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Da mesa de peregrinos ao banquete do Reino - FaJe

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2Agra<strong>de</strong>cimentoA Dom Luciano Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Almeida (in memoriam) por tu<strong>do</strong> que a sua luminosaexistência significou.À Arquidiocese <strong>de</strong> Mariana pelo incentivo <strong>ao</strong> estu<strong>do</strong>.Ao Prof. Dr. Francisco Taborda, SJ pela orientação competente e segura <strong>ao</strong> longo <strong>de</strong>stapesquisa.Aos familiares e amigos pelo apoio e companheirismo.


3ResumoA liturgia eucarística é lugar teológico privilegia<strong>do</strong> da escatologia. No centro dacelebração eucarística e <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> escatológico, está o mistério pascal <strong>de</strong> Cristo. Emambos, a ressurreição <strong>de</strong> Cristo é reconhecida como o evento salvífico que inaugura arealida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva.Esta dissertação tem como objeto <strong>de</strong> sua análise o Missal Romano <strong>de</strong> Paulo VI para acompreensão da relação eucaristia-escatologia.Palavras‐ChaveEucaristia, escatologia, oração eucarística, liturgia, mistagogia.SummariumLiturgia eucharistica praecipuus eschatologiae locus theologicus est. In celebrationiseucharisticae atque tractatus eschatologici cor<strong>de</strong> habetur mysterium paschale Christi. Inutroque Christi ressurrectio agnoscitur tamquam eventus salvificus inaugurans realitatem<strong>de</strong>finitivam.Dissertatio haec ut propositum habet resolutionis suae Missale Romanum Pauli VI adrelationem inter eucharistiam et eschatologiam intellegendam.Verba principaliaeucharistia, eschatologia, prex eucharistica, liturgia, mystagogia.


4SUMÁRIOSIGLAS ................................................................................................................................. 6Introdução .............................................................................................................................. 71 A Liturgia como lugar teológico da escatologia ............................................................... 111.1 Conceito <strong>de</strong> lugar teológico .................................................................................................... 111.2 A Liturgia como lugar teológico ..................................................................................... 131.2.1 Liturgia como atualização <strong>do</strong> mistério <strong>de</strong> Cristo (Lex orandi) ...................................... 131.2.2 A liturgia como profissão <strong>de</strong> fé (Lex cre<strong>de</strong>ndi) ............................................................. 141.2.3 A liturgia como fonte da práxis cristã (Lex agendi) ...................................................... 151.2.4 A liturgia como pregustação e espera da realida<strong>de</strong> escatológica.(lex sperandi)............162 Status quaestionis da relação escatologia-liturgia ............................................................ 182.1 Breve panorama da questão escatológica na teologia mo<strong>de</strong>rna ............................................. 182.2 A temática escatológica no Vaticano II e sua relação com a liturgia ..................................... 332.2.1 Sacrosanctum Concilium: a dimensão escatológica da liturgia ..................................... 332.2.2 Lumen Gentium: a ín<strong>do</strong>le escatológica da Igreja ........................................................... 352.2.3 Gaudium et Spes: a relação Igreja-mun<strong>do</strong> à luz da esperança escatológica .................. 373 Contexto histórico e estrutura <strong>do</strong> missal romano <strong>de</strong> Paulo VI ......................................... 413.1 O caráter da reforma litúrgica ................................................................................................ 413.2 Entre o aprofundamento e a crítica......................................................................................... 433.3 O missal romano no contexto da reforma litúrgica ................................................................ 463.3.1 Critérios da reforma <strong>do</strong> missal ...................................................................................... 473.3.2 A estrutura <strong>do</strong> missal romano <strong>de</strong> Paulo VI .................................................................... 483.3.3 As edições típicas <strong>do</strong> missal romano ............................................................................. 504 A dimensão escatológica da eucaristia: análise litúrgico-teológica <strong>de</strong> textos seletos <strong>do</strong>atual Missal Romano ........................................................................................................... 53


54.1 A oração Eucarística ............................................................................................................... 544.1.1 Aproximação conceitual ................................................................................................ 544.1.2 Eucaristia: sacramento da escatologia realizada .................................................... 544.1.3 A dimensão escatológica nas Anáforas Romanas .................................................. 57a) A ação <strong>de</strong> graças/prefácio ................................................................................................ 58b) Sanctus ............................................................................................................................. 82c) O pós-Sanctus................................................................................................................... 85d) O relato institucional ........................................................................................................ 90e) Anamnese ......................................................................................................................... 94f) Epiclese ........................................................................................................................... 100g) As intercessões ............................................................................................................... 108h) A <strong>do</strong>xologia final e o Amém .......................................................................................... 1154.2 Ritos da comunhão ............................................................................................................... 1174.2.1 A Oração <strong>do</strong> Senhor .................................................................................................... 1184.2.2 Embolismo ................................................................................................................... 1204.2.3 A aclamação <strong>do</strong>xológica .............................................................................................. 1214.2.4 A oração pós-comunhão .............................................................................................. 122a) Natureza da oração pós-comunhão ................................................................................ 122b) O efeito escatológico da eucaristia ................................................................................. 123Conclusão .......................................................................................................................... 138BIBILIOGRAFIA .............................................................................................................. 147Fontes ......................................................................................................................................... 147Instrumentos ............................................................................................................................... 147Bibliografia principal ................................................................................................................. 148Bibliografia complementar ......................................................................................................... 149


6SIGLASDCFC Dicionário <strong>de</strong> Conceitos Fundamentais <strong>do</strong> CristianismoDE Dicionário <strong>de</strong> Espiritualida<strong>de</strong>DH Denzinger-HünermannDL Dicionário <strong>de</strong> LiturgiaDTF Dicionário <strong>de</strong> Teologia FundamentalGS Gaudium et SpesIGMR Instrução geral sobre o missal romano (3ª edição)LG Lumen GentiumSC Sacrosanctum Concilium


IntroduçãoA escatologia e a teologia sacramental estão entre os trata<strong>do</strong>s teológicos queexperimentaram as maiores e mais intensas mudanças <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Concílio Vaticano II (1962-1965). A escatologia conheceu uma impressionante revisão <strong>do</strong> seu discurso teológico.Uma autêntica “virada copernicana” que a libertou <strong>do</strong>s limites acanha<strong>do</strong>s <strong>do</strong> tradicionalesquema <strong>do</strong>s novíssimos, transferin<strong>do</strong>-a para horizontes mais amplos, abertos pelo contatocom as fontes <strong>de</strong> sua reflexão e pelas interpelações da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. O mesmo po<strong>de</strong> serdito da teologia sacramental. A longa vigência <strong>do</strong> paradigma escolástico marcouprofundamente a reflexão teológica. Suas categorias e conceitos auxiliaram eficazmente acompreensão <strong>do</strong> mistério sacramental. Como não reconhecer o valor e a praticida<strong>de</strong> <strong>de</strong>categorias como matéria, forma, sujeito, substância e aci<strong>de</strong>nte? Todavia, a clarezaconceptual da escolástica, não poucas, vezes reduziu os sacramentos <strong>ao</strong> âmbito <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>sobjetivos e impessoais, esvazian<strong>do</strong>-os <strong>de</strong> seu conteú<strong>do</strong> simbólico e per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a suadimensão existencial, celebrativa e eclesiológica. Por isso o Vaticano II, impulsiona<strong>do</strong>principalmente pelo espírito <strong>do</strong>s movimentos litúrgico e patrístico, promoveu umarenovação da teologia sacramental e da práxis litúrgica.Recuperou-se a centralida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mistério pascal e a dimensão eclesial <strong>do</strong>ssacramentos: a Igreja faz os sacramentos e os sacramentos fazem a Igreja. <strong>Da</strong>í arevalorização <strong>do</strong> caráter comunitário da liturgia. A própria Igreja se re<strong>de</strong>scobriu comoproto-sacramento daquele que é o sacramento fontal: Cristo. Foi inicia<strong>do</strong> um processo <strong>de</strong>resgate <strong>do</strong> simbolismo sacramental, da dimensão pneumatológica <strong>do</strong>s sacramentos e daimportância <strong>do</strong> sujeito e <strong>de</strong> sua atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> fé <strong>ao</strong> celebrá-los. A dimensão escatológicatambém foi re<strong>de</strong>scoberta. Os sacramentos são a expressão celebrativa da graça vivificantee escatológica que Cristo nos oferece pela ação <strong>de</strong> seu Espírito.Adite-se que a recente teologia sacramental é beneficiária da re<strong>de</strong>scoberta daliturgia como lugar teológico e da volta <strong>ao</strong> méto<strong>do</strong> mistagógico como forma privilegiada<strong>de</strong> abordagem <strong>do</strong>s sacramentos. É a partir da perspectiva proporcionada por essa duplare<strong>de</strong>scoberta que este trabalho preten<strong>de</strong> dissertar sobre a relação eucaristia-escatologia noMissal Romano <strong>de</strong> Paulo VI.


8O primeiro capítulo apresenta a liturgia como lugar teológico. O ápice darevelação, o mistério pascal <strong>de</strong> Cristo, é celebra<strong>do</strong> na liturgia. Por sua vez, a fonte dateologia, que é a fé da Igreja, também se manifesta na celebração litúrgica. A liturgia élugar teológico porque atualiza sacramentalmente o mistério <strong>de</strong> Cristo (lex orandi),professa-o <strong>de</strong> forma pública e solene (lex cre<strong>de</strong>ndi) e gera uma autêntica práxis cristã (lexagendi).O segun<strong>do</strong> capítulo versa sobre status quaestionis da relação escatologialiturgia.Ten<strong>do</strong> em vista o tema <strong>de</strong>sta dissertação, traçamos também um panorama históricoda escatologia cristã visan<strong>do</strong> apresentar o contexto situacional, as mudanças e conquistasque o <strong>de</strong>bate teológico mo<strong>de</strong>rno promoveu no âmbito da escatologia. Analisamos tambéma temática escatológica no Vaticano II e as suas relações com a liturgia. Não intentamoselaborar um estu<strong>do</strong> exaustivo sobre a <strong>do</strong>utrina escatológica presente nos <strong>do</strong>cumentosconciliares, mas apresentar em linhas gerais os elementos que inci<strong>de</strong>m mais diretamentesobre o tema <strong>de</strong>ste trabalho. Centramos a atenção em três <strong>do</strong>cumentos significativos. Emprimeiro lugar, a constituição Sacrossanctum Concilium sobre a sagrada liturgia. Estaconstituição, <strong>ao</strong> tratar da natureza da liturgia, apresenta a dimensão escatológica <strong>do</strong> cultocristão. Em seguida, temos a constituição <strong>do</strong>gmática sobre a Igreja Lumen Gentium. AIgreja foi o tema central <strong>do</strong> Vaticano II. Os padres conciliares, <strong>ao</strong> refletirem sobre ai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da Igreja, constataram que, sem uma abordagem <strong>de</strong> sua ín<strong>do</strong>le escatológica, talreflexão ficaria incompleta. Por fim, temos a constituição pastoral Gaudium et Spes, quetrata <strong>de</strong> temas escatológicos (mistério da morte, mun<strong>do</strong> futuro, senti<strong>do</strong> escatológico <strong>do</strong> agirhumano e outros) em diversas partes <strong>do</strong> seu texto sem uma rígida organização sistemática,mas referin<strong>do</strong>-se sempre a Cristo ressuscita<strong>do</strong> como centro da história e da renovação <strong>do</strong>cosmos. Em to<strong>do</strong>s estes <strong>do</strong>cumentos, aparecem referências que apontam para a relaçãoentre a liturgia e a escatologia.O terceiro capítulo apresenta o contexto histórico e a estrutura <strong>do</strong> MissalRomano <strong>de</strong> Paulo VI. A reforma litúrgica foi uma das maiores realizações <strong>do</strong> ConcílioVaticano II. A elaboração <strong>do</strong> Missal Romano aparece situada num contexto históricomarca<strong>do</strong> por etapas distintas que influenciam na composição <strong>de</strong>ste livro litúrgico. Estecapítulo é concluí<strong>do</strong> com uma apresentação esquemática da estrutura <strong>de</strong>sse missal e acaracterização <strong>de</strong> suas três edições típicas.


9O quarto capítulo traz a análise litúrgico-teológica da dimensão escatológica daeucaristia no atual Missal Romano. Nele assumimos a lex orandi como fonte eminente daescatologia. Desta forma intentamos perguntar à própria celebração eucarística sobre a suadimensão escatológica. Sob esta perspectiva, a eucaristia se apresenta como sacramento daescatologia realizada.O Missal Romano <strong>de</strong> Paulo VI oferece uma rica e abundante eucologia comoobjeto <strong>de</strong> nossa análise. Por este motivo, praticamente to<strong>do</strong> o Missal Romano po<strong>de</strong> serli<strong>do</strong> e analisa<strong>do</strong> numa abordagem escatológica. Todavia, a extensão material indicada paraesta dissertação pe<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>limitação clara. Optamos pelo estu<strong>do</strong> das anáforas e <strong>de</strong> algunselementos <strong>do</strong>s ritos <strong>de</strong> comunhão.A pesquisa teológica atual reconhece a análise da celebração litúrgica,sobretu<strong>do</strong> das anáforas, como forma privilegiada <strong>de</strong> compreensão da teologia eucarísticavivida pela Igreja em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> momento histórico. Na análise das anáforas romanas,seguiremos a seguinte estruturação: prefácio, sanctus, pós-sanctus, primeira epiclese,narrativa da instituição, anamnese, segunda epiclese, intercessões, <strong>do</strong>xologia final. Naanálise <strong>do</strong>s ritos <strong>de</strong> comunhão, centramos a atenção na Oração <strong>do</strong> Senhor e no seuembolismo, na aclamação <strong>do</strong>xológica e na oração pós-comunhão.A opção que fizemos pela anáfora e pelos ritos <strong>de</strong> comunhão se justifica dianteda relação que i<strong>de</strong>ntificamos entre estas duas partes da celebração da eucaristia. Estarelação se torna clara <strong>ao</strong> refletirmos sobre <strong>do</strong>is elementos que constituem os seus <strong>do</strong>ispólos: a epiclese sobre os comungantes e a oração pós-comunhão.O termo final da epiclese não é a transformação das oblatas em Corpo e Sangue<strong>do</strong> Senhor, mas a transformação <strong>do</strong>s comungantes em Corpo eclesial <strong>de</strong> Cristo. Essasúplica é o pedi<strong>do</strong> fundamental da oração eucarística. Com acerto foi nomeada epiclesepara a transformação escatológica <strong>do</strong>s comungantes. A dinâmica da oração eucarísticaconduz a assembléia celebrante à comunhão sacramental. A participação na comunhão é oápice cultual da celebração eucarística. A oração pós-comunhão é a especificação daepiclese sobre os comungantes. Uma especificação em termos <strong>de</strong> incidência existencial narealida<strong>de</strong> concreta <strong>de</strong> cada comungante e <strong>de</strong> toda a assembléia celebrante. Pe<strong>de</strong>-se aencarnação <strong>do</strong> mistério eucarístico na vida da comunida<strong>de</strong> cristã. Por isso a eucologiaromana coloca forte acentuação escatológica nas várias orações pós-comunhão. O efeito


10escatológico da eucaristia aparece freqüentemente relaciona<strong>do</strong> às expressões “remissão <strong>do</strong>speca<strong>do</strong>s” e “vida eterna” e através <strong>do</strong> uso das metáforas <strong>do</strong> <strong>banquete</strong> ou <strong>do</strong> convívio.A eucaristia, por ser o sacramento da escatologia realizada, é o sacramento <strong>do</strong><strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus. Em sua celebração, temos o penhor <strong>do</strong> seu advento. Na eucaristia, acontecea primeira realização <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>, cuja plenitu<strong>de</strong> se dará na parusia <strong>do</strong> Senhor. Todavia, oscristãos, enquanto esperam vigilantes a vinda gloriosa <strong>do</strong> Senhor, já po<strong>de</strong>m pregustar abem-aventurança celeste e antecipar prolepticamente o <strong>Reino</strong> na história <strong>ao</strong> celebrarem aeucaristia.A Igreja se rejubila pelo <strong>do</strong>m já recebi<strong>do</strong> e espera o cumprimento da promessaainda não plenamente realizada. Enquanto isso, caminha pressurosa para o ingresso<strong>de</strong>finitivo no <strong>banquete</strong> <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>. Por esta razão, a assembléia eucarística se reconhece efaz suas estas palavras da Escritura: “O Espírito e a esposa dizem: vem! Aquele que ouvetambém diga: vem!” (Ap 22,17a).


111 A Liturgia como lugar teológico da escatologia1.1 Conceito <strong>de</strong> lugar teológicoA teologia compreen<strong>de</strong> lugar teológico como o conjunto <strong>de</strong> princípiosorganizativos pré-estabeleci<strong>do</strong>s que dirige a reflexão teológica 1 . Os lugares teológicosoperam como pontos <strong>de</strong> vista e critérios mais gerais no âmbito da epistemologia e dameto<strong>do</strong>logia teológicas 2 .A classificação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas fontes como lugares teológicos nasceu dainfluência da retórica e da filosofia clássicas sobre a meto<strong>do</strong>logia teológica. Essas antigasexpressões <strong>do</strong> saber possuíam coletâneas <strong>de</strong>nominadas “lugares comuns” 3 . Eram conjuntosor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s <strong>de</strong> informações classificadas por temas (citações, exemplos históricos, figuras<strong>do</strong> discurso) que o ora<strong>do</strong>r ou escritor tinha à sua disposição como auxílio na composição<strong>de</strong> suas obras. Eram como que “súmulas” da realida<strong>de</strong>, capazes <strong>de</strong> fornecer material para aconstrução <strong>de</strong> um argumento ou discurso.A teologia irá se apropriar <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> e <strong>do</strong> uso <strong>do</strong>s loci com gran<strong>de</strong> proveito.Todavia esta apropriação se dará segun<strong>do</strong> duas formas completamente diferentes 4 .A primeira elaboração provém <strong>do</strong> ambiente da Reforma através <strong>de</strong> PhilipMelanchton (1479-1560). Trata-se <strong>de</strong> uma das mais importantes obras da nascentemeto<strong>do</strong>logia teológica protestante intitulada Loci communes rerum theologicarum (1521).Para Melanchton, lugares teológicos são os temas centrais que constituem a estruturafundamental da Escritura (condição humana <strong>de</strong>caída, peca<strong>do</strong>, fé, justificação, graça, etc.).São como que a ossatura da Bíblia. Ao teólogo cumpre percorrer estes lugares teológicos,relacioná-los entre si e apresentá-los <strong>de</strong> forma or<strong>de</strong>nada, sem se <strong>de</strong>sviar da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> àEscritura.No ambiente católico, <strong>de</strong>stacou-se o trata<strong>do</strong> meto<strong>do</strong>lógico <strong>do</strong> <strong>do</strong>minicanoMelchor Cano (1509-1560) que influenciou imensamente a teologia católica posterior. É oDe locis theologicis (1563). É bem outra a perspectiva <strong>de</strong>ste teólogo. Cano enten<strong>de</strong> os1Cf. WICKS, Jared. Lugares teológicos. In LATOURELLE, René; FISICHELLA, Rino. DTF.Petrópolis/Aparecida: Vozes/Santuário, 1994. p. 551.2 Cf. LIBANIO, João Batista; MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo:Loyola, 1996. p. 34.3 Cf. WICKS. DTF, p. 551.4 Cf. WICKS. DTF, p. 551.


12lugares teológicos como áreas <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentação nas quais a reflexão teológica po<strong>de</strong>encontrar a fundamentação e a justificação das <strong>do</strong>utrinas que expõe ou a refutação dasposições tidas como não orto<strong>do</strong>xas. Cada lugar teológico possui a sua especificida<strong>de</strong> epe<strong>de</strong> um procedimento próprio para ser interpreta<strong>do</strong>. Nisto se percebe que Cano foi muitoinfluencia<strong>do</strong> pela configuração <strong>do</strong>s lugares comuns vinda da antiguida<strong>de</strong> clássica. J.Wicks 5 afirma que Cano baseou-se no De Oratore <strong>de</strong> Cícero <strong>ao</strong> indicar os lugares como“<strong>do</strong>micílios” <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os elementos necessários à elaboração <strong>de</strong> uma reflexão.Cano vê os lugares teológicos dispostos em forma hierárquica 6 . Esta hierarquiase organiza conforme a maior ou menor vinculação <strong>de</strong> suas partes com a transmissão darevelação divina. Em primeiro plano, encontram-se as chamadas “autorida<strong>de</strong>s”. Delaspo<strong>de</strong>mos colher as expressões da fé professada pela Igreja (fi<strong>de</strong>s Ecclesiae). São elas: aSagrada Escritura (que ocupa o primeiríssimo lugar), a Tradição <strong>de</strong> Cristo e <strong>do</strong>s Apóstolos,a autorida<strong>de</strong> da própria Igreja Católica, os Concílios (sobretu<strong>do</strong> os ecumênicos nos quaisresi<strong>de</strong> a autorida<strong>de</strong> da Igreja), o magistério <strong>do</strong> Romano Pontífice, a autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s SantosPadres e os teólogos escolásticos. Em segun<strong>do</strong> plano, aparece a esfera da razão natural queconfirma e respalda racionalmente a revelação. Sua mediação se dá através da filosofia edas várias ciências naturais. Em terceiro plano, aparecem as “últimas autorida<strong>de</strong>s”, assimnomeadas porque não estão rigorosamente ligadas à ativida<strong>de</strong> teológica. São elas amediação da filosofia e das lições da história humana.Uma abordagem contemporânea das fontes da teologia incluiria lugaresausentes na hierarquia proposta por Cano tais como o testemunho da liturgia e aexperiência das Igrejas regionais ou locais 7 . A teologia mo<strong>de</strong>rna fez uma releitura <strong>do</strong>s locie situou-os no novo horizonte da ativida<strong>de</strong> teológica. Os lugares teológicos passam a seraborda<strong>do</strong>s não só quanto <strong>ao</strong> seu conteú<strong>do</strong>, mas também a partir <strong>do</strong> seu aspecto formal. Porisso valoriza-se a perspectiva existencial e histórica que estes po<strong>de</strong>m oferecer à teologia. Aviragem mo<strong>de</strong>rna da teologia nos impulsiona, por exemplo, a <strong>de</strong>scobrir a experiênciahumana como lugar teológico, já que esta é um privilegia<strong>do</strong> lugar <strong>de</strong> senti<strong>do</strong>. Situaçõescarregadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> existencial tais como a <strong>do</strong>r, o sofrimento, a morte, a angústia e ovazio existencial possibilitam novos horizontes para a reflexão teológica. Contextoshistóricos <strong>de</strong>safiantes, como o da América Latina, possibilitaram o surgimento da teologia5 Cf. WICKS. DTF, p. 551.6 Cf. ROVIRA BELLOSO, José Maria. Introducción a la teologia. Madrid: BAC, 2000. p. 123-127.7 Cf. WICKS, DTF, p. 552.


13da libertação. Uma <strong>de</strong> suas contribuições originais está em reconhecer o pobre como lugar<strong>de</strong>cisivo para teologizar. Estes novos lugares enriquecem a teologia e colocam o cotidianohumano em <strong>de</strong>staque 8 . O surgimento <strong>de</strong> novos lugares teológicos é marca significativa dateologia, sobretu<strong>do</strong> na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.Analisar o conceito <strong>de</strong> lugar teológico também <strong>de</strong>ve nos fazer tomarconsciência <strong>de</strong> que a Revelação envolve e toca a vida humana “<strong>de</strong> muitos e diversosmo<strong>do</strong>s” (Hb 1,1). Os varia<strong>do</strong>s lugares teológicos atestam esta multiforme ação revela<strong>do</strong>ra<strong>de</strong> Deus. Em cada um <strong>de</strong>les, a única Palavra <strong>de</strong> Deus se exprime com intensida<strong>de</strong> ecaracterísticas próprias. A multiplicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s lugares teológicos também <strong>de</strong>monstra quenenhum lugar toma<strong>do</strong> isoladamente po<strong>de</strong> ter o monopólio da autorida<strong>de</strong>. Aqui notamos oquanto é complexo e vasto o processo <strong>do</strong> auditus fi<strong>de</strong>i 9 .1.2 A Liturgia como lugar teológicoO evento salvífico transmiti<strong>do</strong> pela Palavra é celebra<strong>do</strong> na liturgia.Culminância da revelação e <strong>do</strong> culto é o Mistério Pascal <strong>de</strong> Cristo. Este mistério é expressosimbolicamente e se atualiza nos sacramentos da Igreja. A liturgia torna manifesta, <strong>de</strong>forma singular, a realida<strong>de</strong> da fé e a experiência que fazemos <strong>de</strong>la. Justamente por issoconverte-se em fonte da teologia. Isto equivale a dizer que a liturgia cumpre, em senti<strong>do</strong>estrito, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> lugar teológico proposta por Melchor Cano, pois nela reconhecemosa transmissão eficaz <strong>do</strong> da<strong>do</strong> revela<strong>do</strong>.Po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r a liturgia como lugar teológico a partir da seguinteafirmação: A liturgia é lugar teológico privilegia<strong>do</strong> porque atualiza sacramentalmente omistério <strong>de</strong> Cristo (Lex orandi), professa-o <strong>de</strong> forma pública e solene (Lex cre<strong>de</strong>ndi) e ématriz gera<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> uma autêntica práxis cristã (Lex agendi).1.2.1 Liturgia como atualização <strong>do</strong> mistério <strong>de</strong> Cristo (Lex orandi)A liturgia torna presente e atuante o acontecimento salvífico em cadacelebração. Dentro das coor<strong>de</strong>nadas <strong>do</strong> tempo e <strong>do</strong> espaço, o mistério da salvação se torna8 Cf. LIBANIO; MURAD, Introdução à teologia, p. 34.9 Cf. WICKS. DTF, p. 552.


14vivo e atual para cada comunida<strong>de</strong> e para cada pessoa que participa da ação sagrada. Omemorial litúrgico nos transporta para a totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mistério pascal <strong>de</strong> Cristo que teminício na encarnação e só será concluí<strong>do</strong> na parusia <strong>do</strong> Senhor. To<strong>do</strong> esse mistério se fazpresente no momento da celebração litúrgica 10 .A liturgia é memória <strong>do</strong> mistério. Todavia, memória em senti<strong>do</strong> muito peculiar.Não se trata <strong>de</strong> mera recordação afetiva ou intelectual <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. Na celebração litúrgica,por força <strong>do</strong> Espírito <strong>do</strong> Senhor, passa<strong>do</strong> e futuro se encontram na esfera <strong>do</strong> momentopresente. Isto se dá <strong>de</strong> tal forma que não se recorda o acontecimento central da fé como umfato passa<strong>do</strong>, mas como uma realida<strong>de</strong> viva e atual. Na liturgia também já se antecipa epregusta, no hoje da graça, o cumprimento pleno daquilo que esperamos: o futuro absoluto<strong>de</strong> Cristo que voltará para Deus ser tu<strong>do</strong> em to<strong>do</strong>s (cf. 1 Cor 15,28).O que acontece na celebração eucarística – e em toda celebração sacramental – éo encontro entre o tempo e a eternida<strong>de</strong>, encontro possível somente na fé. Nelasomos contemporâneos da morte e ressurreição <strong>de</strong> Cristo, como também daplenificação <strong>do</strong> cosmos, a parusia (...) Nossa contemporaneida<strong>de</strong> com o passa<strong>do</strong>e o futuro é possível graças à ressurreição <strong>de</strong> Cristo, porque, ten<strong>do</strong> subi<strong>do</strong> <strong>ao</strong>scéus, nele já se realiza essa junção 11 .Com muita proprieda<strong>de</strong> assim se expressa a eucologia <strong>do</strong> missal romano queanalisamos neste trabalho:Conce<strong>de</strong>i-nos, ó Deus, a graça <strong>de</strong> participar dignamente da Eucaristia, pois, todasas vezes que celebramos este sacrifício em memória <strong>do</strong> vosso Filho, torna-sepresente a nossa re<strong>de</strong>nção (Oração sobre as oferendas da Quinta-Feira Santa).1.2.2 A liturgia como profissão <strong>de</strong> fé (Lex cre<strong>de</strong>ndi)A liturgia é lugar privilegia<strong>do</strong> para se professar a fé cristã. A liturgia não éapenas uma expressão histórica e cultural <strong>do</strong> cristianismo. É culto on<strong>de</strong> se proclama ai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da fé cristã. É culto presta<strong>do</strong> <strong>ao</strong> Pai, pelo Filho, no Espírito Santo, em que secelebra, <strong>de</strong> maneira ativa e operante, o mistério cristão.Por ser epifania da Igreja, a liturgia manifesta a sua fé. Não é por acaso que aprofissão <strong>de</strong> fé ocupa um lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque na liturgia eucarística e nos outros sacramentosda iniciação cristã. Ao recitar o símbolo, o cristão aprofunda sua a<strong>de</strong>são a Cristo e fazmemória <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s mistérios da fé. Evi<strong>de</strong>ntemente, a eucologia, enquanto forma <strong>de</strong>10 Cf. TABORDA, Francisco. Esperan<strong>do</strong> sua vinda gloriosa: eucaristia, tempo e eternida<strong>de</strong>. Itaici: Revista <strong>de</strong>Espiritualida<strong>de</strong> Inaciana, São Paulo, n. 61, p. 10.11 TABORDA, Esperan<strong>do</strong> sua vinda, p. 14-15.


15profissão <strong>de</strong> fé, não se reduz à recitação ou canto <strong>do</strong> Símbolo. A celebração litúrgica, comoum to<strong>do</strong> e em cada uma das suas partes, confessa a fé. Pensemos no sinal da cruz no inícioda celebração ou na oração eucarística que, conforme a sua ín<strong>do</strong>le própria, constituem umasignificativa profissão <strong>de</strong> fé. Lembremo-nos também <strong>do</strong> ano litúrgico como proclamaçãosolene da salvação divina que se encarnou no tempo e na história humana.A liturgia é lugar da orto<strong>do</strong>xia. A fé da Igreja é explicitada não somente nos<strong>do</strong>gmas e nos varia<strong>do</strong>s discursos teológicos. Esta fé é vivida e celebrada concretamente nossímbolos e nos ritos litúrgicos. A celebração cristã é verda<strong>de</strong>iramente uma forma <strong>de</strong>“teologia primeira”. A teologia feita pelo magistério e pelos teólogos é a “teologiasegunda”.A (teologia) primeira não é menos importante que a segunda. Pelo contrário,sem a primeira, a segunda per<strong>de</strong> o contato vivencial com o mistério, sua fonteoriginária, sai <strong>do</strong> caminho seguro, corre o risco <strong>de</strong> tornar-se árida e estranha àrevelação. <strong>Da</strong>n<strong>do</strong> atenção à teologia primeira, o teólogo mantém a modéstia e aatitu<strong>de</strong> <strong>do</strong>xológica 12 .Professan<strong>do</strong> a fé durante a liturgia a assembléia celebrante abraça toda arevelação divina. E o faz como uma a<strong>de</strong>são sincera a tu<strong>do</strong> quanto Deus tem revela<strong>do</strong>,exprimin<strong>do</strong> esta a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> fé mediante as fórmulas eucológicas. A participação na liturgiasupõe esta plena comunhão na mesma fé. Comunhão que é fruto da atuação da graça e daresposta humana <strong>ao</strong> Deus que se revela.É igualmente importante ressaltar que a liturgia expressa a fé <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>evocativo, em contato com o evento funda<strong>do</strong>r. A finalida<strong>de</strong> primeira da liturgia não éexpressar a fé racionalmente, mas celebrá-la existencialmente e transportar-nossacramentalmente <strong>ao</strong> evento base da nossa fé 13 .1.2.3 A liturgia como fonte da práxis cristã (Lex agendi)A liturgia é capaz <strong>de</strong> estabelecer uma orientação prática que concretiza a fé soba forma <strong>do</strong> agir. É um aspecto freqüentemente olvida<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> se trata da liturgia.Na discussão em torno à relação teologia-liturgia e a condição <strong>de</strong> “lugarteológico” <strong>de</strong>sta última se esquece facilmente um aspecto da vida cristã: a ética,12 TABORDA, Francisco. Lex orandi – lex cre<strong>de</strong>ndi: origem, senti<strong>do</strong> e implicações <strong>de</strong> um axioma teológico.Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, n. 95, p. 8, 2003.13 Cf. TABORDA, Lex orandi – lex cre<strong>de</strong>ndi, p. 82.


16a prática, a vida concreta, que é o “chão” on<strong>de</strong> a fé celebrada é vivida e que esta<strong>de</strong>ve impregnar 14 .<strong>Da</strong><strong>do</strong> que a oração litúrgica é sempre uma oração no Espírito Santo, é naturalque esta produza comunhão não só entre os membros da assembléia celebrante, mastambém os envie àqueles que estão à margem das várias formas <strong>de</strong> agregação humana, afim <strong>de</strong> acolhê-los no corpo eclesial <strong>de</strong> Cristo. A liturgia, quan<strong>do</strong> autenticamente celebradae vivida, coloca-nos em atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> encontro e serviço em relação <strong>ao</strong>s necessita<strong>do</strong>s, pobres eexcluí<strong>do</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o tipo. A liturgia, consciente e frutuosamente celebrada, transforma-senum imperativo concreto e num impulso efetivo para levar a comunhão eclesial <strong>ao</strong>s quecarecem <strong>de</strong> paz, dignida<strong>de</strong>, alegria, perdão e misericórdia como frutos eminentes <strong>do</strong>mistério pascal 15 . A celebração litúrgica revela e dinamiza uma práxis cristã. Práxis geradapela fé e pela esperança em vista <strong>de</strong> sua concretização na carida<strong>de</strong>.A vida cristã apresenta três momentos que lhe são intrínsecos; liturgia-fé-ética(compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> sob esta última a prática da vida cristã <strong>de</strong> cada dia). Se não seleva em consi<strong>de</strong>ração a inter<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong>s três momentos, não se esclarecemas relações entre quaisquer <strong>do</strong>s outros <strong>do</strong>is componentes da tría<strong>de</strong>. Assim comona Trinda<strong>de</strong> não se po<strong>de</strong>m consi<strong>de</strong>rar as relações entre duas pessoas sem levar asério a terceira, ou seja, sem consi<strong>de</strong>rar as duas pessoas em questão naperspectiva intratrinitária total, assim também oração-fé-agir são três aspectos daexistência cristã tão fundamentalmente uni<strong>do</strong>s que toda reflexão sobre a relaçãoentre <strong>do</strong>is sem o terceiro é ina<strong>de</strong>quada 16 .1.2.4 A liturgia como pregustação e espera da realida<strong>de</strong> escatológica (Lexsperandi)No centro tanto da escatologia como da liturgia cristã está o mistério pascal <strong>de</strong>Cristo. Em ambos a ressurreição <strong>de</strong> Cristo é proclamada como o evento que inaugura arealida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva. Des<strong>de</strong> as últimas décadas, a teologia sacramental tem vivi<strong>do</strong> umfecun<strong>do</strong> reencontro com o méto<strong>do</strong> mistagógico. Teologia e mistagogia nos revelam aliturgia, e principalmente a eucaristia, como momento por excelência da celebraçãoexperiênciae da antecipação-espera da realida<strong>de</strong> escatológica.A liturgia da Igreja, como testemunham as fontes mais antigas, sempre expressou<strong>de</strong> maneira exemplar esta visão escatológica centralizada na ressurreição <strong>de</strong>Cristo e na espera <strong>de</strong> sua vinda, reconduzin<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> à celebração <strong>do</strong> mistériopascal, síntese da história da salvação 17 .14 TABORDA, Lex orandi – lex cre<strong>de</strong>ndi, p. 82-83.15 Cf. ROVIRA BELLOSO, Introducción, p. 144-145.16 TABORDA, Lex orandi – lex cre<strong>de</strong>ndi, p. 83.17 CASTELLANO, J. Escatologia. In SARTORE, Domenico; TRIACCA, Achille M. DL. 3. ed. São Paulo:Paulus, 2004. p. 349.


17Por sua vez, a Igreja em oração se compreen<strong>de</strong> como comunida<strong>de</strong> escatológica,constituída pela presença <strong>do</strong> Senhor Ressuscita<strong>do</strong> que se manifesta <strong>de</strong> múltiplas formas(Cf. SC 7). Uma comunida<strong>de</strong> que é o corpo eclesial <strong>de</strong> Cristo e que, celebran<strong>do</strong> o seumistério pascal, espera sua vinda gloriosa. Na liturgia, os gran<strong>de</strong>s temas da escatologiaemergem traduzi<strong>do</strong>s em linguagem eucológica. É esta realida<strong>de</strong> que possibilita umareflexão teológica sobre a escatologia a partir da lex orandi.A liturgia celebra o mistério pascal <strong>de</strong> Cristo. A fé da Igreja, fonte da teologia,manifesta-se na liturgia. Tu<strong>do</strong> isso habilita a liturgia a ser reconhecida como lugarteológico. A esperança da Igreja também tem a sua epifania no culto litúrgico. Nele semanifesta uma autêntica Lex sperandi. Por isso, o testemunho da liturgia po<strong>de</strong> serassumi<strong>do</strong> como objeto <strong>de</strong> uma reflexão teológica sobre a escatologia.


182 Status quaestionis da relação escatologia-liturgiaNo ambiente católico-romano a escatologia e a teologia sacramental foram <strong>do</strong>istrata<strong>do</strong>s que experimentaram um impressionante processo <strong>de</strong> renovação, intensifica<strong>do</strong> apartir <strong>do</strong> Concílio Vaticano II.A escatologia teve a sua “virada copernicana”, que a <strong>de</strong>slocou <strong>do</strong> tradicionalesquema <strong>do</strong>s novíssimos (praticamente limita<strong>do</strong> <strong>ao</strong>s temas da escatologia individual) paraa escatologia renovada que se articula numa escatologia da pessoa, da história e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.Esse novo horizonte da escatologia foi sen<strong>do</strong> gradualmente amplia<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> séculoXIX.A teologia sacramental também foi renovada e ampliada. É inegável acontribuição da teologia <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> milênio para a compreensão <strong>do</strong>s sacramentos. Todaviaa sua clareza conceitual tendia a compreen<strong>de</strong>r os sacramentos <strong>de</strong> maneira fria e impessoal ea quase isolá-los <strong>do</strong> conjunto forma<strong>do</strong> por toda a liturgia. A rigorosa exatidão <strong>do</strong>sconceitos, a ênfase jurídica nas condições <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> e liceida<strong>de</strong> da celebração colocaramna penumbra dimensões fundamentais da teologia <strong>do</strong>s sacramentos e a sua articulação vivacom o universo litúrgico.A reforma litúrgica promovida a partir <strong>do</strong> Vaticano II, e sobretu<strong>do</strong> a reflexãoteológica que a acompanhou, buscaram superar estes limites. Por isso é indispensável umaabordagem <strong>do</strong> “status quaestionis” que aprofun<strong>de</strong> a compreensão da dinâmica históricaque envolveu a relação escatologia-liturgia.2.1 Breve panorama da questão escatológica na teologiamo<strong>de</strong>rnaA partir <strong>do</strong> final <strong>do</strong> século XIX, consoli<strong>do</strong>u-se um movimento <strong>de</strong> resgate dacentralida<strong>de</strong> da escatologia na teologia e na vida cristã. Este fenômeno, para sera<strong>de</strong>quadamente situa<strong>do</strong> e compreendi<strong>do</strong>, exige uma visão histórica sobre o<strong>de</strong>senvolvimento da escatologia cristã. Esta visão histórica tem mereci<strong>do</strong> a atenção <strong>de</strong>


19vários teólogos que aprofundam a temática escatológica 1 . Dividiremos o <strong>de</strong>senvolvimentohistórico <strong>do</strong> discurso escatológico cristão em cinco fases. A primeira fase correspon<strong>de</strong> <strong>ao</strong>strês primeiros séculos da era cristã. Neste perío<strong>do</strong>, consi<strong>de</strong>rava-se como iminente aparusia. Todavia a imediata vinda gloriosa <strong>do</strong> Senhor, tal como era esperada por aquelageração, não aconteceu. Aparece então a segunda fase que se esten<strong>de</strong> <strong>do</strong> século V <strong>ao</strong> início<strong>do</strong> século XIX. Nela a vivência cotidiana da fé cristã e as circunstâncias históricas eteológicas exigiram uma reelaboração da esperança escatológica e a assimilação <strong>de</strong> umapostura <strong>de</strong> espera pela plenitu<strong>de</strong> futura 2 . Esta nova abordagem da escatologia iniciou otrasla<strong>do</strong> da esperança escatológica para o campo <strong>do</strong>s novíssimos. É uma etapa marcadapelo <strong>de</strong>senvolvimento intenso da escatologia da pessoa e pela pequena ênfase nas suasoutras dimensões (histórica e cósmica). A terceira fase é marcada pelo contexto damo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, especificamente pelo perío<strong>do</strong> da Ilustração. Suas características principaissão a crítica mo<strong>de</strong>rna feita à escatologia tradicional e as primeiras reações da teologia,particularmente com o aparecimento da teologia protestante liberal. A quarta fase é regidapelo resgate da centralida<strong>de</strong> <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> escatológico da fé cristã e pelas várias leiturasque <strong>de</strong>le se fazem. A multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abordagens <strong>do</strong> problema escatológico re<strong>de</strong>scobreas suas várias dimensões e rompe o secular confinamento <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> escatológico <strong>ao</strong>slimites <strong>do</strong>s novíssimos. Esta fase po<strong>de</strong> ser situada entre o final <strong>do</strong> século XIX e o início dasegunda meta<strong>de</strong> <strong>do</strong> século XX. Uma quinta fase se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bra <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as décadas <strong>de</strong> 1950 e1960 até os dias atuais. Nela se <strong>de</strong>senvolvem dimensões e aspectos da escatologi<strong>ao</strong>lvida<strong>do</strong>s ou trata<strong>do</strong>s <strong>de</strong> forma germinal na fase anterior. É a etapa <strong>do</strong> aprofundamento daescatologia histórica e <strong>do</strong> resgate e nova contextualização da escatologia cósmica. A buscada significação original da escatologia cristã e o seu senti<strong>do</strong> para o homem contemporâneopermanecem como meta e motivação para a reflexão teológica sobre a escatologia.Para iniciarmos esse panorama, voltemos o olhar para os séculos IV e V. Oambiente cristão <strong>de</strong>ssa época foi tenta<strong>do</strong> a interpretar a conversão <strong>do</strong> império romano à fécristã como autêntica realização da escatologia. Todavia, após o edito <strong>de</strong> Milão, a vidacristã experimentou notável <strong>de</strong>cadência e pôs em questão esta visão. Emergiu o movimentomonástico com uma espiritualida<strong>de</strong> marcada pela fuga <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e pela crítica <strong>ao</strong> pacto1 Cf. ANCONA, G. Escatologia cristiana. Brescia: Queriniana, 2003; BRANCATO, Francesco. Verso ilrinnovamento <strong>de</strong>l trattato di escatologia. Bologna: ESD, 2002; RICO PAVÉS, José. Escatología Cristiana.Murcia: UCAM, 2002.2 Cf. LEPARGNEUR, Hubert. A protelação da parusia no início da secularização <strong>do</strong> cristianismo primitivo.Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v. 31, n. 121, p. 3- 46, 1971.


20com o império. Coube a Santo Agostinho enfrentar o <strong>de</strong>safio da recomposição <strong>do</strong> discursoescatológico, sobretu<strong>do</strong> diante da crise gerada pela posterior queda <strong>do</strong> império romano.Destruí<strong>do</strong> o império, estaria <strong>de</strong>struída a esperança escatológica? Agostinho respon<strong>de</strong>negativamente e <strong>de</strong>monstra a temerida<strong>de</strong> da i<strong>de</strong>ntificação da escatologia realizada comalgum perío<strong>do</strong> histórico ou com uma estrutura <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r humano 3 . A reflexão agostinianaforneceu os fundamentos para uma rejeição vigorosa das várias formas <strong>de</strong> messianismo <strong>do</strong>seu tempo, mas também <strong>do</strong>s séculos seguintes. <strong>Da</strong>í constatarmos que Santo Agostinhooperou uma <strong>de</strong>s-messianização da história <strong>ao</strong> transpor a esperança escatológica para aesfera <strong>do</strong>s novíssimos. O problema <strong>do</strong> mal e a vitória final <strong>de</strong> Cristo passaram a serinterpreta<strong>do</strong>s mediante a tensão conflitiva entre as “duas cida<strong>de</strong>s”. A presença <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong>Cristo (a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus) já é perceptível neste mun<strong>do</strong> através da Igreja que anuncia erepresenta o <strong>Reino</strong>. Por isso, <strong>ao</strong> ingressar na Igreja pelo Batismo, o cristão já experimentauma primeira ressurreição. A plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa ressurreição se dará por ocasião da vindagloriosa <strong>do</strong> Senhor. No pensamento agostiniano, po<strong>de</strong>mos encontrar o esquema <strong>de</strong> basepara a formulação <strong>de</strong> uma escatologia <strong>de</strong> dupla fase (morte e juízo particular, tempointermediário, segunda vinda <strong>de</strong> Cristo e juízo final) 4 . Este esquema, presente nas obras <strong>de</strong>Santo Agostinho, não possuía uma rígida sistematização. Esta tarefa foi assumida porJuliano <strong>de</strong> Tole<strong>do</strong> (século VII) em seu Prognóstico <strong>do</strong> Século Futuro, obra que consoli<strong>do</strong>uo clássico esquema <strong>do</strong>s novíssimos 5 .A Ida<strong>de</strong> Média caracterizou-se pela concentração da reflexão teológica naescatologia da pessoa. Fatores históricos e culturais também favoreceramconsi<strong>de</strong>ravelmente tal concentração. Debateu-se sobre o gênero <strong>de</strong> vida das almas após amorte e o mo<strong>do</strong> da ressurreição <strong>do</strong>s corpos (Hugo <strong>de</strong> São Vítor e Pedro Lombar<strong>do</strong>),reeditou-se a expectativa milenarista (Joaquim <strong>de</strong> Fiore) 6 , <strong>de</strong>bateu-se sobre o juízo, anecessida<strong>de</strong> da purificação da alma e os sufrágios (São Boaventura e Duns Scotus) 7 . Ogran<strong>de</strong> expoente <strong>do</strong> pensamento medieval, Santo Tomás <strong>de</strong> Aquino, não elaborou na SumaTeológica um trata<strong>do</strong> sobre os novíssimos. Colhi<strong>do</strong> pela morte antes <strong>de</strong>sse feito, viram-se3MARROU, Henri-Irinèe. Teologia da História: o senti<strong>do</strong> da caminhada da humanida<strong>de</strong> através datemporalida<strong>de</strong>. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 39-49.4 AGOSTINHO, A Cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. Petrópolis: Vozes, 1992. Parte II: Livros 18 a 22, p. 313-589.5 POZO, Candi<strong>do</strong>. La <strong>do</strong>ctrina <strong>de</strong>l “Prognosticum Futuri Saeculi” <strong>de</strong> San Julián <strong>de</strong> Tole<strong>do</strong>. EstudiosEclesiasticos, Madrid, n. 45, p. 173-201, 1970.6 LADARIA, L. F. O perío<strong>do</strong> medieval: sistematização da escatologia pessoal. In SESBOÜÉ, Bernard (org.).O homem e a sua salvação. São Paulo: Loyola, 2003. v. 2, p. 372-383.7 MERINO, José Antônio; FRESNEDA, Francisco Martínez (org.). Manual <strong>de</strong> Teologia Franciscana.Petrópolis: Vozes, 2005. v. 1, p. 404-410.


