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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESCPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃOCURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃOANDRESSA JOSEANE DA SILVAA ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL E SUAINFLUÊNCIA NA EXPRESSÃO CULTURALDAS CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOSCRICIÚMA, MARÇO DE 2010

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESCPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃOCURSO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃOANDRESSA JOSEANE DA SILVAA ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL E SUAINFLUÊNCIA NA EXPRESSÃO CULTURALDAS CRIANÇAS DE 0 A 3 ANOSCRICIÚMA, MARÇO DE 2010


Dedico este trabalho a Deus,autor <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>,meu socorro mais presente,minha confiança e minha força.


AGRADECIMENTOS“Maria, Maria, é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta, uma mulherque merece viver e amar como outra qualquer do planeta...”Assim agradeço a companhia, os conhecimentos construí<strong>dos</strong> e asorientações <strong>da</strong> queri<strong>da</strong> Maria (Maria Isabel Leite) que, desde 2003, quando aconheci, fez questão de me apresentar o mundo acadêmico e a trajetória depesquisas e estu<strong>dos</strong> em educação infantil, apoiando minhas conquistas e vibrandocom elas.Aos professores Celdon Fritzen e Ademir Damazio, pelas correções eindicações metodológicas tão importantes no momento <strong>da</strong> escrita, e aos professoresdo mestrado, Ilton Benoni, Paulo Rômulo Frota e Gladir Cabral, pela dedicação evaliosas discussões que contribuíram para constituição deste trabalho.Ao professor Gildo Volpato e à professora Alessandra M. Rotta deOliveira, ele pelas sugestões e ela pela importante contribuição na banca dequalificação.Aos professores Manoel Jacinco Sarmento, Tomaz Tadeu <strong>da</strong> Silva, ZoiaPrestes e Rivânia K. Duarte por me enviarem textos, dissertações e sugestõesbibliográficas.Ao meu querido Vanico (Ivan Sérgio), amigo presente nos momentos deangústia e cansaço. Obriga<strong>da</strong> pelos momentos de alegria e pelos livros que meajudou a garimpar.À Pricilla Trierweiller, uma pessoa especial e amiga muito presente nesse


momento de estudo e escrita. Em muitos momentos de tensão eu recebi suaatenção e seus conselhos, que me impulsionaram a continuar a trajetória de ler,pensar e escrever. Acredito que ain<strong>da</strong> tenha muito a aprender com ela e espero quesejamos ca<strong>da</strong> vez mais amigas.Aos amigos do mestrado: Eduardo B., Eduardo Abel, Lucas, Jeferson, D.Lurdes, Rubinalva, Josiane, Maria Dolores, Karina e, em especial, à Alexandra, pelapresença, momentos de estudo e boas risa<strong>da</strong>s.À Vanessa, secretária do Mestrado, que, com sua dedicação e paciência,estava sempre pronta a me atender.Às minhas queri<strong>da</strong>s ami<strong>da</strong>s Ingrid, Lola, Mai, Rê, Fabi, Maria Elise, Mi, Fêe Ane por apoiarem meus estu<strong>dos</strong>, festejarem minhas conquistas e respeitaremminha profissão. São amigas para sempre.Ao GEDEST e aos amigos Lenita, Lela, Ana Maria, Virgínia, Célia, AnaCristina, Ariane, Rodrigo, Rose e Sila pelos encontros de estudo, conversas eorientações e, principalmente, por me apoiarem nesta pesquisa de mestrado.Ao Colégio Marista, por me liberar para fazer as disciplinas no primeiroano de estudo.A to<strong>da</strong>s as professoras, profissionais e crianças do CEIM Jorge Frydberg,por abrirem as portas para esta pesquisa e também pelo carinho e respeito com quefui recebi<strong>da</strong>.A CAPES, pela concessão de 14 meses de bolsa de estu<strong>dos</strong>, queoportunizou mais tempo de dedicação a esta pesquisa.Por fim, agradeço à minha família, em especial a meu avô Gilson, minhamãe Vera e minha irmã Rafaela, pelo incentivo, carinho e amor que me confortam eme impulsionam a continuar meus estu<strong>dos</strong>.


RESUMOEsta dissertação tem por objetivo refletir se a organização <strong>dos</strong> espaços para ascrianças de 0 a 3 anos nas instituições de educação infantil oportuniza ou não suasexpressões culturais. O campo de investigação desenvolveu-se no Centro deEducação Infantil Municipal (CEIM) Jorge Frydberg, que atende crianças em períodointegral. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que utilizou como procedimentosmetodológicos o registro em diário de campo, o registro fotográfico, a observaçãonão participante e entrevistas semiestrutura<strong>da</strong>s e abertas. O estudo considera aimportância do planejamento do espaço como componente curricular <strong>da</strong> educaçãoinfantil, pois entende que este é um lugar privilegiado de interações entre criançascrianças,crianças-adultos e crianças-natureza. Também compreende que o modocomo o espaço está organizado revela a concepção de infância e de educação decrianças <strong>da</strong> instituição, produzindo práticas pe<strong>da</strong>gógicas. A pesquisa estáconfigura<strong>da</strong> em dois momentos: no primeiro, traz a análise do espaço em trêscategorias: a autoria, a autonomia e a identi<strong>da</strong>de nos espaços observa<strong>dos</strong>; e, nosegundo, apresenta a análise <strong>da</strong>s relações <strong>da</strong>s crianças com o espaço, com osadultos e entre pares, também fun<strong>da</strong>mentado em três categorias: a autoria, aautonomia e a identi<strong>da</strong>de nas relações observa<strong>da</strong>s. A partir <strong>da</strong> análise do campo, oestudo traz reflexões que contribuem para que as crianças, as professoras e oespaço em relação exerçam mais plenamente o seu papel de protagonistas <strong>da</strong>sinstituições de educação infantil.Palavras-chave: espaço físico; educação infantil; culturas infantis; 0 a 3 anos.ABSTRACTThis thesis aims to reflect whether the organization of spaces for children aged 0-3 inearly childhood education institutions gives room or not to their cultural expressions.The field of research was developed at the Center for Early Childhood Education(CEIM) Jorge Frydberg, which serves children full time. This is a qualitative study thatused as instruments: written records, photographic records, non-participantobservation and semi-structured and open interviews. The study considers theimportance of space planning as a component of early childhood educationcurriculum, believing that this is a privileged space for children-children, childrenadultsand children-nature interaction. It also understands that the way space isorganized reveals the conception of childhood and children education of theinstitution, producing teaching practices. The research is set at two points: first, itbrings the analysis of the space into three categories: authorship, autonomy, andidentity in the space observed, and the second presents the analysis of children'srelationships with space, with adults and peers, also based on three categories:authorship, autonomy, and identity in the relations observed. From the analysis of thefield, the study raises some thoughts that help children, teachers and space inrelation to exercise more fully their role as protagonists of educational institutions.Keywords: space; children education; children cultures; 0-3 year-olds.


SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 52 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO............................................ 162.1 Descrição <strong>da</strong> pesquisa............................................................................. 162.2 O local pesquisado: CEIM Engenheiro Jorge Frydberg........................ 252.3 Espaço físico ............................................................................................ 282.3.1 Apontamentos sobre a criação <strong>dos</strong> Jardins de Infância ......................332.3.2 Aproximações sobre a história <strong>da</strong> educação infantil no Brasil..........362.3.3 A infância nos espaços de educação infantil......................................432.4 As crianças de 0 a 3 anos........................................................................ 502.5 Culturas infantis ....................................................................................... 573 A CONSTRUÇÃO DE AUTORIA, AUTONOMIA E IDENTIDADE INFANTIS NOSESPAÇOS OBSERVADOS – ANÁLISE DO CAMPO ..................................... 653.1 A autoria infantil nos espaços observa<strong>dos</strong> ........................................... 663.2 A construção de autonomia infantil nos espaços observa<strong>dos</strong>............ 733.3 A construção de identi<strong>da</strong>de infantil nos espaços observa<strong>dos</strong> ............ 804 A CONSTRUÇÃO DE AUTORIA, AUTONOMIA E IDENTIDADE INFANTIS NASRELAÇÕES OBSERVADAS – ANÁLISE DO CAMPO......................................854.1 A autoria infantil nas relações observa<strong>da</strong>s...............................................864.2 A construção de autonomia infantil nas relações observa<strong>da</strong>s.............1054.3 A construção de identi<strong>da</strong>de infantil nas relações observa<strong>da</strong>s..............1385 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................147REFERÊNCIAS.................................................................................................152


51 INTRODUÇÃORevisitando minha infância, recordo <strong>da</strong>s brincadeiras de professora e doencanto de organizar a “Escolinha Manchinha”, que acontecia aos sába<strong>dos</strong> pelamanhã em minha casa. Mesmo combinando o dia e o horário com as crianças, eulevava a brincadeira tão a sério que não me importava em ir de casa em casa buscálas,muitas vezes pedindo licença para acordá-las e esperá-las tomar o café.A i<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crianças variava entre seis e oito anos. Ca<strong>da</strong> qual chegavacom seu caderno e estojo e participava <strong>da</strong> “aula” que acontecia ininterruptamente,com duração de aproxima<strong>da</strong>mente uma hora. No final, antes <strong>da</strong> despedi<strong>da</strong>, euorganizava a tarefa para cobrar na “aula” seguinte. Mas, para minha frustração, namaioria <strong>da</strong>s vezes as crianças não se interessavam em fazê-la.Além de quadro e giz, eu dispunha de outro recurso: algumas ativi<strong>da</strong>dese desenhos mimeografa<strong>dos</strong> que ganhava de uma vizinha de minha avó – umadiretora de colégio estadual. Foram esses desenhos prontos e estereotipa<strong>dos</strong> que,mais tarde, no Curso de Especialização lato sensu em Metodologia <strong>da</strong>s SériesIniciais do Ensino Fun<strong>da</strong>mental e Educação Infantil, me provocaram a pensar sobrea produção cultural <strong>da</strong>s crianças, particularmente a artística. Essa fora a únicaexperiência que havia tido com esse material, e ele ain<strong>da</strong> estava presente emalgumas instituições de educação infantil que eu conhecia. O texto a esse respeitofaz parte do último capítulo <strong>da</strong> minha monografia, intitulado: “As crianças ain<strong>da</strong> nãosabem desenhar muito bem, então os trabalhinhos ficam assim... – entre murais eparedes, o destino <strong>da</strong> produção infantil”.


6Antes de fazer a Especialização, percebi que o ponto alto <strong>da</strong> experiênciade “brincar de escolinha” na infância refletiu-se na minha decisão acerca <strong>da</strong> escolha<strong>da</strong> minha profissão. Fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> nessa vivência, comecei minha trajetóriaprofissional em 1997, cursando Pe<strong>da</strong>gogia, que terminei em 2001. Em 2003, inicieicomo pesquisadora do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em EducaçãoEstética (GEDEST/UNESC) e ain<strong>da</strong> concluí a Especialização. O trabalho depesquisa e os encontros no GEDEST me sensibilizaram e me provocaram a dialogarum pouco mais com a arte, interessando-me, principalmente, por poesia, artesplásticas, teatro e literatura infantil.Em busca de outras vozes, outros olhares e investigações sobre infância,comecei a participar, em 2005, do Núcleo de Estu<strong>dos</strong> e Pesquisas <strong>da</strong> Educação naPrimeira Infância (NUPEIN/UFSC). Entretanto, em 2006, quando tive a primeiraoportuni<strong>da</strong>de de trabalhar diretamente com educação infantil – na quali<strong>da</strong>de decoordenadora de uma escola priva<strong>da</strong>, atuando com um grupo com catorzeprofessoras e dez estagiárias –, surgiram muitas dúvi<strong>da</strong>s, principalmente sobre otrabalho com as crianças de 0 a 3 anos. Foi na prática <strong>da</strong> escola que pude percebero quanto minha monografia acabara privilegiando as crianças de 4 a 6 anos emdetrimento <strong>da</strong>quelas menores de 3 anos. Se, de um lado, meus estu<strong>dos</strong> e pesquisasapontavam para todo o potencial <strong>da</strong> criança pequena como produtora e consumidoracrítica de cultura; de outro, aparecia a dificul<strong>da</strong>de com o excesso de cui<strong>da</strong>do dealgumas professoras que, por exemplo, temiam <strong>da</strong>r tesouras às crianças pequenase cui<strong>da</strong>vam para, nas ativi<strong>da</strong>des com tinta, ninguém sair sujo.A ca<strong>da</strong> encontro pe<strong>da</strong>gógico, questionava: estamos promovendomomentos nos quais as crianças menores expressam sentimentos, ideias,imaginação, emoções? Elas estão sendo vistas/trata<strong>da</strong>s como sujeitos ativos ou


7passivos no dia a dia <strong>da</strong> instituição? Que ativi<strong>da</strong>des artístico-culturais lhesoportunizamos, ou quais nos limitamos a oferecer por excesso de cui<strong>da</strong>do, ou ain<strong>da</strong>por subestimar a participação <strong>dos</strong> pequeninos?Uma <strong>da</strong>s formas de pensar a atuação (ou não) <strong>dos</strong> pequenos em suasexpressões culturais remete à problematização do espaço físico e a maneira comoeste é organizado. Isto é, além <strong>da</strong> prática pe<strong>da</strong>gógica propriamente dita, o espaçofísico favorece ou não o desenvolvimento <strong>da</strong>s expressões culturais <strong>da</strong>s crianças de0 a 3 anos?Embora o campo <strong>da</strong>s pesquisas brasileiras em educação infantil 1 abarqueum número expressivo de publicações, de acordo com Strenzel (2000), em “AEducação Infantil na Produção <strong>dos</strong> Programas de Pós-Graduação em Educação noBrasil: indicações pe<strong>da</strong>gógicas para a educação de crianças de 0 a 3 anos”, énotável a necessi<strong>da</strong>de de estu<strong>dos</strong> sobre a educação de crianças pequeninas.Investigando os resumos de teses e dissertações em educação infantil defendi<strong>da</strong>sno Brasil entre 1983 e 1998, a autora levantou que, entre 387 pesquisas, apenas 14se referem à educação de crianças de 0 a 3 anos, e to<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90,o que mostra ser uma deman<strong>da</strong> <strong>da</strong> educação que ain<strong>da</strong> se configura num vazio aser preenchido.Em 2008, a pesquisa de Rosinete Valdeci Schmitt, “‘Mas eu não falo alíngua deles!’: as relações sociais de bebês num contexto de educação infantil”,apresenta uma análise sucinta <strong>da</strong> produção brasileira de pesquisas científicas sobre1 Sobre as pesquisas em educação infantil no Brasil, ler: ROCHA, Eloisa Acires Can<strong>da</strong>l. A pesquisaem educação infantil no Brasil: trajetória recente e perspectivas de consoli<strong>da</strong>ção de umape<strong>da</strong>gogia. Florianópolis: UFSC, Centro de Ciências <strong>da</strong> Educação, Núcleo de Publicações, 1999;STRENZEL, Giandréa Reuss. A Educação Infantil na Produção <strong>dos</strong> Programas de Pós-Graduação em Educação no Brasil: indicações pe<strong>da</strong>gógicas para a educação de crianças de 0 a 3anos. 2000. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa Catarina,Florianópolis.; SCHMITT, Rosinete Valdeci. “Mas eu não falo a língua deles!”: as relações sociaisde bebês num contexto de educação infantil. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) –Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa Catarina, Florianópolis.


8a educação de crianças de 0 a 3 anos, apontando que entre 1994 e 2006 encontrase31 pesquisas na área de educação, um aumento pouco considerável. Segundo aautora, destas, até 1995 foram feitas apenas 5 investigações; entre 1996 e 2000,concluíram-se mais 12; e no período de 2001 a 2006 realizaram-se mais 14 2 . Aautora ain<strong>da</strong> afirma (p. 42) que é a partir <strong>da</strong> Constituição Federal de 1988, doEstatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente publicado em 1990 e <strong>da</strong> Lei de Diretrizes eBases <strong>da</strong> Educação Nacional (LDB) 9394/1996 que surge a importância e ointeresse pela educação de crianças de 0 a 3 anos, considerando que essesdocumentos reconhecem o direito à educação infantil. Inicia-se, também, apreocupação com a quali<strong>da</strong>de do trabalho nessa instância, exigindo a formação <strong>dos</strong>profissionais que atuam na área, sobretudo com crianças de 0 a 3. Desse bojo,surge outra inquietação: a inexistência de produções científicas que tragamconhecimento sobre a atuação com crianças pequenas e revelem quem são essascrianças e suas participações na socie<strong>da</strong>de, em especial nas instituições deeducação infantil.Sobre o tema espaço físico, Ana Beatriz Faria (2007, p. 100) fez umlevantamento acerca <strong>da</strong>s pesquisas que se dedicam a problematizar essa questãonas instituições de educação infantil – ao que ela chama “lugares para a infância” –e mostrou o quanto o tema ain<strong>da</strong> é aberto a novas investigações. A autoraargumenta que, embora as pesquisas na área venham crescendo, a maioria <strong>dos</strong>trabalhos ain<strong>da</strong> se baseia na obra de Mayumi Souza Lima (“A criança e a ci<strong>da</strong>de”,2 São <strong>da</strong><strong>dos</strong> que Schmitt (2008) retirou de pesquisas disponíveis na Internet utilizandoespecificamente os resumos de teses e dissertações do banco de teses <strong>da</strong> CAPES e de algumasuniversi<strong>da</strong>des do país, tais como: UFSC, UNICAMP, USP, PUC-SP, PUC-RJ e UERJ. Desse modo, aautora assegura que apresenta um número de pesquisas um tanto quanto limitado, considerando quehá trabalhos ain<strong>da</strong> não divulga<strong>dos</strong> na Internet. As palavras-chave emprega<strong>da</strong>s nesse levantamentoforam: bebês, creche e educação de 0 a 3 anos.


9de 1989). Faria foi, então, buscar bibliografia na França, Itália e Espanha paraaumentar suas fontes.Como pesquisadora, também procurei fontes de investigação quepudessem substanciar meu trabalho. Sobretudo busquei perceber se minha questãocentral já havia sido demasia<strong>da</strong>mente discuti<strong>da</strong> na reali<strong>da</strong>de brasileira. Nessesentido, recorri ao banco de teses e dissertações <strong>da</strong> Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e organizei umlevantamento de pesquisas brasileiras sobre a temática de minha investigação apartir <strong>da</strong>s seguintes palavras-chave: espaço físico, educação infantil, cultura (ouculturas infantis), 0 a 3 anos. Encontrei 5 dissertações (sendo 4 em educação e 1em arquitetura e urbanismo) e 2 teses (sendo 1 em psicologia e 1 em arquitetura eurbanismo). A partir <strong>da</strong> leitura <strong>dos</strong> títulos, de seus resumos e levantamentobibliográfico, não obstante inexista afini<strong>da</strong>de plena com meu tema, busquei trazê-laspara este debate em função <strong>da</strong>s discussões que propõem acerca <strong>da</strong> organização doespaço físico para crianças. Dessa forma, optei por valer-me <strong>da</strong>s investigaçõespropostas em quatro desses trabalhos, entre eles a dissertação em arquitetura eurbanismo de Marta Etsuko Tamura Waragaya, defendi<strong>da</strong> em 1998, intitula<strong>da</strong>“Projeto de arquitetura para escola experimental de educação Infantil – o processode sua invenção”. Nessa pesquisa a autora fez uma relação entre um programape<strong>da</strong>gógico e um arquitetônico, oferecendo subsídios <strong>da</strong> arquitetura paraorganização de um projeto para escola experimental de educação infantil, comcrianças de 0 a 6 anos de i<strong>da</strong>de, no contexto urbano.A dissertação em educação de Rivânia Kalil Duarte, defendi<strong>da</strong> em 2000,com o título “A dimensão espacial <strong>dos</strong> programas de educação infantil: o espaçofísico e as propostas político-pe<strong>da</strong>gógicas <strong>da</strong>s escolas de educação infantil do


10município de São Paulo, no período de 1975 a 1985”, trata de uma pesquisahistórica que traz ponderações sobre o espaço físico <strong>da</strong>s escolas municipais deeducação infantil de São Paulo e suas modificações (internas e externas) a partir<strong>da</strong>s discussões pe<strong>da</strong>gógicas, sobretudo a educação compensatória.A terceira pesquisa é a dissertação em educação de Kátia A<strong>da</strong>irAgostinho, defendi<strong>da</strong> em 2003, com o título “O espaço <strong>da</strong> creche: que lugar é este?”.A pesquisa foi realiza<strong>da</strong> em uma instituição de educação infantil <strong>da</strong> rede municipalde Florianópolis, que recebe crianças de 0 a 6 anos de i<strong>da</strong>de. Buscou-secompreender o modo como as crianças se apropriam do espaço físico <strong>da</strong> instituição,expressando-se e deixando suas marcas, com objetivo de encontrar sugestões, pormeio <strong>da</strong>s manifestações infantis, para planejar espaços com alicerce na pe<strong>da</strong>gogia<strong>da</strong> educação infantil.E, por fim, selecionei a tese em arquitetura e urbanismo de Clice deToledo Sanjar Mazzilli, defendi<strong>da</strong> em 2003, com o título “Arquitetura lúdica: criança,projeto e linguagem. Estudo de espaços infantis educativos e de lazer”. O objetivo<strong>da</strong> pesquisa, segundo a autora, foi averiguar as linguagens que habitualmenteformam a concepção de espaços infantis, com foco na aparência visual e nascaracterísticas, fazendo analogias com espaços de função educativa ou deentretenimento.Como tomo a infância como foco de preocupação nesta investigação,considero pertinente, ain<strong>da</strong> nesta introdução, esclarecer a compreensão que façodesse conceito. Com Kohan (2008, p. 41), relembramos que à palavra infância éagrega<strong>da</strong> a significação de falta ou incapaci<strong>da</strong>de. Em sua etimologia, essa palavraagrupa as crianças “aos não habilita<strong>dos</strong>, aos incapazes, aos deficientes, ou seja, ato<strong>da</strong> uma série de categorias que encaixa<strong>da</strong>s na perspectiva do que elas ‘não têm’


11são excluí<strong>da</strong>s <strong>da</strong> ordem”. Diferentemente, entendo que ca<strong>da</strong> criança é um sujeitoúnico, dotado de capaci<strong>da</strong>des e potenciali<strong>da</strong>des, e não alguém que na<strong>da</strong> sabe. Elasvivem diferentes infâncias à medi<strong>da</strong> que participam de diferentes contextos sociais.Portanto, ambos os conceitos – de infância e de criança – não podem ser imutáveis,pois dependem <strong>da</strong> visão histórica, social e cultural; e não podem desconsiderar adispari<strong>da</strong>de de reali<strong>da</strong>des nas quais as crianças estão imersas, como se fossepossível ter um modelo único de infância. Larrosa (2004, p. 184) corrobora com adiscussão, problematizando: “A infância, entendi<strong>da</strong> como um outro, não é o que jásabemos, mas tampouco é o que ain<strong>da</strong> não sabemos”.Precisamos ter consciência <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de infantil, lembrando quecrianças têm características diferentes <strong>dos</strong> adultos, sim, mas não são adultos emdéficit. Nos seus diferentes mo<strong>dos</strong> de atuar no mundo, elas manifestam seus gostose seus desejos, buscando seus espaços para pensar, criar, imaginar e brincar.Sarmento (2004) acredita que nós precisamos respeitar as crianças,compreendendo que elas se apropriam <strong>dos</strong> conhecimentos do mundo de um jeitoparticular – desse modo reconhecemos que sempre existirão diversas formas pelasquais elas pensam e se expressam; isto é, diferentes maneiras pelas quaisproduzem cultura.No campo <strong>da</strong> filosofia, as contribuições de Benjamin (1984, p. 70)também apoiam as crianças como atores sociais, não como sujeitos passivos, maspertencentes a uma história, a uma socie<strong>da</strong>de e a uma cultura. Em um <strong>dos</strong> seustextos, o filósofo diz que “nesse mundo permeável, adornado de cores, em que aca<strong>da</strong> passo as coisas mu<strong>da</strong>m de lugar, a criança é recebi<strong>da</strong> como participante”.Imersa em tantas questões teóricas e práticas, resolvi retomar apesquisa que eu havia realizado na Especialização, quando perguntei se a


12organização do espaço na educação infantil favorece, ou não, a expressão<strong>da</strong>s linguagens artístico-culturais, direcionando-a, agora, para os espaçosorganiza<strong>dos</strong> para as crianças de 0 a 3 anos – sujeitos que tinham sido menoscontempla<strong>dos</strong> em minha investigação anterior. Pelas características <strong>da</strong> faixa etária,opto por pensar nas expressões culturais de maneira mais ampla, não fazendoum recorte exclusivamente em torno <strong>da</strong>s expressões artísticas. Desse modo,perceber se os murais – <strong>da</strong>s salas e <strong>da</strong> instituição como um todo – sãoconfecciona<strong>dos</strong> com material produzido pelas crianças ou pelos educadores e oque é feito com a produção <strong>da</strong>s crianças (desenhos, pinturas, argila, sucata...)depois de pronta (sinalizando seu espaço, ou não, de autoria); bem como que tiposde imagens são disponibiliza<strong>dos</strong> a elas, alimentando seus repertórios imagéticos(que formam a base de seu acervo para criação); entender como é distribuído otempo <strong>da</strong>s proposições pe<strong>da</strong>gógicas que devem sempre envolver de modoindissociável o educar e cui<strong>da</strong>r; observar que materiais e brinque<strong>dos</strong> existem e seestão à disposição e ao alcance <strong>da</strong>s crianças; perceber o tamanho <strong>dos</strong> móveis eanalisar a disposição do mobiliário (aspectos que denotam o grau de autonomia<strong>dos</strong> pequenos no ambiente); avaliar se a organização do espaço oportunizainterações em pequenos e grandes grupos, assim como ações diversifica<strong>da</strong>s(questões que desenvolvem, ou não, o senso de alteri<strong>da</strong>de e corroboram naconstituição <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crianças) – são alguns <strong>dos</strong> pontos que receberamminha atenção durante esta investigação.O estudo foi realizado no município catarinense de Criciúma, ondeexistem 10 escolas municipais que trabalham exclusivamente com educação infantil,sendo seis funcionando em período integral e quatro em período parcial (manhã outarde). Desse universo de instituições, apenas quatro atendem crianças de 0 a 3


13anos: o Centro de Educação Infantil Municipal (CEIM) Natureza; o CEIM SantinaDagostim Salvador; o CEIM Professora Claudineia A. Citadin Furtado e o CEIMEngenheiro Jorge Frydberg, que se configurou como meu campo de pesquisa 3 .Trata-se de uma pesquisa qualitativa, que toma como procedimentosmetodológicos as anotações em diário de campo e o registro <strong>da</strong>s observações pormeio de fotografias e algumas filmagens, bem como entrevistas semiestrutura<strong>da</strong>s ouabertas com os profissionais diretamente envolvi<strong>dos</strong> com as crianças em foco.O estudo está organizado em quatro capítulos. No primeiro apresento adescrição <strong>da</strong> pesquisa, seu percurso e os procedimentos metodológicos utiliza<strong>dos</strong>.Posteriormente, descrevo o local pesquisado, a estrutura física <strong>da</strong> instituição, sualocalização e algumas especifici<strong>da</strong>des do bairro e <strong>da</strong> população local. Ain<strong>da</strong> nessecapítulo, apresento um estudo sobre o espaço físico, o qual contempla a história <strong>da</strong>criação <strong>dos</strong> Jardins de Infância, uma breve narração <strong>da</strong> história <strong>da</strong> educação infantilno Brasil e o espaço <strong>da</strong> criança na educação infantil. Prossigo apresentando ascrianças de 0 a 3 anos e encerro com um texto sobre culturas infantis.No segundo capítulo, apresento a análise do campo a partir <strong>da</strong>s imagenscaptura<strong>da</strong>s na observação do espaço, que se configura em três categorias: aconstrução de autoria, autonomia e identi<strong>da</strong>de infantis nos espaçosobserva<strong>dos</strong>.O terceiro capítulo, a construção de autoria, autonomia e identi<strong>da</strong>deinfantis nas relações observa<strong>da</strong>s, completa o sentido <strong>da</strong> análise do espaço, com aintenção de perceber as relações estabeleci<strong>da</strong>s pelas crianças com o espaço, comos adultos e entre seus pares.3 A proposta inicial era pesquisar os quatro CEIMs que atendem crianças de 0 a 3 anos, porém, apóso exame de qualificação, foi sugerido que a análise <strong>da</strong> pesquisa não ficasse somente nos espaços,mas também no modo como as crianças se relacionam com ele. Tendo em vista o tempo paraconclusão deste trabalho, ficou definido que o campo seria o CEIM Engenheiro Jorge Frydberg, oúnico no qual, até o exame de qualificação, eu havia realizado a análise do espaço.


14As considerações finais são apresenta<strong>da</strong>s no quarto capítulo, no qualtrago as ponderações derradeiras deste estudo, porém, sem a pretensão de esgotálo,mas deixá-lo acessível à ampliação de outras pesquisas.


162 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO2.1 Descrição <strong>da</strong> pesquisaNesses produtos residuais elas reconhecem o rosto que o mundo <strong>da</strong>scoisas volta exatamente para elas, e somente para elas. Neles, estãomenos empenha<strong>da</strong>s em reproduzir as obras <strong>dos</strong> adultos do que emestabelecer uma relação nova e incoerente entre esses restos e materiaisresiduais. Com isso as crianças formam o seu mundo próprio <strong>da</strong>s coisas,um pequeno mundo inserido no grande. (BENJAMIM, 1984, p. 57-58).A alteri<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crianças, expressa nas suas diversi<strong>da</strong>des, pode serobserva<strong>da</strong> nos diferentes tempos e espaços <strong>dos</strong> quais elas participam. À medi<strong>da</strong>que, como parte integrante do mundo, agem nele/sobre ele, elas confirmam que nãosão receptoras passivas, uma vez que atuam como sujeitos ativos que significam eressignificam os objetos, as brincadeiras, as histórias, as músicas, as poesias edemais linguagens que as cercam.Conhecer as crianças nas suas singulari<strong>da</strong>des e compreender suasmúltiplas expressões desde sua mais tenra i<strong>da</strong>de implica distanciar-se de umaconcepção que as homogeneíza e insiste em não acreditar na sua autoria, paraimergir num entendimento que agrega aspectos mais amplos, como as diferentessocie<strong>da</strong>des, grupos étnicos e contextos culturais aos quais elas pertencem,percebendo que nas suas interações com o mundo elas criam um espaçoprivilegiado pela espontanei<strong>da</strong>de, plurali<strong>da</strong>de, imaginação, inúmeras brincadeiras ediversas linguagens.Desde que nascem, as crianças agem no seu próprio desenvolvimento,pois possuem características que lhes auxiliam a observar o mundo, compreendê-loe agir sobre ele. As crianças nascem imersas no mundo simbólico pertencente auma socie<strong>da</strong>de. Nas suas diversas interações como o outro, seu pensamento fica


17ca<strong>da</strong> vez mais complexo e amplia-se seu conhecimento e seu modo de atuar nomundo. Cohn (2005) relembra que atuar no mundo não significa interpretar um papelque recebemos pronto, já que, ao atuarmos, criamos nossos papéis participando deuma complexa rede cultural. Na condição de sujeitos singulares, pensantes e atoressociais – nem sempre os adultos observam essa condição –, as crianças participamde muitos espaços, como: praças, igrejas, ruas, parques, praias, teatros, cinemas,bibliotecas, instituições de educação infantil 4 , supermerca<strong>dos</strong>, shoppings etc. Sãoespaços que, conforme menciona Steinberg (1997), também se legitimam comope<strong>da</strong>gógicos, incluindo ain<strong>da</strong> a TV e os brinque<strong>dos</strong>. Entretanto, especificamente noespaço de educação infantil, onde elas passam um tempo expressivo <strong>da</strong> suainfância, nem sempre percebemos uma organização que privilegie as interações e aparticipação <strong>da</strong>s crianças na construção <strong>dos</strong> seus conhecimentos ou como autoras eprodutoras de cultura.Foi nesse espaço que eu realizei minha pesquisa de campo, no universode um Centro de Educação Infantil Municipal de Criciúma. Do ponto de vista do meuproblema, que pretendeu responder se a organização <strong>dos</strong> espaços para as criançasde 0 a 3 anos nas instituições de educação infantil oportuniza ou não suasexpressões culturais, eu optei pela pesquisa qualitativa, pois entendo que arelação dinâmica <strong>dos</strong> espaços e <strong>dos</strong> sujeitos que participam e se apropriam delenão pode ser traduzi<strong>da</strong> por meio de recursos estatísticos. A fonte para coletarmos os<strong>da</strong><strong>dos</strong> nesse tipo de pesquisa é o próprio campo. Nesse aspecto, Bakhtin (2003, p.13) nos orienta que:4 Rocha (1997), ao escrever sobre alguns dilemas que perpassam a ação pe<strong>da</strong>gógica na EducaçãoInfantil, sugere que rompamos com os parâmetros que fun<strong>da</strong>ram o trabalho pe<strong>da</strong>gógico com criançasde 0 a 6 anos, pressupondo uma “infância em situação escolar” (p.21). Concor<strong>da</strong>ndo com a autora,opto em não utilizar o termo Escolas de Educação Infantil e, sim, Instituições ou Espaços deEducação Infantil, na tentativa de marcar um lócus privilegiado para as crianças viveremintensamente suas infâncias, sem necessi<strong>da</strong>de de enquadramento dentro <strong>dos</strong> parâmetros formaisescolares.


