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Direito à Memória e à Verdade - DHnet

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COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOSalém do desaparecimento de Paulo Stuart Wright, referido como Antônio, que tinha sido preso pelo DOI-CODI de São Paulo no mês anterior.Ou seja, mais uma vez se repetia o mesmo roteiro sórdido: autoridades do regime escamoteavam a verdade e lançavam a infâmia de queseriam delatores ou assassinos os militantes que morreram exatamente por se negarem a fornecer as informações que seus torturadorespretendiam extrair.Vários depoimentos juntados ao processo na CEMDP terminaram por desmontar a farsa. Quando o preso político Rubens Manoel Lemoschegou às dependências do DOI-CODI de Recife em outubro de 1973, encontrou dois jovens com visíveis sinais de tortura. Um deles estavaaparentemente morto. O outro, agonizante, ainda conseguiu balbuciar-lhe: “Companheiro, meu nome é Mata Machado. Sou dirigente na-cional da AP. Estou morrendo. Se puder avise meus companheiros que eu não abri nada”. A morte de José Carlos foi presenciada também porduas estudantes – Fernanda Gomes de Matos e Melania Almeida Carvalho – igualmente detidas na ocasião.Em depoimento formal prestado na Secretaria de Justiça de Pernambuco, Carlúcio Castanha, preso em 18/10/1973 em Recife e levadoao DOI-CODI, declarou ter presenciado a chegada de vários companheiros algemados e encapuzados, dentre esses Gildo Macedo e MataMachado. Durante dias e noites, ouviu os gritos dos companheiros e sentiu forte cheiro de creolina misturado ao de vômito, fezes e sangue.Dias depois, os gritos se transformaram em gemidos e a seguir desapareceram junto com o cheiro.A versão oficial terminou de ser derrubada quando o cunhado de Mata Machado e ex-membro da AP Gilberto Prata Soares relatou suaatividade como colaborador dos órgãos de segurança, entre 1973 e 1982. Ex-militante do POC que já tinha abandonado a militância política,foi preso em fevereiro de 1973 e fez um acordo com agentes do CIE, comprometendo-se a ajudar na localização de militantes da AP,a começar por cunhado, José Carlos Novaes da Mata Machado, casado com sua irmã Madalena. A partir de março de 1973, com a ajudadesse tipo de informante que o CIE convencionou chamar “cachorro”, os passos do casal e de outros militantes passaram a ser rastreadospelos órgãos de repressão. Em conseqüência, pessoas ligadas à APML começaram a ser presos como dominó.Sabe-se que no dia 22/10/1973 Gildo foi preso com a esposa, Mariluce Moura, em Salvador. Mariluce foi também torturada, mas liberadaalgum tempo depois. O marido foi transferido para o DOI-CODI de Recife, onde morreu sob torturas. Mata Machado, pressentindo que ocerco se fechava, tinha viajado para São Paulo. Atendendo ao apelo de dois outros cunhados e de um amigo da família, concordou em seencontrar com eles para permanecer escondido na fazenda de um tio no interior de Minas. Por medida de segurança, o encontro foi combinadonum posto de gasolina na saída da capital paulista. O grupo não tinha viajado mais do que alguns quilômetros quando foi interceptadopor policiais à paisana, fortemente armados. Algemados e encapuzados, foram todos conduzidos para o DOI-CODI/SP, onde responderam ainterrogatórios durante três dias. Mata Machado foi levado para Recife e os demais foram transferidos, no dia 21, para o 12° Regimento delnfantaria, em Belo Horizonte, onde permaneceram incomunicáveis por mais algum tempo.Em 1992, Gilberto Prata Soares decidiu reconhecer publicamente sua infiltração policial na AP, prestando depoimento na Câmara dos Deputados.Afirmou nessa oportunidade: “Saiu nos jornais que o José Carlos e o Gildo Lacerda tinham se matado num tiroteio no Recife, numacobertura de ponto. Isso destoava completamente do que eu realmente sabia que tinha acontecido. (...)”.Gildo e Mata Machado foram enterrados como indigentes num caixão de madeira sem tampa, com um fundo pouco espesso. A família MataMachado conseguiu resgatar o corpo algumas semanas depois, mas a de Gildo não. Os processos de Gildo e José Carlos foram relatadosjuntos, sendo apreciados na primeira reunião da CEMDP. Segundo a relatora, que votou pelo deferimento dos dois pedidos, “ficou plenamentecomprovado que Gildo Macedo Lacerda e José Carlos Novaes da Mata Machado foram presos e torturados até a morte pelos órgãos desegurança, sendo falsa a versão das mortes em tiroteio”.Gildo Macedo Lacerda era filho de pequenos fazendeiros em Ituiutaba (MG) e se mudou com os pais e as duas irmãs para Uberaba em 1963,quando tinha 14 anos. Ali completou o curso ginasial no Colégio Triângulo. Em 1965, iniciou o curso médio no Colégio Dr. José Ferreira, da mesmacidade, tornando-se presidente do Grêmio Estudantil Machado de Assis. Participou também da União Estudantil Uberabense, integrava o NúcleoArtístico de Teatro Amador (NATA) e apresentou programas radiofônicos de cunho kardecista, membro que era da Mocidade Espírita Batuíra.| 361 |

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