21os seus discípulos obriga<strong>do</strong>s a completar a Suma Teológica com um suplemento hauri<strong>do</strong>em suas reflexões quan<strong>do</strong> jovem professor. No suplemento, <strong>de</strong>staca-se uma visãoantropológica marcada pela perspectiva da “alma separada” e pelo esquema tradicional <strong>do</strong>snovíssimos. O princípio da alma como forma <strong>do</strong> corpo, presente no Tomás maduro, aindanão está claro nesses primeiros textos. Ressalta-se neles o valor da missa como o sufrágiopor excelência em favor <strong>do</strong>s <strong>de</strong>funtos. Por sua vez, o magistério eclesiástico <strong>de</strong>ste perío<strong>do</strong>emanará <strong>de</strong>clarações importantes referentes à escatologia. Elas estão no IV Concílio <strong>de</strong>Latrão 8 , em 1215, (parusia, retribuição final e ressurreição <strong>do</strong>s corpos), no II Concílio <strong>de</strong>Lyon 9 , em 1274, (purgatório, sufrágios, juízo e retribuição) e, principalmente naconstituição Benedictus Deus 10 , em 1336, que “canoniza” a escatologia <strong>de</strong> dupla fase. Oconcílio <strong>de</strong> Florença 11 , em 1439, tratará <strong>do</strong> purgatório no contexto <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate com a Igrejagrega.O Concílio <strong>de</strong> Trento 12 (1545 -1563) abor<strong>do</strong>u a escatologia no contexto dasrefutações às críticas feitas pelos reforma<strong>do</strong>res. Reafirmou-se enfaticamente a existência<strong>do</strong> purgatório e o valor <strong>do</strong>s sufrágios pelos <strong>de</strong>funtos. Os referenciais da escatologiamedieval permaneceram intactos. Do concílio <strong>de</strong> Trento <strong>ao</strong> Vaticano II, não apareceram<strong>de</strong>clarações significativas <strong>do</strong> magistério 13 . Irrompe a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, mas a vida eclesialainda se pauta por um discurso e por uma prática conforme o contexto pré-mo<strong>de</strong>rno. Os<strong>do</strong>gmas cristãos começam a receber críticas cada vez mais violentas. Na linha <strong>do</strong> diálogocom a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, aparece no século XIX a teologia liberal.O termo “liberalis theologia” (...) tencionava indicar com isso um livre méto<strong>do</strong><strong>de</strong> investigação histórico-crítica das fontes da fé e da teologia, que não sesentisse vincula<strong>do</strong> <strong>ao</strong>s da<strong>do</strong>s posteriores da tradição <strong>do</strong>gmática 14 .O empenho <strong>do</strong>s liberais pela <strong>de</strong>s-helenização <strong>do</strong> cristianismo levantou críticascontun<strong>de</strong>ntes a to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>gmas cristãos sem poupar a escatologia tradicional. Por suavez, num total distanciamento <strong>de</strong>ste intenso <strong>de</strong>bate, a pastoral e a espiritualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssaépoca muito valorizam o tema <strong>do</strong>s novíssimos. Os novíssimos marcaram profundamente areligiosida<strong>de</strong> e o imaginário popular através das santas missões, das pregações e <strong>do</strong>s8 Cf. DH 801.9 Cf. DH 856-859.10 Cf. DH 1000-1002.11 Cf. DH 1304-1316.12 Cf. DH 1820.13 LADARIA, O Concílio <strong>de</strong> Trento. In SESBOÜÉ, O homem e a sua salvação, p. 389-390.14 GIBELLINI. Rosino. A teologia <strong>do</strong> século XX. São Paulo: Loyola, 1998. p. 19.


22escritos e práticas <strong>de</strong>vocionais. Ganharam gran<strong>de</strong> vulto o me<strong>do</strong> <strong>do</strong> inferno, as <strong>de</strong>scriçõestopográficas <strong>do</strong> além e a <strong>de</strong>voção às almas <strong>do</strong> purgatório.O advento da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> submeteu a síntese medieval da escatologia à críticae <strong>de</strong>pois à rejeição. A mentalida<strong>de</strong> formada pela “ida<strong>de</strong> das luzes” afirmava que sópo<strong>de</strong>ríamos conhecer o que se situa <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s referenciais <strong>de</strong> espaço e <strong>de</strong> tempo. Umarealida<strong>de</strong> que ultrapassasse esses limites só po<strong>de</strong>ria ser objeto <strong>de</strong> fé religiosa. Estaria noplano “das coisas que po<strong>de</strong>m ser esperadas” e, por esse motivo, não seriam admitidas pelodiscurso racionalista e empirista 15 . No máximo tal esperança escatológica po<strong>de</strong>riasobreviver na crença íntima <strong>de</strong> cada pessoa.A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> reelaborou a escatologia secularizan<strong>do</strong>-a. Hegel apontou parauma escatologia cumprida no horizonte das realizações <strong>do</strong> espírito absoluto. Marx faz omesmo, mas assumin<strong>do</strong> a transformação da realida<strong>de</strong> mediante as forças históricas. Ocientificismo criou a i<strong>de</strong>ologia <strong>do</strong> ilimita<strong>do</strong> progresso científico, que conduziria ahumanida<strong>de</strong> à plenitu<strong>de</strong> esperada. Não há espaço para a esperança <strong>de</strong> um mun<strong>do</strong> futuro <strong>de</strong>origem sobrenatural. Tu<strong>do</strong> o que a humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve realizar haverá <strong>de</strong> ser no “aqui eagora” e não no além.A teologia se viu diante <strong>de</strong>sse tremen<strong>do</strong> <strong>de</strong>safio <strong>do</strong> diálogo com umamo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> crítica e até hostil. A primeira tentativa <strong>de</strong> diálogo aconteceu no ambienteprotestante e foi assumida, como já dissemos, pela chamada teologia liberal. Nesse senti<strong>do</strong>,assumiu-se uma abordagem da fé cristã aberta à crítica histórica. A exegese bíblica e ahistória <strong>do</strong>s <strong>do</strong>gmas foram objeto <strong>de</strong> especial análise e <strong>de</strong>bate. Buscou-se a essência <strong>do</strong>cristianismo e concluiu-se que pouca coisa <strong>do</strong> que temos seria autêntica. A chamadahelenização da fé teria agrega<strong>do</strong> <strong>ao</strong> discurso cristão elementos que não lhe pertenciamoriginalmente. Os <strong>do</strong>gmas nada mais são que uma forma helenizada <strong>de</strong> compreensão da fé.A partir disso, classificou-se como helenização a ênfase na imortalida<strong>de</strong> da alma em<strong>de</strong>trimento da ressurreição e como dualista a antropologia presente na escatologia <strong>de</strong> duplafase. No que se refere à cristologia, concluiu-se que seria impossível ter acesso <strong>ao</strong> Jesushistórico. Importa acolher a mensagem ética <strong>de</strong>ixada por Jesus, ti<strong>do</strong> pelos liberais como omestre <strong>de</strong> moral por excelência. Numa reflexão assim configurada, valorizava-se somente15 LA DUE, William J. O guia trinitário para a escatologia. São Paulo: Loyola, 2007. p. 45-55.


23o conteú<strong>do</strong> ético <strong>do</strong> cristianismo 16 . A esperança escatológica terminou rotulada comomitologia ultrapassada. O resulta<strong>do</strong> foi o esvaziamento escatológico da fé cristã.A abolição da escatologia, <strong>de</strong>cretada na prática pela teologia liberal, provocoureações fortíssimas. Reações que tiveram seu nasce<strong>do</strong>uro no mesmo ambiente on<strong>de</strong> ateologia liberal surgiu: o protestantismo. Urgia repensar a escatologia cristã após críticastão severas. O primeiro caminho a ser trilha<strong>do</strong> foi a pesquisa bíblica. A crítica liberalnecessitava <strong>de</strong> análise e refutação. A polêmica rasgou novos horizontes para os estu<strong>do</strong>sbíblicos. Tu<strong>do</strong> isso ocasionou uma releitura <strong>do</strong>s Evangelhos e <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o Novo Testamento.A fé cristã reapareceu como fé radicalmente escatológica. Investigou-se o teor daesperança escatológica no cristianismo primitivo e o seu conseqüente influxo sobre aformulação e vivência da fé. Estabeleceu-se uma crítica sobre o distanciamento históricoexperimenta<strong>do</strong> pela reflexão teológica e pela práxis cristã em relação a essa referênciafundamentalOs teólogos J. Weiss e Albert Schweitzer re<strong>de</strong>scobriram a centralida<strong>de</strong> daescatologia na vida e na pregação <strong>de</strong> Jesus. Jesus não po<strong>de</strong> ser entendi<strong>do</strong> somente como oeminente prega<strong>do</strong>r moral e mestre da virtu<strong>de</strong>. O centro da sua pregação é a iminência davinda <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus 17 . Karl Barth repropôs toda a teologia a partir da afirmação datranscendência e primazia <strong>do</strong> Deus que se revela, salva e plenifica a criação. A escatologiatornou-se um <strong>do</strong>s eixos centrais <strong>de</strong> sua reflexão 18 . Ru<strong>do</strong>lf Bultmann <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u umanecessária <strong>de</strong>smitologização <strong>do</strong> Novo Testamento e apresentou Jesus Cristo como opróprio evento escatológico, manifesta<strong>do</strong> no momento presente, diante <strong>do</strong> qual cada pessoa<strong>de</strong>ve <strong>de</strong>cidir aceitan<strong>do</strong>-o ou não. A escatologia <strong>de</strong> Bultmann é centralizada neste momentopresente já que <strong>de</strong> uma escatologia futura nada se po<strong>de</strong> afirmar. Sua escatologia seconcentra na dimensão contemporânea da <strong>de</strong>cisão por Cristo 19 . Bultmann encara oéschaton como “a possibilida<strong>de</strong>, oferecida pela fé, <strong>de</strong> transformar cada momento daexistência em momento escatológico. (...) a escatologia absorve a história e a esperançasofre uma contração privatizante como esperança da alma isolada” 20 .16 Cf. MONDIN, Battista. Os gran<strong>de</strong>s teólogos <strong>do</strong> século XX. São Paulo: Paulus/Teológica, 2003. p. 24-29.17 Cf. TAMAYO, Juan-José. Escatologia cristã. Dicionário <strong>de</strong> conceitos fundamentais <strong>do</strong> cristianismo. SãoPaulo: Paulus, 1999. p. 219-222.18 Cf. BARTH, Karl. L’Epistola ai Romani. Milano: Feltrinelli, 1962. p. 125-166.19 Cf. BULTMANN, Ru<strong>do</strong>lf. History and Eschatology: the presence of eternity. New York: Harper & Row,1957. p. 151-152.20 GIBELLINI, A teologia, p. 280.


24A posição <strong>de</strong> Bultmann isola a escatologia da totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> processo histórico.Por isso surge uma corrente teológica disposta a rearticular a relação escatologia-história.Destacam-se neste empreendimento os nomes <strong>de</strong> Oscar Culmann, Jürgen Moltmann eWolfhardt Pannenberg. Oscar Culmann trabalhou a dimensão histórica da salvaçãoproclamada na Escritura e articulou uma compreensão <strong>do</strong> tempo como Kairós. O eventoCristo é o ponto intermediário <strong>do</strong> tempo e a partir <strong>de</strong>le <strong>de</strong>flagra-se o tempo final. É <strong>de</strong>le ocelebre binômio “já e ainda não” 21 . Jürgen Moltmann aprofun<strong>do</strong>u a significação históricoexistencialda escatologia cristã <strong>ao</strong> transformar a esperança em princípio teológicocentral 22 . A esperança, enquanto princípio, já encontra a sua causa remota na experiênciasalvífica da promessa e <strong>do</strong> êxo<strong>do</strong>, e atinge a sua plenitu<strong>de</strong> em Jesus Cristo. Para Moltmann,a esperança não é uma simples virtu<strong>de</strong> moral, mas o fundamento radical, o horizonte<strong>de</strong>finitivo e o princípio operante da teologia e <strong>de</strong> toda a vida cristã.Wolfhardt Pannenberg parte <strong>de</strong> uma interessante perspectiva ancorada nateologia fundamental. É sob este ângulo que se <strong>de</strong>senvolve uma escatologia centrada emCristo como prolepse revela<strong>do</strong>ra da consumação da história 23 . A revelação divina aconteceatravés <strong>do</strong>s acontecimentos históricos. Estes acontecimentos chegam a nós não como“fatos brutos”, mas como acontecimentos interpreta<strong>do</strong>s, manifestan<strong>do</strong> assim o seu senti<strong>do</strong>.A Palavra <strong>de</strong>sempenha uma tarefa específica não só em relação <strong>ao</strong> acontecimento, mas atu<strong>do</strong> o que o acontecimento contém e <strong>de</strong>svela diante da razão humana. Visan<strong>do</strong> dialogarcom o ambiente cria<strong>do</strong> pela Ilustração, Pannenberg valoriza a racionalida<strong>de</strong> da pessoahumana. Ele postula que a fé não se constitui à margem da razão ou contradizen<strong>do</strong>-a. A fépressupõe e assume a razão. A Palavra da revelação não é só palavra que se pronuncia nahistória. É Palavra que assume e pressupõe a história e, mais ainda, é Palavra que não fazoutra coisa senão <strong>de</strong>svelar uma racionalida<strong>de</strong> presente na própria história. O senti<strong>do</strong> dahistória está conti<strong>do</strong> em sua consumação ou plenitu<strong>de</strong>. Há um acontecimento que antecipaesta consumação para on<strong>de</strong> a história caminha: Jesus Cristo ressuscita<strong>do</strong>. Cristo, enquantoprolepse 24 antecipatória da plenitu<strong>de</strong>, é a mais radical instância hermenêutica <strong>do</strong> homem eda história. É Cristo quem <strong>de</strong>svela <strong>ao</strong> homem o pleno senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> seu ser e da sua história.Pannenberg se dispõe a algo que é mais que uma análise teológica da história empírica,21 Cf. CULMANN, Oscar. Salvation in History. New York: Harper & Row, 1967.22 Cf. MOLTMANN, Jürgen. Teologia da Esperança: estu<strong>do</strong>s sobre os fundamentos e as conseqüências <strong>de</strong>uma escatologia cristã. São Paulo: Her<strong>de</strong>r, 1971.23 PANNENBERG, Wolfhardt. The Apostle’s Creed. Phila<strong>de</strong>lphia: Westminster, 1972. p. 171-175.24 Prolepse entendida como aquilo que se refere à realida<strong>de</strong> futura e, <strong>de</strong> certa forma, já é antecipação <strong>de</strong>la. ORessuscita<strong>do</strong>, por sua condição <strong>de</strong> primícias da nova criação, antecipa em si a plenitu<strong>de</strong> escatológica.


25centrada no evento Cristo, tal como fizeram Santo Agostinho ou Culmann. Seu intento érefletir sobre o processo que conduz a esta plenitu<strong>de</strong>. Processo que se articula toman<strong>do</strong>como referência e fundamento a autotranscendência <strong>do</strong> ser humano e a ressurreição <strong>do</strong>Cristo Senhor 25 .Dentro <strong>de</strong>sta vertente histórica, a escatologia também foi relida numaperspectiva ético-política liberta<strong>do</strong>ra tanto pela teologia política <strong>de</strong> J. B. Metz quanto pelateologia da libertação. Aqui já presenciamos um intercâmbio entre a reflexão teológicaprotestante e católica. Essas teologias conseguem ir além da reflexão <strong>de</strong> Moltmann. Elaspropõem mediações históricas concretas para a esperança cristã, tentam relacionar asutopias históricas com esta esperança e fomentam um engajamento em prol datransformação da realida<strong>de</strong> 26 . Com gran<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong> histórica, mas sem o viésliberacionista, Paul Tillich na sua Teologia Sistemática 27 aborda uma série <strong>de</strong> temas <strong>de</strong>cunho escatológico (relação entre o temporal e o eterno, Igreja e <strong>Reino</strong> escatológico, Juízo,vida eterna e con<strong>de</strong>nação, ressurreição <strong>do</strong> corpo), além <strong>de</strong> elaborar categorias próprias para<strong>de</strong>senvolver sua reflexão (essencialização, interesse último e novo ser) 28 .To<strong>do</strong> esse <strong>de</strong>bate fez com que a escatologia voltasse a ser conhecida como um<strong>do</strong>s eixos centrais da fé cristã. Fosse omitida esta dimensão, o cristianismo per<strong>de</strong>ria a suai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e força <strong>de</strong> atração. Terminaria rebaixa<strong>do</strong> a um balbucio <strong>de</strong> palavras pie<strong>do</strong>sasque só os ingênuos aceitariam como substituição da realida<strong>de</strong> 29 .Apesar <strong>de</strong> diversificada, há na crítica mo<strong>de</strong>rna da escatologia um ponto <strong>de</strong>convergência que <strong>de</strong>spertou a atenção e a apreensão <strong>de</strong> teólogos e pastores: a crença <strong>de</strong> quea construção da história e a realização <strong>do</strong> futuro constituem uma obra que é <strong>de</strong> autoriaexclusiva <strong>do</strong> homem. Estamos diante <strong>de</strong> perspectivas que rejeitam abertamente ou sequerconsi<strong>de</strong>ram a possibilida<strong>de</strong> da presença e da atuação <strong>de</strong> Deus na história. As chamadasescatologias imanentes são fundamentalmente <strong>de</strong> orientação materialista e atéia, ainda quenem todas explicitem esta direção diante <strong>de</strong> um primeiro olhar.A reflexão teológica reconheceu esta realida<strong>de</strong> e sentiu-se chamada a tomar umposicionamento.25 BRENA, G. La teologia di Pannenberg: cristianesimo e mo<strong>de</strong>rnitá. Casale Monferrato: Marietti, 1993.26 Cf. TAMAYO, DCFC, p. 220-221.27 Cf. TILLICH, Paul. Teologia Sistemática. São Paulo: Paulinas/Sinodal, 1984. p. 297-337.28 Cf. LA DUE, O Guia Trinitário, p. 75-82.29 Cf. AUER, Johann; RATZINGER, Joseph. Escatología: la muerte y la vida eterna. Barcelona: Her<strong>de</strong>r,1984.


26Todas estas teorias tornaram mais vigilante o pensamento teológico sobre osenti<strong>do</strong> da história, sobre a esperança cristã como construção ativa <strong>do</strong> futuro,sobre o compromisso com o temporal como preparação indireta para a vinda <strong>de</strong>Cristo 30 .O ambiente católico, inicialmente fecha<strong>do</strong> e resistente à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, tevetambém <strong>de</strong> ingressar nesse processo. Teólogos católicos, abertos <strong>ao</strong>s <strong>de</strong>safios <strong>de</strong> sua épocae <strong>de</strong>sejosos <strong>de</strong> uma abordagem mo<strong>de</strong>rna da teologia católica, se viram diante <strong>de</strong> uma duplatarefa. A primeira era apresentar <strong>de</strong> forma renovada <strong>ao</strong> homem mo<strong>de</strong>rno os da<strong>do</strong>s da fésobre a escatologia. A segunda tarefa consistia em questionar a teologia clássica e a suaforma <strong>de</strong> tratar os “novíssimos”, bem como repropor um novo mo<strong>de</strong>lo, construí<strong>do</strong>conforme o aprofundamento <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s da revelação. Este aprofundamento gerou a rejeição<strong>de</strong> uma compreensão individualista da escatologia, a superação <strong>de</strong> uma antropologiadualista e a a<strong>do</strong>ção <strong>de</strong> formas mais sóbrias <strong>ao</strong> se discursar sobre certos tópicos <strong>de</strong>stetrata<strong>do</strong>. Deve-se notar que a compreensão da comunida<strong>de</strong> eclesial sobre as realida<strong>de</strong>sescatológicas recebeu uma inegável influência <strong>do</strong> imaginário cultural. Influência muitomaior <strong>do</strong> que uma abordagem especificamente teológica. Tratava-se <strong>de</strong> renovar e recomporto<strong>do</strong> o discurso escatológico católico e, <strong>ao</strong> mesmo tempo, cuidar da forma pastoral <strong>de</strong>expô-lo à comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fé.A expansão escatológica (...) apanhou <strong>de</strong>sprevenida a antiga escatologia. Tinhasea impressão, por justos motivos, <strong>de</strong> que a resposta não estava a<strong>de</strong>quada àinterrogação. Falou-se então em encerrar o assunto e afixar o cartaz: “fecha<strong>do</strong>para restauro”. E começou-se a trabalhar intensamente a fim <strong>de</strong> colmatar adiferença que parecia cada vez mais incômoda 31 .O cumprimento <strong>de</strong>ssa dupla tarefa teve antes que superar tremendas barreiras<strong>de</strong>ntro da própria teologia católica. Des<strong>de</strong> a con<strong>de</strong>nação <strong>do</strong> movimento mo<strong>de</strong>rnista noinício <strong>do</strong> século XX, a teologia vigente era a neo-escolástica. Nesse contexto, a escatologiapermanecia sen<strong>do</strong> tratada conforme as referências dadas pela Suma Teológica. Erapraticamente inadmissível uma crítica histórica ou um aprofundamento antropológico dasquestões escatológicas. Tais iniciativas corriam o sério risco <strong>de</strong> serem imediatamenterotuladas como “heresia mo<strong>de</strong>rnista”. Os avanços e <strong>de</strong>scobertas promovi<strong>do</strong>s pela exegesebíblica mo<strong>de</strong>rna eram <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s ou vistos com receio pela maioria <strong>do</strong>s teólogoscatólicos, por causa da origem protestante <strong>de</strong>ssas novida<strong>de</strong>s. Todavia era inevitável umprocesso que culminasse na releitura <strong>do</strong> trata<strong>do</strong> escatológico no ambiente católico. Odiálogo com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, mais ce<strong>do</strong> ou mais tar<strong>de</strong>, clamaria por essa iniciativa.30 CASTELLANO, DL, p. 349.31 FROSINI. Giordano. A teologia hoje: síntese <strong>do</strong> pensamento teológico. Vila Nova <strong>de</strong> Gaia: PerpétuoSocorro, 2001. p. 260.


27A realização <strong>de</strong> tão exigentes tarefas recebeu um notável impulso a partir <strong>do</strong>Concílio Vaticano II (1962-1965) 32 . Entretanto, antes mesmo <strong>de</strong>ste concílio, uma gran<strong>de</strong>movimentação já se fazia perceber. Em primeiro lugar notamos o pioneirismo <strong>de</strong> Teilhard<strong>de</strong> Chardin, que inaugura uma nova orientação interpretativa da escatologia. Igualmenteimportante foi o <strong>de</strong>bate, no perío<strong>do</strong> pré-conciliar, entre escatologistas e encarnacionistas.Teilhard, influencia<strong>do</strong> pela contemplação da dinâmica evolutiva <strong>do</strong> cosmos,consi<strong>de</strong>ra que não existe uma ruptura entre o nosso éon e o futuro, que em Deus étotalmente novo. Há uma continuida<strong>de</strong> entre os <strong>do</strong>is éons. O futuro não se imporá comoalgo que vem <strong>de</strong> fora, erguen<strong>do</strong>-se sobre a <strong>de</strong>struição <strong>do</strong> presente. Pelo contrário: o fim <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> é antes a sua consumação. A parusia se manifestará numa criação que extravasa assuas potencialida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunhão. Cristo consumará a unificação universal superan<strong>do</strong>tu<strong>do</strong> o que provoca dissociação e potencializan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> o que é força <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>. Assimestará constituí<strong>do</strong> o pleroma como complexo orgânico on<strong>de</strong> Deus e o cosmos se unemnuma comunhão plena 33 . A história evolui irreversivelmente para este esta<strong>do</strong> e, nesteprocesso histórico-evolutivo, o homem é chama<strong>do</strong> a tomar parte ativa. A reflexão <strong>de</strong>Teilhard <strong>de</strong> Chardin é marcada por um profun<strong>do</strong> otimismo diante da história e por umaradical valorização das realida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong> 34 . Sua singular hermenêutica da escatologiainfluenciou profundamente o Vaticano II quan<strong>do</strong> este concílio tratou da relação entre Igrejae mun<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno, da valorização das realida<strong>de</strong>s terrenas e da compreensão cristã dahistória 35 .Após a 2ª Guerra Mundial, os teólogos católicos <strong>de</strong>bateram intensamente sobreo papel da ativida<strong>de</strong> humana na preparação para a parusia. Dois grupos diferentes seformaram. Os chama<strong>do</strong>s escatologistas (L. Bouyer, J. <strong>Da</strong>niélou, Y. Congar) <strong>de</strong>fendiam quea preparação <strong>de</strong> novos céus e nova terra é <strong>de</strong> ín<strong>do</strong>le interior e invisível, realizada pelasvirtu<strong>de</strong>s da fé, da esperança e da carida<strong>de</strong>. As realizações da ação humana não tinhamnenhum influxo sobre a consumação escatológica. Queriam assim ressaltar a iniciativa, aabsoluta gratuida<strong>de</strong> e a onipotência <strong>de</strong> Deus na nova criação. Os encarnacionistas (D.Dubarle, G. Thils) faziam uma interpretação positiva da história, vista como uma32 A escatologia presente no Concílio Vaticano II será objeto <strong>de</strong> análise num tópico específico <strong>de</strong>stadissertação.33 Cf. LIBANIO, João Batista; BINGEMER, Maria Clara. Escatologia cristã: o novo céu e a nova terra.Petrópolis: Vozes, 1985. p. 70-71.34 Cf. MANCINI, I. (org.). Teilhard <strong>de</strong> Chardin: materia, evoluzione, speranza. Roma: P<strong>ao</strong>line, 1983.35 Cf. GIBELLINI, Rosino. Teilhard <strong>de</strong> Chardin: L’opera e Le interpretazioni. Brescia: Queriniana, 1980.


28aproximação gradual <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus. Afirmavam que haveria certa continuida<strong>de</strong> daativida<strong>de</strong> humana no mun<strong>do</strong> futuro e que o agir humano serve como uma preparaçãodispositiva para a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva. Cada ação humaniza<strong>do</strong>ra, limpa <strong>de</strong> toda mancha etransfigurada por Cristo, po<strong>de</strong>rá permanecer no mun<strong>do</strong> que virá. Todavia <strong>de</strong>sconhecemoscomo isso se dará. A corrente encarnacionista influenciou fortemente o <strong>de</strong>bate conciliar e<strong>de</strong>ixará a sua marca otimista, sobretu<strong>do</strong> na constituição pastoral Gaudium et Spes 36 .Em termos <strong>de</strong> inovação, cabe também ressaltar as notáveis contribuições <strong>de</strong>Karl Rahner, sobretu<strong>do</strong> o seu empenho em busca <strong>de</strong> uma hermenêutica mo<strong>de</strong>rna da<strong>do</strong>utrina escatológica 37 . Rahner, ainda na década <strong>de</strong> 1950, abor<strong>do</strong>u corajosamente o temada significação teológica da morte e analisou o artigo <strong>do</strong> cre<strong>do</strong> que professa a ressurreiçãoda carne. Em sua reflexão, dialogou com as abordagens mo<strong>de</strong>rnas oriundas <strong>do</strong>protestantismo e reconheceu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma “<strong>de</strong>splatonização” da escatologiacatólica. Constatou que a escatologia <strong>de</strong> dupla fase justificava a imortalida<strong>de</strong> da alma, masnão resolvia satisfatoriamente a questão da ressurreição <strong>do</strong> corpo. Aprofundan<strong>do</strong> suareflexão a partir <strong>do</strong>s textos <strong>de</strong> Santo Tomás <strong>de</strong> Aquino, Rahner insistiu que é precisoconsi<strong>de</strong>rar, da maneira mais séria possível, que o corpo é forma da alma e disto tirar as<strong>de</strong>vidas conseqüências <strong>ao</strong> tratar <strong>de</strong> sua ressurreição. Levan<strong>do</strong> em conta os valores daliberda<strong>de</strong> e da autonomia, tão caros <strong>ao</strong> homem mo<strong>de</strong>rno, Rahner reinterpreta a morte comoo momento <strong>de</strong>cisório por excelência. É a chance suprema que tem o homem <strong>de</strong> realizar oseu maior ato <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> 38 .Karl Rahner <strong>de</strong>u um caráter sistemático às suas reflexões. Sobre as afirmaçõesescatológicas diz que não são uma reportagem sobre os acontecimentos futuros,mas nascem <strong>do</strong> presente e são uma projeção ou uma extensão <strong>do</strong> já <strong>ao</strong> aindanão. Já em posse das promessas futuras, nós estamos plenamente autoriza<strong>do</strong>s afirmar a sua completa realização. Os esta<strong>do</strong>s finais, já em ato no nosso presente,encontrarão no futuro o seu pleno cumprimento. (...). Repete-se, <strong>de</strong> maneirainversa, tu<strong>do</strong> quanto o próprio Rahner tinha afirma<strong>do</strong> a propósito dasproposições protológicas, isto é, relativas <strong>ao</strong> começo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Também elasnão po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radas como reportagem <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, mas nascem, sim, dareflexão sobre o presente. É a partir da situação atual <strong>de</strong> miséria que o hagiógrafo<strong>de</strong>duz a existência <strong>de</strong> uma intervenção <strong>do</strong> homem modifica<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> plano <strong>de</strong>Deus. No caso das afirmações protológicas temos a explicação <strong>do</strong> presente à luz<strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, e, no caso das afirmações escatológicas, a explicação <strong>do</strong> presente àluz <strong>do</strong> futuro 39 .36 Cf. SAYÉS, José Antonio. Escatología. Madrid: Pelicano, 2006. p.159-16037Cf. RAHNER. Karl. The hermeneutics of Eschatological assertions. In ____. TheologicalInvestigations/IV. Baltimore: Helicon Press, 1966.38 Cf. RAHNER. Karl. Curso fundamental da fé. São Paulo: Paulinas, 1989. p. 502-504.39 FROSINI, Teologia hoje, p. 261-262.


29Ladislau Boros aprofunda a reflexão sobre o mistério da morte e sua relaçãocom a opção final 40 . A avaliação crítica <strong>de</strong> toda esta retomada da escatologia foi tarefaassumida por Joseph Ratzinger. Ratzinger reconhece a importância e a centralida<strong>de</strong> dadasà escatologia pelos biblistas e teólogos mo<strong>de</strong>rnos. A teologia da esperança e a teologia dalibertação são por ele criticadas por transformarem a escatologia em teologia política. Ofuturo Bento XVI opõe-se também à proposta da ressurreição corporal logo após a morte eà reabilitação contemporânea da Apocatástase <strong>de</strong> Orígenes. Em sua obra encontramos umareleitura mo<strong>de</strong>rna da temática escatológica e a preocupação <strong>de</strong> que esta releitura aconteça<strong>de</strong> forma orto<strong>do</strong>xa. O diferencial da teologia <strong>de</strong> Ratzinger resi<strong>de</strong> na busca intensa por umasintonia com a gran<strong>de</strong> Tradição da Igreja 41 .Com o propósito <strong>de</strong> aprofundamento teológico situa-se a teologia <strong>de</strong> Jean<strong>Da</strong>niélou. Este teólogo toma o movimento <strong>de</strong> “volta às fontes”, proposto pelo Vaticano II,e o diálogo ecumênico como suas gran<strong>de</strong>s referências teológicas. <strong>Da</strong>niélou re<strong>de</strong>scobriunovos horizontes tanto na abordagem teológica da história como na valorização das fontesbíblicas, litúrgicas e patrísticas <strong>ao</strong> tratar da escatologia 42 . Sua reflexão revela um profun<strong>do</strong>conhecimento não só da tradição católica (oci<strong>de</strong>ntal e oriental), mas da teologiaprotestante. Hans Urs Von Balthasar enfatiza a vonta<strong>de</strong> salvífica <strong>de</strong> Deus como vonta<strong>de</strong>universal que abarca toda a humanida<strong>de</strong> e toda a criação. Von Balthasar não assumeexplicitamente a posição <strong>de</strong> Orígenes sobre a salvação universal. Todavia é conhecida asua insistência na esperança que <strong>de</strong>vemos nutrir acerca da salvação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s 43 . MichaelSchmaus, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um esforço por maior sistematização <strong>de</strong>sta nova fase da escatologiacatólica, assume as importantes categorias <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus e da história como núcleos darevelação e referenciais irrenunciáveis para se refletir sobre a escatologia 44 . Em GustavoGutiérrez, João Batista Libanio e Leonar<strong>do</strong> Boff 45 , encontramos essa mesma preocupaçãopor uma sistematização mais clara, porém com uma ênfase relacional (pessoa, história ecosmos) dada pelo enfoque típico da teologia da libertação e por sua abordagem a partir da40 Cf. BOROS, Ladislau. The Moment of Truth: Mysterium Mortis. Lon<strong>do</strong>n: Burns & Oates, 1965. p. 23-29.41 Cf. AUER; RATZINGER, Escatología.42 Cf. DANIÉLOU, Jean. Sobre o mistério da história: a esfera e a cruz. São Paulo: Her<strong>de</strong>r, 1964. p. 215-224, 238-246.43 Cf. VON BALTHASAR, Hans Urs. Teodramática: el último acto. Madrid: Encuentro, 1997. v. 5.44 Cf. SCHMAUS, Michael. A fé da Igreja VI: justificação <strong>do</strong> indivíduo e escatologia. Petrópolis: Vozes,1981. p. 149-242.45 Cf. CAMBÓN, Enrique. A escatologia na teologia latino-americana. In HEINZ, Hanspeter et al. Aesperança cristã. São Paulo: Cida<strong>de</strong> Nova, 1992. p. 219-232.


30realida<strong>de</strong> da América Latina. Ruiz <strong>de</strong> La Peña 46 analisa o contexto histórico das gran<strong>de</strong>safirmações <strong>do</strong> magistério sobre a escatologia e apresenta uma nova hermenêutica. Aparecesua interessante reflexão sobre a “eviternida<strong>de</strong>” como forma <strong>de</strong> conciliar os avanços dateologia contemporânea com os da<strong>do</strong>s da Tradição. A dimensão cósmica da escatologiatem mereci<strong>do</strong> uma atenção cada vez maior. Ruiz <strong>de</strong> La Peña trata a escatologia como aPáscoa da Criação.A teologia escatológica tem diante <strong>de</strong> si um novo horizonte que se abre cadavez mais. Surge a questão ecológica que po<strong>de</strong> ser singularmente iluminada pela escatologiacósmica. O mesmo se po<strong>de</strong> afirmar para os <strong>de</strong>safios apresenta<strong>do</strong>s pelo ecumenismo e pelodiálogo inter-religioso como espaços <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate e aprofundamento.Este breve panorama nos leva a perceber que a reflexão teológica sobre aescatologia conheceu sensíveis mudanças e gran<strong>de</strong>s avanços nas últimas décadas. O trata<strong>do</strong>da escatologia passa pela experiência <strong>de</strong> um verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>slocamento não só no que serefere à amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua temática, mas também quanto à sua meto<strong>do</strong>logia e hermenêutica.O confinamento da escatologia <strong>ao</strong>s novíssimos e à escatologia da pessoa foi rompi<strong>do</strong>.Ampliaram-se suas fronteiras com o <strong>de</strong>senvolvimento das dimensões histórica e cósmica.Essa nova configuração da escatologia, particularmente na teologia católica, já possuitraços i<strong>de</strong>ntificáveis. Tais traços enriquecem e abrem a reflexão teológica para novaspossibilida<strong>de</strong>s e releituras. Dentre elas a abordagem teológico-litúrgica da temáticaescatológica. Em resumo as gran<strong>de</strong>s características da escatologia contemporânea po<strong>de</strong>mser assim elencadas:1- A escatologia coletiva e <strong>de</strong>finitiva (parusia, ressurreição <strong>do</strong>s mortos,restauração cósmica) ganhou maior relevo frente à escatologia individual eintermediária (juízo particular, purgatório, etc.).2- A ressurreição <strong>de</strong> Cristo é novamente assumida como o fato escatológicofundamental.3- É redimensionada a relação entre passa<strong>do</strong> e futuro. Acolhe-se o esquema <strong>do</strong>“já e ainda não” para compreen<strong>de</strong>r a presença <strong>do</strong> futuro no presente e comochave <strong>de</strong> leitura escatológica da experiência da Igreja e da própria história.46 Cf. RUIZ DE LA PEÑA, Juan. La páscua <strong>de</strong> la creación. Madrid: BAC, 2000.


314- Elabora-se uma visão mais otimista <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e da história. O <strong>de</strong>stinoúltimo <strong>de</strong> toda a criação (novos céus e nova terra) converte-se em fonte <strong>de</strong>valorização das realida<strong>de</strong>s e compromisso em vista <strong>de</strong> sua transformação.5- Assume-se uma maior cautela e sobrieda<strong>de</strong> quanto à reflexão sobre aescatologia intermediária. Afirma-se a sua realida<strong>de</strong>, mas evita-se uma<strong>de</strong>scrição minuciosa <strong>de</strong>stes esta<strong>do</strong>s e uma conseqüente topografia <strong>do</strong> além 47 .6- Permanece aberto o <strong>de</strong>bate em vista da a<strong>de</strong>quada harmonização entre aescatologia (sobretu<strong>do</strong> a escatologia intermediária) e a nova visãoantropológica assumida pela teologia mo<strong>de</strong>rna. Pergunta-se pelapossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma opção fundamental por Deus imediatamente após amorte e ainda antes <strong>do</strong> juízo. Busca-se aprofundar a significação salvífica<strong>do</strong> purgatório. Levanta-se a problemática referente à con<strong>de</strong>nação eterna(dúvidas quanto à existência <strong>de</strong> réprobos <strong>de</strong> fato e eternida<strong>de</strong> das penas).7- Acirra-se intenso <strong>de</strong>bate sobre o senti<strong>do</strong> da existência humana no pós-mortesem o corpo, sen<strong>do</strong> este parte integrante <strong>do</strong> eu humano, e surge aconseqüente crítica <strong>ao</strong>s conceitos <strong>de</strong> “alma separada” e “imortalida<strong>de</strong> daalma”, ti<strong>do</strong>s mais como herança helenista que da<strong>do</strong> bíblico cristão 48 .8- É re<strong>de</strong>scoberta a categoria “<strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus” como elemento fundamental daescatologia da história. O <strong>Reino</strong> já começa aqui e suas forças estão atuan<strong>do</strong>agora, <strong>de</strong>ntro da história. Todavia a forma futura <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> não consistirá namera revelação <strong>do</strong> que já se realiza agora. O <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus é <strong>do</strong>m <strong>do</strong> altoque o homem po<strong>de</strong> acolher. Isto não o dispensa da responsabilida<strong>de</strong> dianteda história. A entrada no <strong>Reino</strong> significa uma <strong>de</strong>cisão radical por Cristo.Decisão que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ter profundas conseqüências na vida individual esocial e <strong>de</strong> promover uma práxis renovada 49 .47 Exemplifica esta prudência, que evita cuida<strong>do</strong>samente a <strong>de</strong>scrição ou referência a uma topografia <strong>do</strong> além,a tradução não literal <strong>do</strong> memento <strong>do</strong>s mortos <strong>do</strong> Cânon Romano que encontramos na 1ª e na 2ª edição típica<strong>do</strong> missal romano para o Brasil. O texto latino reza: “ipsis, Dómine, et ómnibus in Christo quiescéntibus,locum, refigérii, lucis et pacis ut indúlgeas, <strong>de</strong>precámur”. Por sua vez, esse trecho assim foi traduzi<strong>do</strong>: “Aeles, e a to<strong>do</strong>s os que a<strong>do</strong>rmeceram no Cristo, conce<strong>de</strong>i a felicida<strong>de</strong>, a luz e a paz”. Aqui temos umareferência que po<strong>de</strong>ria ser tomada como marco espacial (locum refrigérii, lucis et pácis) traduzida <strong>de</strong> formaque a ênfase recaia sobre o esta<strong>do</strong> existencial (felicida<strong>de</strong>, luz e paz).48 Cf. CASTELLANO, DL, p. 350.49 Cf. SCHMAUS, A fé da Igreja VI, p. 159-170.


32Concluímos esse panorama indican<strong>do</strong> o posicionamento magisterial maisrecente. Após o Concílio Vaticano II, o magistério da Igreja sentiu a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seposicionar sobre a temática escatológica. A Profissão <strong>de</strong> Fé <strong>de</strong> Paulo VI em 1968 (Cre<strong>do</strong><strong>do</strong> Povo <strong>de</strong> Deus) elencou alguns temas da escatologia intermediária que naquela épocaestavam sen<strong>do</strong> questiona<strong>do</strong>s ou até mesmo nega<strong>do</strong>s 50 . Em 1979, início <strong>do</strong> pontifica<strong>do</strong> <strong>de</strong>João Paulo II, apareceu uma intervenção mais incisiva sobre esta questão intitulada “Sobrealgumas questões concernentes à escatologia” 51 . Neste <strong>do</strong>cumento, buscou-se salvaguardara integrida<strong>de</strong> da fé católica diante <strong>de</strong> interpretações e hipóteses difundidas entre os fiéis aponto <strong>de</strong> causar dúvidas e perplexida<strong>de</strong>s. Não surgiram novida<strong>de</strong>s teológicas, masreafirmou-se o que a Igreja ensina no que se refere à morte <strong>do</strong> cristão e à sua ressurreiçãofinal 52 . Reforçan<strong>do</strong> esses posicionamentos surge em 1992 uma <strong>de</strong>claração da comissãoteológica internacional 53 .Reafirmou-se a ressurreição <strong>do</strong>s mortos como evento que abrange o homempor inteiro. Após a morte, subsiste o eu humano, mesmo <strong>de</strong>stituí<strong>do</strong> <strong>de</strong> corpo. Esta parteespiritual <strong>do</strong> homem que sobrevive à morte é o que a Igreja nomeia com o termo “alma”.Afirmou-se também a espera da parusia <strong>do</strong> Senhor como elemento constitutivo daesperança cristã. A parusia será o encontro <strong>de</strong>finitivo com o Senhor em sua segunda vinda,o que não exclui “a retribuição, imediatamente <strong>de</strong>pois da morte <strong>de</strong> cada um, em função dasuas obras e da sua fé” 54 . Mencionou-se a situação <strong>de</strong> bem-aventurança eterna <strong>do</strong>s justos, apossibilida<strong>de</strong> da con<strong>de</strong>nação eterna e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> purificação (purgatório) que osjustos po<strong>de</strong>m experimentar antes <strong>de</strong> ingressar na visão <strong>de</strong> Deus. Interessante notar que este<strong>do</strong>cumento, <strong>ao</strong> referir-se à liturgia, assume-a como lugar teológico da escatologia e critério<strong>de</strong> discernimento. O culto litúrgico busca expressar com clareza a fé da Igreja nesteaspecto 55 .Os textos litúrgicos só fundamentam um pensamento teológico sobre aescatologia à medida que refletem os da<strong>do</strong>s da revelação e a <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong>magistério. A liturgia, por conseguinte, sofreu apenas muito pouco a influência<strong>do</strong> pensamento escatológico mo<strong>de</strong>rno: ela serviu <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> referência, <strong>de</strong> lugarteológico para o discernimento <strong>de</strong> hipóteses e <strong>de</strong> teorias mo<strong>de</strong>rnas e como fator50 Cf. PAULO VI, Cre<strong>do</strong> <strong>do</strong> Povo <strong>de</strong> Deus. Mariana: Dom Viçoso, 1968.51 Cf. CONGREGAZIONE per la <strong>do</strong>ttrina <strong>de</strong>lla fe<strong>de</strong>. Alcune questioni di escatologia. Enchiridion Vaticanum6: <strong>do</strong>cumenti ufficiali <strong>de</strong>lla Santa Se<strong>de</strong>. Bologna: Dehoniane, 1999. p. 1035-1046.52 Cf. LADARIA, Escatologia no Vaticano II. In SESBOÜÉ, O homem e a sua salvação, p. 390-399.53 COMISSIO Theologica Internationalis, Problemi attuali di escatologia. Gregorianum, Roma, n. 73, p. 395-435, 1992.54 Catecismo da Igreja Católica n. 1021.55 Cf. RUDONI, A. L’annuncio <strong>de</strong>i novissimi oggi. Roma: P<strong>ao</strong>line, 1980.


33<strong>de</strong> renovação em vista <strong>de</strong> uma escatologia mais centralizada no mistério <strong>de</strong>Cristo e da Igreja 56 .O testemunho da liturgia freqüentemente tem si<strong>do</strong> invoca<strong>do</strong> em favor <strong>de</strong> umaescatologia fundada no essencial, centrada na parusia e na ressurreição final e marcada porexpressões sóbrias. Uma escatologia que conduza à experiência da liturgia comocomunhão orante com a Igreja celeste e lugar on<strong>de</strong> se pregustam as realida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>finitivas.Uma liturgia que anuncie e antecipe a glorificação <strong>do</strong>s cosmos e mova a comunida<strong>de</strong>orante <strong>ao</strong> compromisso histórico, sinal <strong>de</strong> sua pertença <strong>ao</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong>finitivo. “Tomada nasua globalida<strong>de</strong> a liturgia po<strong>de</strong> ajudar-nos a fazer uma releitura <strong>do</strong> problema escatológicocontemporâneo” 57 .2.2 A temática escatológica no Vaticano II e sua relação com aliturgiaO evento mais importante e <strong>de</strong> maior repercussão na história recente da Igrejafoi o Concílio Vaticano II (1962-1965). Neste concílio, a Igreja dispôs-se a refletir sobre simesma e sobre suas relações com o mun<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno. A eclesiologia foi não só um <strong>do</strong>sgran<strong>de</strong>s temas, mas o tema central e a peça mestra <strong>do</strong> Vaticano II. É nesse cenário <strong>de</strong>intenso <strong>de</strong>bate eclesiológico que surgem to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>cumentos conciliares.2.2.1 Sacrosanctum Concilium: a dimensão escatológica da liturgiaEmbora o objetivo primeiro <strong>de</strong>sse Concílio não tenha si<strong>do</strong> promover um <strong>de</strong>batesobre questões escatológicas, nem por isso a presença <strong>do</strong> tema escatológico <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> sersignificativa em seus <strong>do</strong>cumentos. Isso <strong>de</strong>monstra que os padres conciliares consi<strong>de</strong>ravamo aspecto escatológico como um elemento essencial para uma compreensão plena daIgreja. Sem a escatologia, a visão sobre a Igreja ficaria incompleta.De maneira sintética passaremos pelos principais <strong>do</strong>cumentos conciliares queabordam a escatologia, visan<strong>do</strong> suas interfaces com a liturgia e a teologia.56 CASTELLANO, DL, p. 351.57 CASTELLANO, DL, p. 351.


