11.07.2015 Views

A corrupcao no sector da Saúde.pdf - CIP

A corrupcao no sector da Saúde.pdf - CIP

A corrupcao no sector da Saúde.pdf - CIP

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Ficha Técnica:Título: A Corrupção <strong>no</strong> Sector <strong>da</strong> Saúde em MoçambiqueAutor: Marcelo Mosse e Edson CortezEdição: Centro de Integri<strong>da</strong>de Pública de MoçambiqueDesign e Layout: Élia ManjateImpressão: CIEDIMATiragem: 300 exemplaresMaputo, Janeiro de 2006O estudo e a edição tiveram o patrocínio <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Friedrich Ebert, MaputoCENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICACENTER FOR PUBLIC INTEGRITYBoa Governação-Transparência-Integri<strong>da</strong>deGood Governance-Transparency-IntegrityAv.Vladimir Lenine, 1447; 2º EsquerdoTel.: (+258) 21 32 76 61 - Fax: (+258) 21 32 76 61Cel.: (+258) 82 301 6991 - Caixa Postal: 3266Maputo-MoçambiqueEmail:cipmoz@tvcabo.co.mz ou cipmoz@gmail.comWebsite:integri<strong>da</strong>depublica.org.mz


A Corrupção<strong>no</strong> Sector <strong>da</strong> Saúdeem MoçambiqueDocumento de Discussão nº 4Marcelo Mosse e Edson CortezSetembro de 2006


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURASAMETRAMO: Associação dos Médicos Tradicionais de MoçambiqueEAC: Estratégia Anti-CorrupçãoFES: Fun<strong>da</strong>ção Friedrich EbertHCM: Hospital Central de MaputoMDG: Millennium Development GoalsMISAU: Ministério <strong>da</strong> SaúdeONGs: Organizações Não GovernamentaisPARPA: Pla<strong>no</strong> de Acção para a Redução <strong>da</strong> PobrezaPNUD: Programa <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s para o DesenvolvimentoSNS: Sistema Nacional de Saúde


AGRADECIMENTOSO Centro de Integri<strong>da</strong>de Pública de Moçambique (<strong>CIP</strong>) agradecea Fun<strong>da</strong>ção Friedrich Ebert pelo seu apoio à realização deste relatório.Também agradecemos a todos quantos comentaram e partilharamas suas análises sobre a corrupção na Saúde em Moçambique.


CONTEÚDO1. Introdução 52. Contexto 53. Justificação 64. Objectivos do Estudo 75. Objecto do Estudo 76. Enquadramento Teórico 77. Metodologia 88. O Sector <strong>da</strong> Saúde em Moçambique 88.1 Caracterização Funcional do Sistema Nacional <strong>da</strong> Saúde 98.2 O Sector Privado <strong>da</strong> Saúde em Moçambique 108.3 O Sector Tradicional de Saúde em Moçambique 119. Os Actores e as Oportuni<strong>da</strong>des para a Corrupção 129.1 Os Actores <strong>da</strong> Corrupção na Saúde 129.2 Burocracia Excessiva e Grandes Bichas 139.3 Salários Baixos e Luta pela Sobrevivência 149.4. A Confusão Público-Privado 1510. As Formas de Corrupção <strong>no</strong> Sector <strong>da</strong> Saúde 1610.1 As Infracções Mais Comuns <strong>no</strong> HCM em 2004 1610.2 O subor<strong>no</strong> 1710.3 O roubo de medicamentos e equipamento 1810.4 As Fragili<strong>da</strong>des <strong>no</strong> Procurement 1911. A Ausência <strong>da</strong> Inspecção Geral <strong>da</strong> Saúde 2112. Conclusões 2213. Recomen<strong>da</strong>ções 2214. Lista de Entrevistados 2315. Bibliografia 24


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u eEm Moçambique, as abor<strong>da</strong>gens sobre a integri<strong>da</strong>de <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> saúde, embora reconheçama existência de um desmoronamento ético e deontológico, não procuram explicar as razõesdestes factores e <strong>da</strong>s disfunções que prevalecem, concentrando-se apenas nas perspectivas deevolução <strong>da</strong> rede sanitária e <strong>da</strong> melhoria <strong>da</strong> provisão de medicamentos. Mas se a corrupçãoem Moçambique atravessa todos os <strong>sector</strong>es do Estado e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, qual é o diagnósticode ca<strong>da</strong> <strong>sector</strong>? Parece imprescindível que qualquer estratégia anti-corrupção em Moçambiquedeva passar por uma compreensão mais profun<strong>da</strong> que envolva outros instrumentos de mediçãoe outras maneiras de olhar o problema. É neste contexto que se impôs um diagnóstico <strong>sector</strong>ialsobre a corrupção <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> saúde em Moçambique.4. OBJECTIVOS DO ESTUDOO objectivo central deste estudo é contribuir para o aumento <strong>da</strong> compreensão <strong>da</strong>s dimensõese manifestações <strong>da</strong> corrupção <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde em Moçambique. Os objectivos específicossão os de compreender os mecanismos <strong>da</strong> corrupção <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde em Moçambique etraçar um perfil sobre as estruturas de oportuni<strong>da</strong>de para a corrupção <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde.5. OBJECTO DO ESTUDOO objecto do estudo são as instituições formais do Sistema Nacional <strong>da</strong> Saúde provedoras deserviços de Saúde do <strong>sector</strong> público, <strong>no</strong>mea<strong>da</strong>mente hospitais, enfermarias, serviços de triagem,farmácias, etc. As instituições do <strong>sector</strong> privado e as instituições informais como curandeirosnão são alvo do estudo. O estudo abrangeu algumas instituições do <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde <strong>da</strong>sci<strong>da</strong>des de Maputo e Matola.6. ENQUADRAMENTO TEÓRICOA definição clássica de corrupção é tributária de Colin Nye, que a estabelece como sendo“um comportamento desviante dos deveres formais de um papel público (eleito ou <strong>no</strong>meado)motivado por ganhos privados (pessoais, familiares, etc.) de riqueza ou status” (Nye 1967:416,citado por Andvig et al, 2000). Quando falamos de corrupção <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde estamosa falar <strong>da</strong> corrupção burocrática pois esta ocorre na administração pública, <strong>no</strong> lado <strong>da</strong>implementação <strong>da</strong>s políticas, aquela que os ci<strong>da</strong>dãos <strong>no</strong>rmais experimentam <strong>no</strong> seu dia adia, <strong>no</strong>mea<strong>da</strong>mente <strong>no</strong>s serviços como tribunais, hospitais, escolas, locais de licenciamento deactivi<strong>da</strong>des comerciais, polícia, alfândegas, autori<strong>da</strong>des fiscais, etc. As somas envolvi<strong>da</strong>s nestaforma de corrupção são geralmente modestas (ajusta<strong>da</strong>s às condições locais) e, por isso, acorrupção burocrática é geralmente referi<strong>da</strong> como rotineira ou “pequena corrupção”.A perspectiva teórica que propomos usar é a institucionalista, que assenta na corrente neoliberale considera a corrupção como um elemento de disfunção do sistema. Esta perspectiva,totalmente divergente <strong>da</strong> funcionalista (Huntington, 1968), defende que, tendo em conta ofuncionamento e a modernização <strong>da</strong> administração pública, a corrupção aumenta a ineficiênciae morosi<strong>da</strong>de burocrática porque cria um estímulo para a procura de <strong>no</strong>vas e mais ren<strong>da</strong>silícitas; impede a modernização burocrática e cristaliza o nepotismo e sistemas clientelares degestão <strong>da</strong> coisa pública, aumentando a despesa pública desproporcionalmente às receitas(devido às reduções ilegais de impostos ou fugas fiscais, etc.).O institucionalismo também considera que a corrupção bloqueia a transição para um Estadode direito, retar<strong>da</strong> o desenvolvimento de um sentido cívico e comunitário e não é um incentivoà produtivi<strong>da</strong>de e eficiência. A adopção desta perspectiva para efeitos deste estudo justifica-


