a visão é a instância <strong>de</strong>cisiva <strong>de</strong>c<strong>on</strong>hecimento. (BARTHES, 1984, p. 145).Em segui<strong>da</strong>, Barthes avançaria a sua hipótese, a qual afirma existirhá t<strong>em</strong>pos, <strong>em</strong>bora “nunca explora<strong>da</strong> a fundo” (o que logo faria): “o no<strong>em</strong>a<strong>da</strong> foto <strong>de</strong>ve ser buscado no ‘isso foi’. Para ele, no entanto, o cin<strong>em</strong>atógrafopermaneceria carente <strong>de</strong> no<strong>em</strong>a, mesmo porque aquilo que <strong>de</strong>sperta seuinteresse no que diz respeito à imag<strong>em</strong> é a fotografia, e um certo tipo <strong>de</strong>fotografia <strong>em</strong> especial: a foto envelheci<strong>da</strong> <strong>de</strong> sua mãe, a única entre as queanalisa que ao leitor não é <strong>da</strong>do ver. Diz Barthes: “A fotografia era muitoantiga. Cart<strong>on</strong>a<strong>da</strong>, os cantos machucados, <strong>de</strong> um sépia <strong>em</strong>pali<strong>de</strong>cido, mal<strong>de</strong>ixava ver duas crianças <strong>em</strong> pé, formando grupo, na extr<strong>em</strong>i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> umapequena p<strong>on</strong>te <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira <strong>em</strong> um Jardim <strong>de</strong> Inverno com teto <strong>de</strong> vidro”(BARTHES, 1984, p. 101-2).De fato, para ele, o mundo <strong>de</strong>veria ser dividido <strong>em</strong> um antes e um<strong>de</strong>pois <strong>da</strong> fotografia, à diferença <strong>de</strong> Pierre Legendre (crítico dos Cahiers duCinéma, citado pelo próprio autor), que o separara <strong>em</strong> ante e <strong>de</strong>pois docin<strong>em</strong>a. E à diferença também – po<strong>de</strong>ríamos acrescentar – <strong>de</strong> JacquesRancière, que veria um antes e um <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> narrativa realista que tornapossível a fotografia, durante a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>quilo que chamamosfrouxamente <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> e que marca, a seu ver, o advento do “regimeestético <strong>da</strong>s artes”. Segundo Rancière, o que se costuma <strong>de</strong>finir como“antigo” e “mo<strong>de</strong>rno” representa, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma vasta simplificação dosregimes <strong>da</strong>s artes predominantes no Oci<strong>de</strong>nte, que divi<strong>de</strong> <strong>em</strong> três: o regimeético (cuja referência era Platão), o regime poético ou representativo (cujareferência era Aristóteles) e, finalmente, o regime estético, que provocauma profun<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça nas relações entre o visível e o legível. Inauguradopela mira<strong>da</strong> do realismo pictórico e literário no início do séc. XIX, o regimeestético enfim liberaria a arte <strong>de</strong> qualquer hierarquia <strong>em</strong> relação a t<strong>em</strong>as ougêneros, significando a “ruína do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> representação” e abrindocaminho para o modo <strong>de</strong> ver diss<strong>em</strong>inado pela <strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> fotografia.Paradoxalmente, é a literatura <strong>de</strong>ste mesmo período que Barthes inscreveria<strong>em</strong> seu cân<strong>on</strong>e pessoal (Balzac, Chateaubriand, Flaubert), <strong>em</strong>borarepresente e celebre o neovanguardismo estético, <strong>de</strong>sc<strong>on</strong>struído à suamaneira por Rancière.250


Jorge Hoffmann WolffEm suas invectivas c<strong>on</strong>tra as abor<strong>da</strong>gens que atribu<strong>em</strong> aos aparatostécnicos a inauguração <strong>de</strong> novos modos <strong>de</strong> perceber o mundo – tendo <strong>em</strong> Acâmara clara o seu paradigma –, ele lança mão <strong>de</strong> um c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong> imag<strong>em</strong>que ultrapassa a visão indicial representa<strong>da</strong>, entre outros, por WalterBenjamin, André Bazin ou Vilém Flusser. Embora sejam autores <strong>de</strong>estudos fun<strong>da</strong>mentais sobre o assunto, estes ten<strong>de</strong>m a ver na foto “uma<strong>em</strong>anação [literal] do referente” (BARTHES, 1984, p. 124), sendo uma<strong>em</strong>anação engendra<strong>da</strong>, portanto, magicamente por um meio <strong>de</strong> reproduçãomecânica <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para Rancière (2003, p. 14-15), o c<strong>on</strong>ceito <strong>de</strong>imag<strong>em</strong> <strong>de</strong>signa duas coisas diferentes: <strong>de</strong> um lado, “a relação simples queproduz a s<strong>em</strong>elhança com um original”, e <strong>de</strong> outro “o jogo <strong>de</strong> operaçõesque produz o que nós chamamos <strong>de</strong> arte: precisamente uma alteração <strong>da</strong>s<strong>em</strong>elhança”. Figurativas ou não, posto que não são exclusivi<strong>da</strong><strong>de</strong> dovisível (“existe o visível que não faz imag<strong>em</strong> e há imagens que são to<strong>da</strong>s<strong>em</strong> palavras”), as imagens para o autor <strong>de</strong> Le <strong>de</strong>stin <strong>de</strong>s images são“operações que produz<strong>em</strong> uma separação, uma <strong>de</strong>ss<strong>em</strong>elhança”. Sendoassim, as imagens <strong>de</strong>fin<strong>em</strong>-se melhor e menos esotericamente, segundo ele,enquanto operações, isto é, enquanto “relações entre um todo e as partes,entre uma visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e um po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> significação e <strong>de</strong> afeto que lhe éassocia<strong>da</strong>, entre expectativas e o que as vêm preencher” (RANCIÈRE,2003, p. 11). Operações estas que não po<strong>de</strong>m ser reduzi<strong>da</strong>s, a seu ver, ao“isso foi” e ao mero captar do instante inscrito na relação presente <strong>em</strong> todoato fotográfico, que Barthes (1984, p. 21-22) <strong>de</strong>finia como a “experiênciado sujeito olhado e do sujeito que olha”. Cabe l<strong>em</strong>brar, porém, que aFotografia, c<strong>on</strong>forme se lê logo nas primeiras páginas <strong>de</strong> A câmara clara, é“s<strong>em</strong>pre invisível: não é ela que v<strong>em</strong>os” (BARTHES, 1984, p. 16), o quepo<strong>de</strong> ser c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rado como uma forma <strong>de</strong> separação ou <strong>de</strong>ss<strong>em</strong>elhanças <strong>em</strong>relação ao “isso foi”. Aliás, Barthes (1984, p. 25) rec<strong>on</strong>hece que “foi antes<strong>da</strong> Fotografia que os homens mais falaram <strong>da</strong> visão do duplo”. Esse antesaparece grifado no original e corresp<strong>on</strong><strong>de</strong> precisamente ao t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> queRancière i<strong>de</strong>ntifica o nascimento <strong>de</strong> um “novo regime <strong>da</strong>s artes”.3. PerspectivasO campo infinito <strong>da</strong> literatura c<strong>on</strong>tém <strong>em</strong> si as chaves do queRancière <strong>de</strong>nomina, como se viu, “regime estético <strong>da</strong>s artes”, quando, noinício do séc. XIX, antes do advento <strong>da</strong> fotografia, o olhar realista napintura e na literatura se diss<strong>em</strong>inaram. Mas somente a partir do <strong>em</strong>prego<strong>da</strong> técnica fotográfica seria possível a invenção do cin<strong>em</strong>a, que criou por251


Documentos do presentesua vez novos modos <strong>de</strong> ver e <strong>de</strong> li<strong>da</strong>r com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. São estes, portanto,os vetores <strong>da</strong> pesquisa: a literatura como narrativa silenciosa esupostamente <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, sendo inegável que o público tenhamigrado há já algumas déca<strong>da</strong>s para outros meios, <strong>em</strong> que, aliás, a literaturasegue circulando e se transformando através <strong>de</strong> novos suportes e formatos;e o cin<strong>em</strong>a como seqüência e sintoma do substrato literário e culturalanterior, o qual igualmente vive seu processo <strong>de</strong> superação ou autosuperaçãopor causa <strong>da</strong>s re<strong>de</strong>s digitais <strong>de</strong> circulação <strong>de</strong> som e imag<strong>em</strong>. Oprojeto <strong>em</strong> curso busca pôr <strong>em</strong> c<strong>on</strong>exão os dois universos através <strong>da</strong> análise<strong>de</strong> seus textos, escritos ou fílmicos, tendo na teoria <strong>da</strong>s imagens como forçao seu p<strong>on</strong>to <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> analítico e crítico.ReferênciasADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Jorge Zahar, 1985.AMADO, A. Michael Moore e uma narrativa do mal. In: MOURÃO, M. D.;RAMOS, F. O cin<strong>em</strong>a do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005.BARTHES, R. Mitologias. São Paulo: Difel, 1981._____. “Théorie du texte” (1970). In: Oeuvres Complètes. T. II. Paris: Seuil, 1994._____. Le plaisir du texte. Paris: Seuil, 1973._____. Leç<strong>on</strong>. Paris: Seuil, 1978 [Aula. São Paulo: Cultrix, s.d.]._____. A câmara clara. Nota sobre a fotografia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Nova Fr<strong>on</strong>teira,1984._____. A preparação do romance 1 e 2. São Paulo: Martins F<strong>on</strong>tes, 2005 e 2006._____. O rumor <strong>da</strong> língua. São Paulo: Martins F<strong>on</strong>tes, 2006._____. Oeuvres Complètes. Paris: Seuil, 1984.BAZIN, A. Qu’est-ce que le cinéma. Paris: Editi<strong>on</strong>s du Cerf, 1962.BECEYRO, R. Ensayos sobre la fotografía. México: Arte y Libros, 1978._____. “Cine documental: la primera pers<strong>on</strong>a” (<strong>de</strong>bate). In: Punto <strong>de</strong> Vista, n 82,Buenos Aires, Agosto 2005.BENJAMIN, W. Obras escolhi<strong>da</strong>s (vols. I, II, III). São Paulo: Brasiliense, 1985.BERNARDET, J-C. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia <strong>da</strong>sLetras, 2003.BOURDIEU, P. Sobre a televisão seguido <strong>de</strong> A influência do jornalismo e Osjogos olímpicos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, 1997._____. O po<strong>de</strong>r simbólico. Lisboa/Rio <strong>de</strong> Janeiro: Difel/Bertrand Brasil, 1989.252