18[...] avaliamos a nós mesmos do ponto de vista <strong>dos</strong> outros, através do outroprocuramos compreender e levar em conta os momentos transgredientes ànossa própria consciência: desse modo, levamos em conta o valor <strong>da</strong> nossaimagem externa do ponto de vista <strong>da</strong> possível interpretação que ela venha acausar no outro [...].A experiência de interagir com o outro é um movimento inacabado, sãomuitas vozes, muitos olhares, muitas identi<strong>da</strong>des. A interlocução com o outro abarcao indizível, o irrepetível, o insolúvel, características que apontam para ocontrassenso de uma linguagem homogênea. Nesse caso, compete ao pesquisadorum olhar apurado e complexo para as questões a serem observa<strong>da</strong>s.O procedimento metodológico para imergir em uma pesquisa dessanatureza requer o uso de registros, na intenção de trazer o máximo de aspectos docampo empírico, sem deixar de lado a certeza do meu viés, sem camuflar minhaautoria. Como descreve Leite (2004), por meio de nosso registro, ao observarmos ooutro e exercitarmos a alteri<strong>da</strong>de, reconhecemos e avaliamos nossa própriatrajetória, legitimando nossas experiências. Para tal, utilizei o registro fotográfico,filmagens e anotações em diário de campo, decorrentes de observação nãoparticipante 5 . Para coletar os <strong>da</strong><strong>dos</strong> referentes à estrutura física <strong>da</strong> instituição esobre a relação <strong>da</strong>s crianças com esse espaço, organizei entrevistassemiestrutura<strong>da</strong>s 6 . Também fiz uso de entrevistas abertas 7 , conforme precisavaentender a dinâmica do espaço e o uso de alguns materiais.5 A observação não participante é uma <strong>da</strong>s estratégias de coletar <strong>da</strong><strong>dos</strong> na pesquisa de campo, muitousa<strong>da</strong> em abor<strong>da</strong>gens qualitativas. Nela, o pesquisador assume a postura de tentar observar seminterferir na situação ou no grupo pesquisado – embora, segundo Lüdke & André (1986), algumascríticas revelem que a simples presença do pesquisador já altera o ambiente ou o comportamento dequem está sendo observado.6 A entrevista semiestrutura<strong>da</strong> não exige um roteiro com perguntas predetermina<strong>da</strong>s. A partir <strong>dos</strong>objetivos, as questões vão se a<strong>da</strong>ptando ao longo <strong>da</strong> pesquisa, permitindo a flexibili<strong>da</strong>de e aintrodução de novas questões. Diante de uma entrevista estrutura<strong>da</strong>, com rol de perguntaspreviamente estabelecido, pode-se optar por utilizar, também, a entrevista semiestrutura<strong>da</strong>, quandocompletamos as perguntas preestabeleci<strong>da</strong>s com outras questões.7 A entrevista aberta ou não estrutura<strong>da</strong> é, geralmente, realiza<strong>da</strong> de modo informal, ocorre em umespaço de conversa, com perguntas abertas, que surgem no contexto imediato, do pesquisador para


19No âmbito <strong>da</strong>s pesquisas brasileiras, o estudo sobre o espaço físico deinstituições de educação infantil, já citado na introdução deste trabalho, demonstraserecente e restrito, nota<strong>da</strong>mente quando se trata <strong>da</strong> investigação <strong>da</strong> organizaçãodestes espaços para crianças pequenininhas 8 . Dessa maneira, nesta dissertação eume integro na busca de expandir esses estu<strong>dos</strong>, com objetivo de contribuir para aqualificação desses espaços, muitos <strong>dos</strong> quais ain<strong>da</strong> se encontram, como descreveLima (1989, p. 38), de modo: “desinteressante, frio, padronizado e padronizador, naforma e na organização <strong>da</strong>s salas, fechando as crianças para o mundo, policiandoas,disciplinado-as”. Investigo na busca de contribuir para que, nesses locais, aparticipação <strong>da</strong>s crianças seja ca<strong>da</strong> vez mais atuante; que elas sejam “sujeitos <strong>da</strong>ssuas relações, entre si e com outras gerações, numa construção de senti<strong>dos</strong> esignificações sobre a infância e o seu lugar na socie<strong>da</strong>de” (SCHMITT, 2008, p. 24).O levantamento bibliográfico, que foi realizado durante todo processo doestudo, exigiu contato com bibliotecas de outras universi<strong>da</strong>des, como a Universi<strong>da</strong>deEstadual de Campinas (UNICAMP), Universi<strong>da</strong>de de São Paulo (USP), PontifíciaUniversi<strong>da</strong>de Católica de São Paulo (PUC-SP) e Universi<strong>da</strong>de Federal de SantaCatarina (UFSC), bem como com pesquisadores de Florianópolis, Porto Alegre, SãoPaulo, Campinas, Brasília e Portugal, devido à seleção de alguns livros esgota<strong>dos</strong> –inexistentes também em sebos –, teses e dissertações indisponíveis e textospublica<strong>dos</strong> em revistas científicas não encontra<strong>da</strong>s nas bibliotecas de Criciúma.A proposta <strong>da</strong> pesquisa se configurou em dois momentos. Durante o mêsde agosto de 2009, iniciei a observação e registro de campo com foco na análise doos informantes. Para o entrevistador, esse modo de entrevista lhe assegura liber<strong>da</strong>de paradesenvolver diferentes situações, na direção que ele considerar apropria<strong>da</strong>.8 Prado (1998) demarca o termo pequenininhas se referindo às crianças de 0 a 3 anos, mas comintenção de denunciar o pequeno grupo de pesquisas brasileiras sobre crianças dessa faixa etária.De acordo com a autora, os estu<strong>dos</strong> em nosso país a respeito desse assunto ain<strong>da</strong> se restringem àárea <strong>da</strong> medicina e <strong>da</strong> psicologia.


20espaço. Nesse sentido, o desafio do meu olhar sobre o espaço se aproximou <strong>da</strong>spalavras de Gandini (1999) e Escolano (1998). O primeiro, quando afirma que umvisitante – no meu caso, uma visitante-pesquisadora – de qualquer instituição deeducação infantil procura aproximar-se <strong>da</strong>s “mensagens que o espaço oferece sobrea quali<strong>da</strong>de e cui<strong>da</strong><strong>dos</strong>, e sobre as escolhas didáticas que formam a base doprograma” (p. 146). E o outro, por assegurar que o espaço “reflete, para além de suamateriali<strong>da</strong>de, determina<strong>dos</strong> discursos” (p. 26). É a busca de superação de um olharingênuo e neutro para um olhar de pesquisadora, com o distanciamento e aaproximação necessários, sempre em tensão.Na primeira visita à instituição, desde o hall que acolhe a entra<strong>da</strong> doprédio, meus olhos transcorreram atentos ao que estava exposto nas paredes. Emsegui<strong>da</strong>, tentei me localizar geograficamente naquele espaço, enquanto aguar<strong>da</strong>vaser recebi<strong>da</strong> pela diretora 9 , para, então, oficializar, por meio de sua assinatura, apermissão para realização <strong>da</strong> pesquisa. Antes de assinar a autorização, reunimonospara uma apresentação mais detalha<strong>da</strong> do projeto e esclarecimento de suaspossíveis dúvi<strong>da</strong>s relaciona<strong>da</strong>s à minha investigação. Encerrado nosso encontro, asecretária me acompanhou até as salas do Berçário I (que recebe crianças de até 1ano) e II (crianças de 1 a 2 anos) e Maternal I (crianças de 2 a 3 anos) para meapresentar às professoras e auxiliares. No dia seguinte, iniciei as observações eregistros. Sem critérios demarca<strong>dos</strong>, inicialmente fui ao Berçário II, depois aoBerçário I e encerrei o trabalho no Maternal I, com o tempo de três dias em ca<strong>da</strong>sala. Junto à direção, estipulamos somente meu horário de entra<strong>da</strong> na instituição,12h40. A pesquisa, portanto, se deu no período vespertino.9 A autorização para esta pesquisa ocorreu em fevereiro de 2009 por meio <strong>da</strong> coordenação deeducação infantil <strong>da</strong> rede municipal. Antes de minha primeira visita ao CEIM Engenheiro JorgeFrydberg, eu havia realizado dois contatos por telefone com a diretora <strong>da</strong> instituição. Por causa <strong>da</strong>gripe que assolava o município, as aulas foram suspensas, o que atrasou o período de campo.


21Nesse período, conduzi meu olhar para analisar alguns pontos, já cita<strong>dos</strong>neste trabalho, que se referem: ao que está exposto nas paredes <strong>da</strong>s salas; a qual odestino <strong>da</strong> produção <strong>da</strong>s crianças, como seus desenhos, pinturas etc.; acompreender a organização <strong>da</strong>s proposições pe<strong>da</strong>gógicas; a perceber que tipo demateriais (objetos ou brinque<strong>dos</strong>) há na sala e se ficam ou não ao alcance <strong>da</strong>scrianças; a observar o tamanho e o arranjo do mobiliário; e de que modo o espaçooportuniza ou não a interação entre as crianças.A partir do exame de qualificação foi delibera<strong>da</strong> a segun<strong>da</strong> etapa 10 destapesquisa, um percurso que, sob meu ponto de vista, ampliou a quali<strong>da</strong>de dessetrabalho, sobretudo por privilegiar as ações <strong>da</strong>s crianças de 0 a 3 anos. Em outubro,dois meses depois do primeiro momento <strong>da</strong> pesquisa, fui encontrar com as criançaspara observação e análise de suas manifestações culturais diante do espaçooferecido a elas, uma experiência que me possibilitou conhecê-las um pouco mais,principalmente sobre as coisas pelas quais se interessam, negam, criam, imitam eobservam. Então, na tentativa de me aproximar <strong>da</strong>s relações metodológicas, retomeias contribuições de Leite (1997), que nos sugere um olhar de pesquisadora próximoo bastante para conhecermos e sentirmos, porém, distante o suficiente e adequadopara realizarmos nossas reflexões e análises críticas.Ain<strong>da</strong> que esta não seja uma pesquisa que aborde especificamente otema <strong>da</strong>s culturas infantis, mas as expressões culturais <strong>da</strong>s crianças relaciona<strong>da</strong>s aoespaço <strong>da</strong> educação infantil do qual participam, busquei um alerta na pesquisa dePrado (1998, p. 35), quando a autora afirma que[...] não existe um critério único para se interpretar estas formas deexpressões e manifestações culturais exibi<strong>da</strong>s e observa<strong>da</strong>s no contexto <strong>da</strong>10 Novamente eu me reuni com a direção <strong>da</strong> instituição para aprovação do segundo momento destapesquisa.


22creche [instituição de educação infantil], muitas outras interpretações podeme devem ser feitas.Souza e Castro (2008, p. 53) também colaboraram com esta investigaçãosobre a participação <strong>da</strong>s crianças ao retomar a questão do olhar para elas não comoobjeto, mas como sujeito de conhecimento, com saber que necessita ser“reconhecido e legitimado”. Partindo desse pressuposto, as autoras asseguram quenão pesquisaremos “a criança”, pesquisaremos “com as crianças”, apresentan<strong>dos</strong>uas “experiências sociais e culturais”. Este é o lugar social <strong>da</strong> criança, interagindocom o olhar do outro. Sobretudo nessa pesquisa com crianças de 0 a 3 anos,quando muitas ain<strong>da</strong> não falam, exigindo atenção a suas outras formas de seexpressar ou comunicar algo.Nesse segundo momento, quando permaneci durante dois meses nainstituição, tendo em vista que o meu foco não era mais apenas o espaço, mastambém as crianças e suas relações com ele, minha aproximação com elas se deude modo diferenciado. Seguindo o que diz Leite (2008, p. 122), um <strong>dos</strong> desafios <strong>da</strong>pesquisa com crianças é “trazê-las para o palco do diálogo”. Mesmo diante <strong>da</strong>relação de poder que os adultos em nossa socie<strong>da</strong>de mantêm perante as crianças, aautora indica que nossa primeira atitude junto a elas seja a de privilegiar sua escolhaem desejar participar. Com aporte de Mikhail Bakhtin, também penso as questõeséticas deste trabalho trazendo seu conceito de exotopia e suas reflexões acerca <strong>da</strong>relação do pesquisador com as crianças, na busca de olhar esse outro e[...] ver axiologicamente o mundo de dentro dele tal ele vê, colocar-me nolugar dele e, depois de ter retornado ao meu lugar, completar o horizontedele com o excedente de visão que desse meu lugar se descortina foradele. (BAKHTIN, 2003, p. 23).Meu primeiro passo, então, foi me aproximar <strong>da</strong>s crianças ou de um pequeno grupoe conversar sobre a minha presença naquela sala, pedindo autorização para


23fotografá-las 11 . No primeiro momento, diante de minha postura de fotógrafa epesquisadora, demorei em compreender suas respostas sobre as autorizações,embora não esteja convicta se dei conta ou não de compreender algumas, comexceção de Bryan (2 anos), no Berçário II, que no primeiro dia me respondeuprontamente: Não! No segundo dia com esse grupo, enquanto eu me reunia com ascrianças para mostrar as fotos, elas riam e falavam, um tanto quanto admira<strong>da</strong>s, osnomes <strong>dos</strong> colegas que apareciam na máquina fotográfica. Então, Maria Isabella (2anos e 3 meses) perguntou porque seu colega Bryan não estava e eu respondi queele não havia me autorizado a fotografá-lo, pois talvez ele não gostasse de serfotografado. Bryan me olhou com uma expressão de choro. Eu entendi, naquelemomento, que poderia perguntar novamente se ele me autorizava a fotografá-lo.Para minha surpresa, ele resolveu fazer poses com os colegas e sorrir pedindo atodo o momento para ver as fotos. Nesse grupo, sua família foi uma entre apenasquatro que autorizaram a publicação <strong>da</strong>s fotos neste trabalho.Sem desconsiderar meus registros em diário de campo, destaco que ofotográfico foi meu principal instrumento. Ao apropriar-se dessa técnica para análise<strong>da</strong> pesquisa, é necessário compreender que a fotografia não é “representação fiel <strong>da</strong>reali<strong>da</strong>de” (LOPES, 1998, p. 77), mas, sim, aproximação dela e possibili<strong>da</strong>de degravarmos as cenas e imagens que primeiramente são registra<strong>da</strong>s pelo nosso olhar.Por fotografias conseguimos registrá-las nos “múltiplo ângulos e olhares que podemser dirigi<strong>dos</strong> a ela, seleciona<strong>dos</strong>, registra<strong>dos</strong>, li<strong>dos</strong> e reinterpreta<strong>dos</strong>”.Organiza<strong>da</strong>s 12diariamente ao sair <strong>da</strong> instituição, as fotos eramcontempla<strong>da</strong>s por mim várias vezes, aproximando-me <strong>da</strong> compreensão que eubuscava sobre a relação <strong>da</strong>s crianças com o que estava à disposição delas nas11 Conforme solicitação <strong>da</strong> direção, a autorização para os pais foi entregue pelas professoras.12 Descarregava <strong>da</strong> máquina (colocava imediatamente a bateria para recarregar), separava em pastaspor grupos e <strong>da</strong>tas, mantendo as sequências <strong>da</strong>s ações fotografa<strong>da</strong>s.


24salas, com o que elas criavam e inventavam a todo o momento, entrando embaixo<strong>dos</strong> berços ou nos pequenos espaços entre eles; puxando toalhas de banhoestendi<strong>da</strong>s nas janelas ou nos próprios berços; abaixando e levantando oscolchonetes; subindo em estantes ou colocando pe<strong>da</strong>ços de papel no balanço edepois empurrando-o. Ca<strong>da</strong> cena memorável contribuiu para elaboração sequencialde ações <strong>da</strong>s crianças, que se configuram em textos imagéticos e históriasnarrativas apresenta<strong>dos</strong> no terceiro capítulo.Penso nas palavras de Silva, Barbosa e Kramer (2008, p. 81) quandopropõem que o pesquisador reconheça seus limites e faça suas in<strong>da</strong>gações. A todotempo eu me questionava, enquanto fotografava as crianças, sobre minha posturadiante delas: se deveria ficar sempre na sua altura ou não. To<strong>da</strong>via, como meuproblema de pesquisa parte <strong>da</strong> relação <strong>dos</strong> pequenininhos com o espaço, muitasvezes, para capturar a cena, eu precisei fotografá-los com certa distância. Emalguns momentos necessitava ficar senta<strong>da</strong>, em outros, levemente abaixa<strong>da</strong> ou empé.As crianças cujas famílias autorizaram a identificação, eu nomino peloprimeiro nome; porém, as que suas famílias não autorizaram, eu optei por chamarde meninas e meninos.As entrevistas semiestrutura<strong>da</strong>s e abertas, realiza<strong>da</strong>s nos dois momentos<strong>da</strong> pesquisa, foram direciona<strong>da</strong>s à diretora, diretora adjunta, professoras titulares eauxiliares 13 . A entrevista, para Freitas (2002, p. 29), “é concebi<strong>da</strong> como umaprodução de linguagem, portanto, dialógica. Os senti<strong>dos</strong> são cria<strong>dos</strong> na interlocuçãoe dependem <strong>da</strong> situação experiencia<strong>da</strong>, <strong>dos</strong> horizontes espaciais ocupa<strong>dos</strong> pelopesquisador e pelo entrevistado”. Nesse sentido, minha atenção a elas, nesse13 Na análise <strong>dos</strong> <strong>da</strong><strong>dos</strong> eu optei por identificar as professoras titulares e auxiliares somente comoprofessoras.


25momento, buscava uma escuta sensível na tentativa de compreender suasnarrativas e desenvolver meu entendimento acerca de suas respostas.Eventualmente uma resposta vinha segui<strong>da</strong> de uma pergunta, algumas na tentativade relembrar o tema <strong>da</strong> pesquisa e outras buscando um diálogo, uma troca deexperiências e indicações bibliográficas.Optei, na análise <strong>dos</strong> <strong>da</strong><strong>dos</strong>, por trabalhá-los em três categoriasdestaca<strong>da</strong>s, por pesquisadores, como importantes no processo de apropriação eprodução de cultura infantil: a autoria (LEITE, 2004), a autonomia (SARMENTO,2004) e a identi<strong>da</strong>de infantis (FARIA, 1995). Trierweiller (2008, p. 59) fala sobre essemomento de análise na pesquisa como “os contextos de interpretação, o diálogo,infinito e inacabado, o sentido que não morre, mas é constituído, tecido como umatrama”. Portanto, entrelaço o diálogo entre as imagens – do espaço e <strong>da</strong>s criançasse relacionando com ele e entre si –, minhas palavras e os teóricos que contribuíramnesse percurso, numa tessitura ao mesmo tempo interrogativa e afirmativa, nummovimento permanente de tensão.2.2 O local pesquisado: CEIM Engenheiro Jorge FrydbergFoto 1 – CEIM Jorge Frydberg


26O CEIM Engenheiro Jorge Frydberg 14fica situado no bairro SãoCristóvão, região central de Criciúma. Pelo último censo do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE), realizado em 2000 15 , o bairro possui uma populaçãode 1.444 habitantes, sendo 684 homens e 760 mulheres. A relação do número decrianças do bairro, dividi<strong>da</strong> por grupos de i<strong>da</strong>de, é de 73 crianças de 0 a 4 anos; 97crianças de 5 a 9 anos; e 121 crianças e adolescentes de 10 a 14 anos. A ren<strong>da</strong> percapta <strong>da</strong>s famílias foi estima<strong>da</strong> em R$ 427,49 e 5,5% <strong>da</strong> população local possuiren<strong>da</strong> insuficiente. O bairro fica situado em um morro com algumas subi<strong>da</strong>síngremes e ruas estreitas. Pela característica <strong>da</strong>s ruas e por localizar-se numa árearesidencial, poucas pessoas e veículos circulam no local. No entanto, há uma ruaprincipal, no alto do morro, exatamente onde se localiza o CEIM. Desde 2000, comabertura de outras ruas, esta passou a unir o bairro São Cristóvão aos bairrosComerciário e Ceará, aumentando expressivamente a movimentação deautomóveis.De acordo com o Projeto Político Pe<strong>da</strong>gógico (PPP) <strong>da</strong> instituição, oCEIM foi fun<strong>da</strong>do em 1972 por meio <strong>da</strong> solicitação <strong>da</strong> “Socie<strong>da</strong>de de Amigos” doBairro São Cristóvão. A prefeitura desapropriou uma área e construiu um prédio comduas salas, banheiro, cozinha e secretaria. Esse prédio recebeu o nome de“Engenheiro Jorge Frydberg” em homenagem a Jorge Lenon Henrique Frydberg,que criou o projeto. Quando de sua inauguração, era uma escola de ensinofun<strong>da</strong>mental (EEF) que atendia crianças de 7 a 10 anos, mas logo no ano seguintetambém passou a receber os pequenos, embora somente a partir de 2006 tenha14 Agostinho (2003 p.10) faz uma reflexão sobre o que ela denomina “ditadura <strong>da</strong> mesmice”, sereferindo à semelhança <strong>da</strong> arquitetura <strong>da</strong>s instituições de Educação Infantil públicas. EmFlorianópolis, a autora compara a pintura, to<strong>da</strong>s em marfim e vermelho, mesma opção de cor <strong>da</strong> redemunicipal de Criciúma.15 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de Criciúma, o próximo censoserá realizado em 2010.


27sido transforma<strong>da</strong> exclusivamente em Centro de Educação Infantil (CEIM),atendendo somente crianças de 0 a 6 anos incompletos. No período noturno, entre2003 e 2005, também acolheu o Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos(PROEJA).Por ser situado num bairro centralizado, o CEIM Jorge Frydberg atende àdeman<strong>da</strong> de outros bairros, em especial, o Cristo Redentor, o Vi<strong>da</strong> Nova e o AnaMaria. Segundo a diretora, a prefeitura disponibiliza um ônibus para o transporte <strong>da</strong>scrianças. O motivo principal de matrícula é o trabalho <strong>dos</strong> pais 16 , portanto lhes égaranti<strong>da</strong> inscrição em período integral. Atualmente a instituição atende 140 criançase há 200 inscritas numa lista de espera.Sobre as reformas arquitetônicas, descritas no PPP, a primeira foirealiza<strong>da</strong> em 1990 com a construção de mais duas salas de aula, uma secretaria,uma sala para biblioteca e uma sala de educação física (esta, com o tempo, passoua ser utiliza<strong>da</strong> para outros fins). A última reforma no prédio foi realiza<strong>da</strong> em 2004.Com o aumento <strong>da</strong> circulação de veículos na rua em frente ao CEIM, a priori<strong>da</strong>dedessa reforma foi transferir a entra<strong>da</strong> do prédio para a rua ao lado. Além disso,construíram mais três salas multiuso (destas, duas estão localiza<strong>da</strong>s no subsolo),dois depósitos, um refeitório, três banheiros e uma rampa para portadores denecessi<strong>da</strong>des especiais, que dá acesso ao subsolo <strong>da</strong> instituição. Em 2006, um <strong>dos</strong>banheiros foi transformado em lavanderia.De maneira geral, a instituição lembra a aparência de uma casa. Possuiain<strong>da</strong> um parque com areia, brinque<strong>dos</strong> (balanço, casinha de madeira,16 Füllgraf (2001, p. 11) aponta que, desde a Constituição Federal de 1988, a criação do Estatuto <strong>da</strong>Criança e do Adolescente em 1990 e a promulgação <strong>da</strong> Lei de Diretrizes e Bases <strong>da</strong> EducaçãoNacional (LDB), em 1996, a legislação para crianças no Brasil passou a garantir seus direitos “sociaise fun<strong>da</strong>mentais”, reconhecendo-as como sujeitos sociais e de direitos, proclamando ao Estado odever de garantir “creches e pré-escolas a to<strong>dos</strong>”. No entanto, ain<strong>da</strong> encontramos solo paraquestionarmos até que ponto as políticas públicas direciona<strong>da</strong>s para a educação infantil têmgarantido os direitos <strong>da</strong>s crianças declara<strong>dos</strong> nos documentos acima cita<strong>dos</strong>.


28escorregador, gangorra, trepa-trepa) –, algumas árvores pequenas que foramplanta<strong>da</strong>s há três anos e uma caixa de areia; um pátio com gramado; sete salaspara as crianças; uma sala de professores com uma biblioteca a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong> 17 ; uma salade direção; um hall com área interna (também utilizado como refeitório) e um hallcom área externa coberta, onde são realiza<strong>da</strong>s brincadeiras, jogos e algumasapresentações em <strong>da</strong>tas comemorativas; uma cozinha com despensa; um lactário;uma lavanderia; e um banheiro para os adultos e três para as crianças (um delescom vaso sanitário pequeno). Está em construção uma nova sala para educaçãofísica.A rede municipal oferece educação física e artes como ativi<strong>da</strong>desextraclasse. Segundo a coordenação de educação infantil do município, a EducaçãoFísica sempre esteve presente no currículo <strong>da</strong> educação infantil, porém a disciplinaArtes foi implanta<strong>da</strong> a partir de 2006, considerando as exigências <strong>da</strong> LDB. Nessainstituição, em particular, acontece um projeto de Língua Inglesa para as crianças de4, 5 e 6 anos, ministrado pela diretora adjunta. A Arte não é ofereci<strong>da</strong> às turmasobserva<strong>da</strong>s 18 .De acordo com a organização <strong>da</strong> Secretaria Municipal de Educação(SME), as turmas nos CEIMs são organiza<strong>da</strong>s em:Berçário IBerçário IIMaternal IMaternal IICrianças até 1 anoCrianças de 1 a 2 anosCrianças de 2 a 3 anosCrianças de 3 a 4 anos17 Por não possuir um espaço adequado para organização de uma biblioteca, colocaram uma divisóriana entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> sala <strong>dos</strong> professores e arranjaram, com um armário, um espaço onde guar<strong>da</strong>m livrospe<strong>da</strong>gógicos e de literatura infantil, denominando-o biblioteca a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>.18 Essa já pode ser uma indicação importante para futuros questionamentos: por que não oferecerArte aos pequeninos? De que maneira essa disciplina poderia ampliar as possibili<strong>da</strong>des de produçãocultural <strong>da</strong>s meninas e meninos pequenos?


29Jardim IJardim IIJardim IIICrianças de 4 anosCrianças de 5 anosCrianças de 6 anos incompletos2.3 Espaço físico[...] quando o ser encontrou o menor abrigo: veremos a imaginação construir“paredes” com sombras impalpáveis, reconfortar-se com ilusões de proteção– ou, inversamente, tremer atrás de grossos muros, duvi<strong>da</strong>r <strong>da</strong>s maissóli<strong>da</strong>s muralhas. (BACHELARD, 2008, p. 25).Os espaços onde habitamos não são neutros ou inanima<strong>dos</strong>, ao contrário,neles pulsam nosso modo de viver, revelam-se nossas histórias e nosso modo denos relacionar com as pessoas e com o mundo a nossa volta. Lima (1987, p. 11)denomina o espaço em que vivemos de “espelho”, por refletir a cultura <strong>da</strong>“socie<strong>da</strong>de, seus valores, seu sistema social e político, seu desenvolvimentotecnológico.” Para Bachelard (2008, p. 25), o ser humano “sensibiliza os limites” doespaço em que habita; nele vive na reali<strong>da</strong>de e no ilusório, assim, a imaginação atuade tal modo que pode transformar o lugar mais humilde no melhor lugar para viver,ou fazer do lugar mais nobre um lugar inóspito.Esses espaços onde participamos, vivemos, estu<strong>da</strong>mos, brincamos, rimosou choramos, Lima (1989, p. 13) também identifica como “pano de fundo oumoldura”, onde revelamos nossas percepções e sentimentos. Neles imprimimosmarcas, independente de sermos criança, jovem ou adulto. A essa condição doespaço, a autora qualifica como ambiente. Desse modo, não há espaço desprendidodo ambiente, nem ambiente desligado de um espaço.


30O ambiente significa a fusão <strong>da</strong> atmosfera, e se define na relação que oshomens estabelecem entre si, ou do homem consigo mesmo, com o espaçoconstruído ou organizado. (LIMA, 1989, p. 14).Viñao Frago (1998) caracteriza o espaço como lugar, que é construído apartir de um espaço projetado. Na mesma perspectiva do espaço-ambienteapontado por Lima (1989), esse autor revela que o espaço transforma-se em lugar àmedi<strong>da</strong> que os indivíduos dão sentido a ele. Espaço e lugar, portanto, sãointrínsecos, sendo o primeiro unido às características físicas e o segundo aosaspectos sociais construí<strong>dos</strong>.Projetar e construir espaços (casas, edifícios, hospitais, igrejas, ruas,praças, escolas etc.), com to<strong>da</strong> a formação técnica necessária, parecem tarefascompreendi<strong>da</strong>s, logicamente, como de autoria <strong>dos</strong> adultos – incluindo espaçosarquiteta<strong>dos</strong> para crianças, entre eles, as instituições de educação infantil, focodesta pesquisa.Duarte (2000, p. 46) rememora que na II Conferência Nacional deEducação, em 1966 19 , na ci<strong>da</strong>de de Porto Alegre, um <strong>dos</strong> temas abor<strong>da</strong><strong>dos</strong>, dentredetermina<strong>dos</strong> problemas <strong>da</strong> educação, foi a preocupação com as construções <strong>dos</strong>prédios escolares, muitos <strong>dos</strong> quais se encontravam em estado precário e inseguro.Antes dessa conferência, outras haviam ocorrido em território nacional einternacional, desde 1956. Para além <strong>da</strong> preocupação com as construções, oobjetivo era levantar sugestões que efetivassem as providências necessárias paraqualificar esses espaços. Mas, ain<strong>da</strong> segundo o referido material <strong>dos</strong> anais, em1957, em Genebra, numa Conferência Internacional de Educação, foi debatido o19 No mesmo ano, de acordo com Lima (1995 p. 94), a Organização de Cooperação deDesenvolvimento Econômico lançou um documento destinado ao emprego “eficaz e rentável <strong>dos</strong>recursos para construção escolar”. O objetivo era ampliar as escolas de Portugal, Espanha, Grécia,Turquia e Iugoslávia, que no período de 1963 a 1964 foram considera<strong>dos</strong> os países “atrasa<strong>dos</strong>” <strong>da</strong>Europa.