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u ese na medi<strong>da</strong> em que as estratégias de desenvolvimento e <strong>da</strong> reforma do Estado em cursoassentam <strong>no</strong> modelo neo-liberal <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia e do Estado.7. METODOLOGIAA equipa de investigação procurou responder as questões <strong>da</strong> pesquisa através do aprofun<strong>da</strong>mentoteórico <strong>da</strong> temática e <strong>da</strong> revisão de bibliografia de abor<strong>da</strong>gens eventualmente já realiza<strong>da</strong>stendo como pa<strong>no</strong> de fundo material empírico relevante. Numa primeira fase, a pesquisarealizou entrevistas exploratórias a informadores privilegiados seleccionados na base do seuenvolvimento reconhecido <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde, sejam eles médicos, enfermeiros, técnicos demedicina, serventes, técnicos de farmácias, técnicos de farmácia, oficiais de procurement,dirigentes do Estado. O trabalho de campo termi<strong>no</strong>u com a realização de entrevistas abertasna ci<strong>da</strong>de de Maputo e Matola.Ao estu<strong>da</strong>rmos a corrupção <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde em Moçambique procuramos perceber quaissão as estruturas de oportuni<strong>da</strong>de que possibilitam as práticas corruptas nesse <strong>sector</strong>, as formasde corrupção mais prevalecentes, a existência de conflito de interesses, o perfil dos actoresenvolvidos. Uma vez que o controlo <strong>da</strong> corrupção tem como um dos suportes a existência eefectivi<strong>da</strong>de de regras de sancionamento, procurou-se igualmente compreender se, dentrodo <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde, elas existem e se são ou não aplica<strong>da</strong>s. Objectivamente, o estudo esteveorientado para as seguintes questões: qual é a natureza e mecanismos <strong>da</strong>s relações decorrupção <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde em Moçambique? Qual é o perfil dos actores passivo e activo <strong>da</strong>corrupção? Que sistemas de accountability, códigos de ética e conduta, instituições de controloexistem <strong>no</strong> sistema de Saúde moçambica<strong>no</strong>?8. O SECTOR DA SAÚDE EM MOÇAMBIQUEO <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde continua a ser considerado, a par dos <strong>sector</strong>es <strong>da</strong> Educação e <strong>da</strong> Agricultura,um elemento chave dentro <strong>da</strong> estratégia de alívio à pobreza em Moçambique. Apesar docrescimento dos gastos governamentais <strong>no</strong>s <strong>sector</strong>es sociais <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s recentes, o <strong>sector</strong> ain<strong>da</strong>carece de financiamento , continuando a depender extremamente <strong>da</strong> aju<strong>da</strong> externa, resultandoque a quali<strong>da</strong>de seja fraca e a oferta cubra apenas uma mi<strong>no</strong>ria <strong>da</strong> população.O Sistema Nacional de Saúde (SNS) em Moçambique encontra-se dividido, por ordem crescentede dimensão, em quatro níveis, <strong>no</strong>mea<strong>da</strong>mente: a) O nível primário, que compreende os centrosde saúde, urba<strong>no</strong> e rurais; b) O nível secundário, onde se encontram os hospitais gerais, ruraise distritais; c) O nível terciário, onde se encontram os hospitais <strong>da</strong>s capitais provinciais; d) O - O sistema de saúde em Moçambique é uma mistura dos <strong>sector</strong>es público, privado e tradicional, e de algumasinstituições que são uma combinação dos dois primeiros <strong>sector</strong>es. - Sendo um <strong>sector</strong>-chave para os desafios de desenvolvimento de Moçambique, a Saúde tem como principaisfinanciadores o gover<strong>no</strong> de Moçambique, através do Tesouro Público; Créditos e Donativos Internacionais deAgência Bilaterais e Multilaterais; os Agregados Familiares (individuais e familiares); os Empregadores, quefinanciam os serviços de Saúde geralmente através dos benefícios que atribuem aos seus trabalhadores. - A descrição <strong>da</strong> estrutura do Sistema Nacional de Saúde e a sua caracterização funcional foi feita com baseem “Caracterização Técnica e Enunciados de Funções Específicas. Critérios de Classificação <strong>da</strong>s Instituições doSistema Nacional de Saúde”. Diploma Ministerial nº 127/2002. MISAU.


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u enível quaternário, que é representado pelos Hospitais Centrais <strong>da</strong> Beira, Nampula e Maputo .Este SNS foi criado depois <strong>da</strong> Independência em 1975, com o objectivo de colocar a saúde aoalcance de todos os moçambica<strong>no</strong>s e de forma não discriminatória. Tratou-se, na prática, deestender os serviços e as estruturas a todos os pontos do país.O SNS é hoje o principal provedor de serviços de saúde pública, recebendo, <strong>no</strong> entanto, acomplementari<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez mais crescente de serviços privados (como clínicas e hospitais),de serviços sem fins lucrativos (como as uni<strong>da</strong>des sanitárias sustenta<strong>da</strong>s por ONGs e confissõesreligiosas) e de serviços <strong>da</strong> medicina tradicional. A opção estratégica para o <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúdeem Moçambique é vista como devendo ser direcciona<strong>da</strong> para: expansão do Serviço Nacionalde Saúde a todo o território nacional <strong>da</strong>ndo particular ênfase à medicina preventiva; formaçãode pessoal para essas uni<strong>da</strong>des; provisão de medicamentos (Agen<strong>da</strong> 2025 e Programa deGover<strong>no</strong> 2005-2009).8.1 Caracterização Funcional do Sistema Nacional <strong>da</strong> SaúdeO nível primário do SNS engloba um conjunto de acções básicas para a solução dosproblemas mais vulgares na comuni<strong>da</strong>de. A este nível são resolvidos os problemas me<strong>no</strong>scomplexos, surgindo por conseguinte a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua expansão ao longo de todoo território para que possa estar mais próximo dos utentes. Cerca de 90% dos problemasque motivam os primeiros contactos <strong>da</strong> população com a estrutura de saúde podem serresolvidos a este nível . O nível secundário é mais diferenciado e desenvolvido apoiandoo nível primário quer quanto aos problemas técnicos como organizacionais. Este nívelresolve situações mais complexas, remetendo para os outros níveis de atenção (terciárioe mesmo quaternário) a solução de to<strong>da</strong>s as situações que ultrapassam o âmbito <strong>da</strong> suacompetência. Muitas vezes as activi<strong>da</strong>des de prevenção secundária implicam uma maiorcontribuição <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de técnica dos quadros de saúde, <strong>da</strong>do que esta exige meiostécnicos, materiais e huma<strong>no</strong>s . - O Hospital Central de Maputo difere-se <strong>da</strong>s restantes uni<strong>da</strong>des sanitárias do seu nível pelo facto de servirde referência para todos os outros Hospitais Centrais do país e provinciais. Este facto acrescenta maioresresponsabili<strong>da</strong>des a este hospital, uma vez que é o último recurso dos pacientes que, <strong>no</strong>s níveis inferiors, nãoconseguem obter resposta; o HCM, por isso, concentra a maior parte dos poucos especialistas que o pais dispõee apresente igualmente as melhores condições em termos que equipamento. O HCM possui 7 departamentosclínicos com 42 serviços de internamento distribuídos <strong>da</strong> seguinte maneira: Departamento <strong>da</strong>s Medicinas com11 serviços de internamento, Departamento <strong>da</strong>s Cirurgias com 8 serviços, Departamento <strong>da</strong>s Pediatrias com9 Serviços, Departamento de Ginecologia e Obstetrícia com 6 serviços, Departamento <strong>da</strong>s Ortopedias com 4serviços, Serviços de Urgências com 1 serviço e Clínica Especial com 3 blocos de internamento (in Relatório <strong>da</strong>sActivi<strong>da</strong>des Realiza<strong>da</strong>s <strong>no</strong> Hospital Central de Maputo durante o a<strong>no</strong> de 2004). - As uni<strong>da</strong>des sanitárias de nível primário são designa<strong>da</strong>s Centros de Saúde e tem como funções fornecercui<strong>da</strong>dos Cui<strong>da</strong>dos de Saúde Primários (CSP). Os Centros de Saúde classificam-se em Urba<strong>no</strong>s e Rurais. OsCentros de Saúde urba<strong>no</strong>s localizam-se nas zonas urbanas e, em princípio, os centros de Saúde Rurais localizamsenas zonas rurais. - Os hospitais de nível secundário têm como função dispensar cui<strong>da</strong>dos de saúde secundários e constituemo primeiro nível de referência para os doentes que não encontram solução para os seus problemas de saúde<strong>no</strong>s Centros de Saúde <strong>da</strong>s suas zonas de influência, pese embora o facto destes mesmos hospitais, em caso deurgência, receberem directamente doentes que efectuem o seu primeiro contacto com o Sistema Nacional deSaúde. Os Hospitais de nível secundário são de três tipos: Hospitais Distritais, Rurais e Gerais. O Hospital Distritaldestina-se a servir de uni<strong>da</strong>de hospitalar de primeiro nível de referência dos vários centros de saúde <strong>da</strong> sua zonade influência.


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u eA principal característica de um Hospital Rural, que o distingue dos hospitais Distritais, éo facto de possuir condições para a realização de intervenções de grande cirurgia, parao internamento, e disponibili<strong>da</strong>de de serviços individualizados <strong>da</strong>s quatro especiali<strong>da</strong>desbásicas: medicina interna, pediatria, cirurgia e obstetrícia e ginecologia. As estruturas <strong>da</strong>Saúde do nível terciário apoiam, supervisionam e coordenam o trabalho dos escalõesinferiores. A este nível as acções médicas de carácter curativo incluem especiali<strong>da</strong>des maiscomplexas como por exemplo, para além <strong>da</strong>s do nível secundário, as infecto-contagiosas,cui<strong>da</strong>dos intensivos, psiquiatria, dermatologia, medicina física e reabilitação, etc.Os hospitais provinciais têm como função fornecer cui<strong>da</strong>dos de saúde terciários econstituem o nível de referência para os doentes que não encontram solução para os seusproblemas de saúde <strong>no</strong>s Hospitais Distritais, Rurais e Gerais, bem como para doentesproveniente dos centros de saúde que se situam nas imediações do Hospital Provincial, eque não tem nem Hospital Rural nem Hospital Geral para onde possam ser referidos .Em Moçambique, os cui<strong>da</strong>dos curativos do nível quaternário tem um carácter regional,uma vez que estão a cargo dos três hospitais centrais existentes nas ci<strong>da</strong>des de Maputo,Beira e Nampula, sendo ca<strong>da</strong> um responsável por uma região do território nacional.Estes hospitais constituem o nível de referência para os doentes que não encontramsolução para os seus problemas de saúde <strong>no</strong>s hospitais provinciais, rurais e gerais, bemcomo doentes provenientes dos hospitais distritais e de Centros de Saúde que se situamnas imediações do Hospital Central e que não têm Hospital Provincial por perto, nemhospital Rural ou hospital Geral para onde possam ser referidos.Os hospitais centrais funcionam também como “hospitais provinciais” <strong>da</strong>s provínciasonde se localizam embora, mas só recebam doentes <strong>no</strong>s casos referidos acima,podendo, contudo, em casos de urgência e outros motivos excepcionais, devi<strong>da</strong>menteregulamentados, receber directamente doentes que efectuem o seu primeiro contactocom o SNS. Para o desempenho do Sistema Nacional de Saúde foi desenha<strong>da</strong> umaforma de interacção entre os quatro níveis que o compõem, através de uma relaçãohierárquica, escalona<strong>da</strong> e regionaliza<strong>da</strong>, que funciona tanto <strong>no</strong> sentido ascendentecomo descendente. O objectivo desta hierarquização funcional visa assegurar a todos osci<strong>da</strong>dãos a possibili<strong>da</strong>de de disporem de cui<strong>da</strong>dos de saúde tão diferenciados quanto oexija a complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua situação, tentando-se estabelecer um sistema coerente deinteracções entre os diversos níveis.8.2 O Sector Privado <strong>da</strong> Saúde em MoçambiqueAlguns desenvolvimentos recentes <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde em Moçambique incluem adescentralização e a eco<strong>no</strong>mia de mercado. Tendo sido banidos e nacionalizados com aindependência, os serviços privados de Saúde foram reintroduzidos em 1991/1992. Osoperadores do <strong>sector</strong> privado, consistindo de organizações lucrativas e não lucrativas,também são actores importantes e continuam em franco crescimento, especialmente naszonas urbanas (PAVIGNANI, Enrico et al, 2002). Sempre houve em Moçambique umaactivi<strong>da</strong>de paralela <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde, <strong>no</strong>mea<strong>da</strong>mente através <strong>da</strong> medicina tradicional.E, <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s mais recentes, durante o período de emergência que caracterizou o fim<strong>da</strong> guerra civil, as Organizações Não Governamentais tiveram um importante papel na - Em geral, os Hospitais Provinciais localizam-se na ci<strong>da</strong>de capital provincial, mas na<strong>da</strong> impede que em provínciasmuito populosas haja mais do que um hospital provincial.10