Jorge Hoffmann Wolff_____. A ec<strong>on</strong>omia <strong>da</strong>s trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2004.COMOLLI, J-L. Filmar para ver. Escritos <strong>de</strong> teoria y crítica <strong>de</strong> cine. BuenosAires: Simurg; Cátedra La Ferla (UBA), 2002.DELEUZE, G. Cin<strong>em</strong>a 1: a imag<strong>em</strong>-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985._____. Cin<strong>em</strong>a 2: a imag<strong>em</strong>-t<strong>em</strong>po. São Paulo Brasiliense, 1990.DERRIDA, J. Les morts <strong>de</strong> Roland Barthes. In: Poétique, n. 47. Paris: Seuil, 1981.DIDI-HUBERMAN, G. O que v<strong>em</strong>os, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 1998._____. Ante el ti<strong>em</strong>po. Historia <strong>de</strong>l arte y anacr<strong>on</strong>ismo <strong>de</strong> las imágenes. BuenosAires: Adriana Hi<strong>da</strong>lgo, 2005.DI TELLA, A. O documentário e eu. In: MOURÃO, M. D.; RAMOS, F. O cin<strong>em</strong>ado real. São Paulo: Cosac Naify, 2005.ESCOREL, E. Adivinhadores <strong>de</strong> água. Pensando no cin<strong>em</strong>a brasileiro. São Paulo:CosacNaify, 2006.FLUSSER, V. Filosofia <strong>da</strong> caixa preta. Ensaios para uma futura filosofia <strong>da</strong>fotografia. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Relume Dumará, 2002._____; MOURÃO, M. D. (Orgs.). O cin<strong>em</strong>a do real. São Paulo: CosacNaify, 2005.LABAKI, A. Introdução ao documentário brasileiro. São Paulo: Francis, 2006.LEBLANC, G. et al. “Pourquoi écrire sur le cinéma documentaire?”. In: La RevueDocumentaires no 14, Paris, 1er trimestre 1999.LE GOFF, J. “Documento/M<strong>on</strong>umento”. In: Enciclopédia Einaudi, vol. 1,M<strong>em</strong>ória-História. Lisboa: Imprensa Naci<strong>on</strong>al e Casa <strong>da</strong> Moe<strong>da</strong>, 1997.LINS, C. O documentário <strong>de</strong> Eduardo Coutinho: televisão e ví<strong>de</strong>o. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Jorge Zahar, 2004.RAMOS, F. P. Cin<strong>em</strong>a Ver<strong>da</strong><strong>de</strong> no Brasil: tradição e transformação. São Paulo:Summus, 2004._____; MIRANDA, L. F.. Enciclopédia do Cin<strong>em</strong>a Brasileiro. São Paulo: SENACSP, 2000.RANCIÈRE, J. A partilha do sensível. Estética e política. São Paulo: EXO/Editora34, 2005._____. La fable cinématographique. Paris: Seuil, 2001._____. Le <strong>de</strong>stin <strong>de</strong>s images. Paris: La Fabrique, 2003.RICHARD, N. Intervenções críticas: Arte, cultura, gênero e política. BeloHoriz<strong>on</strong>te: Editora UFMG, 2002.SARLO, B. Ti<strong>em</strong>po pasado. Cultura <strong>de</strong> la m<strong>em</strong>oria y giro subjetivo. Unadiscusión. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2005._____. El mundo <strong>de</strong> Roland Barthes (introd. e sel.). Buenos Aires: Centro Editor<strong>de</strong> América Latina, 1981.253


Documentos do presente_____. Instantáneas: medios, ciu<strong>da</strong>d y costumbres en el fin <strong>de</strong> siglo. Buenos Aires:Ariel, 1996.SODRÉ, N. W. O naturalismo no Brasil (1965). 2a ed. Belo Horiz<strong>on</strong>te: Oficina <strong>de</strong>Livros, 1992.SONTAG, S. Sobre a fotografia. São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s Letras, 2004.SÜSSEKIND, F. Tal Brasil, qual romance. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Achiamé, 1984.254


A ESTÉTICA DA LINGUAGEM ARTÍSTICA EMIDIÁTICA: REFLEXÕES E AÇÕESJussara Bittencourt <strong>de</strong> Sá1. Reflexões iniciaisNeste texto, procuramos <strong>de</strong><strong>line</strong>ar alguns aspectos <strong>da</strong> trajetória <strong>de</strong>nossos estudos como professora e pesquisadora do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, na “Linha <strong>de</strong> Pesquisa: Linguag<strong>em</strong>e Processos Culturais”.Destacamos, inicialmente, que nossos estudos visam a reflexõessobre a estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> arte e sobre os meios <strong>de</strong> comunicação quea veiculam. Nesse sentido, as pesquisas são direci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s para as diferentesmanifestações artísticas e o c<strong>on</strong>texto, observando também: o lugar que aarte ocupa nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, os mitos que a arte traz à cena, as mídias que aveiculam e, também, a práxis pe<strong>da</strong>gógica que a di<strong>da</strong>tiza.A arte representa a vi<strong>da</strong> verossímil ou inverossímil. Ela possui umduplo po<strong>de</strong>r: expressivo e sugestivo. Pelo primeiro, ela exprime ointeligível no sensível. É capaz <strong>de</strong> encarnar uma idéia ou um sentimento, namatéria, seja esta a tinta, o mármore, as palavras, ou o som.Em nossa percepção, a obra <strong>de</strong> arte anuncia-se como p<strong>on</strong>to <strong>de</strong>enc<strong>on</strong>tro entre o particular e o universal <strong>da</strong> experiência humana. Sendoassim, as obras <strong>de</strong> arte e, por c<strong>on</strong>seguinte, suas linguagens reflet<strong>em</strong>-secomo produtos culturais <strong>de</strong> uma época e criação <strong>da</strong> imaginação ou <strong>de</strong> umai<strong>de</strong>ologia.C<strong>on</strong>forme afirma Canclini (1984, p. 8):Supõe-se que as obras <strong>de</strong> arte, transcen<strong>de</strong>m astransformações históricas e as diferenças culturais e, porisso, estão s<strong>em</strong>pre disp<strong>on</strong>íveis para ser<strong>em</strong> <strong>de</strong>sfruta<strong>da</strong>s –como uma linguag<strong>em</strong> s<strong>em</strong> fr<strong>on</strong>teiras – por homens <strong>de</strong>qualquer época, nação ou classe social para receber sua“revelação”.


A estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> artística e midiática: reflexões e açõesSobre as linguagens artísticas salientamos que estas <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> <strong>da</strong>sdimensões mais sinuosas e incomensuráveis <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> humana aorevelar, <strong>em</strong> suas formas expressivas através <strong>da</strong> <strong>da</strong>nça, <strong>da</strong> música, do teatro,<strong>da</strong> poesia, <strong>da</strong>s artes plásticas e tantas outras, os meandros mais inefáveisdos sentimentos, <strong>da</strong>s paixões, dos s<strong>on</strong>hos, do imp<strong>on</strong><strong>de</strong>rável, <strong>da</strong> percepçãointuitiva c<strong>on</strong>juntamente com a c<strong>on</strong>sciência meditativa.Para Langer (1962, p.97),A arte <strong>de</strong>snu<strong>da</strong> os recônditos mais originários <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.Interpela as cama<strong>da</strong>s mais profun<strong>da</strong>s, sutis e enigmáticas dohumano. Com seu espírito <strong>de</strong> transgressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> as linguagens<strong>de</strong> arte subvert<strong>em</strong> os mo<strong>de</strong>los ortodoxos e cristalizados querecalcam e interditam as expressões mais originárias,di<strong>on</strong>isíacas e afirmadoras <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>em</strong> sua abundância eexuberância primordiais.De acordo com o autor, a <strong>em</strong>ergência <strong>de</strong> novos paradigmasocorri<strong>da</strong> nas últimas déca<strong>da</strong>s ap<strong>on</strong>ta para novas visões e posturas diante <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> e do mundo. É a partir <strong>de</strong>ssas reflexões que, na linha <strong>de</strong> pesquisa“Linguag<strong>em</strong> e processos culturais”, procuramos <strong>de</strong>senvolver nossosestudos, evi<strong>de</strong>nciando ain<strong>da</strong> as diferentes estéticas <strong>da</strong>s linguagens artísticasverbais e não-verbais.É oportuno salientar ain<strong>da</strong> que, durante a nossa trajetória noMestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>, orientamos pesquisas sobre aslinguagens artísticas <strong>de</strong> âmbitos local e global, <strong>em</strong> diferentes t<strong>em</strong>pos.Também coor<strong>de</strong>namos o Grupo <strong>de</strong> Pesquisa A estética <strong>da</strong>s linguagensverbais e não-verbais, e os projetos <strong>de</strong> Pesquisa Os Artistas e Seus Lugarese I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Migrações: a estética <strong>da</strong>s linguagens oral, visual, escrita <strong>em</strong>idiática. O olhar para a estética e a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s linguagens artísticassinaliza nossa percepção para o hibridismo que por elas perpassa.Sobre o hibridismo, sublinhamos que o apreen<strong>de</strong>mos a partir <strong>da</strong>sc<strong>on</strong>cepções <strong>de</strong> Homi Bhabha, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que este “valoriza ohibridismo como el<strong>em</strong>ento c<strong>on</strong>stituinte <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> e, portanto <strong>da</strong>representação” (p. 114). Assim, qualquer tentativa <strong>de</strong> representação éhíbri<strong>da</strong> por c<strong>on</strong>ter traços dos dois discursos, num <strong>de</strong> jogo <strong>de</strong> diferenças.Observamos ain<strong>da</strong> sobre o espaço entre o ver e o interpretar, chamando-oterceiro espaço – o interstício entre significante e significado do qual,c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando o c<strong>on</strong>texto sócio-histórico e i<strong>de</strong>ológico do usuário <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong> (o locus <strong>da</strong> enunciação), se po<strong>de</strong> ter visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do hibridismo.256


Jussara Bittencourt <strong>de</strong> SáEnfatizamos a c<strong>on</strong>strução do significado pela interpretação (ouressignificação, c<strong>on</strong>seqüente <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> atribuí<strong>da</strong> à existência <strong>de</strong>espaços intersticiais), negando a falsa idéia <strong>de</strong> transparência,homogenei<strong>da</strong><strong>de</strong> e c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> historicizar ec<strong>on</strong>textualizar o momento <strong>da</strong> enunciação.Procuramos, então, ao focalizarmos as estéticas <strong>da</strong>s linguagensartísticas, observar o cruzamento <strong>de</strong> fr<strong>on</strong>teiras, i<strong>de</strong>ntificação étnica e visãodo hibridismo <strong>de</strong>ssas linguagens, como pressupostos relevantes paratambém refletirmos sobre nossa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.Nessa perspectiva, a linguag<strong>em</strong> artística t<strong>em</strong> sido ca<strong>da</strong> vez maiscompreendi<strong>da</strong> como uma forma <strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecimento fun<strong>da</strong>mental nosprocessos <strong>de</strong> renovação e <strong>de</strong> transformação dos valores, <strong>da</strong> cultura. Apresença <strong>da</strong> arte se diversifica <strong>de</strong> acordo com as singulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ca<strong>da</strong>momento, com os valores que predominam <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> c<strong>on</strong>texto sóciocultural.Logo, estu<strong>da</strong>r as diferentes linguagens artísticas, comorepresentações <strong>da</strong>s vi<strong>da</strong>s vivi<strong>da</strong>s ou pensa<strong>da</strong>s, t<strong>em</strong> se mostradoextr<strong>em</strong>amente instigante.2. Sobre as disssertaçõesO c<strong>on</strong>texto é um dos el<strong>em</strong>entos dos quais os artistas extra<strong>em</strong>estratégias para entrar <strong>em</strong> relação com os participantes <strong>de</strong> seus trabalhos,elaborando o que também se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>nominar <strong>de</strong> máquinas relaci<strong>on</strong>ais, apartir <strong>de</strong> sua experiência estética <strong>de</strong> sua linguag<strong>em</strong>. Neste sentido,acentuamos a relevância <strong>da</strong>s pesquisas que direci<strong>on</strong>am seu foco para asmanifestações artísticas, na medi<strong>da</strong> <strong>em</strong> que estas <strong>de</strong>svelam, muitas vezes, acapaci<strong>da</strong><strong>de</strong> interterritorial <strong>da</strong>s estéticas e <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s, promovendocruzamentos, passagens, trocas, c<strong>on</strong>taminações advin<strong>da</strong>s <strong>de</strong> diferenteslugares.Assim sendo, procuramos instigar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>dissertações sobre as diferentes manifestações artísticas e sua veiculação,observando as estéticas <strong>de</strong>ssas linguagens que sinalizam o representar doimaginário humano, b<strong>em</strong> como o pensar sobre a arte e sua prática docente.Na seqüência, apresentamos algumas c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rações acerca <strong>da</strong>sdissertações que orientamos ou que estão <strong>em</strong> fase <strong>de</strong> elaboração.257


A estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> artística e midiática: reflexões e ações1) O mito nosso <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> dia: a linguag<strong>em</strong> utiliza<strong>da</strong> na revistaCapricho na mitificação do jogador Kaká (2005). O objetivo do estudo<strong>de</strong>senvolvido por Cláudia Nandi Formentin foi o <strong>de</strong> apresentar uma análiseestética <strong>de</strong> matérias que anunciam a ocorrência <strong>da</strong> formação <strong>de</strong> mitos,observando <strong>de</strong> que forma esta é c<strong>on</strong>struí<strong>da</strong> através dos veículos <strong>de</strong>comunicação <strong>de</strong> massa <strong>em</strong> nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Enfatizamos, no recorteteórico, a importância <strong>da</strong>s informações que são veicula<strong>da</strong>s, analisando apossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma c<strong>on</strong>exão com mitos <strong>da</strong> antigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> clássica, <strong>em</strong>especial o mito <strong>de</strong> Apolo. Dentre os veículos <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa, <strong>em</strong>especial, os voltados para os adolescentes, eleg<strong>em</strong>os como objeto <strong>de</strong>investigação a revista Capricho. Observamos esta como meio <strong>de</strong> veiculaçãopara o estudo dos mitos. Evi<strong>de</strong>nciamos as matérias sobre o jogador Kaká,(Ricardo Izecs<strong>on</strong> dos Santos Leite), por ter sua imag<strong>em</strong> amplamentedivulga<strong>da</strong> pela referi<strong>da</strong> revista, como íc<strong>on</strong>e possível para que se estabeleçauma articulação com o mito grego Apolo. As teorias apresenta<strong>da</strong>s tornamsesuportes para a análise <strong>da</strong>s matérias veicula<strong>da</strong>s pela Revista Capricho,na qual se procura examinar <strong>de</strong> que maneira ac<strong>on</strong>teceria a reinscritura dosmitos <strong>da</strong> antigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> nos nossos dias.2) Matizes e (pré) c<strong>on</strong>ceitos <strong>da</strong> mulata nas obras: “A escravaIsaura” e “O Cortiço” (2006). O estudo <strong>em</strong>preendido por FelisbertoAugusto <strong>da</strong> F<strong>on</strong>seca propôs uma leitura <strong>da</strong>s obras literárias A EscravaIsaura, <strong>de</strong> Bernardo Guimarães, e O Cortiço, <strong>de</strong> Aluísio Azevedo, tendocomo eixo para reflexão uma investigação dos matizes e do prec<strong>on</strong>ceito <strong>da</strong>mulata nas referi<strong>da</strong>s obras. Partiu-se, inicialmente, <strong>de</strong> reflexões sobre aestética <strong>da</strong> arte literária, localizando-a e c<strong>on</strong>textualizando-a no período <strong>da</strong>edição <strong>da</strong>s obras. A análise estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> arte literária <strong>de</strong>stacouos diferentes matizes e também o prec<strong>on</strong>ceito <strong>da</strong> mulata que aparecerepresenta<strong>da</strong> pelas pers<strong>on</strong>agens Isaura e Rita Baiana, nas respectivas obras.Procurou-se <strong>de</strong>stacar e avaliar as diferentes abor<strong>da</strong>gens <strong>da</strong><strong>da</strong>s pelos autoresdo século XIX. Ao centrar-se nas pers<strong>on</strong>agens Isaura e Rita Baiana, esseestudo tentou trazer à discussão como a linguag<strong>em</strong> utiliza<strong>da</strong> pelos autores<strong>em</strong> seus enredos e diálogos coloca <strong>em</strong> cena reflexões e <strong>de</strong>svelamentos doprec<strong>on</strong>ceito racial na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong> do séculoXIX. Enten<strong>de</strong>mos que tais el<strong>em</strong>entos c<strong>on</strong>tribu<strong>em</strong> para referen<strong>da</strong>r a arteliterária como importante enunciado para a leitura dos t<strong>em</strong>pos e <strong>da</strong>ssocie<strong>da</strong><strong>de</strong>s, <strong>de</strong>ntre outros.3) O Boi-<strong>de</strong>-mamão vivo (e) na escola: uma leitura do GrupoFolclórico Beco do Beijo <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Tubarão (2006). A dissertaçãoelabora<strong>da</strong> por Miriam Terezinha Lopes Lúcio apresentou uma pesquisa258


Jussara Bittencourt <strong>de</strong> Sásobre a linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> arte do folclore, <strong>em</strong> especial, o boi-<strong>de</strong>-mamão a partir<strong>da</strong> leitura <strong>da</strong> performance do Grupo Folclórico Beco do Beijo <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Tubarão. Procurou-se promover uma análise <strong>da</strong> estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong>sseespetáculo, enfatizando as vozes sociais presentes na encenação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,morte e ressurreição do Boi. A estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> do espetáculorevelou-se pela inclusão <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos novos. Evi<strong>de</strong>nciou-se como aspers<strong>on</strong>agens humanas viv<strong>em</strong> <strong>em</strong> c<strong>on</strong>stante rotação e transformação b<strong>em</strong>como os bichos, <strong>em</strong>bora esses últimos permaneçam intactos na suaessência, ou seja, não se apagam <strong>da</strong> m<strong>em</strong>ória coletiva. O Grupo traz à cenao mito original, o ritual <strong>da</strong> morte e ressurreição do Boi. Destacou-se assimcomo o Grupo estu<strong>da</strong>do mantém uma forma peculiar, ao promover ohibridismo estético na m<strong>on</strong>tag<strong>em</strong> e representação o Boi-<strong>de</strong>-mamão,recriando ou reinventando a len<strong>da</strong> do Bumba-meu-boi <strong>em</strong> estilo açoriano,usando uma linguag<strong>em</strong> própria e, com isso, anunciando outras vozessociais. Refletiu-se, ain<strong>da</strong>, sobre os caminhos que c<strong>on</strong>duz<strong>em</strong> leitores/educadores à importância do cultivo, vivência e uso do mito e folclore noc<strong>on</strong>texto educativo.4) C’est la vie: La vie en close entre s<strong>on</strong>s, formas e c<strong>on</strong>teúdos(2007). A proposta <strong>de</strong> estudo Gut<strong>em</strong>berg Alves Geral<strong>de</strong>s Júnior foi a <strong>de</strong>analisar as diferentes estéticas <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> poética l<strong>em</strong>inskiana presentes<strong>em</strong> seu livro La vie en close. Enfatizou-se, no recorte teórico, a importância<strong>de</strong> se lançar um olhar sobre as diversas formas <strong>de</strong> percepção causa<strong>da</strong>s pelapoesia do autor curitibano, como, suas potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s s<strong>on</strong>oras(melopaicas), imagéticas (fanopaicas) e <strong>de</strong> c<strong>on</strong>teúdo (logopaicas). Oestudo, <strong>em</strong> síntese, <strong>de</strong>stacou as estéticas <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> verbal e não-verbalna referi<strong>da</strong> obra. Em sua estrutura, a dissertação apresentou teorias sobrepós-mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>, sobre estética <strong>de</strong>stacando o lugar <strong>da</strong>s artes, com focoespecial para o lugar <strong>da</strong> poesia. Focalizou-se, ain<strong>da</strong>, o papel <strong>da</strong> poesia comoprocesso evolutivo <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>.5) Um estudo sobre o ensino <strong>da</strong> arte: Proposta Curricular e aprática docente (2007). A dissertação elabora<strong>da</strong> por Silésia <strong>de</strong> AguiarMen<strong>de</strong>s Maciel apresentou um estudo sobre os pressupostos teóricos noensino <strong>da</strong> arte e a práxis docente do ensino fun<strong>da</strong>mental e algumassugestões para esta prática. Como aporte teórico recorr<strong>em</strong>os às reflexõessobre a arte, à historicização do processo <strong>de</strong> inserção <strong>de</strong> seu estudo nosist<strong>em</strong>a educaci<strong>on</strong>al brasileiro e aos pressupostos teóricos para seu ensino,b<strong>em</strong> como aos aportes <strong>da</strong> Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina, <strong>de</strong> 1998.A teoria apresenta<strong>da</strong> serviu como eixo articulador/c<strong>on</strong>dutor para a análisedos <strong>da</strong>dos colhidos na pesquisa <strong>de</strong> campo. Foram seleci<strong>on</strong>ados <strong>de</strong>z259


A estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> artística e midiática: reflexões e açõesprofessores <strong>da</strong> re<strong>de</strong> estadual <strong>de</strong> ensino do município <strong>de</strong> Criciúma, <strong>de</strong>escolas no centro e cinco escolas nos bairros. Procurou-se investigar comoestava ac<strong>on</strong>tecendo a prática docente dos professores <strong>de</strong> artes <strong>da</strong> re<strong>de</strong>estadual <strong>de</strong> ensino, nas séries do ensino fun<strong>da</strong>mental. Destacou-se tambéma relevância <strong>da</strong> Proposta Curricular <strong>de</strong> Santa Catarina 1998 para o <strong>de</strong>spertardos professores <strong>de</strong> arte para a importância <strong>de</strong> seu papel na formação doci<strong>da</strong>dão. Observou-se, ain<strong>da</strong>, a partir <strong>da</strong>s obras do artista Sérgio H<strong>on</strong>orato,pesquisado durante os estudos do Projeto <strong>de</strong> Pesquisa “Os Artistas e SeusLugares”, <strong>de</strong> Criciúma, como se po<strong>de</strong>ria trabalhar com a arte <strong>de</strong> um artistado lugar. Salientou-se que o <strong>de</strong>senvolvimento através do exercício <strong>da</strong>imaginação, <strong>da</strong> auto-expressão, <strong>da</strong> <strong>de</strong>scoberta e <strong>da</strong> criação recupera uma<strong>da</strong>s funções <strong>de</strong>ste ensino, ou seja, a <strong>de</strong> possibilitar um espaço para novasexperiências perceptivas, propicia<strong>da</strong>s por uma diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> valores,sentidos e intenções.6) O artista e o seu lugar: as imagens e as narrativas <strong>da</strong> mulherararanguaense nas esculturas <strong>de</strong> Marta Rocha (2008). A pesquisa efetua<strong>da</strong>Sandra Regina <strong>de</strong> Barros <strong>de</strong> Souza teve como objetivo verificar quais vozessociais do f<strong>em</strong>inino e que aspectos <strong>da</strong> cultura local são <strong>de</strong>spertados pelaestética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> obras <strong>da</strong> artista araranguaense Marta Rocha,através <strong>da</strong>s narrativas <strong>de</strong> m<strong>em</strong>bros comp<strong>on</strong>entes do CIART. A opção porelaborar esse estudo <strong>de</strong>u-se durante pesquisas realiza<strong>da</strong>s pelo Projeto “Osartistas e Seus Lugares”, que possibilitou à aluna a interação com a artista esuas obras. Procuramos examinar a c<strong>on</strong>stituição <strong>de</strong>ssas narrativas sob aótica <strong>da</strong>s teorias <strong>de</strong> gênero, <strong>da</strong> arte, <strong>da</strong> história <strong>da</strong> arte, aspectos teoria <strong>da</strong>linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> Mikhail Bakhtin e do existencialismo mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> Jean PaulSartre. D<strong>em</strong>arcou-se, assim, a c<strong>on</strong>strução <strong>da</strong> c<strong>on</strong>sciência acerca dof<strong>em</strong>inino na cultura araranguaense a partir dos el<strong>em</strong>entos do imaginário quese c<strong>on</strong>struiu na percepção <strong>de</strong> dois grupos mulheres araranguaenses quefaz<strong>em</strong> parte do CIART. Os <strong>da</strong>dos levantados foram analisados utilizando-seprocedimentos <strong>da</strong> técnica <strong>de</strong> grupo e <strong>de</strong> análise <strong>da</strong> historia oral. Estaap<strong>on</strong>tou como as narrativas produzi<strong>da</strong>s pelas comp<strong>on</strong>entes do grupo,instiga<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> observação sobre a arte <strong>de</strong> Marta Rocha, po<strong>de</strong>mtraduzir as histórias <strong>da</strong>s mulheres, seus perfis sociais, trazendo c<strong>on</strong>sigo asvozes sociais do f<strong>em</strong>inino: avó, mãe, filha, neta, sobrinha, tia, amiga,esposa, namora<strong>da</strong>, como também o papel profissi<strong>on</strong>al e a c<strong>on</strong>dição <strong>de</strong>t<strong>em</strong>po e do lugar.7) Leitura <strong>da</strong> música popular brasileira: uma proposta paraativi<strong>da</strong><strong>de</strong> teórico/prática no ensino <strong>de</strong> Arte (2008). O estudo <strong>em</strong>preendidopor Kátia Regina <strong>de</strong> Souza Pereira Rufino procurou apresentar uma260


Jussara Bittencourt <strong>de</strong> Sáproposta <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s para a leitura <strong>da</strong> arte <strong>da</strong> música, <strong>de</strong>stacando a músicapopular brasileira e seus gêneros, no ensino fun<strong>da</strong>mental. O foco teórico <strong>da</strong>pesquisa centrou-se na perspectiva <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> e <strong>da</strong> leitura,<strong>em</strong>preen<strong>de</strong>ndo uma perspectiva <strong>da</strong> música popular brasileira, observando-acomo articulação <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> verbal e não-verbal. A base <strong>em</strong>pírica <strong>da</strong>pesquisa-ação <strong>de</strong>senvolveu-se <strong>em</strong> uma sala <strong>de</strong> aula na disciplina <strong>de</strong> Arte,<strong>em</strong> uma 7ª série do ensino fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> re<strong>de</strong> municipal <strong>de</strong> ensino <strong>de</strong>Santa Catarina. A metodologia c<strong>on</strong>tou com um período <strong>de</strong> observação e um<strong>de</strong> intervenção, c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rado, mais precisamente, um período <strong>de</strong>participação ativa. O período <strong>de</strong> observação possibilitou verificar ecomprovar como ocorre o ensino-aprendizag<strong>em</strong> <strong>de</strong> leitura <strong>da</strong> música nadisciplina <strong>de</strong> Arte. O período <strong>de</strong> participação ativa foi c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>plado com aleitura <strong>de</strong> algumas músicas <strong>de</strong> diferentes gêneros <strong>da</strong> música popularbrasileira, segui<strong>da</strong> <strong>de</strong> discussões que ofereceram real possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>c<strong>on</strong>strução <strong>de</strong> sentido durante a leitura-interação do aluno com os textos egêneros <strong>de</strong>sse campo <strong>da</strong> música. Como fechamento <strong>da</strong> proposta <strong>de</strong> leitura,os alunos produziram músicas do gênero rap, um dos gêneros explorados<strong>em</strong> sala <strong>de</strong> aula. A partir <strong>da</strong> análise, observou-se que a música popularbrasileira, como importante el<strong>em</strong>ento no processo <strong>de</strong> ensino-aprendizag<strong>em</strong><strong>de</strong> leitura, mesmo num curto período <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po, permitiu que os alunosmanifestass<strong>em</strong> leitura compreensiva dos textos (músicas) propostos, ouseja, eles <strong>de</strong>m<strong>on</strong>straram resposta ativa e, assim, foram além do processo <strong>de</strong><strong>de</strong>codificação e repetição, no processo <strong>de</strong> leitura.8) Dissertações <strong>em</strong> curso. As dissertação que estão <strong>em</strong> fase <strong>de</strong>escrita são: Um estudo sobre a presença <strong>da</strong> Estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> Pós-Mo<strong>de</strong>rna na composição do <strong>Programa</strong> Bom Dia Litoral, <strong>de</strong> Le<strong>on</strong>ir Alves;A estética <strong>de</strong> Lilith <strong>em</strong> composições <strong>de</strong> Rita Lee, <strong>de</strong> Liomar Van<strong>de</strong>rlanFernan<strong>de</strong>s; e A n<strong>on</strong>a arte: análise dos aspectos estéticos <strong>da</strong>s histórias <strong>em</strong>quadrinhos, <strong>de</strong> Fábio Ballmann.3. O Grupo <strong>de</strong> Pesquisa e os Projetos <strong>de</strong> PesquisaEste grupo está diretamente relaci<strong>on</strong>ado à linha <strong>de</strong> pesquisaLinguag<strong>em</strong> e processos culturais e procura <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> formaabrangente estudos sobre as diferentes estéticas <strong>da</strong>s linguagens verbais enão-verbais, suscita<strong>da</strong>s nas manifestações artísticas e nas mídias. Sãopropostas pesquisas sobre os processos artísticos e midiáticos <strong>de</strong> âmbitoslocal e global, <strong>em</strong> diferentes t<strong>em</strong>pos, evi<strong>de</strong>nciando seu papel sóciohistórico.Visa-se ao estudo <strong>da</strong>s interações orais, escritas e visuais como261


A estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> artística e midiática: reflexões e açõesel<strong>em</strong>entos c<strong>on</strong>stitutivos <strong>de</strong> práticas culturais. Nessa perspectiva, os objetos<strong>de</strong> pesquisa são observados como promovedores <strong>da</strong>s relações/interaçõescriativas, i<strong>de</strong>ntitárias e educativas. Do grupo <strong>de</strong> pesquisa, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>ram-sedois projetos <strong>de</strong> pesquisa que coor<strong>de</strong>nei e coor<strong>de</strong>no: Os Artistas e SeusLugares e I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Migrações: a estética <strong>da</strong>s linguagens oral, visual,escrita e midiática.3.1 Os artistas e seus lugares (2004-2007)O p<strong>on</strong>to no<strong>da</strong>l dos estudos do Projeto <strong>de</strong> Pesquisa “Os Artistas eSeus Lugares” <strong>de</strong>u-se através <strong>da</strong> leitura analítica <strong>da</strong> representação doslugares na produção artística/artesanal, focalizando, <strong>em</strong> especial, estéticas<strong>da</strong>s linguagens nas obras. Neste sentido, esse projeto <strong>de</strong>senvolveu-se apartir <strong>da</strong> articulação, <strong>da</strong> discussão e <strong>da</strong> reflexão entre o referencial teórico,obtido pela pesquisa bibliográfica, e pelo material enc<strong>on</strong>trado na pesquisa<strong>de</strong> campo. Esta se realizou através do enc<strong>on</strong>tro com os artistas/artesãos.Partimos <strong>da</strong> c<strong>on</strong>cepção <strong>de</strong> que a arte é uma linguag<strong>em</strong> <strong>de</strong> que ohom<strong>em</strong> necessita para c<strong>on</strong>struir um c<strong>on</strong>junto <strong>de</strong> atos que transformam amatéria ofereci<strong>da</strong> pela natureza e pela cultura. To<strong>da</strong> a arte é assim resultado<strong>da</strong> produção humana. De acordo com Alfredo Bosi (1989, p.13), a arte éc<strong>on</strong>hecimento. Logo, para tal ac<strong>on</strong>tecimento, ocorreram sensações eimagens, afetos e idéias, numa palavra, movimentos internos que se forma<strong>em</strong> correlação estreita com o mundo sentido, figurado.Mediante essas reflexões, <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>ram-se muitas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>pesquisa e observação in loco, <strong>de</strong>ntre elas, a visita <strong>de</strong> estudos à V Bienal doMercosul – Porto Alegre – RS, ao Santan<strong>de</strong>r Cultural e ao MARGS, aoCentro Integrado <strong>de</strong> Cultura – Florianópolis, e <strong>de</strong> exposições no SESC. Oobjetivo <strong>da</strong> participação dos pesquisadores no evento e nos espaçosculturais fora o <strong>de</strong> promover momentos nos quais as discussões sobre asestéticas <strong>da</strong>s linguagens artísticas ac<strong>on</strong>tecess<strong>em</strong> juntamente com aobservação <strong>da</strong>s obras e dos próprios espaços <strong>de</strong> sua exposição.O grupo também elaborou o mapeamento <strong>de</strong> grupos folclóricos,dos artistas e dos espaços culturais <strong>de</strong> municípios <strong>da</strong> microrregião <strong>da</strong>Amurel. Estas ações tiveram como objetivo apresentar um panorama <strong>da</strong>arte nesses municípios.O grupo <strong>de</strong> pesquisa participou do enc<strong>on</strong>tro dos artistas plásticos <strong>da</strong>região, com os acadêmicos <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>mia Tubar<strong>on</strong>ense <strong>de</strong> Letras. Nestecaso, visou-se à apresentação <strong>de</strong> palestras pelo grupo, b<strong>em</strong> como interaçãoe integração com os artistas e associações.262