31problema quanto à execução <strong>dos</strong> programas volta<strong>dos</strong> para construção de escolas.Os participantes desse evento concluíram que tais negligências e descaso ocorriamdevido à inabili<strong>da</strong>de de organizar um plano de priori<strong>da</strong>des para a educação.Na reunião em Lima, no ano de 1956, os participantes acor<strong>da</strong>ram umPlano Regional de Extensão e Melhoramento <strong>da</strong> Educação Primária. Mais tarde, nasConferências de Punta del Leste, em 1961, e em Santiago, em 1962, além deassegurarem esse plano, construíram metas a serem cumpri<strong>da</strong>s até o ano de 1970.A autora, referindo-se novamente ao documento <strong>da</strong> II Conferência Nacional deEducação de 1966, ain<strong>da</strong> descreve que a União <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s para aEducação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), por meio desses encontros, elaborouum grande projeto: a ampliação <strong>da</strong> educação infantil por to<strong>da</strong> a América Latina. Paraefetivação desse projeto, a UNESCO buscou parceria com o Ministério <strong>da</strong> EducaçãoNacional <strong>da</strong> Espanha. Embora esse país apresentasse experiência em construçõesde escolas, seu foco era somente o ensino fun<strong>da</strong>mental. De qualquer forma,elaboraram um curso, de setembro a dezembro de 1960, com orientações paraconstrução de instituições de educação infantil.Como resultado dessa capacitação 20 , além de realizarem umlevantamento do número de escolas a serem construí<strong>da</strong>s, observaram a importânciade construções espaçosas, com extensa área (coberta e descoberta) para ascrianças brincarem, e a necessi<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> prédios serem construí<strong>dos</strong> em locais querecebem luz solar. Nesse relato, ain<strong>da</strong> se insere a preocupação com a arquiteturaem articular as obras conforme as propostas pe<strong>da</strong>gógicas do ensino fun<strong>da</strong>mental,20 Para saber mais sobre o assunto, ler: ESPAÑA. Ministerio de Educación Nacional. DirecciónGeneral de Enseñanza Primaria. 1962. Construcciones Escolares: curso organizado por elgobierno español como colaboración al proyecto principal de la UNESCO: “Extensión ymejoramiento de la educación primaria en la América Latina”, España, Septiembre/Diciembre,1960. Madrid: Orbe.


32assim como o número de crianças por sala e uma organização que facilitasse arelação de crianças e professores (DUARTE, 2000).Por fim, a descrição histórica realiza<strong>da</strong> na investigação <strong>da</strong> autorasupracita<strong>da</strong> indica que a preocupação com a quali<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> espaços físicos deinstituições escolares vem sendo pauta de antigas discussões em encontros deeducação, especialmente o entendimento <strong>da</strong> relação necessária entre arquitetura epe<strong>da</strong>gogia.Encontros e acor<strong>dos</strong> movimentaram países na intenção de qualificar oespaço físico <strong>da</strong>s instituições escolares, enquanto no Brasil, segundo Lima (1995, p.75-76), a partir do aumento expressivo do número de matrículas, salas ficaramsuperlota<strong>da</strong>s, desqualificando o trabalho pe<strong>da</strong>gógico. Algumas escolas de ensinofun<strong>da</strong>mental tentaram encontrar a solução reduzindo o horário <strong>da</strong>s aulas eampliando os turnos de atendimento. Mas, quando as alternativas não <strong>da</strong>vam contade atender a deman<strong>da</strong>, o recurso era a a<strong>da</strong>ptação de “corredores, sala deprofessores, banheiros e depósitos”. Aos poucos também desapareceram “asbibliotecas, salas de arte e de ciências”. Nesse processo, como medi<strong>da</strong> deemergência, realizaram construções em outros espaços, construíram “galpões demadeira” e organizaram salas em “garagens e porões <strong>da</strong> vizinhança”. A exigência <strong>da</strong>população atendi<strong>da</strong> nessas escolas se limitava à ampliação do número de vagas,enquanto nas escolas priva<strong>da</strong>s os pais cobravam boas instalações e ensino dequali<strong>da</strong>de. Segundo a autora, as ações do Estado expressavam essas diferenças: “aquali<strong>da</strong>de é uma exigência váli<strong>da</strong> só para as classes dominantes; para as classessubalternas, a quali<strong>da</strong>de é sinônimo de atendimento necessário e suficiente.”Entretanto, ain<strong>da</strong> que não possamos fazer dessa história um movimento contínuo elinear, podemos ressaltar que foi a partir de 1960 que o movimento <strong>da</strong> população foi


33adquirindo força e as exigências aumentaram, dificultando a posição do Estado emmanter as construções a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s, embora elas ain<strong>da</strong> permanecessem até 1976. Adéca<strong>da</strong> de 1980 foi marca<strong>da</strong> pela abertura política e o plano principal de educação,orquestrado pela UNESCO, definia metas para to<strong>da</strong> a América Latina. Assim, apartir de 1983 espaços escolares começam a receber reformas, ain<strong>da</strong> que nãofossem o suficiente para tornarem-se espaços de quali<strong>da</strong>de. Outro ponto positivodessa manifestação popular foi a exigência <strong>da</strong> construção de escolas por bairros.Com o tempo, a população passou a exigir mais quali<strong>da</strong>de nasconstruções e reformas <strong>da</strong>s escolas, conforme compreendiam que a educação édireito de to<strong>dos</strong>. O Estado, por pressão, assegurou as reivindicações, melhorandoexpressivamente a estrutura física <strong>da</strong>s instituições. Porém, junto a essa conquista,iniciou o desrespeito a esses espaços, que passaram a ser depre<strong>da</strong><strong>dos</strong>. Segundo osresponsáveis pelo setor educacional do país, o motivo <strong>da</strong> depre<strong>da</strong>ção era o fato deas construções escolares nos bairros diferenciarem-se consideravelmente <strong>da</strong>estrutura simples <strong>da</strong>s casas, denotando uma arquitetura hostil à população. Asolução era pensar em prédios que se constituíssem de uma arquitetura simples,com materiais semelhantes ao <strong>da</strong>s construções populares, mesmo comprometendoas obras. Sem questionar se essa era a solução adequa<strong>da</strong>, a quali<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> espaçosfoi mais uma vez ignora<strong>da</strong>. Os projetos eram “modelos prontos e baratos”. Surgiam,então, as construções escolares homogêneas. (LIMA, 1995, p. 80).Sobre a preocupação com a quali<strong>da</strong>de do espaço físico relativo àsinstituições de educação infantil, as produções documenta<strong>da</strong>s, de acordo com AnaLúcia G. de Faria (2005a, p. 80), surgiram somente no final <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 80 21 , com21 Em FARIA (2005a), pode-se encontrar uma relação bibliográfica sobre espaço físico <strong>da</strong>sinstituições de educação infantil.


34a publicação <strong>da</strong> coleção Creche Urgente 22 , na qual o terceiro livro se refere aoespaço físico. Para a autora, os estu<strong>dos</strong> e pesquisas referentes a esse temanasceram com o crescimento expressivo do número de instituições advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> “lutafeminista e <strong>da</strong> luta contra a ditadura militar”. A influência <strong>dos</strong> movimentos sociais epolíticos na formação <strong>da</strong>s instituições de educação infantil será mais desenvolvi<strong>da</strong>nos itens abaixo.2.3.1 Apontamentos sobre a criação <strong>dos</strong> Jardins de InfânciaNa Europa, durante muitos séculos, as crianças pequenas ficaram sob ocui<strong>da</strong>do exclusivo <strong>da</strong> família, prioritariamente de suas mães, que tinham aresponsabili<strong>da</strong>de de educá-las e amamentá-las. Por não perceberem suasespecifici<strong>da</strong>des, logo que conquistavam certa independência física eram inseri<strong>da</strong>sno mundo adulto e participavam <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> econômica e social, trabalhando desdecedo com seus pais. Corazza (2002, p. 84) ain<strong>da</strong> comenta que a indiferença com ascrianças também foi marca<strong>da</strong> “pelos trajes, brinque<strong>dos</strong>, jogos, linguagem esexuali<strong>da</strong>de”.Desde a Antigui<strong>da</strong>de, uma vez que o entendimento vigente era de que ascrianças deveriam ficar no seio familiar, as instituições cria<strong>da</strong>s para cui<strong>da</strong>r decrianças eram pensa<strong>da</strong>s somente para quem se encontrava em situação devulnerabili<strong>da</strong>de social. A falta de cui<strong>da</strong>do com a organização <strong>dos</strong> espaços e com oatendimento às crianças nessas instituições foi caracteriza<strong>da</strong>, desde então, pelaprecarie<strong>da</strong>de e o preconceito. Nesse tempo foi cria<strong>da</strong> a ro<strong>da</strong> <strong>dos</strong> expostos 23 .22 CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER E CONSELHO ESTADUAL DA CONDIÇÃOFEMININA. A ocupação do espaço. In: Creche Urgente: Espaço Físico. Brasília, n. 3, 1988. p. 15.23 Era um cilindro de madeira, giratório e com a superfície lateral aberta em um <strong>dos</strong> la<strong>dos</strong>. Foramconstruí<strong>da</strong>s em muros de igrejas e em hospitais de cari<strong>da</strong>de. As mães que desejassem entregar seus


35As instituições religiosas foram responsáveis pela coordenação de muitosespaços de educação infantil. Na Europa <strong>dos</strong> séculos XV e XVI, já implantavam suametodologia de educação volta<strong>da</strong> para a religiosi<strong>da</strong>de e a autodisciplina. Mais tarde,em Londres, no século XVIII, surgiram as instituições com o propósito de cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong>saúde <strong>da</strong>s crianças e combater as práticas de cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> sem higiene, que facilitavamo alto índice de mortali<strong>da</strong>de infantil. Desse movimento histórico, que negou ainfância como momento particular <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana, Oliveira (2002) registra um pontoimportante: a diminuição <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de infantil.Com a Revolução Industrial, produziu-se na Europa o crescimentourbano, a organização familiar nuclear e um desenvolvimento científico quemodificou a exigência <strong>dos</strong> padrões educacionais. Por motivos atrela<strong>dos</strong> àorganização política e social, a escola tornou-se importante e fun<strong>da</strong>mental para aformação de um adulto que atendesse às expectativas do novo sistema. Porém, ascrianças que recebiam atenção nas escolas eram aquelas pertencentes às classessociais privilegia<strong>da</strong>s; as pouco favoreci<strong>da</strong>s eram atendi<strong>da</strong>s pelas instituições porcari<strong>da</strong>de e simples ocupação.Tais fatos provocaram o surgimento de opositores que passaram a lutarpor uma educação para to<strong>dos</strong> e pensar uma pe<strong>da</strong>gogia com foco nas criançaspequenas. Oliveira (2002) destaca aqueles que considerou, em suas diferentesépocas, pioneiros na educação <strong>da</strong>s crianças pequenas:• Comênio (1592-1670), por defender a aprendizagem a partir docotidiano <strong>da</strong>s crianças.filhos, ain<strong>da</strong> recém-nasci<strong>dos</strong>, apertavam uma campainha e alguém girava para fora a parte aberta. Amãe colocava lá a criança, que era recolhi<strong>da</strong>, sem que solicitassem sua identi<strong>da</strong>de. No Brasil, aprimeira ro<strong>da</strong> <strong>dos</strong> expostos foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em Salvador, em 1726. A maior parte <strong>da</strong>s crianças entregue aessa instituição eram filhos de escravas que pretendiam livrar as crianças <strong>da</strong> escravidão. (CIVILETTI,1991).


36• Rousseau (1712-1778), por colocar a criança no centro <strong>dos</strong> interessespe<strong>da</strong>gógicos, enfatizando suas especifici<strong>da</strong>des e reiterando a diferença entre elas eos adultos.• Pestalozzi (1746-1827), por sublinhar a individuali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crianças,acreditando na função social <strong>da</strong> escola e apontando a afetivi<strong>da</strong>de como fatorimportante para o desenvolvimento humano.• Decroly (1871-1932), por entender que a criança tem um caráterglobal, acabou criando méto<strong>dos</strong> de trabalho, tornando-se conhecido pela proposta<strong>dos</strong> centros de interesse.• Froebel (1782-1852) foi o primeiro a valorizar o brinquedo – em suaproposta pe<strong>da</strong>gógica enfatizava as histórias, o desenho, as ativi<strong>da</strong>des commovimento, passeios com as crianças e o contato com a natureza.• Montessori (1870-1952), dedica<strong>da</strong> inicialmente às crianças especiais,criou a Pe<strong>da</strong>gogia Montessoriana e materiais pe<strong>da</strong>gógicos pensando nodesenvolvimento <strong>da</strong>s crianças, particularmente através <strong>da</strong> experiência sensorial.Parece consenso que o cenário pe<strong>da</strong>gógico <strong>da</strong> educação infantil modificasea partir do pensamento de ca<strong>da</strong> um desses autores 24 , bem como a própria ideiado espaço educativo e suas funções. Em 1657, Comênio utiliza a expressão Jardimde Infância referindo-se ao local onde as crianças, como sementes/plantas, seriam“rega<strong>da</strong>s” pelas jardineiras-professoras. Mas foi o alemão Froebel que concretizou aideia e criou, quase dois séculos depois, em 1837, uma instituição batiza<strong>da</strong> como24 Sobre estes autores, ver: ROSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou <strong>da</strong> Educação. São Paulo: DifusãoEuropeia do Livro, 1968; LARROYO, Francisco. História geral <strong>da</strong> Pe<strong>da</strong>gogia. São Paulo: MestreJou, 1954, tomo II; COMÊNIO, João Amos. Didática magna. Rio de Janeiro: Simões, 1954;KUHLMANN JR., Moysés. Infância e Educação Infantil: uma abor<strong>da</strong>gem histórica. Porto Alegre:Mediação, 1998.


37Jardim de Infância 25 . O educador, pela mesma lógica de Comênio, acreditava que aaprendizagem era interna ao sujeito, portanto a ideia de “regar” as crianças eadolescentes significava <strong>da</strong>r condições para o conhecimento desabrochar.2.3.2 Aproximações sobre a história <strong>da</strong> educação infantil no BrasilAntes de existir a escola, Lima (1994, p. 9) relembra, as crianças tinhamsomente a ci<strong>da</strong>de como lócus social. Até o século XVII, ruas e praças eram osespaços privilegia<strong>dos</strong> de relações, brincadeiras e aprendizagem. Embora adultos ecrianças ficassem expostos, eventualmente, à violência e certos abusos, eles tinhamtodo o ambiente à sua disposição e faziam <strong>dos</strong> encontros algo tão simples e trivialque to<strong>dos</strong> se conheciam. Essas relações entre os moradores de uma mesma rualhes ofereciam segurança a ponto de a considerarem uma extensão de suas casas.A autora chama o período de “pré-industrial”, pois antecedeu o movimento capitalistae seu feroz processo de “urbanização e industrialização”. Evidentemente, essamovimentação do capitalismo alterou o modo de organização <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des e <strong>da</strong>sfamílias e, com o aumento <strong>da</strong> circulação de pessoas estranhas, o encontro decrianças nas praças se tornou ca<strong>da</strong> vez mais perigoso.Além <strong>da</strong> própria dinâmica presente na conformação social, o movimentomundial <strong>da</strong> história <strong>da</strong> educação infantil, especificamente, influenciou – e ain<strong>da</strong>influencia – as práticas brasileiras, principalmente pela colonização europeia.Considerando que por muito tempo as famílias viveram em fazen<strong>da</strong>s, a criação de25 O governo alemão decidiu fechar os Jardins de Infância em 1851 com intenção de inibir a propostade liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crianças, tendo em vista os movimentos liberais que perpetuavam pela Europa.Mesmo assim, o modelo idealizado por Froebel, coibido pelos alemães, se difundiu por diversospaíses.


38instituições de educação infantil 26 intensificou-se à medi<strong>da</strong> que incidiu a migraçãopara a zona urbana. Esse período, no Brasil, ain<strong>da</strong> foi caracterizado pela abolição <strong>da</strong>escravatura.Os Jardins de Infância brasileiros foram cria<strong>dos</strong> primeiramente nosesta<strong>dos</strong> do Rio de Janeiro e de São Paulo, em mea<strong>dos</strong> de 1875. Inicialmente eramorganiza<strong>dos</strong> por instituições priva<strong>da</strong>s, mas a partir de 1896 surgem os Jardins deInfância públicos. Oliveira (2002, p. 93) relata sobre a exposição pe<strong>da</strong>gógicarealiza<strong>da</strong> no Rio de Janeiro em 1885. Segundo a autora, os Jardins de Infânciaforam percebi<strong>dos</strong> como “as salas de asilos francesas” 27 , mas algumas pessoasentenderam como “início de escolari<strong>da</strong>de precoce”. O privilégio <strong>da</strong> educação para ascrianças pequenas, aqui no Brasil, também permaneceu com a família. Umaeducação externa era acata<strong>da</strong> somente se a mãe precisasse trabalhar. Nessa épocatambém surgiu a categoria <strong>da</strong>s mulheres que cui<strong>da</strong>vam de crianças em troca dedinheiro, as criadeiras. Mas os problemas com a falta de higiene no cui<strong>da</strong>do com ascrianças e a banalização <strong>da</strong> mortali<strong>da</strong>de infantil ain<strong>da</strong> eram correntes e permaneceupor um bom tempo em nosso país. Atualmente o problema foi minimizado, emborapareça perpetuar-se por muitas regiões brasileiras.Mais tarde ocorreu a vin<strong>da</strong> de imigrantes europeus para assumirempostos de trabalho abun<strong>da</strong>ntes no país e, decorrente disso, surgiu uma maiororganização de sindicatos, que favoreceram a criação de creches e instituições deeducação infantil pelas indústrias. Alguns empregadores acreditavam que, a partir<strong>da</strong> criação <strong>da</strong>s creches, as mulheres produziriam melhor, por “não se preocuparem”26 Sobre a história <strong>da</strong> educação infantil, ver: FARIA, Ana Lúcia Goulart. Educação pré-escolar ecultura: para uma pe<strong>da</strong>gogia <strong>da</strong> educação infantil. São Paulo/Campinas: Cortez, 1999; KISHIMOTO,Tizuko Morchi<strong>da</strong>. A pré-escola em São Paulo (1877-1940). São Paulo: Loyola, 1988; ROSEMBERG,Fúlvia (Org.). Creche. São Paulo: Fun<strong>da</strong>ção Carlos Chagas/Cortez, 1989.27 Na França, as salas de asilo eram instituições destina<strong>da</strong>s a crianças de 2 a 7 anos. A rotina eraconsidera<strong>da</strong> rígi<strong>da</strong> e com regime disciplinador. As ativi<strong>da</strong>des, tanto físicas quanto intelectuais, erampropostas a to<strong>da</strong> a criança independentemente de sua faixa etária.


39com o cui<strong>da</strong>do <strong>dos</strong> filhos. Entretanto, o espaço feminino era muitas vezes negadonas indústrias e no comércio, pois o discurso masculino ain<strong>da</strong> indicava que o melhorlugar para as mulheres era ao lado <strong>dos</strong> filhos e cui<strong>da</strong>ndo <strong>dos</strong> afazeres domésticos.Por volta de 1933, as ideias de Froebel provocaram um movimento noBrasil. De acordo com Oliveira (2002), alguns educadores brasileiros, entre elesMário de Andrade, reivindicavam a criação de praças pelas ci<strong>da</strong>des, semelhantesaos Jardins de Infância. A partir dessa ideia, um tempo depois, por muitas ci<strong>da</strong>des,disseminaram-se os parques infantis. Mas ain<strong>da</strong> nessa época os jardins de infânciaeram privilégio <strong>da</strong>s crianças de classes sociais favoreci<strong>da</strong>s.Embora existissem desde o final do século XIX, foi somente na déca<strong>da</strong> de40 do século XX que se consoli<strong>da</strong>ram iniciativas de cunho assistencial, higienista efilantrópico nas instituições de educação infantil – <strong>da</strong>do marcado também pelaascensão <strong>da</strong> puericultura. Na época, a preocupação maior era em mitigar aspéssimas condições de saúde <strong>da</strong> classe operária, uma vez que viviam em lugaresinóspitos, vulneráveis a epidemias, de modo que muitos não sobreviveriam a elas,afetando a estabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> oferta de mão de obra. Pela lógica, as ações de cui<strong>da</strong>dodeveriam iniciar pelas crianças pequenininhas. A preocupação maior era comcui<strong>da</strong><strong>dos</strong> higiênicos e a alimentação.Mas, ain<strong>da</strong> sobre essa déca<strong>da</strong>, Rosemberg (1992) relembra o surgimentode parcerias entre organismos internacionais com instituições brasileiras, como oFundo <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s para a Infância (UNICEF), juntamente com oDepartamento Nacional <strong>da</strong> Criança. Na intenção de organizarem programasassistencialistas e com a inclusão <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de, reduziram a quali<strong>da</strong>de doatendimento <strong>da</strong>s creches, implantando muitas delas em qualquer espaço disponívelnos bairros e convocando educadores voluntários. O rigor com a higiene, por


40exemplo, que requeria um alto custo, foi secun<strong>da</strong>rizado depois <strong>da</strong> criação dessesprogramas.Segundo Tristão (2004), a partir de 1960, quando essas propostasconsoli<strong>da</strong>ram-se, as creches foram “simplifica<strong>da</strong>s” e se tornaram módicas – emcontraposição ao custo elevado consequente <strong>da</strong> on<strong>da</strong> higienista anterior. Outrosorganismos, além do UNICEF, apoiaram essa iniciativa, como o Fundo <strong>da</strong>s NaçõesUni<strong>da</strong>s para Alimentação (FAO), a Organização Mundial para Saúde (OMS) e aOrganização Panamericana de Saúde (OPS).Ain<strong>da</strong> ressaltando a dificul<strong>da</strong>de de narrar uma história correndo os riscosde uma simplificação que a linearize e empobreça, lembramos que nos anos 70 <strong>dos</strong>éculo passado surgiram mais indústrias e ocorreu a proliferação do comércio. Asmulheres foram ain<strong>da</strong> mais solicita<strong>da</strong>s para o mercado de trabalho e odesenvolvimento <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des reduziu os espaços para as crianças brincarem, comoas ruas e as praças. A necessi<strong>da</strong>de de creches voltou a preocupar a socie<strong>da</strong>de, masveio com a influência de modelos americanos e europeus que reivindicavam contra achama<strong>da</strong> “privação cultural” sofri<strong>da</strong> pelas crianças de classes desfavoreci<strong>da</strong>s. Nestadéca<strong>da</strong> de 1970, as teorias de privação cultural ganham muita força no Brasil,fortalecendo os movimentos em prol <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s pré-escolas. Criava-se, então,um modelo de educação com objetivo de evitar o fracasso escolar, embora comolhar superficial para o problema social <strong>da</strong>s crianças, a então chama<strong>da</strong> educaçãocompensatória 28 .28 A educação compensatória surgiu no período <strong>da</strong> Revolução Industrial com objetivo de compensardeficiências afetivas, físicas e escolares atribuí<strong>da</strong>s às crianças de classes sociais e econômicasdesfavoreci<strong>da</strong>s. De acordo com Kramer (1982, p. 25), baseando-se num “padrão médio, único eabstrato de comportamento e desenvolvimento infantil”, a educação compensatória propôs váriosprogramas com pretensão de suprir a falta nessas crianças, relaciona<strong>da</strong>s principalmente à saúde e àeducação na escola.


41O número de creches cria<strong>da</strong>s e administra<strong>da</strong>s pelo poder públicoaumentava, mas não <strong>da</strong>va conta de atender à deman<strong>da</strong>. Nessa época cresceu onúmero de creches particulares. Para conseguir acolher às inúmeras crianças quenecessitavam de creches, o governo criou os programas assistencialistas “mãescrecheiras”, “lares vacinais” e as “creches domiciliares”. Nesse período o estadoorganizou os programas de serviço à infância efetiva<strong>dos</strong> pelo Movimento Brasileiropara Alfabetização (MOBRAL) e pela Legislação Brasileira de Assistência (LBA), quefoi responsável pelas políticas assistenciais 29 .Num processo permanente e descontínuo, após a ditadura, o Estado e asocie<strong>da</strong>de civil continuam repensando suas responsabili<strong>da</strong>des com as creches eproblematizando a função meramente assistencialista desses espaços, buscando acriação de propostas pe<strong>da</strong>gógicas que enfatizam o desenvolvimento cognitivo eafetivo <strong>da</strong>s crianças.Com a Constituição de 1988, a educação nas creches e pré-escolas foireconheci<strong>da</strong> como direito <strong>da</strong>s crianças e dever do Estado. A alfabetização, nesseperíodo, era ponto alto <strong>da</strong>s ações pe<strong>da</strong>gógicas e valorizava a aprendizagem <strong>da</strong>leitura e <strong>da</strong> escrita <strong>da</strong>s crianças antes de ingressarem no Ensino Fun<strong>da</strong>mental.O que se vê retratado em todo o país são as ci<strong>da</strong>des crescendo de mododesordenado e os espaços se tornando ca<strong>da</strong> vez mais limita<strong>dos</strong>. Muitos bairros vãosurgindo em condições inóspitas e permanecem sem condições de habitaçãodecente. Lima (1994, p. 11) fala sobre o quanto privamos muitas crianças deviverem em locais decorosos e assegura que hoje o “espaço escolar” seja, talvez, aúnica chance de garantirmos a essas crianças um espaço que aten<strong>da</strong> suasnecessi<strong>da</strong>des, ain<strong>da</strong> mais que, na maioria <strong>da</strong>s vezes, as escolas se encontram em29 Em 1974, a LBA criou um programa nacional de educação para as crianças pequenas chamadoProjeto Casulo. Tinha como objetivo <strong>da</strong>r oportuni<strong>da</strong>de para as mães trabalharem e aumentarem aren<strong>da</strong> familiar. Em 1983 chegou a atender 600 mil crianças.


42locais e condições de limpeza razoáveis. Não preocupa<strong>da</strong> apenas com a questãope<strong>da</strong>gógica, a autora alega que a falta de quali<strong>da</strong>de 30 na construção <strong>da</strong>s instituiçõesde educação, em especial <strong>da</strong>s públicas, decorre do descaso de autori<strong>da</strong>des comapoio do conformismo <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. Num país marcado pela diversi<strong>da</strong>de, não sedão conta <strong>da</strong> especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s distintas reali<strong>da</strong>des em que as escolas estãoinseri<strong>da</strong>s. Se essa diversi<strong>da</strong>de fosse leva<strong>da</strong> em conta, poderíamos ter diferentesprojetos de escolas, ca<strong>da</strong> qual expressando a história e a cultura <strong>da</strong>s regiões.Contudo, o que ain<strong>da</strong> predomina é um modelo padrão que destoa e massifica asculturas. Segundo Lima (1994, p. 12), a solução poderia ser acessível com autilização de projetos “inteligentes” e “técnicas simples como a alvenaria de tijolo, deargamassa arma<strong>da</strong> e sucatas”.Assim como essa arquiteta se debruçou sobre as questões escolares,outros pesquisadores dedicaram-se a investigar o atendimento em creches e otrabalho com educação infantil, especialmente a partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 90 do séculoXX, aumentando sobremaneira o número de pesquisas e publicações. Em 1990, foipublicado o Estatuto <strong>da</strong> Criança e do Adolescente (ECA) e, mais tarde, em 1993, oMinistério de Educação e Cultura (MEC) organizou uma Política Nacional deEducação Infantil, na tentativa de organizar uma política maior para a área. Em1995, outro documento foi publicado com objetivo de garantir a quali<strong>da</strong>de naorganização e no funcionamento <strong>da</strong>s instituições de educação infantil, além deorientar sobre os programas e sistemas de financiamento: foram os “Critérios paraum atendimento em creches que respeite os direitos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong>s crianças”.Era um documento que já apontava caminhos para a importância <strong>da</strong> organização<strong>dos</strong> espaços na educação infantil. Maria Malta Campos (1995, p. 15) aponta tópicos30 A quali<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> espaços não se refere somente à questão construtiva, mas a tudo que favorece odesenvolvimento <strong>da</strong>s crianças e facilita o trabalho pe<strong>da</strong>gógico.


43que devem ser observa<strong>dos</strong> com atenção. Tomo para mim suas palavras e astransformo, aqui, em interrogações: arrumamos com capricho e criativi<strong>da</strong>de oslugares onde as crianças passam o dia? Nossas salas são limpas e ventila<strong>da</strong>s?Deixamos objetos e móveis quebra<strong>dos</strong> nos espaços onde as crianças ficam? Elastêm lugares agradáveis para se recostar e desenvolver ativi<strong>da</strong>des calmas? Ascrianças têm direito a lugares adequa<strong>dos</strong> para seu descanso e sono? Há trabalhosrealiza<strong>dos</strong> pelas crianças em exposição? Tentamos adequar a altura <strong>da</strong>s janelas, osequipamentos e os espaços de circulação às necessi<strong>da</strong>des de visão e locomoção<strong>da</strong>s crianças? Esses são alguns <strong>dos</strong> pontos destaca<strong>dos</strong> pela autora comofun<strong>da</strong>mentais de serem observa<strong>dos</strong> na organização e funcionamento <strong>dos</strong> espaçosde educação infantil.Em 1996, a LDB 9394/96 definiu a Educação Infantil como etapa inicial <strong>da</strong>Educação Básica. Um <strong>dos</strong> movimentos organiza<strong>dos</strong>, depois <strong>da</strong> promulgação dessalei, foi o <strong>dos</strong> fóruns regionais e estaduais de Educação Infantil. Além disso, oMinistério de Educação e Cultura (MEC) organizou o Referencial Curricular Nacionalpara Educação Infantil (1998) e o Conselho Nacional de Educação estabeleceu asDiretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil.Em 2006, com a finali<strong>da</strong>de de orientar os municípios a garantirem aEducação Infantil como política pública, o MEC publicou o documento “PolíticaNacional de Educação Infantil: pelo direito <strong>da</strong>s crianças de 0 a 6 anos”. No mesmoano, também publicou os “Parâmetros Nacionais de Quali<strong>da</strong>de para a EducaçãoInfantil” e os “Parâmetros Básicos de Infraestrutura para Instituições de EducaçãoInfantil”.Este último documento propõe que as construções de instituições deeducação infantil devam garantir o interesse e a necessi<strong>da</strong>de de quem conviverá


44nelas, assim como o diálogo com a proposta pe<strong>da</strong>gógica de ca<strong>da</strong> local e um espaçoque favoreça a interação entre crianças-crianças, crianças-adultos e criançasnatureza.Portanto, sugere e orienta que o projeto arquitetônico seja antecipado comreuniões entre professores, crianças, famílias e administração do município. Assim,professores, arquitetos, engenheiros, profissionais <strong>da</strong> educação e <strong>da</strong> saúdeformarão uma equipe interdisciplinar e, numa interação de saberes, poderão planejarum espaço “dinâmico, vivo, ‘brincável’, explorável, transformável e acessível ato<strong>dos</strong>.” (BRASIL, 2006, p. 10). Ele ain<strong>da</strong> ressalta que é papel do professor, junto àscrianças, organizar o espaço <strong>da</strong> educação infantil. Os Parâmetros Básicos deInfraestrutura dedicam atenção para o espaço onde ficarão os bebês (0 a 1 ano) esegue com sugestões para as crianças de 1 a 6 anos, destacando algumasespecifici<strong>da</strong>des entre uma i<strong>da</strong>de e outra.A Lei 11.274, de 2006, reestruturou o Ensino Fun<strong>da</strong>mental de oito paranove anos, incluindo, com obrigatorie<strong>da</strong>de, as crianças de 6 anos. O MEC organizouum documento de “orientação para a inclusão <strong>da</strong> criança de seis anos de i<strong>da</strong>de” epublicou-o em 2007.2.3.3 A infância nos espaços de educação infantilMas o espaço não é apenas o lugar <strong>da</strong> imaginação poética: ele é tambémfruto de conhecimentos objetivos, lugar de relações vitais e sociaisconcretas, e determina<strong>dos</strong> por elementos materiais que modificam a suanatureza e quali<strong>da</strong>de. (LIMA, 1989, p. 14).O modo como os espaços nas instituições de educação infantil sãoconstruí<strong>dos</strong> e organiza<strong>dos</strong> revelam sua ação pe<strong>da</strong>gógica, sua concepção de infânciae de educação de crianças. As possibili<strong>da</strong>des de uso que ca<strong>da</strong> espaço oferece, o


45modo como ele é qualificado ou modificado se traduzem, na análise de Duarte(2000, p. 40), como indicadores para avaliar a arquitetura e a proposta pe<strong>da</strong>gógicade ca<strong>da</strong> instituição. Nas palavras de Malaguzzi (apud GANDINI, 1999, p. 157), “oespaço deve ser uma espécie de aquário que espelhe as ideias, os valores, asatitudes e a cultura <strong>da</strong>s pessoas que vivem nele”.Para Lima (1994), o orçamento para construção de um espaço deeducação infantil talvez não seja oneroso, mas necessita ser bem planejado. Sejamestruturas grandes ou pequenas 31 , o primordial é garantir às crianças seu direito aviver intensamente a infância, num espaço aconchegante, que lhe ofereça boascondições de vi<strong>da</strong> e sejam pensa<strong>dos</strong> e organiza<strong>dos</strong> para crianças nas diferentesi<strong>da</strong>des – considerando, por exemplo, a diferença que há entre crianças maiores emenores quanto às suas necessi<strong>da</strong>des e cui<strong>da</strong><strong>dos</strong>.Algumas <strong>da</strong>s características de um espaço bem planejado, nasinstituições de educação infantil, são de ser bem ventilado; seguro; ter boailuminação; água encana<strong>da</strong> e em abundância; janelas grandes e baixas para ascrianças observaram e ouvirem o barulho <strong>da</strong> rua; ter local adequado, confortável eescurinho para dormir; pias e bebedouros na altura delas; cozinha com possibili<strong>da</strong>dede acesso para as crianças; local agradável e asseado para comerem; chuveiro comágua quente para o banho; vaso sanitário na altura <strong>da</strong>s crianças; local apropriadopara as mães amamentarem seus bebês; livros, instrumentos musicais e brinque<strong>dos</strong>guar<strong>da</strong><strong>dos</strong>, mas ao alcance <strong>dos</strong> pequenos; local para os professores se reunirem ou31 Devemos considerar a importância <strong>da</strong> metragem <strong>da</strong> sala para escolher a melhor maneira deorganizá-la. No caso de salas pequenas, por exemplo, podemos criar espaços alternativos e de usocoletivo, como uma brinquedoteca, uma casa de bonecas etc. Nas maiores, precisamos avaliar se oespaço possibilita realizar ativi<strong>da</strong>des em grandes grupos e movimentos amplos, pois, apesar de nãopodermos sobrevalorizar os movimentos, nem realizar ativi<strong>da</strong>des somente em grandes grupos ecoordena<strong>da</strong>s pelo professor, tais momentos não devem ser desconsidera<strong>dos</strong>. (BARBOSA e HORN,2001).