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u edistribuição de serviços de saúde. Estes grupos foram mais tarde acrescidos de actoresprivados (privado <strong>no</strong> sentido de busca de lucro), <strong>no</strong>mea<strong>da</strong>mente depois <strong>da</strong>s alteraçõeslegislativas ocorri<strong>da</strong>s <strong>no</strong> início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90. Esta abertura resultou num crescimento<strong>da</strong> oferta de serviços privados, o que sugere que a quanti<strong>da</strong>de de dinheiro movimenta<strong>da</strong><strong>no</strong> sub-<strong>sector</strong> deve estar a aumentar a<strong>no</strong> após a<strong>no</strong>.Os serviços prestados pelo <strong>sector</strong> privado <strong>da</strong> saúde integram a medicina dentária, serviçoscurativos com internamento e as consultas especiais. Poucos têm serviços de cirurgia(Clínica Cruz Azul, Clínica de Sommerschield). Apenas duas <strong>da</strong>s maiores clínicas priva<strong>da</strong>sem Maputo oferecem um leque variado de serviços, incluindo 24 horas de emergência,camas para internamento de doentes, raio X, laboratórios e uma vasta gama de consultasde especiali<strong>da</strong>de. Existem alguns laboratórios privados mas a maioria dos consultóriosremete as análises dos seus pacientes para os serviços do Hospital Central. Por exemplo,um exame de electrocardiograma com esforço só está disponível <strong>no</strong> Hospital Central deMaputo.As empresas priva<strong>da</strong>s de saúde em Moçambique são regista<strong>da</strong>s <strong>no</strong> Ministério <strong>da</strong> Saúde,passando por uma inspecção prévia antes de abrirem as portas. A prática de inspecçãoposterior à abertura de instalações não é frequente. Uma <strong>da</strong>s críticas que se faz ao<strong>sector</strong> privado é a de alguns consultórios e clínicas terem a tendência de quebrarem osregulamentos relacionados com a prescrição de medicamentos a doentes. A mistura deactivi<strong>da</strong>des entre os <strong>sector</strong>es público e privado tem tido implicações negativas para osistema, como por exemplo através dos pagamentos ilegais que ocorrem nas uni<strong>da</strong>despúblicas e alguns arranjos especiais na Clínica Especial do Hospital Central de Maputo .Por último, a activi<strong>da</strong>de de seguro de saúde é muito recente em Moçambique e permaneceain<strong>da</strong> num estágio muito primário.8.3 O Sector Tradicional de Saúde em MoçambiquePara mostrar a estrutura do <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde em Moçambique é importante tomar emconsideração a existência de activi<strong>da</strong>des de prestação de serviços ao nível do <strong>sector</strong>tradicional. Boa parte <strong>da</strong> população moçambicana procura e recebe cui<strong>da</strong>dos prestadospor médicos tradicionais, gastando aí consideráveis somas de dinheiro . Moçambiqueteve, depois <strong>da</strong> Independência, uma história problemática sobre o relacionamentoentre o imenso, mas não quantificado, <strong>sector</strong> tradicional e o <strong>sector</strong> formal. A história foi - Existem alguns aspectos que, não sendo propriamente objecto do <strong>no</strong>sso estudo, levantam algumas questõesliga<strong>da</strong>s à transparência e accountability. Um desses aspectos é o facto os Serviços Especiais e as activi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>Clínica Especial do Hospital Central de Maputo não estarem integrados nas contas do HCM, de que, na ver<strong>da</strong>de,fazem parte. Este facto distorce o relatório financeiro do hospital por várias razões: subestima o real perfil <strong>da</strong>sreceitas do hospital: a única fonte disponível de receitas do hospital é aquela que decorre dos serviços públicosprestados – e estas são extremamente baixas; sobrestima os custos totais do hospital: os custos dos serviçosespeciais e <strong>da</strong> clínica especial são incluídos, mesmo que não contribuam directa e oficialmente para as receitasdo hospital; subestima a utilização do hospital: a Clínica Especial e os respectivos serviços de hospitalização depacientes não são registados. - A organização de Promoção <strong>da</strong> Medicina Tradicional estima que mais de 60% de moçambica<strong>no</strong>s depen<strong>da</strong><strong>da</strong> medicina tradicional para viver, realçando que ela é parte integrante na cultura médica <strong>da</strong>s populaçõesmoçambicanas (in Jornal Domingo, 1 de Maio de 2005). A Organização salienta também que a medicinatradicional está disponível em quase to<strong>da</strong>s as comuni<strong>da</strong>des moçambicanas e, na maioria dos casos, é a únicafonte de saúde (in Jornal Domingo, 8 de Maio de 2005).11


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u ecaracteriza<strong>da</strong> pela rejeição por parte do Estado do papel e <strong>da</strong> prática <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> medicinatradicional; concretamente, o Estado declarara que a prática de medicina tradicionalera ilegal, mas a decisão não teve efeitos práticos pois os curandeiros continuaram atrabalhar, sobretudo junto <strong>da</strong>s populações rurais (PAVIGNANI, Enrico et al, 2002).Mais recentemente, o Gover<strong>no</strong> decidiu reconhecer o <strong>sector</strong> tradicional e o seu papelenquanto prestadores de serviços de saúde. Estudos adicionais podem ser realizados parase ter uma ideia <strong>da</strong> extensão do <strong>sector</strong> tradicional e até que ponto ele pode ser integrado<strong>no</strong> Sistema Nacional <strong>da</strong> Saúde. Ao nível do Ministério <strong>da</strong> Saúde já houve discussões coma AMETRAMO (Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique) tendo como pontode discussão as questões relaciona<strong>da</strong>s com a segurança e o correcto uso de plantasmedicinais. Ao nível local também tem havido a tentativa de algumas organizações nãogovernamentais incorporarem curandeiros <strong>no</strong>s seus programas de trei<strong>no</strong>. A adopção depolíticas de envolvimento <strong>da</strong> medicina tradicional em Moçambique é vista como um cursode acção sensível para o <strong>sector</strong> na medi<strong>da</strong> em que uma larga proporção dos pacientesem Moçambique usam os serviços misturados dos dois <strong>sector</strong>es.9. OS ACTORES E AS OPORTUNIDADES PARA A CORRUPÇÃO9.1 Os Actores <strong>da</strong> Corrupção na SaúdeQuem são os actores <strong>da</strong> corrupção <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde em Moçambique? Os serventesou os enfermeiros? Os médicos ou os restantes funcionários (<strong>no</strong>mea<strong>da</strong>mente técnicos demedicina, agentes de farmácia, pessoal administrativo, etc.)? Se definimos que a corrupção<strong>no</strong> <strong>sector</strong> público acontece na relação procura/oferta de serviços públicos por parte dosci<strong>da</strong>dãos, numa interacção onde os funcionários públicos encarregados de ofereceremesses serviços exigem subor<strong>no</strong>s e cobram ren<strong>da</strong>s, então existe a probabili<strong>da</strong>de de operfil de actores compreender to<strong>da</strong> a gama de recursos huma<strong>no</strong>s, independentemente <strong>da</strong>qualificação, <strong>da</strong> especialização e <strong>da</strong> posição hierárquica.Em termos resumidos, serventes e enfermeiros cobram subor<strong>no</strong>s e extraem ren<strong>da</strong>s aosutentes, aproveitando-se <strong>da</strong> ineficiência geral do sistema, <strong>da</strong> morosi<strong>da</strong>de crónica e domau atendimento ao público. Os técnicos de laboratório também se aproveitam <strong>da</strong>exigui<strong>da</strong>de de meios para cobrar pelas vantagens que dão a quem paga para ser atendidoem primeiro lugar em bem tratado. Os agentes <strong>da</strong>s farmácias são mais co<strong>no</strong>tados comos desvios de medicamentos, os quais depois aparecem à ven<strong>da</strong> em mercados informais.Os médicos usam as facili<strong>da</strong>des dos hospitais públicos para atenderem às preocupaçõese problemas dos seus clientes <strong>da</strong>s clínicas priva<strong>da</strong>s. Existem também práticas de corrupçãocentra<strong>da</strong>s nas estruturas liga<strong>da</strong>s ao procurement do <strong>sector</strong>, etc. Em suma, todos os perfisde quadros e funcionários do <strong>sector</strong> estão envolvidos, de uma ou se outra forma, empráticas de corrupção, obviamente com contor<strong>no</strong>s de troca específicos, com valoresdiferentes e impactos diversos sobre a provisão de serviços públicos <strong>no</strong> <strong>sector</strong>.Durante o trabalho de campo, foi interessante verificar que existe uma atribuição recíproca,de práticas de corrupção de todos contra todos: os médicos atribuem maiores desviosaos enfermeiros, estes aos serventes e aos médicos, os primeiros aos enfermeiros e aosmédicos, etc., e assim por diante. Os utentes também são por todos acusados de seremquem, em muitas <strong>da</strong>s vezes, desencadeia o primeiro passo que vai <strong>da</strong>r à corrupção. Apressão psicológica que a doença impõe ao utente faz com que este procure todos osmeios disponíveis para resolver o seu problema. Se a corrupção é uma transacção com12