34Em primeiro lugar, temos a Constituição Sacrosanctum Concilium sobre asagrada liturgia. Não é fato <strong>de</strong> menor relevo que a primeira afirmação sobre a natureza daIgreja feita pelo Vaticano II apareça justamente no contexto <strong>de</strong> um <strong>do</strong>cumento referente àliturgia e se ligue também à escatologia:Caracteriza-se a Igreja <strong>de</strong> ser, a um tempo, humana e divina, visível, mas ornada<strong>de</strong> <strong>do</strong>ns invisíveis, operosa na ação e <strong>de</strong>votada à contemplação, presente nomun<strong>do</strong> e no entanto peregrina. E isso <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que nela o humano se or<strong>de</strong>ne <strong>ao</strong>divino e a ele se subordine o visível <strong>ao</strong> invisível, a ação à contemplação e opresente à cida<strong>de</strong> que buscamos (SC 2).Este tópico da Sacrosanctum Concilium oferece, sob a forma <strong>de</strong> síntese, aescatologia que po<strong>de</strong> ser experienciada na liturgia da Igreja: a escatologia antecipada que épresença <strong>do</strong> divino no humano, <strong>do</strong> invisível no visível, <strong>do</strong> eterno no temporal. A liturgiase constitui também como abertura para o futuro on<strong>de</strong> se atinge “a medida da plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>Cristo” (Ef 4,13) na cida<strong>de</strong> futura para a qual peregrinamos (cf. Hb 13,14) 58 .Ao apresentar a natureza da liturgia (cf. SC 5-8), os padres conciliares maisuma vez alu<strong>de</strong>m <strong>ao</strong> caráter escatológico da mesma, centra<strong>do</strong> na presença <strong>do</strong> Senhor que jáestá na liturgia, mas que ainda há <strong>de</strong> vir na glória. A presença <strong>do</strong> Ressuscita<strong>do</strong> une o eterno<strong>ao</strong> presente, promove a comunhão entre a Igreja Peregrina e a Celeste e converte o tempoda Igreja em tempo <strong>de</strong> vigilante espera <strong>de</strong> seu retorno.Na liturgia terrena, antegozan<strong>do</strong>, participamos da Liturgia celeste, que se celebrana cida<strong>de</strong> santa <strong>de</strong> Jerusalém, para a qual, <strong>peregrinos</strong>, nos encaminhamos. Lá,Cristo está senta<strong>do</strong> à direita <strong>de</strong> Deus, ministro <strong>do</strong> santuário e <strong>do</strong> tabernáculoverda<strong>de</strong>iro; com toda a milícia <strong>do</strong> exército celestial entoamos um hino <strong>de</strong> glória<strong>ao</strong> Senhor e, veneran<strong>do</strong> a memória <strong>do</strong>s Santos, esperamos fazer parte dasocieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>les; suspiramos pelo Salva<strong>do</strong>r, Nosso Senhor Jesus Cristo, até queEle, nossa vida, Se manifeste, e nós apareçamos com Ele na glória (SC 8).Em outras partes da Sacrosanctum Concilium indica-se a dimensãoescatológica das celebrações litúrgicas 59 . O Sacrifício Eucarístico <strong>de</strong>ve ser celebra<strong>do</strong> atéque o Senhor volte e é penhor da glória futura (cf. SC 47). O Ofício Divino, louvor canta<strong>do</strong>por to<strong>do</strong> o sempre nas habitações celestes, é trazi<strong>do</strong> pelo Cristo à terra e a ele associa a suaesposa, a Igreja (cf. SC 83). O rito das exéquias <strong>de</strong>verá exprimir mais claramente a ín<strong>do</strong>lepascal da morte cristã (cf. SC 81). O ano litúrgico testemunha a orientação escatológica daprópria Igreja que celebra o mistério <strong>de</strong> Cristo enquanto espera a vinda gloriosa <strong>do</strong> Senhor(cf. SC 102). Na celebração anual <strong>do</strong>s mistérios <strong>de</strong> Cristo, a Igreja venera com especialamor Maria, Mãe <strong>de</strong> Deus, e a “contempla como uma puríssima imagem daquilo que ela58 Cf. CASTELLANO, DL, p. 353.59 Cf. CASTELLANO, DL, p. 353-354.


35mesma anseia e espera ser” (SC 103). Também celebra-se a memória <strong>do</strong>s mártires e <strong>do</strong>ssantos que, “conduzi<strong>do</strong>s à perfeição pela multiforme graça <strong>de</strong> Deus e recompensa<strong>do</strong>s coma salvação eterna, cantam nos céus o perfeito louvor <strong>de</strong> Deus e interce<strong>de</strong>m em nosso favor”(SC 104).2.2.2 Lumen Gentium: a ín<strong>do</strong>le escatológica da IgrejaEm seguida, temos a constituição <strong>do</strong>gmática sobre a Igreja Lumen Gentium.Neste <strong>do</strong>cumento, a escatologia se concentra no capítulo VII, intitula<strong>do</strong> ín<strong>do</strong>leescatológica da Igreja. Este capítulo articula-se conforme uma divisão temática: vocaçãoescatológica da Igreja (LG 48), comunhão da Igreja Celeste com a Igreja Peregrina (LG49), relações entre a Igreja Peregrina e Celeste (LG 50) e as disposições pastorais (LG 51).Oferecer uma breve síntese da escatologia católica, toman<strong>do</strong> como base omistério da Igreja, é o escopo da Lumen Gentium neste capítulo VII. Pre<strong>do</strong>mina alinguagem bíblica, pois quase to<strong>do</strong> o texto está construí<strong>do</strong> com citações e alusões àSagrada Escritura. Discursan<strong>do</strong> sobre a Igreja, a Lumen Gentium favorece a perspectivauniversal da escatologia e ressalta a centralida<strong>de</strong> da história salvífica em Cristo. Modificaseassim a tendência <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentos <strong>do</strong> magistério eclesiástico que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Ida<strong>de</strong> Média eTrento, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às circunstâncias históricas, referiam-se <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> primordial à escatologiaindividual 60 . Peregrinan<strong>do</strong> na terra, a Igreja anuncia que a sua consumação plena se daráem Deus. Por esta consumação ela aguarda vigilante.A Igreja para a qual to<strong>do</strong>s somos chama<strong>do</strong>s em Cristo Jesus e na qual pela graça<strong>de</strong> Deus adquirimos a santida<strong>de</strong> se consumará na glória celeste, quan<strong>do</strong> chegar otempo da restauração <strong>de</strong> todas as coisas (cf. At 3,21). E com o gênero humanotambém o mun<strong>do</strong> to<strong>do</strong>, que está intimamente liga<strong>do</strong> <strong>ao</strong> homem e que por elechega a seu fim, será perfeitamente restaura<strong>do</strong> em Cristo (cf. Ef 1,1; Cl 1,20; 2Pd3,10-13) (LG 48).O princípio <strong>de</strong> compreensão da escatologia na Lumen Gentium é o mistériopascal anuncia<strong>do</strong>, vivi<strong>do</strong> e celebra<strong>do</strong> pela Igreja. Os padres conciliares reconheceram aín<strong>do</strong>le e vocação escatológica da Igreja. Para a Igreja, toda a humanida<strong>de</strong> é chamada emCristo. To<strong>do</strong>s os homens e mulheres são vocaciona<strong>do</strong>s a ingressar num dinamismo vitalque só se consumará na glória celeste. Esse dinamismo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, redime <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>, elevae plenifica a vida humana mediante a participação na vida divina. To<strong>do</strong> esse processo tem60 Cf. LADARIA, Escatologia no Vaticano II. In SESBOÜÉ, O homem e a sua salvação, p. 392.


36um fundamento inabalável, pois se radica em Cristo, morto e ressuscita<strong>do</strong>, primícias danova criação, novo Adão e <strong>do</strong>a<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Espírito vivificante.A plenitu<strong>de</strong> escatológica, que é o próprio Cristo Ressuscita<strong>do</strong>, transborda par<strong>ao</strong> seu corpo eclesial. Mesmo levan<strong>do</strong> consigo a figura passageira <strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong>, inclusivenos sacramentos e nas instituições que são próprios da presente era, a Igreja caminha para aglorificação já alcançada em Cristo.A era final já chegou até nós (cf. 1Cor 10,11) e a renovação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> foiirrevogavelmente <strong>de</strong>cretada e, <strong>de</strong> um certo mo<strong>do</strong>, já antecipada nesta terra. Poisjá na terra a Igreja é assinalada com a santida<strong>de</strong> embora imperfeita (LG 48).To<strong>do</strong> este movimento escatológico rumo à plenitu<strong>de</strong> é obra <strong>do</strong> Espírito Santo.Nota-se, portanto, um traço pneumatológico na escatologia da Lumen Gentium. A ação <strong>do</strong>Paráclito não ficou confinada <strong>ao</strong> Pentecostes. To<strong>do</strong> o tempo da Igreja é envolvi<strong>do</strong> pelapresença eficaz <strong>do</strong> Espírito Santo. É ele quem conduz a Igreja da irrupção escatológica, oevento Jesus Cristo, até a sua consumação 61 .A prometida restauração que esperamos já começou em Cristo, é levada adiantena missão <strong>do</strong> Espírito Santo e por Ele continua na Igreja, na qual pela fé somosinstruí<strong>do</strong>s também sobre o senti<strong>do</strong> da nossa vida temporal, enquanto, comesperança <strong>do</strong>s bens futuros, levamos a termo a obra entregue a nós no mun<strong>do</strong>pelo Pai e efetuamos a nossa salvação (LG 48).Ao relacionar escatologia e liturgia, a Lumen Gentium enfatiza a Igrejaenquanto comunhão. O lugar eminente <strong>de</strong>sta comunhão é a liturgia, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> especial aeucaristia. A Lumen Gentium proclama que a presença <strong>do</strong> Ressuscita<strong>do</strong> e <strong>do</strong> seu Espíritoatua salvificamente na liturgia.Estan<strong>do</strong> assenta<strong>do</strong> à direita <strong>do</strong> Pai, opera continuamente no mun<strong>do</strong> para conduziros homens à Igreja e por ela ligá-los mais estreitamente a Si e fazê-losparticipantes da sua vida gloriosa nutrin<strong>do</strong>-os com o seu próprio Corpo e Sangue(LG 48).A liturgia é forma eminente <strong>de</strong> comunhão. O comum louvor e a a<strong>do</strong>ração à Trinda<strong>de</strong>Santa e a intercessão pela humanida<strong>de</strong> constituem o que chamamos <strong>de</strong> liturgia celeste. A estaliturgia gloriosa se une a Igreja Peregrina quan<strong>do</strong> celebra o culto divino e <strong>de</strong>le haure maior valor eeficácia para a sua vida e missão. Dentro <strong>de</strong>sta comunhão <strong>do</strong>s santos, os bem-aventura<strong>do</strong>s que jáestão na glória celeste, em vista da sua união total com Cristo, “po<strong>de</strong>m interce<strong>de</strong>r por nós junto <strong>ao</strong>Pai, apresentan<strong>do</strong> os méritos que alcançaram na terra pelo único media<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Deus e <strong>do</strong>s homens,Cristo Jesus” e fortalecem a Igreja terrena pela comunicação <strong>de</strong> bens espirituais, pois “pela suafraterna solicitu<strong>de</strong> a nossa fraqueza recebe (<strong>de</strong>les) mais valioso auxílio” (LG 49).61 Cf. POZO, Candi<strong>do</strong>. Teología <strong>de</strong>l más Allá. Madrid: BAC, 1968. p. 18-19.


37Proclama o Concílio que o ápice da comunhão da Igreja Peregrina com a IgrejaCeleste se dá na liturgia:Nossa união com a Igreja celeste se realiza <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> nobilíssimo mormente nasagrada liturgia, em que a força <strong>do</strong> Espírito Santo atua sobre nós por meio <strong>do</strong>ssinais sacramentais, quan<strong>do</strong> em comum exaltação cantamos os louvores dadivina majesta<strong>de</strong>, e to<strong>do</strong>s, redimi<strong>do</strong>s no sangue <strong>de</strong> Cristo, <strong>de</strong> toda tribo e língua,e povo e nação (cf. Ap 5,9), congrega<strong>do</strong>s numa só Igreja, em um só cântico <strong>de</strong>louvor, engran<strong>de</strong>cemos o Deus Uno e Trino (LG 50).Nesse senti<strong>do</strong>, ocupa posto eminente e central a celebração eucarística: “nacelebração <strong>do</strong> sacrifício eucarístico certamente nos unimos mais estreitamente <strong>ao</strong> culto daIgreja celeste” (LG 50).Conclui-se o Capítulo VII da Lumen Gentium <strong>de</strong>claran<strong>do</strong> que já nesta terratemos o início da vida futura. Na comunhão eclesial, realiza-se a vocação da Igreja epregusta-se a glória consumada (cf. LG 51). A glorificação <strong>de</strong> Deus na liturgia antecipa oque se dará na consumação <strong>do</strong>s tempos. A realida<strong>de</strong> das relações entre a Igreja terrestre e aIgreja Celeste, precisamente na a<strong>do</strong>ração, no louvor e na ação <strong>de</strong> graças constitui a meta<strong>de</strong>sses contatos, o móvel em que se inspiram e a norma intrínseca <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento.É por este meio que o gênero humano completará <strong>de</strong>finitivamente a humanida<strong>de</strong> <strong>do</strong> VerboEncarna<strong>do</strong> e contribuirá, conforme o <strong>de</strong>sígnio divino, para a plena e perfeita glorificaçãoda Santíssima Trinda<strong>de</strong>, fim supremo <strong>de</strong> toda a história da salvação 62 .2.2.3 Gaudium et Spes: a relação Igreja-mun<strong>do</strong> à luz da esperançaescatológicaA constituição pastoral Gaudium et Spes tem por meta repropor a relação entrea Igreja e o mun<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno. É evi<strong>de</strong>nte o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> situar a Igreja frente <strong>ao</strong>s gran<strong>de</strong>sproblemas e <strong>de</strong>safios da história. A carida<strong>de</strong> pastoral é a gran<strong>de</strong> impulsiona<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>steenvio <strong>ao</strong> mun<strong>do</strong>: envio que capacita a Igreja a se irmanar com toda a humanida<strong>de</strong> em suasalegrias e esperanças, tristezas e angústias, sobretu<strong>do</strong> aquelas vividas pelos mais pobres(cf. GS 1).62 Cf. MOLINARI, P<strong>ao</strong>lo. Igreja escatológica. In BARAÚNA, Guilherme. A Igreja <strong>do</strong> Vaticano II.Petrópolis: Vozes, 1965. p. 1147.


38O problema escatológico na Gaudium et Spes é trata<strong>do</strong> em diferentes lugares enão é objeto <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong> sistemático 63 . Os temas escatológicos encontram-se dispostosem diferentes partes <strong>do</strong> texto. Encontramos o mistério da morte e a resposta dada pela fécristã (cf. GS 18), o <strong>de</strong>sejo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> futuro suscita<strong>do</strong> nos homens por Cristo Ressuscita<strong>do</strong>(cf. GS 38), o valor escatológico da ativida<strong>de</strong> humana no mun<strong>do</strong> (cf. GS 39), a distinção ea proximida<strong>de</strong> entre progresso terreno e crescimento <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus (cf. GS 39) e oCristo como princípio e fim <strong>de</strong> todas as coisas e centro e senti<strong>do</strong> da história humana (cf.GS 45).É sabi<strong>do</strong> que o tema escatológico foi retoma<strong>do</strong> pela Gaudium et Spes numa visãoque po<strong>de</strong>ríamos <strong>de</strong>finir como sen<strong>do</strong> mais antropológica, social e cósmica. O<strong>de</strong>stino final da Igreja e <strong>de</strong> cada cristão inci<strong>de</strong> luz sobre as últimas realida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>homem e <strong>do</strong> cosmo. A linguagem permanece mais aberta, fortemente assinaladapelo otimismo e pela esperança que tem como fundamento Cristo, o homemnovo, e o mistério pascal como realida<strong>de</strong> que ilumina e eleva até a perfeição aativida<strong>de</strong> humana 64 .No que se refere à relação liturgia-escatologia <strong>de</strong>vemos antes notar que suaelaboração neste <strong>do</strong>cumento é muito breve. Todavia três textos se <strong>de</strong>stacam <strong>de</strong> formasignificativa. O primeiro (GS 22) se situa na resposta que a fé da Igreja oferece diante da<strong>do</strong>r e da morte. Esta resposta é um verda<strong>de</strong>iro querigma pascal que o concílio proclamadiante <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>rno. Um texto da liturgia pascal bizantina está inseri<strong>do</strong> nestaproclamação <strong>de</strong> fé. Nele exalta-se o Ressuscita<strong>do</strong> presente na liturgia da Igreja. O Senhorglorioso, <strong>ao</strong> <strong>de</strong>struir a morte e oferecer a esperança da vida eterna, ilumina o <strong>de</strong>stino <strong>do</strong>homem e <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o cosmo 65 .Por Cristo e em Cristo, portanto, ilumina-se o enigma da <strong>do</strong>r e da morte, que fora<strong>do</strong> Evangelho nos esmaga. Cristo ressuscitou, com sua morte <strong>de</strong>struiu a morte enos conce<strong>de</strong>u a vida, para que, filhos no Filho, clamemos no Espírito: Abbá, Pai!(GS 22).O segun<strong>do</strong> texto (GS 38) volta-se para a escatologia universal e alu<strong>de</strong> àrenovação <strong>do</strong> cosmos. Apresenta-se a Eucaristia no contexto da valorização da ativida<strong>de</strong>humana e da consumação da história. Nesse senti<strong>do</strong>, a Eucaristia se manifesta comosacramento da Páscoa da humanida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> toda a criação.O Senhor <strong>de</strong>ixou para os seus um penhor <strong>de</strong>sta esperança e um viático para estacaminhada: aquele sacramento <strong>de</strong> fé, no qual os elementos da natureza,cultiva<strong>do</strong>s pelo homem, se convertem no Corpo e no Sangue glorioso, na ceia dacomunhão fraterna e prelibação <strong>do</strong> <strong>banquete</strong> celeste (GS 38).63 Cf. LADARIA, Escatologia no Vaticano II. In SESBOÜÉ, O homem e a sua salvação, p. 393.64 CASTELLANO, DL, p. 354.65 Trata-se <strong>do</strong> solene tropário pascal Christós anésti. Cf. http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/liturgia/afesta-da-pascoa-na-igreja-orto<strong>do</strong>xa.html.Acesso em 19/08/2008.


39É igualmente importante ressaltar que a Gaudium et Spes <strong>de</strong>monstra que averda<strong>de</strong>ira esperança escatológica jamais é causa <strong>de</strong> alienação diante da realida<strong>de</strong>. Pelocontrário, a escatologia cristã fornece um motivo eleva<strong>do</strong> para se assumir as realida<strong>de</strong>stemporais e se engajar na transformação da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong> (cf. GS 33-39). Aautêntica celebração da liturgia cristã é matriz gera<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> uma práxis que ilumina etransforma o mun<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong> mistério pascal <strong>de</strong> Cristo.Texto <strong>de</strong> particular relevância no que se refere à escatologia é GS 39. Nele asignificação escatológica da ativida<strong>de</strong> humana é situada pelo concílio no seu termo <strong>de</strong>realização: a nova terra e o novo céu. A humanida<strong>de</strong> e to<strong>do</strong> o cosmos se converterão emrealida<strong>de</strong> nova pelo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Deus. A ativida<strong>de</strong> humana foi assumida no processo salvíficoda restauração <strong>de</strong> todas as coisas em Cristo. Já anteriormente os padres conciliares haviamafirma<strong>do</strong> que “as vitórias <strong>do</strong> gênero humano são um sinal da magnitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus e fruto <strong>de</strong>seu inefável <strong>de</strong>sígnio” (GS 34).É empolgante e maravilhosa essa <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> Vaticano II! Deus é louva<strong>do</strong> eglorifica<strong>do</strong> mediante a sujeição <strong>de</strong> todas as coisas <strong>ao</strong> homem, sua imagem (...).Dessa maneira o homem se transforma em autêntico sacer<strong>do</strong>te da criação: nele(que sintetiza em si os elementos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> material) e por ele o mun<strong>do</strong>“apresenta livremente <strong>ao</strong> Cria<strong>do</strong>r uma voz <strong>de</strong> louvor” (GS 14); por ele (per eum)o mun<strong>do</strong> chega a seu fim (LG 48). Não é apenas pronuncian<strong>do</strong> ou cantan<strong>do</strong>palavras <strong>de</strong> louvor que o homem glorifica a Deus: trabalhan<strong>do</strong>, inventan<strong>do</strong>,aperfeiçoan<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>, subjugan<strong>do</strong>-o, tornan<strong>do</strong>-o mais dócil e humano (...)assim o homem dará glórias <strong>ao</strong> Cria<strong>do</strong>r 66 .A ativida<strong>de</strong> humana é assumida no processo salvífico <strong>de</strong> restauração <strong>de</strong> todasas coisas em Cristo. Embora o progresso terreno <strong>de</strong>va ser distingui<strong>do</strong> <strong>do</strong> aumento <strong>do</strong> <strong>Reino</strong><strong>de</strong> Cristo, este contribui para organizar a socieda<strong>de</strong> humana. Os bons frutos da criação e daativida<strong>de</strong> humana nós os reencontraremos novamente, limpos contu<strong>do</strong> <strong>de</strong> toda impureza,ilumina<strong>do</strong>s e transfigura<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> o Cristo entregar <strong>ao</strong> Pai o reino eterno e universal:reino <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> vida, reino <strong>de</strong> santida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> graça, reino <strong>de</strong> justiça, <strong>de</strong> amor e <strong>de</strong>paz 67 (cf. GS 39).Nada <strong>do</strong> que em nós há <strong>de</strong> bom é transitório; tu<strong>do</strong> <strong>de</strong> bom é <strong>de</strong>finitivo. O temponão é capaz <strong>de</strong> erodi-lo; mantém-se incólume através da nossa história pessoal eamadurece para a eternida<strong>de</strong>. E isso por quê? Porque, mesmo sen<strong>do</strong> nosso, nãoproce<strong>de</strong> só <strong>de</strong> nós, mas <strong>de</strong> Deus. E, enquanto <strong>do</strong>m <strong>de</strong> Deus participa da suaincorruptibilida<strong>de</strong>, ou, o que dá no mesmo, <strong>de</strong> sua irrevogabilida<strong>de</strong> escatológica.. “Quan<strong>do</strong> se manifestar o que seremos” (1Jo 3,2), po<strong>de</strong>remos comprovar que66KLOPPENBURG. Boaventura. Noções basilares humanas na Gaudium et Spes. Teocomunicação. PortoAlegre, n. 150, p. 681, 2005.67 Esta última frase é um trecho <strong>do</strong> prefácio da solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cristo Rei.


40não se per<strong>de</strong> nada <strong>do</strong> realiza<strong>do</strong>, mas o que aconteceu foi a plena realização <strong>do</strong>que seríamos; não fica nenhum resto sem ser aproveita<strong>do</strong> 68 .A recapitulação <strong>de</strong> todas as coisas em Cristo é uma recapitulação no amor.“Permanecerão o amor e a sua obra e será libertada da servidão da vaida<strong>de</strong> toda aquelacriação que Deus fez para o homem” (GS 39). O Espírito Santo envia<strong>do</strong> pelo Senhor apóssua ressurreição oferece <strong>ao</strong>s seres humanos a graça <strong>de</strong> se transformarem e transformarem omun<strong>do</strong> a partir da vivência <strong>do</strong> mandamento <strong>do</strong> amor. Desta forma preparam a matéria <strong>do</strong>reino celestial e manifestam o <strong>de</strong>sejo da habitação celeste (cf. GS 38). A Gaudium et Spesprossegue consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que nesta terra “cresce o Corpo da nova família humana que jápo<strong>de</strong> apresentar algum esboço <strong>do</strong> novo século” (GS 39). Por isso o texto conciliar po<strong>de</strong>proclamar que “o <strong>Reino</strong> já está presente em mistério na terra. Chegan<strong>do</strong> o Senhor, ele seconsumará” (GS 39).68 RUIZ DE LA PEÑA, Juan. O <strong>do</strong>m <strong>de</strong> Deus: antropologia teológica. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 364-365.


413 Contexto histórico e estrutura <strong>do</strong> missal romano <strong>de</strong>Paulo VI3.1 O caráter da reforma litúrgicaA reforma litúrgica foi uma das principais realizações <strong>do</strong> Concílio Vaticano II.Os padres conciliares tinham clara consciência da contribuição <strong>de</strong>cisiva que a liturgi<strong>ao</strong>ferece <strong>ao</strong>s fiéis para exprimir em suas vidas o mistério <strong>de</strong> Cristo e manifestar <strong>ao</strong> mun<strong>do</strong> agenuína missão da Igreja (cf. SC 2).A renovação da liturgia ergueu-se sobre os fundamentos lança<strong>do</strong>s pelo próprioconcílio 1 . Em primeiro lugar, <strong>de</strong>finiu-se a liturgia como exercício eclesial <strong>do</strong> sacerdócio <strong>de</strong>Cristo em vista da salvação da humanida<strong>de</strong>. Depois, afirmou-se que a liturgia não esgotatoda a ação da Igreja, mas é o cume <strong>de</strong>sta ação e a fonte da sua força (cf. SC 9-10). Porfim, estabeleceu-se como horizonte a promoção da participação ativa e consciente <strong>do</strong>s fiéis(cf. SC 14,19).As diretrizes centrais da reforma litúrgica <strong>de</strong>terminaram as instâncias próprias<strong>de</strong> sua regulamentação (Santa Sé, Conferências Episcopais, Bispos), a manutenção <strong>do</strong>necessário equilíbrio entre a sã tradição e o progresso legítimo, a importância da SagradaEscritura, a primazia da celebração comunitária, a re<strong>de</strong>scoberta <strong>do</strong>s ministérios litúrgicos, anobre simplicida<strong>de</strong>, a clareza e brevida<strong>de</strong>, a adaptação à sensibilida<strong>de</strong> e compreensãomo<strong>de</strong>rnas, a abertura <strong>ao</strong> uso mais amplo <strong>do</strong> vernáculo. Tu<strong>do</strong> isto em vista da plenaparticipação da comunida<strong>de</strong> celebrante (cf. SC 21-40).A concretização <strong>de</strong>ssa monumental obra conciliar, quanto <strong>ao</strong>s méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong>trabalho, realizou-se conforme duas gran<strong>de</strong>s linhas <strong>de</strong> ação. Uma voltada para a promoção,orientação e aplicação da reforma litúrgica mediante orientações normativas, concessões,análise e controle das novas experiências litúrgicas bem como dan<strong>do</strong> a aprovação àsiniciativas das conferências episcopais. Outra dirigida à necessária preparação <strong>do</strong>s novoslivros litúrgicos. Um organismo especial, forma<strong>do</strong> por bispos, teólogos, e peritos na ciência1 Cf. BROVELLI, Franco. Le radici <strong>de</strong>lla riforma litúrgica. Rivista Liturgica, Torino, n.77, p. 145-166, 1990;CATELLA, Alceste; TAGLIAFERRI, Roberto. Le Doman<strong>de</strong> e le intenzionalità cui rispon<strong>de</strong> l’impianto di“Sacrosanctum Concilum”. Rivista Liturgica, Torino, n. 77, p. 129-143, 1990.


42litúrgica e em outras áreas, foi cria<strong>do</strong> por Paulo VI e presidiu to<strong>do</strong> este imenso trabalho.Trata-se <strong>do</strong> célebre Consilium ad exsequendam constitutionem <strong>de</strong> sacra liturgia 2 .Quanto à cronologia três gran<strong>de</strong>s fases se suce<strong>de</strong>ram durante a reformalitúrgica. Em cada uma <strong>de</strong>las emerge um fato <strong>de</strong> notável relevância. A primeira fase foimarcada pela introdução crescente <strong>do</strong> vernáculo na própria liturgia em sua forma préconciliar,enquanto aguardavam-se os livros litúrgicos renova<strong>do</strong>s. A segunda fasedistinguiu-se pela publicação gradual <strong>de</strong>stes livros reforma<strong>do</strong>s conforme os <strong>de</strong>cretos <strong>do</strong>Concílio Vaticano II. A terceira fase foi caracterizada pela necessária adaptação <strong>de</strong>steslivros litúrgicos às circunstâncias específicas que cada realida<strong>de</strong> eclesial apresentava 3 .Deveríamos nos encontrar no prolongamento <strong>de</strong>sta terceira fase. A reformalitúrgica não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como tarefa já pronta e acabada, mas como um processoque atinge os dias atuais. A continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma autêntica reforma litúrgica é um mo<strong>do</strong>privilegia<strong>do</strong> <strong>de</strong> recepção <strong>do</strong> Vaticano II. Tal continuida<strong>de</strong> significa concretamente oempenho em consolidar conquistas e aprofundar as intuições que na SacrossanctumConcilium ainda estavam em germe, bem como promover e <strong>de</strong>senvolver uma teologia euma práxis litúrgica coerentes com o espírito <strong>de</strong>ste Concílio.Os princípios inspira<strong>do</strong>res da reforma ainda não pu<strong>de</strong>ram <strong>de</strong>senvolver toda a suapotencialida<strong>de</strong>. Há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tempo, <strong>de</strong> assimilação, <strong>de</strong> confronto com umarealida<strong>de</strong> social e eclesial em rápida transformação. Certamente nem tu<strong>do</strong> o quefoi feito é perfeito. Algumas soluções precisam ser revistas à luz da experiência,a linguagem litúrgica <strong>de</strong>ve ser melhorada. A reforma realizou-se num <strong>de</strong>cênio <strong>de</strong>fermentações e pesquisas suscitadas pelo concílio e, mesmo <strong>de</strong>ntro da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>à Tradição, ela é fruto <strong>do</strong> seu tempo. Todavia foram lançadas as bases para umaliturgia renovada, aberta a futuros <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos e com propostas quecomprometem a Igreja e estimulam a ação <strong>de</strong> vasto alcance 4 .Apesar <strong>de</strong>stas constatações, a terceira fase, sobretu<strong>do</strong> no que se refere <strong>ao</strong>missal romano, não conseguiu avançar <strong>de</strong> maneira significativa após a segunda ediçãotípica <strong>de</strong>ste missal em 1975. De um la<strong>do</strong>, a constatação <strong>de</strong> abusos litúrgicos, verda<strong>de</strong>irosou imaginários, nem sempre analisa<strong>do</strong>s com um espírito sereno pelos organismos romanos.De outro, a crescente oposição conserva<strong>do</strong>ra <strong>ao</strong>s rumos toma<strong>do</strong>s pela reforma litúrgica.Essa espiral crescente <strong>de</strong> tensões culminou com o afastamento <strong>do</strong> principal articula<strong>do</strong>r daliturgia renovada: Annibale Bugnini. Uma impressionante avalanche <strong>de</strong> acusações eavaliações insensatas abalaram sua reputação junto a amplos setores da hierarquia. <strong>Da</strong>2 Cf. ISNARD, Clemente. O Conselho para a execução da Constituição sobre a Sagrada Liturgia. In SILVA,José Arioval<strong>do</strong>; SIVINSKI, Marcelino. Liturgia, um direito <strong>do</strong> Povo. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 43-56.3 Cf. BUGNINI, Annibale. Situación actual <strong>de</strong> la reforma litúrgica. Phase, Barcelona, n. 78, p. 12-28, 1973.4 Cf. PASQUALETTI, Gotar<strong>do</strong>. Reforma Litúrgica. In: SARTORE; TRIACCA, DL, p. 994.


43<strong>de</strong>ssacralização da liturgia à “protestantização” da missa, com uma infundada alegação <strong>de</strong>que a ênfase no mistério pascal praticamente anulava o caráter sacrifical da missa; daacusação <strong>de</strong> uma suposta filiação a um grêmio maçônico <strong>ao</strong>s ataques à renovação litúrgicacomo um to<strong>do</strong>, reputada como superficial e hetero<strong>do</strong>xa; praticamente boa parte <strong>do</strong>s malesda Igreja pós-conciliar era atribuída a Bugnini e sua obra 5 . Numa manobra da políticacurial, Bugnini foi removi<strong>do</strong> para o Irã, como núncio apostólico, em plena revoluçãoislâmica 6 .O nome <strong>de</strong> Mons. Annibale Bugnini, gran<strong>de</strong>, fiel e <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> servo da Igreja <strong>de</strong>Deus, ficará para sempre associa<strong>do</strong> <strong>ao</strong> Consilium e à reforma litúrgicaempreendida por mandato <strong>do</strong> Concílio Vaticano II. Foi incompreendi<strong>do</strong>,critica<strong>do</strong>, calunia<strong>do</strong>. Mas a sua obra está aí para o bem da Igreja. Um dia lhe seráfeita justiça 7 .Estas consi<strong>de</strong>rações sobre o “caso Bugnini” oferecem algumas das cores maisescuras que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, acompanham a cena histórica da reforma litúrgica e seus<strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos. Abusos litúrgicos ainda persistem, mas, em nome <strong>do</strong> combate <strong>ao</strong>smesmos, inaugurou-se uma fase <strong>de</strong> retorno <strong>ao</strong> legalismo e <strong>ao</strong> rubricismo litúrgico.Lentamente se estabelece um sau<strong>do</strong>sismo acrítico da liturgia antiga que exalta seus valorese esquece seus limites. O discurso oficial incentiva a inculturação, mas a prática efetivanão encontra o mesmo apoio 8 . Gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s se apresentam no tocante às novastraduções <strong>do</strong>s textos litúrgicos por causa da crescente exigência <strong>de</strong> uma “fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> literal”<strong>ao</strong> original latino. Praticamente se tornou inviável a introdução <strong>de</strong> novas anáforas ou <strong>de</strong>aperfeiçoamentos notáveis nos textos e ritos litúrgicos. Mais <strong>do</strong> que nunca, urge retomar oespírito que animou a reforma litúrgica. Necessitamos <strong>de</strong> um novo movimento litúrgico.<strong>Da</strong> retomada da terceira fase <strong>de</strong>sta reforma <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, em boa parte, a recepção criativa efecunda <strong>do</strong> Concílio Vaticano II nestes albores <strong>do</strong> século XXI.3.2 Entre o aprofundamento e a críticaNa comemoração <strong>do</strong> 25º aniversário da Sacrossanctum Concilium, João PauloII afirmou que os princípios indica<strong>do</strong>s por esta constituição litúrgica permaneciam como5 Cf. FRATERNIDADE Sacer<strong>do</strong>tal São Pio X. O problema da reforma litúrgica: a missa <strong>do</strong> Vaticano II e <strong>de</strong>Paulo VI – estu<strong>do</strong> teológico e litúrgico. Niterói: Permanência, 2001.6 Cf. ISNARD, O Conselho, p. 55-56.7 ISNARD, O Conselho, p. 56.8 Aqui recordamos o projeto <strong>de</strong> um “diretório para missas com grupos populares”, inspira<strong>do</strong> numa intuição<strong>de</strong> Bugnini, elabora<strong>do</strong> no Brasil, aprova<strong>do</strong> pela CNBB e proscrito pela Congregação para o Culto Divino eDisciplina <strong>do</strong>s Sacramentos. Cf. ISNARD, O Conselho, p. 55.


44referências válidas na condução <strong>do</strong>s fiéis a uma celebração consciente <strong>do</strong>s sagra<strong>do</strong>smistérios. Reconheceu esse pontífice que etapas consi<strong>de</strong>ráveis foram concretizadas e amaior parte <strong>do</strong>s livros litúrgicos já estava traduzida, publicada e colocada em prática.Permanecia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se manter em mente os princípios da SacrosanctumConcilium e construir sobre eles 9 .A reflexão teológica pós-conciliar <strong>de</strong>lineou com clareza invulgar osfundamentos tanto da liturgia como da própria reforma litúrgica. Os princípios teológicopastoraisencontra<strong>do</strong>s em ambas não exauriram todas as suas possibilida<strong>de</strong>s. Taisprincípios não foram explicita<strong>do</strong>s em todas as suas conseqüências nem forama<strong>de</strong>quadamente assimila<strong>do</strong>s pela massa <strong>do</strong> clero e <strong>do</strong>s fiéis. O aprofundamento teológico eprático <strong>de</strong>stes princípios continua como tarefa inadiável 10 .Surgiram também avaliações críticas <strong>do</strong>s mais varia<strong>do</strong>s matizes. Des<strong>de</strong> aquelasque se situam na linha supramencionada até os infunda<strong>do</strong>s ataques à orto<strong>do</strong>xia da reformalitúrgica e <strong>do</strong> próprio Concílio Vaticano II.Giuseppe Alberigo 11 analisa a reforma a partir <strong>de</strong> sua inserção no caminhohistórico <strong>do</strong> movimento litúrgico. O momento atual exige um empenho que aprofun<strong>de</strong> erelance os conteú<strong>do</strong>s e intuições da Sacrossanctum Concilium <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> maiordurabilida<strong>de</strong> temporal. Possibilitam essa experiência as décadas <strong>de</strong> experiência e o salutardistanciamento das primeiras dificulda<strong>de</strong>s e polêmicas enfrentadas pela reforma litúrgica.Já se possui uma certa perspectiva histórica que faz emergir o núcleo central da propostaconciliar. Núcleo que é a compreensão e a experiência da liturgia como epifania da fé daIgreja. Conforme Alberigo, <strong>de</strong>ntre as gran<strong>de</strong>s conquistas da liturgia pós-conciliar, temos ochama<strong>do</strong> a uma revisão radical no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r e viver o relacionamento com oDeus trinitário revela<strong>do</strong> por Jesus <strong>de</strong> Nazaré, o resgate <strong>do</strong> valor teológico <strong>do</strong> mistério e <strong>do</strong>sacerdócio batismal, e a afirmação da inseparável conexão entre Palavra <strong>de</strong> Deus e liturgia.9 Cf. GIOVANNI PAOLO II. Nel XXV anniversario <strong>de</strong>lla constituzione conciliare sulla sacra liturgia.Enchiridion Vaticanum 11: <strong>do</strong>cumenti ufficiali <strong>de</strong>lla Santa Se<strong>de</strong> 1988-1989. Bologna: Dehoniane, 1991. p.976-1013.10 Cf. VISENTIN, Pelagio. Luci e ombre nella recezione e attuazione <strong>de</strong>lla riforma litúrgica. RivistaLiturgica, Torino, n. 77, p. 167-180, 1990.11 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. La riforma conciliare nel cammino storico <strong>de</strong>l movimento litúrgico e nella vita<strong>de</strong>lla Chiesa. ____. Il movimento litúrgico tra riforma conciliare e attese <strong>de</strong>l popolo di Dio, Assisi: Citta<strong>de</strong>llaEditrice, 1987. p. 75-93.


45Aimé Georges Martimort 12 reconhece também o enriquecimento teológico eespiritual suscita<strong>do</strong> pela reforma litúrgica. Todavia, a <strong>de</strong>ficiente formação litúrgica mantémtal riqueza distante da maior parte <strong>do</strong> clero e <strong>do</strong> laicato. Impõe-se não só uma mudança <strong>de</strong>ritos, mas <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>. Por isso as orientações teológico-pastorais que balizaram areforma precisam ser repropostas no contexto pós-conciliar. Novamente se priorize aparticipação ativa <strong>do</strong>s fiéis não apenas no ritual compartilha<strong>do</strong>, mas como promoção dai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> batismal que constitui a Igreja como Povo <strong>de</strong> Deus e sacerdócio real. Que aliturgia possa manifestar não só a visibilida<strong>de</strong> da Igreja, mas permitir o ingresso em seumistério. A proclamação da Palavra seja compreendida como um acontecimento salvífico eacolhida como novida<strong>de</strong>. E que a liturgia enquanto sinal testemunhe a atualida<strong>de</strong> <strong>do</strong>mistério pascal na história humana.Não falta, porém, a avaliação crítica que alcança a própria SacrossanctumConcilium e revela os seus limites 13 . A aprovação da constituição litúrgica, logo no início<strong>do</strong>s trabalhos conciliares, já é uma consi<strong>de</strong>rável limitação. Sua elaboração não sebeneficiou da evolução sucedida no próprio concílio, especialmente das contribuições quepo<strong>de</strong>riam advir <strong>de</strong> <strong>do</strong>cumentos fundamentais como a Lumen Gentium, Gaudium et Spes eDei Verbum. Outro limite é a presença da não muito clara distinção escolástica entre “parteimutável,” por ser <strong>de</strong> instituição divina, e “partes sujeitas à modificação” (cf. SC 21).Evi<strong>de</strong>nte indicação <strong>de</strong> uma compreensão estreita <strong>do</strong>s sinais sacramentais. Igualmentelimitada é a vaga alusão à assimilação <strong>de</strong> elementos culturais na liturgia. Todavia, taislimites não obscurecem nem diminuem o valor <strong>do</strong>s progressos presentes no próprio textoda Sacrosanctum Concilium.Por sua vez, o Car<strong>de</strong>al Godfried <strong>Da</strong>neels 14 , com fina sensibilida<strong>de</strong> pastoral,aponta para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma autêntica iniciação no senso e no mistério da Igreja a fim<strong>de</strong> que a renovação da liturgia avance e seja aprofundada. O concílio resgatou o valor daPalavra em relação <strong>ao</strong> gesto. Todavia o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta relação não foi harmônico.Ocorreu uma inflação <strong>de</strong> palavras e uma retração gestual. Urge resgatar a linguagemgestual bem como o senso <strong>do</strong> sagra<strong>do</strong>, o silêncio e o uso a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> da música.12 Cf. MARTIMORT, Aimé Georges. La constitution “Sacrosanctum Concilium” vingt-cinq ans après.Notitiae, Romae, n. 25, p. 51-67, 1989.13 Cf. ANGELINI, G. Il movimento litúrgico: rilettura critica di stanze, orientamenti e problemi. In ____.Riforma litúrgica tra passato e futuro. Casale Monferrato: Marietti, 1985. p.11-29.14 Cf. DANEELS, Godfried. Vingt ans après la “constitution sur la liturgie”. Quelques réflexions sur la vieliturgique dans l’Eglise. La Maison Dieu, Paris, n. 162, p. 111-123, 1989.


46O caminho da reforma litúrgica <strong>de</strong>ve prosseguir. O impulso po<strong>de</strong> serencontra<strong>do</strong> nas premissas teológico-pastorais da Sacrosanctum Concilium e na abertura <strong>ao</strong>snovos horizontes <strong>de</strong> compreensão <strong>do</strong> fato litúrgico. Persistem temas que reclamam umaabordagem específica como a dimensão ecumênica da reforma litúrgica, o <strong>de</strong>safio dasadaptações <strong>do</strong>s ritos e a crucial questão da inculturação da fé, não só nos gran<strong>de</strong>shorizontes da África, Ásia ou América Latina, mas no ambiente plural e complexo <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> pós-mo<strong>de</strong>rno e urbaniza<strong>do</strong>.3.3 O missal romano no contexto da reforma litúrgicaÉ no contexto histórico da reforma litúrgica que situamos o surgimento e o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> atual missal romano, vigente como forma ordinária 15 da celebração daeucaristia para o rito romano. O mesmo contexto também oferece elementos indispensáveispara a sua compreensão enquanto obra <strong>do</strong> Concílio Vaticano II.O Vaticano II formulou na Sacrosanctum Concilium os princípios para umareforma <strong>de</strong> toda a liturgia (SC 50-54). Especial atenção mereceu a celebração da eucaristiaem vista da participação ativa e frutuosa <strong>do</strong>s fiéis (SC 47-48).A transformação <strong>de</strong>sses princípios em realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>man<strong>do</strong>u intensos trabalhospreparatórios. O consilium ad exsequendam articulou-se em vários núcleos (coetus) <strong>de</strong>pesquisa, análise e experimentação. Neles trabalharam os maiores peritos no campo daliturgia sob a orientação <strong>de</strong> Annibale Bugnini, promotor por excelência <strong>de</strong>ssas ativida<strong>de</strong>s 16 .A promulgação <strong>do</strong> missal renova<strong>do</strong> foi precedida por um perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> reformasparciais, porém significativas, na própria estrutura da missa pré-conciliar. Gradualmenteassumiu-se na liturgia então vigente o uso mais amplo <strong>do</strong> vernáculo, a concelebração, ocânon recita<strong>do</strong> em voz alta, a comunhão sob ambas as espécies (07/03/1965), a oraçãocomum ou <strong>do</strong>s fiéis (17/04/1966), três novas anáforas e oito novos prefácios (23/05/1968),um novo calendário litúrgico (14/02/1969) e, como ponto culminante, a aprovação <strong>do</strong> novomissal romano por meio da constituição apostólica Missale Romanum (03/04/1969).15 Aos 07/07/2007, o Papa Bento XVI, por meio <strong>do</strong> motu-próprio Summorum Pontificum, <strong>de</strong>clarou que omissal romano, em sua edição típica <strong>de</strong> 1962, po<strong>de</strong> ser usa<strong>do</strong> como forma extr<strong>ao</strong>rdinária <strong>de</strong> celebração daeucaristia no Rito Romano.16 Cf. BUGNINI, Annibale. O esta<strong>do</strong> atual da reforma litúrgica. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, n.28, p. 627-636, 1968.


