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Alquimista nº 29 - Instituto de Química - USP

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4Sábado, 10 <strong>de</strong> março, final da manhã. Descontraído, nosso entrevistado após sua aula ministradano curso <strong>de</strong> graduação, recebeu a equipe do <strong>Alquimista</strong> vestindo uma camiseta branca <strong>de</strong>algodão – tipo pólo – com o logotipo do IQ<strong>USP</strong>. Tal como se traja a maioria dos estudantes donosso <strong>Instituto</strong>. Sua voz é compassada e segura. Seus pensamentos bem articulados. Médico <strong>de</strong>formação, mas bioquímico por vocação, teve uma infância bastante pobre, pois era filho <strong>de</strong>escriturário e que era, ao mesmo tempo, um pintor <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s e que também tocava violino. Foipor duas vezes Diretor do IQ e também duas vezes candidato <strong>de</strong>rrotado a Reitor. Não lamentapela <strong>de</strong>rrota que, ao fim, se mostrou benéfica a ele. Estamos falando do Prof. Walter Colli.Acompanhe, a seguir, os principais momentos do seu fantástico <strong>de</strong>poimento:Prof. Walter ColliALQUIMISTA: Prof. Colli, por favor, fale-nos da suaformação e da sua opção pela Bioquímica.WC: Sim. Mas para isto tenho antes <strong>de</strong> falar da minha vida.Meu pai era escriturário do mais baixo nível. Ele assentava(escrevia) livros contábeis, era pintor <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s e tocavaviolino. Morávamos numa vila, que tinha casinhas, massequer banheiros. O banho era <strong>de</strong> bacia na cozinha, o fogãoera <strong>de</strong> lenha e para fazer as nossas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scíamosuma escada para ter acesso a uma fossa. Essa foi a minha vidaaté os 9 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.ALQUIMISTA: E <strong>de</strong>pois?WC: Bem, meu pai faleceu vitimado por uma leucemia dotecido linfói<strong>de</strong>. Aí ficamos absolutamente na miséria. Então ostios, que eram irmãos da minha mãe, abrigaram a mim e àminha irmã, além <strong>de</strong> minha mãe, é claro. Um <strong>de</strong>sses tios, quetinha um armazém, pagou-me um curso <strong>de</strong> datilografia, on<strong>de</strong>me diplomei aos 10 anos. Fazia fatura para ele e ia aos bancospara pagar contas, mas também estudava em escola pública.ALQUIMISTA: E quando o senhor começou o seu cursosuperior?WC: Ingressei na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina da <strong>USP</strong> em 1957 eme formei em 1962.ALQUIMISTA: O senhor chegou a clinicar?WC: Cliniquei apenas por pouco tempo quando estava nosexto ano e dava plantões no pronto-socorro dos institutos <strong>de</strong>aposentadoria como o dos bancários, industriários ecomerciários.ALQUIMISTA: Professor, por que então o senhor não se<strong>de</strong>dicou à Medicina?WC: Acontece que eu gostava muito <strong>de</strong> Genética e porisso ingressei também no curso <strong>de</strong> Biologia. Optei porMedicina pela perspectiva <strong>de</strong> maior segurança econômica nofuturo. Já no fim do primeiro ano <strong>de</strong> graduação, fui convidadopor Isaias Raw para fazer iniciação no laboratório <strong>de</strong>Bioquímica. Lá fiquei e já no terceiro ano ajudava nas aulaspráticas.ALQUIMISTA: Por favor, <strong>de</strong>talhe-nos um pouco mais.WC: Em 1963 fui nomeado instrutor, que era o auxiliar <strong>de</strong>ensino na época, sem mestrado e sem doutorado. Então, <strong>de</strong>1963 a 1966 fiz meu doutorado com o Prof. Isaias Raw comoorientador. Logo após a <strong>de</strong>fesa fui para Nova Iorque fazer omeu Pos-Doc e lá permaneci por dois anos trabalhando