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u eactores activos e passivo num processo de troca, a oferta de presentes e dinheiro porparte de utentes acaba desencadeando a corrupção passiva dos funcionários.Cruzando questões que <strong>no</strong>s dão pistas sobre as representações dos actores do <strong>sector</strong>relativamente é corrupção e as práticas (mecanismos), encontramos um grande culpadopela corrupção: os baixos salários. Eis como um enfermeiro explicou a relação entreo seu drama social e a facili<strong>da</strong>de com que recebe subor<strong>no</strong>s dos utentes: “Eu vivo <strong>no</strong>subúrbio, tenho 4 filhos, dois dos quais estu<strong>da</strong>m aqui na ci<strong>da</strong>de. Somos três em casa queprecisamos de dinheiro de ‘chapa’ todos os dias, mas o meu salário é de 1.600.000 Mts.Antes do meio do mês esse dinheiro já não existe. Agora pergunto: acha que eu possonegar a oferta de dinheiro?”.Um técnico de laboratório apresentou-<strong>no</strong>s o seguinte entendimento sobre a oferta depresentes e gratificações por parte dos utentes: “Às vezes os utentes dão dinheiro comoforma de agradecer a <strong>no</strong>ssa simpatia e bom tratamento; para mim isso não constituicorrupção. Corrupção é quando essa oferta é uma forma de ganhar vantagem”. Mas hásempre uma moe<strong>da</strong> de troca, um benefício que aquele que oferece uma gratificaçãorecebe <strong>da</strong> contraparte. Alguns utentes entrevistados fizeram disseram o seguinte:”Oferecermos algo em troca do serviço prestado, mesmo que não <strong>no</strong>s tenham pedido,não deve ser considerado corrupção, pois aqui <strong>no</strong> hospital é quase impossível a genteconseguir despachar-se a tempo…por isso dá-mos uma gorjeta para as coisas aconteceremrapi<strong>da</strong>mente”.As práticas me<strong>no</strong>s correctas atribuí<strong>da</strong>s aos médicos, como referimos, apontam parao uso <strong>da</strong>s facili<strong>da</strong>des do serviço público para benefício próprio. Todos os enfermeirose serventes entrevistados referiram-se a situações em que os médicos dão preferênciaaos pacientes que vêm dos consultórios privados onde trabalham. A situação é descritapor um enfermeiro <strong>no</strong>s seguintes termos: ”Todo pessoal hospitalar sabe que aconteceeste tipo de casos: quando chegam aqui ao hospital os clientes dos médicos <strong>da</strong>s suasclínicas priva<strong>da</strong>s, esses clientes têm priori<strong>da</strong>de nas bichas”. Sobre o perfil dos actores<strong>da</strong> corrupção <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde em Moçambique, os serventes entrevistados tambémconsideram que há uma percepção erra<strong>da</strong> de que só eles é que se deixam corromper.Um servente entrevistado declarou o seguinte:“As pessoas pensam que nós os serventesé que fazemos a corrupção mas também os enfermeiros e os médicos fazem mas a suamaneira. Você não pode querer <strong>da</strong>r a um médico 10 contos; Ele não aceita”.9.2 Burocracia Excessiva e Grandes BichasEm geral, existem poucas zonas livres de corrupção <strong>no</strong>s hospitais moçambica<strong>no</strong>s. Eisos factores e as estruturas de oportuni<strong>da</strong>de que propiciam a ocorrência de práticas decorrupção. Alguns dos procedimentos e processos ao nível <strong>da</strong> aceitação de um pacientee seu internamento são excessivos, o que combinado com a carência generaliza<strong>da</strong> ea ineficiência, resulta em longas filas, as quais criam um ambiente para a solicitaçãoe oferta de subor<strong>no</strong>s. Os baixos orçamentos alocados ao <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde têm comoconsequência uma carência generaliza<strong>da</strong> de instrumentos médicos. Os pacientes têmentão de ficar em listas de espera por longos períodos até que sejam atendidos, como porexemplo em operações cirúrgicas. Por outro lado, os hospitais tendem a considerar maisos casos urgentes, abrindo assim portas para que outros clientes avancem para práticasde corrupção.A morosi<strong>da</strong>de <strong>no</strong> atendimento dos pacientes é o um factor que alimenta a corrupção.A morosi<strong>da</strong>de pode ser fruto de inexistência de recursos huma<strong>no</strong>s em quanti<strong>da</strong>de e13


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u equali<strong>da</strong>de e de sistemas de gestão ineficientes. É essa morosi<strong>da</strong>de que desencadeia aintenção do utente de pagar e a expectativa do funcionário de ser pago. Trata-se de umaoportuni<strong>da</strong>de que é estrategiza<strong>da</strong> pelo utente para ser atendido com maior rapidez e pelofuncionário para ir arreca<strong>da</strong>ndo ren<strong>da</strong>s.Uma <strong>da</strong>s formas que o HCM adoptou para combater a morosi<strong>da</strong>de nas consultas externase, por extensão, reduzir as oportuni<strong>da</strong>des para a corrupção, foi através <strong>da</strong> introdução <strong>da</strong>taxa moderadora há cerca de 5 a<strong>no</strong>s. A introdução <strong>da</strong> taxa serviria para reduzir a deman<strong>da</strong>dos utentes pelo hospital, obrigando-os a usarem as uni<strong>da</strong>des sanitárias inferiores antesde optarem pelo HCM. O pressuposto era que, pagando mais pelas consultas <strong>no</strong> HCMe havendo ofertas mais baratas nas uni<strong>da</strong>des inferiores, o fluxo de utentes ao hospitaldiminuiria, reduzindo as bichas, quebrando a morosi<strong>da</strong>de e aumentando a eficiênciae rapidez <strong>no</strong> atendimento. A taxa foi estabeleci<strong>da</strong> em 75 mil Meticais, contra os 1000Meticais que se pagava anteriormente; todos os utentes que se dirigissem em primeiraopção para o HCM pagariam os 75 mil Meticais; só pagariam 1000 Meticais os doentesque chegassem ao HCM com guias de transferência doutros hospitais.Cinco a<strong>no</strong>s depois, <strong>da</strong>s <strong>no</strong>ssas entrevistas com os actores do <strong>sector</strong> concluímos que oefeito <strong>da</strong> introdução <strong>da</strong> taxa é quase nulo. A taxa foi introduzi<strong>da</strong> <strong>no</strong> HCM mas não houvemelhorias, <strong>no</strong>s níveis inferiores, em termos de recursos huma<strong>no</strong>s e condições materiais.Hospitais periféricos continuaram com materni<strong>da</strong>des pobres e, por exemplo, o “JoséMacamo” não tem médicos especialistas nas urgências; o Hospital de Mavalane só muitorecentemente passou a ter um médico durante 24 horas. Em consequência, os utentescontinuaram a afluir ao HCM. Uma comparação entre os níveis de afluência às consultasexternas em 2000 e os níveis de afluência em 2004 seria mais eluci<strong>da</strong>tiva relativamenteaos efeitos <strong>da</strong> taxa modera<strong>da</strong>. Mas a Repartição de Estatística Hospitalar do HCM nãotem <strong>da</strong>dos dos a<strong>no</strong>s 2000 e 2001.Contudo, os <strong>da</strong>dos de 2002, 2003 e 2004 mostramcomo os níveis de afluência às consultas externas do hospital continuam a subir. Comefeito, em 2002, o HCM realizou 158 760 consultas, contra 179 793 em 2003 e 177998 em 2004 (Relatório de Activi<strong>da</strong>des do HCM/2004).9.3 Salários Baixos e Luta pela SobrevivênciaOs salários em vigor na função pública em Moçambique e, especialmente, <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong>Saúde são muito baixos. O salário mínimo em Moçambique é equivalente a 40 USD. Deacordo com o documento que estabelece as Carreiras de Regime Especial <strong>da</strong> Saúde, ummédico de saúde pública A do escalão 1 ganha 11,6 milhões de Mts (cerca de 500 USD);um médico de hospital assistente tem como salário 8,4 milhões de Meticais. Por sua vez,um médico generalista inter<strong>no</strong> de 1ª recebe apenas 6,9 milhões de Meticais. Os saláriosdos enfermeiros continuam a um nível muito baixo. Um enfermeiro de nível básico ganha1,6 milhões de Meticais (cerca de 80 USD), de nível geral (entre pouco me<strong>no</strong>s de 2milhões), de nível de bacharelato (entre 5 a 6 milhões), com o nível de licenciatura (entre9 a 10 milhões). Estes valores incluem os subsídios que são pagos de acordo com atabela de salários <strong>da</strong> função pública 10 .Os enfermeiros do <strong>sector</strong> público <strong>da</strong> saúde não recebem qualquer incentivo, mesmoque não pecuniário. Nas <strong>no</strong>ssas entrevistas, todos os enfermeiros e serventes com que10 - Estes são subsídios atribuídos ao pessoal que trabalha <strong>no</strong> Hospital Central de Maputo, de acordo cominformações recolhi<strong>da</strong>s junto <strong>da</strong> Associação dos Enfermeiros de Moçambique. Nesse hospital, um enfermeirobásico ou geral tem um subsídio de 350.000,00; os enfermeiros chefes têm subsídio de 750.000,00 pela funçãoque ocupam.14