47Aos 26 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1970, o Papa Paulo VI promulgava a primeira ediçãotípica <strong>do</strong> novo missal que, daquele momento em diante, suce<strong>de</strong>ria o missale romanumpromulga<strong>do</strong> exatos quatro séculos antes pelo Papa São Pio V como fruto da reformalitúrgica tri<strong>de</strong>ntina.3.3.1 Critérios da reforma <strong>do</strong> missalO missal romano promulga<strong>do</strong> por Paulo VI representa um fruto digno <strong>do</strong>Concílio Vaticano II 17 . Foi a partir <strong>do</strong> espírito <strong>de</strong>ste concílio que se estabeleceram oscritérios para a sua elaboração. Po<strong>de</strong>ríamos elencar estes critérios em <strong>do</strong>is grupos: o que serefere às fontes <strong>do</strong> referi<strong>do</strong> missal e aquele que viabiliza as expressões concretas <strong>de</strong> umaliturgia eucarística renovada.No tocante <strong>ao</strong>s critérios sobre as fontes, o primeiro <strong>de</strong>les é a articulação entrefi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à Tradição e abertura <strong>ao</strong> legítimo progresso (SC 23). Concretamente isso severificou no tratamento das fontes litúrgicas <strong>do</strong> novo missal 18 . Nele são reutiliza<strong>do</strong>snumerosos textos <strong>do</strong> missal <strong>de</strong> 1570, recuperam-se outros <strong>do</strong> rico patrimônio eucológicoromano, bem como se acolhem contribuições preciosas provenientes das liturgiasambrosiana, hispânica e galicana. Existe também o espaço para a incorporação daeucologia proveniente das or<strong>de</strong>ns religiosas e até <strong>de</strong> alguns missais locais como o missalparisiense <strong>de</strong> 1736. O elemento <strong>de</strong> progresso fica por conta da elaboração <strong>de</strong> novos textosora crian<strong>do</strong>-os a partir <strong>de</strong> outras tradições litúrgicas, ora converten<strong>do</strong> em oração passagensda Escritura, da literatura patrística e até <strong>do</strong> próprio Vaticano II. Foram também compostostextos totalmente inéditos.Os critérios para uma expressão a<strong>de</strong>quada <strong>do</strong> mistério eucarístico foram avinculação <strong>do</strong>s textos com a Sagrada Escritura, o respeito <strong>ao</strong> gênero eucológico, a clareza eadaptação diante <strong>do</strong> entendimento <strong>do</strong> homem contemporâneo, a supressão <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o quepu<strong>de</strong>sse soar como <strong>de</strong>sprezo pelas realida<strong>de</strong>s terrenas, a preocupação com a tradução paraas línguas mo<strong>de</strong>rnas e a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> à fé da Igreja 19 .17 Cf. NOCENT, Adrien. Il nuovo messale. Rivista <strong>de</strong> Pastorale litúrgica, Brescia, n. 41, p. 327, 1970.18 Cf. DUMAS, Antoine. Les sources Du nouveau missel romain. Notitiae, Romae, n. 65, p. 37-42, 74-77,94-95, 134-136, 276-280, 1971.19 Cf. DUMAS, Antoine. Le orazioni <strong>de</strong>l messale. Criteri di scelta e di compozisione. Rivista litúrgica,Torino, n. 58, p. 92-102, 1971.


483.3.2 A estrutura <strong>do</strong> missal romano <strong>de</strong> Paulo VIO missal romano é constituí<strong>do</strong> por uma parte introdutória com os <strong>do</strong>cumentos<strong>de</strong> promulgação e normas, o corpo <strong>do</strong> missal on<strong>de</strong> se encontram os diversos formulárioseucológicos e um apêndice 20 .Eis a estrutura básica <strong>do</strong> missal romano:A parte introdutória é essencialmente <strong>do</strong>cumental. Nela figuram aapresentação e os <strong>de</strong>cretos emana<strong>do</strong>s pelas autorida<strong>de</strong>s romanas e pela conferênciaepiscopal <strong>de</strong> cada país. Em seguida, temos a constituição apostólica Missale Romanum <strong>de</strong>Paulo VI que promulga o presente missal. Neste <strong>do</strong>cumento, Paulo VI justifica a reforma<strong>do</strong> missal e faz um retrospecto histórico <strong>de</strong> São Pio V <strong>ao</strong> Vaticano II. Depois apresenta asprincipais inovações <strong>de</strong>ste livro litúrgico (as quatro novas orações eucarísticas, asimplificação <strong>do</strong> Or<strong>do</strong> Missae, a revalorização da Palavra <strong>de</strong> Deus por meio <strong>do</strong> novolecionário e da homilia, a oração <strong>do</strong>s fiéis). Conclui-se com a instrução geral <strong>do</strong> missalromano 21 , <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> um proêmio teológico que insere a reforma <strong>do</strong> missal na continuida<strong>de</strong>da Tradição e aclara algumas questões controversas 22 . Por fim, o motu-próprio que instituias novas normas universais <strong>do</strong> ano litúrgico e o novo calendário romano geral.O corpo <strong>do</strong> missal articula-se em oito gran<strong>de</strong>s conjuntos 23 : o próprio <strong>do</strong>tempo, o rito da missa, o próprio <strong>do</strong>s santos, formulários comuns, missas rituais, missas eorações para diversas necessida<strong>de</strong>s, missas votivas e missas <strong>do</strong>s fiéis <strong>de</strong>funtos.O próprio <strong>do</strong> tempo traz a eucologia <strong>do</strong> ciclo anual que celebra o mistério dasalvação em sua totalida<strong>de</strong> (cf. SC 102). Formulários diversifica<strong>do</strong>s para o advento (trêsgrupos <strong>de</strong> formulários: <strong>do</strong>mingos, férias até 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro e férias <strong>de</strong> 16 a 24 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro), para o ciclo <strong>do</strong> natal (<strong>do</strong>mingos, férias, solenida<strong>de</strong>s e festas), para a quaresma(férias e <strong>do</strong>mingos com ênfase batismal e penitencial), para o tríduo pascal (com especial<strong>de</strong>staque para a vigília pascal), para o tempo pascal (<strong>do</strong>mingos, férias da oitava, férias dastrês semanas pares, das semanas ímpares e da sétima semana <strong>de</strong>ste tempo). Por fim os20 Tomamos como referência a primeira edição típica <strong>do</strong> missal romano em sua tradução para o Brasil.21 A instrução geral <strong>do</strong> missal romano recebeu várias versões conforme a sucessão das edições típicas <strong>do</strong>missal e suas respectivas mudanças. Em vários momentos, Paulo VI se viu obriga<strong>do</strong> a sair em <strong>de</strong>fesa dareforma <strong>do</strong> novo Or<strong>do</strong> Missae, imputa<strong>do</strong> pelos grupos tradicionalistas como herético.22 Insiste-se que a ênfase no aspecto memorial não implica em negação da natureza sacrifical da missa ou dapresença real <strong>do</strong> Senhor no sacramento eucarístico. Era nesse ponto que centravam os tradicionalistas a suaprincipal contestação.23 Cf. CABIÉ, Robert. Le nouvel “Or<strong>do</strong> Missae”. La Maison Dieu, Paris, n. 100, p. 21-35, 1969.


49formulários <strong>do</strong>s trinta e quatro <strong>do</strong>mingos <strong>do</strong> tempo comum e das solenida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Senhorneste tempo (Santíssima Trinda<strong>de</strong>, Corpo e Sangue <strong>do</strong> Senhor, Sagra<strong>do</strong> Coração <strong>de</strong> Jesus,Cristo Rei). Cumpre ressaltar que o lugar central <strong>do</strong> <strong>do</strong>mingo foi restaura<strong>do</strong> e enfatiza<strong>do</strong>.O rito da missa compreen<strong>de</strong> o ordinário da missa com o povo, a série <strong>de</strong>prefácios, quatro orações eucarísticas, o rito da missa celebrada sem o povo 24 , introduçõese conclusões para os prefácios, bênçãos solenes para o fim da missa e orações sobre opovo.O próprio <strong>do</strong>s santos organiza-se conforme uma divisão mensal. Neladistinguem-se as solenida<strong>de</strong>s, com um formulário completo (coleta, orações sobre asoferendas e após a comunhão e, em alguns casos, o prefácio e até formulário para avigília). Em seguida, temos as festas (<strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> coleta, sobre oferendas e pós-comunhãoe, também nalguns casos, prefácio). Por fim, as memórias obrigatórias e facultativas (emgeral há somente a oração da coleta, mas algumas possuem as orações sobre oferendas epós-comunhão).Os formulários comuns agrupam-se em sete unida<strong>de</strong>s que classificam ossantos (Nossa Senhora, mártires, pastores, <strong>do</strong>utores da Igreja, virgens, santos e santas)Estas unida<strong>de</strong>s são precedidas pelo comum da <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> uma Igreja.As missas rituais formam um conjunto novo no missal 25 . A SacrosanctumConcilium enfatizou a importância da celebração <strong>do</strong>s sacramentos da crisma (cf. SC 71) e<strong>do</strong> matrimônio (cf. SC 77) <strong>de</strong>ntro da missa. <strong>Da</strong> mesma forma a profissão religiosa (cf. SC80). Igualmente durante a celebração eucarística acontecem as or<strong>de</strong>nações, a consagraçãodas virgens e a <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> uma igreja. São oito unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formulários: na celebração<strong>do</strong>s sacramentos da iniciação cristã, nas or<strong>de</strong>nações, no viático, nas missas pelos esposos,para a bênção <strong>do</strong> aba<strong>de</strong> ou da aba<strong>de</strong>ssa, na consagração <strong>de</strong> virgens, na profissão religiosa,no dia da <strong>de</strong>dicação (igreja ou altar).As missas e orações por diversas necessida<strong>de</strong>s são também fruto dasensibilida<strong>de</strong> conciliar diante da presença da Igreja no mun<strong>do</strong>. É a reação orante àsvicissitu<strong>de</strong>s que envolvem a vida humana. Não po<strong>de</strong>m ser entendidas como uma invençãoda reforma litúrgica conciliar, pois os antigos missais também conheciam as “orationes24 Na terceira edição típica <strong>do</strong> Missal Romano, passa a ser chamada <strong>de</strong> Missa com a assistência <strong>de</strong> um sóministro.25 Cf. BRAGA, Carlos. Il Nuovo Messale Romano. Ephemeri<strong>de</strong>s Liturgicae, Romae, n. 84, p. 249-252, 1970.


50diversae”, em geral coligidas num apêndice e empregadas conforme as circunstâncias. Anovida<strong>de</strong> trazida pela reforma litúrgica está na eucologia mais adaptada à sensibilida<strong>de</strong>mo<strong>de</strong>rna. Distribuem-se em unida<strong>de</strong>s intituladas “pela santa Igreja, pelo bem público, emdiversas circunstâncias da vida pública, por algumas necessida<strong>de</strong>s particulares”.As missas votivas que se escolhem livremente “sobre os mistérios <strong>do</strong> Senhorou em honra da Bem-Aventurada Virgem Maria, <strong>do</strong>s anjos, <strong>de</strong> algum santo ou <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s ossantos po<strong>de</strong>m ser celebradas para favorecer a <strong>de</strong>voção <strong>do</strong>s fiéis nos dias <strong>de</strong> semana <strong>do</strong>tempo comum” (IGMR 375).As missas <strong>do</strong>s <strong>de</strong>funtos contêm onze formulários completos e catorze séries<strong>de</strong> orações por diversos tipos <strong>de</strong> <strong>de</strong>funtos. Há também a distinção entre formulários para otempo pascal e fora <strong>do</strong> tempo pascal. A maior parte <strong>do</strong>s textos é nova e estes adaptam-se àlinguagem e à compreensão contemporânea.O apêndice consta <strong>do</strong> rito para a bênção e aspersão da água, formulários para <strong>ao</strong>ração <strong>do</strong>s fiéis, preparação e ação <strong>de</strong> graças para a missa, formulários das missae prosacer<strong>do</strong>tibus qui aliam missam elegere non possunt e os vários índices <strong>do</strong> missal.3.3.3 As edições típicas <strong>do</strong> missal romanoA primeira edição típica <strong>do</strong> missal romano, obra da reforma litúrgica <strong>do</strong>Vaticano II, não estava <strong>de</strong>stinada a ser tornar um livro litúrgico irretocável. O próprioconcílio erigiu o princípio da renovação permanente da liturgia para torná-la apta a<strong>de</strong>sempenhar sua missão <strong>de</strong> celebrar os divinos mistérios no <strong>de</strong>curso da história humana(cf. SC 21).Os ritos ou a expressão significativa da liturgia <strong>de</strong>vem adaptar-se às necessida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> cada tempo para que os mistérios celebra<strong>do</strong>s possam ser compreendi<strong>do</strong>s evivi<strong>do</strong>s pela Igreja celebrante. A reforma litúrgica <strong>de</strong>cretada pelo ConcílioVaticano II não foi encerrada <strong>de</strong>finitivamente 26 .A novida<strong>de</strong> mais significativa, surgida ainda na vigência da 1ª edição típica, foio aparecimento <strong>de</strong> novos textos litúrgicos. Estes textos, uma vez vota<strong>do</strong>s à inclusão nomissal, apareceram na segunda edição típica em 1975 27 . Os novos textos foram <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>sa enriquecer especialmente o conjunto das missas rituais (inscrição <strong>do</strong> nome, bênção <strong>do</strong>26 Cf. BECKHÄUSER, Alberto. Novas mudanças na missa. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 7.27 Cf. Decreto “Cum missale romanum”. Nottiae, Romae, n. 11, p. 297, 1975.


51aba<strong>de</strong> ou da aba<strong>de</strong>ssa, aniversário da profissão religiosa, <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> uma igreja e/ou umaltar), bem como o conjunto das missas e orações para as diversas necessida<strong>de</strong>s (quatroorações eucarísticas para diversas circunstâncias, duas sobre reconciliação, um formuláriopara a reconciliação, antífonas <strong>de</strong> entrada e comunhão para outros formulários que não aspossuíam). Nas missas votivas, o acréscimo <strong>de</strong> mais <strong>do</strong>is formulários da Virgem Maria(Mãe da Igreja e Santíssimo Nome <strong>de</strong> Maria). No apêndice incluem-se as orações a seremrecitadas após as leituras na forma ampliada da missa da vigília <strong>de</strong> Pentecostes, o rito <strong>de</strong><strong>de</strong>legação <strong>de</strong> um ministro extr<strong>ao</strong>rdinário da comunhão eucarística para um caso particular,o anúncio da data da páscoa na solenida<strong>de</strong> da epifania, as três orações eucarísticas paramissas com crianças e os cantos <strong>do</strong> ordinário da missa. Introduziu-se uma gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong><strong>de</strong> monições para o ato penitencial, oração sobre as oferendas, novas aclamações <strong>do</strong> povodurante a oração eucarística, outras monições para a Oração <strong>do</strong> Senhor, saudação da paz,variações <strong>de</strong> versículos bíblicos para a apresentação <strong>do</strong> Cor<strong>de</strong>iro <strong>de</strong> Deus, novas fórmulas<strong>de</strong> envio <strong>ao</strong> término da missa 28 . No Brasil, acrescentou-se após a IV Oração Eucarísticauma anáfora elaborada por ocasião <strong>do</strong> Congresso Eucarístico Nacional, em Manaus, em1975. A tradução da segunda edição típica, com as <strong>de</strong>vidas adaptações, <strong>de</strong>morou até 1993para aparecer no Brasil.Em 2002, surgiu a terceira edição típica <strong>do</strong> missal romano. Na sua instruçãogeral, novamente remo<strong>de</strong>lada, é assimilada toda a regulamentação a respeito <strong>do</strong> missalromano emanada após 1975 29 . A estrutura da celebração eucarística apresentada pelasedições anteriores foi mantida com os seguintes acréscimos: novos formulários das missas<strong>do</strong>s santos introduzi<strong>do</strong>s no calendário universal <strong>de</strong>pois da segunda edição típica, indicação<strong>de</strong> memórias facultativas que se tornaram obrigatórias, onze novas memórias facultativas,um novo prefácio para os mártires, novos formulários para o comum da Virgem Maria. Nasecção das missas para diversas circunstâncias e das missas votivas mais três formulários.Retomaram-se as orações sobre o povo durante toda a quaresma. Apresentam-seformulários completos para as missas feriais <strong>do</strong> tempo <strong>do</strong> advento e orações próprias para28 Comparan<strong>do</strong> a 2ª edição típica em sua tradução brasileira com outras traduções (italiana, francesa,espanhola), notamos que algumas <strong>de</strong>ssas novida<strong>de</strong>s (por exemplo, as aclamações durante as anáforas) sãoconcessões feitas à Igreja no Brasil.29 Cf. BARBA, Maurizio. Il messale romano: tradizione e progresso nella terza edizione típica. Romae:Libreria editrice Vaticana, 2004. p. 17-23.


52cada dia <strong>do</strong> tempo pascal. Há gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> textos musica<strong>do</strong>s em gregoriano nãomais no apêndice, mas no próprio ordinário da missa 30 .Como vimos, as novida<strong>de</strong>s propriamente ditas são poucas. Nessa terceira ediçãotípica <strong>do</strong> Missal Romano renova<strong>do</strong>, por <strong>de</strong>cisão <strong>do</strong> Concílio Vaticano II,manteve-se basicamente a estrutura da Missa aprovada por Paulo VI 31 .Desafio consi<strong>de</strong>rável é a tradução <strong>de</strong>sta terceira edição típica para o vernáculodiante das normativas <strong>de</strong> caráter cada vez mais estrito que exigem uma tradução literal <strong>do</strong>texto latino 32 . Esquece-se que a tradução <strong>de</strong>ve ter em vista um <strong>de</strong>stinatário concreto: oPovo <strong>de</strong> Deus reuni<strong>do</strong>, sobretu<strong>do</strong>, em assembléia <strong>do</strong>minical. O foco <strong>do</strong> processo <strong>de</strong>tradução, quan<strong>do</strong> centra<strong>do</strong> no <strong>de</strong>stinatário, <strong>de</strong>sperta a sensibilida<strong>de</strong> pastoral diante <strong>do</strong>sdiferentes meios lingüísticos que as variadas comunida<strong>de</strong>s cristãs usam em seu cotidiano.Nesse senti<strong>do</strong>, a tradução <strong>de</strong> um livro litúrgico é mais que simples transliteração. Traduçãoé interpretação e adaptação. É campo privilegia<strong>do</strong> e irrenunciável da inculturação. Passa-sea impressão, no atual contexto, que esse foco está sen<strong>do</strong> perdi<strong>do</strong>. Todavia, o texto litúrgico<strong>de</strong>ve não só transmitir a <strong>do</strong>utrina sob uma forma orto<strong>do</strong>xa, mas possibilitar que o rito sejauma celebração <strong>do</strong> hoje da salvação na vida da Igreja reunida em oração 33 . Realizar onecessário equilíbrio entre uma tradução orto<strong>do</strong>xa e a necessária adaptação às múltiplasrealida<strong>de</strong>s pastorais e culturais é o <strong>de</strong>safio que tradutores e autorida<strong>de</strong>s eclesiásticas têmpela frente.30 Cf. BECKÄUSER, Novas mudanças, p. 14-15.31 BECKÄUSER, Novas mudanças, p. 77.32 Cf. CONGREGATIO <strong>de</strong> Cultu Divino et Disciplina Sacramentorum. De usus linguarum popularium inlibris liturgicae romanae e<strong>de</strong>ndis. Romae: Libreria Editrice Vaticana, 2001.33 Cf. VENTURI, Gianfranco. La traduzione <strong>de</strong>l libro liturgico. In GIRAUDO, Cesare. Il messale romano:tradizione, traduzione, adattamento. Roma: Edizione Liturgiche, 2003. p. 287.


534 A dimensão escatológica da eucaristia: análiselitúrgico-teológica <strong>de</strong> textos seletos <strong>do</strong> atual MissalRomanoA escatologia tem na liturgia um lugar teológico privilegia<strong>do</strong>. No centro dacelebração eucarística e da escatologia, está o mistério pascal <strong>de</strong> Cristo. Em ambas, aressurreição <strong>do</strong> Senhor é acolhida como o evento que inaugura a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva. Nosdias atuais, a teologia sacramental tem experimenta<strong>do</strong> um fecun<strong>do</strong> retorno à meto<strong>do</strong>logia<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> patrístico, fundamentada na mistagogia 1 . A Lex orandi era assumida pelosPadres da Igreja como fonte eminente da teologia. A compreensão da realida<strong>de</strong>sacramental era <strong>de</strong>duzida por eles a partir da prática celebrativa.É nessa linha que situamos o presente trabalho. Intentamos perguntar à própriacelebração eucarística sobre a sua dimensão escatológica. A teologia e a mistagogia nosrevelam a eucaristia como momento por excelência da celebração-experiência e daantecipação-espera <strong>do</strong> futuro salvífico.A Igreja em oração se compreen<strong>de</strong> como comunida<strong>de</strong> escatológica constituídaa partir da presença <strong>do</strong> Ressuscita<strong>do</strong>. Ao celebrar o mistério pascal, a Igreja, como Corpo<strong>de</strong> Cristo, é inserida vitalmente nele. Essa inserção no mistério, obra <strong>do</strong> Espírito, revela umaspecto fundamental da eucaristia: o <strong>de</strong> sacramento da escatologia realizada. Assim, acelebração eucarística é perpassada por uma tensão dialética entre a espera da vindagloriosa <strong>do</strong> Senhor e <strong>de</strong> seu <strong>Reino</strong> e a realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva já antecipada sacramentalmente.O missal articula, sob a forma eucológica, estes <strong>do</strong>is pólos.O missal romano <strong>de</strong> Paulo VI, enquanto expressão viva da Lex orandi, nosoferece uma rica eucologia como objeto <strong>de</strong> nossa análise. Ele é a nossa referência centralpara a compreensão da relação eucaristia-escatologia. Nesse senti<strong>do</strong>, centramos nossaatenção nas anáforas e em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s elementos <strong>do</strong> rito <strong>de</strong> comunhão, ten<strong>do</strong> <strong>ao</strong> fun<strong>do</strong> ohorizonte temporal ofereci<strong>do</strong> pelo ano litúrgico.1Cf. TABORDA, Francisco. <strong>Da</strong> celebração à teologia. Por uma abordagem mistagógica da teologia <strong>do</strong>ssacramentos. Revista eclesiástica brasileira, Petrópolis, n. 64, p. 588- 615, 2004.


544.1 A oração Eucarística4.1.1 Aproximação conceitualReferencial irrenunciável da teologia eucarística é a sua própria celebraçãolitúrgica. Por meio da liturgia, a comunida<strong>de</strong> expressa não apenas a sua fé, mas a suacompreensão e vivência da eucaristia.Neste senti<strong>do</strong> a liturgia é fonte da teologia: é a primeira experiência, a expressãoradical da fé, a “orto<strong>do</strong>xia”. Quan<strong>do</strong> se trata <strong>de</strong> saber que teologia eucarística aIgreja tem, é bom que interroguemos a própria celebração, e especialmente a su<strong>ao</strong>ração eucarística embora esta fé se exprima também em outras orações 2A oração eucarística é a expressão eucológica <strong>do</strong> memorial que a Igreja faz <strong>ao</strong>celebrar o mistério pascal <strong>de</strong> Cristo no contexto <strong>de</strong> uma ceia ritual. Essa oração possui umaestrutura bipartida. Primeiro, a secção anamnético-celebrativa, caracterizada pela confissão<strong>de</strong> louvor da comunida<strong>de</strong>, através daquele que presi<strong>de</strong>, na qual se reconhece a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>divina e as maravilhas operadas em nosso favor. O tom pre<strong>do</strong>minante é a ação <strong>de</strong> graças.Depois, a secção epiclética on<strong>de</strong> se suplica a transformação das oblatas e da assembléiacelebrante em corpo <strong>de</strong> Cristo.Por essa razão, o missal romano <strong>de</strong> Paulo VI qualifica a oração eucarísticacomo o centro e o ápice da missa. É a prece <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> graças e santificação por excelência(cf. IGMR 78).O sacer<strong>do</strong>te convida o povo a elevar os corações <strong>ao</strong> Senhor na oração e ação <strong>de</strong>graças e o associa à prece que dirige a Deus Pai, por Cristo, no Espírito Santo,em nome <strong>de</strong> toda a comunida<strong>de</strong>. O senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta oração é que toda a assembléiase una a Cristo na proclamação das maravilhas <strong>de</strong> Deus e na oblação <strong>do</strong>sacrifício (IGMR 78).4.1.2 Eucaristia: sacramento da escatologia realizadaA dimensão escatológica da eucologia <strong>do</strong> atual missal romano não se situa noplano <strong>de</strong> uma apresentação unificada e sistematizada da escatologia 3 . A liturgia, por sertheologia prima, não se propõe a especular sobre a temática escatológica. Sua função écelebrar o mistério pascal e nele esta realida<strong>de</strong> inaugurada em Cristo e conduzida peloEspírito rumo à plena consumação.2 ALDAZABAL, J. A eucaristia. In: BOROBIO, Dionisio (org.). A celebração na Igreja. São Paulo: Loyola,1993. v. 2, p. 245.3 Cf. MAZZA, Enrico. La dimension eschatologique <strong>de</strong>s prières eucharistiques actuelles. La Maison Dieu,Paris, n. 220, p. 104, 1999.


55Na liturgia, celebra-se a escatologia. A Igreja primitiva assumiu a eucaristia apartir <strong>de</strong> sua compreensão <strong>do</strong> mistério pascal. As palavras e os gestos <strong>de</strong> Jesus, ritualiza<strong>do</strong>spela comunida<strong>de</strong> como memorial, representam e sintetizam to<strong>do</strong> o mistério <strong>de</strong> Cristo comorecapitulação da história da salvação e seguro penhor <strong>do</strong>s bens que se esperam por ocasião<strong>de</strong> sua segunda vinda. Nas primeiras comunida<strong>de</strong>s cristãs, a eucaristia era celebrada <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> um clima <strong>de</strong> expectativa escatológica. A invocação da vinda <strong>do</strong> Senhor (Maranatha) erauma constante, o que dava à celebração eucarística um caráter <strong>de</strong> antecipação sacramentalda vinda <strong>do</strong> Senhor. A experiência da presença <strong>do</strong> Senhor Ressuscita<strong>do</strong> engendrava o<strong>de</strong>sejo e a esperança <strong>de</strong> sua volta <strong>de</strong>finitiva 4 .A compreensão da dimensão escatológica da eucaristia nos convida avisitarmos as fontes das quais a atual liturgia é tributária. Nessas antigas fontes, ainda sepo<strong>de</strong>m ouvir os ecos da esperança escatológica, que animava as primeiras gerações cristãs.Vários pesquisa<strong>do</strong>res mo<strong>de</strong>rnos e contemporâneos se interessaram pela féescatológica na Antigüida<strong>de</strong> Cristã. Dentre eles, <strong>de</strong>staca-se o biblista Charles H. Dodd, queinvestigou esse tema a partir das antigas tradições litúrgicas 5 . Seu ponto <strong>de</strong> partida foi aconsi<strong>de</strong>ração da própria vinda <strong>de</strong> Cristo como escatologia realizada. Em síntese, assimreflexiona Dodd: a história da salvação possui um aspecto <strong>de</strong>cisivo. Trata-se <strong>de</strong> suadimensão escatológica. O <strong>de</strong>sígnio <strong>de</strong> Deus, revela<strong>do</strong> em sua Palavra, é a transformação <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> e <strong>do</strong> homem em nova criação e novo homem. A antecipação <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>, que éa <strong>de</strong>finitiva, se dá em Cristo. Nele se cumpre a promessa <strong>de</strong> Deus anunciada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oprincípio. Dessa forma, o Cristo vivo e glorifica<strong>do</strong> é constituí<strong>do</strong> como éschaton, primíciasgratuitas <strong>do</strong> novo que esperamos. Entre a ressurreição <strong>de</strong> Cristo, início da consumaçãoescatológica, e sua vinda final na glória, temos o tempo da Igreja. É neste tempo quevivemos e nele transcorre a liturgia, especialmente a eucaristia.A liturgia celebra, no hoje da vida humana e <strong>do</strong>s sacramentos, o cumprimentoda promessa <strong>de</strong> Deus na história <strong>de</strong> Cristo e a espera <strong>de</strong> sua consumação em seu corpoeclesial. Escatologia realizada é uma categoria teológica aplicável não somente <strong>ao</strong> mistérioda vinda histórica <strong>de</strong> Cristo, mas também à eucaristia.A liturgia da Igreja, como testemunham as fontes mais antigas, sempreexpressou <strong>de</strong> maneira exemplar esta visão escatológica centralizada na4 Cf. MAGRASSI, M. Vivere la liturgia. Noci: La Scala, 1978. p. 317-325.5 Cf. DODD, C. H. Les paraboles du Royaume <strong>de</strong> Dieu. Paris: Du Seuil, 1977; ____. La prédicationapostolique et son dévelopement. Paris: Universitaire, 1964.


56ressurreição <strong>de</strong> Cristo e na espera <strong>de</strong> sua vinda, reconduzin<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> à celebração<strong>do</strong> mistério pascal, síntese da história da salvação 6 .Especial <strong>de</strong>staque, por esse motivo, merece a celebração da eucaristia. Doddcentra a sua atenção numa liturgia oriental: a divina liturgia <strong>de</strong> São João Crisóstomo, o quenão impe<strong>de</strong> o benefício <strong>de</strong> suas intuições para analisarmos o rito romano. Dodd estuda, apartir da perspectiva escatológica, vários elementos da liturgia bizantina (o hinoCherubikon, o triságio, o “sursum corda” bizantino). Sua conclusão é a afirmação daeucaristia como sacramento da escatologia realizada. A segunda parte <strong>do</strong> triságio, que osoci<strong>de</strong>ntais nomeiam como “benedictus”, po<strong>de</strong> ser interpretada como uma aclamação <strong>ao</strong>Cristo glorioso, que vem em cada eucaristia. Dessa forma, cada celebração eucarística ésacramentalmente uma parusia.Dodd também relê o tema da morte <strong>de</strong> Cristo nessa perspectiva escatológica.Na cruz, trava-se o combate final entre Deus e as potências <strong>do</strong> maligno. Já na cruz seinaugura para a humanida<strong>de</strong> um novo gênero <strong>de</strong> vida. A paixão <strong>de</strong> Cristo é a revelação <strong>do</strong>mistério da salvação. Um mistério que se cumprirá plenamente no futuro, mas cujocomeço, em ato <strong>de</strong>finitivo, já se <strong>de</strong>u com a vitória <strong>do</strong> Senhor na cruz. Assim, a morte <strong>de</strong>Cristo é um evento salvífico inseri<strong>do</strong> no centro da escatologia realizada.Nas liturgias orientais, a escatologia realizada é expressa <strong>de</strong> duas formasdistintas. É na anamnese que essa escatologia realizada mais claramente po<strong>de</strong> serpercebida. A diferenciação entre as duas formas ocorre por meio da opção por<strong>de</strong>terminadas construções verbais 7 que trazem em si toda uma concepção teológica.A primeira forma é representada pela liturgia alexandrina, que concebe aescatologia realizada <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma dinâmica histórica on<strong>de</strong> as etapas da história dasalvação se suce<strong>de</strong>m <strong>ao</strong> ritmo <strong>de</strong> um crescen<strong>do</strong> escatológico.A segunda forma é típica das liturgias bizantina e antioquena. Ambas, naanamnese <strong>de</strong> suas anáforas, referem-se à segunda vinda <strong>de</strong> Cristo empregan<strong>do</strong> uma formaverbal que trata a parusia como um evento já ocorri<strong>do</strong>, ainda que este pertença <strong>ao</strong> futuro dahistória da salvação. <strong>Da</strong>í a compreensão, por esses ritos, da eucaristia como sacramentoescatológico, antecipação <strong>do</strong> <strong>banquete</strong> celeste, símbolo da vida no futuro século.Encontramos também <strong>de</strong>signações que qualificam-na como sinal eficaz da vida eterna no<strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus. Em suma: a eucaristia, sacramento da escatologia realizada, já é por si umaantecipação sacramental da parusia.6 CASTELLANO, DL, p. 349.7 Estas construções verbais e suas implicações teológicas serão analisadas oportunamente.


57No <strong>de</strong>correr da análise das anáforas romanas, sem aban<strong>do</strong>narmos o foco <strong>do</strong>contato com as suas fontes, <strong>de</strong>scobriremos qual <strong>de</strong>ssas formas foi abraçada pela reformalitúrgica <strong>do</strong> Vaticano II <strong>ao</strong> compor novas orações eucarísticas.4.1.3 A dimensão escatológica nas Anáforas RomanasCesare Girau<strong>do</strong> <strong>de</strong>screve a estrutura das anáforas <strong>de</strong> dinâmica epiclética(<strong>de</strong>ntre elas as romanas 8 ) a partir <strong>de</strong> nove elementos assim elenca<strong>do</strong>s 9 :1- Prefácio2- Sanctus3- Pós-Sanctus (ausente em algumas anáforas)4- Primeira epiclese (para a transformação das oblatas)5- Narrativa da instituição6- Anamnese (oferecimento <strong>do</strong> memorial)7- Segunda epiclese (para a transformação escatológica <strong>do</strong>s comungantes)8- Intercessões9- Doxologia finalEsta estrutura articula-se em duas gran<strong>de</strong>s secções celebrativas: a secçãoanamnética e a secção epiclética. A secção anamnética constitui-se a partir <strong>do</strong> louvor e daação <strong>de</strong> graças que brotam <strong>do</strong> memorial que celebra a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus em Cristo nahistória da salvação. A secção epiclética articula-se a partir das súplicas que pe<strong>de</strong>m <strong>ao</strong>Espírito Santo a transformação das oblatas em corpo e sangue <strong>do</strong> Senhor e da assembléiareunida em corpo eclesial <strong>de</strong> Cristo.Tomaremos, portanto, a <strong>de</strong>scrição da estrutura da anáfora feita por CesareGirau<strong>do</strong> como referência. A partir <strong>de</strong>la, pontuaremos a relação eucaristia-escatologiamediante exemplos textuais.8 Por sua vez, a IGMR 79 assim <strong>de</strong>screve a estrutura das orações eucarísticas: ação <strong>de</strong> graças (prefácio),sanctus, epiclese sobre as oblatas, narrativa da instituição, consagração, anamnese, oblação, intercessões e<strong>do</strong>xologia final. É uma estrutura que <strong>de</strong>scartamos por causa <strong>de</strong> sua apresentação pouco científica, quan<strong>do</strong>comparada com a proposta <strong>de</strong> Cesare Girau<strong>do</strong>, que é respaldada pela análise <strong>de</strong> outras anáforas da Tradição epelo contato com a eucologia judaica. Notamos outros limites na <strong>de</strong>scrição da estrutura da anáfora feita pelaIGMR como a omissão <strong>do</strong> pós-sanctus e da epiclese sobre os comungantes e o <strong>de</strong>staque in<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> <strong>ao</strong>s termosconsagração e oblação. Aparece a inusitada distinção entre narrativa da instituição e consagração, típica dateologia pré-conciliar, que parecia consi<strong>de</strong>rar a narrativa institucional como uma espécie <strong>de</strong> moldura para as“palavras da consagração”.9 Cf. GIRAUDO, Cesare. Num só corpo: trata<strong>do</strong> mistagógico sobre a eucaristia. São Paulo: Loyola, 2003. p.250-253.


58a) A ação <strong>de</strong> graças/prefácioO termo prefácio é típico da liturgia romana. Neste rito, <strong>ao</strong> contrário <strong>do</strong> que se<strong>de</strong>u nas liturgias orientais, não se multiplicaram as anáforas. Des<strong>de</strong> os primeiros séculos,fixou-se uma eucologia <strong>de</strong>nominada Cânon Romano. Todavia, para proclamar a riqueza <strong>do</strong>mistério celebra<strong>do</strong>, a liturgia romana optou pela composição <strong>de</strong> solenes orações <strong>de</strong> louvore ação <strong>de</strong> graças adaptadas a cada momento <strong>do</strong> ano litúrgico.Toda a oração eucarística é uma ação <strong>de</strong> graças. Esta, no entanto, se exprime <strong>de</strong>mo<strong>do</strong> particular no enuncia<strong>do</strong> <strong>do</strong>s motivos que a fazem nascer <strong>do</strong> coração,sempre evoca<strong>do</strong>s no início da anáfora. Para simplificar, po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que, <strong>de</strong>uma parte, se trata <strong>de</strong> quem é Deus mesmo, cujas gran<strong>de</strong>zas e misericórdia sãocontempladas e, <strong>de</strong> outro la<strong>do</strong>, da história da salvação através da qual se realizamas maravilhas <strong>do</strong> Senhor 10 .Quan<strong>do</strong> comparamos as anáforas romanas às anáforas orientais, percebemosuma notável diferença no que se refere não só <strong>ao</strong> prefácio, mas à secção anamnéticocelebrativacomo um to<strong>do</strong>. Estas últimas não possuem prefácios variáveis, mas exprimem aação <strong>de</strong> graças no seu próprio prefácio e no pós-sanctus on<strong>de</strong> louvam a Deus por toda ahistória da salvação, mencionan<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a criação até Cristo e a parusia. No oriente, cadaanáfora constitui uma unida<strong>de</strong> que apresenta uma visão <strong>de</strong> conjunto da economia dasalvação. Muitas <strong>de</strong>las são bem <strong>de</strong>senvolvidas como a <strong>de</strong> São Basílio. Já no rito romano, aação <strong>de</strong> graças bendiz e louva a Deus por uma aspecto específico <strong>do</strong> mistério da salvaçãoe, por vezes, <strong>de</strong>svia-se <strong>de</strong>sta sua finalida<strong>de</strong> e acaba tecen<strong>do</strong> parêneses, elogios 11 ouapresentação sintética <strong>de</strong> um enuncia<strong>do</strong> <strong>do</strong>gmático 12 .O missal romano <strong>de</strong> Paulo VI conservou os prefácios variáveis e, com exceçãodas orações eucarísticas I e III que são <strong>de</strong>stituídas <strong>de</strong> um prefácio próprio, seguiu oexemplo salutar das anáforas orientais compon<strong>do</strong> novas anáforas <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> um prefáciofixo e marcadas por um discurso oracional unitário.Todavia a IGMR, <strong>ao</strong> <strong>de</strong>finir a função <strong>do</strong> prefácio, ainda que enfatize a suanatureza dada pela tradição litúrgica, não consegue ressaltar a necessária unida<strong>de</strong> que esteforma com o restante da anáfora. Essa instrução indica que no prefácio o sacer<strong>do</strong>te emnome <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o povo santo glorifica a Deus e lhe ren<strong>de</strong> graças por toda a obra da salvação10 MARTIMORT, A. G. A Eucaristia: a Igreja em oração. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 96.11 Exemplifica esta situação o prefácio da Quaresma III e os prefácios <strong>do</strong>s santos I e II.12 É o que percebemos no prefácio da solenida<strong>de</strong> da Santíssima Trinda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> o louvor ce<strong>de</strong> lugar a umasíntese da teologia trinitária agostiniano-escolástica.


59ou por um aspecto <strong>de</strong>la em particular. Nesse senti<strong>do</strong>, o ano litúrgico oferece a direção<strong>de</strong>ssa ação <strong>de</strong> graças conforme o tempo, a festivida<strong>de</strong> ou o dia celebra<strong>do</strong> (IGMR 79 a).O prefácio po<strong>de</strong> ser dividi<strong>do</strong> em três partes 13 . No início, um conviteconvocan<strong>do</strong> a assembléia <strong>ao</strong> louvor e à ação <strong>de</strong> graças. Em seguida, o sacer<strong>do</strong>te explicita eaprofunda o motivo da ação <strong>de</strong> graças, centralizan<strong>do</strong>-o no mistério pascal <strong>de</strong> Cristo. Naexplicitação da ação <strong>de</strong> graças, são evoca<strong>do</strong>s os diversos aspectos <strong>do</strong> mistério <strong>de</strong> Cristocelebra<strong>do</strong>s no <strong>de</strong>correr <strong>do</strong> ano litúrgico, o testemunho <strong>do</strong>s santos, a vida sacramental.Conclui-se com a transição para o Sanctus em forma <strong>de</strong> convite dirigi<strong>do</strong> à assembléia paraunir-se a toda a Igreja em aclamação a Deus mediante o canto ou a recitação comum <strong>do</strong>Sanctus.A ação <strong>de</strong> graças tem início com o prefácio, termo a ser entendi<strong>do</strong> não comoproêmio ou preâmbulo, mas como discurso orante que a assembléia “proclamadiante” <strong>de</strong> Deus. Confirma-o com o verbo latino prae-fari, que significaexatamente “proclamar” 14 .Dentro da perspectiva <strong>de</strong>ste trabalho, selecionamos exemplos que expressam adimensão escatológica da eucaristia nos prefácios.a.1 O prefácio da oração eucarística IIA oração eucarística II foi elaborada a partir da anáfora <strong>de</strong> Hipólito <strong>de</strong> Roma.Não se trata <strong>de</strong> uma reprodução literal <strong>de</strong>sta antiqüíssima oração eucarística, mas <strong>de</strong> umaformulação nova que guarda muitas correspondências com o mo<strong>de</strong>lo que lhe serviu <strong>de</strong>inspiração 15 . Girau<strong>do</strong> <strong>de</strong>monstra que estas correspondências são verbais e não estruturais.A estrutura da anáfora da Tradição Apostólica é anamnética e a da oração eucarística II éepiclética 16 . O prefácio da oração eucarística II é uma ação <strong>de</strong> graças pela re<strong>de</strong>nçãooferecida em Cristo. Toda a ação <strong>de</strong> graças culmina no evento Jesus Cristo. Ou seja, aquitemos um prefácio radicalmente cristocêntrico. A encarnação <strong>do</strong> Verbo já é início <strong>do</strong>stempos escatológicos. A Igreja reunida em oração não mais aguarda a salvação prometida,mas a experimenta como promessa realizada.A ação <strong>de</strong> graças da oração eucarística II po<strong>de</strong> ser analisada à luz daescatologia <strong>ao</strong> abordarmos o tema da morte e ressurreição <strong>de</strong> Cristo. Este prefácio –13 Cf. GIRAUDO, Cesare. Re<strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong> a eucaristia. São Paulo: Loyola, 2002. p. 27-29.14 GIRAUDO, Re<strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong>, p. 27.15 Cf. JOURNEL, Pierre. La composition <strong>de</strong>s nouvelles prières eucharistiques. La Maison Dieu, Paris, n. 94,p. 47, 1968.16 GIRAUDO, Num só Corpo, p. 393.


60convém ressaltar – oferece uma síntese panorâmica da história salvífica centrada emCristo. Analisemos, portanto, o conteú<strong>do</strong> <strong>de</strong> seu motivo <strong>de</strong> louvor 17 :Ele é vossa palavra viva pela qual tu<strong>do</strong> criastesEcoa nesta proclamação a afirmação bíblica <strong>do</strong> Cristo como Verbo preexistentee a sua vinculação com a totalida<strong>de</strong> da criação, realizada também por meio <strong>de</strong>le (Jo 1,18,Cl 1,15-17, 1Cor 8,16). Nesse contexto, confessar a preexistência <strong>do</strong> Verbo equivale aconfessar a divinda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cristo. É também a história da salvação em sua protologia.Ele é o nosso salva<strong>do</strong>r e re<strong>de</strong>ntorSalva<strong>do</strong>r enquanto <strong>do</strong>a e mantém a vida divina, introduzin<strong>do</strong> a humanida<strong>de</strong> noseu reino e libertan<strong>do</strong>-a <strong>do</strong> mal e da morte. Re<strong>de</strong>ntor porque a liberta da escravidão <strong>do</strong>peca<strong>do</strong> e <strong>de</strong>mônio (Cl 1,3) a preço <strong>do</strong> seu próprio sangue (1 Cor 6,20; 7,23).Ele para cumprir a vossa vonta<strong>de</strong> e reunir um povo santo para o vosso louvorCristo é o cumprimento pleno da vonta<strong>de</strong> salvífica <strong>do</strong> Pai. Ao cumprir estavonta<strong>de</strong>, ele assume até mesmo a morte. O plano da salvação não visa a indivíduosisola<strong>do</strong>s a serem redimi<strong>do</strong>s. Trata-se da reunião escatológica <strong>de</strong> um povo (Tt 2,13) que, nasua unida<strong>de</strong>, experimenta e manifesta a santida<strong>de</strong> <strong>do</strong> próprio Deus (1Pd 2,9) e é sinal ecomeço da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva.Esten<strong>de</strong>u os braços na hora da sua paixão a fim <strong>de</strong> vencer a morte emanifestar a ressurreiçãoO prefácio da oração eucarística II <strong>de</strong>screve a obra salvífica <strong>de</strong> Cristo comovitória sobre a morte e manifestação da ressurreição. Nas homilias pascais <strong>de</strong> Hipólito <strong>de</strong>Roma, aparece a caracterização da salvação em Cristo como uma obra cósmica 18 . O“esten<strong>de</strong>u os braços na hora da sua paixão” nos remete à metáfora <strong>do</strong>s braços imensos <strong>de</strong>Deus que envolvem toda a criação e sustentam a sua existência. A imagem da cruz e <strong>do</strong>abraço cósmico são muito caras <strong>ao</strong> simbolismo pascal porque revelam o alcance cósmicoda salvação em Cristo e a sua perpetuida<strong>de</strong> <strong>ao</strong> longo <strong>do</strong>s tempos. Sen<strong>do</strong> a anáfora daTradição Apostólica, quanto <strong>ao</strong> conteú<strong>do</strong>, a fonte principal da oração eucarística II,convém notar que nela a ação <strong>de</strong> graças <strong>de</strong>semboca imediatamente no relato institucionaljá que não há a presença <strong>do</strong> sanctus. Existe, pois, uma relação <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sseselementos no texto-fonte. Isto quer dizer que foi justamente para <strong>de</strong>struir a morte emanifestar a ressurreição que Jesus tomou o pão e o cálice em suas mãos, ren<strong>de</strong>u graças e17 Cf. MAZZA, La dimension, p. 97-98.18 Cf. HIPPOLYTE DE ROME. Homélies pascales. In NAUTIN, P Une homélie inspirée du traité sur laPâque d’Hippolyte. Sources Chretiènnes 27, Paris, 1950, p. 11-113.