Jussara Bittencourt <strong>de</strong> SáMerec<strong>em</strong> ser <strong>de</strong>staca<strong>da</strong>s, <strong>de</strong>ntre as ações durante as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>pesquisa, as visitas aos artistas Willy Zumblick, Sérgio H<strong>on</strong>orato, MartaRocha, Richard Calil Bulos (o Chachá), Flávio Cooker, João Rodrigues eVera Sabino. O c<strong>on</strong>tato e a interação com os artistas e obras resultaram <strong>em</strong>duas dissertações <strong>de</strong> mestrado, duas <strong>de</strong> graduação, a autorização <strong>da</strong>simagens <strong>de</strong> suas obras para a capa <strong>da</strong> Revista Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso,além <strong>de</strong> pôsteres e ensaios que foram apresentados <strong>em</strong> s<strong>em</strong>inários ec<strong>on</strong>gressos.Ao l<strong>on</strong>go <strong>da</strong> trajetória <strong>de</strong>ste projeto <strong>de</strong> pesquisa, c<strong>on</strong>statamos queos resultados obtidos anunciavam um significativo efeito multiplicador ediss<strong>em</strong>inador dos objetivos propostos no projeto. Faz-se relevante registrarque foi o c<strong>on</strong>tato com artistas e suas obras que suscitou, <strong>em</strong> muitospesquisados, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> um maior c<strong>on</strong>hecimento histórico/teórico sobre aarte.A atuação dos pesquisadores promoveu o fomento <strong>em</strong> pesquisassobre a arte. Também ocorreram intervenção e interação junto àcomuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, c<strong>on</strong>tribuindo para o aprimoramento, tanto dos c<strong>on</strong>hecimentoscomo <strong>da</strong>s interações entre pesquisadores e pesquisados.3.2 I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Migrações: a estética <strong>da</strong>s linguagens oral, visual,escrita e midiática (2007 – 2012)Centrado na linha <strong>de</strong> pesquisa “Linguag<strong>em</strong> e processos culturais”,o projeto <strong>de</strong> pesquisa foi elaborado quando ain<strong>da</strong> estávamos <strong>de</strong>senvolvendoo projeto <strong>de</strong> pesquisa Os Artistas e Seus Lugares.I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Migrações: a estética <strong>da</strong>s linguagens oral, visual,escrita e midiática visa <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>r estudos sobre as estéticas <strong>da</strong>slinguagens <strong>da</strong>s manifestações artístico-culturais, tanto visuais e escritas,como orais e midiáticas, produzi<strong>da</strong>s na c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong> ou <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pospassados. Cabe ressaltar que a estética observa<strong>da</strong> na leitura <strong>de</strong> obras <strong>de</strong>artes c<strong>on</strong>tribui para a percepção e o entendimento <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong>slinguagens artísticas.De acordo com Canclini (1984, p. 11):Em <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> perspectiva pareceria que a linha<strong>de</strong>marcatória entre os objetos instrumentais e os artísticos<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>da</strong> intervenção do sujeito que percebe; mas, <strong>em</strong>outro sentido é evi<strong>de</strong>nte que alguns objetos possu<strong>em</strong> maior263


A estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> artística e midiática: reflexões e açõesducticuli<strong>da</strong><strong>de</strong> para suscitar experiências estéticas. A rigor,ocorre que ambos – o observador e os objetos – estão<strong>de</strong>terminados por um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> c<strong>on</strong>venções que nadistribuição <strong>de</strong> funções sociais, adjudica, <strong>em</strong> ca<strong>da</strong> cultura e<strong>em</strong> ca<strong>da</strong> período, os atributos <strong>de</strong> instrumentali<strong>da</strong><strong>de</strong> e osestéticos, os traços diferenciais e suas combinaçõespossíveis. “O gosto clássico”.Perceb<strong>em</strong>os, assim, que os artistas, com suas diferentes i<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>em</strong>aturi<strong>da</strong><strong>de</strong> pessoal, ao criar<strong>em</strong> suas obras, procuram imaginar e inventar“formas novas”, com sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, e que são representações e expressõesdo mundo natural e cultural por eles c<strong>on</strong>hecido.A leitura <strong>de</strong>ssas linguagens <strong>de</strong>ve enunciar como a arte po<strong>de</strong> suscitaras nossas mais sutis formas <strong>de</strong> percepção e c<strong>on</strong>tribui para o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong> nossas mais complexas habili<strong>da</strong><strong>de</strong>scognitivas.Um outro aspecto seria a percepção <strong>da</strong>s migrações e <strong>da</strong>si<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s que perpassam nessas manifestações. Leva-se <strong>em</strong> c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>raçãoo fato <strong>de</strong> que o Brasil se reflete, por sua col<strong>on</strong>ização, como um arquipélagocultural, possuindo produção artística que <strong>de</strong>svela a c<strong>on</strong>taminação <strong>da</strong>sdiferentes etnias que formam sua população. Focalizam-se, assim, asestéticas <strong>de</strong>ssas linguagens, observando cruzamento <strong>de</strong> fr<strong>on</strong>teiras,i<strong>de</strong>ntificação étnica e visão do hibridismo cultural. C<strong>on</strong>forme Bhabha, adiversi<strong>da</strong><strong>de</strong> que perpassa a cultura po<strong>de</strong> ser c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> a categoria <strong>da</strong>estética comparativa: a diferença cultural é um processo <strong>de</strong> significação,através do qual enunciados sobre ou <strong>em</strong> uma cultura diferenciam,discriminam e autorizam a produção <strong>de</strong> campos <strong>de</strong> força, referência,aplicabili<strong>da</strong><strong>de</strong> e capaci<strong>da</strong><strong>de</strong>” (BHABHA, 1994, p. 34).Outra peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong> que refletiria o hibridismo seria oatravessamento <strong>de</strong> fr<strong>on</strong>teiras naci<strong>on</strong>ais. Para Stuart Hall, “a globalização serefere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessamfr<strong>on</strong>teiras naci<strong>on</strong>ais, integrando e c<strong>on</strong>ectando comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s e organizações<strong>em</strong> novas combinações <strong>de</strong> espaço – t<strong>em</strong>po, tornando o mundo, <strong>em</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>e <strong>em</strong> experiência, mais interc<strong>on</strong>ectado” (2000, p. 75). Nesse sentido, valep<strong>on</strong>tuar que, <strong>em</strong> c<strong>on</strong>trap<strong>on</strong>to à homogeneização global, perceb<strong>em</strong>ostambém prevalecer o que, c<strong>on</strong>forme Hall, seria a diferença <strong>da</strong>sespecifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> etnia e <strong>da</strong> alteri<strong>da</strong><strong>de</strong> e, ao invés <strong>de</strong> se pensar no globalcomo “substituindo” o local, seria mais acertado pensar numa novaarticulação entre “o global” e “o local” (HALL, 2005, p. 77).264


Jussara Bittencourt <strong>de</strong> SáAlém do hibridismo proveniente <strong>da</strong>s diferentes etnias, dos<strong>de</strong>slocamentos <strong>da</strong>s fr<strong>on</strong>teiras, levamos <strong>em</strong> c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ração também aspeculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s do hibridismo como enunciação <strong>da</strong> estética <strong>da</strong>s produçõesartísticas <strong>de</strong>sse nosso t<strong>em</strong>po.Nossas reflexões c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ram as diferentes c<strong>on</strong>ceituações <strong>de</strong>sset<strong>em</strong>po. Alguns autores o enten<strong>de</strong>m como pós-mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> e outros, comohipermo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> ou mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> tardia: uma época <strong>on</strong><strong>de</strong> espaço e t<strong>em</strong>pofun<strong>de</strong>m-se numa categórica plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mundos possíveis, <strong>de</strong>ressignificações <strong>de</strong> c<strong>on</strong>ceitos e transformações <strong>de</strong> paradigmas.O fato é que este t<strong>em</strong>po, <strong>em</strong> sua essência, t<strong>em</strong> buscado os<strong>de</strong>slocamentos e as mu<strong>da</strong>nças irrevogáveis na representação dos objetos e,principalmente, do modo como eles mu<strong>da</strong>m. Sendo assim, estu<strong>da</strong>r estéticas<strong>da</strong>s linguagens <strong>da</strong>s manifestações artístico-culturais, tanto visuais e escritas,como orais e midiáticas, presentes ou pretéritas, <strong>de</strong>ntre outras, c<strong>on</strong>tribu<strong>em</strong> epromov<strong>em</strong> o entrelaçamento dos registros que sinalizam a história <strong>da</strong>sculturas, seus legados, <strong>em</strong> que a ocupação e as mu<strong>da</strong>nças dos espaçosgeográficos faz<strong>em</strong>-se importantes à reflexão, tanto do t<strong>em</strong>po passado, parao presente, como também ao futuro do presente.3.1.1 Subprojetos e ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>sO grupo que participa do projeto <strong>de</strong> pesquisa I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s eMigrações participou do II Enc<strong>on</strong>tro <strong>de</strong> Estudos sobre a imigração al<strong>em</strong>ã:os Vales dos Rios Braço do Norte e Capivari, apresentando a palestraintitula<strong>da</strong> I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Migrações: a mitologia na nostalgia germânica, <strong>de</strong>minha autoria e <strong>de</strong> Fábio Ballmann; e com pôster Germanici<strong>da</strong><strong>de</strong>brasileira: aspectos <strong>da</strong> col<strong>on</strong>ização al<strong>em</strong>ã <strong>em</strong> São Martinho, <strong>de</strong> minhaautoria e dos mestrandos Cíntia Rosa <strong>da</strong> Silva, Jeanine <strong>da</strong> Costa, FábioBallmann, Le<strong>on</strong>ir Alves e Liomar V. Fernan<strong>de</strong>s.a) I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Migrações: a mitologia na nostalgia germânica. Apalestra proferi<strong>da</strong> por mim e por Fábio Ballmann procurou enfatizaralgumas c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rações obti<strong>da</strong>s a partir do <strong>de</strong>senvolvimento do projeto <strong>de</strong>pesquisa Migrações e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s: a estética <strong>da</strong>s linguagens oral, visual,escrita e midiática. Evi<strong>de</strong>nciaram-se as estéticas <strong>de</strong>ssas linguagens,observando cruzamento <strong>de</strong> fr<strong>on</strong>teiras, i<strong>de</strong>ntificação étnica e visão dohibridismo cultural como pressupostos relevantes para se pensar a nossai<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>. A pesquisa focalizou os estudos realizados no município <strong>de</strong> SãoMartinho. Ao trazer à cena o município <strong>de</strong> São Martinho (a 40 quilômetros<strong>de</strong> Tubarão), os palestrantes <strong>de</strong>stacaram que é possível <strong>de</strong>scansar nas265


A estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> artística e midiática: reflexões e açõespousa<strong>da</strong>s, usufruir <strong>da</strong>s cachoeiras e principalmente apreciar as obras doartesão A<strong>de</strong>mar Feuser. Observaram que num rápido olhar seria possívelperceber a sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> e to<strong>da</strong> a nostalgia histórica <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> seutrabalho. Ele se <strong>de</strong>dica à ma<strong>de</strong>ira há quase 50 anos e, <strong>em</strong> meio a umacomuni<strong>da</strong><strong>de</strong> mergulha<strong>da</strong> na cultura germânica e no artesanato, a dica éprestar atenção às ca<strong>de</strong>iras cria<strong>da</strong>s <strong>em</strong> ma<strong>de</strong>ira. As criações <strong>de</strong> A<strong>de</strong>mar sãocarrega<strong>da</strong>s <strong>de</strong> nostalgia <strong>de</strong> uma Al<strong>em</strong>anha <strong>de</strong>ixa<strong>da</strong> para trás, <strong>em</strong><strong>de</strong>corrência <strong>da</strong> guerra, e <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que muitas famílias enfrentaram,inclusive a <strong>de</strong>le. E tal qual o legado recebido <strong>de</strong> seus ascen<strong>de</strong>s, nas ca<strong>de</strong>iras<strong>de</strong> A<strong>de</strong>mar Feuser, é possível compreen<strong>de</strong>r o entrelaçamento do passadocom o futuro, no momento <strong>em</strong> que essa arte/artifício recebe c<strong>on</strong>tinui<strong>da</strong><strong>de</strong>na criativi<strong>da</strong><strong>de</strong>/sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que toma forma pelas mãos <strong>de</strong> seu filhoHarick Rodolfo Feuser, ain<strong>da</strong> adolescente. E, para falar do trabalho <strong>de</strong>steartesão, um pouco <strong>de</strong> mitologia permite <strong>da</strong>r o colorido que a obra merece.Assim, a região sul, <strong>em</strong> especial, São Martinho po<strong>de</strong> se tornar um momento<strong>de</strong> cultura e um resgate nostálgico também <strong>da</strong> germanici<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileirab) O pôster intitulado Germanici<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira: aspectos <strong>da</strong>col<strong>on</strong>ização al<strong>em</strong>ã <strong>em</strong> São Martinho, <strong>de</strong> nossa autoria e dos mestrandosCíntia Rosa <strong>da</strong> Silva, Jeanine <strong>da</strong> Costa, Fábio Ballmann, Le<strong>on</strong>ir Alves eLiomar V. Fernan<strong>de</strong>s, também é resultado <strong>de</strong> pesquisas do projeto doPPGCL I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Migrações: a estética <strong>da</strong>s linguagens oral, visual,escrita e midiática. Com ênfase aos t<strong>em</strong>as: Preservar é eternizar!, Criar épreciso! e Recor<strong>da</strong>r é reviver!, os pesquisadores <strong>de</strong>stacaram a arte comcaracterísticas germânicas <strong>de</strong> nossa região, <strong>em</strong> especial, a relevância dopapel <strong>de</strong> instituições, como Casa <strong>da</strong> Cultura e o Museu M<strong>em</strong>orial,localiza<strong>da</strong>s no município <strong>de</strong> São Martinho para a promoção <strong>da</strong> nossacultura.3.2.2 Análise <strong>da</strong> influência <strong>da</strong>s etnias col<strong>on</strong>izadoras nos topônimos <strong>de</strong>municípios <strong>da</strong> microrregião <strong>da</strong> AMURELEste estudo faz parte do projeto I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s e Migrações: a estética<strong>da</strong>s linguagens oral, escrita, visual e midiática, do Curso <strong>de</strong> Mestrado do<strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul. T<strong>em</strong>como aluna pesquisadora e bolsita Helena Scmidt, do Curso <strong>de</strong> Letras, sobminha orientação, e pertence ao grupo <strong>de</strong> Pesquisas do CNPq/Unisul. Serãoanalisados aspectos <strong>de</strong> col<strong>on</strong>ização nos municípios que compõ<strong>em</strong> a baciahidrográfica do rio Tubarão.266


Jussara Bittencourt <strong>de</strong> SáA microrregião <strong>da</strong> Amurel apresenta-se, por sua col<strong>on</strong>ização, umarquipélago cultural, pelas diferentes etnias que formam sua população.Logo, estu<strong>da</strong>r a top<strong>on</strong>ímia como instrumento fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> preservação<strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> local c<strong>on</strong>tribui para a valorização histórica doscostumes, pessoas, eventos e lugares. Através <strong>da</strong> investigação <strong>da</strong> influência<strong>da</strong>s etnias que col<strong>on</strong>izaram <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s regiões po<strong>de</strong>m-se observar traçoshistórico-culturais que levaram a tais <strong>de</strong>signações <strong>de</strong> lugares pelapopulação local. Portanto, c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>ra-se o estudo dos topônimos umat<strong>em</strong>ática importante para o investigador que preten<strong>de</strong> c<strong>on</strong>hecer ecompreen<strong>de</strong>r a orig<strong>em</strong> <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> região e suas mu<strong>da</strong>nças aologo do t<strong>em</strong>po.Enten<strong>de</strong>-se que o registro <strong>de</strong>sta pesquisa tornar-se-á um relevantedocumento que a Unisul legará aos municípios investigados e, porc<strong>on</strong>seguinte, aos estudos sobre a história <strong>da</strong>s etnias, <strong>da</strong>s culturas, seuslegados, as mu<strong>da</strong>nças dos espaços geográficos. Estu<strong>da</strong>r o nome dos lugaresfaz-se importante à reflexão tanto do t<strong>em</strong>po passado, para o presente, comotambém ao futuro do presente.O presente trabalho t<strong>em</strong> como metodologia norteadora ospressupostos c<strong>on</strong>tidos nas pesquisas: bibliográfica, <strong>de</strong> campo eexploratória. Enten<strong>de</strong>-se, c<strong>on</strong>forme Rauen (2006), que a pesquisabibliográfica ou <strong>de</strong> referência c<strong>on</strong>siste na busca informações no acervobibliográfico ou referencial <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> e, segundo ain<strong>da</strong> o autor, aspesquisas <strong>de</strong> campo e exploratórias a<strong>de</strong>ntrarão o objeto <strong>de</strong> estudo,explorando-o <strong>em</strong> todos os perfis <strong>de</strong>limitados. A pesquisa bibliográfica foiutiliza<strong>da</strong> para a c<strong>on</strong>strução do corpus teórico que dá suporte às análises dos<strong>da</strong>dos colhidos na pesquisa <strong>de</strong> campo e exploratória. No momento <strong>em</strong> que opesquisador se lança na investigação <strong>de</strong> um caso, buscando os<strong>de</strong>talhamentos e um aprofun<strong>da</strong>mento dos c<strong>on</strong>teúdos que este caso t<strong>em</strong> aeluci<strong>da</strong>r <strong>em</strong>basados pelos processos <strong>da</strong> ciência, está efetivamenterealizando os preceitos <strong>da</strong> pesquisa científica.Neste sentido, este projeto visa <strong>de</strong>tectar as etnias que col<strong>on</strong>izarammunicípios <strong>da</strong> microrregião <strong>da</strong> Amurel; analisar aspectos culturais <strong>da</strong>sreferi<strong>da</strong>s etnias; investigar a existência <strong>de</strong> topônimos que revele el<strong>em</strong>entosculturais <strong>da</strong>s etnias col<strong>on</strong>izadoras; relatar e documentar o estudo<strong>de</strong>senvolvido; apresentar aos municípios envolvidos na pesquisa e àcomuni<strong>da</strong><strong>de</strong> acadêmica os resultados <strong>da</strong> pesquisa.267


A estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> artística e midiática: reflexões e ações4. Algumas outras reflexõesO hom<strong>em</strong> apren<strong>de</strong>u a importância <strong>de</strong> se comunicar e, mesmo antes<strong>da</strong> escrita, já havia criado um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> comunicação através <strong>da</strong>s imagens.Com o advento <strong>da</strong> escrita, a linguag<strong>em</strong> oral passou a ser registra<strong>da</strong>. A arte,através <strong>de</strong> sua linguag<strong>em</strong> verbal ou não-verbal, v<strong>em</strong> mu<strong>da</strong>ndo c<strong>on</strong>ceitos,quebrando paradigmas, estabelecendo novas regras para novas formas <strong>de</strong> seobservar o mundo.No fenômeno artístico, perceb<strong>em</strong>os a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira natureza <strong>da</strong>reali<strong>da</strong><strong>de</strong>: a arte é a c<strong>on</strong>dição <strong>de</strong> um princípio <strong>on</strong>tológico do ser; é a chave<strong>de</strong> acesso à essência do mundo, ou seja, a arte po<strong>de</strong> ser o caminho maisoriginal e autêntico para a compreensão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Sendo assim, estu<strong>da</strong>ra forma, a estética <strong>da</strong>s linguagens artísticas, nos diversos t<strong>em</strong>pos e lugares,possibilita-nos a<strong>de</strong>ntrar no fascinante <strong>da</strong> representação humana sobre a vi<strong>da</strong>real ou imagina<strong>da</strong>.No <strong>de</strong>curso <strong>da</strong> história <strong>da</strong> cultura humana, a arte foi e vai tomandotraços específicos, significando, assim, um agir e um fazer mais cui<strong>da</strong>doso,mais primoroso, encharcado <strong>de</strong> sentimentos. Se o fazer artístico evoca arelação encantatória do ser humano c<strong>on</strong>sigo mesmo e com o cosmos,estu<strong>da</strong>r este fazer, as linguagens pelas quais se anuncia, po<strong>de</strong> ensejarpesquisas singulares, originais, e que estampam os t<strong>on</strong>s dos objetos que seinvestigam.É através <strong>de</strong>sse olhar que procuramos nesses estudos apreen<strong>de</strong>rvestígios <strong>da</strong> essência <strong>da</strong>s linguagens que investigamos. Nossos estudos nãopreten<strong>de</strong>m “passar por postas abertas, mas sim abrir portas”. Enten<strong>de</strong>mosque a linguag<strong>em</strong> artística po<strong>de</strong> ser um dos fun<strong>da</strong>mentos principais <strong>da</strong>ssocie<strong>da</strong><strong>de</strong>s. São elas que nos instigam realizar leituras e/ou releituras domundo e, até mesmo, antever novas formas <strong>de</strong> ler o mundo.5. ReferênciasADORNO, T. W. Teoria estética. Tradução <strong>de</strong> Artur Maurão, São Paulo: MartinsF<strong>on</strong>tes, l970.ALENCASTRO, L. F..(Org.). História <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> priva<strong>da</strong> no Brasil – Império: aCorte e a mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> naci<strong>on</strong>al. Vol. 2. São Paulo: Cia. <strong>da</strong>s Letras, 1998.ARANTES, A. A. O que é cultura popular. São Paulo: Martins F<strong>on</strong>tes, 1988.ARNHEIM, R. Arte e percepção visual. São Paulo: Pi<strong>on</strong>eira/EDUSP, 1980.268