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u efalamos repisaram que só continuam a trabalhar <strong>no</strong> <strong>sector</strong> público porque não têmoutras alternativas de emprego. Os que conseguem empregos em clínicas priva<strong>da</strong>s eorganizações não governamentais nacionais ou estrangeiras preferem abandonar <strong>no</strong>Estado, pedindo licenças sem salário.No caso dos enfermeiros e serventes a trabalhar <strong>no</strong> Hospital Central de Maputo, uma <strong>da</strong>salternativas é fazerem horas extras na Clínica Especial do HCM 11 bem como em outrasclínicas espalha<strong>da</strong>s pela ci<strong>da</strong>de. Mas a maior parte dos enfermeiros do <strong>sector</strong> públicotrabalha em tempo parcial em clínicas priva<strong>da</strong>s, principalmente na ci<strong>da</strong>de de Maputo 12 .Este facto acaba afectando o seu rendimento quando vão trabalhar <strong>no</strong>s hospitais públicospois encontram-se sempre cansados.Os trabalhadores <strong>da</strong> Saúde até têm ganho a simpatia de fazerem muito mais do quedeviam fazer tendo em conta o seu salário. Foi tendo em conta a incapaci<strong>da</strong>de de oEstado pagar devi<strong>da</strong>mente os seus servidores que o Gover<strong>no</strong> decidiu autorizar que osmédicos e outro pessoal do <strong>sector</strong> público <strong>da</strong> Saúde pudessem trabalhar <strong>no</strong> <strong>sector</strong> privado,sobretudo em clínicas priva<strong>da</strong>s, após o seu período <strong>no</strong>rmal de trabalho; o objectivo erafazer com que os médicos e restante pessoal pudessem ter a possibili<strong>da</strong>de de aumentaros seus rendimentos ao mesmo tempo que permanecessem <strong>no</strong> <strong>sector</strong> público.A importância <strong>da</strong> remuneração adequa<strong>da</strong> para viabilizar um serviço público honesto éreconheci<strong>da</strong> na abor<strong>da</strong>gem sobre a corrupção <strong>no</strong> <strong>sector</strong> público e <strong>no</strong>s debates sobre areforma salarial. As seguintes linhas argumentativas podem ser encontra<strong>da</strong>s: o aumentode salários pode ser suficiente para reduzir a corrupção; o aumento de salários podeser uma condição necessária mas não suficiente; o aumento de salários pode não serimportante relativamente a outras políticas.Num estudo sobre práticas de sobrevivência <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> saúde em Moçambique (Ferrinho,1998), 11 médicos moçambica<strong>no</strong>s foram solicitados a sugerir medi<strong>da</strong>s que levariamà melhoria <strong>da</strong> performance do <strong>sector</strong> público <strong>da</strong> saúde. Eles sugeriram as seguintesmedi<strong>da</strong>s: reformas políticas profun<strong>da</strong>s, melhorias de salários para todos os trabalhadoresdo <strong>sector</strong>; melhoria <strong>da</strong>s condições de trabalho dos <strong>sector</strong>es de saúde; reforço <strong>da</strong> formaçãodo pessoal do <strong>sector</strong>; reforço do financiamento, etc. A questão salarial foi, pois, uma <strong>da</strong>smais foca<strong>da</strong>s. Os baixos salários são uma <strong>da</strong>s razões que faz com os médicos e outropessoal do <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde se moverem rapi<strong>da</strong>mente para o <strong>sector</strong> privado.9.4. A Confusão Público-PrivadoA prática de medicina priva<strong>da</strong> por médicos do <strong>sector</strong> público é uma reali<strong>da</strong>de assenteem Moçambique desde que o Gover<strong>no</strong> decidiu avançar para a liberalização. Osmédicos e enfermeiros do <strong>sector</strong> público investem numa multiplici<strong>da</strong>de de activi<strong>da</strong>des degeração de rendimentos. Estas práticas são considera<strong>da</strong>s como estratégias individuaispara fazerem face às discrepâncias existentes entre as expectativas sociais, económicas e11 - A Clínica Especial do HCM existe uma escala fixa enfermeiros, os quais têm um subsídio mensal de 3.000.000.Não se trata de salário. Optou-se por se de<strong>no</strong>minar subsídio uma vez que esses enfermeiros não trabalham naClínica a título permanente; trabalham a título de rotativi<strong>da</strong>de, anualmente, outros enfermeiros do Hospital Centralde Maputo possam ter acesso a trabalho na clínica especial. Quer isto dizer que os enfermeiros têm contratos deum a<strong>no</strong> não re<strong>no</strong>váveis.12 - Informação presta<strong>da</strong>s por dirigente <strong>da</strong> Associação dos Enfermeiros de Moçambique. Este recurso dosenfermeiros ao <strong>sector</strong> privado aju<strong>da</strong> a aumentar os seus rendimentos.15


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u eprofissionais, e a situação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> real. A prática de medicina priva<strong>da</strong> emergiu como umadessas estratégias, do ponto de vista de geração de rendimento (Ferrinho, 1998). É hojepatente a percepção de que, para os médicos em Moçambique, a ideia de um médicoa trabalhar a tempo inteiro <strong>no</strong> <strong>sector</strong> público é coisa do passado. Mesmo que os níveissalariais passem a ser altos, a combinação de várias fontes de rendimento por partedos médicos vai-se manter. Por outro lado, os médicos continuam a trabalhar <strong>no</strong> <strong>sector</strong>público por causa dos seguintes motivos: prestígio social; acesso a oportuni<strong>da</strong>des parapós-graduação; crença de que <strong>no</strong> futuro as coisas poderão melhorar; estar <strong>no</strong> <strong>sector</strong>público é uma forma de acesso a projectos de cooperação.A prática de medicina em clínicas priva<strong>da</strong>s por parte de médicos do <strong>sector</strong> público tevealgumas consequências claras: redução <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de do serviço público e a redução<strong>da</strong> atenção dos médicos aos pacientes por causa do cansaço (por terem já estado atrabalhar em clínicas priva<strong>da</strong>s); possibili<strong>da</strong>de de haver horários conflituantes; redução dotempo disponível de um médico para trabalhar <strong>no</strong> serviço público, levando a uma maiorindisponibili<strong>da</strong>de de pessoal; aumento <strong>da</strong>s listas de espera e transferência de recursosdo <strong>sector</strong> público para o <strong>sector</strong> privado. O crescimento recente do <strong>sector</strong> privado teve aver com a insatisfação do lado <strong>da</strong> oferta (os médicos) com os salários pagos <strong>no</strong> <strong>sector</strong>público e a insatisfação do lado <strong>da</strong> procura (os pacientes) com a quali<strong>da</strong>de dos serviçosprestados nas uni<strong>da</strong>des hospitalares públicas do <strong>sector</strong> urba<strong>no</strong> (Yates et al, 1999). Aprática de medicina priva<strong>da</strong> em Moçambique trouxe as seguintes consequências.• Os médicos passam mais tempo nas suas clínicas priva<strong>da</strong>s, deixando os seuspacientes <strong>no</strong> serviço público sem atendimento;• Os médicos e as clínicas priva<strong>da</strong>s usam as facili<strong>da</strong>des do serviço público, comoequipamento, para tratar os doentes <strong>da</strong>s suas clínicas priva<strong>da</strong>s, os quais têmgeralmente priori<strong>da</strong>de sobre os outros;• Os médicos usam as suas posições <strong>no</strong> serviço público para recomen<strong>da</strong>rem aosseus doentes determinados serviços privados de medicina;• Os médicos prescrevem medicamentos que eles sabem não se encontram disponíveis<strong>no</strong> serviço público mas apenas nas farmácias com quem eles têm relações;• Tem havido casos de roubo de medicamentos e equipamento dos hospitais públicos,canalizados para as clínicas priva<strong>da</strong>s.10. AS FORMAS DE CORRUPÇÃO NO SECTOR DA SAÚDE10.1 As Infracções Mais Comuns <strong>no</strong> HCM em 2004Quais são as formas mais comuns de corrupção na Saúde? Já <strong>no</strong>s referimos a práticasde subor<strong>no</strong> e cobrança de ren<strong>da</strong>s, assim como <strong>da</strong> questão do conflito de interesses entreo público e o privado tendo em conta não só o uso de facili<strong>da</strong>des do <strong>sector</strong> público porparte de médicos e enfermeiros como também a questão do absentismo e <strong>da</strong> fadiga dostrabalhadores. Antes de descrevermos as práticas de corrupção mais frequentes <strong>no</strong> <strong>sector</strong><strong>da</strong> saúde, parece-<strong>no</strong>s fun<strong>da</strong>mental realçar as práticas desviantes mais comuns vistaspelos utentes, ou seja, práticas que resultam <strong>da</strong>s reclamações dos utentes (Relatório deActivi<strong>da</strong>des do Hospital Central de Maputo, referente a 2004).Em 2005, o gabinete de atendimento ao utente do Hospital Central de Maputo (HCM)registou 176 reclamações. As cobranças ilícitas por parte do pessoal hospitalar – orelatório refere-se a seis funcionários que praticaram este tipo de cobranças em 2004 – eo mau atendimento aos pacientes foram os desvios mais referidos pelos utentes. Outras16