61partilhou-os com seus discípulos. Foi então com este mesmo propósito que Jesus instituiu aeucaristia.Nesse senti<strong>do</strong>, o prefácio da oração eucarística II, analisa<strong>do</strong> à luz daescatologia, apresenta a ligação entre a eucaristia e a manifestação da vida que vence amorte em Cristo. Esse prefácio é tributário <strong>de</strong> uma concepção escatológica <strong>de</strong> salvação.Assim a eucaristia celebra a ação salvífica <strong>de</strong> Deus que, em Cristo, torna homens emulheres participantes da sua vitória sobre a morte.a. 2 Os prefácios <strong>do</strong> tempo <strong>do</strong> AdventoNo ano litúrgico, o tempo <strong>do</strong> Advento é aquele que mais explicitamente nosapresenta o mistério escatológico. Trata-se <strong>de</strong> um perío<strong>do</strong> que não se reduz a uma merapreparação espiritual para o Natal. Sem a escatologia, o Advento fica gran<strong>de</strong>menteempobreci<strong>do</strong>. Deixa <strong>de</strong> ser um tempo <strong>de</strong> espera vigilante para ser um tempo <strong>de</strong> nostalgia;<strong>de</strong> um tempo <strong>de</strong> vivo <strong>de</strong>sejo da vinda <strong>do</strong> Senhor a um tempo <strong>de</strong> simples recordação 19 .O Advento assim é caracteriza<strong>do</strong> pela IGMR:O tempo <strong>do</strong> Advento possui dupla característica: sen<strong>do</strong> um tempo <strong>de</strong> preparaçãopara as solenida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Natal, em que se comemora a primeira vinda <strong>do</strong> Filho <strong>de</strong>Deus entre os homens, é também um tempo em que, por meio <strong>de</strong>sta lembrança,voltam-se os corações para a expectativa da segunda vinda <strong>de</strong> Cristo no fim <strong>do</strong>stempos. Por este duplo motivo, o tempo <strong>do</strong> Advento se apresenta como umtempo <strong>de</strong> pie<strong>do</strong>sa e alegre expectativa (IGMR 39).É <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa dinâmica espiritual que vamos encontrar os prefácios <strong>do</strong>Advento 20 . A primeira edição típica <strong>do</strong> missal romano <strong>de</strong> Paulo VI oferecia <strong>do</strong>is prefáciospara o tempo <strong>do</strong> Advento. Um enriquecimento <strong>ao</strong> consi<strong>de</strong>rarmos que o missal <strong>de</strong> 1570 nãodispunha <strong>de</strong> nenhum. A fonte para a composição <strong>de</strong>sses <strong>do</strong>is prefácios foi encontrada noSacramentário Veronense ou Leoniano 21 .O primeiro prefácio é prescrito para as missas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro <strong>do</strong>mingo <strong>do</strong>Advento até 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro. Este prefácio intitula-se “as duas vindas <strong>de</strong> Cristo”. Possuiclara conotação histórica com direcionamento para o seu termo escatológico. Ambas asvindas são caracterizadas a partir <strong>de</strong> uma tipologia haurida na Sagrada Escritura.19 Cf. BOSELLIAL, Goffre<strong>do</strong>. Adviento: celebrar a salvación esperada. Actualidad litúrgica, Ciudad <strong>de</strong>México, n. 187, p. 7, 2005.20 Analisaremos os prefácios I, IA e II. O prefácio IIA, por sua ênfase mais mariológica que escatológica, nãoserá aborda<strong>do</strong>.21 Cf. DUMAS, Les sources, p. 410.


62A primeira vinda é ressaltada em seu aspecto <strong>de</strong> kénosis <strong>do</strong> Verbo (Fl 2,6-8) enela se subenten<strong>de</strong> to<strong>do</strong> o movimento salvífico transcorri<strong>do</strong> não só nos acontecimentospascais da morte e ressurreição, mas também na totalida<strong>de</strong> da vida pública <strong>do</strong> Senhor:Revesti<strong>do</strong> da nossa fragilida<strong>de</strong> ele veio a primeira vez para realizar o seueterno plano <strong>de</strong> amor e abrir-nos o caminho da salvação.A segunda vinda 22 é proclamada em termos <strong>de</strong> retorno glorioso e aponta para afunção <strong>de</strong> Cristo como realiza<strong>do</strong>r da plenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s bens prometi<strong>do</strong>s e vigilantementeaguarda<strong>do</strong>s no hoje, assumi<strong>do</strong> como um tempo <strong>de</strong> graça e salvação:Revesti<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua glória, ele virá uma segunda vez para conce<strong>de</strong>r-nos emplenitu<strong>de</strong> os bens prometi<strong>do</strong>s que hoje, vigilantes esperamos.O segun<strong>do</strong> prefácio intitula-se “a dupla espera <strong>de</strong> Cristo” e se <strong>de</strong>stina <strong>ao</strong> uso<strong>do</strong> dia 17 <strong>ao</strong> dia 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro. Seu caráter é notadamente histórico-salvífico. Buscaproclamar a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus que percorre a história <strong>de</strong> Israel, por isso a menção <strong>do</strong>sprofetas, da Virgem Mãe e <strong>de</strong> João Batista. Com a presença <strong>de</strong> Jesus na história, inicia-se aplenitu<strong>de</strong> escatológica para a humanida<strong>de</strong> e para o cosmos:Predito pelos profetas, espera<strong>do</strong> com amor <strong>de</strong> mãe pela Virgem Maria, Jesusfoi anuncia<strong>do</strong> e mostra<strong>do</strong> presente no mun<strong>do</strong> por São João Batista.A assembléia celebrante é convidada a ingressar jubilosa nessa história <strong>de</strong>salvação mediante a acolhida da alegria da entrada no mistério <strong>do</strong> Natal <strong>do</strong> Senhor. Osaber-se parte da história da salvação impulsiona os fiéis a duas atitu<strong>de</strong>s espirituais diante<strong>do</strong> Senhor que vai chegar: a primeira é a vigilância recomendada pelo Evangelho eassumida em forma <strong>de</strong> oração, a segunda é a celebração expectante <strong>do</strong>s louvores divinos.O próprio Senhor nos dá a alegria <strong>de</strong> entrarmos agora no mistério <strong>do</strong> seuNatal, para que a sua chegada nos encontre vigilantes na oração e celebran<strong>do</strong> os seuslouvores.A segunda edição típica <strong>do</strong> missal romano no Brasil enriqueceu sua eucologiacom a inclusão <strong>de</strong> <strong>do</strong>is novos prefácios. Os <strong>do</strong>is prefácios da edição anterior, comacentuações próprias, respondiam à dupla perspectiva histórica e escatológica damanifestação <strong>do</strong> Senhor. Com o aparecimento <strong>de</strong> <strong>do</strong>is prefácios, indica<strong>do</strong>s como IA e IIA,22 Um limite que notamos nesse prefácio é que a ênfase dada às duas vindas fez os seus autores omitirem amenção da vinda intermédia <strong>do</strong> Senhor, <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> profunda significação escatológica. Esta vinda intermédiase dá no hoje da Igreja com as mediações <strong>do</strong>s sacramentos, da história, da experiência espiritual individual ecomunitária; <strong>do</strong> próximo, especialmente o pobre, e tantas outras mais suscitadas pelo Espírito.


63verificamos um aprofundamento da teologia <strong>do</strong> tempo <strong>do</strong> Advento. No que se refere àsfontes, o prefácio IA é uma nova criação eucológica e o IIA é <strong>de</strong> origem ambrosiana 23 .O prefácio <strong>do</strong> Advento IA intitula-se “Cristo, Senhor e Juiz da história”. Suasingularida<strong>de</strong> consiste em apresentar uma síntese das principais imagens bíblicas para sereferir à segunda vinda <strong>do</strong> Senhor. Já no protocolo inicial, encontramos a referência a Deuscomo “princípio e fim <strong>de</strong> todas as coisas” (Ap 21,6) o que nos situa na perspectivahistórico-cósmico-escatológica <strong>de</strong>sse prefácio. Proclama-se a soberania <strong>do</strong> Pai sobre toda acriação por intermédio <strong>de</strong> Cristo.Vós preferistes ocultar o dia e a hora em que Cristo, vosso Filho, Senhor e juizda história, aparecerá nas nuvens <strong>do</strong> céu, revesti<strong>do</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e majesta<strong>de</strong>.Logo <strong>de</strong> início, o horizonte escatológico é introduzi<strong>do</strong> pelo referimento a Mt24,36 (“quanto àquele dia e àquela hora ninguém sabe senão o meu Pai”). Escon<strong>de</strong>-se nosegre<strong>do</strong> o dia da manifestação gloriosa <strong>de</strong> Cristo, Juiz e Senhor da história. O títuloSenhor, aplica<strong>do</strong> <strong>ao</strong> Cristo ressuscita<strong>do</strong> (At 2,36), aqui é associa<strong>do</strong> <strong>ao</strong> <strong>de</strong> Juiz (At 10,42),tal como já encontramos no Novo Testamento. O termo história adquire um significa<strong>do</strong>que ultrapassa a sua <strong>de</strong>finição mo<strong>de</strong>rna e abrange, <strong>de</strong> forma global, não só o passa<strong>do</strong> e omomento atual, mas a totalida<strong>de</strong> cósmica <strong>do</strong> evento humano que culminará em seu<strong>de</strong>senlace escatológico. Esse prefácio nos coloca diante <strong>do</strong> cenário escatológico on<strong>de</strong> oSenhor “aparecerá nas nuvens <strong>do</strong> céu” (Mt 24,30) “com po<strong>de</strong>r e glória” (Mt 26,64). Areferência <strong>ao</strong>s termos “po<strong>de</strong>r” e “majesta<strong>de</strong>” indicam que essa vinda se reveste <strong>do</strong> caráter<strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira epifania <strong>do</strong> Senhor 24 .Naquele tremen<strong>do</strong> e glorioso dia, passará o mun<strong>do</strong> presente e surgirá novocéu e nova terra.A temática <strong>do</strong> dia escatológico prossegue <strong>de</strong>scrita em termos apocalípticos <strong>de</strong>dia “tremen<strong>do</strong>” (Ml 3,23) e “glorioso” (Dn 3,26.45.52.56). Num paralelismo antitético,temos o “mun<strong>do</strong> presente” que passará diante <strong>de</strong>sse dia impressionante (1Cor 7,31),ocasionan<strong>do</strong> não uma catástrofe <strong>de</strong> proporções inimagináveis, mas a ressurreição cósmicacom o surgimento <strong>de</strong> “novo céu” e “nova terra”, tema <strong>de</strong> profunda ressonância bíblica (Is65,17; 66,22; 1Pd 3,13; Ap 21,5). Ou seja, temos uma perspectiva apocalíptica em chavepositiva, prenhe <strong>de</strong> interpelações <strong>ao</strong> homem contemporâneo 25 . É uma riqueza reconhecer23 Cf. LODI, Enzo. I Nuovi prefazi <strong>de</strong>ll’avvento. Rivista Liturgica, Casale Monferrato, n. 71, p. 651 e 656,1984.24 Cf. LODI, I Nuovi prefazi, p. 652.25 Cf. LODI, I Nuovi prefazi, p. 653.


64que to<strong>do</strong> o empenho em <strong>de</strong>senvolver e humanizar o mun<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> Deus encontrará suaplenitu<strong>de</strong> na consumação escatológica. Assim, nenhum esforço ou trabalho em prol da vida<strong>do</strong> homem e <strong>do</strong> cosmos se per<strong>de</strong>rá. Aqui encontramos um po<strong>de</strong>roso estímulo em vista <strong>do</strong>compromisso com as realida<strong>de</strong>s terrestres a partir da esperança escatológica (cf.GS 21 e39).Agora e em to<strong>do</strong>s os tempos, ele vem <strong>ao</strong> nosso encontro, presente em cadapessoa humana, para que o acolhamos na fé e o testemunhemos na carida<strong>de</strong>, enquantoesperamos a feliz realização <strong>do</strong> seu <strong>Reino</strong>.Nessa parte 26 , temos a aplicação existencial da perspectiva escatológicaproclamada anteriormente. É uma passagem <strong>do</strong> plano histórico-escatológico para oantropológico. Reconhece-se a vinda <strong>de</strong> Cristo “agora e em to<strong>do</strong>s os tempos” em cadapessoa humana. Abre-se um horizonte amplíssimo para se consi<strong>de</strong>rar o encontro comCristo pela mediação <strong>do</strong> próximo e as suas conseqüências na vida cristã. Ecoa a afirmaçãoconciliar <strong>de</strong> que pela encarnação o Filho se une, <strong>de</strong> certo mo<strong>do</strong>, a to<strong>do</strong> ser humano (cf. GS22) e a certeza bíblica <strong>de</strong> que o tempo “já está próximo” (Ap 1,3; 1Cor 7,29). A ausênciada menção <strong>de</strong> uma vinda intermédia <strong>do</strong> Senhor entre a sua encarnação e a parusia nãoocorre nesse prefácio. Isto confere o caráter <strong>de</strong> escatologia realizada também a essa vindaintermédia.Do encontro com o Senhor e Juiz que vem a nós to<strong>do</strong>s os dias, <strong>de</strong>vemos nosaproximar com as disposições <strong>de</strong> acolhida na fé e serviço na carida<strong>de</strong>. O acolhimento <strong>ao</strong>próximo, como forma <strong>de</strong> acolhimento a Cristo, é amplamente recomenda<strong>do</strong> na escritura(cf. Rm 12,13; 15,7; Hb 13,2) e o próprio Senhor assume como feito a si o que se faz aqualquer pessoa, sobretu<strong>do</strong> as mais pobres e fracas (cf. Mt 25, 31-46).A conclusão <strong>de</strong>sse prefácio acontece em forma <strong>de</strong> confissão <strong>de</strong> fé acerca davinda <strong>do</strong> Senhor. Confissão que enche a assembléia da “feliz esperança” quanto à parusia:Por isso, certos <strong>de</strong> sua vinda gloriosa, uni<strong>do</strong>s <strong>ao</strong>s anjos, vossos mensageiros,vos louvamos cantan<strong>do</strong> (dizen<strong>do</strong>) a uma só voz.A dinâmica oracional <strong>de</strong>sse prefácio, anuncian<strong>do</strong> o dia escatológico <strong>do</strong> Senhor,ilumina o momento presente da assembléia celebrante. No hoje da nossa história, jápo<strong>de</strong>mos acolher o Cristo que vem. Essa vinda acontece pela mediação <strong>do</strong> encontro com apessoa humana, principalmente o pobre e o sofre<strong>do</strong>r. Ou seja: nesse prefácio, manifesta-seuma articulação visível entre a escatologia futura e a escatologia realizada. O Cristo que26 Cf. LODI, I Nuovi prefazi, p. 653-654.


65vem <strong>ao</strong> nosso encontro é o mesmo, “ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8), ainda que asmediações <strong>de</strong> sua vinda sejam distintas conforme cada momento da história da salvação.a. 3 Os prefácios <strong>do</strong> tempo <strong>do</strong> NatalO missal da reforma litúrgica tri<strong>de</strong>ntina possuía apenas <strong>do</strong>is prefácios para otempo <strong>do</strong> Natal: o prefácio <strong>do</strong> Natal e o da Epifania. O missal romano <strong>de</strong> Paulo VI traz trêsprefácios para o tempo <strong>do</strong> Natal e um novo prefácio para a solenida<strong>de</strong> da Epifania. Dentro<strong>do</strong> tema <strong>de</strong>sta dissertação, interessa-nos particularmente o prefácio <strong>do</strong> Natal <strong>do</strong> Senhor II,intitula<strong>do</strong> “a restauração <strong>de</strong> todas as coisas em Cristo” e o prefácio da Epifania, dito“Cristo, luz <strong>do</strong>s povos”.O prefácio <strong>do</strong> Natal IIO prefácio natalino é prescrito para todas as missas <strong>do</strong> Natal e sua oitava, bemcomo as férias <strong>de</strong>ste tempo, com exceção daquelas que tenham prefácio próprio. Seu textotem como fonte um <strong>do</strong>s sermões <strong>de</strong> São Leão Magno, 27 claro exemplo da conversão <strong>de</strong> umtexto patrístico em eucologia <strong>do</strong> novo missal 28 . Esse prefácio, no seu motivo da ação <strong>de</strong>graças, apresenta em primeiro lugar a realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Verbo divino, eterno e pré-existenteque, encarnan<strong>do</strong>-se, na história humana torna visível a divinda<strong>de</strong> invisível (cf. Cl 1,15). É aencarnação <strong>do</strong> Filho o gran<strong>de</strong> motivo <strong>de</strong> louvor e ação <strong>de</strong> graças. Nela se dá o “admirávelintercâmbio”, tão enfatiza<strong>do</strong> no sermão <strong>de</strong> Leão Magno. Deus assume a nossa humanida<strong>de</strong>em Cristo e, em troca, a natureza humana é elevada à dignida<strong>de</strong> divina.Ele, no mistério <strong>do</strong> Natal que celebramos, invisível em sua divinda<strong>de</strong> tornou-sevisível em nossa carne.É um <strong>de</strong>sígnio <strong>de</strong> salvação que presi<strong>de</strong> a encarnação <strong>do</strong> Verbo. Trata-se <strong>de</strong>restaurar o homem e a criação <strong>de</strong>caí<strong>do</strong>s. Ou seja, aqui temos a recondução da humanida<strong>de</strong><strong>ao</strong> pleno relacionamento com Deus e as conseqüências <strong>de</strong>sta comunhão restauradaatingin<strong>do</strong> toda a criação. A integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> universo refeita é sinal da introdução <strong>do</strong> homemno reino escatológico:27 Cf. Sermo 22,2: PL 54, 195-196.28 Cf. DUMAS, Les sources, p. 409-410.


66Gera<strong>do</strong> antes <strong>do</strong>s tempos, entrou na história da humanida<strong>de</strong>, para erguer omun<strong>do</strong> <strong>de</strong>caí<strong>do</strong>. Restauran<strong>do</strong> a integrida<strong>de</strong> <strong>do</strong> universo, introduziu no <strong>Reino</strong> <strong>do</strong>s Céus ohomem redimi<strong>do</strong>.Esse prefácio ressalta o alcance cósmico da encarnação e da re<strong>de</strong>nção (cf. Rm8,20-22). A solidarieda<strong>de</strong> re<strong>de</strong>ntora <strong>de</strong> Deus atinge não só o homem, mas a totalida<strong>de</strong> dacriação. A encarnação, como princípio da restauração universal, eleva o gênero humano auma dignida<strong>de</strong> incomparável e atesta a soberania <strong>do</strong> Senhor sobre o cosmos. Por essemotivo convém dar graças a Deus.a. 4 O prefácio da EpifaniaA celebração da Epifania está estreitamente ligada <strong>ao</strong> Natal. No Oriente, on<strong>de</strong>nasceu esta comemoração, a epifania era a própria celebração <strong>do</strong> Natal, aaparição/manifestação <strong>do</strong> Senhor na carne. O Oci<strong>de</strong>nte, <strong>ao</strong> acolher essa festa, enten<strong>de</strong>u-acomo manifestação <strong>do</strong> Cristo como luz e Senhor <strong>de</strong> todas as nações. Esse prefácio é frutoda junção <strong>de</strong> <strong>do</strong>is textos da antiga liturgia romana (oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Sacramentário Veronense e<strong>do</strong> Sacramentário Gelasiano) que enfatizam o tema <strong>do</strong> Cristo-luz 29 . Nele temos como queuma síntese <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o significa<strong>do</strong> da celebração da festa da Epifania. A manifestação <strong>do</strong>Cristo, luz das nações, revela seu <strong>de</strong>sígnio salvífico <strong>de</strong> nos recriar na luz <strong>de</strong> sua divinda<strong>de</strong>.A primeira ênfase recai sobre a universalida<strong>de</strong> da salvação manifestada emCristo. Jesus inaugura um reino que acolhe todas as nações. Já em sua epifania cai o muro<strong>de</strong> separação entre gentios e ju<strong>de</strong>us (cf. Ef 2,14) e preliba-se a futura congregaçãoescatológica <strong>de</strong> um só povo, chama<strong>do</strong> a ser o seu corpo eclesial:Revelastes hoje o mistério <strong>do</strong> vosso Filho como luz para iluminar to<strong>do</strong>s ospovos no caminho da salvação.A segunda ênfase está num tema <strong>de</strong> profunda significação escatológica: arecriação em Cristo. Cristo, assumin<strong>do</strong> a mortalida<strong>de</strong> humana, torna-se o media<strong>do</strong>r daimortalida<strong>de</strong>. A expressão “se manifestou em nossa carne mortal” indica, na linguagemlitúrgica, a realida<strong>de</strong> humana <strong>de</strong> Cristo. Se Deus não se fizesse verda<strong>de</strong>iro homem, ohomem não po<strong>de</strong>ria ser salvo. A recriação na luz da divinda<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da manifestaçãoem nossa carne mortal. É a versão eucológica <strong>do</strong> “admirável intercâmbio”, temaprofundamente relaciona<strong>do</strong> com o da nova criação. Assim, a verda<strong>de</strong>ira Epifania é a29 Cf. FRANCESCONI, G. Per una lettura teológico-liturgica <strong>de</strong>i prefazi di Avvento-Natale-Epifania <strong>de</strong>lMessale Romano, Rivista Liturgica, Casale Monferrato, n. 4, p. 643, 1972.


67própria encarnação que manifesta <strong>de</strong> forma visível o Deus salva<strong>do</strong>r. O fato da encarnação,e <strong>de</strong> seu prolongamento na recriação <strong>do</strong> humano, é uma verda<strong>de</strong>ira luz para a humanida<strong>de</strong>que até então <strong>de</strong>sconhecia essa face <strong>do</strong> plano salvífico 30 :Quan<strong>do</strong> Cristo se manifestou em nossa carne mortal vós nos recriastes na luzeterna <strong>de</strong> sua divinda<strong>de</strong>.A consi<strong>de</strong>ração sobre a nova criação nos remete também para a ligaçãoexistente entre o Natal e a Páscoa. Efetivamente não estamos diante <strong>de</strong> duas comemoraçõestotalmente separadas ou paralelas. O mistério da encarnação possui uma clara orientaçãopascal. O nexo entre Natal e Páscoa se revela na nova criação, na divinização <strong>do</strong> humanoque, proclamada pelo Natal, se realiza em nós através <strong>do</strong> mistério pascal <strong>do</strong> Senhor 31 ,centro da liturgia e da escatologia cristã.a.5 Os prefácios da Paixão <strong>do</strong> SenhorO missal romano possui <strong>do</strong>is prefácios da Paixão <strong>do</strong> Senhor. O primeirointitula-se “a força da cruz” e é prescrito para a quinta semana da quaresma e para asmissas que celebrem mais explicitamente os mistérios da cruz e da paixão <strong>do</strong> Senhor. Osegun<strong>do</strong> intitula-se “a vitória da Paixão” e é indica<strong>do</strong> para a segunda, terça e quarta-feirada Semana Santa. Aqui po<strong>de</strong>mos aplicar as consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> Dodd sobre o tema da morte<strong>de</strong> Cristo, numa perspectiva escatológica. Aludimos anteriormente que este biblista afirmaa cruz como o lugar <strong>do</strong> combate <strong>de</strong>cisivo entre Deus e as potências <strong>do</strong> maligno e da vitória<strong>de</strong>finitiva <strong>do</strong> Senhor.No centro da escatologia realizada, está o evento salvífico da morte <strong>de</strong> Cristo.Com a sua vitória já na cruz, inauguram-se os tempos escatológicos. No sacrifício <strong>de</strong>Cristo, teve início o mistério que se cumprirá em plenitu<strong>de</strong> no futuro. O ato <strong>de</strong>finitivo dasalvação escatológica já se <strong>de</strong>u na cruz e será consuma<strong>do</strong> em sua parusia.Essa percepção <strong>do</strong> mistério da Paixão po<strong>de</strong> ser encontrada nesses <strong>do</strong>isprefácios. Assim, no primeiro, encontramos:O universo inteiro, salvo pela Paixão <strong>de</strong> vosso Filho, po<strong>de</strong> proclamar a vossamisericórdia. Pelo po<strong>de</strong>r radiante da Cruz vemos com clareza o julgamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e avitória <strong>de</strong> Jesus crucifica<strong>do</strong>.A mesma perspectiva possui também o segun<strong>do</strong> prefácio:30 Cf. FRANCESCONI, Per una lettura, p. 644.31 Cf. BERGAMINI, Augusto. Cristo, Festa da Igreja: o ano litúrgico. São Paulo: Paulinas, 1994. p. 215.


68Já se aproximam os dias da sua Paixão salva<strong>do</strong>ra e <strong>de</strong> sua gloriosaRessurreição. Dias em que celebramos com fervor a vitória sobre o antigo inimigo eentramos no mistério da nossa re<strong>de</strong>nção.Ao celebrar a Paixão e morte <strong>do</strong> Senhor, a Igreja não o faz conforme a lógica<strong>do</strong> luto ou da memória <strong>de</strong> um evento <strong>do</strong>loroso e digno <strong>de</strong> pranto. É celebração da mortevitoriosa <strong>do</strong> Senhor. Por isso a liturgia refere-se à “gloriosa” e “bem-aventurada” Paixão 32 .A cruz converte-se em autêntico sinal <strong>de</strong> vitória.a.6 Os prefácios da PáscoaO missal romano <strong>de</strong> Paulo VI possui cinco prefácios da Páscoa. Destesprefácios, por sua significação escatológica mais ampla, selecionamos o prefácio da PáscoaII, intitula<strong>do</strong> “a vida nova em Cristo” e o prefácio da Páscoa IV: “a restauração <strong>do</strong> universopelo mistério pascal”, ambos oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Sacramentário Gelasiano 33 .A eucologia <strong>de</strong>sse tempo litúrgico apresenta claramente a dimensãoescatológica e cósmica <strong>do</strong> mistério pascal. Nela constatamos três aspectos essenciais: emprimeiro lugar, temos a proclamação <strong>do</strong> início da nova criação em Cristo Ressuscita<strong>do</strong>. Emseguida, professa-se que, na sua humanida<strong>de</strong> glorificada, funda-se irrevogavelmente arestauração <strong>do</strong> universo. Em sua glória, Jesus atrai para si toda a criação. E, por fim, aglorificação <strong>de</strong> Cristo e a efusão <strong>do</strong> Espírito Santo proclamam e realizam o fim <strong>do</strong>s tempose a era escatológica 34 . Esses aspectos também são apresenta<strong>do</strong>s pelo Vaticano II <strong>ao</strong> tratarda ín<strong>do</strong>le escatológica da Igreja (cf. LG 48).O segun<strong>do</strong> prefácio da Páscoa ergue a ação <strong>de</strong> graças pelo mistério da vidanova em Cristo, com clara alusão à vida batismal:Por ele os filhos da luz nascem para a vida eterna e as portas <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>do</strong>sCéus se abrem para os fiéis redimi<strong>do</strong>s. Nossa morte foi redimida pela sua e na suaressurreição ressurgiu a vida para to<strong>do</strong>s.O quarto prefácio apresenta a dimensão cósmica <strong>do</strong> mistério pascal. É no seio<strong>de</strong>ssa restauração universal que se dá a renovação <strong>do</strong> próprio homem. O motivo da ação <strong>de</strong>graças é o próprio Ressuscita<strong>do</strong>, garantia da vida em plenitu<strong>de</strong> dada pelo Pai:32 Cf. BERGAMINI, Cristo, p. 328.33 Cf. FRANCESCONI, Una lettura, p. 207-229, 1975.34 Cf. BERGAMINI, Cristo, p. 104.


69Vencen<strong>do</strong> a corrupção <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>, realizou uma nova criação. E, <strong>de</strong>struin<strong>do</strong> amorte, garantiu-nos a vida em plenitu<strong>de</strong>.Com a celebração da Páscoa, a comunida<strong>de</strong> eclesial é chamada a reconhecersua origem no próprio mistério pascal <strong>de</strong> Cristo. Nessa era escatológica, o Cristo assumeuma presença multiforme junto à sua Igreja. Presença que se reconhece no encontro com oRessuscita<strong>do</strong> mediante o <strong>do</strong>m <strong>de</strong> seu Espírito. A Páscoa celebrada na liturgia nos introduzna festa por excelência, por ser sinal e antecipação da festa <strong>de</strong>finitiva 35 .a.7 Os prefácios da Ascensão <strong>do</strong> SenhorO mistério da Ascensão, conforme os textos bíblicos e eucológicos, é ainauguração da realeza universal <strong>do</strong> Senhor e a manifestação <strong>de</strong> sua soberania sobre omun<strong>do</strong>. A Ascensão não <strong>de</strong>ve ser compreendida como um acontecimento <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> elocaliza<strong>do</strong> no tempo. O nível <strong>de</strong> sua significação situa-se no plano da fé comoreconhecimento da dimensão cósmica da ressurreição. Esse mistério liga-se também <strong>ao</strong>início da missão da Igreja. O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Deus que se manifestou no Ressuscita<strong>do</strong> é revela<strong>do</strong>agora em seu corpo eclesial. Com a Ascensão, termina a experiência sensível <strong>de</strong> Jesus emnosso meio, o Cristo “segun<strong>do</strong> a carne” (2Cor 5,16), e começa o tempo <strong>de</strong> sua presençainvisível no Espírito, mediante o sinal visível da Igreja, seu corpo 36 . A vivência <strong>de</strong>ste nossotempo, o tempo da Igreja, constitui uma orientação para o dia da vinda <strong>do</strong> Senhor na glória(cf. At 1,11).Quanto à origem, o primeiro prefácio da Ascensão foi elabora<strong>do</strong> a partir daconclusão <strong>de</strong> um sermão <strong>de</strong> São Leão Magno 37 e o segun<strong>do</strong> pertence à eucologia <strong>do</strong> missalromano vigente antes da reforma litúrgica or<strong>de</strong>nada pelo Vaticano II.O primeiro prefácio enfatiza a dimensão soteriológica e escatológica <strong>do</strong>mistério da Ascensão. A salvação é <strong>de</strong>scrita como vitória sobre o peca<strong>do</strong> e a morte, e aescatologia é apresentada a partir da proclamação da glória <strong>do</strong> Senhor. Nesta proclamação,notam-se os títulos escatológicos atribuí<strong>do</strong>s a Cristo: “Rei da glória”(Sl 24,7-8.10),“Media<strong>do</strong>r”(1Tm 2,5; Hb 8,6; 9,15; 12,24), “Juiz <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” (At 10,42; Tg 4,12; 5,9) e“Senhor <strong>do</strong> universo” (At 2,36; Ap 17,14) :35 Cf. ROUILLARD, P. Temi biblici <strong>de</strong>l tempo Pasquale. In ____ Triduo Pasquale. Brescia: Queriniana,1972. p. 95-96.36 Cf. BERGAMINI, Cristo, p. 394-395.37 Cf. Sermo 73,4: PL 54, 268.


70Vencen<strong>do</strong> o peca<strong>do</strong> e a morte, vosso Filho Jesus, Rei da glória, subiu (hoje)ante os anjos maravilha<strong>do</strong>s <strong>ao</strong> mais alto <strong>do</strong>s céus. E tornou-se o media<strong>do</strong>r entre vós, Deus,nosso Pai, e a humanida<strong>de</strong> redimida, juiz <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e Senhor <strong>do</strong> universo.Todavia a glória <strong>do</strong> Ressuscita<strong>do</strong> não o segrega da humanida<strong>de</strong>. Pelocontrário, converte-se em irresistível força <strong>de</strong> atração que chama a si a humanida<strong>de</strong> e todaa criação. Sua ascensão não é afastamento, mas garantia <strong>de</strong> que seu propósito é esten<strong>de</strong>r asua glória sobre to<strong>do</strong> o universo. A glória <strong>do</strong> Cristo-Cabeça é <strong>de</strong>stinada a ser comunicada ato<strong>do</strong> o corpo. Este é, portanto, o gran<strong>de</strong> motivo da ação <strong>de</strong> graças <strong>ao</strong> celebrarmos omistério da Ascensão:Ele, nossa cabeça e princípio, subiu <strong>ao</strong>s céus não para afastar-se <strong>de</strong> nossahumilda<strong>de</strong>, mas para dar-nos a certeza <strong>de</strong> que nos conduzirá à glória da imortalida<strong>de</strong>.O segun<strong>do</strong> prefácio é menos elabora<strong>do</strong> e tem como referência a narrativabíblica da Ascensão (cf. At 1,6-11). Dentro <strong>de</strong>sta referência, apresenta-se a finalida<strong>de</strong> daAscensão: o acesso à participação na vida divina por meio <strong>de</strong> Cristo, o que constitui omotivo <strong>de</strong> louvor e exultação.Ele, após a Ressurreição, apareceu <strong>ao</strong>s discípulos e, à vista <strong>de</strong>les subiu <strong>ao</strong>scéus, a fim <strong>de</strong> nos tornar participantes da sua divinda<strong>de</strong>. Por isso o mun<strong>do</strong> inteiro exulta<strong>de</strong> alegria pascal.A celebração da Ascensão <strong>do</strong> Senhor imprime na vida da Igreja o dinamismoda espera e preparação da segunda vinda <strong>do</strong> Senhor. É em meio às vicissitu<strong>de</strong>s <strong>do</strong> tempopresente que se <strong>de</strong>senvolve a missão da Igreja. A expectativa da vinda gloriosa revela àIgreja a sua condição <strong>de</strong> peregrina em busca da futura cida<strong>de</strong> (cf. SC 2). A Igreja é, porvocação, o corpo da nova família humana que em si já po<strong>de</strong> apresentar algum esboço <strong>do</strong>novo século (cf. GS 39). Na Igreja, vive-se a esperança <strong>de</strong>sta vida futura e a autenticida<strong>de</strong><strong>de</strong>ssa esperança é verificada sob a forma <strong>de</strong> compromisso com a construção da cida<strong>de</strong>terrestre conforme a vonta<strong>de</strong> divina (cf. GS 20, 43 e 57).A proclamação <strong>de</strong> que a nossa humanida<strong>de</strong>, na pessoa <strong>de</strong> Cristo, subiu <strong>ao</strong> céunão têm como objetivo afirmar uma topografia celeste. Subir <strong>ao</strong>s céus significa a entradanuma relação nova com Deus Pai. Uma relação que transcen<strong>de</strong> os limites da condiçãoterrena. Essa subida <strong>ao</strong>s céus foi também prometida a nós. Na Ascensão <strong>do</strong> Senhor, temosnão só a promessa, mas a garantia da participação plena <strong>do</strong> homem na vida divina.


71a.8 Prefácio <strong>do</strong>s <strong>do</strong>mingos <strong>do</strong> tempo comum VIA reforma litúrgica promoveu uma significativa revalorização <strong>do</strong> <strong>do</strong>mingo.Des<strong>de</strong> a Ida<strong>de</strong> Média, um número consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> comemorações <strong>de</strong>vocionais erafacilmente <strong>de</strong>sloca<strong>do</strong> para o <strong>do</strong>mingo. O resulta<strong>do</strong> foi o ofuscamento <strong>de</strong>ste dia como o“Dia <strong>do</strong> Senhor”. O Concílio Vaticano II traçou diretivas claras para a superação <strong>de</strong>ssaanomalia.O <strong>do</strong>mingo é um dia <strong>de</strong> festa primordial que <strong>de</strong>ve ser lembra<strong>do</strong> e inculca<strong>do</strong> àpieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fiéis, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que seja também um dia <strong>de</strong> alegria e <strong>de</strong>scanso <strong>do</strong>trabalho. As outras celebrações não se lhe anteponham, a não ser que sejamrealmente <strong>de</strong> máxima importância, pois o <strong>do</strong>mingo é o fundamento e o núcleo <strong>do</strong>ano litúrgico (SC 106).Tais disposições já são suficientes para se enten<strong>de</strong>r a razão da valorização e <strong>do</strong><strong>de</strong>staque da<strong>do</strong>s à eucologia <strong>do</strong>minical no missal <strong>de</strong> Paulo VI. A celebração <strong>do</strong>s <strong>do</strong>mingos<strong>do</strong> tempo comum tem à sua disposição oito prefácios próprios. A sua escolha <strong>de</strong>ve serguiada pelo contexto da própria celebração e é uma das oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> se mostrar o nexoentre a <strong>mesa</strong> da Palavra e a <strong>mesa</strong> da eucaristia. Esses prefácios celebram o mistério pascala partir <strong>de</strong> várias perspectivas. A temática escatológica é especialmente notável no prefácioVI, intitula<strong>do</strong> “Penhor da Páscoa eterna”. Nele i<strong>de</strong>ntificamos uma sucessão bem or<strong>de</strong>nada<strong>de</strong> elementos que abrangem toda a história salvífica: da criação à consumaçãoescatológica.Em vós vivemos, nos movemos e somos.O discurso <strong>de</strong> Paulo no areópago <strong>de</strong> Atenas é a fonte <strong>de</strong>ssa sentença (cf. At17,28). O contexto <strong>de</strong>ste texto bíblico é o anúncio da fé cristã <strong>ao</strong> mun<strong>do</strong> helênico. O ponto<strong>de</strong> partida é a contemplação <strong>do</strong> cosmos afirma<strong>do</strong> como obra <strong>de</strong> um Deus único, provi<strong>de</strong>ntee cria<strong>do</strong>r. Este Deus, <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong> por aqueles que ouvem Paulo, é-lhes revela<strong>do</strong> peloapóstolo. Por isso, antes mesmo <strong>de</strong> anunciar a encarnação <strong>do</strong> Verbo e o seu mistério pascal<strong>ao</strong>s atenienses, Paulo lhes recorda esta sentença, verso <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus maiores poetas(Arato) 38 . A criação, cuja beleza e harmonia tanto nos impressionam, tem sua culminânciae razão <strong>de</strong> ser no Filho <strong>de</strong> Deus encarna<strong>do</strong>. Por Cristo, a criação é redimida e glorificadaem sua páscoa.E ainda <strong>peregrinos</strong> neste mun<strong>do</strong>, não só recebemos to<strong>do</strong>s os dias as provas <strong>do</strong>vosso amor <strong>de</strong> Pai, mas já possuímos igualmente o penhor da glória futura.38 Cf. FABRIS, Rinal<strong>do</strong>. Os Atos <strong>do</strong>s Apóstolos. São Paulo: Loyola, 1991. p. 325-336.


72Ten<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> a criação, o foco agora se <strong>de</strong>sloca para a história. É, emprimeiro lugar, a celebração da história à luz <strong>do</strong> amor fiel <strong>de</strong> Deus. A caminhada <strong>do</strong> gênerohumano, e principalmente da Igreja, é caracterizada como peregrinação ou êxo<strong>do</strong> para apátria <strong>de</strong>finitiva: “não temos aqui morada permanente, mas estamos à procura da que estápor vir” (Hb 13,14) e marcada pelo penhor da vida futura que é o próprio Cristo em seumistério pascal celebra<strong>do</strong> na eucaristia: “penhor da nossa herança, até o resgate completo e<strong>de</strong>finitivo, para o louvor da sua glória” (Ef 1,14). A cada dia o cuida<strong>do</strong> paternal <strong>de</strong> Deus semanifesta na providência que sustenta, conduz e aperfeiçoa não só a humanida<strong>de</strong>, mas to<strong>do</strong>o cosmos (cf. Mt 6,28;10,29-31). Sinal supremo <strong>do</strong> cuida<strong>do</strong> divino é a presença <strong>do</strong> Senhorjunto <strong>ao</strong>s seus, sobretu<strong>do</strong> no <strong>do</strong>m da eucaristia, verda<strong>de</strong>iro penhor da vida futura (Jo6,40.50.54.58).Possuin<strong>do</strong>, na verda<strong>de</strong>, as primícias <strong>do</strong> Espírito, que ressuscitou Jesus <strong>de</strong>ntreos mortos, esperamos gozar um dia da plenitu<strong>de</strong> da Páscoa eterna.Expressão-chave nesta parte <strong>do</strong> prefácio é “primícias <strong>do</strong> Espírito”. Vamosencontrá-la na Carta <strong>ao</strong>s Romanos (cf. Rm 8,23). Neste trecho, “Paulo continua a <strong>de</strong>scriçãoda experiência cristã, vista sob o sinal <strong>do</strong> Espírito e captada em sua dupla fase, histórica eescatológica. Não se trata <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> estática. Ao contrário, é dinâmica, susceptível<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentos até a plena realização final” 39 . O contexto <strong>de</strong>sses versículos fala dacondução que o Espírito Santo conce<strong>de</strong> <strong>ao</strong>s filhos <strong>de</strong> Deus. A condição <strong>de</strong> filhos <strong>de</strong> Deusnão é algo “pronto e acaba<strong>do</strong>”, mas um processo <strong>de</strong> crescimento e caminhada. Trata-se <strong>do</strong>êxo<strong>do</strong> existencial empreendi<strong>do</strong> pelo novo Povo <strong>de</strong> Deus. A atuação <strong>do</strong> Espírito, ou seja,suas primícias, manifesta-se na conversão <strong>do</strong>s membros <strong>de</strong> Cristo num só corpo e na suacondução à Páscoa eterna. “Em resumo, a caminhada <strong>do</strong>s fiéis na história, difícil e sob milameaças, está recheada <strong>de</strong> esperança, fundada no amor in<strong>de</strong>fectível daquele que, em Cristo,se fez “Deus por nós”. Canta<strong>do</strong> à sombra da cruz <strong>de</strong> Jesus, o hino da vitória não po<strong>de</strong>rá se<strong>de</strong>generar em expressão <strong>de</strong> um triunfalismo entusiasta” 40 .a.9 O prefácio comum V39 BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas <strong>de</strong> Paulo II. São Paulo: Loyola, 1991. p. 249.40 BARBAGLIO. As cartas <strong>de</strong> Paulo II, p. 258.


73Para as missas sem prefácio próprio, o atual missal romano dispõe <strong>de</strong> umacoletânea <strong>de</strong> seis prefácios comuns. Dentre eles, a temática escatológica aparece commaior <strong>de</strong>staque no prefácio comum V, intitula<strong>do</strong> “proclamação <strong>do</strong> mistério <strong>de</strong> Cristo”.O motivo <strong>do</strong> louvor neste prefácio é caracteriza<strong>do</strong> por sua forma breve. Nele<strong>de</strong>lineiam-se rapidamente três gran<strong>de</strong>s faces <strong>do</strong> mistério pascal: morte, ressurreição e vindagloriosa <strong>do</strong> Filho. A assembléia celebrante “unida na carida<strong>de</strong>”, isto é, num só corpo,proclama o mistério pascal <strong>do</strong> Senhor. É a partir <strong>de</strong>sse núcleo, centraliza<strong>do</strong> na morte eressurreição <strong>do</strong> Senhor, que se estabelece uma abertura para a consumação futura mediantea esperança.Uni<strong>do</strong>s na carida<strong>de</strong>, celebramos a morte <strong>do</strong> vosso Filho, proclamamos com féa sua ressurreição e aguardamos com firme esperança a sua vinda gloriosa.Percebemos nesse prefácio uma evi<strong>de</strong>nte inspiração no texto eucarísticopaulino: “De fato, todas as vezes que comer<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste pão e beber<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste cálice, estareisproclaman<strong>do</strong> a morte <strong>do</strong> Senhor até que ele venha” (1Cor 11,26).a.10 O prefácio da festa da Transfiguração <strong>do</strong> SenhorA teofania <strong>do</strong> Tabor manifesta <strong>ao</strong>s discípulos a glória da vida divina que resi<strong>de</strong>em Cristo. A manifestação <strong>de</strong>sta glória é apenas uma antecipação daquela que, emplenitu<strong>de</strong>, invadirá a existência <strong>de</strong> Jesus em sua ressurreição. O senti<strong>do</strong> da cruz já começaa ser ilumina<strong>do</strong> pela Páscoa por ocasião da Transfiguração. O Antigo Testamento,figura<strong>do</strong> por Moisés e Elias, se orienta para Jesus e dá testemunho <strong>de</strong> que nele se cumpremtodas as promessas <strong>de</strong> Deus.To<strong>do</strong>s esses da<strong>do</strong>s formam como que um marco referencial da transfiguração esão evoca<strong>do</strong>s no prefácio <strong>de</strong>sta festa:Perante testemunhas escolhidas Jesus manifestou a sua glória e fezresplan<strong>de</strong>cer o seu corpo, igual <strong>ao</strong> nosso, para que os discípulos não se escandalizassemda cruz.O direcionamento escatológico <strong>do</strong> mistério da transfiguração fica patentequan<strong>do</strong> o motivo da ação <strong>de</strong> graças é aprofunda<strong>do</strong>: a luz da Páscoa não é um privilégioreserva<strong>do</strong> <strong>ao</strong> Ressuscita<strong>do</strong>. O esplen<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Cristo-Cabeça refulgirá em to<strong>do</strong>s os membros<strong>de</strong> seu corpo eclesial. Desta forma, a vida cristã, enquanto processo <strong>de</strong> transformação emCristo, é uma caminhada histórica rumo à transfiguração em Cristo na glória (Ef 4,13):


74Desse mo<strong>do</strong>, como Cabeça da Igreja, manifestou o esplen<strong>do</strong>r que refulgiria emto<strong>do</strong>s os cristãos.O missal <strong>de</strong> Paulo VI quis enriquecer esta festa com um prefácio próprio que,como vimos, traz uma síntese <strong>de</strong>sse mistério. A fonte para a sua composição <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> umsermão <strong>de</strong> São Leão Magno sobre a Transfiguração (Sermão 51,3) 41 .a.11 O prefácio da solenida<strong>de</strong> da Assunção <strong>de</strong> Nossa SenhoraA “<strong>do</strong>rmitio Virginis” e sua Assunção estão <strong>de</strong>ntre as comemorações marianasmais antigas da Igreja. Existia o costume <strong>de</strong> se comemorar o “dies natalis” <strong>de</strong> um santo porocasião <strong>de</strong> sua morte. Já no século II, festejava-se o nascimento <strong>do</strong>s mártires para o céu.No começo <strong>do</strong> século VI, a festa da Mãe <strong>de</strong> Deus (Theotókos), <strong>de</strong>senvolvida como Concílio <strong>de</strong> Éfeso (431), em Jerusalém, mu<strong>do</strong>u <strong>de</strong> objeto e <strong>de</strong> nome, tornan<strong>do</strong>se“<strong>do</strong>rmição”, “passagem” (transitus), “assunção”, com a característica <strong>de</strong> “diesnatalis”. Assim, a festa da Theotókos, celebrada no dia 15 <strong>de</strong> agosto, foiconsi<strong>de</strong>rada espontaneamente como comemoração <strong>do</strong> dia em que ela saiu <strong>de</strong>stemun<strong>do</strong>. Por volta <strong>do</strong> ano 600, o impera<strong>do</strong>r Maurício esten<strong>de</strong>u a to<strong>do</strong> o impérioesta solenida<strong>de</strong>, que se tornou a gran<strong>de</strong> festa <strong>de</strong> Maria 42 .Esse testemunho litúrgico <strong>de</strong> venerável antigüida<strong>de</strong> foi uma das principaisreferências para a solene proclamação <strong>do</strong> <strong>do</strong>gma da Assunção <strong>de</strong> Maria pelo Papa Pio XII,em 1950.O prefácio da Assunção <strong>de</strong> Nossa Senhora inicia-se com a indicação <strong>do</strong>mistério celebra<strong>do</strong>:Hoje a Virgem Maria, Mãe <strong>de</strong> Deus, foi elevada á glória <strong>do</strong> céu.Delineia-se, num primeiro momento, a relação <strong>de</strong> Maria com a Igreja. É noâmbito da história da salvação que essa relação <strong>de</strong>ve ser situada. Maria é chamada <strong>de</strong>“aurora e esplen<strong>do</strong>r da Igreja triunfante”. Nela contemplamos a glória que há <strong>de</strong> semanifestar um dia em toda a Igreja e em toda a criação. Concluída sua existência terrena,Deus a constituiu como sinal que revela, por antecipação, o termo glorioso <strong>do</strong> seu agirsalvífico. Em Maria, contemplamos uma singular realização <strong>do</strong> mistério pascal. Realizaçãoque é consolo e esperança para aqueles que peregrinam na fé em meio às vicissitu<strong>de</strong>s <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> (cf. LG 68):Aurora e esplen<strong>do</strong>r da Igreja triunfante, ela é consolo e esperança para ovosso povo ainda em caminho.41 Cf. BERGAMINI, Cristo, p. 435.42 BERGAMINI, Cristo, p. 461-462.