269Jussara Bittencourt <strong>de</strong> SáBACHELARD, G. A poética do espaço. Tradução <strong>de</strong> Antônio Pádua Danisi, SãoPaulo: Martins F<strong>on</strong>tes, l996.BHABHA, H. O local <strong>da</strong> cultura. Trad. Myriam Ávila, Eliana Lourenço <strong>de</strong> LimaReis, Gláucia R. G<strong>on</strong>çalves. Belo Horiz<strong>on</strong>te: UFMG, 1998.BENJAMIN, W. Obras Escolhi<strong>da</strong>s: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo,Brasiliense, 1996.BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1989.BENEDITO N. No t<strong>em</strong>po <strong>da</strong> narrativa. São Paulo: Ática, 1999._____. Introdução à filosofia <strong>da</strong> arte. São Paulo: Ática, 1989.BOSI, E. M<strong>em</strong>ória e socie<strong>da</strong><strong>de</strong>: l<strong>em</strong>branças <strong>de</strong> velhos. São Paulo: T.A. Queiroz,1983.CALABRESE, O. A Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> arte. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Globo, 1988.CANCLINI, N. G. A socialização <strong>da</strong> arte. São Paulo: Cultrix, 1984.CARVALHO, J. M. <strong>de</strong>. P<strong>on</strong>tos e bor<strong>da</strong>dos: escritos <strong>da</strong> História e <strong>da</strong> Política. BeloHoriz<strong>on</strong>te: Editora <strong>da</strong> UFMG, 1999.CHEVALIER, J. Dici<strong>on</strong>ário <strong>de</strong> Símbolos: mitos, s<strong>on</strong>hos, costumes, gestos, formas,figuras, cores e números. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Olympo, 1996.EAGLETON, T. A i<strong>de</strong>ologia <strong>da</strong> estética. Trad. mauro Sá Rego Costa. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Jorge Zahar, 1993.ECO, U. As formas do c<strong>on</strong>teúdo. São Paulo: Perspectiva, l974._____. Interpretação e superinterpretação. São Paulo: Martins F<strong>on</strong>tes, 1993.FAUSTO, B. (Org.). Fazer a América. São Paulo: Edusp, 2000.FERREIRA, M. <strong>de</strong> M. (Org.). História oral e multidisciplinari<strong>da</strong><strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Diadorim, 1994.HALL, S. A i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural na pós-mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Trad. <strong>de</strong> Tomaz Ta<strong>de</strong>u <strong>da</strong>Silva, Guaracira Lopes Louro. 10 ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: DP&A, 2005.HARVEY, D. C<strong>on</strong>dição pos mo<strong>de</strong>rna. Uma pesquisa sobre as origens <strong>da</strong>smu<strong>da</strong>nças culturais. São Paulo: Loyola, 2003.HOBSBAWM, E. Nações e naci<strong>on</strong>alismo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1780. Tradução <strong>de</strong> Maria CéliaPaoli e Anna Maria Quirino. RJ: Paz e Terra, 1991.JAMESON, Fredric. As s<strong>em</strong>entes do t<strong>em</strong>po. São Paulo: Loyola, 1996._____. Pós-mo<strong>de</strong>rnismo. São Paulo: Ática, 1995._____. As marcas do visível. São Paulo: Ática, 1996.LANGER, S. K. Filosofia <strong>em</strong> nova Chave. São Paulo: Perspectiva, 1999.MACHADO, A. Máquinas e imaginário: o <strong>de</strong>safio <strong>da</strong>s poéticas tecnológicas. SãoPaulo: Edusp, 1996.MARTINE ( Joli ). Introdução à análise <strong>da</strong> imag<strong>em</strong>. Trad. <strong>de</strong> José Eduardo Rodil.Edições 70, Lisboa, 1999.


A estética <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong> artística e midiática: reflexões e açõesMARX, K.; ENGELS, F. Sobre Literatura e Arte. São Paulo: Global, l979.MEIHY, J. C. S. B. Manual <strong>de</strong> História Oral. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo:Loyola, 1998._____ (Org.). (Re) introduzindo história oral no Brasil. São Paulo: Xamã, 1996.MUNARI, B. Fantasia, invenção, criativi<strong>da</strong><strong>de</strong> e imaginação. Lisboa: Presença,1981.NUNES, B. Introdução à Filosofia <strong>da</strong> Arte. São Paulo: Ática, l989.PATERNOSTRO, V. I. O texto na TV. São Paulo: Brasiliense, 1987.PRADO, E. Estrutura <strong>da</strong> informação radiofônica. São Paulo: Summus, 1989.RIBEIRO, D. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia <strong>da</strong>s Letras, 1995.SANTAELLA, L. Arte & Cultura: equívocos do elitismo. São Paulo: Cortez, l982.SODRÉ, N. W. História <strong>da</strong> imprensa no Brasil. São Paulo: Martins F<strong>on</strong>tes, 1996.SUBIRATS, E. Da vanguar<strong>da</strong> ao pós-mo<strong>de</strong>rno. São Paulo: Nobel, 1998.THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Paz e Terra,1992.ZAMBONI, S. A pesquisa <strong>em</strong> arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas:Autores Associados, 1998270


SOBRE OS AUTORESA<strong>da</strong>ir B<strong>on</strong>iniPossui graduação <strong>em</strong> Letras pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong>Maringá (1992), mestrado (1995) e doutorado (1999) <strong>em</strong> Lingüística pelaUniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina. É professor e coor<strong>de</strong>nador-adjuntodo curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul<strong>de</strong> Santa Catarina (Unisul), <strong>on</strong><strong>de</strong> é editor <strong>da</strong> revista Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong>(Dis)curso. Atua principalmente nos seguintes t<strong>em</strong>as: gênero textual,discurso, texto e ensino <strong>de</strong> Língua Portuguesa. É co-organizador do livroGêneros: teorias, métodos, <strong>de</strong>bates (Parábola, 2005) e do número especialsobre Gêneros textuais e ensino-aprendizag<strong>em</strong> <strong>da</strong> revista Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong>(Dis)curso: (2006). É autor <strong>de</strong> Gêneros textuais e cognição: um estudosobre a organização cognitiva <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> dos textos (Insular, 2002).Aldo LitaiffPossui graduação <strong>em</strong> Filosofia (1986) e mestrado <strong>em</strong> AntropologiaSocial (1991) pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina, doutorado <strong>em</strong>Antropologia cultural pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> M<strong>on</strong>treal (1999) e pósdoutorado<strong>em</strong> Antropologia pela École <strong>de</strong>s Hautes Etu<strong>de</strong>s en SciencesSociales, França (2005). É professor do curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul e pesquisador do Museu <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>Santa Catarina. É especialista <strong>em</strong>: mitologia e ecologia guarani-mbya,pragmatismo, mitologia e linguag<strong>em</strong> e comunicação. É autor do livro Asdivinas palavras: i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> étnica dos Guarani-mbya (UFSC, 1996).Ant<strong>on</strong>io Carlos G<strong>on</strong>calves dos SantosT<strong>em</strong> graduação <strong>em</strong> Comunicação pelo Centro UnificadoProfissi<strong>on</strong>al, Rio <strong>de</strong> Janeiro (1978), mestrado (1996) e doutorado (2001)<strong>em</strong> Literatura pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina. É professor docurso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul, editor <strong>da</strong> revistaCrítica Cultural e tradutor. Atua nos seguintes t<strong>em</strong>as: teoria literária,literatura, poesia, sociologia e mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>.


Débora <strong>de</strong> Carvalho FigueiredoPossui graduação <strong>em</strong> Direito (1990), mestrado (1995) e doutorado(2000) <strong>em</strong> Letras (Inglês e Literatura Corresp<strong>on</strong><strong>de</strong>nte) pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina. É professora do curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências<strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul, <strong>on</strong><strong>de</strong> é editora <strong>da</strong> Revista Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong>(Dis)curso. T<strong>em</strong> experiência na área <strong>de</strong> lingüística aplica<strong>da</strong> e ensino <strong>de</strong>língua estrangeira, atuando principalmente na área <strong>da</strong> análise crítica dodiscurso. Seus interesses <strong>de</strong> pesquisa se voltam para questões <strong>de</strong> gênero,po<strong>de</strong>r e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> nos discursos profissi<strong>on</strong>ais, midiáticos e jurídicos. É coorganizadorado livro Linguag<strong>em</strong> e gênero no trabalho, na mídia e <strong>em</strong>outros C<strong>on</strong>textos (UFSC, 2006) e do número especial <strong>de</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong>(Dis)curso <strong>de</strong>dicado à Análise crítica do discurso.Eliane Santana Dias DebusT<strong>em</strong> graduação <strong>em</strong> Letras Português/Inglês pela Fun<strong>da</strong>çãoEducaci<strong>on</strong>al <strong>de</strong> Criciúma (1991), mestrado <strong>em</strong> Literatura pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina (1996) e doutorado <strong>em</strong> Lingüística e Letras pelaP<strong>on</strong>tifícia Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Católica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (2001). Éprofessora do curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul.Especialista <strong>em</strong> literatura infantil e juvenil e <strong>em</strong> ensino e formação <strong>de</strong>professores, organizou o livro A literatura infantil e juvenil <strong>de</strong> línguaportuguesa: leituras do Brasil e d’além-mar (Nova Letra, 2008). Publicouos livros O medo e seus segredos (Franco, 2008), Festaria <strong>de</strong> brincança: aleitura literária na educação infantil (Paulus, 2006) e M<strong>on</strong>teiro Lobato e oleitor, esse c<strong>on</strong>hecido (Univali; UFSC, 2004).Fabio <strong>de</strong> Carvalho MessaPossui graduação <strong>em</strong> Jornalismo pela PUC do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul(1991), <strong>em</strong> Letras pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (1993),e <strong>em</strong> Educação Física pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina (2005).T<strong>em</strong> mestrado (1997) e doutorado (2002) <strong>em</strong> Literatura pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina. É professor do Curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências<strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul, <strong>on</strong><strong>de</strong> é especialista <strong>em</strong> comunicação e produçãoaudiovisual, com ênfase <strong>em</strong> roteiro e a<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong> literatura para ví<strong>de</strong>o,s<strong>em</strong>iologia do cin<strong>em</strong>a, edição e re<strong>da</strong>ção jornalística, s<strong>em</strong>ântica geral eargumentativa, teoria <strong>da</strong> comunicação e retórica <strong>da</strong> ficção. É autor do livroO gozo estético do crime: dicção homici<strong>da</strong> na ficção c<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea(Unisul, 2008).272