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u equeixas tiveram a ver com: falta de sensibili<strong>da</strong>de em informar sobre a demora de médicosnas consultas, longas filas de espera nas farmácias, per<strong>da</strong> de processos de doentes,discussão entre o pessoal hospital e familiares de doentes durante as visitas.Quanto aos actores dessas práticas desviantes, o HCM identificou seis funcionários queprocediam a cobranças ilícitas, sendo um enfermeiro, dois técnicos e três serventes;foram igualmente identificados quatro funcionários que agrediram fisicamente utentesdo hospital, um caso de violação sexual de uma paciente por parte de um funcionáriohospitalar e três casos de embriaguez entre funcionários, entre outros. Contudo, a infracçãomais frequente, segundo o relatório de activi<strong>da</strong>des, foi mesmo a falta de assidui<strong>da</strong>de 15funcionários.10.2 O subor<strong>no</strong>O subor<strong>no</strong> é a forma mais comum de corrupção <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> saúde em Moçambique.Por definição, o subor<strong>no</strong> é o pagamento (em dinheiro ou espécie) que é feito numarelação de corrupção. Pagar ou receber um subor<strong>no</strong> é corrupção de per se, e deve sercompreendido como uma <strong>da</strong>s essências <strong>da</strong> corrupção. O subor<strong>no</strong> é uma soma fixa<strong>da</strong>,uma determina<strong>da</strong> percentagem de um contrato, ou outra forma de favorecimento emdinheiro, geralmente pago a um oficial do Estado que pode realizar contratos em <strong>no</strong>medo Estado ou, em vez disso, distribuir benefícios a empresas ou indivíduos, empresáriosou clientes (Andivig, et al, 2002).Os clientes do Sistema Nacional de Saúde pagam subor<strong>no</strong> em quase todos osdepartamentos hospitalares, desde os balcões de consulta médica aos laboratórios,passando pelas uni<strong>da</strong>des de raio X e morgues e farmácias. Todos os <strong>no</strong>ssos entrevistadospara este estudo, desde serventes a médicos, passando por enfermeiros e técnicos demedicina, agentes de farmácia, etc., entendem a corrupção como um acto ilícito. Contudo,duas <strong>da</strong>s enfermeiras entrevista<strong>da</strong>s disseram que a aceitação de pren<strong>da</strong>s e gratificaçãoofereci<strong>da</strong>s pelos utentes não é corrupção, mas pode conduzir a habituação, levando aque comecem a ser os próprios técnicos a exigirem as gratificações.A oferta de presentes e gratificações por parte de utentes é tolera<strong>da</strong> por alguns dos <strong>no</strong>ssosentrevistados. Eis como uma enfermeira avalia uma oferta: “Se for uma oferta dentro <strong>da</strong>instituição pode ser uma forma de aliciar, mas acho que não é corrupção”. Das <strong>no</strong>ssasentrevistas salienta-se outra constatação interessante: a de que a corrupção na Saúdeé, em muitos casos, induzi<strong>da</strong>s pelo utentes. Muitos pacientes tomam em primeiro lugara iniciativa <strong>da</strong> transacção na esperança de que vão ser melhor atendimento e de formamais rápi<strong>da</strong>. Na presença de e<strong>no</strong>rmes filas espera e de mau atendimento, os utentespreferem pagar os funcionários para contornar a ineficiência do sistema. Eis como umaenfermeira relata a forma como os utentes desencadeiam a corrupção: “Normalmente,as pessoas pensam que só pagando serão melhor trata<strong>da</strong>s, o que habitua os própriosfuncionários hospitalares. Eu própria já tive um caso em que estava a chamar a bicha deutentes que iriam fazer ecografia e uma utente dirigiu-se para mim oferecendo-me uma<strong>no</strong>ta de 10 mil Mts, pedindo que eu a chamasse mais depressa. Outro exemplo é o <strong>da</strong>sala de partos, onde muitas senhoras trazem dentro <strong>da</strong>s suas capulanas algum dinheiropara oferecerem para serem bem trata<strong>da</strong>s. Isto é agora mo<strong>da</strong>”.17


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u e10.3 O roubo de medicamentos e equipamentoO roubo de medicamentos e equipamento é também muito frequente <strong>no</strong>s hospitais efarmácias moçambicanas 13 . Por definição, o roubo não é considerado corrupção do pontode vista estritamente legal, mas é incluí<strong>da</strong> numa definição mais vasta. Em termos legais,a corrupção é uma transacção entre dois indivíduos, um agente do Estado e outro civil,na qual o agente do Estado actua para além <strong>da</strong>s fronteiras legais de modo a assegurarpara si próprio um benefício privado na forma de subor<strong>no</strong>. O roubo é apenas o roubo;aqui não se envolve o agente civil directamente. O bem público é prejudicado quandofundos públicos são desviados. É uma prática que acontece em quase to<strong>da</strong>s as uni<strong>da</strong>deshospitalares. O pessoal hospitalar usa do seu acesso privilegiado a medicamentos paradesviarem para outros fins que não a aplicação aos doentes em face de prescriçãomédica. A grande parte dos medicamentos desviados do hospital aparece depois à ven<strong>da</strong>em mercados informais 14 . Esta reven<strong>da</strong> de medicamentos é, aliás, uma <strong>da</strong>s fontes derendimento do pessoal <strong>da</strong> saúde, principalmente enfermeiros e serventes, que é o pessoalmais mal pago <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde em Moçambique 15 .No caso de Moçambique, o roubo de medicamentos nas uni<strong>da</strong>des hospitalares é descritopelos profissionais entrevistados como estando muito bem organizado. Pois o roubonão acontece através de uma só pessoa. Há terceiras partes envolvi<strong>da</strong>s. Também existeum circuito de distribuição. Isto envolve a viciação dos registos para a eliminação <strong>da</strong>sevidências do roubo, o subor<strong>no</strong> do pessoal encarregue <strong>da</strong> supervisão. Há relatos demedicamentos que são desviados e transportados para fora do país para serem vendidos.Este circuito pode estar a ser controlado por pessoal exterior ao <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde. Nalgunscasos em Maputo existem “contratos” entre clínicas priva<strong>da</strong>s e trabalhadores do <strong>sector</strong>público para fornecimentos por parte destes de determinado tipo de medicamentos.Apesar deste cenário, os relatórios oficiais continuam a fazer uma abor<strong>da</strong>gem periférica<strong>da</strong>s práticas de corrupção e roubo que se verificam <strong>no</strong> <strong>sector</strong>. Por exemplo, o relatório deactivi<strong>da</strong>des do HCM referente a 2004 dedica apenas 4 linhas à problemática do roubode medicamentos. Lê-se o seguinte:“Nos armazéns <strong>da</strong> Farmácia do HCM <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2004 não foi reportado nenhum caso dedesvio e furto de medicamentos semelhantes aos de Maio e Junho de 2003. Entretanto nãopodemos dizer que não existem desvios; alguns casos isolados podem ocorrer. Esforços<strong>da</strong> farmácia e o apoio <strong>da</strong> Direcção do HCM na contenção deste mal estão a ser feitos”.Se o roubo de medicamentos representa um acréscimo nas fontes de rendimento detécnicos de farmácia, enfermeiros e serventes, também representa per<strong>da</strong>s financeirassignificativas para o sistema de saúde e afecta negativamente a perfomance do <strong>sector</strong> econtribui para o crescimento <strong>da</strong> falta de confiança e desrespeito por parte dos ci<strong>da</strong>dãos13 - Quando falamos em farmácias, referimo-<strong>no</strong>s àquelas deti<strong>da</strong>s pelos serviços públicos. Estas farmácias estãolocaliza<strong>da</strong>s em ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de hospitalar e são geri<strong>da</strong>s por profissionais de saúde do Estado. Os preços dosmedicamentos são fixados pelo Gover<strong>no</strong> e são fortemente subsidiados (Yates et al, 1999).14 - Em Maputo pode-se percorrer algumas ruas e aveni<strong>da</strong>s <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de ou mesmo os mercados do Xipamanineou <strong>da</strong> Malanga para encontrarmos bancas com medicamentos à ven<strong>da</strong>.1815 - Apesar desta reali<strong>da</strong>de, há <strong>no</strong> início do mês de Abril, cerca de 5 centenas de jovens de Maputo concentraramsejunto do Hospital Central de Maputo para reclamarem a admissão em apenas 20 lugares de servente. Ofacto indica drama terrível ao nível do mercado de emprego em Moçambique; mas também que as autori<strong>da</strong>deshospitalares <strong>da</strong> saúde ain<strong>da</strong> não possuem mecanismos claros, transparentes e rigorosos de contratação depessoal


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u erelativamente ao pessoal <strong>da</strong> Saúde 16 . Há igualmente um impacto associado ao riscoque a ven<strong>da</strong> de medicamentos têm para a saúde pública. Alguns pacientes deslocam-seaos hospitais depois de terem recorrido à rua para comprar medicamentos. O consumode medicamentos sem qualquer prescrição médica leva a que, mais tarde, os pacientesdesenvolvam resistências a anti-bióticos.10.4 As Fragili<strong>da</strong>des <strong>no</strong> ProcurementO procurement, sobretudo aquele que tem a ver com a aquisição de medicamentos,construção de hospitais, compra de equipamento hospitalar, construção de centros desaúde, é uma <strong>da</strong>s áreas mais frágeis do <strong>sector</strong>. A compra de medicamentos para o<strong>sector</strong> público <strong>da</strong> saúde continua a ser coordena<strong>da</strong> pela Medimoc, uma empresa doEstado. O MISAU criou um gabinete específico (GACOPI) 17 para o resto <strong>da</strong>s compras deequipamento e construções. Esta área, tal como a dos medicamentos, é financia<strong>da</strong> porparceiros bilaterais e multilaterais.O procurement do <strong>sector</strong> é feito com base em regras distintas, mas as metodologias doBanco Mundial são as mais usa<strong>da</strong>s, <strong>da</strong>do que este é um dos maiores parceiros do <strong>sector</strong>e as suas regras são aceites por quase todos os parceiros. Isso não impede que ca<strong>da</strong>doador imponha os seus critérios. As regras de procurement podem existir formalmente,mas até que ponto é que elas são aplica<strong>da</strong>s? Qual é a capaci<strong>da</strong>de técnica local paraseguir essas regras, geralmente muito exigentes em termos técnicos? E qual é o espaçopolítico de manipulação dessas regras em função de interesses de acumulação por partede figuras bem coloca<strong>da</strong>s <strong>no</strong> aparelho governativo?A simples existência de critérios de transparência não significa que não haja desvios, porexemplo, adquirindo-se equipamentos de baixa quali<strong>da</strong>de. Um técnico de procurement<strong>no</strong> Ministério de Saúde disse-<strong>no</strong>s o seguinte: “Realço o facto de a transparência por sinão garantir a quali<strong>da</strong>de do produto que desejamos pois, por vezes, pode-se cumprirrigorosamente os critérios estabelecidos <strong>no</strong>s cader<strong>no</strong>s de encargos e acabarmos porcomprar gato por lebre; isto é produto adquirido não ter a quali<strong>da</strong>de desejável”.Num país dependente de doações e créditos concessionais, os pacotes de financiamentodo <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde encontram-se previamente estabelecidos. Isto quer dizer que os fundos,quando são disponibilizados, já têm a finali<strong>da</strong>de defini<strong>da</strong>. Isto quer dizer que o papel16 - Um estudo realizado em 1998 aplicou um questionário a 27 indivíduos (11 médicos, 3 enfermeiros, umfarmacêutico) sobre as práticas mais frequentes <strong>no</strong>s hospitais de Moçambique (<strong>sector</strong> público). Eis algumas <strong>da</strong>srespostas: “Todos sabem que o roubo de medicamento e outros bens hospitalares por parte de pessoal <strong>da</strong>Saúde é uma prática comum na <strong>no</strong>ssa socie<strong>da</strong>de”; “É uma prática que existe há muito tempo e não vai terminarfacilmente”; “Qualquer um que percorra as aveni<strong>da</strong>s <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de ou vai para um mercado pode encontrar facilmentemedicamentos à ven<strong>da</strong> nas ruas” (Ferrinho, 1998).17 - O Gacopi realiza o procurement de tudo quanto é investimento de parceiros que saem fora do OrçamentoGeral do Estado tal como: Banco Mundial, BAD, BID, Banco Árabe Desenvolvimento Económico de Africa, Fundo<strong>da</strong> OPEC para o desenvolvimento de Africa e parceiros bilaterais. Os acordos bilaterais são para infra-estruturase equipamentos hospitalares de nível central e provincial. O Gacopi dá apoio técnico ao Ministério <strong>da</strong> Saúde eminvestimentos <strong>no</strong> <strong>sector</strong> que tenham metodologias de investimento diferencia<strong>da</strong>s do Orçamento Geral do Estado,isto é se por exemplo o Banco Mundial, digo o Banco Mundial ou outro doador <strong>da</strong>queles que tem ligaçõescon<strong>no</strong>sco financiar um programa de formadores para HIV/ SIDA o dinheiro desse programa irá ser monitorizadopor nós mas to<strong>da</strong> a concepção do projecto ficará a cargo do Departamento de formação do Ministério.19