75A compreensão profunda da Assunção <strong>de</strong> Maria só é possível a partir <strong>de</strong> suarelação com o mistério da salvação em Cristo. Relação que tem como ponto fundamental asua condição <strong>de</strong> Mãe <strong>de</strong> Deus. A participação <strong>de</strong> Maria na vitória da ressurreição, num<strong>ao</strong>r<strong>de</strong>m <strong>de</strong> primazia (cf. 1Cor 15,20-27), tem como causa essa sua condição. Sua assunçãorevela qual o objetivo da re<strong>de</strong>nção operada por seu Filho: a recondução da humanida<strong>de</strong> àplena relação criatural com Deus (cf. 1Cor 15,28). Plenitu<strong>de</strong> que atinge o ser humanointegralmente e não admite a exclusão <strong>de</strong> sua dimensão <strong>de</strong> corporeida<strong>de</strong>. A glorificaçãopascal <strong>de</strong> Maria apresenta-a como a criatura que atingiu a plenitu<strong>de</strong> da salvação. Plenitu<strong>de</strong>que se reflete na exaltação <strong>do</strong> corpo e é antecipação da glorificação cósmica. Na Assunção<strong>de</strong> Maria, encontramos um ícone escatológico da Igreja e <strong>de</strong> toda a criação 43 :Pois preservastes da corrupção da morte aquela que gerou, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> inefável,vosso próprio Filho feito homem, autor <strong>de</strong> toda vida.Após a proclamação <strong>de</strong>ssa ação <strong>de</strong> graças, a transição para o Sanctus convoca aassembléia <strong>ao</strong> reconhecimento da santida<strong>de</strong> divina num clima <strong>de</strong> expectativa escatológica,“enquanto esperamos a glória eterna”.a. 12 Os prefácios <strong>do</strong>s fiéis <strong>de</strong>funtosO missal <strong>de</strong> São Pio V possuía apenas um único prefácio <strong>do</strong>s fiéis <strong>de</strong>funtos. Areforma litúrgica conservou-o como o primeiro <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> cinco prefácios intitulan<strong>do</strong>o“a esperança da ressurreição em Cristo”. Este primeiro prefácio é caracteriza<strong>do</strong> pelapreocupação evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> oferecer uma significação cristã para a morte. É em Jesus Cristo,morto e ressuscita<strong>do</strong>, que se fundamenta essa significação que consola e infun<strong>de</strong>esperança:Nele brilhou para nós a esperança da feliz ressurreição. E, <strong>ao</strong>s que a certezada morte entristece, a promessa da imortalida<strong>de</strong> consola.Em seguida, a esperança cristã esclarece que a morte não é <strong>de</strong>struição absolut<strong>ao</strong>u termo <strong>de</strong>finitivo das criaturas humanas. Proclama-se a promessa da ressurreição <strong>do</strong>homem na sua totalida<strong>de</strong> em clara alusão à reflexão paulina (cf. 1 Cor 15, 42-56):Senhor, para os que crêem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E,<strong>de</strong>sfeito o nosso corpo mortal, nos é da<strong>do</strong> nos céus, um corpo imperecível.43 Cf. FORTE, Bruno. Maria: mulher ícone <strong>do</strong> mistério. São Paulo: Paulinas, 1991. p. 128.


76O segun<strong>do</strong> prefácio (“Morte <strong>de</strong> Cristo, vida <strong>do</strong> cristão”) e o terceiro (“Cristo,salvação e vida”) já indicam pela titulação a sua ênfase cristológica. São prefácios breves emenos elabora<strong>do</strong>s, porém hauri<strong>do</strong>s <strong>de</strong> textos bíblicos escatologicamente significativos.O segun<strong>do</strong> prefácio ergue-se sobre a temática paulina <strong>do</strong> sacrifício vicário <strong>de</strong>Cristo, que libertou o homem da morte e conce<strong>de</strong>u-lhe a vida eterna mediante a entrega <strong>de</strong>sua vida (cf. Rm 5):Um por to<strong>do</strong>s, ele aceitou morrer na cruz para nos livrar a to<strong>do</strong>s da morte.Entregou <strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong> a sua vida para que pudéssemos viver eternamente.O terceiro prefácio, mais inspira<strong>do</strong> no Evangelho <strong>de</strong> João, proclama Jesuscomo salvação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> (cf. Jo 3,16-17; 4,42), vida <strong>do</strong> ser humano (cf. Jo 3,16; 5,24;6,47, 10,28 ) e ressurreição <strong>do</strong>s mortos (cf. Jo 6,39-40,47-58; 11,25):Ele é a salvação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Ele é a vida <strong>do</strong>s homens e das mulheres. Ele é aressurreição <strong>do</strong>s mortos.O quarto prefácio (“<strong>do</strong> vale <strong>de</strong> lágrimas à glória celeste”) e o quinto (“a nossaressurreição pela vitória <strong>de</strong> Cristo”), sem aban<strong>do</strong>narem o referencial cristológico, assumemuma perspectiva antropológica que pontua a existência humana com os eventos <strong>de</strong>cisivosda morte e da ressurreição, somada a toda significação que esses eventos imprimem nela.O quarto prefácio parte <strong>de</strong> uma tipologia haurida no Antigo Testamento eiluminada por uma releitura à luz da páscoa <strong>de</strong> Cristo. Emergem <strong>do</strong>is pólos antitéticos quesão o peca<strong>do</strong> humano, que ocasiona a morte (cf. Sb 1,13-15), e a salvação em Cristo, queconduz à ressurreição. Assume-se a vida humana não como fruto <strong>do</strong> acaso, mas como umato amoroso da parte <strong>de</strong> Deus: a criação (cf. Gn 1,27; Sl 139 (138)13-16). Alu<strong>de</strong>-se àvonta<strong>de</strong> divina que, em sua providência, governa a vida criada por Deus e também à justiçasuprema (o juízo <strong>de</strong> Deus), que sentencia o retorno à terra por causa <strong>do</strong> peca<strong>do</strong> (cf. Gn3,19; Ecl 3,20; 12,7). É diante da morte humana que se manifesta o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Deus quesalva o homem através da morte <strong>de</strong> Cristo (cf. Hb 2,9; 14-16) e novamente o chama à vidapela ressurreição (cf. 1Cor 15,52; 1Ts 4,13-18):Por vossa or<strong>de</strong>m nós nascemos; por vossa vonta<strong>de</strong> somos governa<strong>do</strong>s; e, porvossa sentença, retornamos à terra por causa <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>. Mas, salvos pela morte <strong>de</strong> vossoFilho, <strong>ao</strong> vosso chama<strong>do</strong> <strong>de</strong>spertaremos para a ressurreição.O quinto prefácio trabalha igualmente com as antíteses culpa/morte esalvação/ressurreição. Retoma-se a referência paulina que compreen<strong>de</strong> a morte comoconseqüência <strong>do</strong> peca<strong>do</strong> (cf. Rm 5,12; 6,23). É nesse extremo da existência humana que se


77dá a intervenção salvífica <strong>de</strong> Deus: salvação que é a oferta generosa e gratuita da vidamediante a morte re<strong>de</strong>ntora <strong>de</strong> Cristo (cf. Rm 6,5-11). Na morte <strong>do</strong> Filho, o Pai assume amorte <strong>do</strong> homem e converte-a em vida pela participação em sua ressurreição (cf. 1Cor15,21-26.54-56). A celebração <strong>do</strong> mistério pascal na eucaristia é o momento privilegia<strong>do</strong>em que se aguarda a plenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> em comunhão com a Igreja celeste:Por nossa culpa somos con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s a morrer, mas, quan<strong>do</strong> a morte nos atinge,o vosso amor <strong>de</strong> Pai nos salva. Redimi<strong>do</strong>s pela morte <strong>de</strong> vosso Filho, participamos <strong>de</strong> suaressurreição. E, enquanto esperamos a plenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>do</strong>s Céus, com os anjos e ossantos nós vos aclamamos...Em síntese, a eucologia <strong>do</strong>s prefácios <strong>do</strong>s fiéis <strong>de</strong>funtos <strong>do</strong> novo missal revelaum esforço <strong>de</strong> se restaurar, <strong>de</strong> forma mais explícita, a dimensão pascal da morte celebradana liturgia cristã. É nesse senti<strong>do</strong> que a reforma litúrgica empenhou-se em dar uma novaênfase pascal à liturgia exequial 44 . A celebração litúrgica é, por sua natureza, expressão dafé da Igreja.Circunstâncias históricas <strong>do</strong>s diferentes cenários eclesiais imprimiram marcasque, por vezes, obscureceram o senti<strong>do</strong> pascal da morte na liturgia cristã: o dualismoantropológico helenista, o excessivo peso conferi<strong>do</strong> <strong>ao</strong> caráter propiciatório das oraçõesrituais, a compreensão <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> como terra <strong>de</strong> exílio e tentação, a visão da morte comolibertação das ca<strong>de</strong>ias <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, <strong>do</strong> corpo e <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>, o me<strong>do</strong> <strong>do</strong> juízo divino, opessimismo escatológico, que tinha por con<strong>de</strong>nada <strong>ao</strong> inferno a maior parte das pessoas, eo <strong>de</strong>sastroso distanciamento <strong>do</strong> mistério pascal <strong>de</strong> Cristo. Tu<strong>do</strong> isso causava certa repulsanão só <strong>ao</strong> homem mo<strong>de</strong>rno, alheio à religião, mas a muitos cristãos. Urgia uma reforma dapraxe funerária da Igreja e o Vaticano II assumiu-a. A eucologia tri<strong>de</strong>ntina não expressavatoda a riqueza teológica da fé cristã diante da morte. Por isso o Vaticano II <strong>de</strong>terminou adiretriz central <strong>de</strong>sse aspecto da reforma litúrgica: “o rito das exéquias <strong>de</strong>ve exprimir maisclaramente a ín<strong>do</strong>le pascal da morte cristã” (SC 81).O novo contexto eclesial exigia uma eucologia coerente com os pressupostosda centralida<strong>de</strong> cristológica e da sensibilida<strong>de</strong> antropológica, tão caros <strong>ao</strong> Vaticano II. Fezseuma purificação das acentuações pessimistas e moralistas embutidas no antigo ritual 45 .Todavia, a eucologia exequial como um to<strong>do</strong>, e <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> particular os seus prefácios, ainda44Cf. TRIACCA, A. M. Per uma lettura liturgica <strong>de</strong>i prefazi “pro <strong>de</strong>functis” <strong>de</strong>l nuovo messale romano.Rivista liturgica, Casale Monferrato, n. 58, p. 382-407, 1971.45 Cf. FALSINI, R. La nuova liturgia <strong>de</strong>i <strong>de</strong>funti. In FALSINI et al. Liturgia Cristiana, messagio di speranza.Pa<strong>do</strong>va: Messaggero, 1973. p. 131.


78necessitam, segun<strong>do</strong> o parecer <strong>de</strong> peritos 46 , <strong>de</strong> um avanço em sua formulaçãoantropológica a fim <strong>de</strong> serem autêntica proclamação orante <strong>do</strong> caráter pascal conferi<strong>do</strong> àmorte por Cristo.Essas críticas não minimizam os progressos que encontramos não só nessesprefácios analisa<strong>do</strong>s, mas também nas intercessões pelos <strong>de</strong>funtos das anáforas e norestante da eucologia exequial. A inserção da morte <strong>do</strong> cristão na celebração <strong>do</strong> mistériopascal <strong>de</strong> Cristo é o maior <strong>de</strong>sses progressos. Todavia, avanços maiores po<strong>de</strong>m serprojeta<strong>do</strong>s no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> se explicitar mais claramente que o vínculo da comunhão eclesial,radica<strong>do</strong> na mesma fé e no mesmo batismo e celebra<strong>do</strong> na eucaristia, fundamenta umarelação com Deus e com os outros membros <strong>do</strong> corpo eclesial que nem a morte é capaz <strong>de</strong><strong>de</strong>struir.Mais <strong>do</strong> que um simples oferecimento <strong>de</strong> sufrágios, a celebração da morte noambiente eclesial po<strong>de</strong> se converter em autêntica epifania <strong>do</strong> corpo <strong>de</strong> Cristo e anúncio <strong>ao</strong>mun<strong>do</strong> da fé pascal.a. 13 O prefácio da solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os SantosA solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os Santos é celebrada pela Igreja <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o final <strong>do</strong> séculoIX. Em uma única comemoração, são celebra<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s os santos menciona<strong>do</strong>s na liturgia,bem como a multidão <strong>do</strong>s justos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os tempos e lugares que, diante <strong>do</strong> trono,proclamam a glória <strong>do</strong> Cor<strong>de</strong>iro (cf. Ap 7,2-14).Na festa <strong>de</strong> cada santo em particular e nessa solenida<strong>de</strong>, a Igreja semprecelebra o único mistério pascal <strong>de</strong> Cristo (cf. SC 104): mistério que é revivi<strong>do</strong> nosmembros <strong>do</strong> corpo eclesial que mais se configuraram <strong>ao</strong> Cristo morto e ressuscita<strong>do</strong>:Festejamos hoje a Cida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Céu, a Jerusalém <strong>do</strong> alto, nossa mãe, on<strong>de</strong>nossos irmãos os santos vos cercam e cantam eternamente o vosso louvor.A santida<strong>de</strong> não é mero fruto <strong>do</strong> empenho humano que, heroicamente, tentaalcançar Deus. Ela é essencialmente <strong>do</strong>m <strong>de</strong> Deus. É participação na vida divina. Cristo éaquele a quem, por excelência, cabe o título <strong>de</strong> Santo (cf. Mc 1,24; Lc 1,35; Jo 3,1-15; Rm8,9-14; Gl 5,16-25). Torna<strong>do</strong> Senhor em sua Ressurreição, comunica a santida<strong>de</strong> divina a46 Cf. GOZZELINO, G. Il nuovo rito <strong>de</strong>lle esequie e la teologia contemporânea <strong>de</strong>lla morte. Rivista liturgica,Casale Monferrato, n. 58, p. 319-321, 1971.


79to<strong>do</strong>s que a ele se unem. Por isso os primeiros cristãos não duvidavam <strong>de</strong> se nomearemcomo “santos” (cf. Rm 15,26-31; 2 Cor 11,12; Ef 3,5-8; 4,12). À iniciativa divina, ohomem correspon<strong>de</strong> com uma existência regida pela fé, pela esperança e pelo amor. Essaresposta coloca o homem em situação <strong>de</strong> caminhada, êxo<strong>do</strong> rumo à cida<strong>de</strong> celeste.Importante aqui notar a tipologia haurida nos textos bíblicos: Gl 4,26 (a Jerusalém <strong>do</strong> alto,nossa mãe), Hb 11,10; 13-16 (a peregrinação rumo à pátria/cida<strong>de</strong> celeste) e Ap 21,2.10-23 (a Cida<strong>de</strong> Santa, a Nova Jerusalém ). A inspiração nos textos conciliares que retomam otema <strong>do</strong> caminho/peregrinação da Igreja rumo <strong>ao</strong> céu, em meio às vicissitu<strong>de</strong>s terrenas (cf.LG 8 e 9, GS 43, DH 12), toca também este prefácio:Para essa cida<strong>de</strong> caminhamos pressurosos, peregrinan<strong>do</strong> na penumbra da fé.Essa peregrinação é iluminada pela contemplação daqueles que, na luz divina,são-nos ofereci<strong>do</strong>s como mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> vida cristã e intercessores. Ecoa aqui o ensinamentoconciliar sobre a comunhão escatológica a partir da Igreja celeste (cf. LG 49) e a partir daIgreja peregrina (cf. LG 50). Dentro da comunhão <strong>do</strong>s santos, aqueles que já gozam daeterna bem-aventurança, em virtu<strong>de</strong> da sua total união com Cristo, po<strong>de</strong>m por ele, com elee nele interce<strong>de</strong>r por nós junto <strong>ao</strong> Pai, apresentan<strong>do</strong> os méritos que alcançaram na terrapelo único media<strong>do</strong>r entre Deus e os homens: Jesus Cristo. Tal intercessão fortalece aIgreja pela comunicação <strong>de</strong> bens espirituais (cf. LG 49). A veneração e o pedi<strong>do</strong> <strong>de</strong>intercessão são a forma relacional estabelecida entre a Igreja peregrina e a Igreja celeste. Orecurso à intercessão <strong>do</strong>s santos é assumi<strong>do</strong> a partir da centralida<strong>de</strong> cristológica: to<strong>do</strong>genuíno testemunho <strong>de</strong> amor manifesta<strong>do</strong> por nós <strong>ao</strong>s habitantes <strong>do</strong> céu, por sua próprianatureza, ten<strong>de</strong> para Cristo e termina em Cristo, coroa <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os santos e nelesreconheci<strong>do</strong> como admirável. Reafirma o Concílio que nossa união com a Igreja celeste serealiza <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> nobilíssimo na sagrada liturgia on<strong>de</strong>, congrega<strong>do</strong>s num só cântico <strong>de</strong>louvor, engran<strong>de</strong>cemos o Deus uno e trino. É na celebração <strong>do</strong> sacrifício eucarístico que talunião mais plenamente se manifesta (LG 50):Contemplamos alegres na vossa luz tantos membros da Igreja que nos daiscomo intercessão e exemplo.Enquanto esperamos a glória eterna, com os anjos e to<strong>do</strong>s os santos,proclamamos a vossa bonda<strong>de</strong> cantan<strong>do</strong> a uma só voz.A glorificação <strong>de</strong> Deus na liturgia antecipa o que se dará na consumação <strong>do</strong>stempos. A realida<strong>de</strong> das relações entre a Igreja terrestre e celeste, precisamente naa<strong>do</strong>ração, louvor e ação <strong>de</strong> graças constitui a meta <strong>de</strong>sses contatos, o móvel em que se


80inspiram e a norma intrínseca <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento. É por este meio que o gênerohumano completará <strong>de</strong>finitivamente a humanida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Verbo Encarna<strong>do</strong> e contribuirá,conforme o <strong>de</strong>sígnio divino, para a plena glorificação da Trinda<strong>de</strong>, fim supremo <strong>de</strong> toda ahistória da salvação 47 .a.14 O prefácio das santas virgens e religiososIntitula<strong>do</strong> “o sinal da vida consagrada a Deus”, esse prefácio é uma novida<strong>de</strong>que o missal <strong>de</strong> Paulo VI apresenta. Sua ênfase recai sobre o significa<strong>do</strong> da consagração aCristo e o senti<strong>do</strong> escatológico da vida religiosa.Na verda<strong>de</strong>, ó Pai, é nosso <strong>de</strong>ver dar-vos graças, e nossa salvação dar-vosglória, em to<strong>do</strong> o tempo e lugar, e celebrar a vossa admirável providência nos Santos quese consagraram <strong>ao</strong> Cristo por causa <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>do</strong>s Céus.Os religiosos, especialmente as virgens consagradas, são testemunhas<strong>de</strong>stacadas <strong>do</strong> futuro em Deus. O carisma religioso constitui uma só coisa com o carismaescatológico.O carisma escatológico religioso possui uma dupla tarefa: em face da Igreja, atarefa crítica <strong>de</strong> impedir que <strong>de</strong>scanse sobre as conquistas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, sobre asfalsas seguranças <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res temporais e também na estabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> presente;em face da família humana, a tarefa <strong>de</strong> testemunhar a jubilosa esperança <strong>do</strong>futuro que espera a história humana 48 .O Concílio Vaticano II em vários textos explicita essa afirmação e fala <strong>do</strong>sreligiosos <strong>de</strong>screven<strong>do</strong> seu carisma profético:Como, porém, o Povo <strong>de</strong> Deus não possui aqui morada permanente, mas busca afutura, o esta<strong>do</strong> religioso, pelo fato <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar seus membros mais <strong>de</strong>simpedi<strong>do</strong>s<strong>do</strong>s cuida<strong>do</strong>s terrenos, ora manifesta já aqui neste mun<strong>do</strong> a to<strong>do</strong>s os fiéis apresença <strong>do</strong>s bens celestes, ora dá testemunho da nova e eterna vida conquistadapela re<strong>de</strong>nção <strong>de</strong> Cristo, ora prenuncia a ressurreição futura e a glória <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>Celeste (LG 44).“A castida<strong>de</strong> ‘por causa <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>do</strong>s Céus’ (Mt 19,12) que os religiososprofessam há <strong>de</strong> ser apreciada como insigne <strong>do</strong>m da graça. ; é ela por isso um sinalpeculiar <strong>do</strong>s bens celestes” (PC 12).O catecismo da Igreja Católica faz eco a essas afirmações e assim caracteriza aconsagração virginal: “Por este rito solene (Consecratio Virginum), a virgem é constituída47 Cf.MOLINARI, A Igreja escatológica, p. 1147.48Cf. GIUDICI, A. Escatologia. In DE FIORES, Stefano; GOFFI, Tulio (Org.). Dicionário <strong>de</strong>espiritualida<strong>de</strong>. São Paulo: Paulus, 1993. p. 322-333.


81pessoa consagrada, sinal transcen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> amor da Igreja a Cristo, imagem escatológica<strong>de</strong>sta Esposa <strong>do</strong> Céu e da vinda futura” 49 .A vida consagrada a Deus é um vigoroso convite a assumir a vocação universalà santida<strong>de</strong> e, na peregrinação da família humana rumo a novos céus e nova terra, ser luz eencorajamento. Ao mesmo tempo, é testemunho eficaz da prelibação da realida<strong>de</strong>escatológica.Pois neles chamais <strong>de</strong> novo a humanida<strong>de</strong> à santida<strong>de</strong> original e aexperimentar aqui na terra os <strong>do</strong>ns reserva<strong>do</strong>s para o céu.Neste gran<strong>de</strong> povo a caminho, o Espírito age com seus diversos <strong>do</strong>ns, chaman<strong>do</strong>alguns para “dar testemunho evi<strong>de</strong>nte <strong>do</strong> anseio pela morada celeste e mantervivo este anseio na família humana; chama outros para que se entreguem <strong>ao</strong>serviço temporal <strong>do</strong>s homens e preparem, assim, o material <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>do</strong>sCéus”(GS 38). A meu ver, aí se acha claramente indica<strong>do</strong> o carismaescatológico <strong>do</strong>s religiosos 50 .a.15 O prefácio da solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei <strong>do</strong> universoA solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei <strong>do</strong> Universo, foi instituídapelo Papa Pio XI em 1925 mediante a encíclica Quas primas. O contexto daquelemomento histórico, marca<strong>do</strong> pelas conseqüências da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) e peloavanço da secularização e <strong>do</strong>s regimes totalitários nos países europeus, motivou umacomemoração litúrgica que celebrasse e proclamasse o reina<strong>do</strong> social <strong>de</strong> Cristo.A reforma litúrgica transferiu esta solenida<strong>de</strong> <strong>do</strong> último <strong>do</strong>mingo <strong>de</strong> outubropara o último <strong>do</strong>mingo <strong>do</strong> tempo comum. Uma feliz iniciativa que <strong>de</strong>u a esta celebraçãoum significa<strong>do</strong> mais amplo. Enfatizou-se assim a dimensão escatológica <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> em suaconsumação. A realeza <strong>de</strong> Cristo apresenta-o como centro e Senhor <strong>de</strong> toda história: alfa eômega, primeiro e último, princípio e fim (Ap 22,12-13) 51 .O prefácio <strong>de</strong>sta solenida<strong>de</strong> é intitula<strong>do</strong> “Cristo, Rei <strong>do</strong> universo”. A renovação<strong>de</strong> todas as coisas em Cristo, por <strong>de</strong>sígnio <strong>do</strong> Pai, é a manifestação da consumação <strong>do</strong><strong>Reino</strong>. Evoca-se o simbolismo da unção real, sinal da ação <strong>do</strong> Espírito Santo, que consagraJesus como sacer<strong>do</strong>te eterno e Rei <strong>do</strong> universo (Sl 45,7; Hb 1,9):Com óleo da exultação consagrastes sacer<strong>do</strong>te eterno e rei <strong>do</strong> universo vossoFilho único, Jesus Cristo, Senhor Nosso.49 Catecismo da Igreja Católica n. 923.50 GIUDICI, DE, p. 332.51 Cf. BERGAMINI, Cristo, p. 436.


82Ao contrário <strong>do</strong>s outros reis, o local e as circunstâncias da unção real <strong>de</strong> Cristoe sua entronização são totalmente inéditos. Cristo é ungi<strong>do</strong> e proclama<strong>do</strong> rei em sua Paixão(Mt 27,29.37; Jo 19,14.18-22). A cruz é o trono on<strong>de</strong> ele é glorifica<strong>do</strong> (Jo 17,1-5). A açãorégia mais eminente realizada por Cristo é a <strong>de</strong> oferecer-se como vítima pura e pacífica emvista da re<strong>de</strong>nção da humanida<strong>de</strong> (Hb 9,11-28; Ef 5,2):Ele, oferecen<strong>do</strong>-se na cruz, vítima pura e pacífica, realizou a re<strong>de</strong>nção dahumanida<strong>de</strong>.Tal como em outras comemorações litúrgicas, reaparece o tema da reconduçãoda humanida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> toda criação à plena relação com Deus por meio <strong>do</strong> seu Cristo. Estarecondução é <strong>de</strong>scrita em termos <strong>de</strong> afirmação <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r e da soberania <strong>de</strong> Deus sobre todaa criação. Todas as criaturas, uma vez submetidas a Cristo, serão por ele entregues <strong>ao</strong> Pai(1Cor 15,28). A consumação <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> é <strong>de</strong>scrita com a atribuição <strong>de</strong> <strong>de</strong>signativosescatológicos. Desta forma, o <strong>Reino</strong> é chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> eterno e universal (Hb 1,8; 12,28; 2Pd1,11; Ap 11,15). É <strong>Reino</strong> on<strong>de</strong> florescem plenamente a verda<strong>de</strong> e a vida, a santida<strong>de</strong> e agraça, a justiça, o amor e a paz (Rm 14,17; Gl 5,19-25, Cl 1,13; 1Ts 2,12; Ap 12,10 ).Submeten<strong>do</strong> <strong>ao</strong> seu po<strong>de</strong>r toda criatura, entregará à vossa infinita majesta<strong>de</strong>um reino eterno e universal: reino da verda<strong>de</strong> e da vida, reino da santida<strong>de</strong> e da graça,reino da justiça, <strong>do</strong> amor e da paz.Situada na conclusão <strong>do</strong> ano litúrgico, a solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cristo Rei é como queuma síntese <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os mistérios <strong>de</strong> Cristo celebra<strong>do</strong>s <strong>ao</strong> longo <strong>do</strong> ano litúrgico. O Cristo,Senhor e Rei universal, resplan<strong>de</strong>ce como aquele que vem e faz novas todas as coisas (Ap21,1-5). O reino eterno já po<strong>de</strong> ser acolhi<strong>do</strong> no “aqui e agora” da existência mediante aaceitação amorosa <strong>do</strong> senhorio <strong>de</strong> Cristo.b) SanctusFoi no contexto da tradição eucológica bíblica que transcorreu a experiência <strong>de</strong>oração <strong>de</strong> Jesus e <strong>de</strong> toda a geração apostólica. O Sanctus é uma aclamação que provém<strong>de</strong>ssa tradição. Atesta-se o emprego <strong>do</strong> sanctus, em primeiro lugar, numa oração recitada<strong>ao</strong> nascer e <strong>ao</strong> por <strong>do</strong> sol. Nessa oração, Deus é glorifica<strong>do</strong> como autor da luz. Acomunida<strong>de</strong> orante, <strong>ao</strong> recitar o Sanctus, recorda-se das criaturas angélicas que formam acorte celeste e perenemente proclamam a santida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus e sua soberania sobre toda a


83criação. Numa outra oração pronunciada três vezes <strong>ao</strong> dia (manhã, tar<strong>de</strong> e antes <strong>do</strong> repousonoturno), aparece novamente a aclamação angélica.O Sanctus é caracteriza<strong>do</strong> como um louvor que une a assembléia terrena àcelestial. Os que louvam a Deus na terra, conscientes <strong>de</strong> sua impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> louvá-locomo convém, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à sua limitação histórica, unem-se <strong>ao</strong> transcen<strong>de</strong>nte louvor celesteque proclama sem cessar a santida<strong>de</strong> divina 52 .O Sanctus é um hino teológico; ou melhor, é uma teologia. É o mo<strong>do</strong> supremocom que a criatura, no momento em que toma consciência da própria condiçãorelacional, fala <strong>de</strong> Deus; e não po<strong>de</strong> falar <strong>de</strong> outra maneira que santifican<strong>do</strong>-o 53 .A unida<strong>de</strong> que o Sanctus promove entre as criaturas terrestres e celestesmanifesta-se <strong>de</strong> forma eminente <strong>ao</strong> ser proclama<strong>do</strong> na eucaristia. Nele tomam parte to<strong>do</strong>sos que formam a gran<strong>de</strong> comunhão eclesial. O Vaticano II, <strong>ao</strong> tratar da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> daIgreja, viu nesta comunhão a manifestação <strong>de</strong> sua ín<strong>do</strong>le escatológica (cf. LG 49-50).Unem-se a Igreja peregrina e a gloriosa, vivos e <strong>de</strong>funtos a elevarem por meio <strong>do</strong> Sanctuso reconhecimento criatural <strong>de</strong> sua santida<strong>de</strong> 54 .Sob o ângulo da escatologia, merece particular atenção a segunda parte <strong>do</strong>sanctus comumente chamada <strong>de</strong> Benedictus. No Sanctus, proclama-se a santida<strong>de</strong> divinana presença <strong>do</strong> próprio Deus. É nessa proclamação que a assembléia também se abre para avinda escatológica <strong>de</strong> Cristo. Nela bendiz-se aquele que vem em nome <strong>do</strong> Senhor. Aliturgia celeste se faz presente por causa da presença <strong>do</strong> próprio Cristo e a liturgia terrestreconverte-se em invocação e acolhimento <strong>de</strong>ssa presença.É justamente nesse senti<strong>do</strong> que se evi<strong>de</strong>ncia a eucaristia como sacramento daescatologia realizada. Já no tempo da Igreja, acontece a vinda <strong>do</strong> Cristo glorioso, ainda quehumil<strong>de</strong>mente velada pelos sinais sacramentais. Na liturgia e através <strong>de</strong>la, o Cristo realiza,<strong>ao</strong> ritmo da história, a consumação salvífica <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>.A segunda parte <strong>do</strong> sanctus é constituída por palavras <strong>de</strong> aclamação dirigidas aJesus por ocasião <strong>de</strong> sua entrada em Jerusalém (cf. Mt 21,9; Mc 11,9; Lc 19,38; Jo 12,13).Entrada que os evangelistas narram <strong>ao</strong> mo<strong>do</strong> das entradas triunfais <strong>do</strong>s soberanos daAntigüida<strong>de</strong>. Jesus é por excelência “aquele que vem em nome <strong>do</strong> Senhor” e esta maneira<strong>de</strong> <strong>de</strong>signá-lo ressalta o caráter escatológico da sua própria pessoa. Inserida no fim <strong>do</strong>52 Cf. GIRAUDO, Re<strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong>, p. 29.53 GIRAUDO, Num só corpo, p. 295.54 Cf. GIRAUDO, Num só corpo, p. 297-298.


84triságio, essa aclamação bendiz a Deus por aquele que vem em seu nome. Desta forma,bendizer a Deus é ato que adquire inegável característica <strong>de</strong> anúncio da vinda <strong>de</strong> Cristo 55 .Essa aclamação que constitui o Benedictus, aparece também no livro <strong>do</strong>Apocalipse (cf.Ap 1,4.8; 4,8; 11,7). É evi<strong>de</strong>nte a estruturação litúrgica <strong>do</strong> Apocalipse. Ovi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Patmos <strong>de</strong>screve a glória celeste como uma solene e triunfal liturgia. Nestaliturgia celeste, a Palavra e a escuta em silêncio vão se suce<strong>de</strong>n<strong>do</strong>. Aparecem açõessimbólicas <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> apelo visual e emotivo. A liturgia da terra é, para oApocalipse, um reflexo da liturgia <strong>do</strong> céu. As comunida<strong>de</strong>s cristãs daquela época se<strong>de</strong>frontavam com a hostilida<strong>de</strong> e perseguição <strong>do</strong> império romano. A celebração <strong>do</strong> mistériopascal e a proclamação da vitória <strong>do</strong> Cor<strong>de</strong>iro imola<strong>do</strong> infundiam nos cristãos persegui<strong>do</strong>sa força <strong>de</strong> que necessitavam para se manterem fiéis e resistirem à tentação da apostasia. Aglorificação pascal <strong>de</strong> Cristo era celebrada no contexto amplo da vitória escatológica queatinge to<strong>do</strong> o universo e estabelece <strong>de</strong>finitivamente o senhorio <strong>de</strong> Deus sobre a história.Em Ap 4,8 temos o Sanctus e o Benedictus forman<strong>do</strong> uma unida<strong>de</strong> bempróxima daquela que conhecemos na liturgia eucarística: “Santo, Santo, Santo o Senhor, oDeus to<strong>do</strong> po<strong>de</strong>roso, que é, que era e que vem”. Esta <strong>do</strong>xologia haurida em Is 6,3 confere odirecionamento escatológico já aludi<strong>do</strong>. A liturgia cristã, celebran<strong>do</strong> o mistério pascal <strong>de</strong>Cristo, professa e antecipa a sua vitória <strong>de</strong>finitiva.Proclamar a santida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus também significa reconhecer que, em Cristo,participamos <strong>de</strong>la. Trata-se da participação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, numa vida cuja plenitu<strong>de</strong> seráalcançada somente na eternida<strong>de</strong>. A santida<strong>de</strong>, em sua dimensão escatológica, insere navida cristã uma tensão dialética. Ou seja: Já somos verda<strong>de</strong>iramente santifica<strong>do</strong>s ejustifica<strong>do</strong>s, porém, trazemos este tesouro em vasos <strong>de</strong> barro (cf. 2Cor 4,7). Já estamosuni<strong>do</strong>s a Deus e em nós ele habita, ainda que só vejamos confusamente “como em espelho”(1Cor 13,12). Conhecemos pela fé Deus e seu <strong>de</strong>sígnio <strong>de</strong> salvação, mas não <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong>ser atraí<strong>do</strong>s para o peca<strong>do</strong>, por ainda sermos carnais (cf. Rm 7,14). Pelo fato <strong>de</strong> sermosmembros <strong>do</strong> corpo eclesial <strong>de</strong> Cristo, somos santos: uma santida<strong>de</strong>, neste momento, frágil,imperfeita e em esta<strong>do</strong> germinal quan<strong>do</strong> comparada com a união in<strong>de</strong>fectível que ospróprios membros da Igreja são chama<strong>do</strong>s a experimentar na Jerusalém celeste. Dessatensão dialética, provém o contínuo anseio e pena, a alegria <strong>de</strong> ser e a <strong>do</strong>r por ainda não seraquilo a que somos <strong>de</strong>stina<strong>do</strong>s, o contentamento com as primícias <strong>do</strong> que se possui e o<strong>de</strong>sejo da plenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s bens espera<strong>do</strong>s (cf. LG 48). Em suma: saber que Cristo, o55 Cf. MAZZA, La dimension, p. 92.


85Cor<strong>de</strong>iro, está, <strong>ao</strong> mesmo tempo, perto e longe: “enquanto habitamos no corpo,caminhamos longe <strong>do</strong> Senhor.” (2Cor 5,6), temos as primícias <strong>do</strong> Espírito e gememos<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós (cf. Rm 8,23), ansian<strong>do</strong> por estar com Cristo (cf. Fl 1,23). Nesse processo,mesmo em meio às dificulda<strong>de</strong>s e contradições, a cada contato sucessivo com o Senhorestreitamos cada vez mais nossa união com ele. Isso se mostra com maior clareza naeucaristia, o sinal eficaz por excelência <strong>de</strong> nossa união com aquele que agora já triunfa noPai 56 .Quan<strong>do</strong> uma assembléia, imersa em tal tensão escatológica, proclama oSanctus, ei-la convertida em sinal eloqüente <strong>de</strong> que neste mun<strong>do</strong> já é possível aparticipação na vida <strong>do</strong> Cristo ressuscita<strong>do</strong>. Enquanto espera o dia da vinda gloriosa <strong>do</strong>Senhor, no qual essa participação alcançará sua plenitu<strong>de</strong>, a comunida<strong>de</strong> eclesial celebra omistério pascal <strong>de</strong> Cristo e se alimenta da eucaristia, penhor da vida eterna.c) O pós-SanctusA economia da salvação celebrada no prefácio é retomada no pós-sanctus. Nãose trata <strong>de</strong> mera repetição daquilo que foi proclama<strong>do</strong> solenemente. O que temos é umaespécie <strong>de</strong> recapitulação <strong>de</strong> toda a história da salvação ou <strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus aspectos centrais.Recapitulação con<strong>de</strong>nsada numa expressão eucológica não muito extensa como na oraçãoeucarística III 57 ou numa formulação mais <strong>de</strong>senvolvida como na oração eucarística IV.Optamos pela análise <strong>do</strong> pós-Sanctus <strong>de</strong>stas duas anáforas por causa <strong>do</strong> seu caráter maisexplicitamente escatológico se compara<strong>do</strong> àqueles <strong>de</strong> outras orações eucarísticas.c. 1 O pós-Sanctus da oração eucarística IIIO pós-sanctus da oração eucarística III nos oferece a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> analisaresta parte da anáfora em seu conteú<strong>do</strong> escatológico. Consi<strong>de</strong>remos, portanto, o seu texto:Na verda<strong>de</strong>, vós sois Santo, ó Deus <strong>do</strong> universo e tu<strong>do</strong> o que criastes proclam<strong>ao</strong> vosso louvor56 Cf. MOLINARI, P<strong>ao</strong>lo. Santo/dimensão escatológica da santida<strong>de</strong>. In DE FIORES, Stefano; GOFFI,Tulio. Dicionário <strong>de</strong> Espiritualida<strong>de</strong>. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2003. p. 1036-1037.57 Cf. MAZZA, Enrico. Le odierne preghiere eucharistique: testi, <strong>do</strong>cumenti editi e inediti. 2 ed. Bologne:Dehoniane 1991. v. 2, p. 153.


86Prolongar o tema <strong>do</strong> Sanctus e <strong>do</strong> prefácio é a função própria <strong>do</strong> pós-sanctus.Realça-se o movimento essencial que cada ser cria<strong>do</strong> tem <strong>de</strong> louvar a Deus <strong>ao</strong> reconhecer asua santida<strong>de</strong>. O Deus Santo é o ponto <strong>de</strong> convergência <strong>do</strong> louvor <strong>de</strong> toda a criação 58 .porque por Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso, e pela força <strong>do</strong> EspíritoSanto dais vida e santida<strong>de</strong> a todas as coisas.A criação inteira é conclamada a elevar <strong>ao</strong> Pai o seu louvor. O Pai recebe olouvor porque nele se reconhece a fonte <strong>do</strong>n<strong>de</strong> tem origem to<strong>do</strong> o movimento salvífico dacriação e da re<strong>de</strong>nção. Toda a criação louva o Pai que, pelo Cristo no Espírito, a tu<strong>do</strong> dávida e santida<strong>de</strong>. A <strong>do</strong>ação da vida, mencionada nesse trecho, refere-se à criação. Asantida<strong>de</strong> significa a própria re<strong>de</strong>nção ou nova criação. O Pai se autocomunica totalmente<strong>ao</strong> Filho, Jesus Cristo, e mediante ele dá origem tanto <strong>ao</strong> cosmos quanto à Igreja quecelebra o seu louvor. Por sua vez, a difusão da vida e da santida<strong>de</strong> acontece pelaintervenção <strong>do</strong> Espírito SantoTanto a criação como a nova criação são obra trinitária. O Pai cria e redime acriação por meio <strong>do</strong> Filho. Por sua vez, cabe <strong>ao</strong> Espírito Santo <strong>de</strong>senvolver e conduzir cadaser cria<strong>do</strong> rumo à perfeição <strong>de</strong>sejada pelo Cria<strong>do</strong>r. Ao proclamar que Deus dá vida esantida<strong>de</strong> a todas as coisas, afirma-se igualmente a bonda<strong>de</strong> objetiva <strong>do</strong> cosmos e a origem<strong>do</strong> ser e da vida <strong>de</strong> todas as coisas na Trinda<strong>de</strong>.O senti<strong>do</strong> da presença <strong>do</strong> mistério da criação nas orações <strong>do</strong> missal romano é o<strong>de</strong> favorecer a vivência da inserção <strong>do</strong>s fiéis na única história criativo-salvífica, esuscitar, no senti<strong>do</strong> exposto, a fé, a esperança e a carida<strong>de</strong> em Deus cria<strong>do</strong>r, noPai que em Cristo e com o Espírito Santo é o cria<strong>do</strong>r <strong>do</strong> céu e da terra [....] Aliturgia nos atesta que todas as realida<strong>de</strong>s criadas, assim como elas se nosapresentam, em seu dinamismo, vigor e pujança natural, em esta<strong>do</strong> natural outransformadas pelo trabalho <strong>do</strong> homem, não são realida<strong>de</strong>s profanas, masrealida<strong>de</strong>s profundamente religiosas enquanto são continuamente para nósconcretização <strong>do</strong> apelo salvífico <strong>do</strong> Deus cria<strong>do</strong>r 59 .e não cessais <strong>de</strong> reunir o vosso povoA constituição da assembléia reunida por Deus em comunida<strong>de</strong> cultual possuium <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> caráter escatológico 60 . É reunião que não se limita <strong>ao</strong> aqui e agora. Radicadano tempo, a assembléia, congregada em nome <strong>do</strong> Senhor, aponta para uma plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>comunhão que extrapola os limites da história. Concretamente esse povo reuni<strong>do</strong> como58 Cf. RAFFA, Liturgia Eucaristica, p. 614-615.59 BINS, Cláudio Luiz. Deus cria<strong>do</strong>r na liturgia. Perspectiva Teológica. São Leopol<strong>do</strong>, n. 1, p. 35, 1969. Estacitação é <strong>de</strong> um texto que comenta o missal <strong>de</strong> São Pio V, todavia a perspectiva apontada pelo autor é válidatambém para o missal <strong>de</strong> Paulo VI.60 Cf. MAZZA. La dimension, p.100.


87assembléia escatológica é a Igreja, pois nela se celebra a eucaristia, sacramento dacomunhão <strong>de</strong> Deus com os homens e <strong>de</strong>stes entre si.O “não cessais <strong>de</strong> reunir” revela o empenho divino <strong>de</strong> criar para si um povo,acompanhá-lo, educá-lo e conduzi-lo à perfeição. Isso supõe uma ação divina que atravessetodas as épocas, da origem à consumação da humanida<strong>de</strong> 61 .para que vos ofereça em toda a parte, <strong>do</strong> nascer <strong>ao</strong> pôr <strong>do</strong> sol, um sacrifícioperfeitoNa celebração da eucaristia, dá-se oferecimento <strong>do</strong> sacrifício perfeito a Deus.Perfeito, pois, nele se compendia toda a ação trinitária: o Pai se auto<strong>do</strong>a no Filho <strong>ao</strong> criarna força <strong>do</strong> Espírito. A criação conhece o rompimento relacional causa<strong>do</strong> pelo peca<strong>do</strong> dahumanida<strong>de</strong>. Tal rompimento é sana<strong>do</strong> pelo Pai, que novamente se auto<strong>do</strong>a no Filho, agoracomo re<strong>de</strong>nção <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>. No dinamismo <strong>do</strong> Espírito, o Filho reconduz a humanida<strong>de</strong>, ecom ela toda a criação, à plena comunhão com o Pai. A oferta que o Filho faz <strong>de</strong> si, ten<strong>do</strong>assumi<strong>do</strong> a humanida<strong>de</strong> como seu corpo e unin<strong>do</strong>-se <strong>ao</strong> cosmos, é o sacrifício perfeito.A a<strong>de</strong>são da humanida<strong>de</strong> a este sacrifício alcançará sua plenitu<strong>de</strong> naconsumação <strong>do</strong>s tempos. A Igreja, reunida como comunida<strong>de</strong> cultual que celebra osacrifício eucarístico, já realiza a participação da humanida<strong>de</strong> redimida na oblação <strong>do</strong>sacrifício perfeito mediante sua a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> fé a Cristo.Aqui se torna indispensável a referência <strong>ao</strong> texto <strong>de</strong> Ml 1,11, inspiração bíblicapara a noção <strong>de</strong> sacrifício perfeito e razão <strong>de</strong> sua menção na anáfora 62 .Pois, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> nasce o sol até on<strong>de</strong> ele se põe, o meu nome é glorifica<strong>do</strong> entre asnações, e em to<strong>do</strong> lugar se oferece a meu nome um sacrifício puro, porque meunome é glorifica<strong>do</strong> entra as nações – diz o Senhor <strong>do</strong>s exércitos.O contexto <strong>de</strong> Ml 1,11 é marca<strong>do</strong> pela forte reação <strong>de</strong> Deus diante <strong>do</strong> povo quecomparecia <strong>ao</strong> culto com as mãos sujas <strong>de</strong> sangue inocente e injustiça. Diante <strong>de</strong> tamanhainiqüida<strong>de</strong>, Deus <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> retirar a sua benevolência e não mais aceitar sacrifícios. O cultoofereci<strong>do</strong> naquelas condições não mais agradava a Deus. Culto <strong>ao</strong> Senhor e temor <strong>de</strong> Deussão inseparáveis e <strong>de</strong>vem estar ainda mais uni<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> Israel se apresenta em oraçãodiante <strong>de</strong> YHWH 63 . Por isso anuncia-se que, em tempos futuros, o culto divino serátransferi<strong>do</strong> <strong>de</strong> Israel para as nações. Já se percebe o movimento que conferirá o caráter <strong>de</strong>61 Cf. RAFFA, Liturgia eucarística, p. 615.62 Cf. MAZZA, La dimension, p. 100.63 Cf. WILLI-PLEIN, Ina. Sacrifício e culto no Israel <strong>do</strong> Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2001. p.139-140.