46reunirem-se com as famílias; espaço para as crianças ficarem em grandes epequenos grupos ou até mesmo sozinhas. (FARIA, 2005a).A área externa também necessita de cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> específicos no seuplanejamento, pois, além de possibilitar uso em alternância com o espaço interno,oportuniza diferentes momentos e formas de brincar, se relacionar com outrascrianças, com adultos e com a natureza. Ela pode ser composta por um parque 32 ,que necessita de manutenção constantemente, oferecendo segurança às crianças.Se há areia ou gramado, ambos precisam de atenção. A grama precisa estardevi<strong>da</strong>mente corta<strong>da</strong> e cui<strong>da</strong><strong>da</strong>. A areia deve ser analisa<strong>da</strong> semestralmente e, seestá em caixa, ela precisa ser renova<strong>da</strong>, ficar em local que receba aquecimentosolar e durante a noite é importante que fique coberta evitando que algum animalcircule sobre ela e defeque. É importante a presença de árvores (preferencialmenteas nativas, sem espinhos nem venenos), que oferecem sombras e podem permitirque as crianças fiquem por mais tempo na área externa, principalmente em temposde muito calor, quando muitos espaços, por falta de vegetação, limitam esse tempofora <strong>da</strong> sala, por haver muito sol. A presença de plantas também possibilita àscrianças a experiências de cuidá-las e desenvolverem consciência planetária 33 .Para Goldschmied e Jackson (2006, p. 33), o prédio de uma instituiçãopode oferecer algumas limitações, mas há sempre como planejá-lo de modo que odeixemos mais aconchegante e atraente, principalmente para quem convive e passamuitas horas do dia ali, uma vez que as construções desses espaços costumamrefletir a “desigual<strong>da</strong>de econômica e social” <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de a qual pertencemos32 Não é imprescindível que os brinque<strong>dos</strong> do parque sejam sempre os mesmos, como balanço,gangorra, ro<strong>da</strong> e grade. Com criativi<strong>da</strong>de e materiais alternativos, podemos inventar muitosbrinque<strong>dos</strong>. Podemos observar as alternativas que a artista plástica Elvira de Almei<strong>da</strong> apresenta emseu livro Arte Lúdica (1997).33 SECRETARIA DO MENOR. Projeto Arquitetônico. In: Creche/pré-escola. Governo do Estado deSão Paulo, 1992. p. 41-57.


47(LIMA, 1989, p. 37). Compreender, portanto, como as instituições de educaçãoinfantil foram construí<strong>da</strong>s e o modo como estão organiza<strong>da</strong>s nos permite pensar emcomo (re)planejá-las, qualificando-as e garantindo a participação <strong>da</strong>s crianças comosujeitos de direitos, sobretudo em seu direito à infância.Assim, na organização do espaço físico, algumas questões devem seranalisa<strong>da</strong>s e revistas, como o modo de favorecer o desenvolvimento decompetências <strong>da</strong>s crianças, de forma que se promova autonomia e descoberta eelas realizem necessi<strong>da</strong>des e desejos sem precisar a todo o momento <strong>da</strong> presençado professor. Da mesma forma, “fornecer oportuni<strong>da</strong>des para as crianças an<strong>da</strong>rem,correrem, subirem, descerem e pularem com segurança, permitindo-lhes tentar,falhar e tentar novamente” (CARVALHO e RUBIANO 2001, p. 110). Desse modo,para Lima (1989, p. 72), o espaço construído e organizado pelo adulto deveprovocar a “curiosi<strong>da</strong>de e a imaginação <strong>da</strong>s crianças”, mas precisamos deixá-lo“incompleto o bastante para que ela se aproprie e transforme esse espaço atravésde sua própria ação”.O espaço, de fato, carrega-se de ressonâncias e conotações subjetivasatravés de precisos pontos de referência, representa<strong>dos</strong> por pessoas,objetos e situações que oferecem à criança o senso <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>flexibili<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> coerência. (FARIA (Org.), 1995, p. 99).O planejamento <strong>da</strong> estrutura externa e interna necessita viabilizardiferentes ações e ocupações, favorecendo a participação <strong>da</strong>s crianças, a expressão<strong>da</strong>s culturas infantis e respeitando as diferenças, estabelecendo um ambiente detroca e encontros, com valores solidários e cooperativos. Cabe ao professor,portanto, criar um espaço desafiador, onde o conhecimento está permanentementeem construção; personalizá-lo de acordo com o grupo de crianças e suas diferençasculturais; oportunizar uma boa quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>; e ir além <strong>dos</strong> muros <strong>da</strong> instituição.


48Santos (1998, p. 61) defende a participação na construção e organização<strong>dos</strong> espaços por to<strong>dos</strong> os sujeitos que ali convivem, assegurando que a nãoparticipação demarca a criação de um espaço “cuja história desconhece, cujamemória lhe é estranha”, portanto esse lugar será “sede de uma vigorosaalienação”. As contribuições de Lima (1989, p. 77) preveem essa estruturacaracteriza<strong>da</strong> “pela multiplici<strong>da</strong>de de ambientes, pelos desníveis <strong>dos</strong> pisos, pelavarie<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> pés-direitos, <strong>da</strong> luz, <strong>da</strong>s cores e pela possibili<strong>da</strong>de de usar painéis epanos [...]. Pisos e paredes seriam, ao mesmo tempo, elementos concretos dearquitetura e construção, de ensino e de brinquedo”. Afinal, a escassez de recursosnão limita a elaboração de um espaço criativo, contudo, muitos ain<strong>da</strong> sãoorganiza<strong>dos</strong> subestimando a capaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crianças, como se elas nãosoubessem escolher brinque<strong>dos</strong> nem permanecer sozinhas com outros <strong>da</strong> mesmai<strong>da</strong>de. Muitas vezes lhes oferecem somente propostas coordena<strong>da</strong>s pelo professor –o que denota um modelo de educação no qual to<strong>da</strong> ação é centraliza<strong>da</strong> no adulto.Pensar essa configuração do espaço, para Duarte (2000, p. 34), é uma tarefaintegra<strong>da</strong> ao currículo, sendo que influenciam diretamente no desenvolvimento <strong>da</strong>scrianças e traduzem-se em “fonte de experiências e aprendizagem”.Na organização <strong>da</strong> estrutura física dessas instituições, não podemosesquecer de objetos necessários, como: mobiliário; equipamentos para cozinha,lavanderia, banheiros e fraldário; brinque<strong>dos</strong>; e materiais didáticos e pe<strong>da</strong>gógicos 34 .São componentes que fazem parte <strong>da</strong> ação pe<strong>da</strong>gógica e o modo como estãoplaneja<strong>dos</strong> ou dispostos indicam se o professor compreende, ou não, sua influênciano comportamento e no desenvolvimento autônomo <strong>da</strong>s crianças, bem como a34 Fortunati (2009) defende o uso de materiais simples e alternativos para as crianças explorarem ecriarem. O autor indica que alguns professores ain<strong>da</strong> limitam a utilização de brinque<strong>dos</strong> e materiaispe<strong>da</strong>gógicos ao colocarem-nos à disposição <strong>da</strong>s crianças somente diante de sua orientação,resultando em produções mecânicas e empobrecendo as brincadeiras.


49possibili<strong>da</strong>de de favorecer interações e protagonismo em suas ações e criações.Kramer (1994) recomen<strong>da</strong> a estruturação <strong>da</strong> sala por pequenas áreas, contendomateriais que estejam ao alcance <strong>da</strong>s crianças, as quais deverão também seresponsabilizar pelos cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> e manutenção do espaço e <strong>dos</strong> materiaispe<strong>da</strong>gógicos. Considerando as dificul<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong> instituição, se o espaço forpequeno, de tempo em tempo os materiais deverão ser alterna<strong>dos</strong>, porém é algoque podemos fazer mesmo que a sala seja ampla, para evitar que crianças e adultosse desinteressem.Sobre a organização de pequenos espaços nas salas, Fortunati (2009)defende que as crianças muitas vezes se a<strong>da</strong>ptam à intimi<strong>da</strong>de de seu lar antes dechegarem a uma instituição de educação infantil, logo, não seria fácil habituarem-sea um espaço com muitas crianças e mais adultos. Neste caso, sua sugestão é dividiros espaços mais amplos em ambientes menores, indicando mais aconchego eproximi<strong>da</strong>de. Ain<strong>da</strong> afere o autor que, como elemento essencial <strong>da</strong> propostape<strong>da</strong>gógica, o planejamento do espaço e a disponibili<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> móveis e <strong>dos</strong>materiais devem ser pensa<strong>dos</strong> e interpreta<strong>dos</strong> continuamente, na busca deorganizá-lo com e para as crianças, garantindo um lugar que lhes ofereça múltiplasexperiências.Nessa direção, Faria (2005a, p. 79) contribui ao ressaltar a importânciade viabilizarmos a independência <strong>da</strong>s crianças, pois, garantir que o espaço sejaseguro, não impõe a necessi<strong>da</strong>de de ser “ultraprotetor” e assim podemos tambémoferecer “autoconhecimento <strong>dos</strong> perigos e obstáculos” presentes ali. Segundo aautora, crer na capaci<strong>da</strong>de de as crianças se relacionarem requer o planejamentode espaços “flexíveis e versáteis”, que eventualmente devem ser modifica<strong>dos</strong>,trazendo novos experimentos e motivando mais as crianças. Assim, aos poucos


50elas vão se envolvendo umas com as outras em várias interações e brincadeiras,sem depender <strong>da</strong> intervenção do professor; e, com isso, em determina<strong>dos</strong>momentos, ele pode se dedicar às crianças que precisam mais de sua atenção.Por fim, ain<strong>da</strong> podemos pensar nas possibili<strong>da</strong>des de dinamizar asparedes, refletir sobre o que nelas costumamos expor, partindo do pressuposto deque não lhe cabe o papel de um ingênuo pano de fundo. Em relação aos muraisexpostos nos corredores e salas <strong>da</strong>s instituições de educação infantil, por exemplo,Leite (1998) aponta-os como elementos que oferecem possibili<strong>da</strong>des depercebermos o significado <strong>da</strong>do ao processo de criação <strong>da</strong>s crianças. A maioria <strong>dos</strong>materiais expostos costuma ser organiza<strong>da</strong> pelos adultos e em algumas instituiçõesain<strong>da</strong> prevalecem os personagens infantis (muitos liga<strong>dos</strong> à cultura <strong>da</strong> mídia). Paraa autora, o adulto implicitamente impõe um modelo de desenho, depreciando aprodução <strong>da</strong>s crianças, avaliando a cultura infantil com inferiori<strong>da</strong>de. Com isso, ascrianças vão reduzindo suas produções e tornando-se meras reprodutoras, sentin<strong>dos</strong>eca<strong>da</strong> vez mais incapazes de criar um desenho.Cunha (2005) acredita que essas imagens também uniformizam emol<strong>da</strong>m o jeito de ser <strong>dos</strong> indivíduos, negando e excluindo as diferenças. Afirma queessa formação por meio do olhar nem sempre está explícita, mas oculta. Portanto,ao deixar de expor painéis estereotipa<strong>dos</strong>, como os que apresentam padrões debeleza impostos pela socie<strong>da</strong>de excludente, os professores poderão, segundo aautora, oportunizar às crianças um olhar mais amplo e crítico sobre o mundo.


512.4 As crianças de 0 a 3 anosCom aporte do historiador francês Philippe Ariès 35 (1981), percebemosque o sentimento de infância consolidou-se tardiamente, a partir do século XVIII.Antes de sair do anonimato, as crianças participavam ativamente <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cultural,social e econômica <strong>dos</strong> adultos. Eram nessas relações que a educação seconstituía: as crianças, como miniadultos, trabalhavam, compartilhavam problemasfamiliares e participavam <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social como se a infância e a adultez não tivessemespecifici<strong>da</strong>des. Cabe salientar, entretanto, o que pontua Ariès (apud CORAZZA,2002): apesar <strong>da</strong> inexistência de um conceito de infância no período medieval, issonão significa que as crianças sofriam maus tratos ou eram desampara<strong>da</strong>s, uma vezque a punição e o controle passaram a existir com o surgimento <strong>da</strong> categoria socialinfância e sua distinção <strong>dos</strong> adultos. DeMause (apud CORAZZA 2002) ain<strong>da</strong> apontaque, no tempo em que as crianças viviam em comuni<strong>da</strong>des sem constrições, talvezfossem mais felizes, uma vez que eram livres antes de passarem a viver comrestrições e uma escolarização que exige uma preparação para se tornarem adultos.No século XVI, a relação entre pais e filhos ain<strong>da</strong> era formal e, por nãoexistir consciência de infância, as crianças eram considera<strong>da</strong>s inferiores. Essecenário modificou-se no século XVII, quando as crianças começaram a serpercebi<strong>da</strong>s como criaturas divinas e seres frágeis, portanto sua inocência precisavaser preserva<strong>da</strong>. Nesse século, surgiu a necessi<strong>da</strong>de de educá-las. No século XVIII,a socie<strong>da</strong>de desenvolveu o sentimento de fragili<strong>da</strong>de e inocência em relação àinfância. Passou a existir o sentimento de família e a importância <strong>da</strong> criança como35 Philippe Ariès realizou estudo histórico por meio iconográfico e, por isso, sofreu críticas, uma vezque somente a nobreza possuía recursos para essas produções que utilizou como fonte. Nessesentido, alguns pesquisadores o atacam por privilegiar a infância burguesa, criando uma visão parcial<strong>da</strong> história. Apesar disso, não podemos negar seu pioneirismo na pesquisa sobre a história <strong>da</strong>sinfâncias, tampouco negar a importância de suas investigações.


52componente familiar, diferente <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de adulta. Passaram a preocupar-se com ofuturo <strong>dos</strong> meninos e meninas.Foi no século XIX que aumentou o interesse em estu<strong>da</strong>r as crianças,principalmente no campo <strong>da</strong> medicina, <strong>da</strong> psicologia e <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia. A mortali<strong>da</strong>deinfantil, que era banaliza<strong>da</strong>, começou a gerar preocupação conforme surgiam, pormeio <strong>da</strong> medicina, as especializações em pediatria, obstetrícia e puericultura. Assim,na busca de compreender o desenvolvimento infantil e o modo de ser criança nosdiferentes tempos e espaços, o assunto criança e infância interessou ca<strong>da</strong> vez maisoutras áreas, como a sociologia 36 , a história e a antropologia.Dessa movimentação histórica 37 , construindo uma concepção de infância,ficaram dois sentimentos que permanecem até hoje: o de paparicação, que preservaa criança como ingênua, inocente e pura, e o de moralização, afirmando que acriança é incompleta e necessita ser educa<strong>da</strong> pelo adulto. Numa articulaçãoimplícita, esses dois sentimentos contribuem para a uniformização do conceito decriança e impedem que a infância seja percebi<strong>da</strong> no sentido mais plural. Na análisede Kramer (1982), esses conceitos unificam as crianças e se fun<strong>da</strong>mentam na“criança burguesa”, desconsiderando as diferentes organizações sociais e culturais,como se existisse um modelo padrão de infância.Entendendo, então, a infância como categoria social, remeto-me aBakhtin (1988) para pensar esse sujeito-social e sua relação com o sujeito-biológico.Para o autor, as pessoas têm dois nascimentos: o biológico e o social. Ele se refereao nascimento social ao garantir que é pelas interações na socie<strong>da</strong>de que os36 Diante <strong>da</strong> longa caminha<strong>da</strong> de estu<strong>dos</strong> científicos sobre a criança, somente no final do século XXque surgiu a Sociologia <strong>da</strong> Infância.37 Sobre a história <strong>da</strong> infância, ver: ARIÈS, Philippe. História social <strong>da</strong> criança e <strong>da</strong> família. 2.ed.Rio de Janeiro: Zahar, 1981; KRAMER, Sônia. A política do pré-escolar no Brasil: a arte dodisfarce. Rio de Janeiro: Achiame, 1982; KUHLMANN JR., Moysés. Infância e Educação Infantil:uma abor<strong>da</strong>gem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998.


53indivíduos participam <strong>da</strong> história e produzem cultura, porquanto, sem viver numcontexto social, o ser humano seria inexistente. Todo conhecimento que se encontraexterno ao homem não é por ele adquirido inativamente – ocorre à medi<strong>da</strong> que eleparticipa do curso <strong>da</strong> comunicação verbal. O nascimento biológico, por sua vez, équem oferece as condições para o homem atuar, mas, por si só, esse nascimentonão garante o acesso do homem à história, o qual é intrínseco ao nascimento social.São as características biológicas que favorecem ou não a criança na sua relação deatuar e modificar o meio; além do mais, esse movimento sobre/no meio acabaincidindo, também, nas características biológicas.Nessa perspectiva, Bakhtin (1988) considerou que to<strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>deintelectual de uma pessoa se constrói no espaço social – a relação do eu com ooutro acontece por meio <strong>da</strong> linguagem, portanto, é na interação verbal queencontramos o centro <strong>da</strong> formação mental do indivíduo. Concluiu que a ligação entrefalante e ouvinte por meio <strong>da</strong> linguagem não se reduz a aceitar regras abstratas,defendendo que existe um relacionamento entre eles e a linguagem.Não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas ver<strong>da</strong>des oumentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis oudesagradáveis etc. A palavra está sempre carrega<strong>da</strong> de um conteúdo ou deum sentido ideológico ou vivencial. (BAKHTIN, 1988, p. 95).Para Bakhtin a linguagem é larga, não se limita ao verbal, abrange o ditoe o não dito, constitui senti<strong>dos</strong>, sempre construí<strong>dos</strong> na relação entre o eu e o outro.Ele assegura que é por esse vínculo concreto, a interação, que a comunicaçãoverbal é ininterruptamente acompanha<strong>da</strong> por ações sociais de caráter não verbal(gestos, atos simbólicos etc.) e ideológico. O autor (2003) ain<strong>da</strong> propõe que oprocesso de construção do conhecimento é bilateral, pois há participação de quemconhece e de quem é conhecido, ocorrendo uma transformação recíproca – isso


54significa que somos autores uns <strong>dos</strong> outros e nossas distinções são construí<strong>da</strong>s, enão determina<strong>da</strong>s.O ser humano, portanto, desde que nasce, se relaciona e interage com omundo. Kulmann (2005, p. 57) afere que as crianças buscam participar <strong>da</strong>s relaçõessociais, pois essas relações fazem parte de “suas vi<strong>da</strong>s e de seu desenvolvimento”.Para o autor, esse processo não se limita ao psicológico, mas ao “social, cultural ehistórico”.Os bebês contam com as formas não verbais de comunicação,relacionam-se por meio de expressões, sorrisos, choro, gestos e balbucios. Orecém-nascido permanece por longo tempo voltado a a<strong>da</strong>ptar-se com a vi<strong>da</strong> em umnovo ambiente, diferente do útero materno. Segundo Mukhina (1995, p. 74), acriança já nasce com um “sistema nervoso formado” que lhe garante a capaci<strong>da</strong>dede a<strong>da</strong>ptar-se ao meio externo. Essas primeiras ações do bebê, ao nascer,acontecem por reflexo, como a respiração, a circulação sanguínea e a sucção. Sãodenomina<strong>dos</strong>, pela autora, de reflexos “não condiciona<strong>dos</strong>”, que asseguram asobrevivência do bebê e estão presentes na vi<strong>da</strong> do ser humano somente nomomento do nascimento, desaparecendo posteriormente. Nesse período, o bebêconserva-se por muito tempo dormindo. Um pouco adiante, o bebê passa a controlarum pouco suas funções fisiológicas e fica ca<strong>da</strong> vez mais disponível para interagircom o outro – aqui, amplamente entendido como a natureza, os objetos e aspessoas. A atuação do adulto proporciona a inserção <strong>da</strong> criança 38 na cultura àmedi<strong>da</strong> que ele a auxilia a interagir e a realizar algumas ações, <strong>da</strong>ndo significado aelas. Portanto, o modo como tocar, como falar e olhar é o ponto alto <strong>da</strong> relação doadulto com os bebês. É uma postura que, no dia a dia com os pequeninos, não está38 Nesse caso a criança não está passiva à ação do adulto, pois também é participante dessa ação.


55predetermina<strong>da</strong>, mas será construí<strong>da</strong> nas relações. Guimarães (2008, p. 15) adverteque a dificul<strong>da</strong>de em perceber a importância desse modo de conviver com os bebêsadvém <strong>da</strong>s relações que ain<strong>da</strong> se apoiam no caráter “disciplinador, higienista e decontrole”, que acabam “ocupando o lugar <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de, desproteção efragili<strong>da</strong>de”. Essas ações de cui<strong>da</strong>do com as crianças pequenas marcam umencontro individual entre o adulto e a criança, que recebe a atenção naqueledeterminado momento. No entanto, o que muitos professores não compreendem éque as outras crianças não permanecem inativas ou anônimas, pelo contrário, estãose relacionando e se constituindo nesse espaço heterogêneo, principalmente entreseus pares, quando se olham, se tocam ou trocam algum objeto, uma relação quemuitas vezes não <strong>da</strong>mos conta de perceber. É como Faria (1994, p. 213-214)descreve: a criança é “competente em sua inteireza, capaz de sofistica<strong>da</strong>s formasde comunicação, mesmo quando bebê, estabelecendo trocas sociais com coetâneose adultos, através de uma rede complexa de vínculos afetivos”.Uma <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des principais <strong>dos</strong> bebês, na medi<strong>da</strong> em que vão serelacionando com o mundo, é a observação <strong>dos</strong> objetos e <strong>da</strong>s pessoas que estão asua volta (FALK, 2004). Desde os primeiros meses de vi<strong>da</strong>, o bebê já mostraexpressões emocionais como prazer, dor e medo, porém, ain<strong>da</strong> não se diferencia domundo externo – como se fosse unido ao ambiente e a tudo o que o cerca. Mas,estabelecendo interação com objetos e com seu próprio corpo, eles vãoexperimentando e, aos poucos, percebendo, a diferença entre o que pertence aoseu corpo e o que pertence ao mundo externo. A presença marcante de seusmovimentos de “deslizar, engatinhar, sentar, ficar em pé e caminhar” está atrela<strong>da</strong> àconstrução de “seus territórios e suas identi<strong>da</strong>des”, além de possibilitar queobservem o mundo por meio de diferentes ângulos e posições (BARBOSA 2008, p.


567-8). E, assim, ca<strong>da</strong> vez mais as crianças pequenininhas assumem sua condição deprodutoras de linguagem e, envolvi<strong>da</strong>s em diversas tramas de relações sociais eculturais, demonstram sua capaci<strong>da</strong>de de se expressar, pensar, criar, inventar,participar e produzir cultura.Pouco a pouco os bebês expressam uma relação afetiva mais intensacom os adultos próximos. Isso explica as situações nas quais eles começam aprotestar o afastamento do adulto do seu campo visual. Esse apego ao outro, omovimento de imitar e diferenciar-se, está relacionado à construção do pensamentoe <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> criança.Guimarães (2008, p. 202) também enfatiza a importância <strong>da</strong>s “ofertas e<strong>da</strong>s trocas de objetos” entre as crianças pequenas, que acompanham “olhares egestos” que comunicam e as movimentam de um local ao outro, afastando-as “dolugar <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de, carência e dependência absoluta, para um lugar de força,iniciativa e comunicabili<strong>da</strong>de”. Schmitt (2009) faz uma observação interessante aofalar do valor <strong>dos</strong> objetos como elo de encontro entre os bebês ou um bebê ser elode encontro entre um objeto e outro bebê.Logo no início do processo de aquisição <strong>da</strong> linguagem, segundo Schmitt(2008), a relação entre adultos e crianças configura-se como ponto fun<strong>da</strong>mental apartir do que narram – não só por meio <strong>da</strong> fala, mas acerca de todo conjunto deexpressões não verbais. Isso porque as primeiras palavras geralmente vêmacompanha<strong>da</strong>s de “gestos muito expressivos, que compensam sua dificul<strong>da</strong>de emcomunicar-se de forma inteligível através <strong>da</strong> linguagem”. (VYGOTSKY, 1984, p. 43).Larrosa (2004), então, assegura que demonstramos saber quem são as criançasquando nos preocupamos em falar de modo que elas nos compreen<strong>da</strong>m,principalmente nos espaços que organizamos para elas.


57Na medi<strong>da</strong> em que vai adquirindo mais coordenação e força, a criançageralmente passa a explorar os espaços com mais independência (pula, corre ebrinca com objetos), faz maior uso <strong>da</strong> fala para comunicar-se e, segundo Bondioli &Mantovani (1998, p. 195), se movimenta com mais agili<strong>da</strong>de e sente-se seduzi<strong>da</strong> pormais “elementos do mundo externo”, mesmo que seja por um pequeno período detempo. A criança fica, então, ca<strong>da</strong> vez mais envolvi<strong>da</strong> nas tessituras <strong>da</strong>s relaçõessociais, demonstrando ações mais sofistica<strong>da</strong>s. Goldschmied e Jackson (2006, p.129-30) ressaltam que aos poucos costumam voltar-se para suas novas conquistas,como “as habili<strong>da</strong>des de movimento, manipulação e fala”, movendo-seautonomamente para conquista de experiências. As autoras observam que nós,adultos, nem sempre atendemos suas expectativas e explicam que[...] podemos ter nosso próprio objetivo, que é chegar ao correio antes quefeche. Ela vê o murinho baixo no caminho e quer ser levanta<strong>da</strong> para que,com nossas mãos apoiando-a, possa praticar o caminhar e o equilíbrio.De acordo com Oliveira et al (1992, p. 42), na medi<strong>da</strong> em que ocorre um“aumento <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de simbólica, que vai ter um papel extremamente importantena aquisição <strong>da</strong> linguagem”, a criança começa a participar e a compreender mais opapel do outro durante as brincadeiras, organiza suas ações e intenções com as <strong>da</strong>pessoa com a qual interage e compreende melhor as regras e explicações <strong>da</strong>convivência coletiva. Logo passa a demonstrar determinação em satisfazer suasnecessi<strong>da</strong>des e autonomamente, por exemplo, sobe em esca<strong>da</strong>s, armários ouprateleiras altas, pelo simples fato de estarem à sua disposição. (GOLDSCHMIED eJACKSON, 2006).À medi<strong>da</strong> que a criança cresce, ao brincar, vai processualmente agindoindependente <strong>dos</strong> objetos ou <strong>da</strong> situação que está a sua frente, e passa a <strong>da</strong>rsignificado à situação a partir do que pensa, do que imagina. Para Vygotsky (apud


58Prestes, 2009), é difícil para a criança o exercício de afastar sua ideia de significadoreal do objeto – primeiramente ela se apoia em outro objeto, como por exemploutilizar um cabo de vassoura para imaginar que é um cavalo. A imaginação,portanto, não acontece ocasionalmente. Sua primeira decorrência é libertar a criança<strong>da</strong>s ligações situacionais, assim, a brincadeira com situações imaginárias é algonovo. Segundo o autor, os pequenininhos, em especial os bebês, agemdetermina<strong>dos</strong> pela situação presente.2.5 Culturas infantisTrata-se do preconceito de que as crianças são seres tão distantes eincomensuráveis que é preciso ser especialmente inventivo na produção doentretenimento delas. É ocioso ficar meditando febrilmente na produção deobjetos – material ilustrado, brinque<strong>dos</strong> ou livros – que seriam apropria<strong>dos</strong>às crianças. Desde o Iluminismo é esta uma <strong>da</strong>s mais rançosasespeculações do pe<strong>da</strong>gogo. Em sua unilaterali<strong>da</strong>de, ele não vê que a Terraestá repleta <strong>dos</strong> mais puros e infalsificáveis objetos <strong>da</strong> atenção infantil.(BENJAMIM, 1984, p. 57).É comum em nossa socie<strong>da</strong>de a visão sobre a criança como um sujeitoalienado, como se durante a infância fosse possível relacionar-se com o mundo demodo impenetrável, “como coisa à parte”. (PERROTTI, 1990, p. 14). To<strong>da</strong>via, é nadiferença entre a autonomia, os fazeres <strong>da</strong>s crianças e a dinâmica <strong>dos</strong> adultos queestá um ponto-chave, segundo Sarmento (2004), para o estudo sobre as culturasinfantis 39 , principalmente na compreensão que temos do modo como as criançasrecebem e interagem com o que é produzido culturalmente para elas, seja produzido39 É importante registrar que o tema culturas infantis demarca um campo de estu<strong>dos</strong> largo e complexo,portanto, para investigações aprofun<strong>da</strong><strong>da</strong>s, eu sugiro algumas leituras em: CORSARO, William.Friendship and peer culture in the early years. Norwood, N.J. Ablex, 1985; CORSARO, Willian.The sociology of childhood. California: Pine Forge Press, 1997; PROUT, Alan. Reconsiderar anova sociologia <strong>da</strong> infância. Braga: Universi<strong>da</strong>de do Minho. Mimeo, 2004; SARMENTO, ManuelJacinto. As culturas <strong>da</strong> infância nas encruzilha<strong>da</strong>s <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de. In: SARMENTO, ManuelJacinto; CERISARA, Ana Beatriz (Orgs). Crianças e Miú<strong>dos</strong>: perspectivas sociope<strong>da</strong>gógicas <strong>da</strong>infância e educação. Portugal: ASA, 2004; SARMENTO, Manuel Jacinto. Imaginário e Culturas <strong>da</strong>Infância. Conferência proferi<strong>da</strong> no âmbito <strong>da</strong>s Jorna<strong>da</strong>s “Educação e Imaginário”, realiza<strong>da</strong>s naUniversi<strong>da</strong>de do Minho, Portugal. Mimeo, 2003.