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u edo Gacopi é implementar o uso desses fundos. Por exemplo, um projecto recente eradestinado a reabilitação <strong>da</strong>s infra-estruturas destruí<strong>da</strong>s do <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde. De acordocom as regras, pode-se crer que os fundos vieram somente para esse fim e, portanto, aonível do Gacopi não houve possibili<strong>da</strong>des desvia o dinheiro para, por exemplo, comprade equipamentos hospitalares. Isto não quer dizer que não haja corrupção. A atribuiçãode licenças de construção e reabilitação de uni<strong>da</strong>des hospitalares, o fornecimento deequipamentos e medicamentos está, também em Moçambique, infesta<strong>da</strong> de práticasde corrupção através do pagamento de comissões pelos fornecedores ou empreiteirosa quem tem o poder de decidir sobre os concursos. Muitas <strong>da</strong>s vezes, os concursoslançados <strong>no</strong>s jornais são apenas um processo de formalização.O pagamento de comissões por fornecedores a técnicos de procurement que detêminformação privilegia<strong>da</strong> é uma prática comum em Moçambique, mas ela é vista como<strong>no</strong>rmal por alguns técnicos do <strong>sector</strong>. Um deles fez-<strong>no</strong>s a seguinte declaração: “Em todosos países do mundo, também <strong>no</strong>s mais desenvolvidos, o pagamento de comissões é <strong>no</strong>rmal:to<strong>da</strong> a gente recebe o que o patrão quer e exige é quali<strong>da</strong>de necessária, bom preço doproduto. As comissões até aju<strong>da</strong>m a estabelecer salários não muito altos que temos. Aquiem Moçambique como somos uns líricos achamos que receber comissões é corrupção.O que não concordo muito pois se um indivíduo escolhe a melhor alternativa dentreaquelas que concorreram à adjudicação sem prejudicar o interesse geral, a comissãofunciona como um estímulo”. Esta declaração sintetiza a prática e as representaçõesprevalecentes na área do procurement em Moçambique. Os relatos revelam, <strong>no</strong> entanto,que os níveis de desvios atingem somas muito altas. Há poucos a<strong>no</strong>s houve um caso dedesvio de 700.000 USD <strong>no</strong> <strong>sector</strong> de procurement do MISAU; o funcionário foi detido,mas o problema é que a soma foi desvia<strong>da</strong> com a assinatura de um grande dirigente doMinistério na altura.A corrupção é, como dissemos, um fenóme<strong>no</strong> escondido e a tentativa de buscar informaçãosobre os seus mecanismos esbarra geralmente em bloqueios e silêncios. Há três a<strong>no</strong>suma briga<strong>da</strong> <strong>da</strong> Inspecção-geral de Finanças teve imensas dificul<strong>da</strong>des em recolherinformações junto <strong>da</strong>s instituições relevantes do <strong>sector</strong> pois estava a encontrar “dimensõesalarmantes” de práticas não transparentes. O relatório de avaliação ao desempenhodo <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde, entretanto produzi<strong>da</strong> pela Inspecção, mostrou um pouco dessaspráticas. Algumas agências de cooperação internacional em Moçambique estão naposse desse e doutros documentos relevantes, mas guar<strong>da</strong>dos na gaveta. Funcionáriosligados a agências doadores e à Inspecção-geral de Finanças relatam que a importaçãode medicamentos para o <strong>sector</strong> público é uma <strong>da</strong>s áreas onde a corrupção movimentavárias somas. O procurement relativo a medicamentos é controlado pela Medimoc.Foram relata<strong>da</strong>s suspeitas de que alguma parte dos fundos disponibilizados para essaárea não chegam sequer a ser convertidos em medicamentos, através de processos desobre-facturação.Também é comum encontrarem-se medicamentos importados para o Estado disponíveisem farmácias priva<strong>da</strong>s, a preços muitas vezes superior ao preço do custo: ou seja,medicamentos subsidiados e que deviam estar disponíveis nas farmácias dos hospitaispara a população carencia<strong>da</strong> encontram-se à ven<strong>da</strong> nas farmácias priva<strong>da</strong>s a preçosexorbitantes. O próprio HCM admite <strong>no</strong> seu relatório de activi<strong>da</strong>des referente a 2004que “para os casos em que os medicamentos, pelo seu papel terapêutico, tinham umcarácter extremamente urgente, recorreu-se internamente a fundos próprios do hospitalpara aquisição extraordinária <strong>no</strong> mercado local”. Técnicos do <strong>sector</strong> admitem que acorrupção está tão enraiza<strong>da</strong> na Saúde que sugerem que <strong>da</strong>quilo que é o gama total de20


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u efinanciamento do <strong>sector</strong> apenas uma pouquíssima parte chega realmente aos doentes.11. A AUSÊNCIA DA INSPECÇÃO GERAL DA SAÚDEÉ recorrente que este tipo de estudos sobre corrupção seja um pouco mais do que uma descrição<strong>da</strong>s práticas e <strong>da</strong>s representações, sendo por isso fun<strong>da</strong>mental, para enriquecer a compreensãodo objecto de estudo, captar a natureza <strong>da</strong>s estruturas de incentivos e motivação, do controlo edo accountability, <strong>da</strong> fiscalização e dos códigos de ética e deontologia, o papel dos organismosprofissionais. Se estas são instituições importantes para o controlo ou redução <strong>da</strong> corrupçãonum <strong>da</strong>do <strong>sector</strong>, é fun<strong>da</strong>mental que a pesquisa também se preocupe em compreender se elasexistem, qual é a sua dinâmica.As estruturas de incentivos, quer sejam salariais ou não, o estatuto do emprego e <strong>da</strong>s carreirasprofissionais, a supervisão e a forma de interacção com o público podem ter impacto positivosobre o accountability. Em adição, as <strong>no</strong>rmas profissionais e os valores religiosos podeminfluenciar a extensão com que os funcionários do <strong>sector</strong> <strong>da</strong> saúde se sentem na obrigação deprestarem contas pelos serviços que prestam (Brinkerhoff, 2003).Em Moçambique a instituição central de accountability <strong>no</strong> sistema é o Ministério <strong>da</strong> Saúde.É o principal actor <strong>da</strong>s relações de accountability, tanto em termos de fazer com que asuni<strong>da</strong>des do sistema prestem contas a si por via de hierarquias, como devendo prestar contasa outras instituições do Gover<strong>no</strong> e, indirectamente, aos ci<strong>da</strong>dãos. O MISAU pode exercerum importante oversight sobre um significativo grupo de actores: os provedores directos dosserviços de saúde pública a vários níveis (central, regional e local); os provedores privadosatravés <strong>da</strong> regulação, <strong>da</strong> monitoria e <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> lei; através do orçamento, logística einfra-estruturas; através <strong>da</strong>s políticas e do planeamento, etc. Este vasto leque de man<strong>da</strong>tos é,em muitos casos, acompanhado por sanções: a habili<strong>da</strong>de de contratar, demitir e promover; odireito de assinar e cancelar contratos, etc.Uma <strong>da</strong>s instituições mais relevantes neste contexto é a Inspecção-geral de Saúde. Mas aolongo <strong>da</strong> <strong>no</strong>ssa pesquisa não conseguimos entrevistar nenhum responsável do departamento 18 .No geral constatamos um sentimento de frustração por parte de alguns funcionários devido afraca presença de inspecções e sanções <strong>no</strong> <strong>sector</strong>. Existe, pois, uma dispari<strong>da</strong>de de informaçõese opiniões dos actores quando se lhes coloca a pergunta sobre se já presenciaram ou tomaramconhecimento de casos de corrupção sancionados. Alguns médicos referiram terem jádenunciado casos de corrupção mas reclamaram que nunca houve um seguimento por parte<strong>da</strong>s estruturas de direcção <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des hospitalares. Um oficial administrativo disse que sóteve conhecimento de um único caso de penalização de um funcionário que foi transferidopara a morgue do HCM.As instituições de inspecção e fiscalização são fun<strong>da</strong>mentais em contexto onde a corrupção estámuito dissemina<strong>da</strong>. Por exemplo, num estudo elaborado por Di Tella (2001), o autor confirmaque o grau de intensi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s auditorias e fiscalização foram cruciais para tornar efectivas aspolíticas salariais anti-corrupção. Depois disso, o principal desafio passou a ser a manutençãodesses altos níveis de inspecção e fiscalização. O social accountability também tem a sua18 - Era interessante saber o que é que a Inspecção-geral de Saúde faz, qual é o impacto que ela tem sobre o <strong>sector</strong>,de que forma exerce as suas atribuições na prática, como é que ela se articula com a direcção do Ministério, seapresenta relatórios anuais, qual é o seu conteúdo, o que destacam, quantos inspectores e que meios têm? Qualo seu papel relativamente às farmácias; à aquisição de medicamentos; ao absentismo dos médicos e enfermeiros;em relação à aplicação dos códigos de ética e deontologia, etc.21


