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Direito à Memória e à Verdade - DHnet

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COMISSÃO ESPECIAL SOBRE MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOSAo assumir o Planalto, em março de 1974, o presidente Ernesto Geiselrecebeu a informação de que o assunto Araguaia já estava resolvido.Segundo um relatório escrito por Ângelo Arroyo, alto dirigente doPCdoB e da guerrilha, havia 56 guerrilheiros em outubro de 1973, naregião, sendo seis camponeses. Seu armamento continuava velho e insuficiente,como desde o início dos combates. Os três destacamentosguerrilheiros foram concentrados, então, num único grupo. Os moradoresvoltaram a ser intimidados ou agredidos com prisões, espancamentose humilhações. Nessa terceira fase, em algumas localidadesforam presos praticamente todos os moradores homens. O Exército osenfiava em buracos fundos, cavados na terra e cobertos por grades.Lavradores suspeitos de colaborar com os guerrilheiros tiveram suasplantações destruídas ou até mesmo perderam suas terras. Os helicópterosdo Exército e da FAB eram utilizados com tinta cobrindo as insígniasdas Armas, de modo a esconder o caráter oficial da operação.Repetindo o ocorrido nos meses de abril e setembro/outubro do anoanterior, novamente se implantou o terror contra a população civil.Segundo o missionário francês Roberto de Vallicourt, também detidoe espancado em junho de 1972, cerca de 300 pessoas foram presase a maioria torturada. Afirmou o padre: “eles levaram um grupo lápara Marabá, na delegacia antiga... e lá foi horroroso, eles levaramcarrada de gente, trancavam nas celas e... tiravam as roupas de todomundo, que, em pé, não podiam nem sentar, nem deitar, acoxados unscom os outros e pregavam tábuas nas janelas. O pior foi o sofrimentoda sede. Isto é que foi o pior de tudo”. Em depoimento a RomualdoPessoa Campos Filho e Gilvane Felipe, no livro Guerrilha do Araguaia– a esquerda em armas, o missionário descreveu: ”Aí eles pegaram doispra dar soco assim, na cara, nos ossos, e botavam os dedos nos olhos,e torcendo os braços, e batendo a cabeça na parede, era pontapé nabarriga, nos rins, eu fiquei bastante machucado..”.O jornalista Fernando Portela, que em 1979 escreveu várias matériassobre o Araguaia no Jornal da Tarde, escreveu: “A tortura foisistemática. Em Xambioá, cavaram-se buracos próximos ao acampamentoe os homens foram pendurados de cabeça para baixo,amarrados com cordas em estacas afiadas à beira dos buracos.Levavam empurrões, socos e choques elétricos. E havia um médicoentre os ‘especializados’. Quando um homem desmaiava, recebiauma injeção para reanimar e sofrer consciente. Vários morreramem conseqüência dos maus tratos sofridos e alguns enlouqueceram.A quase totalidade não havia participado da guerrilha, masteve o azar de ter vendido mantimento, transportado, cortado ocabelo ou conversado, em algum momento, com um dos componentesda guerrilha. Ou mesmo ter feito um comentário positivo oucomplacente sobre os jovens paulistas que viviam e lutavam con-tra o governo. Naquela época, e naquele lugar, qualquer sinal desimpatia por eles era visto como um perigoso ato de contestaçãoao regime, tão perigoso quanto pegar em armas”.Com as informações levantadas pelos agentes infiltrados, os acampamentosda guerrilha foram identificados e passaram a ser atacadospor pelotões especialmente treinados. Em grupos de até dez homens,andando em círculos ou semicírculos, sempre acompanhados de umhelicóptero sobre a copa das arvores, os pelotões de pára-quedistas seembrenhavam na mata para começar a caçada. O comportamento dospára-quedistas era diferente dos militares que, em 1972, realizaram aprimeira operação. Nas primeiras campanhas, os guerrilheiros mortoseram postos em sacos de lona com um zíper e um gancho na extremidade,chamados de ‘paulistinha’, sendo içados pelo helicóptero. Ospára-quedistas, ao contrário, apenas avisavam a presença de mortos,indicavam sua localização e deixavam a área. Em seguida, os corposeram retirados pelos helicópteros, sem a ‘paulistinha’, fotografados eidentificados por oficiais de informação e depois enterrados em lugaresdiferentes na mata. Há registros de que todas as impressõesdigitais dos mortos foram retiradas.A operação mais danosa para os militantes do PCdoB ocorreu na manhãdo Natal de 1973, quando foram surpreendidos e mortos em seuacampamento na Gameleira, próximo à Serra das Andorinhas, quatroguerrilheiros, entre os quais Maurício Grabois e Paulo MendesRodrigues, dois dos principais chefes da guerrilha. Computam-se 47desaparecidos nessa terceira e última fase dos combates. Calcula-seque apenas 25 guerrilheiros permaneciam vivos a partir de janeiro de1974, tentando sobreviver. Sem comida, sem munição e sem medicamentos,foram sendo abatidos ou executados após serem presos, até25 de outubro do mesmo ano, quando ocorreu a última das mortesconhecidas, da guerrilheira Walquíria Afonso Costa.No final de 1974, não havia mais guerrilheiros no Araguaia. As ForçasArmadas não quiseram deixar nenhum vestígio da operação.Há informações de que corpos de militantes sepultados na selvaforam desenterrados e queimados. Há relatos de que alguns corposteriam sido atirados nos rios da região. O governo militar impôssilêncio absoluto sobre os acontecimentos do Araguaia. Proibiu aimprensa de dar notícias sobre o tema, enquanto o Exército negavaa existência do movimento. Em janeiro de 1975, segundo umoficial da Aeronáutica, Pedro Corrêa Cabral, teria sido feita uma“operação limpeza”. Em 19 de outubro de 1993, a revista Vejapublicoumatéria com Cabral – capitão na época da guerrilha –, queteria pilotado um helicóptero transportando corpos desenterradosem Bacaba para incineração no topo da Serra das Andorinhas.A versão de Cabral – de que todos os corpos dos guerrilheiros mortosforam incinerados – é contestada pelos familiares dos desaparecidosno Araguaia. Prova de que ainda podem ser localizadasossadas dos guerrilheiros na região é que pelo menos um corpo, ode Maria Lúcia Petit, foi descoberto e identificado. Outras ossadasforam retiradas da reserva dos índios Suruís e de cemitérios daregião e estão sendo examinadas pelo Laboratório Genomic, es-| 199 |

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