59por adultos ou pelas próprias crianças – o que Corsaro (1997) denomina cultura depares, se referindo ao agrupamento de crianças que, na maioria <strong>da</strong>s vezes,permanecem juntas por longo tempo nos diferentes espaços que convivem.É necessário, portanto, compreender a infância distante <strong>dos</strong> padrões econcepções que a homogeneízam. Como categoria social, ela se apresenta dediferentes mo<strong>dos</strong> em ca<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, com suas múltiplas manifestações eproduções culturais, o que nos permite pluralizar o termo infância, passando achamar infâncias. Na maioria <strong>da</strong>s vezes, a observação e a avaliação sobre ascrianças se limitam ao olhar pretensioso do adulto, que espera <strong>da</strong>r conta decompreendê-las, decifrar seus pensamentos e conhecer sobre as coisas <strong>da</strong>s quaiselas mais gostam de fazer. Enquanto as crianças, nas suas singulari<strong>da</strong>des, seexpressam em múltiplas linguagens, como diz Sarmento e Gouvea (2008, p. 12),demonstrando “sua irredutível alteri<strong>da</strong>de em relação ao adulto”.No campo <strong>da</strong> sociologia, Sarmento (2003, p. 4) aponta as “culturas <strong>da</strong>infância” 40 como um conceito que legitima as ações <strong>da</strong>s crianças e seus múltiplosmo<strong>dos</strong> de conhecer, organizar e significar o mundo. Souza e Pereira (1998, p. 35-36), refletindo sobre as criações infantis, remetem-se às palavras que as criançasnão compreendem ou nomes e significa<strong>dos</strong> que dão aos objetos – “ain<strong>da</strong> nãofixa<strong>dos</strong> pela cultura” –, demonstrando inabili<strong>da</strong>de em conhecê-los. Então indicamque tanto as palavras como os objetos são criações humanas e consequentementecarregam a marca de flexíveis e mutáveis, o que torna possível alterarconstantemente seus significa<strong>dos</strong> por meio de nossas atuações. Considerando,desse modo, que vivemos num mundo sem ver<strong>da</strong>des completas, mas que semodificam a todo o momento nas relações interativas e sociais, o mundo no qual40 O termo é utilizado no plural por entender que as culturas infantis não são comuns, à medi<strong>da</strong> queabarcam as diferenças de raça, gênero e classe social. (SARMENTO, 2003).


60convivem as crianças costuma ser marcado pelo o que as autoras denominam de“claro-escuro de ver<strong>da</strong>de e engano”. Ca<strong>da</strong> experiência <strong>da</strong>s crianças em criar uma“linguagem” ativará e ampliará seu “potencial expressivo e criativo”, logo, elaspassarão a relacionar-se intensamente, num movimento dialógico, entre “os limitesdo conhecimento e <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de nas relações entre as pessoas”. A formação e odesenvolvimento, consequentemente, são inerentes ao seu processo departicipação e apropriação <strong>da</strong> cultura – trata-se, portanto, de uma participação ativae não passiva, na qual, com a presença <strong>da</strong> imaginação infantil, a criança cria jeitosde pensar, sentir, observar, conhecer e se comunicar 41 com o outro.Negar as ações e as reinvenções <strong>da</strong>s crianças significa impor a elas aposição de consumidoras acríticas e passivas, oferecendo-lhes somente o queproduzem os adultos, desconsiderando qualquer possibili<strong>da</strong>de de sua participação eatuação como sujeito histórico e social, que produz cultura e nela é produzi<strong>da</strong>.Desse modo, reduzir a cultura a um “produto acabado”, com a finali<strong>da</strong>de detransmiti-la às crianças, é inverter “as relações de um processo onde as coisaspassam a ter vi<strong>da</strong> e as pessoas a serem vistas como coisas.” (PERROTTI, 1990, p.17).Avesso a essa postura adultocêntrica, que assume uma concepção decriança como um adulto em déficit, inerte perante a cultura, Pino (2005, p. 25- 26)explica que o olhar do homem para a criança é complexo, por não ser simplesmenteum “ato cognitivo”, mas abarcar “muitos outros elementos <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de humana”.Ao tentar se aproximar <strong>da</strong> infância, revisitando-a, “projetando na criança arepresentação de si mesmo”, surge a dificul<strong>da</strong>de em ultrapassar as analogias eperceber as diferenças, como a especifici<strong>da</strong>de de ser criança e as singulari<strong>da</strong>des <strong>da</strong>41 Sarmento (2003) também considera como cultura <strong>da</strong> infância o modo singular (distinto <strong>dos</strong> adultos)com o qual as crianças utilizam a linguagem, essencialmente na relação entre pares.


61infância, resultando, na maioria <strong>da</strong>s vezes, numa contemplação negativa a qualforma a ideia <strong>da</strong> criança como sujeito incompleto, “um adulto que ain<strong>da</strong> é criança”.[...] a criança passa a ser somente o depositário de um mundo criado peloadulto, sem ter jamais reconheci<strong>dos</strong> os seus direitos de intervir ativamenteno processo sócio-cultural que lhe diz respeito. A cultura passa a exerceruma função domesticadora e coercitiva, dificultando a participação <strong>da</strong>criança na história enquanto sujeito. (PERROTTI, 1990, p. 16).A cultura, na perspectiva <strong>da</strong> antropologia, esclarece Cohn (2005, p. 19),não é marca<strong>da</strong> simplesmente pelos costumes, pelos valores ou crenças, mas peloque acomo<strong>da</strong>, ou seja, num movimento ímpar, “um sistema simbólico é acionadopelos atores sociais a ca<strong>da</strong> momento para <strong>da</strong>r sentido às suas experiências”. Essadinâmica, que não dá conta de ser “mensurável” nem “detectável” em um só lugar, éo que faz as pessoas conviverem em socie<strong>da</strong>de, considerando que estão sendoforma<strong>da</strong>s “a partir de um mesmo sistema simbólico”. Isso significa que a cultura nãoestá presa nos produtos ou nas falas e sim “na simbologia e nas relações sociaisque os conformam e lhes dão sentido”. Portanto, as mu<strong>da</strong>nças que ocorrem nosartefatos ou nas crenças não significam que a cultura foi adultera<strong>da</strong>. As relações einterações entre os indivíduos garantem a construção e a modificação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,que se dá de modo contínuo, o que lhes afere o papel de atores sociais, não comointérpretes passivos, mas como indivíduos que criam e recriam suas identi<strong>da</strong>desenquanto vivem. Para Geertz (1988, p. 37), o homem torna-se humano ao tornar-seindividual e isso é possível à medi<strong>da</strong> que estamos “sob a direção <strong>dos</strong> padrõesculturais”, ou seja, “sistemas de significa<strong>dos</strong>” 42 que são estabeleci<strong>dos</strong> ao longo <strong>da</strong>história, dirigindo e modelando nossas vi<strong>da</strong>s. A cultura nos formou – e nos forma,42 A cultura, para esse autor, não envolve tradições, costumes ou hábitos, mas, sim, as regras einstruções que orientam o comportamento.


62continuamente – com um modelo singular de seres humanos, mas, ao mesmotempo, é capaz de nos formar seres individuais.Nesse sentido, a participação <strong>da</strong>s crianças imersas nessa cultura éaponta<strong>da</strong> por Giroux (1995, p. 49) como:[...] uma esfera onde o entretenimento, a defesa de ideias políticas e oprazer se encontram para construir concepções do que significa ser criança– uma combinação de posições de gênero, raciais e de classe, através <strong>da</strong>squais elas se definem em relação a uma diversi<strong>da</strong>de de encontros.Desprezar a criança como sujeito social é percebê-la, segundo Sarmento(2008, p. 20), como “estando em vias de o ser”. Ou seja, essa postura parte de umaatuação adultocêntrica que não compreende que o tempo <strong>da</strong> criança é diferente. Atodo o momento ela expressa diferentes possibili<strong>da</strong>des, sem tempo determinadopara recomeçar, recriar e repetir.Nem sempre percebemos a importância <strong>da</strong> relação de criação eimaginação que a criança faz ao pegar um objeto e brincar com ele. Igualmente, namaioria <strong>da</strong>s vezes, não compreendemos que as interações <strong>da</strong> criança com oconhecimento e com os objetos (industrializa<strong>dos</strong> ou não) não estão atrela<strong>da</strong>s aorelacionamento com os adultos, bem como sua capaci<strong>da</strong>de de imaginar e criar. Elastransgridem, brincam, desenham, pintam, constroem, imaginam, criam e recriam,manifestando uma cultura infantil – que não está desliga<strong>da</strong> <strong>da</strong> cultura em geral.Como assegura Prado (1998, p. 10):Nelas, impulsiona<strong>da</strong>s pelo desejo de se apropriarem <strong>da</strong>s coisas do mundo,que inclui não somente o imaginário, mas também o afetivo, o corpo, osonho, o prazer, o riso, o movimento, as crianças estão sempre prontaspara mostrar outras novas possibili<strong>da</strong>des para e nesta apropriação. Destaforma, elas podem também ser o que são, expressando as diferentesdimensões humanas constitutivas do ser e tornando-se crianças à suamo<strong>da</strong>.


63Além disso, as crianças manifestam suas possibili<strong>da</strong>des de ludibriar assituações que as concebem como participantes de uma infância padrão, mas,frequentemente, não são compreendi<strong>da</strong>s. Também desejam deixar de ser invisíveise mostrar que são protagonistas de suas histórias, quando ain<strong>da</strong> negam suacondição de ator social e sua participação ativa nesse processo.Ao seu modo, as crianças participam <strong>da</strong> história e do movimento social ecultural a qual estão inseri<strong>da</strong>s, transformando e sendo transforma<strong>da</strong>s. Deixam suasmarcas, <strong>da</strong>ndo significado às coisas que fazem, ou seja, produzem cultura. Nessemovimento, interagindo com o mundo, elas não recebem passivamente oconhecimento, mas o transformam com suas especifici<strong>da</strong>des e espontanei<strong>da</strong>de.Kramer (2008, p. 168) enfatiza que precisamos:[...] compreender as especifici<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s construções culturais <strong>da</strong>scrianças quanto relacioná-las com seus contextos sociais e asreflexões políticas do nosso tempo.As culturas infantis manifestam a cultura <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de à qual ca<strong>da</strong>criança, ou grupos de crianças, pertence. Embora elas participem <strong>da</strong> culturaorganiza<strong>da</strong> por adultos, recriam, ressignificam e modificam conforme seus interessesou necessi<strong>da</strong>des; nas palavras de Perrotti (1990, p. 22), elas “transformam em algopróprio e diverso <strong>da</strong>quilo que lhes serviu de inspiração”. Ain<strong>da</strong> que a moderni<strong>da</strong>de,que trouxe visibili<strong>da</strong>de à infância, tenha tornado a categoria ca<strong>da</strong> vez mais universal,sobretudo com a criação de inúmeros critérios, ocasionando um modelo padrão decriança, compreende-se que as modificações históricas e sociais não anularam acultura infantil, nem mesmo removeram a identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> infância e suascaracterísticas particulares. Sarmento (2004, p. 20), ao falar <strong>da</strong>s modificações <strong>da</strong>infância na segun<strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, afirma que ela não se “dissolveu na cultura”,assim como a identi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crianças continua sendo “irredutível ao mundo <strong>dos</strong>


64adultos”. Entretanto, ain<strong>da</strong> prevalece o olhar para a criança recebendo cultura, e nãoproduzindo ou recebendo e produzindo simultaneamente.Como nos diz Moreira (2002), principalmente no espaço <strong>da</strong> “escola”, nãose interessam em descobrir como as crianças veem as coisas, pelo contrário,privilegiam o modo como o adulto pensa e concebe o mundo. Dessa movimentação,segundo Sarmento (2003), também é comum emergir as culturas <strong>da</strong> infância.Apesar de considerar a importância histórica que as instituições para criançastiveram na edificação <strong>da</strong> categoria infância, o autor assegura que as culturas infantisse constroem, amiúde, em oposição, empatia e atitude de caráter crítico <strong>da</strong>scrianças sobre as culturas produzi<strong>da</strong>s por adultos e dirigi<strong>da</strong>s a elas, sobretudo emorganizações educacionais, sem desconsiderar a cultura de mercado, intensamentevolta<strong>da</strong> para produção de brinque<strong>dos</strong>, jogos, livros, vídeos e outros materiaisinfantis. Entender, desse modo, as culturas <strong>da</strong> infância requer uma análise do que éproduzido para as crianças com o que é aceito por elas, to<strong>da</strong>via, colocando emdestaque o que por elas é produzido autoralmente nas suas relações com anatureza, com os adultos e com outras crianças, caracterizando-as como produtorasde cultura.


663 A CONSTRUÇÃO DE AUTORIA, AUTONOMIA E IDENTIDADE INFANTIS NOSESPAÇOS OBSERVADOS – ANÁLISE DO CAMPOEm relação ao espaço destinado à educação de crianças pequenas, Lima(1989) diz que somente os adultos separam o espaço físico do ambiente, porque ascrianças percebem “o espaço-alegria, o espaço-medo, o espaço-proteção, o espaçomistério,o espaço-descoberta”. Portanto, todo espaço fala, comunica algo. Nãoexistem lugares ocultos ou cenários insignificantes – <strong>da</strong>í a importância deinvestigarmos os mo<strong>dos</strong> de ser e agir <strong>da</strong>s crianças pequenas nos espaçoseducativos a elas destina<strong>dos</strong>.Nesse sentido, é importante ressaltar que a função <strong>dos</strong> espaços nasinstituições de educação infantil não se reduz a um lugar “útil” para as crianças e osadultos participarem de ativi<strong>da</strong>des, como expõe Gandini (1999, p. 147), que suplantaessa perspectiva ao acreditar que os espaços apresentam as tradições e as históriasde quem convive ali. Mesmo sem intenção de organizar a instituição pensando emexpressar a cultura local, o que pensam e o que produzem as crianças e adultos, oespaço físico está associado a uma concepção de criança, de infância e deaprendizagem, e to<strong>da</strong> a organização espacial influencia no desenvolvimento delas.Opto, então, por pensar criticamente se os espaços de educação infantilfavorecem, ou não, a expressão <strong>da</strong>s culturas infantis, trazendo as observaçõesacerca de um do espaço por mim observado, o CEIM Engenheiro Jorge Frydberg,permea<strong>da</strong>s por reflexões críticas iniciais em diálogo com o corpo teórico que estáconsubstanciado a partir do capítulo 2. Para favorecer a análise, organizeicategorias centrais no processo de apropriação e produção <strong>da</strong>s culturas infantis, asaber: a autoria e a construção <strong>da</strong> autonomia e <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de infantis.


673.1 A autoria infantil nos espaços observa<strong>dos</strong>Na entra<strong>da</strong> do CEIM há uma área coberta e eu observo na parede umpainel (Foto 2), homenageando o Dia <strong>dos</strong> Pais e produzido pelas professoras, com odesenho de um pai abraçando, supostamente, dois filhos e recebendo um presente.Ao entrar no prédio, é possível observar que o espaço é organizado com produções<strong>dos</strong> adultos. No corredor de entra<strong>da</strong>, à esquer<strong>da</strong>, está o desenho de um Saci (Foto3) coberto com papel picado – foi produzido pela professora do Jardim I (o qualatende crianças de 4 anos), que falou sobre o folclore para elas.Foto 2 Foto 3Um pequeno espaço na parede, à direita, é reservado para divulgarreca<strong>dos</strong> para os pais e os professores, como cartazes <strong>da</strong> Secretaria de Saúdecontendo orientações de higiene, eventos culturais do SESC e programas de pósgraduaçãoem educação. O hall interno, que também é utilizado como refeitório, é ocentro de to<strong>da</strong>s as salas <strong>da</strong>quele local, que inclui a biblioteca com a sala deprofessores, a cozinha com despensa, a sala de direção, dois banheiros e cincosalas de aula.


68Foto 4Há ain<strong>da</strong> quatro pias e acima delas está um painel (Foto 4) sugerindo aimportância <strong>da</strong> higiene bucal, organizado pela diretora e uma professora. Próximo àsmesas do refeitório, há um cartaz sobre a comemoração <strong>da</strong> festa de São João,também produzido pelas professoras. As portas <strong>da</strong>s salas são “enfeita<strong>da</strong>s” (Fotos 5e 6).Foto 5 Foto 6Em apenas uma <strong>da</strong>s paredes do hall encontra-se uma produção comindicação <strong>da</strong> participação <strong>da</strong>s crianças, mas percebe-se que é uma ativi<strong>da</strong>deorganiza<strong>da</strong> por adulto (Foto 7).


69Foto 7Os murais retratando a festa <strong>dos</strong> pais, do folclore e a festa de São Joãoapontam para a perspectiva do planejamento fun<strong>da</strong>mentado em <strong>da</strong>tascomemorativas. Esse tipo de prática, atrela<strong>da</strong> ao calendário, costuma serorganiza<strong>da</strong> somente pelo adulto, que define as <strong>da</strong>tas e as ativi<strong>da</strong>des a seremtrabalha<strong>da</strong>s. Ostetto (2000, p. 182) pontua o quanto essa prática se tornaenfadonha, considerando que as <strong>da</strong>tas se repetem anualmente e é tácito que asexperiências propostas às crianças serão sempre as mesmas. O que comemoram –sejam pais, mães, índios, len<strong>da</strong>s folclóricas, árvore ou primavera – na maioria <strong>da</strong>svezes é de modo acrítico e superficial, além de, implicitamente, indicar que essestemas ou personagens podem ser lembra<strong>dos</strong> somente uma vez ao ano. A autoraain<strong>da</strong> assegura que alguma ativi<strong>da</strong>de poderá ser altera<strong>da</strong> de um ano para o outro,mas esse tipo de prática tem sempre o mesmo “pano de fundo”, limita e depaupera oconhecimento, subestima a capaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> criança e nega sua participação e suacapaci<strong>da</strong>de autoral.Os painéis organiza<strong>dos</strong> pelos adultos, nas instituições de EducaçãoInfantil, comumente apresentam um modelo estereotipado. O professor impõe seuolhar estético, seu gosto, na medi<strong>da</strong> em que apenas ele opta o que expor, ou expõesomente o que produz. Ao recusar exibir o que é produzido pelos pequeninos,


70exclusivamente por suas mãos, o professor renega-os como produtores de cultura.Enquanto desenham, pintam ou fazem esculturas, as crianças criam significado,narram, imaginam, opinam, decidem e demonstram suas percepções sobre o mundoe, por essa razão, considera-se essas expressões como linguagens, como formasde transbor<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> plurali<strong>da</strong>de de mo<strong>dos</strong> de ser e agir infantil. Moreira (2004)afirma que ca<strong>da</strong> pessoa tem, no seu desenho, uma identi<strong>da</strong>de. A autora defendeque se aprende a desenhar desenhando, portanto, ao sobrepujar o desenho, orecorte ou o modelo oferecido pela professora e entregue à criança somente parapintar, corrobora-se sobremaneira para torná-la meramente copista.Se, na infância, as crianças estão conhecendo e aprendendo a gostar ounão gostar <strong>da</strong>s coisas, a ideia é educá-las na diversi<strong>da</strong>de, oportunizar experiências –as mesmas que, segundo Leite (1998, p. 132), “nos transformam no que somos pormeio de um incessante processo de formação”. Ao afirmarmos que a criança seexpressa em múltiplas linguagens, nos comprometemos a organizar inúmeraspossibili<strong>da</strong>des para ela criar, imaginar, sonhar, desejar e curiosar. Enfim, ain<strong>da</strong> naspalavras dessa autora, que prossigam num “movimento de descoberta e deexpressão, intercambiando suas experiências” (p. 145). Nessa proposta,consequentemente está a responsabili<strong>da</strong>de de ampliar o repertório cultural <strong>da</strong>scrianças, no entanto, para tal, se faz premente a necessi<strong>da</strong>de de o professor ampliaro seu (seja visual, musical, poético etc.).De acordo com o foco <strong>da</strong> pesquisa, observei, em especial, os espaços<strong>dos</strong> pequeninos, que envolvem as turmas do Berçário I, Berçário II e Maternal I.Na parede ocupa<strong>da</strong> por berços, no Berçário I, na parte de cima, está umpainel de aniversário com o desenho de uma cegonha e fotos <strong>da</strong>s crianças comsuas <strong>da</strong>tas de nascimento (Foto 8).


71Foto 8 Foto 9Pelos pilares estão espalha<strong>da</strong>s algumas letras do alfabeto, soltas, mas asprofessoras não souberam explicar o motivo ou quem as colocou ali (Foto 8).Próximo ao chuveiro, acima <strong>da</strong> banca<strong>da</strong>, foram cola<strong>da</strong>s figuras de peixes e sapos,desenha<strong>da</strong>s pelas professoras (Foto 9). Na mesma parede, acima do trocador eperto do passa-prato, as professoras colaram desenhos de frutas, feitos por elas;calendário; fotos de algumas <strong>da</strong>s crianças e uma borboleta feita com E.V.A 43 .Numa <strong>da</strong>s paredes do Berçário II há um mural de reca<strong>dos</strong> e cartazes –alguns encartes de revistas e outros feitos pelas professoras sobre os projetos queelas trabalham com as crianças (Foto 10).Foto 10Nessa sala do Berçário II, há problema de umi<strong>da</strong>de (menos intenso doque no Berçário I, que também fica no subsolo) e apenas uma <strong>da</strong>s paredes foi43 Borracha produzi<strong>da</strong> com alta tecnologia pela mistura de Etil, Vinil e Acetato. A abreviação <strong>da</strong>primeira letra do nome de ca<strong>da</strong> produto químico utilizado na sua confecção tornou a borrachaconheci<strong>da</strong> por E.V.A. É atóxica e muito utiliza<strong>da</strong> em ativi<strong>da</strong>des artesanais.


72coberta, completamente, por azulejo. Quatro berços ficam encosta<strong>dos</strong> nessa paredee acima está a foto de to<strong>da</strong>s as crianças, com seu nome e a <strong>da</strong>ta de nascimento,representando um painel de aniversariantes. No alto, à esquer<strong>da</strong>, está um relógio e,ao centro, uma frase: Feliz Aniversário! Numa outra parede há uma janela tipobasculante, um ventilador, encarte de revistas cola<strong>da</strong>s no alto e, também no alto,atrás <strong>da</strong> porta, um mural, feito pela professora, para “ensinar” as cores para ascrianças (Foto 11).Foto 11 Foto 12Em uma parte <strong>da</strong> parede de alvenaria do Berçário II há o desenho de umbebê, feito pelas professoras (Foto 12). Em uma <strong>da</strong>s colunas <strong>da</strong> sala há borboletascolori<strong>da</strong>s feitas de papel cera, também pelas professoras.No Maternal I, há uma parede onde ficam as janelas basculantes e,embaixo, na altura <strong>da</strong>s crianças, há desenhos de frutas feitos pelas professoras.Abaixo do quadro de giz há cinco desenhos de rostos com diferentes expressõesque, segundo a professora, são carinhas que elas produziram para trabalhar ossentimentos (Foto 13). Além desses desenhos, ao fundo <strong>da</strong> sala há um painel deaniversariantes (Foto 14), uma produção sobre peixes (Foto 15), recorta<strong>da</strong> pelaprofessora, e pinturas feita pelas crianças.


73Foto 13 Foto 14 Foto 15Benjamim (1984, p. 104) diz que os adultos deveriam compreender as“normas desse pequeno mundo” antes de desejar criar para/pelas crianças, poisacabam impedindo “que a própria ativi<strong>da</strong>de – com tudo aquilo que é nela requisito einstrumento – encontre por si mesma o caminho até elas”. Oliveira (2008, p. 16) nosalerta sobre a trajetória <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia e sua tími<strong>da</strong> reflexão sobre as linguagensartístico-culturais no trabalho junto aos pequeninos, o que torna difícil a saí<strong>da</strong> doprofessor do “psicologismo ou do di<strong>da</strong>tismo”. Em outras palavras, acabam decidindoo que a criança vai desenhar, quando vai desenhar ou com que cor irá pintar. Naspalavras de Rabitti (1999, p. 59), a instituição educativa deveria ser o localextraordinário onde se “reproduz cultura e constrói-se cultura”. O espaço deeducação infantil, na lógica de permitir que a criança dele se aproprie e viva suaexperiência de ser criança, autora, sujeito de direitos e com possibili<strong>da</strong>de de seexpressar em muitas linguagens, exige também uma organização com foco na suaautonomia, não apenas intelectual, mas de movimento, de cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> de si etc.3.2 A construção de autonomia infantil nos espaços observa<strong>dos</strong>Para Falk (2004, p. 46), “a ativi<strong>da</strong>de autônoma, escolhi<strong>da</strong> pela criança –ativi<strong>da</strong>de origina<strong>da</strong> de seu próprio desejo – é uma necessi<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>mental do ser


74humano desde seu nascimento”. Mexer-se livremente, circular pelos espaços,dormir, correr, pegar e guar<strong>da</strong>r coisas, lavar-se... O que podem as crianças fazer porconta própria? Como o espaço está favorecendo, ou não, essas ações?No hall interno do CEIM observado, nota-se, de imediato, quatro pias,próximas ao banheiro, na altura <strong>da</strong>s crianças. Os Berçários I e II estão no pisoinferior (subsolo), nas salas que foram construí<strong>da</strong>s na reforma de 2004. O acesso aelas se dá por uma esca<strong>da</strong> ou uma rampa externa. No final está uma pequena áreacoberta, com um banheiro, uma lavanderia e uma pequena esca<strong>da</strong> que dá acessoao parque. Em frente às salas está uma grande área com gramado.Do jeito como estão estrutura<strong>dos</strong>, esses espaços favorecem a inclusão, acirculação livre <strong>da</strong>s crianças, bem como o contato com a natureza – importante parasaúde e quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> – e a autonomia de movimento e ação <strong>dos</strong> pequeninos.Mas, para além <strong>da</strong> organização, o uso que se faz do ambiente é que deixa maisclara sua dimensão de autonomia ou não. Nas entrevistas, a professora do BerçárioII disse que as crianças participam apenas <strong>da</strong> área com gramado, nunca vão aoparque. No Berçário I, de acordo com a professora, dificilmente as crianças sãoleva<strong>da</strong>s para os espaços externos, devido ao longo tempo que envolve as trocas defral<strong>da</strong> e o momento <strong>da</strong> alimentação, ou seja, embora existam alternativas espaciais,os profissionais não permitem que os bebês tenham contato “com a areia, com asplantas, com o sol e com o vento batendo no rosto, com um espaço diferente<strong>da</strong>quele limitado pelas paredes”. (TRISTÃO, 2004, p. 94).No Berçário I, ain<strong>da</strong> segundo a professora, há doze criançasmatricula<strong>da</strong>s, mas apenas dez frequentam. Com esse grupo, além <strong>da</strong> professoratitular, trabalham duas professoras auxiliares. Portanto, uma equipe com uma


75professora titular e duas auxiliares trabalham no turno <strong>da</strong> manhã e outra equipe, como mesmo número de profissionais, no turno <strong>da</strong> tarde.A sala deste Berçário possui um armário fechado, encostado em umaparede ao lado de dois berços, para guar<strong>da</strong>r materiais <strong>da</strong>s professoras e materiaisde higiene e uso pessoal <strong>da</strong>s crianças. Outra parede é ocupa<strong>da</strong> por mais cincoberços (Foto 8, acima). Na terceira parede está uma banca<strong>da</strong> suspensa com doistrocadores e um chuveiro com duas cubas, em uma <strong>da</strong>s cubas é coloca<strong>da</strong> umabanheira plástica para <strong>da</strong>r banho nas crianças (Foto 10, acima). A última paredepossui janelas altas, estilo basculante, com persianas que são fecha<strong>da</strong>s para omomento do sono. Abaixo, ao alcance <strong>da</strong>s crianças, estão alguns ganchos parapendurar as mochilas. Além do mobiliário que ocupa as paredes, no chão, quase aocentro <strong>da</strong> sala, fica um colchonete maior, grosso, quadrado; ao lado dele está umcercado para bebês ocupado por brinque<strong>dos</strong> e outro colchonete, porém, fino;próximo a esse espaço está um balanço, de plástico, aéreo (Foto 16). Dois pilares,desde a reforma, permanecem no meio <strong>da</strong> sala – um deles é coberto com almofa<strong>da</strong>,para as crianças não se machucarem 44 (Foto 17).Pelo relato <strong>da</strong>s professoras tanto do Maternal I quanto <strong>dos</strong> Berçários I e II,as crianças dormem sempre no mesmo horário. No grupo <strong>dos</strong> maiores, elas járeconhecem o momento de dormir, portanto mesmo que não estejam com sono,to<strong>da</strong>s deitam e “devem” permanecer em silêncio, descansando. No caso do BerçárioI, foi relata<strong>da</strong> a dificul<strong>da</strong>de em fazer os bebês dormirem, pois alguns ain<strong>da</strong> não estãoacostuma<strong>dos</strong> com o horário. Em berços ou em colchonetes, são os adultos queorganizam esses momentos. A disposição <strong>dos</strong> berços sugere que sua única utili<strong>da</strong>deé para as crianças dormirem e, num sutil movimento autoritário, impede que nesses44 No retorno à instituição, percebi que os bancos que existem ao redor de colunas (um está noBerçário I e outro no Berçário II) foram estofa<strong>dos</strong>.


76momentos as crianças se toquem, brinquem ou interajam entre elas. Falk (2004, p.31) contrapõe essa postura quando descreve a importância de as crianças nãopermanecerem inativas em seu berço, mas que lhes sejam ofereci<strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>desmúltiplas para moverem-se, deslocarem-se e brincarem. A autora também afirmaque, para o bom “desenvolvimento <strong>da</strong> independência e <strong>da</strong> autonomia <strong>da</strong> criança, énecessário – além <strong>da</strong> relação de segurança – que ela tenha a experiência decompetência pelos seus atos independentes”.Que possibili<strong>da</strong>des oferecer a essas crianças que são obriga<strong>da</strong>s a ficarem silêncio, esperando os colegas acor<strong>da</strong>rem, alguns por sentirem sono e outrospor já estarem submissos a essa rotina? Os armários estão fecha<strong>dos</strong> e to<strong>dos</strong> osbrinque<strong>dos</strong>, lápis, papéis e demais materiais tranca<strong>dos</strong>, guar<strong>da</strong><strong>dos</strong> no cercado debebês ou no alto, fora <strong>da</strong> visibili<strong>da</strong>de e do alcance <strong>da</strong>s crianças. Também não hálivros de histórias nas salas, to<strong>dos</strong> ficam guar<strong>da</strong><strong>dos</strong> na biblioteca.Desde que nascem, as crianças mostram iniciativas e interesse por tudoque as rodeia. As condições do espaço, o tamanho do mobiliário e os materiaisdisponíveis marcam os mo<strong>dos</strong> como as crianças realizarão suas experiências. Osobjetos à disposição para brincarem são fun<strong>da</strong>mentais, sejam caixas de papelão,bolas, fantoches, máscaras, cor<strong>da</strong>s, jogos, instrumentos musicais, bonecas, carros,livros, gravuras, sucatas e tantos outros. Rabitti (1999) assegura que o número demateriais disponíveis às crianças influencia na expressão de suas linguagens, demodo que quanto maior o número e a varie<strong>da</strong>de de materiais, mais linguagens elaspoderão desenvolver, o que denota mais possibili<strong>da</strong>des de expressão.Não podemos negar o potencial de relações sociais presente nos espaçosde educação infantil. Filippini (apud GANDINI, 1999, p. 147) vai reconhecê-lo comoum “container” que oportuniza a “interação social, a exploração e a aprendizagem”.