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u eimportância, mas ele depende de os utentes terem amplos poderes e voz para articular assuas necessi<strong>da</strong>des e deman<strong>da</strong>s. No <strong>no</strong>sso caso, como <strong>no</strong>tamos, os utentes do SNS não têmnenhum canal de comunicação com as autori<strong>da</strong>des <strong>da</strong> saúde nem como expressarem as suasdeman<strong>da</strong>s, para além do sistema de livro de reclamações.Por outro lado, há falta de informação sobre que tipos de serviços são fornecidos, onde sãofornecidos e quem são os responsáveis. O ambiente que vigora é propício para a solicitação epagamento de subor<strong>no</strong>s. Os utentes deviam ser informados sobre os seus direitos e obrigações,de modo a que ficassem a conhecer o que esperam dos serviços públicos e quais são assuas responsabili<strong>da</strong>des. Em muitos casos, devido à falta de informação, os utentes pensamque o subor<strong>no</strong> é a atitude aceite. Para além de não terem informação sobre os seus direitose obrigações, os utentes ain<strong>da</strong> não têm em Moçambique uma abertura para participarem <strong>no</strong>processo de accountability <strong>da</strong>s uni<strong>da</strong>des sanitárias.12. CONCLUSÕESNeste estudo mostramos um conjunto de práticas e mecanismos de corrupção que se podemcaptar <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde em Moçambique, assim como algumas <strong>da</strong>s oportuni<strong>da</strong>des que apropiciam e um perfil dos actores envolvidos. As práticas verificam-se nas diversas uni<strong>da</strong>desdo sistema de Saúde em Moçambique, embora o grau de incidência varie de acordo com anatureza e dimensão dessas uni<strong>da</strong>des. Por exemplo, se num hospital central como o de Maputopodemos encontrar facilmente situações de uso de instalações públicas para a prática demedicina priva<strong>da</strong>, num Centro de Saúde suburba<strong>no</strong> uma <strong>da</strong>s práticas mais visíveis é o roubode medicamentos.Ficou claro que os consumidores pagam subor<strong>no</strong>s para terem acessos aos serviços públicosfornecidos pelo Estado, num cenário que faz com que os funcionários do <strong>sector</strong> exerçam omo<strong>no</strong>pólio do poder, ao determinarem a quanti<strong>da</strong>de de serviços e os outputs, seja ao atrasaremo seu fornecimento ou simplesmente mantendo os serviços em espera. Uma consequênciadestas práticas, como aliás acontece grosso modo com a corrupção burocrática, é que elainduz a sua própria reprodução, perpetuando a ineficiência e o mau atendimento, que passama ser oportuni<strong>da</strong>des estratégicas para que os funcionários do <strong>sector</strong> ganhem mais ren<strong>da</strong>s.Por extensão, verifica-se uma desigualitarização <strong>no</strong> acesso aos serviços de Saúde. Isto querdizer que os utentes com me<strong>no</strong>s posses ficarão remetidos para os últimos lugares <strong>da</strong>s filas deatendimento.13. RECOMENDAÇÕES• É preciso activar mecanismos de denúncia e reclamação por parte dos utentes;esses mecanismos têm de proteger aqueles utentes que possam ter a intenção dedenúncia;• Uma <strong>da</strong>s formas de reduzir a corrupção é aumentar os incentivos que agentesrecebem do do Estado para poderem desempenhar as suas activi<strong>da</strong>des; uma<strong>da</strong>s formas é o estabelecimento de sistemas de remuneração e bónus ligados àperformance;• Outra <strong>da</strong>s formas de reduzir-se a corrupção <strong>no</strong> <strong>sector</strong> <strong>da</strong> Saúde é através <strong>da</strong>introdução do social accountability. Tratar-se-ia de permitir que os membros<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des participem na gestão dos serviços de saúde, fornecendo-lhes22


A C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u einformação, escolhas e oportuni<strong>da</strong>des para apresentarem as suas reclamações <strong>no</strong>caso de os serviços não conseguirem atingir as suas expectativas. Trata-se de umaquestão de monitoria e parte-se do princípio de que a efectivi<strong>da</strong>de do fornecimentode serviços de saúde depende <strong>da</strong> extensão com que os servidores públicos prestamcontas aos utentes sobre a sua performance;• As campanhas de educação cívica para os utentes contribuiriam para uma redução<strong>da</strong>s situações em que são os utentes a induzir a troca corrupta;• Um outro mecanismo de controlo <strong>da</strong> corrupção tem a ver com o accountabilityhierárquico, o qual é baseado <strong>no</strong>s controles burocráticos dentro do gover<strong>no</strong>. Oaccountability hierárquico possibilita uma monitoria efectiva do desempenho dosfuncionários públicos, premiando-os em caso de bom desempenho e punindo-osem caso de mau desempenho. Estes sistemas de avaliação de desempenho ain<strong>da</strong>não são claros, pelo que deveriam ser introduzidos de uma forma clara;14. LISTA DE ENTREVISTADOSPara este estudo, entrevistamos um total de 48 pessoas, a saber:Médicos------------------------------------------------------------------------------------ 10Enfermeiros-------------------------------------------------------------------------------- 9Serventes----------------------------------------------------------------------------------- 11Técnicos de Medicina-------------------------------------------------------------------- 5Agentes de Farmácia--------------------------------------------------------------------- 8Dirigentes Associativos------------------------------------------------------------------- 1Técnicos de Procurement----------------------------------------------------------------- 3Funcionários de agência de cooperação--------------------------------------------- 3Utentes------------------------------------------------------------------------------------- 1623


15. BIBLIOGRAFIAA C o r r u p ç ã o n o S e c t o r d a S a ú d e e m M o ç a m b i q u eAGENDA 2025 (2003): “Visão e Estratégias <strong>da</strong> Nação”. Documento Preliminar. Maputo.ANDVIG, Jens Chr. et al (2000): “Research on Corruption A policy oriented survey”. Commissioned byNORAD, final report, Oslo.BRINKERHOFF, Derrick (2003): “Accountability and Health Systems: Overview, Framework, andStrategies”, Partners for Health Reform plus Abt Associates Inc, Maryland, US.DI TELLA, Rafael e William D. Savedoff (2001): “Diag<strong>no</strong>sis Corruption”. S/F.ÉTICA Moçambique (2001): “Estudo Sobre Corrupção”, Maputo.FERRINO, Paul (1998): “How and Why Public Sector Doctor Engage in Private Practices in PortuguesespeakingAfrican Countries”. In Healthy Policy and Planning 332-338, Oxford Press University.FERRINHO, Paulo et al (2004): “Pilfering for survival: how health workers use access to drugs as acoping strategy”. In Human Resources for Health 2004, 2:4.This article is available from: http://www.human-resources-health.com/content/2/1/4.GUPTA, Sanjeev (2000): “Corruption and the Provision of Health Care and Education Services”. IMFWorking Paper.HOSPITAL CENTRAL DE MAPUTO (2005): “Relatório <strong>da</strong>s Activi<strong>da</strong>des Realiza<strong>da</strong>s <strong>no</strong> Hospital Central deMaputo durante o a<strong>no</strong> de 2004”.HUNTINGTON, Samuel, “Modernization and Corruption” (1968): Political Order In Changing Societies.Yale University Press.JORNAL DOMINGO, 1 de Maio de 2005.JORNAL DOMINGO, 8 de Maio de 2005.MINISTÉRIO DA SAÚDE (2002):“Caracterização Técnica e Enunciados de Funções Específicas. Critériosde Classificação <strong>da</strong>s Instituições do Sistema Nacional de Saúde”. Diploma Ministerial nº 127/2002.OPPENHEIMER, Jochen e Raposo, Isabel (2002): “A Pobreza em Maputo”. Ministério do Trabalho eCooperação, Lisboa.PAVIGNANI, Enrico et al (2002): “Moving On-Budget in the Health Sector of Mozambique: Requirements,Features and Implications of Future Aid Management and Financing Mechanisms”. Maputo.TARYN, Vian (2002): “Corruption and the Health Sector“, U.S. Agency for International Development(USAID) and Management Systems International (MSI), p. 1.UGANDAN Inspectorate of Government (2003): “Second National Integrity Survey Final Report”, March2003.UNDP (2003): Human Development Report A Compact Among Nations to End Human Pverty, UnitedNations Development Programme, p.58.UTRESP (2005): “Estratégia de Combate à Corrupção”, draft, 28.01.05. MaputoWORLD BANK (2004): “World Development Report Making Services Work For Poor People”, The WorldBank, p.5.24YATES, Robert e Zorzi, Nathalie (1999): “Health Expenditure Review-Mozambique”, Technical AssistanceProvided By Family Planning Management Development Project Management Sciences for Health.Funding by USAID.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!