88universalida<strong>de</strong> à aliança com Deus. Deus intervirá com po<strong>de</strong>r na história e restabelecerá ajustiça. O sinal <strong>de</strong>stes tempos escatológicos será o oferecimento <strong>de</strong> um sacrifício perfeito.A Igreja primitiva interpretou em chave eucarístico-escatológica a citação <strong>de</strong>Ml 1,11 64 . A Didaqué 65 refere-se a este texto <strong>ao</strong> falar da santificação <strong>do</strong> <strong>do</strong>mingo pelaeucaristia. Ficara evi<strong>de</strong>nte que o culto judaico e seus sacrifícios estavam ultrapassa<strong>do</strong>s<strong>de</strong>pois da Páscoa <strong>de</strong> Cristo. Em seu lugar, veio a eucaristia como o sacrifício <strong>do</strong>s temposfuturos anuncia<strong>do</strong> pela profecia <strong>de</strong> Malaquias.A citação indireta <strong>de</strong>ste texto bíblico confere a essa parte da anáfora uma fortetonalida<strong>de</strong> escatológica 66 . Por outro la<strong>do</strong>, nota-se a ênfase sacrifical presente na própri<strong>ao</strong>ração eucarística III. A referida citação faz com que o tema <strong>do</strong> sacrifício se mantenhaliga<strong>do</strong> à escatologia. É o que notamos mais à frente, no prolongamento da epiclese sobre oscomungantes, on<strong>de</strong> se roga a transformação <strong>de</strong>stes numa oferenda perfeita, isto é, ainserção vital <strong>do</strong>s comungantes no sacrifício perfeito <strong>de</strong> Cristo: “que ele faça <strong>de</strong> nós um<strong>ao</strong>ferenda perfeita para alcançarmos a vida eterna com os vossos santos”. Nesse ponto, éigualmente clara a inspiração em Rm 12,1 em que Paulo fala <strong>do</strong> sacrifício vivo ofereci<strong>do</strong>na existência cristã, distinto <strong>do</strong> sacrifício ritual <strong>do</strong>s ju<strong>de</strong>us.Assim po<strong>de</strong>mos falar <strong>de</strong> uma dimensão escatológica <strong>do</strong> sacrifício eucarísticoem que os comungantes, em virtu<strong>de</strong> da ação <strong>do</strong> Espírito Santo, são converti<strong>do</strong>s emoferenda perfeita. Por essa transformação, a humanida<strong>de</strong> é introduzida no <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus.O ingresso nessa realida<strong>de</strong> escatológica exige mais que a simples oferta <strong>de</strong> sacrifíciosrituais <strong>ao</strong> mo<strong>do</strong> da antiga aliança. É necessário que homens e mulheres tenham suaspróprias vidas transformadas em sacrifício, pois o culto <strong>do</strong> reino escatológico é umsacrifício: o <strong>de</strong> Cristo <strong>ao</strong> qual os seus discípulos se unem quan<strong>do</strong> a<strong>de</strong>rem a ele na fé e noamor.c. 2 O pós-Sanctus da oração eucarística IVCaracteriza esta anáfora a presença <strong>de</strong> um pós-Sanctus bem <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>, àsemelhança daqueles existentes em várias anáforas orientais. O leitmotiv é o louvor e aação <strong>de</strong> graças <strong>ao</strong> Pai por suas maravilhas. O primeiro nível <strong>de</strong>sse pós-sanctus é64 Cf. MAZZA, La dimension, p. 100-101.65 Cf. DIDAQUÉ ou Doutrina <strong>do</strong>s Doze Apóstolos. Petrópolis: Vozes, 1986. Parte III: Capítulo 4. p. 39.66 Cf. MAZZA, La dimension, p. 101 e BERGANT, Dianne; KARRIS, Robert J. (org.). Comentário Bíblico.São Paulo: Loyola, 1999. p. 177.


89protológico. Exalta-se a gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong> Deus na criação <strong>do</strong> cosmos, fruto <strong>do</strong> amor e dasabe<strong>do</strong>ria <strong>de</strong> Deus (cf. Sl 135, Pr 3,19):Nós proclamamos a vossa gran<strong>de</strong>za, Pai Santo, a sabe<strong>do</strong>ria e o amor com quefizestes todas as coisas.Passa-se à criação <strong>do</strong> homem, feito à imagem <strong>de</strong> Deus, <strong>ao</strong> qual foi confiadatoda a criação (cf. Gn 1,26-28, Sl 8). A condição <strong>de</strong> imago Dei revela que Deus quispartilhar com o homem a sua soberania sobre o universo. Na obediência a Deus, é exercidaa participação humana na soberania divina e, por ela, o homem testemunha a gran<strong>de</strong>za <strong>do</strong>seu cria<strong>do</strong>r, aperfeiçoa o mun<strong>do</strong> e oferece a ele o mais belo louvor (cf. Eclo 17,1-10, GS12.34):Criastes o homem e a mulher à vossa imagem e lhes confiastes to<strong>do</strong> ouniverso, para que servin<strong>do</strong> a vós, seu cria<strong>do</strong>r, <strong>do</strong>minassem toda criatura.Em seguida, apresenta-se o fato <strong>do</strong> rompimento relacional com o Cria<strong>do</strong>r: opeca<strong>do</strong> (cf. Rm 5,19; Hb 2,2ss). Emerge a história da salvação, agora assumida por Deuscomo oferta generosa e abundante da reconciliação <strong>ao</strong> homem peca<strong>do</strong>r. Aqui temos osegun<strong>do</strong> nível <strong>de</strong>sse pós-sanctus: o soteriológico. A <strong>de</strong>sobediência não impele Deus a<strong>de</strong>sistir da humanida<strong>de</strong> (cf. Dt 30,1-4; Ne 9,17; Eclo 18,10-14; At 17,26-27; Rm 10,81;1Tm 2,4-5; Tg 4,8). Pelo contrário, gera um dinamismo no qual a misericórdia divinasuscita a aliança, a instrução <strong>do</strong> povo por meio <strong>do</strong>s profetas e, na plenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s tempos, aencarnação <strong>do</strong> Filho em vista da salvação <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>res (cf. Jo 3,16; Hb 1,1-2; Gl 4,40).Temos nesse ponto a transição para o nível cristológico:E quan<strong>do</strong> pela <strong>de</strong>sobediência per<strong>de</strong>ram a vossa amiza<strong>de</strong>, não os aban<strong>do</strong>nastes<strong>ao</strong> po<strong>de</strong>r da morte, mas a to<strong>do</strong>s socorrestes com bonda<strong>de</strong>, para que, <strong>ao</strong> procurar-vos, vospu<strong>de</strong>ssem encontrar.E, ainda mais, oferecestes muitas vezes aliança <strong>ao</strong>s homens e às mulheres e osinstruístes pelos profetas na esperança da salvação. E <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong>, Pai Santo, amastes omun<strong>do</strong> que, chegada a plenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s tempos, nos enviastes o vosso próprio Filho para sero nosso salva<strong>do</strong>r.A encarnação <strong>do</strong> Filho é apresentada como obra <strong>do</strong> Espírito Santo. Enfatiza-sea sua humanida<strong>de</strong> <strong>ao</strong> mencionar seu nascimento da Virgem Maria. Caracteriza-se acondição humana <strong>do</strong> Verbo em sua semelhança conosco (a natureza humana) e em suadiferença (a ausência <strong>de</strong> peca<strong>do</strong>) conforme a referência <strong>ao</strong> texto <strong>de</strong> Hb 4,15. Sua missãojunto à humanida<strong>de</strong> é retomada e caracterizada segun<strong>do</strong> a obra re<strong>de</strong>ntora <strong>do</strong> Messias


90<strong>de</strong>scrita em Is 66,1-2 e Lc 4,17-18. Ponto culminante da sua missão é o sacrifício da cruz.A ressurreição, sinal inequívoco <strong>do</strong> êxito <strong>de</strong>ssa missão e <strong>de</strong> sua aceitação pelo Pai, é<strong>de</strong>scrita em termos <strong>de</strong> vitória sobre a morte e renovação da vida:Verda<strong>de</strong>iro homem, concebi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo e nasci<strong>do</strong> da Virgem Maria,viveu em tu<strong>do</strong> a condição humana, menos o peca<strong>do</strong>. Anunciou <strong>ao</strong>s pobres a salvação, <strong>ao</strong>soprimi<strong>do</strong>s a liberda<strong>de</strong>, <strong>ao</strong>s tristes a alegria. E, para realizar o vosso plano <strong>de</strong> amor,entregou-se à morte e ressuscitan<strong>do</strong> <strong>do</strong>s mortos, venceu a morte e renovou a vida.O quarto nível nesse pós-sanctus é aquele que nomeamos comopneumatológico. É nele que ressaltamos mais claramente o elemento escatológico. OEspírito Santo é apresenta<strong>do</strong> como o primeiro <strong>do</strong>m que o Senhor envia <strong>ao</strong>s fiéis.“Primeiro”, não no simples senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m temporal, mas como afirmação <strong>de</strong> queeste é o <strong>do</strong>m por excelência envia<strong>do</strong> pelo Pai por meio <strong>do</strong> Senhor Ressuscita<strong>do</strong>. A meta<strong>de</strong>sse <strong>do</strong>m é fazer que o homem viva não mais para si, mas para o Senhor que por elemorreu e ressuscitou (cf. Gl 2,20). Ou seja, trata-se <strong>de</strong> uma outra forma <strong>de</strong> se falar darestauração <strong>do</strong> pleno vínculo relacional entre a humanida<strong>de</strong> e Deus. Restauração que émais que um mero retorno a uma situação anterior <strong>de</strong> bem-aventurança. É algo superior, éa elevação a um nível existencial até então não atingi<strong>do</strong> e que é ofereci<strong>do</strong> gratuitamentepor Deus.Tornar viva a memória <strong>de</strong> Jesus e levar à plenitu<strong>de</strong> a sua obra salvífica é amissão <strong>do</strong> Espírito Santo (cf. Jo 14,26; 15,26; 16,13s). Em Gn 1,2 o Espírito é oprotagonista da criação. Por sua força, o c<strong>ao</strong>s se transforma em cosmos. Em Lc 1,35 énovamente o Espírito que paira sobre Maria e fecunda o seu ventre. É ele o artífice da novacriação. É por ele que os que estão em Cristo se convertem em nova criatura (cf. 2 Cor5,17; Gl 6,15; Ef 4,24). E é pelo mesmo Espírito que se aguardam “novos céus e novaterra” (Ap 21,1). Com ele e nele, a noiva-Igreja diz <strong>ao</strong> Senhor: “Vem, Senhor Jesus!” (Ap22,17-20):E a fim <strong>de</strong> não mais vivermos para nós, mas para ele, que por nós morreu eressuscitou, enviou <strong>de</strong> vós, ó Pai, o Espírito Santo como primeiro <strong>do</strong>m <strong>ao</strong>s vossos fiéispara santificar todas as coisas, levan<strong>do</strong> à plenitu<strong>de</strong> a sua obra.d) O relato institucional


91A teologia oci<strong>de</strong>ntal, elaborada no <strong>de</strong>curso <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> milênio, consi<strong>de</strong>ra anarrativa da instituição da eucaristia, máxime as “palavras da consagração”, como o pontoculminante <strong>de</strong> toda a anáfora. O Concílio <strong>de</strong> Trento, em sintonia com a teologiaescolástica, enfatizou que as palavras e ações <strong>de</strong> Jesus na última ceia, repetidas ritualmentena missa, realizam o sacrifício que o Senhor instituiu <strong>ao</strong> celebrar a páscoa com seusdiscípulos, dan<strong>do</strong>-lhes a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> fazê-lo em sua memória 67 .A partir da perspectiva <strong>de</strong>ste trabalho <strong>de</strong>vemos, porém, nos perguntar sobre osignifica<strong>do</strong> escatológico <strong>do</strong> relato institucional. Nesse senti<strong>do</strong>, é necessário superar umaabordagem teológica reducionista que, por razões apologéticas e limites meto<strong>do</strong>lógicos, éincapaz <strong>de</strong> perceber nas ações e palavras institucionais algo mais que a simples forma <strong>do</strong>sacramento.O contexto da última ceia <strong>de</strong>monstra que Jesus tinha plena consciência <strong>de</strong> suamorte iminente. Naquela ceia ritual, ele conferiu à sua morte um significa<strong>do</strong> emconsonância com o que foi a sua vida. Sua morte não foi um fracasso, mas o ato inauguralda paz e da salvação plenas em Deus. No mistério pascal, estamos diante <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deusanuncia<strong>do</strong> por Jesus durante a sua vida pública.A essa nova realida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> se cumpre a promessa <strong>de</strong> Deus, Jesus associa osseus discípulos com o gesto <strong>de</strong> tomar o pão e o cálice, dar graças e fazê-lo passar entreseus convivas. Isto significa que eles, assentan<strong>do</strong>-se à sua <strong>mesa</strong>, tomam também parte emseu <strong>de</strong>stino. Destino que é o <strong>de</strong> entregar-se totalmente nas mãos <strong>do</strong> Pai e enfrentar a mortena esperança <strong>de</strong> realizar o <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus no mun<strong>do</strong> e na história.Efetiva-se essa realida<strong>de</strong> com o comer <strong>do</strong> pão e beber <strong>do</strong> cálice que são corpo esangue <strong>do</strong> Senhor entregues <strong>ao</strong>s comungantes. O significa<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa linguagem no mun<strong>do</strong>bíblico-judaico 68 esclarece que “corpo” significa a totalida<strong>de</strong> da pessoa. Por isso amentalida<strong>de</strong> semita diz que o homem não tem corpo, mas é corpo. Destarte o pão é aexistência <strong>de</strong> Jesus que ele mesmo compartilha com seus discípulos. É uma existência<strong>do</strong>ada como salvação.Explicitan<strong>do</strong> a semântica <strong>do</strong> termo corpo, quan<strong>do</strong> emprega<strong>do</strong> no relatoinstitucional, Cesare Girau<strong>do</strong> parte da significação <strong>do</strong>s termos gregos para carne (sárx) ecorpo (soma) e chega <strong>ao</strong> mesmos termos em aramaico (gufá) e siríaco (págra). O seu ponto<strong>de</strong> referência são os estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>staca<strong>do</strong>s teólogos e exegetas tais como Gustav <strong>Da</strong>lman,67Cf. DH 1637 e 1642; MATTOSO, José Alves. Os sacramentos. 3. ed. Lisboa: União Gráfica, 1949. p.123-125.68 Cf. FABRIS, Rinal<strong>do</strong>; MAGGIONI, Bruno. Os evangelhos II. São Paulo: Loyola, 1992. p. 219.


92Joseph Bonsivern, e Joachim Jeremias. Esse amplo e complexo percurso semânticorevelará os varia<strong>do</strong>s matizes <strong>do</strong> termo corpo (o corpo vivo e o corpo exânime, o corpopessoal <strong>de</strong> Cristo e seu corpo eclesial) e o seu alcance teológico: é a comunhão no corposacramental <strong>de</strong> Cristo que converte a assembléia celebrante em seu corpo eclesial. Ou seja,a menção <strong>do</strong> corpo pessoal <strong>de</strong> Cristo no relato institucional correspon<strong>de</strong>, no pedi<strong>do</strong>epiclético, à súplica pela edificação <strong>do</strong> corpo eclesial. Tal edificação se opera pelaparticipação no corpo sacramental que, com esse fim, se faz presente sobre o altar 69 .Por sua vez, na tradição bíblica, o sangue é símbolo da vida. Quan<strong>do</strong> se<strong>de</strong>sejava testificar ou sancionar uma aliança com Deus, os israelitas, tal como outrospovos, ofereciam-lhe sacrifícios cruentos. Na última ceia, o sangue <strong>de</strong>signa a morte <strong>de</strong>Jesus como gesto supremo <strong>de</strong> amor e fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> entre Deus e suas criaturas. Na <strong>de</strong>claraçãoinstitucional, Jesus interpreta profeticamente a sua própria morte e apresenta-a como amorte vicária <strong>do</strong> Servo <strong>de</strong> YHWH (Is 53) em remissão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s <strong>de</strong> muitos 70 . É sinaleficaz <strong>de</strong> reconciliação e comunhão plenas. I<strong>de</strong>ntifica também uma nova aliança. Esta é aaliança escatológica cuja lei é inscrita pelo Espírito <strong>de</strong> Deus no íntimo <strong>do</strong> homem. Nela foieliminada a raiz da infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> que é o peca<strong>do</strong>. Beber <strong>do</strong> cálice já é participar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> agorada re<strong>de</strong>nção operada por Jesus e pregustar a comunhão futura 71 .O mandato <strong>de</strong> Jesus “fazei isto em memória <strong>de</strong> mim” (Lc 22,19 c) é cumpri<strong>do</strong>não só com a simples observância material <strong>de</strong> um rito. Tornar viva a memória <strong>de</strong> Jesusexige a disposição e o compromisso histórico <strong>de</strong> se viver na mesma orientação existencial<strong>de</strong> Jesus: fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>ao</strong> Pai e <strong>ao</strong> <strong>Reino</strong> como disposições concretas <strong>de</strong> entrega da própriavida. Em to<strong>do</strong>s os tempos, essa or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> iteração capacita a Igreja a ingressar no mistériopascal como uma experiência salvífica <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> plena atualida<strong>de</strong>.Se Jesus não tivesse instituí<strong>do</strong> a eucaristia, o evento <strong>de</strong> sua morte e ressurreiçãoteria permaneci<strong>do</strong> isola<strong>do</strong> naquelas coor<strong>de</strong>nadas <strong>de</strong> tempo e espaço que foram assuas, e a Igreja das gerações subseqüentes, que somos nós, não teria mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>voltar a imergir salvificamente nele. Mas, pela inefável graça divina, não foiassim. A celebração eucarística é, portanto, em sumo grau e <strong>ao</strong> mesmo tempo,nosso calvário e nossa páscoa. Pelo batismo fomos imersos, <strong>de</strong> uma vez parasempre, na morte-ressurreição <strong>do</strong> Senhor, mas não nos tornamos perfeitos. . Porisso a volta <strong>ao</strong> calvário se impõe teologicamente. . Celebran<strong>do</strong> a eucaristia,receben<strong>do</strong> a comunhão, to<strong>do</strong> o <strong>do</strong>mingo ou to<strong>do</strong> dia, vamos <strong>ao</strong> calvário e <strong>ao</strong>sepulcro vazio: não vamos fisicamente mas no memorial mediante a retomadaritual <strong>do</strong> signo profético <strong>do</strong> pão e <strong>do</strong> cálice, por meio <strong>de</strong> uma ação figurativa e,portanto, sacramental e, por isso, absolutamente real 72 .69 Cf. GIRAUDO, Num só corpo, p. 158-163.70 Cf. GIRAUDO, Num só corpo, p. 177-178.71 Cf. FABRIS; MAGGIONI, Os evangelhos II, p. 220.72 GIRAUDO, Re<strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong>, p. 82.


93As palavras <strong>de</strong> Jesus que acompanham a ação <strong>de</strong> graças sobre o pão e o vinhoreúnem todas as gran<strong>de</strong>s categorias <strong>do</strong> Antigo Testamento (aliança, senhorio <strong>de</strong> Deus,sacrifício e expiação, culto e anúncio escatológico). O centro <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> é o próprio Cristo.Através <strong>de</strong>le se cumpre <strong>de</strong> forma perfeita a obra da salvação. Na eucaristia, encontra-sereuni<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> o que Deus fez e fará pela humanida<strong>de</strong> na história da salvação 73 .Um olhar sobre os textos bíblicos revela que a narrativa da última ceia possuiuma clara caracterização escatológica. Exemplifica esta afirmação a narrativa da páscoa <strong>de</strong>Jesus em Lucas 74 (Lc 22,14- 23). O texto lucano enfatiza as palavras <strong>de</strong> Jesus que afirmaque não mais comerá daquela ceia nem beberá daquele cálice “até que venha o <strong>Reino</strong> <strong>de</strong>Deus” (Lc 22,18).O texto bíblico nos conduz <strong>ao</strong> cumprimento da promessa escatológica feita aIsrael. Tal cumprimento se dá na última ceia pascal presidida por Jesus. Estamos àsvésperas <strong>de</strong> sua paixão e morte. Na realida<strong>de</strong>, o que ali temos já é uma nova ceia.Transcen<strong>de</strong>-se o memorial da libertação histórica <strong>de</strong> Israel no Egito. E, nesta ceia,<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira dá-se o cumprimento <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus na história <strong>de</strong> Jesus <strong>de</strong> Nazaré.Ritualmente, toman<strong>do</strong> o pão e o vinho, dan<strong>do</strong> graças sobre eles e distribuin<strong>do</strong>-os, Jesusantecipa a sua total oblação <strong>ao</strong> Pai que se consumará na cruz. Por esta oblação, se dá areconciliação e o retorno da criação a Deus pela remissão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s. Essa realida<strong>de</strong> dareconciliação e <strong>do</strong> retorno a Deus pelo sacrifício <strong>de</strong> Cristo é a primeira nota escatológicapresente no relato institucional. Nela se realiza o <strong>Reino</strong>.A segunda nota escatológica presente no relato institucional encontramo-la apartir da narrativa <strong>de</strong> Emaús (Lc 24,13-34). Nela o Senhor é reconheci<strong>do</strong> na fração <strong>do</strong> pão.Depois que sentou à <strong>mesa</strong> com eles, tomou o pão, pronunciou a bênção, partiu-oe <strong>de</strong>u a eles. Neste momento, seus olhos se abriram e eles o reconheceram. Ele,porém, <strong>de</strong>sapareceu da vista <strong>de</strong>les (Lc 24,30-31).Em Emaús, os discípulos confessam Jesus como o Ressuscita<strong>do</strong> no qual secumprem não só as profecias sobre o Messias, mas também sobre o <strong>Reino</strong> 75 . Cristo, comsua ressurreição, inaugura o éschaton, isto é, a realida<strong>de</strong> restaurada em Deus e tornada<strong>de</strong>finitiva, não apenas para a humanida<strong>de</strong> mas para to<strong>do</strong> o cosmos. Doravante osdiscípulos <strong>do</strong> Ressuscita<strong>do</strong> celebrarão a ceia em sua memória. Esta não se transformanuma estrutura fechada, reduzida <strong>ao</strong> ritualismo e mera lembrança <strong>de</strong> um fato extr<strong>ao</strong>rdinário73 Cf. STÖGER, A. Eucaristia. In Dizionario di teologia bíblica. Brescia: Morcelliana, 1975. p. 495.74 Cf. MAZZA, La dimension, p. 94.75 Cf. MAZZA, La dimension, p. 94.


94<strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. A ceia <strong>do</strong>s discípulos, a eucaristia, se converte em profecia da plenitu<strong>de</strong>futura. Ela aponta para o <strong>banquete</strong> celeste, isto é, para o <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus enquanto realida<strong>de</strong>total.e) AnamneseAnamnese é o termo técnico específico que os liturgistas empregam para<strong>de</strong>signar o parágrafo oracional que se segue imediatamente à narrativa institucional 76 .A anamnese, como o próprio nome indica, é i<strong>de</strong>ntificada pelo caráter <strong>de</strong>memorial. Sua justificação resi<strong>de</strong> na or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> próprio Senhor recordada na narrativainstitucional: “fazei isto em memória <strong>de</strong> mim”. Esse memorial não se reduz à simplesmemória psicológica <strong>de</strong> um fato passa<strong>do</strong>. Nele, <strong>de</strong> forma sacramental, a assembléiacelebrante tem acesso <strong>ao</strong> evento fundante <strong>de</strong> sua salvação: o mistério pascal <strong>de</strong> Cristo. Pelafé, através <strong>do</strong> memorial, somos transporta<strong>do</strong>s para os eventos da vida, paixão, morte eressurreição <strong>de</strong> Cristo 77 . Nessa experiência da fé, geração após geração, cada um échama<strong>do</strong> a ver-se presente no Calvário, na primeira sexta-feira santa e diante <strong>do</strong> sepulcrovazio, na manhã da ressurreição 78 . Igualmente participamos da glória da ascensão e <strong>do</strong>fogo <strong>de</strong> pentecostes. Mais ainda: o memorial <strong>do</strong> mistério pascal alcança também o futuro,pois, em várias anáforas orientais e oci<strong>de</strong>ntais, menciona-se a parusia como parteintegrante da anamnese.Nos sinais <strong>do</strong> pão e <strong>do</strong> vinho <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong>s por Jesus, nós nos tornamos hojesalvificamente contemporâneos <strong>do</strong>s eventos re<strong>de</strong>ntores da morte e ressurreição<strong>do</strong> Senhor. Em mistério ou sacramento, tornamo-nos contemporâneos <strong>do</strong>acontecimento histórico único e irrepetível, que trouxe a re<strong>de</strong>nção para nós. Poreste pão e este vinho, sobre o qual se pronunciou a ação <strong>de</strong> graças <strong>do</strong> memorial epara os quais se suplicou a vinda <strong>do</strong> Espírito Santo, somos realmentetransporta<strong>do</strong>s – na fé – <strong>ao</strong>s eventos funda<strong>do</strong>res e nos tornamos participantes<strong>de</strong>les 79 .Por essas razões, o memorial é um elemento tão <strong>de</strong>cisivo na celebraçãoeucarística que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios mereceu a referência encontrada no Apóstolo: “Todasas vezes que comer<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste pão e beber<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ste cálice, estareis proclaman<strong>do</strong> a morte <strong>do</strong>Senhor até que ele venha” (1Cor 11,26).Na celebração da eucaristia, a anamnese <strong>do</strong> mistério pascal <strong>de</strong> Cristo éproclamada por aquele que presi<strong>de</strong> em nome <strong>de</strong> toda a comunida<strong>de</strong> cultual.76 GIRAUDO, Num só corpo, p. 256.77 Cf. TABORDA, Esperan<strong>do</strong> sua vinda gloriosa, p. 6.12-14.78 Cf. GIRAUDO, Num só corpo, p. 90.79 TABORDA, Esperan<strong>do</strong> sua vinda gloriosa, p. 13.


95Com a anamnese a Igreja em oração a<strong>de</strong>re logicamente <strong>ao</strong> mandamento <strong>de</strong> Jesus:“Fazei isto [o sinal <strong>do</strong> pão e <strong>do</strong> cálice...] em memória <strong>de</strong> mim [morto eressuscita<strong>do</strong>]”. Primeiro pela “<strong>de</strong>claração anamnética” (“celebran<strong>do</strong> a memória”)torna presente a Deus Pai que está fazen<strong>do</strong> o memorial da morte e ressurreição<strong>do</strong> Senhor; <strong>de</strong>pois com a “<strong>de</strong>claração ofertorial” (“nós vos oferecemos...”)oferece <strong>ao</strong> Pai o pão e o cálice eucarísticos, o memorial da nova aliança 80 .Apresentar o memorial e a oferta constitui <strong>do</strong>is momentos ou dimensõesimprescindíveis <strong>de</strong> toda a anamnese. O penhor que a comunida<strong>de</strong> cultual oferece <strong>ao</strong> Pai é <strong>ao</strong>ferta sacramental <strong>do</strong> Corpo e <strong>do</strong> Sangue <strong>do</strong> Senhor. É justamente este penhor que aautoriza a formular o pedi<strong>do</strong> fundamental <strong>de</strong> toda a celebração eucarística: a transformaçãoescatológica <strong>do</strong>s comungantes em corpo eclesial <strong>de</strong> Cristo 81 .Na tradição romana, representada pelo seu cânon romano, a anamnese nãoconhece a menção da segunda vinda <strong>de</strong> Cristo. A reforma litúrgica procurou reparar essalacuna por ocasião da elaboração das novas orações eucarísticas 82 .Convém notar que as novas anáforas romanas mantiveram uma estruturainspirada no cânon romano cuja configuração pre<strong>do</strong>minante é a epiclética. Todavia, aanamnese em várias das novas anáforas se viu enriquecida com novas elaborações.As novas orações eucarísticas se apresentam como um cânon romanolouvavelmente refeito quanto <strong>ao</strong>s conteú<strong>do</strong>s na área <strong>do</strong> prefácio e <strong>do</strong> pós-Sanctus – que o texto recebi<strong>do</strong> <strong>do</strong> cânon romano não possui – e das duasepicleses. Como resulta<strong>do</strong> houve em to<strong>do</strong>s os novos formulários um justoenriquecimento pneumatológico para os <strong>do</strong>is componentes epicléticos, bemcomo uma libertação da excessiva preocupação temático-ofertorial 83 .É inegável que, nesse processo <strong>de</strong> elaboração <strong>do</strong>s novos formuláriosanafóricos, muito contribuiu a inspiração advinda <strong>do</strong> contato com as liturgias orientais.Em várias <strong>de</strong>stas liturgias, encontramos o testemunho <strong>de</strong> que o memorial quefazemos <strong>do</strong> mistério pascal <strong>de</strong> Cristo é o <strong>de</strong> toda a sua trajetória <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a encarnação. À luzda ressurreição, celebramos to<strong>do</strong>s os mistérios da vida <strong>de</strong> Cristo. O mistério pascal nãocomporta só a vida <strong>de</strong> Jesus, sua paixão, morte e ressurreição. Abrange também a ascensãoe Pentecostes 84 .Assim o memorial <strong>do</strong> mistério pascal <strong>de</strong> Cristo que se faz na eucaristia incluito<strong>do</strong>s os mistérios da sua vida, da encarnação a Pentecostes. Mas não só. Ahistória continua em seu corpo que é a Igreja até que Deus seja tu<strong>do</strong> em to<strong>do</strong>s(cf. 1Cor 15,28), <strong>de</strong> forma que também a segunda vinda ou parusia <strong>do</strong> Senhor é80 GIRAUDO, Re<strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong>, p. 45.81 GIRAUDO, Re<strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong>, p. 45.82 Todavia a oração eucarística II, fruto da reforma litúrgica, não menciona a segunda vinda por fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> àsua fonte que é a anáfora <strong>de</strong> Hipólito <strong>de</strong> Roma, a qual contempla só a morte e ressurreição. O mesmoacontece nas orações eucarísticas sobre reconciliação II e para missas com crianças I e II.83 GIRAUDO, Num só corpo, p. 401.84 Cf. TABORDA, Esperan<strong>do</strong> sua vinda gloriosa, p. 5-10.


96objeto <strong>do</strong> memorial. Ela é a participação <strong>do</strong> cosmos no mistério pascal; ou, dito<strong>de</strong> outra maneira, é o mistério pascal <strong>do</strong> cosmos, pois com ele o cosmos setransfigurará no novo céu e na nova terra, “nos quais habitará a justiça” (2Pd3,13) 85 .No que se refere à anamnese, as anáforas orientais são realmente ilumina<strong>do</strong>rase motivaram os liturgistas a acrescentarem a memória da segunda vinda <strong>de</strong> Cristo nasnovas anáforas romanas. Assim, é oportuno e esclarece<strong>do</strong>r consi<strong>de</strong>rar mais proximamenteas características da menção da parusia na anamnese das diversas anáforas <strong>do</strong> Oriente.Não só sob o aspecto semântico-etimológico, mas sobretu<strong>do</strong> no que se refere àcompreensão escatológica subjacente, é necessário <strong>de</strong>stacar e diferenciar a expressãoanamnética da segunda vinda <strong>de</strong> Cristo presente nas tradições bizantina e antioquena e natradição alexandrina 86 .Nas anáforas <strong>de</strong> tradição bizantina e antioquena, encontramos o particípiopresente memnemenoi emprega<strong>do</strong> para a memória <strong>do</strong>s mistérios da vida <strong>de</strong> Cristo járealiza<strong>do</strong>s (paixão, morte, ressurreição, ascensão) e, surpreen<strong>de</strong>ntemente, também utiliza<strong>do</strong>para referir-se à segunda vinda gloriosa ainda não sucedida.Assim notamos na anáfora <strong>de</strong> São João Crisóstomo:Recorda<strong>do</strong>s, portanto, <strong>de</strong>ste mandamento salutar e <strong>de</strong> todas as coisas que por nósforam feitas, da cruz e da sepultura, da ressurreição <strong>ao</strong> terceiro dia, da ascensão<strong>ao</strong>s céus, <strong>do</strong> sentar-se à direita, da segunda e gloriosa nova vinda, oferecemoste,a partir <strong>de</strong> teus <strong>do</strong>ns, as coisas que são tuas, em tu<strong>do</strong> e por tu<strong>do</strong>... 87 .E na anáfora <strong>de</strong> São Tiago:Lembra<strong>do</strong>s, portanto, também nós peca<strong>do</strong>res, <strong>de</strong> seus sofrimentos vivificantes ecruz salutar e da morte <strong>de</strong> sepultura e da ressurreição <strong>do</strong>s mortos <strong>ao</strong> terceiro dia,e da ascensão <strong>ao</strong>s céus e <strong>do</strong> sentar-se à tua direita, ó Deus e Pai, e <strong>de</strong> seusegun<strong>do</strong> advento, glorioso e terrível, quan<strong>do</strong> virá julgar os vivos e os mortos,quan<strong>do</strong> dará a cada um segun<strong>do</strong> as suas obras (poupa-nos, Senhor, nosso Deus),ou melhor: segun<strong>do</strong> sua misericórdia, oferecemos-te, Soberano, este sacrifícioterrível e incruento 88 .Já na liturgia alexandrina, recordan<strong>do</strong> a segunda vinda, aparecem outros verboscomo anunciar/manifestar (kataggellontes), confessar (homologountes) e esperar/aguardar(apek<strong>de</strong>chomenoi).Assim na anáfora <strong>de</strong> São Marcos:Anuncian<strong>do</strong>, Soberano Senhor onipotente, Rei Celeste, a morte <strong>do</strong> teu filhounigênito, o Senhor Deus e Salva<strong>do</strong>r nosso Jesus Cristo, e confessan<strong>do</strong> a suabem-aventurada ressurreição <strong>do</strong>s mortos <strong>ao</strong> terceiro dia e a ascensão <strong>ao</strong>s céus e o85 TABORDA, Esperan<strong>do</strong> sua vinda gloriosa, p. 11.86 Cf .MAZZA, La dimension, p. 95-97.87 GIRAUDO, Num só corpo, p. 320.88 GIRAUDO, Num só corpo, p. 288.


97sentar-se à tua direita, seu Deus e Pai, e esperan<strong>do</strong> a sua terrível e tremendasegunda vinda, na qual virá julgar os vivos e os mortos com justiça e remunerarcada um segun<strong>do</strong> suas obras – poupa-nos, Senhor nosso Deus! – apresentamos-te[o que é teu] <strong>de</strong>ntre teus <strong>do</strong>ns, diante <strong>de</strong> ti 89 .A reforma litúrgica <strong>do</strong> Vaticano II optará pelo mo<strong>de</strong>lo alexandrino <strong>de</strong>anamnese on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacam três verbos (anunciar, confessar, esperar) em vez <strong>do</strong> verboúnico das anáforas bizantinas e antioquenas (recordar). Numa perspectiva teológica, ess<strong>ao</strong>pção significa a preferência por uma anamnese que celebra as várias etapas da história dasalvação e <strong>do</strong>s mistérios <strong>de</strong> Cristo, numa espécie <strong>de</strong> sucessão histórica <strong>de</strong> acontecimentosque culminam com a parusia 90 .O resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa escolha encontramos nas anamneses das seguintes anáforasromanas. Assim a Oração eucarística III:Celebran<strong>do</strong> agora, ó Pai, a memória <strong>do</strong> vosso Filho, da sua paixão que nos salva,da sua gloriosa ressurreição e da sua ascensão <strong>ao</strong> céu, e enquanto esperamos asua nova vinda, nós vos oferecemos em ação <strong>de</strong> graças esse sacrifício <strong>de</strong> vida esantida<strong>de</strong>.E a oração eucarística IV:Celebran<strong>do</strong> agora, ó Pai, a memória da nossa re<strong>de</strong>nção, anunciamos a morte <strong>de</strong>Cristo e sua <strong>de</strong>scida entre os mortos, proclamamos sua ressurreição e ascensão àvossa direita, e, esperan<strong>do</strong> a sua vinda gloriosa, nós vos oferecemos o seu corpoe sangue, sacrifício <strong>do</strong> vosso agra<strong>do</strong> e salvação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> inteiro.Também nas quatro orações eucarísticas para as diversas circunstânciasencontramos a seguinte anamnese:Celebran<strong>do</strong>, pois, a memória <strong>de</strong> Cristo, vosso Filho e nosso salva<strong>do</strong>r, que pelapaixão e morte <strong>de</strong> cruz fizestes entrar na glória da ressurreição e colocastes àvossa direita, anunciamos a obra <strong>do</strong> vosso amor até que ele venha e vosoferecemos o pão da vida e o cálice da bênção.E na oração eucarística sobre reconciliação I:Lembramo-nos <strong>de</strong> Jesus Cristo, nossa páscoa e certeza da paz <strong>de</strong>finitiva. Hojecelebramos sua morte e ressurreição, esperan<strong>do</strong> o dia feliz da sua vindagloriosa. Por isso vos apresentamos, ó Deus fiel, a vítima da reconciliação quenos faz voltar à vossa graça.As aclamações anamnéticasA oração eucarística é fundamentalmente uma anamnese. Um solene memorialda ação salvífica <strong>de</strong> Deus manifestada no mistério pascal <strong>de</strong> Cristo.89 GIRAUDO, Num só corpo, p. 362-363.90 O mo<strong>de</strong>lo bizantino-antioqueno não nega o caráter histórico da salvação, mas celebra a eucaristia comoantecipação sacramental da segunda vinda <strong>de</strong> Cristo. Ou seja, concebe a eucaristia como sacramento daescatologia realizada.


98Diante <strong>de</strong>sta proclamação, a assembléia não fica reduzida à muda passivida<strong>de</strong>.Em momentos significativos, ela intervém com aclamações que <strong>de</strong>monstram sua sintonia einserção no mistério celebra<strong>do</strong>.A assembléia já aclama no início mediante as respostas <strong>do</strong> diálogo invitatório.Após o prefácio, nova aclamação solene, o Sanctus, em comunhão com a Igreja celeste.Todavia, interessam-nos as aclamações anamnéticas que a assembléia profere após o relatoinstitucional e a proclamação presi<strong>de</strong>ncial “eis o mistério da fé”. O mistério da fé aquiproclama<strong>do</strong> não é simplesmente a presença sacramental <strong>de</strong> Cristo sobre o altar. É omistério pascal e a participação que nele tem a humanida<strong>de</strong> e to<strong>do</strong> o cosmos 91 .As aclamações anamnéticas não são fórmulas <strong>de</strong> louvor e a<strong>do</strong>ração a Jesussacramenta<strong>do</strong>. Elas são como que uma profissão <strong>de</strong> fé no mistério pascal da morte eressurreição <strong>de</strong> Jesus, <strong>do</strong> qual participamos graças <strong>ao</strong>s sinais sacramentais, e umreconhecimento da presença permanente <strong>do</strong> Cristo em sua Igreja mediante o sacrifícioeucarístico, enquanto se aguarda sua vinda <strong>de</strong>finitiva.O missal romano prevê três fórmulas <strong>de</strong> aclamação:1ª “Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição, vin<strong>de</strong>,Senhor Jesus!” 922ª “Todas as vezes que comemos <strong>de</strong>ste pão e bebemos <strong>de</strong>ste cálice anunciamos,Senhor, a vossa morte enquanto esperamos vossa vinda!”3ª “Salva<strong>do</strong>r <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, salvai-nos, vós que nos libertastes pela cruz eressurreição.”Assevera Cesare Girau<strong>do</strong> que as várias aclamações presentes na anáfora temuma dupla finalida<strong>de</strong>. São anamnéticas quan<strong>do</strong> dão à oração o ritmo laudativo, eepicléticas quan<strong>do</strong> acentuam um pedi<strong>do</strong> 93 . A partir disso, po<strong>de</strong>mos i<strong>de</strong>ntificar um limite naatual eucologia <strong>do</strong> missal romano. É próprio <strong>de</strong>ssas aclamações o caráter anamnético. Aterceira aclamação <strong>de</strong>stoa das <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à sua natureza epiclética num momento emque se <strong>de</strong>staca a anamnese.As aclamações anamnéticas têm a função <strong>de</strong> ressaltar a tensão escatológicapresente na celebração da eucaristia. Sem ela, haveria o risco <strong>de</strong> se induzir a assembléia auma compreensão errônea <strong>de</strong>ssa celebração. E tal possibilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> se concretizar <strong>de</strong>91 Cf. TABORDA, Esperan<strong>do</strong> sua vinda gloriosa, p. 10.92 A tradução brasileira <strong>do</strong> missal muda a conclusão da primeira aclamação, pois, on<strong>de</strong> o texto latino diz<strong>do</strong>nec venias (até que venhas), agora temos um vin<strong>de</strong>, Senhor Jesus.93 Cf. GIRAUDO, Num só Corpo, p. 412.


99vários mo<strong>do</strong>s. Ora uma excessiva fixação no aqui e agora <strong>do</strong> hoje histórico da Igreja, ora oaprisionamento no passa<strong>do</strong>, impedin<strong>do</strong> uma experiência atual <strong>do</strong> mistério da páscoa. Atensão escatológica abre a Igreja em oração para o futuro em Deus, <strong>de</strong>sinstala-a da tentação<strong>de</strong> se acomodar com o tempo presente e suas estruturas e configura-a como Igrejaperegrina rumo à Pátria Celeste.Com essa tríplice dimensão <strong>do</strong> tempo (passa<strong>do</strong>-presente-futuro) típica daeconomia sacramental, a eucaristia não é somente <strong>banquete</strong> comemorativo, mastambém antecipativo porque a páscoa <strong>do</strong> Senhor já é vitória segura sobre a mortee todas as potências adversas, já é libertação-reconciliação-unificação <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> emCristo 94 .A dimensão escatológica da eucaristia revela também a extensão cósmica dare<strong>de</strong>nção. Não só o homem, mas toda a criação participará <strong>de</strong>sta plenificação em Deus.Partin<strong>do</strong> das humil<strong>de</strong>s ofertas <strong>do</strong> pão e <strong>do</strong> vinho, “fruto da terra e <strong>do</strong> trabalho humano” 95 ,chegamos <strong>ao</strong> Cristo ressuscita<strong>do</strong> que to<strong>do</strong> o cosmos renova e vivifica com o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> seuEspírito.O momento da eucaristia é o ponto mais avança<strong>do</strong> em que a Igreja consegue játocar o futuro, para o qual ten<strong>de</strong>, enquanto suas energias são mobilizadas paraque o <strong>Reino</strong> chegue já agora na história 96 .A anamnese e as aclamações anamnéticas, mencionan<strong>do</strong> a segunda vinda <strong>de</strong>Cristo, nos recordam que também há uma memória <strong>do</strong> futuro 97 . Quan<strong>do</strong> há uma esperaconfiante, o futuro já se torna presente. Celebrar a espera é fazer a anamnese <strong>do</strong> que seaguarda. Enraizada no passa<strong>do</strong>, a comunida<strong>de</strong> celebrante faz <strong>do</strong> presente um abertura eacolhida para o futuro.A eucaristia é antecipação ou presença velada, mas real da vinda <strong>do</strong> Senhor. Aproclamação da vinda <strong>do</strong> Senhor na celebração eucarística se enraíza numa antiqüíssimatradição litúrgica. “Na Igreja antiga, o Maranatha era tão especificamente uma oraçãoeucarística – significan<strong>do</strong> ‘vem, Senhor’ e também ‘o Senhor vem’ – que o cristianismo foichama<strong>do</strong> <strong>de</strong> ‘religião <strong>do</strong> Maranatha’” 98 .As aclamações anamnéticas realçam que a eucaristia constitui a Igreja comopovo escatológico. É por isso que a assembléia anuncia a morte <strong>do</strong> Senhor até que elevenha (cf. 1Cor 11,26). No êxo<strong>do</strong> para o <strong>Reino</strong>, é o próprio Senhor que vem <strong>ao</strong> encontro94 CASTELLANO, DL, p. 414.95 Missal Romano, Preparação das Oferendas.96 CASTELLANO, DL, p. 414.97 Cf. SCHÖKEL, Luís Alonso. Meditações bíblicas sobre a eucaristia. São Paulo: Paulinas, 1988. p. 86-87.98 CLÉMENT, Olivier. Teologia, “maranatha”, notas sobre a eucaristia na Tradição orto<strong>do</strong>xa. In BROUARD,Maurice (org.). Eucharistia: enciclopédia da eucaristia. São Paulo: Paulus, 2006. p. 580.


100<strong>do</strong> seu povo, se oferece como alimento que o sustenta nessa peregrinação e impe<strong>de</strong> o seu<strong>de</strong>sfalecimento ante a ru<strong>de</strong>za <strong>do</strong> caminho. A vinda <strong>do</strong> Senhor foi pedida e agora,prosseguin<strong>do</strong> a caminhada para o <strong>Reino</strong>, é reconhecida e jubilosamente proclamada.O Esposo respon<strong>de</strong> <strong>ao</strong> Maranatha da Esposa; não obstante, ainda não é o tempo– não tempo – da comunhão ininterrupta. O Dia <strong>do</strong> Senhor – Yom Yahweh –soou; não obstante, ainda há outros dias da semana. Cristo ressuscitou, mas ahumanida<strong>de</strong> ainda está sujeita à morte. “Nossa vida está escondida com Cristoem Deus” (Cl 3,3). Assim, temos o <strong>de</strong>ver e a força <strong>de</strong> entrar na paixão cega dahistória com to<strong>do</strong> o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> ressurreição que a eucaristia nos dá. A fim <strong>de</strong> queum dia – o Dia – a Parusia “sob o véu <strong>do</strong> sacramento” se torne a Parusia “sem ovéu” <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> manifestamente presente, a fim <strong>de</strong> que um dia – o Dia sem ocaso– a comunhão <strong>do</strong>s santos (daqueles que comungam conscientemente das coisassantas), <strong>de</strong>senhan<strong>do</strong> o rosto <strong>de</strong> Cristo que está vin<strong>do</strong>, faça o mun<strong>do</strong> passar<strong>de</strong>finitivamente para o <strong>Reino</strong> 99 .f) EpicleseEm <strong>do</strong>is momentos, durante a anáfora, o presi<strong>de</strong>nte da celebração invoca oEspírito Santo. Esta invocação é o que nomeamos como epiclese.Epiclese é um substantivo grego que vem <strong>do</strong> verbo epikaleo, que significachamar, invocar. Invoca-se a Deus em or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> uma ação que supera a nossa capacida<strong>de</strong>e, por isso, compete a ele próprio 100 . A ação sagrada celebrada na Igreja exige uma vindaativa <strong>do</strong> Espírito Santo 101 . Tal invocação nos remete <strong>ao</strong> horizonte das gran<strong>de</strong>s intervençõesvivifica<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> Espírito na história da salvação: o seu pairar fecundante sobre as águasnos primórdios da criação (Gn 1,2), sua atuação sobre os profetas (Is 61,1; Ez 11,24), seuprotagonismo na restauração <strong>do</strong> povo eleito (Ez 37,1-11), a concepção virginal <strong>do</strong> Filho noventre <strong>de</strong> Maria (Lc 1,35), a unção <strong>de</strong>rramada sobre Jesus <strong>de</strong> Nazaré (Lc 4,18), o seu po<strong>de</strong>rna ressurreição <strong>do</strong> Senhor (Rm 1,4) e em Pentecostes (At 2), sua presença <strong>ao</strong> longo <strong>de</strong>toda a vida da Igreja.f. 1 A epiclese sobre as oblatasA inserção <strong>de</strong>ssa epiclese nas novas anáforas romanas <strong>de</strong>monstra a influênciasalutar <strong>do</strong> contato com a Tradição oriental. O rito romano possuía uma única anáfora, o99 CLÉMENT, Eucharistia, p. 581-582.100 Cf. SCHÖKEL, Meditações bíblicas, p. 65.101 Cf. CONGAR, Yves. O rio da vida corre no oci<strong>de</strong>nte e no oriente. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 329.