Fabio Jose RauenPossui graduação <strong>em</strong> Letras pela Fun<strong>da</strong>ção Educaci<strong>on</strong>al do NorteCatarinense (1986), mestrado (1990) e doutorado (1996) <strong>em</strong> Lingüísticapela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina, e pós-doutorado <strong>em</strong> Letraspela P<strong>on</strong>tifícia Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Católica do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (2006). Éprofessor e coor<strong>de</strong>nador do curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong><strong>da</strong> Unisul. Atua principalmente nos seguintes t<strong>em</strong>as: pragmática, cognição,teoria <strong>da</strong> relevância, metodologia <strong>da</strong> pesquisa e metodologia científica. Éautor dos livros Roteiros <strong>de</strong> Pesquisa (Nova Era, 2006), Roteiros <strong>de</strong>investigação científica (Unisul, 2002) e El<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> iniciação à pesquisa(Nova Era, 1999) e co-organizador do número especial <strong>de</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong>(Dis)curso <strong>de</strong>dicado à Teoria <strong>da</strong> relevância.Fernando Simao VugmanPossui graduação <strong>em</strong> Ciências Biológicas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> médica pelaUniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo (1982), mestrado (1995) e doutorado (2001) <strong>em</strong>Letras (Inglês e Literatura Corresp<strong>on</strong><strong>de</strong>nte) pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>Santa Catarina. É professor do curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong>Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul, <strong>on</strong><strong>de</strong> é editor <strong>da</strong> revista Crítica Cultural. T<strong>em</strong>experiência na área <strong>de</strong> Letras, com ênfase <strong>em</strong> literatura e cin<strong>em</strong>a, atuandoprincipalmente nos seguintes t<strong>em</strong>as: o cin<strong>em</strong>a hollywoodiano, mitosmo<strong>de</strong>rnos, o cin<strong>em</strong>a brasileiro, além <strong>de</strong> sua produção como tradutor na área<strong>de</strong> ciências humanas e médicas.Jorge Hoffmann WolffPossui graduação <strong>em</strong> Filosofia (1993), e mestrado (1997) edoutorado (2002) <strong>em</strong> Literatura pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> SantaCatarina. É professor do curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong>Unisul, <strong>on</strong><strong>de</strong> também atua como editor <strong>da</strong> revista Crítica Cultural. T<strong>em</strong>experiência nas áreas <strong>de</strong> Letras e Comunicação, com ênfase <strong>em</strong> teorialiterária e teoria <strong>da</strong> comunicação, atuando principalmente nos seguintest<strong>em</strong>as: crítica cultural e crítica literária, teoria <strong>da</strong> mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> e teoria <strong>da</strong>comunicação. É autor do livro A viag<strong>em</strong> como metáfora produtiva (LetrasC<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porâneas, 1998).273


Jussara Bittencourt <strong>de</strong> SáPossui graduação <strong>em</strong> Letras, pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> do Sul <strong>de</strong> SantaCatarina (1985), Especialização <strong>em</strong> Literatura (1990), mestrado (2000) edoutorado (2005) <strong>em</strong> Letras/Literatura pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> SantaCatarina. É professora do curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong>Unisul, além <strong>de</strong> atuar na Secretaria Municipal <strong>da</strong> Educação, Cultura eEsportes, <strong>de</strong> Tubarão, <strong>em</strong> projetos educaci<strong>on</strong>ais e culturais. Orientapesquisas nas áreas literatura, artes visuais e mídias. M<strong>em</strong>bro <strong>da</strong> Aca<strong>de</strong>miaTubar<strong>on</strong>ense <strong>de</strong> Letras. É autora do livro Cazuza no ví<strong>de</strong>o O t<strong>em</strong>po nãopára (Unisul, 2006) e organizadora dos livros Jardim <strong>da</strong>s Letras (Humaitá,2007), Palavras C<strong>on</strong>ta<strong>da</strong>s: m<strong>em</strong>órias <strong>da</strong> cultura oral do povo <strong>de</strong> Tubarão(Copiart, 2004), Momento literário: poesia e prosa (Copiart, 2002), MuseuWilly Zumblick: a cultura <strong>de</strong>sperta sentimentos (Copiart, 2000).Marci Fileti MartinsPossui graduação <strong>em</strong> Letras (1992) e mestrado <strong>em</strong> Lingüística(1996) pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina, e doutorado <strong>em</strong>Lingüística pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas (2003). É professorado curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul. T<strong>em</strong>experiência na área <strong>de</strong> Lingüística, atuando principalmente com osseguintes t<strong>em</strong>as: linguag<strong>em</strong> e discurso com ênfase no discurso <strong>de</strong>divulgação científica e discurso midiático, assim como com questõesrelaci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s às línguas indígenas, especificamente, o Guarani Mbyá.Maria Ester Wollstein MoritzT<strong>em</strong> graduação <strong>em</strong> Letras Português/Inglês (1994), mestrado(1999) e doutorado (2006) <strong>em</strong> Letras (Inglês e Literatura Corresp<strong>on</strong><strong>de</strong>nte)pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Santa Catarina. É professora do curso <strong>de</strong>mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul. T<strong>em</strong> experiência na área<strong>de</strong> Letras, com ênfase <strong>em</strong> lingüística aplica<strong>da</strong>, atuando principalmente nosseguintes t<strong>em</strong>as: gêneros textuais, retórica c<strong>on</strong>trastiva, inglês e gramáticasistêmico-funci<strong>on</strong>al.274


Maria Marta FurlanettoPossui graduação <strong>em</strong> Letras neolatinas pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral<strong>de</strong> Santa Catarina (1967), mestrado <strong>em</strong> Lingüística pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>Estadual <strong>de</strong> Campinas (1975) e doutorado <strong>em</strong> Lingüística aplica<strong>da</strong> pelaUniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Paris VIII (1976). É professora do curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong>Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul, <strong>on</strong><strong>de</strong> atua como editora <strong>da</strong> revistaLinguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso. T<strong>em</strong> experiência na área <strong>de</strong> Lingüística, comênfase <strong>em</strong> lingüística aplica<strong>da</strong>, atuando principalmente nos seguintescampos: discurso, educação, língua portuguesa e s<strong>em</strong>ântica. É coorganizadorado livro Foucault e a autoria (Insular, 2006) e do númeroespecial <strong>de</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>em</strong> (Dis)curso sobre Gêneros textuais e ensinoaprendizag<strong>em</strong>(2006).Mariléia Silva dos ReisT<strong>em</strong> graduação <strong>em</strong> Letras (1982) pela Unisul, mestrado (1997) edoutorado (2003) <strong>em</strong> Lingüística pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> SantaCatarina. É professora do curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong>Unisul. T<strong>em</strong> experiência na área <strong>de</strong> lingüística aplica<strong>da</strong> ao ensino <strong>de</strong>português, nos seus aspectos funci<strong>on</strong>ais, cognitivos e sociais. Atualmente,trabalha a alfabetização com e para o letramento, a partir <strong>da</strong> aprendizag<strong>em</strong>neur<strong>on</strong>ial para as práticas sociais <strong>de</strong> leitura e escrita.Rosangela MorelloPossui graduação <strong>em</strong> Letras: língua e literatura pela Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Filosofia Ciências e Letras <strong>de</strong> Colatina (1985), mestrado (1995) edoutorado (2001) <strong>em</strong> Lingüística pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas,e doutorado pela Université Paris VII (1998). É professora do curso <strong>de</strong>mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul. Coor<strong>de</strong>na o projeto <strong>de</strong>pesquisa e documentário Fr<strong>on</strong>teira <strong>da</strong>s Relações: entre línguas e culturas(CNPq) e atua <strong>em</strong> outros projetos, entre os quais o <strong>Programa</strong> escolasbilíngües <strong>de</strong> fr<strong>on</strong>teira (MEC Brasil/Argentina). Atua nas áreas <strong>da</strong> educaçãoe <strong>da</strong> cultura, com enfoque nas questões políticas, <strong>em</strong> especial, políticaslingüísticas. É organizadora do livro Giros na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> (Unicamp, 2004).275


Sandro BragaPossui graduação <strong>em</strong> Jornalismo (1998), mestrado (2001) edoutorado (2007) <strong>em</strong> Lingüística pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> SantaCatarina. É professor do curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong>Unisul, atuando <strong>em</strong> pesquisas que envolv<strong>em</strong> práticas discursivas <strong>em</strong>processos <strong>de</strong> leitura, b<strong>em</strong> como questões relaci<strong>on</strong>a<strong>da</strong>s à i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e àmo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong>.Solange Maria Le<strong>da</strong> GalloPossui graduação <strong>em</strong> Letras pela P<strong>on</strong>tifícia Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Católica<strong>de</strong> Campinas (1978), mestrado (1989) e doutorado (1994) <strong>em</strong> Lingüísticapela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas e pelo Collège Internati<strong>on</strong>al <strong>de</strong>Philosophie <strong>de</strong> Paris (1992). É professora do curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong>Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong> <strong>da</strong> Unisul e colaboradora <strong>de</strong> projetos <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas. T<strong>em</strong> experiência na área <strong>de</strong>Lingüística, com ênfase <strong>em</strong> Análise do Discurso, atuando principalmente<strong>em</strong> t<strong>em</strong>as como: discurso, autoria, escrita, discurso pe<strong>da</strong>gógico edivulgação <strong>de</strong> ciência. É autora do livro Discurso <strong>da</strong> escrita e ensino(Unicamp, 1995).276


COLEÇÃO LINGUAGENSA coleção Linguagens <strong>de</strong>stina-se a estudos <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>específicos do campo do texto e do discurso que, por sua relevância,mereçam ser divulgados na forma <strong>de</strong> livros ou coletâneas (com t<strong>em</strong>asseleci<strong>on</strong>ados) que po<strong>de</strong>m ser organiza<strong>da</strong>s alterna<strong>da</strong>mente por pesquisadoresdiversos. A comissão editorial, tentando refletir as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s ec<strong>on</strong>veniências do <strong>Programa</strong> <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Ciências <strong>da</strong> Linguag<strong>em</strong>,e c<strong>on</strong>si<strong>de</strong>rando a política <strong>de</strong> pesquisa e divulgação <strong>da</strong> Unisul, preten<strong>de</strong> <strong>da</strong>rcobertura, <strong>em</strong> sua etapa inicial, a trabalhos <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> seus professores,com volume suficiente para compor obra individual ou <strong>em</strong> co-autoria.Também propõe a publicar, atendidos critérios <strong>de</strong> qualificação, trabalhos <strong>de</strong>c<strong>on</strong>clusão <strong>de</strong> curso recomen<strong>da</strong>dos <strong>em</strong> banca; material acadêmico(comunicações, palestras, c<strong>on</strong>ferências) produzido e aceito para s<strong>em</strong>inários<strong>de</strong> caráter especial, enc<strong>on</strong>tros, jorna<strong>da</strong>s, etc. <strong>de</strong> interesse <strong>da</strong> Instituição.Livros publicados:O c<strong>on</strong>texto refletido: vozes sobrepostas <strong>de</strong> um diálogo (2007), <strong>de</strong>Ingo Voese;O gozo estético do crime: dicção homici<strong>da</strong> na ficçãoc<strong>on</strong>t<strong>em</strong>porânea (2008), <strong>de</strong> Fábio <strong>de</strong> Carvalho Messa.A literatura infantil e juvenil <strong>de</strong> língua portuguesa: leituras doBrasil e d’além-mar (2008), organiza<strong>da</strong> por Eliane Santana Dias Debus.


Rua Governador Jorge Lacer<strong>da</strong>, 1809 – fundosBairro <strong>da</strong> Velha – Blumenau – SCF<strong>on</strong>e 47 3325-5789 – www.novaletra.com.br

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!