77No entanto, também afirma que nos espaços temos “conteúdo educacional” àmedi<strong>da</strong> que ele comunica e provoca estímulos, propondo uma série de experiênciasinterativas.Se o centro organizador e formador <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de mental não está só nointerior do sujeito, mas na própria interação verbal, as crianças aprendem a todo omomento interagindo com outras crianças, com adultos, com objetos e com todo oespaço do qual participam. Essa relação acontece com ou sem a percepção doadulto. Em outras palavras: a criança não aprende somente quando oadulto/professor está ensinando algo ou propondo uma ativi<strong>da</strong>de.Foto 16 Foto 17O Berçário II do CEIM observado é frequentado por 17 crianças. A equipede professoras é organiza<strong>da</strong> do mesmo modo que o Berçário I: uma professoratitular e duas professoras auxiliares para ca<strong>da</strong> período. Numa <strong>da</strong>s paredes <strong>da</strong> salado Berçário II foram coloca<strong>dos</strong> ganchos para pendurarem as mochilas <strong>da</strong>s crianças(Foto 18); e entre a parede azuleja<strong>da</strong> e a parede azul, estão dois armários altos,fecha<strong>dos</strong>, que guar<strong>da</strong>m materiais <strong>da</strong>s professoras, materiais didáticos e brinque<strong>dos</strong>.No alto também guar<strong>da</strong>m caixas e latas com brinque<strong>dos</strong> (Foto 19).


78Foto 18 Foto 19Ain<strong>da</strong> na parede azul, há uma mesa encosta<strong>da</strong> e sobre ela ficam seiscadeiras pequenas empilha<strong>da</strong>s. A mesa e as cadeiras, conforme o relato <strong>da</strong>professora, são usa<strong>da</strong>s no segundo semestre, no momento <strong>da</strong> alimentação, comobjetivo de ensinar as crianças a comerem sozinhas. Ao lado <strong>da</strong> mesa ficam umberço e um cercado de bebês ocupa<strong>dos</strong> por brinque<strong>dos</strong>. Na parede “vermelha” háuma banca<strong>da</strong> suspensa com dois trocadores, duas cubas com chuveiro e em umadelas é coloca<strong>da</strong> a banheira plástica para banhos nas crianças. Nessa banca<strong>da</strong>também são coloca<strong>dos</strong> os cadernos de ca<strong>da</strong> criança para as anotações individuais,um bebedouro, copos plásticos e toalhas.A parede verde clara é quase to<strong>da</strong> ocupa<strong>da</strong> por berços: três encosta<strong>dos</strong>na parede, na posição horizontal, e dois estão na vertical. A parede é praticamentetoma<strong>da</strong> pelas janelas basculantes (Foto 20). No centro <strong>da</strong> sala estão duas colunas,como no Berçário I, e ambas recebem uma proteção estofa<strong>da</strong> para as crianças nãose machucarem. Em uma delas está uma cor<strong>da</strong> enrola<strong>da</strong>. Segundo a professora, acor<strong>da</strong> ligava as colunas para comportar uma cortina, com tiras, de TNT. A ideia eraque as crianças tocassem apenas as pontas <strong>dos</strong> de<strong>dos</strong>. Durante o ano, à medi<strong>da</strong>que elas cresciam, a professora levantava a cor<strong>da</strong>, mas antes do final do ano elascresceram muito e puxaram to<strong>da</strong>s as tiras (Foto 21). No espaço central, além <strong>da</strong>s


79colunas, está um balanço, de plástico suspenso, dois tapetes e uma grandealmofa<strong>da</strong> do “Bob Esponja”.Foto 20 Foto 21Na turma do Maternal I frequentam 19 crianças e, destas, apenas umafica em período parcial. Como nos Berçários I e II, nessa turma também trabalhamuma professora titular, com duas estagiárias em ca<strong>da</strong> período.As paredes e o teto necessitam de pintura. Conforme a professora, osmóveis costumam ficar encosta<strong>dos</strong> nas paredes. No fundo <strong>da</strong> sala estão doisarmários, altos e fecha<strong>dos</strong>, que guar<strong>da</strong>m materiais didáticos e roupas de cama <strong>da</strong>scrianças; ao lado, duas mesas pequenas e uma mesa de professora servem deapoio para uma pilha de colchonetes (Foto 22). No canto e também ocupando aparede do lado direito, mesas e cadeiras pequenas ficam acumula<strong>da</strong>s – como ascrianças alimentam-se nas mesas do refeitório, as mesas <strong>da</strong> sala, de acordo com aprofessora, raramente são utiliza<strong>da</strong>s.Considerando que mesa não é aproveita<strong>da</strong> somente nos momentos <strong>da</strong>alimentação, de que modo elas podem ser utiliza<strong>da</strong>s nessa sala? Em quaiscondições as crianças desenham, pintam ou realizam colagens? Não poderiam usaras mesas também para palcos, esconderijos e demais brincadeiras corpóreas?Para que não se perca a dimensão educativa <strong>da</strong>s instituições deeducação infantil, seria importante caracterizar que a organização do mobiliário


80fizesse parte do planejamento. Para as crianças pequenas, a produção plástica emdiferentes superfícies oferece condições para explorarem seus movimentos ecriarem outras experiências. O espaço físico de uma sala – mobiliário, brinque<strong>dos</strong> edemais materiais – deve ser frequentemente pensado e modificado pelas pessoasque nele convivem. Por meio dessa prática, como afirma Gandini (1999, p. 157),atualiza-se e “permanece sensível às necessi<strong>da</strong>des de crianças e adultos seremprotagonistas na construção de seu conhecimento”.Na parede do lado esquerdo estão os ganchos, fora do alcance <strong>da</strong>scrianças, para guar<strong>da</strong>r as mochilas (Foto 23). Ao lado está uma estante de madeira(Foto 24) com onze caixas de papelão que guar<strong>da</strong>m os brinque<strong>dos</strong>. A maioriapermanece no alto. Em outra parede está o quadro de giz e um armário, alto efechado, para guar<strong>da</strong>r material <strong>da</strong>s professoras e materiais varia<strong>dos</strong>.Foto 22 Foto 23 Foto 24Na infância, a instituição educativa é um lugar preeminente nasocialização <strong>da</strong>s crianças. Portanto compreender, ou não, que identi<strong>da</strong>de se constróia partir <strong>da</strong>s idiossincrasias fará grande diferença na prática pe<strong>da</strong>gógica, bem comoem to<strong>da</strong> a organização do espaço. Como questiona Votre (2002, p. 104): “Que papelatribuir ao indivíduo e à sua capaci<strong>da</strong>de inventiva num contexto socializador de salade aula, em que os padrões emergem e tendem a nivelar os participantes em termos


81de expectativas, processos e práticas culturais?”. Como pensar no grupo de criançascomo homogêneo e padronizado?3.3 A construção de identi<strong>da</strong>de infantil nos espaços observa<strong>dos</strong>De acordo com Silva (2000), a identi<strong>da</strong>de é uma criação cultural e social.E apesar de muitas vezes acreditarmos que a identi<strong>da</strong>de não se modifica, ela jamaisserá fixa, pois vivemos num processo histórico em movimento e somos sujeitosforma<strong>dos</strong> por muitas vozes, por distintas interações. Ao longo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, ca<strong>da</strong> pessoafaz sua caminha<strong>da</strong> particular de interações e aprendizagens; assim, se modifica emodifica o outro a ca<strong>da</strong> troca que estabelece. Nesse processo, as identi<strong>da</strong>des seconstituem singularmente, mas nunca isola<strong>da</strong>s do contexto coletivo, do ambientesocial.Nesse sentido, retomo a análise do espaço, partindo <strong>da</strong> sala do BerçárioI. Por causa <strong>da</strong> umi<strong>da</strong>de, parte de duas paredes do Berçário I são cobertas porazulejo. To<strong>da</strong> parte de alvenaria, em ca<strong>da</strong> parede, é pinta<strong>da</strong> com uma cor diferente– rosa, amarelo, azul e lilás. As professoras pintaram para deixar a sala “maisalegre”. Em algumas paredes, para colorir, elas resolveram misturar guache à tintabranca. No Berçário II, como no I, paredes também receberam cores diferentes. Sãoelas: verde claro, azul e vermelha. Segundo a professora as paredes são colori<strong>da</strong>spara deixar a sala mais alegre, afinal de contas é educação infantil e parede brancaé de hospital; as crianças vão muito para o hospital Santa Catarina.Quais relações existem entre cores quentes, frias ou neutras com ossentimentos <strong>da</strong>s crianças? De que modo elas expressam que o ambiente está tristeou alegre devido à cor de suas paredes? Há relação entre cor e gênero?


82Embora a socie<strong>da</strong>de seja forma<strong>da</strong> por muitas instituições, como igrejas,museus, ONGs e outros espaços não formais de educação, os espaços formais sãolócus privilegia<strong>dos</strong> na formação do sujeito. O sujeito se constrói e é construído apartir de interações significativas; é com o outro que ele aprende quem é e como é –em suma, é o outro quem nos constitui sujeitos. Nas instituições formais deeducação, o professor é um outro privilegiado nessa relação e, no que tange ao focodesta investigação, é o responsável pela organização de espaços de aprendizagens.O que dificulta, muitas vezes, é a tendência de o professor educar parahomogeneizar, para seguir padrões. As relações, conduzi<strong>da</strong>s exclusivamente peloadulto, apontam para um processo unívoco que não favorece a construção deidenti<strong>da</strong>des multifaceta<strong>da</strong>s – ao contrário, muitas vezes reforça aspectos do sensocomum, como a ideia de alegria irrevogável nos ambientes infantis, bem como adistinção de cores para meninos e meninas.Nossa constituição identitária tem intensa relação com gênero – “sermenino ou ser menina” – e as características biológicas não são suficientes paraessa definição. Oliveira (1992, p. 112) pontua que construiremos socialmente nossaidenti<strong>da</strong>de sexual interagindo com o outro e influencia<strong>dos</strong> pela socie<strong>da</strong>de na qualestamos imersos. De acordo com a movimentação histórica, temos diferenças de umsexo para o outro dependendo do tempo-lugar em que vivemos. Isso acontecedesde o nascimento e transcorre por to<strong>dos</strong> os espaços <strong>dos</strong> quais participamos.Antes mesmo de nascer, se os adultos descobrem o sexo, já indicam o que émasculino e o que é feminino; já indicam mo<strong>dos</strong> de ser masculino e feminino queacompanharão o jeito de nominar, vestir, pentear, brincar, falar etc. de ca<strong>da</strong> criança.Desde bebês, as crianças aprendem a ver-se como menina ou como menino.


83No Berçário II, grandes fotos de ca<strong>da</strong> criança estão expostas em uma <strong>da</strong>sparedes (Foto 25). Próximo à porta fica um espelho, colado na parede e na altura<strong>da</strong>s crianças. No chão, em formato de ro<strong>da</strong>, estão desenhos de ca<strong>da</strong> criança – oque, de acordo com a professora, facilita o momento de fazer uma ro<strong>da</strong> paraconversa, pois ca<strong>da</strong> um senta no seu lugar (Foto 26). Outros desenhos estãocola<strong>dos</strong> no chão e a professora argumenta que são para decorar, <strong>da</strong>r uma vidinha, asala estava muito feia (Foto 27).Foto 25 Foto 26 Foto 27No Maternal I, escondido atrás <strong>da</strong>s cadeiras, para as crianças nãopuxarem e estragarem, como relatou a professora, está a chama<strong>da</strong> (Foto 28).Foto 28Desde o nascimento, inserido num contexto cultural, o ser humanoaprende – a todo o momento – interagindo com o mundo por meio <strong>da</strong> linguagem,seja ela fala<strong>da</strong>, escrita, imagética ou corporal. É por meio dela que compreendemoso mundo. Como o indivíduo se constitui pela linguagem, podemos afirmar que semlinguagem não existe identi<strong>da</strong>de. Nós não conseguimos pensar sem linguagem e


84olhamos para o mundo somente por meio dela. O bebê desde cedo demonstra essaexperiência com seus primeiros movimentos, na troca de olhares, no toque, nosbalbucios ou ao trocar objetos.Woodward (2000, p. 22) afirma que “as identi<strong>da</strong>des são mol<strong>da</strong><strong>da</strong>s elocaliza<strong>da</strong>s em diferentes lugares e por diferentes lugares”. Nos diferentes lugaresem que vivem, com suas diversas práticas culturais e distintas organizações sociais,ca<strong>da</strong> criança se constituirá como um sujeito com sua própria identi<strong>da</strong>de, ca<strong>da</strong> qualcom seu modo de expressão e compreensão de mundo. Portanto, desde aeducação infantil, as crianças precisam ter a oportuni<strong>da</strong>de de criar e se expressarnas múltiplas linguagens, de se apropriar <strong>dos</strong> conhecimentos de mundo e construirsua identi<strong>da</strong>de sem ficar presas a uma lógica uniformizante. Em outras palavras, sea identi<strong>da</strong>de não pressupõe a igual<strong>da</strong>de, o importante é o que nós temos dediferente.Considerando que identi<strong>da</strong>de é a multiplici<strong>da</strong>de de posições que podemosocupar na socie<strong>da</strong>de e no discurso, nós somos o que dizemos e o que falam de nós;somos uma composição de linguagens e, por isso, a identi<strong>da</strong>de é instável, estásempre se fazendo. Gon<strong>da</strong>r (2002) assegura que não encontraremos umaidenti<strong>da</strong>de pronta e finaliza<strong>da</strong>, pois ela se encontrará sempre em processo deconstrução e reconstrução, e essa construção se fará a partir <strong>da</strong> linguagem.O sujeito é então definido como um conjunto de enuncia<strong>dos</strong>, atitudes,esta<strong>dos</strong>, condutas ou processos intencionais forma<strong>dos</strong> por termoslinguísticos elementares, como: sentimentos, sensações, emoções,pensamentos e expectativas. (GONDAR, 2002, p. 111).


864 A CONSTRUÇÃO DE AUTORIA, AUTONOMIA E IDENTIDADE INFANTIS NASRELAÇÕES OBSERVADAS – ANÁLISE DO CAMPOCompreender que os espaços são ofereci<strong>dos</strong> às crianças e, por sua vez,como essas crianças percebem, captam e utilizam esses espaços é, paranós, uma necessi<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez mais intensa. (LIMA, 1989, p. 12).Organizar o espaço na educação infantil significa oferecer um local(interno e externo) no qual a criança possa se movimentar livremente e de formaorganiza<strong>da</strong>; um local que favoreça brincadeiras individuais e coletivas, quedesperte curiosi<strong>da</strong>de e amplie a criativi<strong>da</strong>de, promovendo autonomia, cooperação eresponsabili<strong>da</strong>de (KRAMER, 1994). Devemos pensar primeiramente com o olharpara as crianças pequenas no presente, ou seja, seu direito à infância, semdiferença de classes, oportunizando jogos e ampliando o universo de brincadeiras,promovendo integrações com meninos e meninas de diferentes i<strong>da</strong>des, com osadultos e com os objetos varia<strong>dos</strong>, possibilitando a expressão <strong>da</strong>s linguagens <strong>da</strong>scrianças e respeitando “o imaginário, o lúdico, o afetivo, o artístico e outrasdimensões” (FARIA, 2005a, p. 74). Cabe ao professor, portanto, a responsabili<strong>da</strong>dede criar um espaço desafiador, onde o conhecimento está permanentemente emconstrução; personalizá-lo de acordo com as crianças e suas diferenças culturais;oportunizar uma boa quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> e ir além <strong>dos</strong> muros <strong>da</strong> instituição.De acordo com Carvalho e Rubiano (2001, p. 108-109.), muitosplanejamentos de instituições de educação infantil desconsideram ascaracterísticas físicas do espaço, ou seja, uma sala de aula é percebi<strong>da</strong> como ummero pano de fundo. Muitos professores não compreendem que a organização doespaço físico está associa<strong>da</strong> ao seu modo de perceber a infância e que este teminfluência no comportamento e no desenvolvimento <strong>da</strong>s crianças. É comum,


87segundo as autoras, o espaço ser pensado com o objetivo de contemplar asnecessi<strong>da</strong>des do professor e <strong>da</strong>s crianças coletivamente, sem pensar nas suasespecifici<strong>da</strong>des, negando até mesmo “o desenvolvimento <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de pessoal”.Ao entramos em uma instituição de educação infantil, facilmenteidentificamos qual sua concepção de criança e de infância; percebemos se ocorreminterações significativas entre criança-criança ou criança-professor; se existe opçãode ativi<strong>da</strong>des para oportunizar escolhas ou se a criança depende totalmente <strong>da</strong>iniciativa do adulto, lembrando que o planejamento do espaço centrado no adultosubestima a capaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s crianças, como se elas não soubessem escolherbrinque<strong>dos</strong> nem permanecer em brincadeiras com outras crianças.Greenman (apud GANDINI, 1999, p. 156) diz que:Um ambiente é um sistema vivo, em transformação. Mais do que o espaçofísico, inclui o modo como o tempo é estruturado e os papéis que devemosexercer, condicionando o modo como nos sentimos, pensamos e noscomportamos, e afetando dramaticamente a quali<strong>da</strong>de de nossas vi<strong>da</strong>s. Oambiente funciona contra ou a nosso favor, enquanto conduzimos nossasvi<strong>da</strong>s.Nesse sentido, no capítulo que aqui se inicia, além <strong>da</strong> análise do espaço,eu trago a análise feita a partir <strong>da</strong>s relações observa<strong>da</strong>s criança-criança, criançaespaçoe criança-adulto.4.1 A autoria infantil nas relações observa<strong>da</strong>sPorque se a gente fala a partir de ser criança, a gente fazcomunhão: de um orvalho e sua aranha, de uma tarde esuas garças, de um pássaro e sua árvore. (BARROS,2003, s/ p.).


88No contexto <strong>da</strong>s instituições de educação infantil, mesmo sem aorganização intencional do adulto, ocorrem a todo o momento encontros einterações entre as crianças. Suas formas de se relacionar – distinta <strong>dos</strong> adultos –tecem uma rede de significa<strong>dos</strong> que marca a cultura peculiar <strong>da</strong> infância. Ascrianças agem sobre o espaço, desafiam o instituído, “são especialmente inclina<strong>da</strong>sa buscarem todo o local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se processa”(BENJAMIN, 1984, p. 103), transformando o espaço em lugar, em “abrigo <strong>da</strong>infância”. (AGOSTINHO, 2003, p. 7).Assim, frente à análise do espaço, penso que na instituição observa<strong>da</strong>, adespeito de poucos materiais (brinque<strong>dos</strong>, sucatas, livros, papel, tinta, lápis, caneta,argila etc.) que são ofereci<strong>dos</strong> às crianças <strong>dos</strong> três grupos – Berçário I e II eMaternal I –, observei que elas criam o tempo todo, exercitam o simbolismo infantil,produzindo cultura.As ações observa<strong>da</strong>s, em sua maioria, foram cria<strong>da</strong>s pelas crianças. Asprofessoras do Berçário I e II geralmente estavam na posição de observadoras emrelação às ações <strong>da</strong>s crianças. Enquanto no Maternal I, a professora buscavacompreender o sentido de minha pesquisa e apontava, muitas vezes, para o que ascrianças criavam.Considerando as especifici<strong>da</strong>des entre as i<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s crianças – semassociar a um desenvolvimento por etapas e linear, mas, sim, um desenvolvimentoque ocorre em ca<strong>da</strong> criança de modo diferente –, uma <strong>da</strong>s inquietações dessasinstituições deveria ser a de oportunizar experiências interessantes a elas. Desdepequenininhas, nos seus mo<strong>dos</strong> singulares de se expressar, seja apontando,tocando, observando, chorando, sorrindo, falando ou se movimentando, as criançasindicam sobre as coisas que lhes interessam ou lhes desagra<strong>da</strong>m, embora muitas


89vezes o adulto não dê conta de compreendê-las. Ain<strong>da</strong> que os espaços <strong>da</strong>sinstituições de educação infantil sejam organiza<strong>dos</strong> por adultos, esse é o lugar ondeas crianças permanecem por muitas horas do dia. Segundo Agostinho (2003, p.114), elas “modificam o espaço, fazendo coisas para além do que ele permite em sie do que o adulto propõe”. Nesse espaço, elas vão se constituindo enquanto sujeitose criando as histórias <strong>da</strong>s suas infâncias.No Berçário I, mesmo com poucos objetos e um grande espaço vazio,talvez supervalorizado, desse modo, pelas professoras, as crianças tornam visível oque, para mim, e possivelmente também para as professoras, seria um lugarinvisível.Lucas P. (11 meses).Sofia (1 ano e 2 meses).Menino (1 ano e 2 meses).Menino (1 ano e 6 meses).Ou possibili<strong>da</strong>des invisíveis...


90Menina (1 ano e 4 meses).Como os brinque<strong>dos</strong> geralmente ficam encerra<strong>dos</strong> no cercado de bebês,as crianças do Berçário I vão se aproximando do que está à sua disposição e vãocriando. Aproximam-se <strong>da</strong>s bolsas que ficam pendura<strong>da</strong>s ao seu alcance e retiramcotonetes, fral<strong>da</strong>s, lenço umedecido, roupas, remédios e passam para outras bolsas.Menino (1 ano e 2 meses)abrindo a bolsa de um colega.


91caminham sobre ele.Movem os colchões, levantando-o e abaixando-o, deitam, pulam ouJoão Augusto (1 ano e 3 meses).Retiram os lençóis <strong>dos</strong> berços...


93Também movimentam os berços vazios, empurrando-os para frente epara trás ou escondendo-se atrás deles.


94Como na cena acima, muitas invenções e imaginações são encerra<strong>da</strong>spelas professoras. Isso também ocorre no Berçário II e no Maternal I, porém commenos frequência.Uma professora do Berçário I, quando percebia uma criança se dirigirpara baixo <strong>da</strong> banca<strong>da</strong> <strong>da</strong> pia ou para as bolsas, chamava a atenção e comentava:Eles sempre fazem isso! Em nenhum momento eu encontrei o grupo de professorasquestionando essas ações. Certo dia, depois de apenas duas horas com o grupo,por descuido, deixei que a bateria <strong>da</strong> máquina fotográfica chegasse ao fim. Cativa<strong>da</strong>pela movimentação <strong>da</strong>s crianças, por suas ações e criações, senti incômodo por nãoconseguir registrar, por meio de fotografias, o que faziam. Até que uma professorase dirigiu a mim e afirmou: Não se preocupe que amanhã eles fazem tudo de novo, amesma coisa!Assim como as crianças do Berçário I, eu percebi que no Berçário II elastambém interagem com os espaços e criam inúmeras possibili<strong>da</strong>des, como a cena


95de Bryan (2 anos) que levanta a almofa<strong>da</strong> para guar<strong>da</strong>r a boneca. Ele se dispersa esai atrás de Maria Eduar<strong>da</strong> (2 anos e 1 mês), quando esta pega sua bola, e logochega Maria Isabella (2 anos e 3 meses), pega a boneca e sai com ela pela sala,embalando-a.


96No mesmo espaço, mais tarde, Letícia (2 anos e 7 meses) organizou umacama onde colocou um urso e uma boneca. Bryan (2 anos) passou por ali eobservou. Letícia retornou, desfez o que havia criado e saiu carregando o urso emseu ombro. Bryan esperou que sua colega deixasse o urso, para refazer, no mesmoespaço, o que ela havia inventado.Ain<strong>da</strong> no Berçário II, acompanho outra cena: menina (2 anos) e MariaIsabella (2 anos e 3 meses) tirarem os ursos do cercado de bebês e pularem sobreeles. Menino (1 ano e 8 meses) observa as amigas e resolve acompanhá-las.


97Pino (2005, p. 91) afirma que o produto <strong>da</strong> ação humana é amaterialização de sua ideia dirigi<strong>da</strong> pela ação. “Isso quer dizer que o que caracterizaa ação criadora do homem é conferir à matéria uma forma simbólica e ao simbólicouma forma material”. Assim, como afirmar que aqueles que ain<strong>da</strong> não falam, maspossuem muitas outras formas de se expressar, não produzem cultura? O queproduzem as crianças de 0 a 3 anos, por meio de gestos e movimentos como asações até aqui apresenta<strong>da</strong>s? Seriam ações puramente imitativas, semsignificação?Vygotsky (2009, p. 43-44), ao falar <strong>da</strong> imaginação criadora, afirma que elaocorre de maneiras diferentes, em determina<strong>dos</strong> perío<strong>dos</strong> <strong>da</strong> infância, e isso porquea imaginação depende <strong>da</strong>s experiências, que nas crianças vão se formandoprocessualmente à medi<strong>da</strong> que interagem <strong>dos</strong> espaços em que elas participam e <strong>da</strong>cultura na qual estão imersas. O desenvolvimento <strong>da</strong> criança, portanto, “édesenvolvimento cultural por excelência”, e isso significa que ele se dá numprocesso dinâmico e dialético com as experiências sociais e históricas <strong>da</strong>s crianças.[...] a criação, na ver<strong>da</strong>de, não existe apenas quando se criam grandesobras históricas, mas por to<strong>da</strong> parte em que o homem imagina, combina,modifica e cria algo novo, mesmo que esse novo se pareça a um grãozinho,se comparado às criações <strong>dos</strong> gênios. (VYGOTSKY, 2009, p. 15).


98As crianças, enquanto produzem, narram histórias e manifestam suasopiniões. “Seus desenhos, seus brinque<strong>dos</strong>, suas expressões corporais, seu ritmo,sua entonação são elementos de plurali<strong>da</strong>de” (LEITE, 1998, p. 143), portanto, aobuscar compreender essas ações, o adulto demonstra mais do que interesse, masnecessi<strong>da</strong>de de compreender a maneira como as crianças pensam e agem nomundo.Desse modo, a maneira como o espaço físico de educação infantil estáorganizado, os materiais que estão, ou não, à disposição <strong>da</strong>s crianças, influenciamnas suas experiências e no seu desenvolvimento. De qualquer modo, as criançasnão deixam de produzir com que está ao seu alcance. Como afirma Brougère (2008,p. 105), a criança brincacom as substâncias materiais e imateriais que lhe são propostas. Elabrinca com o que tem à mão e com o que tem na cabeça. Osbrinque<strong>dos</strong> orientam a brincadeira, trazem-lhe a matéria. [...] Só sepode brincar com o que se tem [...].No balanço suspenso, Letícia (2 anos e 7 meses) coloca um urso e omovimento. Além de ursos e bonecas, observei crianças colocarem, nesse balanço,peças de jogos de montar, pe<strong>da</strong>ços de papel e ro<strong>da</strong>s de carrinho.Na cena abaixo, Letícia (2 anos e 7 meses), um menino (1 ano e 8meses), outro menino (1 ano e 6 meses) e uma menina (2 anos e 1 mês) enrolam edesenrolam o tapete. No primeiro dia com esse grupo, essa foi uma <strong>da</strong>s primeiras


99ações que eu percebi. Nos dias seguintes, percebendo eles enrolarem um tapetemenor e sair com ele pelos braços, a servente, vendo que eu os fotografava,comentou que, quando vai limpar a sala e as crianças estão por ali, as chama paraenrolarem o tapete – acredita que foi assim que elas aprenderam a enrolá-lo.Esta sala (do Berçário II) é a que possui mais brinque<strong>dos</strong>. O cercado debebês – onde a maioria <strong>dos</strong> brinque<strong>dos</strong> permanece guar<strong>da</strong>do – torna-se um lugarque “transbor<strong>da</strong>” bonecas, ursos, bolas, carrinhos e motocas.Além de enrolarem os tapetes, puxarem cobertores e lençóis <strong>dos</strong> berços edeitarem embaixo <strong>da</strong> banca<strong>da</strong> <strong>da</strong> pia, as crianças desse grupo costumam estaracompanha<strong>da</strong>s de algum brinquedo. Também exercitam a cultura de pares, poischamam, a todo o momento, os colegas – e então conversam, se tocam, trocambrinque<strong>dos</strong> e riem.Maria Isabella (2 anos e 3 meses)puxando um carrinho.


100Diferentemente do Berçário II, as crianças do Maternal I têm osbrinque<strong>dos</strong> guar<strong>da</strong><strong>dos</strong> em caixas, que ficam no alto de uma estante de madeira.Elas só podem pegá-los com o auxílio e, principalmente, com a autorização <strong>da</strong>sprofessoras. Nessa sala há mais brinque<strong>dos</strong> do que no Berçário I e menos do que oBerçário II 45 . Enquanto eles ficam guar<strong>da</strong><strong>dos</strong> no alto, as crianças se divertem naprateleira baixa <strong>da</strong> estante, já que na<strong>da</strong> é colocado ali, talvez com o propósito denão deixar ao alcance delas.45 Visando assegurar o direito <strong>da</strong>s crianças ao acesso diversificado de brinque<strong>dos</strong>, e numa quanti<strong>da</strong>desatisfatória, caberia, por exemplo, pensar em fazer um rodízio de brinque<strong>dos</strong> entre as salas.


101Como no Berçário I e II, estas também descobrem espaços quegeralmente estão ocultos aos nossos olhos.


102De acordo com Leite (1998), outra forma de perceber o significado <strong>da</strong>doao processo de criação infantil é refletirmos não só sobre os espaços “cria<strong>dos</strong>” pelascrianças, mas também sobre aqueles “oficializa<strong>dos</strong>” pela instituição, como os murais.Estes são, geralmente, organiza<strong>dos</strong> e construí<strong>dos</strong> pelos adultos e expostos nassalas e corredores <strong>da</strong>s instituições de educação infantil. A participação <strong>da</strong>s crianças,tanto na disposição <strong>dos</strong> móveis quanto no que é exposto nas paredes, éfun<strong>da</strong>mental, portanto, não podemos ignorar algumas questões, como: se aprodução exposta teve participação de to<strong>dos</strong> ou somente <strong>da</strong> professora; se ascrianças se identificam com o mural ou se ele foi elaborado desconsiderando seus


103interesses; se a identi<strong>da</strong>de individual ou do grupo foi preserva<strong>da</strong>; e se o grupopercebe as imagens como significativas ou desinteressantes.Assim sendo, no retorno ao CEIM, nesse segundo momento <strong>da</strong> pesquisa,procurei observar, entre outras coisas, o que havia sido modificado nas paredes equal a relação <strong>da</strong>s crianças com as produções expostas, as quais a análise doespaço, apresenta<strong>da</strong> no item 3.1, aponta que foram to<strong>da</strong>s construí<strong>da</strong>s e pensa<strong>da</strong>spor adultos.Dentro <strong>da</strong>s salas, eu observei poucas modificações. Os painéis ain<strong>da</strong>permaneciam os mesmos e nos mesmos lugares. A maioria <strong>da</strong>s colagens no chãoou na parede à altura <strong>da</strong>s crianças (entre fotos delas, carimbo de seus pés comguache e quadra<strong>dos</strong> colori<strong>dos</strong>), que estavam somente no Berçário II e no Maternal I,foram, em parte, arranca<strong>da</strong>s. No Maternal I eu percebi dois momentos <strong>da</strong>s criançasinteragindo com elas. No primeiro, elas estavam senta<strong>da</strong>s na parede esperando oscolegas que estavam acor<strong>da</strong>ndo e colocando os calça<strong>dos</strong> para irem ao hall tomarcafé.No segundo momento, Eduar<strong>da</strong> (2 anos e 11 meses), uma menina (2anos e 7 meses) e Henrique (3 anos) se colocaram no chão e puseram-se aescolher os desenhos <strong>dos</strong> pés. Diziam um para o outro: Este é meu!