combio-energética e mitocôndria. Lá conheci um japonês <strong>de</strong> nomeMichio Oishi. Almoçávamos juntos todos os dias e passamos aplanejar experimentos <strong>de</strong> Biologia Molecular.ALQUIMISTA: Mas, como ficou a sua situação frente aovínculo já existente com a <strong>USP</strong>?WC: Solicitei maior tempo <strong>de</strong> licença junto à Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>Medicina, que me conce<strong>de</strong>u mais um ano e sete meses.ALQUIMISTA: E o que o senhor produziu durante aqueletempo todo?WC: Durante todo aquele estágio e em co-autoria com oProf. Michio, publicamos quatro trabalhos nas revistas maisprestigiadas da época. Isto porque fomos dos primeiros a isolarum gene e fizemos vários estudos <strong>de</strong> mapeamento <strong>de</strong>cromossomos em bactérias, <strong>de</strong>ntre outras coisas.ALQUIMISTA: E qual foi o <strong>de</strong>sdobramento disso tudo queo senhor apontou?WC: No começo lidávamos com a Bioquímica clássica.Mas, <strong>de</strong>pois o futuro mostrou que a Genética e a Bioquímicairiam se fundir, tanto que a Biologia Molecular apareceu emfunção das duas. Na verda<strong>de</strong>, os pesquisadores provenientesda Genética e o da Bioquímica se amalgamaram tornando-as,no fundo, a mesma coisa. Hoje, as pesquisas mo<strong>de</strong>rnas nestasáreas mostram enorme sinergia, <strong>de</strong> forma que o conhecimentona área <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> informação na célula <strong>de</strong> reaçõesquímicas implica conhecimento das reações químicascatalisadas pelas enzimas. Em outras palavras: você po<strong>de</strong> virda Química, da Medicina ou da Biologia. O que se precisaconhecer é um pouco <strong>de</strong> cada coisa. Há enormeinterdisciplinarida<strong>de</strong> entre todas.ALQUIMISTA: Colli, sua pessoa e personalida<strong>de</strong> sãobastante conhecidas e, sobretudo, respeitadas ante acomunida<strong>de</strong> cientifica. Contudo, o seu nome envolve aspectosainda pouco conhecidos. Nesse sentido, fala-se que você fezteatro amador e que, também, pertenceu aos quadros políticosdo Partidão. Estas informações são proce<strong>de</strong>ntes?WC: Em primeiro lugar sempre tive uma curiosida<strong>de</strong> geralmuito gran<strong>de</strong>. Contudo, não sou contemplativo. Souexecutivo, ou seja, quero fazer coisas e me meto a fazê-las. Foiassim que na Medicina fun<strong>de</strong>i um grupo <strong>de</strong> teatro amador quemontou, no máximo, quatro peças. Agora quanto a pertencerao Partidão é uma historia que estou cansado <strong>de</strong> ouvir. Já fui,digamos assim, discriminado por isso e, às vezes, ajudado.Nunca fui do Partido Comunista. Na verda<strong>de</strong>, durante afaculda<strong>de</strong> era amigo do pessoal <strong>de</strong> esquerda. Naquela épocahavia uma efervescência e os jovens eram atraídos pelaesquerda. Na verda<strong>de</strong>, sempre fui in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, mas minhasformas <strong>de</strong> pensar quase sempre coincidiam com as do pessoalvinculado ao Partidão, particularmente nas questõesuniversitárias e à exceção do centralismo <strong>de</strong>mocrático. Então opessoal brincava comigo, dizendo que eu era da linha auxiliar.Esse pessoal, que eu reencontrei na AD<strong>USP</strong> <strong>de</strong> 1980, semprefoi muito sério e sempre apoiou o progresso, a ciência e amo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> saber fazer autocrítica. Qualida<strong>de</strong>s queoutras esquerdas não souberam <strong>de</strong>monstrar e que estão por aíe, ainda por cima, mandando e arranhando a <strong>de</strong>mocracia.

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