104As propostas pe<strong>da</strong>gógicas expostas nas paredes tentam igualar ascrianças quando, pelas suas ações, elas revelam sua heterogenei<strong>da</strong>de. Segundo aprofessora do Maternal I, essas produções, com pouca ou nenhuma participação<strong>da</strong>s crianças, são as mais aceitas pelos pais e servem de parâmetro para serconsidera<strong>da</strong> uma boa professora tanto por eles quanto pela direção <strong>da</strong> instituição.Durante essa fala, ela entregou para as crianças um desenho de sapopara pintarem com guache. Antes perguntou às crianças qual era a cor do sapo eofereceu apenas guache verde para elas pintarem. Enquanto pintavam, outraprofessora desenhava um sapo num papel kraft para acompanhar a exposição.


105Para Moreira (2002, p. 15), enquanto desenha, “a criança cria em torno desi um espaço de jogo”. Cala<strong>da</strong>, contando histórias, cantando ou tecendocomentários, constitui-se “sempre um espaço de criação”. Ao desenhar, a criançaestá brincando e registrando. De acordo com o momento histórico, relata comopercebe o mundo, fala de si e de sua família. Portanto, ao desconsiderarmos osdesenhos <strong>da</strong>s crianças, rasgá-los ou amontoá-los em algum armário, estamosextinguindo sua história. Leite (1998, p. 140) afirma que “o desenho infantil tem, nãopelos seus resulta<strong>dos</strong>, mas por seu processo constitutivo, papel fun<strong>da</strong>mental nacompreensão e na análise crítica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de por parte <strong>da</strong> criança”. Ain<strong>da</strong> nessaperspectiva, os desenhos, que já foram mimeografa<strong>dos</strong> e hoje costumam serfotocopia<strong>dos</strong> ou anexa<strong>dos</strong> em apostilas, se configuram em não desenhos, poisretiram <strong>da</strong>s crianças sua expressão autônoma, além de inibirem o pensamentoabstrato. (OSTETTO, 2009).E o que expomos nas paredes? De que modo ampliar o acervo imagético<strong>da</strong>s crianças se apresentamos somente desenhos estereotipa<strong>dos</strong>? Afinal, o que estánas paredes não são imagens neutras, mas cheias de significa<strong>dos</strong>, que comunicam,formam e revelam uma postura pe<strong>da</strong>gógica. É preciso refletir o quanto nos parececomum encontrarmos nas instituições de educação infantil um padrão de imagens


106advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> cultura de massa, com olhar acrítico e opaco, impedindo a inserção doartístico e um olhar mais complexo para as coisas do mundo.Se pensássemos mais na participação <strong>da</strong>s crianças e em apreciar suasinvenções, o ambiente seria tratado de outra maneira: “As paredes e os pisos seriamconstruí<strong>dos</strong> de modo a comportar desenhos e frases de crianças em diferentesi<strong>da</strong>des, talvez laváveis ou para receber muitas cama<strong>da</strong>s sucessivas de tinta.” (LIMA,1989, p. 59). Ao planejarmos um espaço que favoreça a participação e asmanifestações infantis, a autora considera que a criança terá oportuni<strong>da</strong>de de deixarsuas marcas, tanto pelos desenhos, quanto pelas cores, iniciando um exercício de“transformação do seu mundo”.4.2 A construção de autonomia infantil nas relações observa<strong>da</strong>sA autonomia costuma ser muito referi<strong>da</strong> como um <strong>dos</strong> objetivos <strong>da</strong>educação infantil, mas para Silva e Sperg (1999, p. 66) a alusão ao termo égeralmente desampara<strong>da</strong> de significa<strong>dos</strong>. Segundo as autoras, não há somente umabase teórica, são diferentes referências contextualiza<strong>da</strong>s em distintas teorias. Comauxílio de “paradigmas clássicos <strong>da</strong> ciência psicológica”, elas trazem algumasexplicações: o paradigma behaviorista explica autonomia por meio <strong>dos</strong>comportamentos, como a toma<strong>da</strong> de iniciativa e as ações de uma criança semauxílio de um adulto ou de uma criança maior; o paradigma psicodinâmico afirmaque a autonomia se trata de um desenvolvimento gradual <strong>da</strong> “dependência paraindependência”; e o paradigma cognitivista, na abor<strong>da</strong>gem construtivista, asseguraque a criança constrói autonomia à medi<strong>da</strong> que se desenvolve e interage com o


107meio no qual está inseri<strong>da</strong>. Este último apoia-se na teoria de Piaget 46 quando o autorfala em duas tendências morais, já pensa<strong>da</strong>s por Kant 47 , que são a heteronomia e aautonomia. A primeira diz respeito às regras determina<strong>da</strong>s por uma socie<strong>da</strong>de eimpostas aos indivíduos; a segun<strong>da</strong> se refere ao princípio moral individual,independente <strong>da</strong>s determinações externas. Embora para Kant a moral seja inata,Piaget acredita que ela é construí<strong>da</strong> a partir do desenvolvimento <strong>da</strong> criança com ainterferência <strong>da</strong>s relações sociais.No dicionário de filosofia de Abbagnano (2007, p. 111), o conceito deautonomia é apresentado a partir do pensamento de Kant, para mencionar “aindependência <strong>da</strong> vontade em relação a qualquer desejo ou objeto de desejo e a suacapaci<strong>da</strong>de de determinar-se em conformi<strong>da</strong>de com uma lei própria, que é a <strong>da</strong>razão”. É uma prática <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de na qual o indivíduo, segundo esse autor, tem umprincípio em si e cria suas regras de ação.Martins (2002, p. 224) descreve autonomia como palavra que vem dogrego autogoverno, governar-se a si próprio. Nesse sentido, ela apresenta o termono contexto de um debate moderno que retoma “o processo dialógico de ensinarcontido na filosofia grega, que preconizava a capaci<strong>da</strong>de do educando de buscarresposta às suas próprias perguntas, exercitando, portanto, sua formaçãoautônoma”.Dessa forma, pensar na estrutura de um espaço que favoreça açõesautônomas <strong>da</strong>s crianças requer um planejamento no qual não basta um bommobiliário, uma varie<strong>da</strong>de de brinque<strong>dos</strong> ou os melhores materiais pe<strong>da</strong>gógicos seas salas não estão organiza<strong>da</strong>s de forma a promover interações e experiênciasdiversas volta<strong>da</strong>s à independência e à escolha. Percebemos a diferença ao nos46 PIAGET, J. O julgamento moral <strong>da</strong> criança. Rio de Janeiro: Mestre Jou, 1977.47 KANT, I. Fun<strong>da</strong>mentação <strong>da</strong> metafísica <strong>dos</strong> costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1974.


108deparamos com uma sala onde há armários altos e chavea<strong>dos</strong>, em que não hámaterial ao alcance <strong>da</strong>s crianças, indicando que suas ações são dependentes doadulto; e uma onde há estantes baixas e os brinque<strong>dos</strong>, jogos e demais materiaisestão à disposição <strong>dos</strong> pequenos – o que contribui para o desenvolvimento <strong>da</strong>autonomia, <strong>da</strong>ndo à criança o direito de escolher suas brincadeiras e pegarlivremente um objeto, sem auxílio do professor.Pensando na formação de sujeitos capazes de tomar suas própriasdecisões, Faria (2005a, p. 78-79) indica que podemos planejar os espaços deeducação infantil partindo do pressuposto de que a “criança é capaz de múltiplasrelações”. Assim, organizaremos “ambientes de vi<strong>da</strong> em contexto educativo” quefavoreçam a investigação, a interação e a possibili<strong>da</strong>de de escolhas autônomas.Portanto, nas instituições de educação infantil é primordial a apresentação de umespaço que permita a participação <strong>da</strong>s crianças, contribuindo para a impressão desua cultura, de suas marcas e para a conquista de sua autonomia. Agostinho (2003,p. 134) afirma que onde as crianças convivem, elas registram “sua forma de pensare seus desejos”. Por meio de suas ações também percebemos que elas sugeremque esses espaços são eminentemente lugares de encontro. Gandini (1999, p. 151)corrobora por pensar na importância do desenvolvimento social e sua ligação diretacom o desenvolvimento cognitivo, o que deman<strong>da</strong> a construção de um espaço quefavoreça “encontros, interações e intercâmbios” entre as crianças.Batista (1998), por sua vez, indica que o uso do tempo e do espaçomuitas vezes não corresponde com o que é experimentado e vivido pelas crianças.Ain<strong>da</strong> que em uma instituição de educação infantil exista uma relação hierárquica doadulto sobre a criança, na qual esta é obriga<strong>da</strong> a cumprir normas e limitar-se a rotinaplaneja<strong>da</strong>, elas conseguem, muitas vezes, ludibriar o estabelecido e o imposto,


109demonstrando que reconhecem as regras e o local de onde participam – e, assim,fazem opções, escolhas. Corsaro (2009, p. 31) acredita nessa postura <strong>da</strong>s criançasao afirmar que sua participação é uma “reprodução interpretativa”, uma vez que, emsuas culturas de pares, satisfazem seus anseios e interesses obtendo <strong>da</strong><strong>dos</strong> domundo adulto. Nesse caso, não se trata de uma apropriação passiva, mas de umacompreensão de que a criança modifica e cria sua cultura por meio dessa interaçãosocial.Entretanto, com referência à construção <strong>da</strong> autonomia infantil nasrelações presentes nessa instituição, apresento minhas observações desde omomento de minha chega<strong>da</strong>, que ocorria por volta de 12h40. De acordo com a rotina<strong>da</strong> instituição, por volta <strong>da</strong>s 10h40 as professoras colocam to<strong>da</strong>s as crianças paradormir, portanto, no momento em que eu chegava, além de acompanhar a saí<strong>da</strong> dogrupo que trabalha no período matutino e a entra<strong>da</strong> do grupo do período vespertino,eu observava o momento do sono <strong>da</strong>s crianças. No Berçário I, à medi<strong>da</strong> queacor<strong>da</strong>m, elas são coloca<strong>da</strong>s em um colchão 48 e ali se espreguiçam e aguar<strong>da</strong>m atéque to<strong>dos</strong> os colegas acordem. Algumas crianças ain<strong>da</strong> são coloca<strong>da</strong>s no bebêconforto ou no balanço suspenso. Há respeito pelas crianças que não queremdormir, e elas costumam ficar no colchão aos cui<strong>da</strong><strong>dos</strong> <strong>da</strong> professora para que nãofaçam barulho, pois os colegas que dormem podem acor<strong>da</strong>r.Diferentemente do Berçário I, onde to<strong>dos</strong> dormem em berços, no BerçárioII alguns dormem em colchonetes. Segundo as professoras, não há berço parato<strong>da</strong>s as crianças, mas desconsideram que poderiam aproveitar mais dois que sãoutiliza<strong>dos</strong> como depósito de brinque<strong>dos</strong>, de cadeiras e de suas bolsas pessoais.Como no Berçário I, as professoras do Berçário II cui<strong>da</strong>m <strong>da</strong>s crianças que acor<strong>da</strong>m48 Refiro-me a um colchão quadrado e grande que fica no chão, próximo a uma coluna. De acordocom as professoras, o colchão é importante para colocar os pequenininhos, que ain<strong>da</strong> nãocaminham.


110primeiro para que não despertem quem está dormindo. Quem dorme emcolchonetes tem a vantagem de levantar e caminhar pela sala, embora asprofessoras tentem pedir que elas fiquem senta<strong>da</strong>s. Mas, quem está no berço, devepermanecer até que to<strong>dos</strong> acordem e chegue o momento <strong>da</strong> mamadeira, queacontece somente às 13h30. De acordo com a professora, se ela retirar do berçoquem acor<strong>da</strong>, enquanto a maioria está dormindo, as que acor<strong>da</strong>ram vão até osberços e despertam seus colegas.A maioria <strong>da</strong>s crianças espera no berço, umas preferem ficar em silêncio(senta<strong>da</strong>s, deita<strong>da</strong>s ou em pé) e outras choram e estendem as mãos indicando quepreferem sair <strong>da</strong>li, mas a professora relembra-os que devem esperar. Quem está emberços encosta<strong>dos</strong> na parede costuma esperar observando as professoras, e oscolegas que estão nos colchonetes e se movimentando pela sala – estes algumasvezes se aproximam de quem está no berço e levam algum brinquedo para ocolega. Quem está em um <strong>dos</strong> berços que ficam encosta<strong>dos</strong> próximos à janela temmais uma opção: espiar a rua pelas frestas <strong>da</strong> basculante.Na cena a seguir, na sala do Berçário II, Letícia (2 anos e 7 meses)estava dormindo no colchonete, havia acor<strong>da</strong>do e caminhava pela sala. Ela pegouum urso, jogou-o no chão, foi até Maria Eduar<strong>da</strong> (2 anos e 1 mês), que estava noberço e acabara de acor<strong>da</strong>r, e lhe entregou uma boneca.


111Por meio dessas observações, percebo que, no Berçário II, o cui<strong>da</strong>do <strong>da</strong>sprofessoras para que as crianças que acordem não façam barulho e permaneçam àespera do momento <strong>da</strong> mamadeira – que para Letícia (2 anos e 7 meses) e MariaEduar<strong>da</strong> (2 anos e 1 mês) significou, nesse momento, uma espera de 50 minutos –não intimi<strong>da</strong> as crianças a se comunicarem, pegarem brinque<strong>dos</strong>, rirem e seaproximarem. Algumas ações <strong>dos</strong> pequeninos demonstram desprendimento aoadulto que está por perto e que possivelmente lhe chamará a atenção e impedirásua atuação. Isso não ocorre tão facilmente no Berçário I, uma vez que conseguemevitar esse movimento que acontece no Berçário II, pois algumas crianças ain<strong>da</strong> nãocaminham. As professoras conseguem fazer com que os pequenininhos queacor<strong>da</strong>m permaneçam por mais tempo senta<strong>dos</strong>.No Berçário II, enquanto a maioria <strong>da</strong>s crianças dorme, Letícia (2 anos e 7meses) pega um edredom, estende no chão, coloca um urso de pelúcia e oembrulha. Depois o carrega nos braços e, novamente, vai até Maria Eduar<strong>da</strong> (2anos e 1 mês).


112Bryan (2 anos), que dormia no berço ao lado de Maria Eduar<strong>da</strong> (2 anos e1 mês), acabara de acor<strong>da</strong>r. Letícia (2 anos e 7 meses), que dormiu no colchonete,está caminhando pela sala. Ela já levou uma boneca para Maria Eduar<strong>da</strong> e agora seaproxima de Bryan, pega seu sapato e pergunta ao colega se ele quer colocar.Bryan pega seus sapatos de volta, deita no berço e Letícia o observa, enquantoMaria Eduar<strong>da</strong> espia pela janela.


113Letícia (2 anos e 7 meses) decide voltar ao colchonete, mas no caminhopega novamente o urso de pelúcia que está no chão e se aproxima de Maria Isabella(2 anos e 3 meses) convi<strong>da</strong>ndo-a para acompanhá-la. Maria Isabella prefere voltar adeitar. Então Letícia observa uma bola embaixo de um berço, chama a atenção desua colega e vai à busca <strong>da</strong> bola. Maria Isabella, ain<strong>da</strong> deita<strong>da</strong>, vira para o outrolado, Letícia se aproxima de seu ouvido e fala: “A bola, a bola!”


114Em segui<strong>da</strong>, ela observa Bryan (2 anos) e Maria Eduar<strong>da</strong> (2 anos e 1mês), que estão no berço à espera do horário <strong>da</strong> mamadeira e são as únicascrianças acor<strong>da</strong><strong>da</strong>s, considerando que Maria Isabella (2 anos e 3 meses) ain<strong>da</strong>prefere dormir. Letícia (2 anos e 7 meses) entrega a bola a Bryan e retira do berçoos bonecos, o edredom e os sapatos de seu colega. O menino, por sua vez,enquanto segura a bola, aponta para a colega os objetos a serem retira<strong>dos</strong> e depoislevanta e chuta a bola pelo berço.


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116Prado (1998, p. 14) afirma que “reconhecer esta complexi<strong>da</strong>de ecriativi<strong>da</strong>de” <strong>da</strong>s crianças pequenininhas é compreender seu direito “à própriainfância e à brincadeira livre, espontânea”. Segundo a autora, essa compreensãonos leva a perceber as crianças pequenas como protagonistas.Na cena seguinte, Maria Eduar<strong>da</strong> (2 anos e 1 mês), que acabara de puxara toalha que estava pendura<strong>da</strong> na janela, cobriu-se com ela. Bryan (2 anos) ain<strong>da</strong>joga a bola pelo berço, até pensar numa outra possibili<strong>da</strong>de: ficar em pé em cima <strong>da</strong>bola. Maria Eduar<strong>da</strong> o observa enquanto ele sobe e desce <strong>da</strong> bola – eles se olham eriem, se tocam. Maria Eduar<strong>da</strong> tenta empurrá-lo até que ele decide jogar a bola parafora do berço.


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118As ações <strong>da</strong>s crianças do Berçário II, apresenta<strong>da</strong>s até aqui, ocorreramno momento do sono. Embora o espaço não favoreça, elas se movimentamautonomamente pela sala. Atitudes e oportuni<strong>da</strong>des como essas influenciam naconstrução <strong>da</strong> autonomia <strong>da</strong>s crianças. Porém, pouco acontece no Berçário I, comojá descrito anteriormente; tampouco no Maternal I, onde as ações <strong>da</strong>s criançasdurante esse horário são mais limita<strong>da</strong>s, sendo to<strong>dos</strong> obriga<strong>dos</strong> a dormir oupermanecer deita<strong>dos</strong> até 13h30, momento do café 49 .A sala do Maternal I é diariamente organiza<strong>da</strong> para o momento do sono.Não há berços, to<strong>dos</strong> dormem em colchonetes que, quando guar<strong>da</strong><strong>dos</strong>, ficamempilha<strong>dos</strong> em cima de uma mesa, no fundo <strong>da</strong> sala. Enquanto as criançasalmoçam, uma professora organiza os colchonetes, colocando-os um ao lado dooutro e formando duas fileiras.49 Há na instituição um lactário para o Berçário I e o Berçário II. Ás 13h30 servem mamadeira para ascrianças. O Maternal I, que fica no an<strong>da</strong>r de cima, junto com o Maternal II e Jardins I, II e III, éatendido pelas merendeiras <strong>da</strong> cozinha, que às 13h30 servem, geralmente, café com bolo.


119Conforme dizem as professoras, dificilmente alguma criança não dorme,mas se ficam acor<strong>da</strong><strong>da</strong>s, devem permanecer deita<strong>da</strong>s no colchonete. À medi<strong>da</strong> quevão acor<strong>da</strong>ndo, lhes é imposto que fiquem em silêncio, ain<strong>da</strong> deita<strong>dos</strong>.Davi (3 anos e 5 meses), Júlia (2 anos e 11 meses), Clara (3 anos e 6meses) e Emily (3 anos e 3 meses) despertam e ficam por mais de 30 minutosdeita<strong>dos</strong> aguar<strong>da</strong>ndo os colegas acor<strong>da</strong>rem e seguirem para o café.xO momento do sono geralmente marca, para Coutinho (2002), o tempomais ritualizado nas instituições de educação infantil. E, na organização <strong>da</strong> rotina,


120ocorre muitas vezes uma repetição de “ações do dia a dia”, que reproduz umasequência constante e tediosa <strong>da</strong> organização do tempo-espaço. Além de impormomentos de espera, essa estrutura nega autonomia às crianças, já que não podemagir “sem a direção formal e o controle do adulto” (BATISTA, 1998, p. 52). Essemovimento de rotina se configura, segundo a autora, como homogêneo,considerando que to<strong>dos</strong> dormem ao mesmo tempo e do mesmo modo. Assingulari<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s crianças são minimiza<strong>da</strong>s pelas ações invariáveis, que tambémocorrem em outros momentos, como durante a alimentação e a higiene. Aimportância <strong>da</strong> rotina no sentido de organizar, estruturar o dia com as crianças eorientá-las no tempo-espaço não indica que ela necessite ser rígi<strong>da</strong> e imutável, pelocontrário, deve ficar aberta às possíveis eventuali<strong>da</strong>des que surgirão ou, então, setornará uma ação automática. (WARSCHAUER, 1993). Também podemos organizara rotina seguindo o que nos recomen<strong>da</strong> Faria (2005b, p. 128): “desorganizar otempo e o espaço do mundo adulto, organizando-o para que as crianças produzamas culturas infantis, para que as crianças sejam crianças”.Referente à educação de crianças até 3 anos, Guimarães (2008, p. 2)aponta que muitas respostas, especificamente no Referencial Curricular Nacionalpara a Educação Infantil (R.C.N.E.I.), indicam as ações indissociáveis de educar ecui<strong>da</strong>r como principais na educação de crianças nessa faixa etária. No entanto, aferea autora, educar e cui<strong>da</strong>r se tornam duais quando o primeiro é compreendido como“instruir ou ensinar” e o segundo como “<strong>da</strong>r conta <strong>da</strong> rotina”. Segundo Kuhlmann Jr.(2005, p. 60), educar e cui<strong>da</strong>r são especiali<strong>da</strong>des que surgiram <strong>da</strong> palavra inglesaeducare, que recentemente foi adota<strong>da</strong> no Brasil. Na proposta do R.C.N.E.I., diz oautor, já encontramos uma desarticulação com seu ver<strong>da</strong>deiro sentido,segmentando-o, pois, ao traduzirmos a palavra inglesa, devemos manter a trama


121entre educar e cui<strong>da</strong>r, portanto “adotar essa caracterização como se fosse um <strong>dos</strong>jargões do modismo pe<strong>da</strong>gógico esvazia seu sentido e repõe justamente o opostodo que se pretende”. Diante dessa afirmação, apresento as palavras de Kohan(2004, p. 8-9) ao sugerir que:Talvez possamos deixar de nos preocupar tanto em transformar as criançasem algo distinto do que são, para pensar se acaso não seria interessanteuma escola que possibilitasse às crianças, mas também aos adultos,professoras, professores, gestores, orientadores, diretores, enfim, a quemseja, encontrar esses devires minoritários que não aspiram a imitar na<strong>da</strong>, amodelar na<strong>da</strong>, mas a interromper o que está <strong>da</strong>do e propiciar novos inícios.[...] Não se trata de nos infantilizarmos, de voltarmos à nossa tenra infância,de fazer memória e reescrever nossa biografia, mas de instaurar um espaçode encontro criador e transformador <strong>da</strong> inércia escolar repetidora domesmo.No primeiro dia em que eu estive com o grupo do Maternal I ocorreu algono horário do sono que pareceu ser aceitável somente pela minha presença. Emily(3 anos e 3 meses) e Júlia (2 anos e 11 meses), enquanto aguar<strong>da</strong>vam algunscolegas acor<strong>da</strong>rem, resolveram subir nas mesas que guar<strong>da</strong>m os colchonetes. Umamenina (2 anos e 8 meses) e Clara (3 anos e 6 meses) resolveram acompanhá-las.


122Eu já havia entendido, durante os 40 minutos que estava ali, que asmeninas deveriam voltar para o colchonete e permanecerem deita<strong>da</strong>s, mas antesque a professora as chamasse, eu me aproximei e perguntei se poderia fotografálas.Diante do sim <strong>da</strong>s meninas e pela minha posição de “fotógrafa pesquisadora”,as professoras permitiram, por aproxima<strong>da</strong>mente dois minutos, que eu asfotografasse. Mas logo aconteceu o previsto: as meninas precisaram voltar para ocolchonete.Exatamente às 13h30 a professora chama as crianças e pede que elascoloquem seus chinelos 50 e fiquem senta<strong>da</strong>s na parede, embaixo do quadro de giz.Quem está dormindo precisa acor<strong>da</strong>r, pois, durante o café, os colchonetes sãonovamente guar<strong>da</strong><strong>dos</strong>. As crianças fazem fila para irem até o hall, que fica em frentea sua sala, tomar o café.Por meio desse relato, penso nas ações pe<strong>da</strong>gógicas que não permitem aexpressão <strong>da</strong>s crianças em suas singulari<strong>da</strong>des, dificultando seu sentimento depertencer a um lugar em que elas convivem por longas horas, to<strong>dos</strong> os dias. Junto aessa atitude, geralmente está a postura de padronizar as crianças por meio <strong>da</strong>sproposições pe<strong>da</strong>gógicas, ocultando suas especifici<strong>da</strong>des (COUTINHO, 2002).50 Observei o cui<strong>da</strong>do que as professoras têm se o tempo está quente. Embora as crianças pudessemfazê-lo, as professoras retiram suas meias, colocam no tênis e guar<strong>da</strong>m na mochila, de onde retiramos chinelos e colocam aos pés do colchonete. Isso ocorre enquanto algumas crianças ain<strong>da</strong> dormem.Como saem cedo de casa, costumam vir calça<strong>da</strong>s com tênis, mas, com a chega<strong>da</strong> do verão, tambémtrazem chinelos.


123Além do momento do sono – que envolve a estrutura <strong>da</strong> rotina <strong>da</strong>instituição –, para compreender se as relações favorecem a autonomia, eu tambémobservei a disposição <strong>dos</strong> materiais, principalmente se estão ou não ao alcance <strong>da</strong>scrianças.O Berçário II é um grupo privilegiado quando eu observo os brinque<strong>dos</strong>que existem na sala e que estão à disposição <strong>da</strong>s crianças. Embora alguns estejamguar<strong>da</strong><strong>dos</strong> dentro ou em cima <strong>dos</strong> armários, muitos ficam dentro do cercado debebês, facilitando o alcance <strong>da</strong>s crianças. Quem não consegue alcançar, na maioria<strong>da</strong>s vezes, chama a professora para auxiliar.


124Maria Eduar<strong>da</strong> (2 anos e 1 mês) foi buscar a almofa<strong>da</strong> de sapo para sentar notapete junto com a professora e seus colegas.Já no Berçário I, além de não haver brinque<strong>dos</strong> ou objetos que fiquem àdisposição <strong>da</strong>s crianças, as que não caminham são trata<strong>da</strong>s com a preocupação deserem coloca<strong>da</strong>s em algum espaço para que possam sentar, observar ousimplesmente “ficar ali”. São coloca<strong>dos</strong> no bebê conforto, no an<strong>da</strong>dor ou no balançosuspenso. Às vezes ficam por mais de uma hora, até que uma professora peguepara trocar a fral<strong>da</strong> ou <strong>da</strong>r mamadeira. Quem fica no balanço suspenso observa ogrupo, brinca com o balão ou o chocalho que as professoras prenderam nas lateraisou espera que alguém passe para balançá-lo – o que nem sempre é um adulto, poisalgumas crianças tentam alcançar os colegas, mesmo que seja pelos pés.Lucas P. (11 meses), nesse dia,ficou por mais de uma hora sentadono balanço suspenso.Quem fica no bebê conforto muitas vezes recebe um colega que vemembalá-lo, tirar sua chupeta ou simplesmente ficar lhe observando.


125Quem é colocado no an<strong>da</strong>dor tem a opção de correr pela sala e seaproximar do espaço ou do colega que desejar, porém, sente dificul<strong>da</strong>de nomomento de pegar algum objeto ou brinquedo, pois o espaço de proteção doan<strong>da</strong>dor limita os braços <strong>dos</strong> pequenininhos. Lucas P. (11 meses) disputava umobjeto (um pote vazio de lenço umedecido) com Sofia (1 ano e 2 meses), mas elemal o alcançava. Às vezes quase arrancava <strong>da</strong>s mãos <strong>da</strong> colega, mas quando Sofiadecidiu soltar o pote, ela o jogou no chão. Lucas resolveu pegar, mas a situaçãopiorou, pois suas mãos ficaram mais distantes – ele tentou, mas como nãoconseguiu, resolveu desistir.Sofia (1 ano e 2 meses) embalandoCaio (8 meses).As crianças que não são dependentes <strong>da</strong> professora para se deslocar deum espaço ao outro, ou seja, as que já caminham, não deixam de se aproximar ecriar outras possibili<strong>da</strong>des com o balanço:Ricardo (1 ano e 7 meses).Com o an<strong>da</strong>dor, novamente Ricardo (1 ano e 7 meses), utilizando-oprimeiramente para subir e tentar pegar a moto que está dentro do berço, junto comtrês bebês conforto e um colchonete.


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127Diferentemente do Berçário II, onde as crianças alcançam muitosbrinque<strong>dos</strong> que ficam guar<strong>da</strong><strong>dos</strong> no cercado de bebês 51 , neste grupo as criançassão totalmente dependentes <strong>dos</strong> adultos para pegar qualquer objeto. Nos dias emque eu acompanhei essa turma, apenas uma vez vi alguém retirar muitosbrinque<strong>dos</strong> do cercado e entregar às crianças:51 O Berçário II tem muito mais brinque<strong>dos</strong> que o Berçário I, portanto as crianças alcançam o que ficaem cima, pois conseguem puxar. Ao contrário, no Berçário I, os brinque<strong>dos</strong> estão até a metade docercado e isso impede que os pequenininhos alcancem qualquer objeto.


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129No Maternal I, eventualmente uma criança arrisca pegá-los no alto <strong>da</strong>estante.Clara (3 anos e 6 meses) tentando pegar um brinquedo. Nesta sala elesficam em caixas, guar<strong>da</strong><strong>dos</strong> no alto <strong>da</strong> estante.Outras ações de movimento autônomo <strong>da</strong>s crianças foram por mimobserva<strong>da</strong>s, no Maternal I, quando elas resolveram espiar a chuva pela janelabasculante, a qual, além de ficar fora do alcance de seu olhar, possui vidroscanela<strong>dos</strong>. Mas, mesmo assim, elas criam alternativas.


130Artur (3 anos e 6 meses) observando a chuva.Na situação a seguir, chovia mais forte e trovejava, enquanto algumascrianças ficavam próximas <strong>da</strong> professora e outras até choravam, uma menina (2anos e 8 meses), Tamiris (2 anos e 10 meses) e outra menina (2 anos e 7 meses)tentavam observar o que acontecia lá fora.Kramer (1994, p. 74) nos faz lembrar que o trabalho pe<strong>da</strong>gógico aconteceem todo espaço institucional, como também fora dele, e que, para consoli<strong>da</strong>r osobjetivos pe<strong>da</strong>gógicos propostos, “pressupostos teóricos sóli<strong>dos</strong>” não bastam se nãohouver uma boa articulação com os materiais disponíveis e a organização de todoespaço. Se o planejamento tem como meta promover autonomia, critici<strong>da</strong>de ecriativi<strong>da</strong>de, ele requer um espaço organizado pela/para criança, que amplie suasinterações, suas brincadeiras e que desperte curiosi<strong>da</strong>de. Lima (1989, p. 13) afirmaque as crianças se relacionam com o mundo e com outras pessoas por meio doespaço físico. Desse modo, o espaço se qualifica, “deixa de ser apenas um materialconstruído ou organizado para se embeber <strong>da</strong> atmosfera que as relações aju<strong>da</strong>m aestabelecer”.


131Evidentemente, ao organizar os espaços, os professores o fazem deacordo com sua concepção de infância e com seu conhecimento sobre odesenvolvimento infantil, confiando na sua prática. Muitos, sem perceber, organizamo espaço a seu favor, sem reconhecer que estão dificultando seu trabalho elimitando o desenvolvimento <strong>da</strong>s crianças. Assim, quando nos depararmos com umasala onde os armários são altos e chavea<strong>dos</strong>, os brinque<strong>dos</strong>, jogos, tintas e lápisestão fora do alcance <strong>da</strong>s crianças, observaremos o quanto os pequeninos sãodependentes de um adulto que coman<strong>da</strong> to<strong>da</strong>s as ações e, muitas vezes, acreditaestar trabalhando autonomia e facilitando interações (SILVA, 2004).Devemos entender que as características de uma sala de educaçãoinfantil não devem ser desconsidera<strong>da</strong>s, pois sua organização influencia naaprendizagem <strong>da</strong>s crianças, nas suas interações com os colegas, com os objetos,com o professor e com a cultura a sua volta. Portanto, ao estruturar o espaço, deveseconsiderar a criança em suas especifici<strong>da</strong>des, criando um ambiente rico eminterações, criativo, que provoque curiosi<strong>da</strong>de e ofereça vários materiais e desafiosde forma que a criança tenha direito de optar e escolher brincar com os colegas ouindividualmente. Faria (2005b, p. 138) lança o seguinte desafio: “O que nós, comoprofessoras, vamos colocar à disposição <strong>da</strong>s crianças para que elas leiam o mundo,inventem o mundo?”.Nesta instituição, mesmo diante de propostas coordena<strong>da</strong>s pelo adulto,as crianças demonstram movimentos autônomos, como a cena que eu apresentocom o grupo do Maternal I, na qual a professora colocou música para as crianças<strong>da</strong>nçarem: depois de colocar um CD, elas <strong>da</strong>nçaram um pouco e logo resolveramsentar, uma ao lado <strong>da</strong> outra, em cadeiras enfileira<strong>da</strong>s e encosta<strong>da</strong>s em uma <strong>da</strong>sparedes. A professora, então, convi<strong>da</strong> as crianças: Vem, vamos <strong>da</strong>nçar! Elas


132observavam a professora <strong>da</strong>nçar e não respondiam, continuavam senta<strong>da</strong>s. Aprofessora falou: Eu vou desligar o som, vocês não querem <strong>da</strong>nçar. As criançasresponderam em coro: Não, não desliga! A professora ria e não entendia porque nãoqueriam <strong>da</strong>nçar, queriam ficar somente senta<strong>dos</strong> ouvindo a música. Até que Clara (3anos e 6 meses) resolveu retirar a cadeira do lugar e colocá-la no meio <strong>da</strong> sala esentar de frente para a professora. Uma a uma – algumas crianças – foram seguindoa ação de Clara.


133A sequência de fotos também mostra duas professoras apenasobservando a ação <strong>da</strong>s crianças. Nesse dia, as crianças realizaram muitasbrincadeiras com cadeiras e sem intervenção <strong>da</strong>s adultas. Enfileiravam, an<strong>da</strong>vampor cima e depois pulavam; enfileiravam e deitavam; colocavam uma atrás <strong>da</strong> outrae sentavam, sugerindo uma brincadeira de trem ou ônibus. Fortunati (2009, p. 71)denomina esses momentos de “brincadeira livre” e assegura que devemos garantirque eles aconteçam em boa parte do tempo em que as crianças permanecem nainstituição. Compreender a importância dessa ação está diretamente relacionadocom o modo o qual o espaço está estruturado, principalmente pela varie<strong>da</strong>de demateriais e brinque<strong>dos</strong> que estão, ou não, à disposição <strong>da</strong>s crianças. A presença doadulto, embora deva ser constante, não poderá intimi<strong>da</strong>r as escolhas <strong>da</strong>sbrincadeiras, as criações e as invenções protagoniza<strong>da</strong>s pelos pequenininhos. Noentanto, essa prática se faz presente quando o espaço se torna importante diante doplanejamento e o professor compreende, segundo Kishimoto (2005, p. 69-70), que acriança “é ser ativo e construtor de conhecimento”. Desse modo, é possível <strong>da</strong>rcondições para elas participarem de projetos e pensarem sobre as modificações <strong>dos</strong>espaços. A autora pontua que há muitos discursos que não seguem as práticas, poiselas ain<strong>da</strong> revelam-se tími<strong>da</strong>s diante de tantos materiais ofereci<strong>dos</strong> pela natureza.São materiais que podem ir para o espaço interno por meio de sementes, água,folhas (caí<strong>da</strong>s do chão), pedras, caroços de frutas secas, gravetos ou até mesmo


134plantas ornamentais para interiores, mas também podem ser contempla<strong>dos</strong> noespaço externo, onde as crianças podem conviver com a natureza e realizar muitasexperiências, como[...] prestar atenção ao trajeto do avião; observar a formiga que se escondepelas folhas; virar cambalhota ou jogar futebol; se pendurar feitomacaquinho na barra; acenar para o passageiro do metrô; experimentar avertigem e o controle de equilíbrio no gira-gira e a colaboração necessáriana gangorra. (SECRETARIA DO MENOR, 1992, p. 43).A participação nos espaços externos desse CEIM é determina<strong>da</strong> pelafaixa etária <strong>da</strong>s crianças, que frequentam o parque somente a partir do Maternal I.No gramado em frente às salas do Berçário I e II, no primeiro semestre participaramsomente as crianças do Berçário II. As professoras do Berçário I não costumavamsair com as crianças na rua, segundo o relato de uma professora: São muitascrianças, sempre tem que trocar fral<strong>da</strong>, <strong>da</strong>r comi<strong>da</strong>, não sobra tempo para ir à rua.Porém, no final do segundo semestre, ela entrou em licença saúde e sua substitutapassou a levá-las ao gramado em frente às salas ou ao hall de entra<strong>da</strong> <strong>da</strong>instituição. Entretanto, por falta de árvores nesse gramado e com o calor seaproximando, o local mais acessível era o hall. Por ser uma área coberta, nele hámuita sombra, porém, é um espaço com mais concreto do que vegetação. Háapenas uma pequena faixa de grama e no final uma caixa de concreto que guar<strong>da</strong> orelógio que controla a energia. As crianças do Berçário II gostam de ir direto nesselocal. Elas espiam o relógio pelo buraquinho e também jogam pedrinhas e folhasdentro.


135Pelo fato de as professoras não levarem brinque<strong>dos</strong> para esse local ou,quando levam, optarem por apenas um escorregador de plástico ou duas motocaspara todo o grupo, foi no momento de registrar no meu diário de campo que eupercebi, mais uma vez, o quanto as crianças não são passivas pelo pouco que lheoferecem. Elas correm; espiam pela porta de vidro canelado que dá acesso àentra<strong>da</strong> principal do prédio, tentam abri-la e, quando conseguem, correm para dentroaté as professoras chamarem-nas de volta; também tentam subir num pequenotronco de árvore e num banco grande de madeira que fica à disposição para algumadulto sentar; sobem no pequeno muro e espiam, pela grade, o movimento <strong>da</strong> rua,as casas e a igreja; correm até a grade que protege a área em que estão <strong>da</strong> desci<strong>da</strong>para as salas do subsolo e olham para baixo, observam talvez a altura em que estãoou o prédio <strong>da</strong> AMA 52 , que fica ao lado do CEIM; e espiam também a lateral doprédio, que dá visibili<strong>da</strong>de para o parque.52 AMA é a Associação <strong>dos</strong> Amigos <strong>dos</strong> Autistas de Criciúma.


136.Menina (2 anos e 1 mês) espiando pela lateraldo CEIM as crianças brincando no parque.O Maternal I frequenta o parque, um lugar com poucas árvores, que estãoplanta<strong>da</strong>s praticamente nos cantos <strong>dos</strong> muros e, portanto, não chegam a fazersombra nos brinque<strong>dos</strong>, nem mesmo na caixa de areia, local onde as criançasdemonstram gostar muito de ficar. Algumas arriscam ficar no sol, outras tentam ficarna pequena faixa de sombra que faz no horário em que elas estão ali.Próximo à caixa de areia há uma esca<strong>da</strong>ria que liga o parque às salas <strong>dos</strong>ubsolo; entre a esca<strong>da</strong>ria e a caixa há um espaço um tanto quanto perigoso earriscado para as crianças fazerem o que costumeiramente fazem, como: subir,escalar, pendurar e pular.Gabriela (2 anos e 5 meses) tentando subir notronco <strong>da</strong> árvore.


137Agostinho (2003, p. 127) afirma que espaços amplos para as crianças semovimentarem (como o parque) são “ricos em desafios, plurais em suas formas,combatendo a lógica do retilíneo e plano, para que se transformem em lugares parase movimentar em retas e curvas, planos e acidenta<strong>dos</strong>, térreos e altos, chão e ar,reali<strong>da</strong>de e fantasia, no e com o mundo <strong>da</strong>s coisas, <strong>da</strong>s pessoas, <strong>dos</strong> sonhos”.Extrapolando a ideia do parque institucional, a artista plástica Elvira deAlmei<strong>da</strong> (1997, p. 72) defende que projetar parques para uso <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de écomo elaborar “cenários lúdicos”, pois acredita que as crianças, usuárias principais,


138assumem o papel de autoras e atrizes, uma vez que, enquanto se divertem, criaminúmeras “peças encena<strong>da</strong>s”, à medi<strong>da</strong> que se apropriam e exploram esse espaço.Nessa perspectiva, reafirmo um lugar – para as crianças – de autoria,expressão <strong>da</strong>s culturas infantis e que oportuniza interações significativas. Para tanto,é preciso planejar um currículo e praticar uma pe<strong>da</strong>gogia, como afirma Silva (2000),“que celebre e problematize a identi<strong>da</strong>de e as diferenças”. Um espaço em que ascrianças construam a identi<strong>da</strong>de, sem influências reducionistas.4.3 A construção de identi<strong>da</strong>de infantil nas relações observa<strong>da</strong>sPartindo <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> de Hall (2005), conceituar identi<strong>da</strong>de 53 , assim comooutros fenômenos sociais, é uma tarefa complexa se considerarmos que o temaain<strong>da</strong> é pouco desenvolvido e sem definições precisas para a ciência socialcontemporânea. Desde o Iluminismo, o conceito estável de identi<strong>da</strong>de convinha paradefinir nossa essência de seres humanos, considerando o homem um sujeitounificado. Entretanto, os estu<strong>dos</strong> <strong>da</strong> teoria social argumentam que os antigosconceitos de identi<strong>da</strong>de que materializavam o mundo social se fragilizaram diante denovas identi<strong>da</strong>des que hoje dividem o homem – essa mu<strong>da</strong>nça é aponta<strong>da</strong> comocrise de identi<strong>da</strong>de. O sujeito de identi<strong>da</strong>de permanente agora possui váriasidenti<strong>da</strong>des, nem sempre afirma<strong>da</strong>s ou aceitas por ele. Esse movimento, para oautor, lança o homem pós-moderno, um sujeito sem identi<strong>da</strong>de determina<strong>da</strong> ouimutável, mas com formação histórica que indica uma transformação sucessivaconforme as relações e representações <strong>dos</strong> sistemas culturais aos quais participam.53 Sobre identi<strong>da</strong>de, ver: HALL, Stuart. A identi<strong>da</strong>de cultural na pós-moderni<strong>da</strong>de. Rio de Janeiro:DP&A, 2005; SILVA, Tomaz Thadeu <strong>da</strong>; HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn (Orgs.). Identi<strong>da</strong>de ediferença: a perspectiva <strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> culturais. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2000; FERREIRA, Lucia M.A.; ORRICO, Evelyn G.D. (Orgs). Linguagem, identi<strong>da</strong>de e memória social: novas fronteiras, novasarticulações. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.


139Desse modo, podemos assumir diferentes identi<strong>da</strong>des, considerando que dentro denós existem várias delas, muitas vezes contraditórias, mas é o que garante seumovimento constante. Portanto, Hall afirma que é ilusório pensarmos em umaidenti<strong>da</strong>de pronta e fecha<strong>da</strong>, pois o movimento histórico e a multiplici<strong>da</strong>de culturalnos confrontam constantemente, nos possibilitando a identificação com váriasidenti<strong>da</strong>des.Quanto mais a vi<strong>da</strong> social se torna media<strong>da</strong> pelo mercado global de estilos,lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens <strong>da</strong> mídia epelos sistemas de comunicação globalmente interliga<strong>dos</strong>, mais identi<strong>da</strong>desse tornam desvincula<strong>da</strong>s – desaloja<strong>da</strong>s – de tempos, lugares, histórias etradições específicas e parecem “flutuar livremente”. Somos confronta<strong>dos</strong>por uma gama de identi<strong>da</strong>des (ca<strong>da</strong> qual nos fazendo apelos, ou melhor,fazendo apelos a diferentes de nós), dentre as quais parece possível fazeruma escolha. (HALL, 2005, p. 75).A formação de identi<strong>da</strong>de não está apenas no discurso, mas nasexperiências que vivenciamos desde que nascemos, por meio <strong>da</strong> expressão cultural<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de a qual participamos – que é múltipla e ao mesmo tempo simbólica.Assim, ao considerar que nos constituímos na interação com o outro, de formaindividual e coletiva, por meio de relações assimétricas, penso no espaço coletivo<strong>da</strong>s instituições de educação infantil como interlocutor dessas experiências eformador de identi<strong>da</strong>de por meio <strong>da</strong>s histórias que ali são construí<strong>da</strong>s. É um lugarque produz discursos e exala culturas que orientam as crianças a “reconhecer eapreciar a identi<strong>da</strong>de pessoal, enquanto liga<strong>da</strong> às diferenças entre os sexos, etambém a acolher a própria identi<strong>da</strong>de cultural e os valores específicos <strong>da</strong>comuni<strong>da</strong>de de pertencimento” (FARIA (Org.), 1995) diante <strong>da</strong> existência dediferentes culturas.Dessa forma, um espaço de educação se configura em um lugarenvolvido por relações multifaceta<strong>da</strong>s. A educação <strong>da</strong> infância, nas instituições deeducação infantil, revela-se um espaço imprevisível – embora não percebido por


140alguns adultos –, onde as crianças criam seus jeitos próprios de compreender einterpretar o mundo por meio de múltiplas linguagens. O que produzem, não é em si,mas fun<strong>da</strong>mentado no contexto cultural que lhe é apresentado, então “a criançapequena emerge como coconstrutor, desde o início <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, do conhecimento, <strong>da</strong>cultura, <strong>da</strong> sua própria identi<strong>da</strong>de”. (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003, p. 71).Os espaços de educação infantil também possibilitam a construção deidenti<strong>da</strong>de de gênero 54 , um processo que inicia a partir do nascimento <strong>da</strong> criança,fun<strong>da</strong>mentado nos valores culturais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de a que ela pertence, e o qualpercorrerá por to<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. Na família, na comuni<strong>da</strong>de, nas instituições deeducação infantil e demais espaços formais e não formais de educação e formação,as relações, ao diferenciarem meninos e meninas, terão influência direta nessaconstituição. São essas relações que, segundo Scott (apud FINCO, 2008),“fornece[m] um meio de decodificar o significado e de compreender as complexasconexões entre as várias formas de interação humana”.Assim, as relações infantis nessa pesquisa foram revela<strong>da</strong>s a ca<strong>da</strong>momento que eu observava as crianças. Em algumas ocasiões não dei conta defotografar muitas ações que aconteciam ao mesmo tempo, às vezes sem saber paraqual olhar primeiro e outras tentando fotografar pelo menos duas açõessimultaneamente.54 Sobre gênero, ver: FINCO, Daniela. Faca sem ponta, galinha sem pé, homem com homemmulher com mulher: relações de gênero nas brincadeiras numa pré-escola de Campinas. 2004.Dissertação (Mestrado em Educação) – FE-Unicamp, Campinas; COSTA, Arlete de. Cenas demeninas e meninos no cotidiano institucional <strong>da</strong> educação infantil: um estudo sobre as relaçõesde gênero. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universi<strong>da</strong>de Federal de Santa Catarina,Florianópolis; STOLL, Raul Roberto; BERNARDES, Nara Maria Guazzelli. Professoras <strong>da</strong> escolainfantil: práticas e significações a respeito <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> educação sexual. In: Educação. PortoAlegre, 1999. p. 71-105; MAIA, Denise <strong>da</strong> Silva. O conceito de criança na pré-escola: gênero,poder e subjetivi<strong>da</strong>de. 1993. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universi<strong>da</strong>de Federal do RioGrande do Sul, Porto Alegre; LOPES, Zaira de Andradde. Meninas para um lado, meninos paraoutro: um estudo sobre representação social de gênero de educadores de creche.1996. Dissertação(Mestrado em Educação) – Universi<strong>da</strong>de Federal de Mato Grosso, Campo Grande; GOBBI, Marcia.Lápis vermelho é de mulherzinha: relações de gênero, desenho infantil e pré-escola. 1997.Dissertação (Mestrado em Educação) – FE-Unicamp, Campinas.


141Referindo-se à identi<strong>da</strong>de nas relações observas, apresento a cena deLetícia (2 anos e 7 meses), no Berçário II, colocando o urso para dormir. Assimcomo as professoras colocam as crianças no berço, cobrem com uma manta e asembalam no momento de dormir, Letícia faz o mesmo com um urso de pelúcia, mas,no movimento do embalo, ela acaba empurrando-o e, então, resolve <strong>da</strong>r a volta peloberço e arrasta-o, para continuar embalando o boneco e finalmente conseguir cobrilo.No Maternal I, trago cenas <strong>da</strong>s meninas penteado os cabelos umas <strong>da</strong>soutras. Nesse grupo, percebi que as professoras fazem muitos pentea<strong>dos</strong> no cabelo<strong>da</strong>s meninas e, nos dias que eu acompanhei, observei que eventualmente umamenina, ou um grupo de meninas, ficava ao redor <strong>da</strong> professora esperando sua vezpara ser pentea<strong>da</strong>. Mais uma vez, esses mesmos movimentos também acontecem<strong>da</strong>s crianças entre si.


142Emily (3 anos e 3 meses) penteando o cabelo de sua colega Eduar<strong>da</strong> (2 anos e 11meses).Destaco também que no Berçário I observei momentos em que umacriança se aproximava do colega que estava dormindo no colchonete e embalava-o.O mesmo acontecia com quem ocupava o bebê-conforto ou o balanço: logo passavaum amigo para embalá-lo. Também registrei Sofia (1 ano e 2 meses) se abaixaratrás do colega Caio (8 meses) e puxar sua fral<strong>da</strong>, talvez “espiando” se havia cocô,exatamente como as professoras fazem.Carvalho e Rubiano (2001, p. 109) pensam no significado de personalizaro espaço <strong>da</strong> educação infantil para promoção de identi<strong>da</strong>de pessoal. Afirmam queos indivíduos não se veem “soltos no espaço”, mas como pertencentes a umasocie<strong>da</strong>de, vivendo num “momento histórico-social, morando em certos lugares epossuindo certos objetos”. Portanto, a personalização do espaço se refere àsoportuni<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s crianças se expressarem individualmente, levar objetos pessoaispara sala (sua chupeta, mamadeira, travesseiro, boneco ou outro objeto com o qualgostem de dormir abraçado etc.).


143A educação de crianças (meninas ou meninos) – por meio <strong>da</strong>s roupas,<strong>dos</strong> gestos, <strong>da</strong>s músicas, <strong>dos</strong> movimentos, <strong>da</strong>s brincadeiras, <strong>da</strong>s histórias, <strong>dos</strong>sentimentos etc. – é construí<strong>da</strong>, produzi<strong>da</strong> e reproduzi<strong>da</strong> com foco pulsante nosespaços formais de educação. A postura do professor, a prática pe<strong>da</strong>gógica e to<strong>da</strong> aestrutura física <strong>da</strong>s instituições de educação infantil, num movimento involuntário ouintencional, podem produzir marcas que naturalizam as diferenças entre meninos emeninas. Os estu<strong>dos</strong> e pesquisas sobre gênero na educação infantil contribuempara a prática <strong>da</strong> igual<strong>da</strong>de “que respeite a criança na construção de sua identi<strong>da</strong>dee que favoreça, desde as primeiras relações, a constituição de pessoas sem práticassexistas”. (FINCO, 2008, p. 1).Durante a pesquisa, registrei uma fala que diferenciou meninas emeninos. Foi quando Bryan (2 anos), no Berçário II, quis a almofa<strong>da</strong> de uma amiga,para satisfazer sua vontade ou ludibriar a colega, e a professora chamou suaatenção e disse: Só um pouquinho, Bryan, a professora vai achar uma almofa<strong>da</strong> demenino. Olha essa aqui, é de menino!No Maternal I, embora as professoras só façam pentea<strong>dos</strong> nas meninas eas crianças já frequentem banheiros distintos, separa<strong>dos</strong> por feminino e masculino,nos demais momentos observa<strong>dos</strong> as crianças não são dividi<strong>da</strong>s por gênero.Também nos demais grupos observei que as crianças ficam juntas,independentemente se são meninos ou meninas, tantos nos espaços externos comonos internos. Os brinque<strong>dos</strong> são guar<strong>da</strong><strong>dos</strong> sem distinção, carrinhos, ursos,bonecas, bonecos, to<strong>dos</strong> na mesma caixa ou no cercado de bebês, e as criançaspegam os que escolhem.


144Emily (3 anos e 3 meses) e Júlia (2 anose 11 meses) brincando com bonecos epeças de montar.Menino (3 anos e 2 meses) <strong>da</strong>ndomamadeira para um boneco Mickey.Bryan (2 anos) geralmente toma banho com uma boneca. Ain<strong>da</strong> molhado, primeiroprecisa secar a boneca para depois permitir que a professora continue lhe cui<strong>da</strong>ndo.Emily (3 anos e 3 meses) com o pincel,brincando de passar batom.Letícia (2 anos e 7 meses) <strong>da</strong>ndo comi<strong>da</strong> aourso de pelúcia.


145Maria Isabella (2 anos e 3 meses), Maria Eduar<strong>da</strong> (2 anos e 1 mês) e Bryan (2 anos)fazendo caretas em frente ao espelho.Mello (2005) afirma a importância de a instituição <strong>da</strong>r espaço para acriança trazer suas histórias, ter a oportuni<strong>da</strong>de de formular ideias, criar soluçõespara os problemas que vivencia em grupo, expressar opiniões sobre os maisvaria<strong>dos</strong> assuntos e demonstrar seus sentimentos. Assim, ela deixaria de ser sujeitopassivo e ca<strong>da</strong> uma teria direito à sua identi<strong>da</strong>de, considerando que ca<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>detem sua dinâmica e sua cultura, características que marcam, constituem eidentificam o sujeito.


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1475 CONSIDERAÇÕES FINAISO que esse adulto experimentou? O que ele quer nos provar? Antes detudo, um fato: também ele foi jovem um dia, também ele quis outrora o queagora queremos [...] de antemão ele desvaloriza os anos que estamosvivendo, converte-os na época <strong>da</strong>s doces asneiras que se cometem najuventude, ou no êxtase infantil que precede a longa sobrie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>séria. Assim são os bem intenciona<strong>dos</strong>, os esclareci<strong>dos</strong>. Mas conhecemosoutros pe<strong>da</strong>gogos cuja amargura não nos proporciona nem sequer os curtosanos de “juventude”; sisu<strong>dos</strong> e cruéis querem nos empurrar desde já para aescravidão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. (BENJAMIN, 1984, p. 21).Esta dissertação apresentou a organização do espaço físico do CEIMJorge Frydberg e teve como principal objetivo perceber se o modo como ele estáestruturado oportuniza, ou não, a expressão cultural <strong>da</strong>s crianças de 0 a 3 anos. Asdúvi<strong>da</strong>s e inquietações sobre a organização do espaço nas instituições de educaçãoinfantil não se encerram nesta pesquisa, porém, ela contribui para ampliação desseestudo.O percurso <strong>da</strong> investigação, para além do que o próprio espaço propõe,contou com a participação <strong>da</strong>s professoras e, sobretudo com a narração <strong>da</strong>scrianças a partir de suas relações entre pares, com adultos e com o espaço comoum todo. Desde já ressalto a coragem dessas profissionais em abrirem seusespaços de trabalho para que, a partir <strong>da</strong>s observações e ponderações, possamosto<strong>dos</strong> nos empenhar na melhoria <strong>dos</strong> processos pe<strong>da</strong>gógicos junto às criançaspequenininhas. Destaco, ain<strong>da</strong>, que a intenção não é criticar ou julgar asprofessoras, que gentilmente me acolheram, mas, a partir do observado, tecercomentários e reflexões em diálogo com o referencial teórico, que possam nosaju<strong>da</strong>r na missão de colocar as crianças, as professoras e o espaço em relação,exercendo mais plenamente o seu papel de protagonistas <strong>da</strong>s instituições deeducação infantil. O encerramento desta investigação assume esta “forma-texto”


148(TRIERWEILLER, 2008, p. 217), a qual, por mais fiel que esteja aos relatos docampo, não dá conta de explicitar a experiência do processo.A realização deste estudo me possibilitou aprender como as criançaspequenininhas participam e se apropriam desse espaço e como criam significa<strong>dos</strong>com tudo que está à sua volta e à sua disposição, que consiste em: tapetes; toalhasde banho; mantas; cortinas; bolsas; berços; cadeiras; bancos; colchões; prateleiras;ou mesas. Suas ações-criações ultrapassam os limites que, por ventura, o adultotente lhes impor.Minha percepção <strong>da</strong> arquitetura e <strong>da</strong> organização do espaço revelou aconcepção de criança e de infância não somente de quem o projetou 55 , mas <strong>dos</strong>profissionais que direta ou indiretamente são responsáveis por esse CEIM. Então,meu olhar atravessa esse espaço com tudo o que eu senti, experimentei e vivencieipara questionar outros espaços, na intenção de não me isolar nesse, mas pensarsobre outros contextos. Mais uma vez, sem culpabilizar os sujeitos, eu buscocompreendê-los na sua relação de responsibili<strong>da</strong>de 56 .Assim, trago as palavras de Otto Lara Resende (1992) quando o escritorfala que nossos olhos se gastam no dia a dia, opacos e é por aí que se instala nocoração o monstro <strong>da</strong> indiferença. E, a fim de não me deixar cegar pela indiferença,opto por levantar questões norteadoras: há muitas instituições de educação infantilcom problema de umi<strong>da</strong>de? Quando plantarão “muitas” árvores no gramado e nos55 Ohtake (apud MAZILLI, 2003, p. 169) assegura que o arquiteto contribui com o desenho, mas nãodeve se posicionar como um “pe<strong>da</strong>gogo de segun<strong>da</strong> mão”. Do mesmo modo, o pe<strong>da</strong>gogo não deveagir como um arquiteto, pois se ele der as informações antes <strong>da</strong> criação do projeto, corre o risco decair no padrão. Portanto, primeiro o arquiteto cria, depois senta com o pe<strong>da</strong>gogo para fazer asmodificações necessárias.56 O termo responsibili<strong>da</strong>de é traduzido do russo otvetstvennost’, que “une responsabili<strong>da</strong>de, oresponder pelos próprios atos, a responsivi<strong>da</strong>de, o responder a alguém ou a alguma coisa”. A<strong>da</strong>ilSobral (apud TRIERWEILLER, 2008, p. 56) faz o neologismo utilizando o termo para “designar pormeio de uma só palavra tanto o aspecto responsivo como o <strong>da</strong> assunção de responsabili<strong>da</strong>de doagente pelo seu uso, um responsivo responsável que envolve necessariamente um compromissoético do agente.”


149parques para que as crianças aproveitem esse espaço em dias ensolara<strong>dos</strong>? Temoscomo cui<strong>da</strong>r para que as banca<strong>da</strong>s com pia não permaneçam com canos expostos?Para quem são os livros de literatura infantil que ficam encerra<strong>dos</strong> em armários <strong>da</strong>biblioteca e por que eles não estão nas salas à disposição <strong>da</strong>s crianças? Hádiferentes formas de contornarmos o incômodo com móveis e paredesdescasca<strong>da</strong>s? Será necessário à organização <strong>da</strong>s propostas que as crianças andemenfileira<strong>da</strong>s? Seria possível repensar formas de colocar objetos e brinque<strong>dos</strong> àdisposição <strong>da</strong>s crianças de 0 a 3 anos? Seria viável pensar numa estéticainstitucional que privilegiasse expor nas paredes não a lógica estética do adulto, masas produções <strong>da</strong>s crianças, sem cópias, feitas exclusivamente por elas?Mesmo percebendo que na instituição observa<strong>da</strong> a participação <strong>da</strong>scrianças não é prioriza<strong>da</strong> para pensar esse espaço e publicar suas marcas, notei oquanto elas participam com seus movimentos autônomos, suas invenções, suassensibili<strong>da</strong>des e suas espontanei<strong>da</strong>des. Como afirma Sarmento (2008, p. 29), ascrianças não recebem apenas a cultura pronta, que lhes determina “seus papéissociais” – elas agem a todo momento sobre essa cultura, transformando-a, “seja soba forma como a interpretam e integram, seja nos efeitos que nela produzem, a partirde suas próprias práticas (...)”. Isso, entretanto, não me impede de problematizarque as crianças fazem coisas ótimas a partir de quase na<strong>da</strong>... Mas essa constataçãonão pode esmorecer a nossa luta por um espaço de quali<strong>da</strong>de, rico em varie<strong>da</strong>de edesafios.Também percebi que a estruturação <strong>da</strong> rotina (COUTINHO, 2002), aoinvés de promover, muitas vezes impede a expressão <strong>da</strong>s culturas infantis, fazendocom que a proposta caminhe na contramão <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong>s crianças. Enquantoprofessoras seguiam seus planejamentos preocupando-se em organizar suas ações


150estabeleci<strong>da</strong>s por uma rotina (rotineira), os pequenininhos se apropriavamsingularmente do espaço com o que estava ao seu alcance, demonstrando altivezao referencial adulto.É importante ressaltar, mais uma vez, que nos espaços de educaçãoinfantil são protagonistas as professoras, as crianças e o espaço. Organizar-se pelarotina poderia significar não planejar para dependência, mas, sim, privilegiar aautonomia, as especifici<strong>da</strong>des individuais e coletivas e, sobretudo, a participação<strong>da</strong>s crianças, no sentido de oportunizar a expressão de suas culturas. Para tanto, énecessário que tenhamos um olhar sofisticado para suas ações – junto aos adultos,ao espaço e entre pares. “Ain<strong>da</strong> não é o momento se sistematizar o mundo paraapresentá-lo à criança: trata-se de vivê-lo, de proporcionar-lhe experiências ricas ediversifica<strong>da</strong>s.” (KULMANN JR., 2005, p. 57).O modo como está organizado o espaço do CEIM pesquisado pode serrepensado e refletido criticamente. Não existirem nas paredes indícios <strong>da</strong>sproduções infantis e haver falta de objetos e brinque<strong>dos</strong> ao alcance <strong>da</strong>s crianças(em especial no Berçário I e no Maternal I) indica que elas, seus pensamentos esuas criações ain<strong>da</strong> não estão no centro <strong>da</strong>s propostas. Vale lembrar que quantomais materiais oferecemos e diversificamos, mais oportunizamos “espaço e tempopara que expressem seus saberes”. (AGOSTINHO, 2003, p. 150).Como dito no referencial teórico, o espaço não é mudo, semprecomunica, mas o empobrecemos quando não percebemos as crianças como atoressociais ou não lhes garantimos o direito de verem-se crianças. Portanto, o modocomo projetamos e organizamos as salas, a cozinha, o hall, os banheiros, o pátio, oscorredores e as paredes influenciam na expressão cultural <strong>da</strong>s crianças, queaprendem constantemente e “criativamente informações do mundo adulto para


151produzir suas culturas próprias e singulares” (CORSARO, 2009, p. 31-32). Sobre asações adultocêntricas observa<strong>da</strong>s nos espaços de educação infantil, a arquitetaMayumi Souza Lima (1989, p. 11) infere:A liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> criança é a nossa insegurança, enquanto educadores, paisou simples adultos, e, em nome <strong>da</strong> criança, buscamos a nossatranquili<strong>da</strong>de, impondo-lhes até os caminhos <strong>da</strong> imaginação [...] o medomaior é o do desconhecido, do novo que pode surgir na ação <strong>da</strong>s crianças eque pode colocar-nos diante <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de nos repensarmos enquantoprofissionais, enquanto pessoas que dominam o saber e, portanto, o poder.Os espaços de educação infantil, com seus aspectos culturais e sociais, àmedi<strong>da</strong> que são percebi<strong>dos</strong> como potenciais no desenvolvimento <strong>da</strong>s criançaspequenininhas, se transformam em outro educador. Para além de um lugar decui<strong>da</strong>do e educação, será enriquecedor de experiências, ampliando as relaçõesentre bebês e crianças maiores – sem desfavorecer a relação de pares – econsoli<strong>da</strong>ndo a prática de ampliar e oportunizar a expressão <strong>da</strong>s culturas infantis..


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