101cânon romano. Nesta anáfora, não se notava a presença <strong>de</strong> uma epiclese pneumatológicasobre as oblatas. “Sabemos que o Cânon Romano não comporta epiclese <strong>ao</strong> EspíritoSanto” 102 . Como resulta<strong>do</strong>, a proclamação orante da ação <strong>do</strong> Espírito Santo na eucaristiaficava quase que oculta. Por sua vez, as anáforas orientais <strong>de</strong>stacavam a atuação <strong>do</strong>Espírito Santo e possuíam essa epiclese cuida<strong>do</strong>samente elaborada. Nas novas anáforasromanas temos a superação <strong>de</strong>ste gran<strong>de</strong> limite <strong>do</strong> cânon romano. A epiclese volta a sergran<strong>de</strong>mente valorizada. “Por conseqüência, o papel ministerial <strong>do</strong> sacer<strong>do</strong>te recebe umaluz indireta; o acréscimo da epiclese evita o perigo <strong>de</strong> confusão entre o ministro e o autor<strong>do</strong>s sacramentos” 103 . Nessa primeira epiclese, invoca-se <strong>do</strong> Pai o envio <strong>do</strong> Espírito Santosobre os <strong>do</strong>ns <strong>do</strong> pão e <strong>do</strong> vinho ofereci<strong>do</strong>s sobre o altar. Assim compreen<strong>de</strong> a IGMR aepiclese sobre as oblatas:A epiclese, na qual a Igreja implora por meio <strong>de</strong> invocações especiais a força <strong>do</strong>Espírito Santo para que os <strong>do</strong>ns ofereci<strong>do</strong>s pelo ser humano sejam consagra<strong>do</strong>s,isto é, se tornem Corpo e Sangue <strong>de</strong> Cristo, e que a hóstia imaculada se tornesalvação daqueles que vão recebê-la em Comunhão (IGMR 79c).Convém ressaltar a concentração trinitária presente na epiclese sobre as oblatasdas novas anáforas romanas: pedimos <strong>ao</strong> Pai que envie o Espírito Santo para que tornepresente o Filho. Antes <strong>de</strong>sta invocação, fora proclama<strong>do</strong> o Sanctus pela assembléia e, namaioria das atuais anáforas, há prolongamento <strong>de</strong>ste no pós-sanctus. Agora, atravésdaquele que presi<strong>de</strong> a liturgia, pe<strong>de</strong>-se que esta santida<strong>de</strong> se manifeste santifican<strong>do</strong> asoblatas 104 .É o que po<strong>de</strong>mos constatar, por exemplo, na oração eucarística II:Na verda<strong>de</strong>, ó Pai, vós sois Santo e fonte <strong>de</strong> toda a santida<strong>de</strong>. Santificai, pois,estas oferendas, <strong>de</strong>rraman<strong>do</strong> sobre elas o vosso Espírito, a fim <strong>de</strong> que se tornempara nós o Corpo e o Sangue <strong>de</strong> Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso.E na oração eucarística III:Por isso nós vos suplicamos (ó Pai): santificai pelo Espírito Santo as oferendasque vos apresentamos para serem consagradas, a fim <strong>de</strong> que se tornem o Corpo eo Sangue <strong>de</strong> Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor Nosso, que nos man<strong>do</strong>u celebrareste mistério.Todavia, é na epiclese da oração eucarística IV que aparece com maior clarezaa dimensão escatológica. A característica mais evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ssa anáfora é a referência globalà história da salvação: da criação à plenitu<strong>de</strong> escatológica. Sua composição inspirou-se na102 CONGAR, O rio da vida, p. 329.103 DE CLERK, Paul. A celebração da eucaristia: seu senti<strong>do</strong> e sua dinâmica. In BROUARD, Maurice.Eucharistia, p. 449.104 Cf. SCHÖKEL, Meditações bíblicas, p. 69.


102eucologia oriental e gerou um texto <strong>de</strong> acentua<strong>do</strong> caráter bíblico, <strong>de</strong>nso conteú<strong>do</strong> teológicoe linguagem clara e solene. Nela notamos a contemplação admirativa das gran<strong>de</strong>zas emaravilhas divinas, o que confere às realida<strong>de</strong>s terrenas uma valoração otimista e <strong>de</strong>spertaum vivo <strong>de</strong>sejo da plenitu<strong>de</strong> futura 105 .A compreensão <strong>do</strong> elemento escatológico na epiclese sobre os <strong>do</strong>ns pe<strong>de</strong> quei<strong>de</strong>ntifiquemos a articulação <strong>de</strong>sta com o pós-sanctus. Esta articulação é perceptível nasúltimas frases <strong>do</strong> pós-sanctus. Nelas, <strong>ao</strong> se proclamar a ação salvífica <strong>do</strong> Espírito Santo,faz-se a transição para a epiclese sobre as oblatas. O Espírito, que atua em toda a históriada salvação e conduz à plenitu<strong>de</strong> a obra divina, agora é invoca<strong>do</strong> sobre as oblatasoferecidas sobre o altar.E a fim <strong>de</strong> não vivermos para nós, mas para ele, que por nós morreu eressuscitou, enviou <strong>de</strong> vós, ó Pai, o Espírito Santo, como primeiro <strong>do</strong>m <strong>ao</strong>svossos fiéis para santificar todas as coisas, levan<strong>do</strong> à plenitu<strong>de</strong> a sua obra.Expressão privilegiada da ação <strong>do</strong> Espírito Santo na vida <strong>do</strong>s discípulos <strong>de</strong>Cristo é fazê-los viver para Cristo. O viver para Cristo supõe um profun<strong>do</strong> e radicalmovimento <strong>de</strong> conversão. Trata-se <strong>de</strong> experimentar, mediante a graça <strong>do</strong> Espírito Santo, alibertação das amarras tecidas pela condição <strong>de</strong> peca<strong>do</strong>. A vida pecaminosa aprisiona ohomem <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s limites <strong>do</strong> seu egoísmo: é o viver para si. E, viven<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta forma,rompe-se a comunhão com Deus, com os semelhantes e com toda a criação. É próprio <strong>do</strong>Espírito Santo libertar o homem <strong>de</strong> si mesmo e fazê-lo viver para Deus. A vida em Deus éa divinização <strong>do</strong> ser humano. Esta divinização já começa aqui, neste tempo <strong>de</strong>peregrinação, através da conversão e da santificação e será culminada na glória.O Espírito Santo é o gran<strong>de</strong> <strong>do</strong>m, presente e operante no cristão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> obatismo, juntamente com o Pai e o Filho. Mas não olvi<strong>de</strong>mos que sua atuação e presençasão contínuas e universais. Não existe nenhum aspecto particular da existência humana oucriação como um to<strong>do</strong> que não possa ser toca<strong>do</strong> pelo agir salvífico <strong>do</strong> Espírito Santo.Particularmente intensa é a atuação <strong>do</strong> Espírito na existência cristã. À medida que a vidacristã se <strong>de</strong>senvolve, essa atuação se torna mais profunda e explícita. O Espírito Santocapacita gradualmente, isto é, historicamente a pessoa humana para acolher o <strong>do</strong>m dasalvação, manifesta<strong>do</strong> em Cristo morto e ressuscita<strong>do</strong>, e correspon<strong>de</strong>r a ele por uma a<strong>de</strong>sãona fé e no amor. Por esse motivo, o Espírito Santo perpassa e sustenta to<strong>do</strong> o viver emCristo. Está logo no início da vida nova. É o “primeiro <strong>do</strong>m envia<strong>do</strong> <strong>ao</strong>s vossos fiéis”.105 Cf. RAFFA, Liturgia eucaristica, p. 625-626.


103Acompanha-os em seu peregrinar neste mun<strong>do</strong> a fim <strong>de</strong> “santificar todas as coisas”. E é oartífice da consumação escatológica, pois leva à plenitu<strong>de</strong> a obra divina.O Espírito po<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iramente ser chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> cria<strong>do</strong>r. Foi pelo Espírito queDeus tu<strong>do</strong> criou. Sua presença marcou a origem da antiga criação. <strong>Da</strong> mesma forma estáno princípio da nova criação. Na Igreja <strong>do</strong> Oriente, a celebração <strong>de</strong> Pentecostes proclamaa renovação da criação inteira pelo Espírito. O próprio Pentecostes é uma nova criação: porele o paraíso entrou novamente neste mun<strong>do</strong>. A celebração da epifania possui uma “gran<strong>de</strong>bênção das águas”, <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> profun<strong>do</strong> senti<strong>do</strong> escatológico. O Espírito novamente pairasobre as águas (as <strong>do</strong> batismo) e por elas inicia a restauração <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o cosmos 106 .O Espírito Santo é envia<strong>do</strong> <strong>ao</strong> universo inteiro e transforma-o <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a criação.Leva-o até a ressurreição final. Des<strong>de</strong> já constitui penhor <strong>de</strong>sta ressurreição. Jáintroduz no mun<strong>do</strong> o fermento <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus. Já está inauguran<strong>do</strong> a novacriação e os esforços humanos para melhorar o universo não se exercem sem amoção <strong>do</strong> Espírito 107 .A conclusão <strong>do</strong> pós-sanctus da oração eucarística IV nos oferece odirecionamento escatológico não só da epiclese sobre as oblatas, mas <strong>de</strong> toda a secçãoepiclética <strong>de</strong>ssa anáfora. Esse direcionamento escatológico se articula em <strong>do</strong>is níveisprincipais. O primeiro é o nível soteriológico: é para vivermos não mais para nós mesmos,mas para Deus que nos é envia<strong>do</strong> o Espírito Santo. Aqui notamos a clara referência paulinaneste texto litúrgico (cf. 2Cor 5,15). Na Carta <strong>ao</strong>s Romanos, a reflexão sobre o viver paraDeus é precedida pela apresentação da motivação escatológica da obediência cristã (cf. Rm13,11-14) 108 . Viver para o Senhor é viver em obediência a ele. O Espírito dispõe e educa ohomem na obediência a Deus e esta gera unida<strong>de</strong> e comunhão. O <strong>do</strong>m <strong>do</strong> Espírito só éacessível à humanida<strong>de</strong> por causa <strong>do</strong> mistério pascal <strong>de</strong> Cristo. É pelo <strong>do</strong>m <strong>do</strong> Espírito quea soberania <strong>de</strong> Cristo se realiza plenamente no fiel.O segun<strong>do</strong> nível é o da plenitu<strong>de</strong> escatológica <strong>do</strong> cosmos ou da soberaniacósmica <strong>de</strong> Cristo. O Espírito é envia<strong>do</strong> não só em favor da humanida<strong>de</strong>, mas “parasantificar todas as coisas, levan<strong>do</strong> à plenitu<strong>de</strong> a sua obra”. Conseqüentemente, a atuação <strong>do</strong>Espírito acontece em toda a criação, pois nela está situa<strong>do</strong> o ser humano. A criação inteirageme e sofre e, com impaciente expectativa, aguarda a manifestação escatológica <strong>do</strong>sfilhos <strong>de</strong> Deus e a instauração <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Cristo (cf. Rm 8,19-22).106 Cf. MEYENDORFF, John. Initiation à la theologie byzantine. Paris: Cerf, 1975. p. 227-230.107 COMBLIN, José. O Espírito Santo e a libertação. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 101.108 Cf. CRANFELD, C. B. A Carta <strong>ao</strong>s Romanos. São Paulo: Paulinas, 1992. p. 308-313.


104A epiclese da oração eucarística IV insere-se <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa visão cósmica quecontempla a recapitulação <strong>de</strong> todas as coisas em Cristo. Nele a realida<strong>de</strong>, libertada <strong>do</strong>peca<strong>do</strong> e da morte, será unificada e glorificada no Ressuscita<strong>do</strong>. Por essa razão, essaanáfora pe<strong>de</strong> que “o mesmo Espírito santifique estas oferendas a fim <strong>de</strong> que se tornem oCorpo e o Sangue <strong>de</strong> Jesus Cristo, vosso Filho e Nosso Senhor”. O mesmo Espírito que jácomeçou a realizar na história a reunificação cósmica é agora invoca<strong>do</strong> sobre as oferendas<strong>do</strong> pão e <strong>do</strong> vinho.Fundamento e antecipação da esperança na ressurreição final e na renovação <strong>do</strong>cosmo continua sen<strong>do</strong> sempre o mistério da eucaristia, “remédio <strong>de</strong>imortalida<strong>de</strong>”, e “semente <strong>de</strong> incorrupção” para o cristão; mas também “páscoainicial <strong>do</strong> universo” pela transformação <strong>do</strong> pão e <strong>do</strong> vinho no corpo e sangue <strong>do</strong>Senhor 109 .Ao <strong>de</strong>stacar a epiclese sobre as oferendas da Oração Eucarística IV, situan<strong>do</strong>-ano contexto forma<strong>do</strong> pelo pós-sanctus, ressaltamos a sua dimensão escatológica. Suasingularida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong> na proclamação mais ampla da ação salvífica <strong>do</strong> Espírito. O EspíritoSanto é o artífice da plenitu<strong>de</strong> escatológica. Pela atuação eficaz <strong>do</strong> Paráclito, a celebraçãoeucarística nos insere vitalmente na história da salvação. O Espírito não permite quesejamos reduzi<strong>do</strong>s à condição <strong>de</strong> expecta<strong>do</strong>res passivos <strong>de</strong> um acontecimento grandioso,porém distante <strong>de</strong> nós. Ele nos converte em verda<strong>de</strong>iros protagonistas da história salvífica,em virtu<strong>de</strong> da nossa comunhão em Cristo. A leitura escatológica da epiclese revela aeucaristia como sacramento da transfiguração <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.Na eucaristia é importante a transformação não só das coisas, mas também daspessoas, pois a transfiguração <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> ocorre, à medida que o homem se vaiconverten<strong>do</strong> e transfiguran<strong>do</strong> ele mesmo, e em conseqüência vai utilizan<strong>do</strong> <strong>de</strong>forma nova os <strong>do</strong>ns da criação. Pois, se foi o homem que as submeteu à vaida<strong>de</strong><strong>do</strong> peca<strong>do</strong> e “à servidão da corrupção”, serão libertadas à medida que participemda liberda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s filhos <strong>de</strong> Deus . A eucaristia tem, pois, muito que ver com atransição <strong>do</strong> “homem velho” <strong>ao</strong> “homem novo” (cf. Rm 6,4-6; Ef 2,15; 4,22-24;Cl 3,9-10), assim como a passagem da antiga para a nova criação (cf. 2Cor 5,17;Gl 6,15; 2Pd 3,13) 110 .f. 2 A epiclese sobre os comungantesNum segun<strong>do</strong> momento, o Espírito Santo é invoca<strong>do</strong> sobre a assembléia. Aepiclese é na verda<strong>de</strong> um único pedi<strong>do</strong> que se bifurca em vista das oblatas e da assembléia109 CASTELLANO, DL, p. 358.110 GESTEIRA, Manuel. Eucaristia. In RODRÍGUEZ, Angel Aparício; CASAS, Joan Canals. Dicionárioteológico da vida consagrada. São Paulo: Paulus. 1994. p. 408.


105celebrante. Sobre ambos se invoca a presença e atuação santifica<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> Espírito para umatransformação substancial.A epiclese sobre os comungantes nos revela que a transformação que ocorre nacelebração eucarística não é só a <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ns <strong>do</strong> pão e <strong>do</strong> vinho. É também transformação dacomunida<strong>de</strong> orante e das pessoas que a constituem. Concretamente a segunda epicleseconsiste na invocação <strong>do</strong> Espírito Santo sobre a comunida<strong>de</strong> que vai participar dacomunhão no corpo e sangue <strong>do</strong> Senhor. Por isso também se chama “epiclese para acomunhão” 111 .Na epiclese sobre os comungantes, manifesta-se, com máxima clareza, adimensão escatológica da oração eucarística. Cesare Girau<strong>do</strong> acertadamente nomeia-acomo epiclese para a transformação escatológica <strong>do</strong>s comungantes.A teologia eucarística <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> milênio, por causa da série <strong>de</strong> polêmicasacerca da presença real, centrou sua atenção não tanto na epiclese sobre as oblatas, mas norelato institucional, privilegian<strong>do</strong> as célebres “palavras da consagração”. Assim ficaramna sombra as duas epicleses e a teologia vigente quase ignorou a assembléia eclesial comotermo <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> epiclético.O movimento <strong>de</strong> “volta às fontes”, com a conseqüente valorização da Bíblia eda tradição judaica, o encontro com a literatura patrística e a rica sacramentologia <strong>do</strong>primeiro milênio não <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> impactar fortemente a teologia eucarística.Re<strong>de</strong>scobriu-se que o termo último da epiclese não é a transformação dasoblatas em Corpo e Sangue <strong>do</strong> Senhor. A análise mais atenta da lex orandi revela que essenão é um pedi<strong>do</strong> autônomo da súplica eucarística. Antes <strong>de</strong>monstra que a epiclese sobre asoblatas está formalmente direcionada para a transformação <strong>do</strong>s comungantes em Corpoeclesial <strong>de</strong> Cristo. Assim a súplica pela transformação num só corpo po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>radacomo o pedi<strong>do</strong> fundamental da oração eucarística.Como se vê tocamos o nó <strong>de</strong> toda a teologia eucarística. O magistério autoriza<strong>do</strong>da “lex orandi” não só põe em relação <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência dinâmica os <strong>do</strong>iscorpos <strong>de</strong> Cristo, mas nem sequer teme subordinar o corpo sacramental <strong>ao</strong> corpoeclesial. Com efeito, é em função <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> que o primeiro nos foi da<strong>do</strong>, paraque pudéssemos caminhar diligentemente rumo à estatura que convém à plenamaturida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cristo (cf. Ef 4,12-13) 112 .111 Cf. GIL SOUSA, José Antônio. Espírito Santo y eucaristia. Auriensia, Ourense, n. 9, p. 53, 2006.112 GIRAUDO, Num só corpo, p. 318.


106Dessa forma o pedi<strong>do</strong> pela transformação <strong>do</strong>s comungantes em corpoescatológico atrai o pedi<strong>do</strong> pela transformação substancial das oblatas em corposacramental 113 .Ressalta Cesare Girau<strong>do</strong> que é justamente o pedi<strong>do</strong> escatológico a situaçãoexistencial-teológica, o Sitz im Leben <strong>de</strong> toda a celebração eucarística. Tal Sitz im Leben<strong>de</strong>ve ser compreendi<strong>do</strong> como Sitz im To<strong>de</strong>, ou seja, situação <strong>de</strong> morte manifestada comorealida<strong>de</strong> marcada pelo rompimento relacional com Deus e suas nefastas conseqüências. Aprofunda divisão que a pessoa humana, a socieda<strong>de</strong> e o cosmos <strong>do</strong>lorosamenteexperimentam impele-os a celebrar a eucaristia. Na celebração eucarística, busca-se arestauração <strong>do</strong> vínculo relacional como recondução <strong>do</strong> homem e da criação à unida<strong>de</strong> 114 .É a consciência da nossa dispersão teológica o verda<strong>de</strong>iro móvel que nosconstitui em assembléia eucarística para nos permitir pedir <strong>de</strong> Deus Pai, por umainjunção suplicante, que nos reúna escatologicamente no único corpo eclesial porforça <strong>de</strong> nossa comunhão no único corpo sacramental 115 .Ser transforma<strong>do</strong> num só corpo significa em primeiro lugar a eliminação <strong>de</strong>to<strong>do</strong>s os componentes a-relacionais introduzi<strong>do</strong>s na vida humana pelo peca<strong>do</strong>. Significatambém ingressar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já na socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s santos, mas sem evadir-se da socieda<strong>de</strong> <strong>do</strong>speca<strong>do</strong>res que, atualmente, é a nossa socieda<strong>de</strong> necessitada <strong>de</strong> re<strong>de</strong>nção. É também entrarlá on<strong>de</strong> tu<strong>do</strong> é relação, ou seja, o paraíso escatológico ofereci<strong>do</strong> a Adão tão logo saiu <strong>do</strong>paraíso terrestre. Significa caminhar <strong>ao</strong> la<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse primeiro pai rumo <strong>ao</strong> ingresso <strong>de</strong>finitivono <strong>Reino</strong>. Enfim, significa tu<strong>do</strong> o que pedimos na eucologia eucarística sob os nomes <strong>de</strong>reconciliação e remissão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s.Essa transformação da assembléia em corpo eclesial <strong>de</strong> Cristo pela força <strong>do</strong>Espírito é um pedi<strong>do</strong> encontra<strong>do</strong> nas anáforas mais antigas. De fato, as anáforas <strong>de</strong> Adai eMari e da Tradição Apostólica, que são bem anteriores às controvérsias cristológicas etrinitárias <strong>do</strong>s séculos IV e V, apenas alu<strong>de</strong>m à obra <strong>do</strong> Espírito Santo em relação àsoblatas, mas explicitam e ampliam a função <strong>do</strong> Espírito em função da assembléia. Isto,como já notamos, equivale afirmar que a transformação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ns tem como finalida<strong>de</strong>principal a transformação <strong>do</strong>s fiéis que participam da assembléia eucarística. O efeito mais<strong>de</strong>staca<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta transformação <strong>do</strong>s comungantes é a unida<strong>de</strong> no mesmo corpo eclesial 116 .Assim na anáfora <strong>de</strong> Adai e Mari encontramos a seguinte epiclese:113 Cf. GIRAUDO, Num só corpo, p. 307.114 Cf. GIRAUDO, Num só corpo, p. 308.115 GIRAUDO, Num só corpo, p. 308.116 Cf. GIL SOUSA, Espírito Santo y eucaristía, p. 53.


107Venha, Senhor, o teu Espírito Santo a fim <strong>de</strong> que seja para nós, Senhor, para aexpiação das dívidas e para a remissão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s e para a gran<strong>de</strong> esperança daressurreição <strong>do</strong>s mortos e para a vida nova no reino <strong>do</strong>s céus com to<strong>do</strong>s os queforam agradáveis a ti 117 .E na anáfora da Tradição Apostólica:E te pedimos que envies o teu Espírito Santo [para que], congregan<strong>do</strong>-a em umsó [corpo], dês a to<strong>do</strong>s os que participam <strong>do</strong>s santos [mistérios], serem repletos<strong>do</strong> Espírito Santo, para a confirmação da fé na verda<strong>de</strong> 118 .As novas anáforas <strong>do</strong> missal romano, em sintonia com a Tradição litúrgica daIgreja, enfatizam claramente o pedi<strong>do</strong> pela conversão da assembléia cultual num só corpo:“sejamos reuni<strong>do</strong>s pelo Espírito Santo num só corpo” (oração eucarística II), “conce<strong>de</strong>ique sejamos repletos <strong>do</strong> Espírito Santo e nos tornemos em Cristo um só corpo e um sóEspírito” (oração eucarística III), “reuni<strong>do</strong>s pelo Espírito Santo num só corpo” (oraçãoeucarística IV), “o Espírito nos una num só corpo para sermos um só povo em seu amor”(oração eucarística V), “sejamos conta<strong>do</strong>s entre os membros <strong>do</strong> vosso Filho, cujo corpo esangue comungamos” (orações eucarísticas para diversas circunstâncias).Expressa muito claramente o senti<strong>do</strong> profun<strong>do</strong> da epiclese sobre oscomungantes a eucologia das orações eucarísticas sobre a reconciliação:Olhai com amor, Pai misericordioso, aqueles que atraís para vós, fazen<strong>do</strong>-osparticipar no único sacrifício <strong>do</strong> Cristo. Pela força <strong>do</strong> vosso Espírito Santo to<strong>do</strong>sse tornem um só corpo bem uni<strong>do</strong> no qual todas as divisões sejam superadas.(Oração eucarística sobre reconciliação I)Nós vos pedimos, ó Pai, aceitai-nos com o vosso Filho e nesta ceia, dai-nos omesmo Espírito <strong>de</strong> reconciliação e <strong>de</strong> paz (Oração eucarística sobre reconciliaçãoII).É a presença <strong>do</strong> Espírito Santo que torna possível ser em Cristo um só corpo eum só espírito. Pe<strong>de</strong>-se <strong>ao</strong> Espírito que congregue na unida<strong>de</strong> os que vão participar dacomunhão eucarística, fonte <strong>de</strong> autêntica fraternida<strong>de</strong>. A força <strong>do</strong> Espírito Santo <strong>de</strong>stróitoda divisão naqueles que verda<strong>de</strong>iramente participam <strong>do</strong> único sacrifício <strong>de</strong> Cristo. Pe<strong>de</strong>se<strong>ao</strong> Pai que, por meio <strong>do</strong> Espírito, conceda à comunida<strong>de</strong> que celebra o mistério pascal<strong>de</strong> Cristo os frutos eminentes <strong>de</strong>sse sacramento: o amor, a vida e a unida<strong>de</strong>.É no dinamismo <strong>do</strong> Espírito que se realiza o fim da celebração eucarística: anossa “transubstanciação” no corpo místico da Igreja 119 .117 Cf. GIRAUDO, Num só corpo, p. 342.118 Cf. GIRAUDO, Num só corpo, p. 271.119 Cf. GIRAUDO, Num só corpo, p. 312.


108g) As intercessõesCaráter geral das intercessõesUm gran<strong>de</strong> e único pedi<strong>do</strong> atravessa toda a anáfora. É a invocação <strong>ao</strong> EspíritoSanto sobre as oblatas e sobre os comungantes a fim <strong>de</strong> que sejam converti<strong>do</strong>s em corposacramental e em corpo eclesial <strong>de</strong> Cristo.Após a súplica pela transformação escatológica num só corpo, temos oprolongamento <strong>de</strong>sse mesmo pedi<strong>do</strong> sob a forma <strong>de</strong> intercessões. A função dasintercessões é ampliar o que se pe<strong>de</strong> na epiclese em vista <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os outros membros daIgreja.O motivo da ampliação <strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> que em toda a celebraçãoeucarística está envolvida a Igreja inteira. To<strong>do</strong>s os segmentos da Igreja (daIgreja hierárquica à Igreja que vive na cotidianida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, à Igrejapa<strong>de</strong>cente, à Igreja triunfante) <strong>de</strong>verão ser menciona<strong>do</strong>s para que cada grupo ecada indivíduo tenha sua parte no processo <strong>de</strong> nossa sempre ulteriortransformação no corpo <strong>de</strong> Cristo 120 .O próprio missal romano interpreta as intercessões como expressão <strong>de</strong> que aeucaristia é celebrada em comunhão com toda a Igreja, tanto celeste como terrestre. Aoblação eucarística é oferecida por ela e por to<strong>do</strong>s os seus membros vivos e <strong>de</strong>funtos,chama<strong>do</strong>s a participar da re<strong>de</strong>nção e da salvação obtidas pela oblação <strong>do</strong> corpo e sangue <strong>de</strong>Cristo (cf. IGMR 79 g).O que se suplica nas intercessões, como fundamento <strong>de</strong> quaisquer outrospedi<strong>do</strong>s, é o efeito por excelência da eucaristia: a transformação escatológica num só corpoeclesial.Qualifican<strong>do</strong> como “escatológica” a transformação pedida, queremos sublinharque nossa inserção no processo <strong>de</strong> crescimento eclesial se realiza segun<strong>do</strong> osritmos <strong>de</strong> uma transformação “já” ocorrida e “ainda não” perfeitamente levada atermo. Ora, essa transformação acontece precisamente <strong>ao</strong> ritmo <strong>de</strong> nossascelebrações eucarísticas e <strong>de</strong> nossas comunhões sacramentais 121 .É muito oportuno esse aclaramento quanto à qualificação <strong>do</strong> termo“escatológica”, pois repele o equívoco <strong>de</strong> se aguardar passivamente uma transformaçãofutura que se imporá, como que por um efeito mágico imediato, sobre o homem e a toda acriação. Essa transformação escatológica, inserida na lógica <strong>do</strong> “já” e <strong>do</strong> “ainda não” geragratidão e esperança quanto <strong>ao</strong> futuro. Ao mesmo tempo, interpela fortemente os120 GIRAUDO, Re<strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong>, p. 51-52.121 GIRAUDO, Re<strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong>, p. 52.


109comungantes a se comprometerem com a busca da maturida<strong>de</strong> em Cristo: maturida<strong>de</strong> que émeta não só para o cristão individual, mas para to<strong>do</strong> o corpo eclesial.O processo histórico durante o qual transcorre a transformação escatológicapossui os necessários <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos éticos, sociais e conjunturais que <strong>de</strong>vem humanizarpessoas, relações e estruturas. A ausência <strong>de</strong>sses sinais <strong>de</strong>nuncia uma concepção <strong>de</strong>turpadada eucaristia, o risco <strong>de</strong> profanação <strong>de</strong>sse mistério e uma comunhão que acaba se tornan<strong>do</strong>causa <strong>de</strong> juízo e con<strong>de</strong>nação (cf. 1Cor 11,29).Com efeito, a transformação “num só corpo”, que a epiclese suplica e asintercessões prolongam e ampliam, é vertical e horizontal <strong>ao</strong> mesmo tempo. Adimensão vertical, nosso direcionamento e atenção a Deus, encontra a suaverificação natural na dimensão horizontal, em nosso direcionamento e atençãoàqueles <strong>de</strong> quem <strong>de</strong>vemos fazer-nos próximos 122 .As intercessões à luz da significação <strong>do</strong> termo “corpo <strong>de</strong> Cristo”As intercessões das novas anáforas romanas oferecem a oportunida<strong>de</strong> paraaprofundarmos o significa<strong>do</strong> da súplica pela transformação da assembléia celebrante emcorpo eclesial <strong>de</strong> Cristo. É um pedi<strong>do</strong> situa<strong>do</strong> no contexto da ceia eucarística e é a partir<strong>de</strong>sse contexto que vamos compreendê-lo.A ceia eucarística teve um papel relevante na vida <strong>de</strong> Jesus e da comunida<strong>de</strong>cristã pós-pascal. A celebração da eucaristia tinha a função <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar e manifestar <strong>ao</strong>mun<strong>do</strong> o Povo <strong>de</strong> Deus escatológico. Já no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> sua missão Jesus fez da ceia umsinal <strong>do</strong>s novos tempos que inaugurava 123 . À sua <strong>mesa</strong>, além <strong>do</strong>s discípulos, sentavam-setambém os peca<strong>do</strong>res. Essa comensalida<strong>de</strong> aberta e inclusiva relacionava-se diretamentecom a pregação <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> escatológico. Na plenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong>s tempos, o amor e a misericórdia<strong>de</strong> Deus são ofereci<strong>do</strong>s com tal gratuida<strong>de</strong> que os pobres e excluí<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>m sentar-se à<strong>mesa</strong> <strong>do</strong> Messias (cf. Mt 9,9-13; Lc 15,1-2; 19,1-10). Na última ceia, Jesus reúne os Doze epartilha com eles o pão e o vinho, sinais <strong>do</strong> seu corpo entregue e <strong>do</strong> seu sangue <strong>de</strong>rrama<strong>do</strong>.Inicia-se a partir <strong>de</strong>les o povo da nova aliança. Verda<strong>de</strong>iramente é este o povoescatológico. A nova aliança configura os seus membros a Cristo e os capacita a celebrarantecipadamente a comunhão <strong>de</strong> <strong>mesa</strong> própria <strong>do</strong> reino <strong>de</strong>finitivo.Após o evento pascal, a ceia eucarística apresenta-se como lugar <strong>de</strong>cisivo daautomanifestação <strong>do</strong> Ressuscita<strong>do</strong> (cf. Lc 24,29-34; 36-49; Jo 20,19-26). A comunhão <strong>de</strong><strong>mesa</strong> prometida na última ceia é uma realida<strong>de</strong> na ceia com o Ressuscita<strong>do</strong> (cf. Mc 14,22-122 GIRAUDO, Num só corpo, p. 566.123 Cf. KEHL, Medard. A Igreja: uma eclesiologia católica. São Paulo: Loyola, 1997. p. 258-259.


11025). Por essa, razão a comunida<strong>de</strong> cristã primitiva, mesmo pa<strong>de</strong>cen<strong>do</strong> perseguições etensões internas, celebrava com júbilo a eucaristia, pois acreditava que o tempoescatológico já havia irrompi<strong>do</strong> e a parusia estava próxima. É <strong>de</strong>ssa celebração, presididapelo Ressuscita<strong>do</strong>, que a Igreja recebe a sua configuração distintiva <strong>de</strong> ekklesia <strong>de</strong> Cristo:povo escatológico que comunga o corpo sacramental e se converte em corpo eclesial <strong>de</strong>Cristo.O termo bíblico fundamental “corpo <strong>de</strong> Cristo” é característico <strong>do</strong> vocabuláriopaulino 124 . Em Paulo, “corpo <strong>de</strong> Cristo” refere-se à comunida<strong>de</strong> cristã local, sem per<strong>de</strong>r <strong>de</strong>vista a comunhão universal <strong>de</strong> todas as Igrejas. Esse da<strong>do</strong> é ilumina<strong>do</strong>r para a compreensãodas intercessões da anáfora. As intercessões são o ponto <strong>de</strong> enraizamento na realida<strong>de</strong>concreta da assembléia celebrante. Por sua vez, a teologia paulina, partin<strong>do</strong> da comunida<strong>de</strong>cristã situada, amplia o significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> termo corpo <strong>de</strong> Cristo a partir <strong>de</strong> três níveis <strong>de</strong>significação 125 . O primeiro é o nível soteriológico on<strong>de</strong> corpo <strong>de</strong> Cristo refere-se <strong>ao</strong>próprio Cristo no mistério <strong>de</strong> sua entrega por nós. O segun<strong>do</strong> nível é o eucarísticosacramental.Na celebração eucarística, os fiéis se apropriam da reconciliação e da unida<strong>de</strong>em Cristo <strong>ao</strong> receberem o <strong>do</strong>m <strong>do</strong> único pão e <strong>do</strong> mesmo cálice. O terceiro nível é oeclesiológico. O batismo no único Espírito e a comunhão na mesma eucaristia inserem osfiéis na unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> corpo eclesial.Paulo enten<strong>de</strong> o conceito eclesiológico <strong>de</strong> “corpo” em íntima conexão comCristo. O corpo não é apenas a simples imagem ou metáfora da paz e da harmonia na vidaeclesial. É a realida<strong>de</strong> estabelecida pelo Espírito Santo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Batismo. Na eucaristia, essaunida<strong>de</strong> real assume uma expressão singular: a comunida<strong>de</strong>, comen<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo pão ebeben<strong>do</strong> <strong>do</strong> mesmo cálice, torna-se um com o Cristo. A unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> corpo <strong>de</strong> Cristo não<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> primariamente <strong>do</strong>s fiéis individuais. Ela já existe como pré-condição dada porCristo e pelo Espírito <strong>ao</strong>s fiéis 126 . <strong>Da</strong>í a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não apenas pedir, mas assumir oque se suplica numa das aclamações da oração eucarística: “fazei <strong>de</strong> nós um só corpo e umsó espírito”.Reconciliação e unida<strong>de</strong>: eixos das intercessões124 Cf. CERFEAUX, L. Cristo na teologia <strong>de</strong> Paulo. São Paulo: Paulus/teológica, 2003. p. 275-277; DUNN,James D. G. A teologia <strong>do</strong> Apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003. p. 619-633.125 Cf. ANTÓN, Angel. La Iglesia <strong>de</strong> Cristo. Madrid: BAC, 1977. p. 553-569; KEHL, A Igreja, p. 262.126 Cf. KEHL, A Igreja, p. 263.


111É pela mediação da Igreja que os <strong>do</strong>ns da unida<strong>de</strong> e da reconciliação chegam atoda a humanida<strong>de</strong>. Deus, através da Igreja, comunica a plenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> seu amorreconcilia<strong>do</strong>r em Cristo. A própria Igreja é uma manifestação da vonta<strong>de</strong> reconcilia<strong>do</strong>ra <strong>de</strong>Deus. Mediante o serviço da Igreja, Deus quer atingir a existência humana e, através <strong>de</strong>la,to<strong>do</strong> o cosmos, realizan<strong>do</strong> assim a soberania <strong>de</strong> Cristo <strong>do</strong> qual ela é corpo. Num mun<strong>do</strong>marca<strong>do</strong> pelo peca<strong>do</strong> e pela divisão, a soberania <strong>de</strong> Cristo se concretiza na reconciliação ena unida<strong>de</strong>. É nessa vocação que está o significa<strong>do</strong> mais radical da Igreja enquanto corpo<strong>de</strong> Cristo: ser sinal da vonta<strong>de</strong> reconcilia<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> Deus e eficaz instrumento da unida<strong>de</strong>.A eucaristia como sinal prognóstico principal anuncia, para além da história, areconciliação plena <strong>de</strong> todas as pessoas, <strong>do</strong> cosmos. . A eucaristia anuncia umaIgreja cuja missão é a reconciliação. A reconciliação, que se realizou nacelebração, prolonga-se na vida <strong>do</strong>s fiéis como reconcilia<strong>do</strong>s. Eles se tornamnova criatura, <strong>ao</strong> ser um em Cristo, <strong>ao</strong> viver como Cristo, <strong>ao</strong> estar em íntimaunião com ele, <strong>ao</strong> habitar a nova esfera da vida <strong>do</strong> Espírito e sob sua ação 127 .Esta vocação profunda da Igreja está claramente expressa na intercessão d<strong>ao</strong>ração eucarística para diversas circunstâncias VI A:Renovai, Senhor, à luz <strong>do</strong> Evangelho, a vossa Igreja que está em N. Fortalecei ovínculo da unida<strong>de</strong> entre os fiéis leigos e pastores <strong>do</strong> vosso povo, em comunhãocom o nosso Papa N. e o nosso Bispo N. e os bispos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> inteiro, para queo vosso povo, neste mun<strong>do</strong> dilacera<strong>do</strong> por discórdias, brilhe como sinal profético<strong>de</strong> unida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> paz.As intercessões, <strong>ao</strong> suplicarem a unida<strong>de</strong> e a reconciliação, conduzem também<strong>ao</strong> compromisso em vista <strong>do</strong> serviço em favor <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Não só o anúncio e otestemunho, mas particularmente o serviço a exemplo <strong>de</strong> Cristo promove a reconciliação ea unida<strong>de</strong>. Também sob esta perspectiva, a eucaristia revela-se como sinal <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong>Deus: um sinal eminentemente escatológico. Este sinal projeta-se na opção pelos pobres,no cuida<strong>do</strong> com o mun<strong>do</strong>, na vivência jubilosa da ação <strong>de</strong> graças pela presença e atuação<strong>de</strong> Deus na história 128 . Nesse senti<strong>do</strong>, são <strong>de</strong> feliz resulta<strong>do</strong> a composição <strong>de</strong> váriasanáforas, sobretu<strong>do</strong> os exemplos que abaixo indicamos. Elas exprimem, em forma <strong>de</strong>oração, que a esperança <strong>de</strong> um novo céu e uma nova terra não atenua, antes impulsiona, asolicitu<strong>de</strong> pelo aperfeiçoamento <strong>de</strong>sta terra (cf. GS 39). Essa esperança escatológica égera<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> engajamento pela transformação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Não diminui a importância dastarefas terrestres, antes apóia o seu cumprimento com motivos novos (cf. GS 21). Essasanáforas surgem num momento em que a recepção <strong>do</strong> Concílio Vaticano II conhecia um127 Cf. LIBANIO, João Batista. Eucaristia e reconciliação. Encontros Teológicos, Florianópolis, n. 41, p.108-109, 2005.128 Cf. FELLER, Vítor Galdino. Eucaristia e <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus. Encontros Teológicos, Florianópolis, n. 41, p.83-110, 2005.


112notável avanço. Avanço que se abria não só para uma linguagem mais humana e a<strong>de</strong>rente àmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, mas que também realçava o empenho ético que <strong>de</strong>ve brotar <strong>de</strong> nossaseucaristias 129 .Esta compreensão renovada <strong>do</strong> mistério eucarístico ganhou expressõeseucológicas bem elaboradas:Fazei que to<strong>do</strong>s os membros da Igreja, à luz da fé, saibam reconhecer os sinais<strong>do</strong>s tempos e empenhem-se <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> no serviço <strong>do</strong> evangelho. Tornai-nosabertos e disponíveis para to<strong>do</strong>s, para que possamos partilhar as <strong>do</strong>res e asangústias, as alegrias e as esperanças, e andar juntos no caminho <strong>do</strong> vosso reino(Oração eucarística VI-C).<strong>Da</strong>i-nos olhos para ver as necessida<strong>de</strong>s e os sofrimentos <strong>do</strong>s nossos irmãos eirmãs; inspirai-nos palavras e ações para confortar os <strong>de</strong>sanima<strong>do</strong>s e oprimi<strong>do</strong>s;fazei que a exemplo <strong>de</strong> Cristo e seguin<strong>do</strong> o seu mandamento nos empenhemoslealmente no serviço a eles. Vossa Igreja seja testemunha viva da verda<strong>de</strong> e daliberda<strong>de</strong>, da justiça e da paz, para que toda a humanida<strong>de</strong> se abra à esperança <strong>de</strong>um mun<strong>do</strong> novo (Oração eucarística VI-D).Girau<strong>do</strong>, analisan<strong>do</strong> as intercessões e o seu nexo com a epiclese, acrescenta:Ora pedir a Deus para ser transforma<strong>do</strong> num só corpo, o corpo escatológico,significa pedir tu<strong>do</strong> o que está compreendi<strong>do</strong> nas intercessões lidas em íntima<strong>de</strong>pendência da epiclese. Significa tanto o que se situa na dimensão espiritual evertical, como o que acontece na dimensão existencial e horizontal, no caminhorumo <strong>ao</strong> reino. . Lidas nessa <strong>de</strong>pendência estrutural da epiclese, as intercessõesrepresentam o verda<strong>de</strong>iro hoje da oração eucarística, o momento em que oformulário supremo da oração da Igreja se encarna, se incultura, assume nossafisionomia, uma fisionomia que é toda humana e toda divina 130 .Um elemento <strong>de</strong> venerável antigüida<strong>de</strong>: a menção <strong>do</strong>s santos e <strong>do</strong>s <strong>de</strong>funtosA menção <strong>do</strong>s santos e <strong>do</strong>s <strong>de</strong>funtos é um elemento presente nas intercessões<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antigüida<strong>de</strong> Cristã. As anáforas orientais 131 elaboram um elenco numeroso <strong>de</strong>santos e bem-aventura<strong>do</strong>s que abrange <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a antiga aliança – especialmente os patriarcase os profetas – até os santos da nova aliança: a Toda-Santa, em primeiríssimo lugar,seguida <strong>do</strong>s apóstolos e <strong>do</strong>s mártires, <strong>do</strong>s confessores, <strong>do</strong>s pastores, <strong>do</strong>s <strong>do</strong>utores e daincontável multidão <strong>do</strong>s eleitos que nos céus glorificam o Cor<strong>de</strong>iro (Ap 5,9-10). Girau<strong>do</strong>especifica que “na or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s <strong>de</strong>funtos temos então os <strong>de</strong>funtos que já estão no paraíso,embora não canoniza<strong>do</strong>s (santos sem auréola) e as almas que se encontram naquela parte<strong>do</strong> paraíso que se chama purgatório (santos ainda não plenamente purifica<strong>do</strong>s)” 132 .129 Cf. GIRAUDO, Num só corpo, p. 406.130 GIRAUDO, Num só corpo, p. 317-318.131 Nesse senti<strong>do</strong>, o melhor exemplo é a anáfora <strong>de</strong> Tiago com sua extensíssima lista <strong>de</strong> santos.132 GIRAUDO, Num só corpo, p. 298.


113O Vaticano II não só atesta, mas confirma a praxe tradicional da Igreja emrelação <strong>ao</strong>s santos:Os apóstolos, porém, e os mártires <strong>de</strong> Cristo, que com a efusão <strong>do</strong> seu sangue<strong>de</strong>ram testemunho supremo <strong>de</strong> fé e carida<strong>de</strong>, a Igreja sempre acreditou estaremmais intimamente uni<strong>do</strong>s conosco em Cristo, venerou-os juntamente com a Bem-Aventurada Virgem Maria e os Santos Anjos com especial afeto e implorou-lhespie<strong>do</strong>samente o auxílio da intercessão. A estes acrescentaram-se logo outros queimitaram mais <strong>de</strong> perto a virginda<strong>de</strong> e a pobreza <strong>de</strong> Cristo; e pelos carismasdivinos, se recomendavam à pie<strong>do</strong>sa <strong>de</strong>voção e imitação <strong>do</strong>s fiéis (LG 50).As anáforas romanas mencionam os santos, porém com gran<strong>de</strong> sobrieda<strong>de</strong>. Amenção mais elaborada pertence <strong>ao</strong> Cânon romano:Em comunhão com toda a Igreja, veneramos a sempre Virgem Maria, Mãe <strong>de</strong>nosso Deus e Senhor Jesus Cristo; e também São José, esposo <strong>de</strong> Maria, ossantos apóstolos e mártires: Pedro e Paulo, André (Tiago e João, Tomé, Tiago eFelipe, Bartolomeu e Mateus, Simão e Ta<strong>de</strong>u, Lino, Cleto, Clemente, Sisto,Cornélio e Cipriano, Lourenço e Crisógono, João e Paulo, Cosme e <strong>Da</strong>mião), eto<strong>do</strong>s os vossos santos. Por seus méritos e preces conce<strong>de</strong>i-nos sem cessar avossa proteção.E a to<strong>do</strong>s nós, peca<strong>do</strong>res, que confiamos na vossa imensa misericórdia, conce<strong>de</strong>i,não por nossos méritos, mas por vossa bonda<strong>de</strong>, o convívio <strong>do</strong>s apóstolos emártires: João Batista e Estevão, Matias e Barnabé, (Inácio, Alexandre,Marcelino e Pedro; Felicida<strong>de</strong> e Perpétua, Águeda e Luzia, Inês, Cecília eAnastácia) e to<strong>do</strong>s os vossos santos. Por Cristo, Senhor Nosso.Nas outras anáforas, pre<strong>do</strong>mina a menção mais simples on<strong>de</strong> aparece a VirgemMaria, os Apóstolos e Mártires e “to<strong>do</strong>s aqueles que neste mun<strong>do</strong> vos serviram” (oraçãoeucarística II). Em algumas anáforas (oração eucarística III e as orações eucarísticas paradiversas circunstâncias) há a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inclusão <strong>do</strong> santo <strong>do</strong> dia ou <strong>do</strong> padroeirolocal.A Igreja como um to<strong>do</strong> participa <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> transformação escatológicanum só corpo. Também com os santos, e não somente com os que se unem a nós na Igrejaperegrina, formamos este único corpo.A menção <strong>do</strong>s santos nas anáforas evi<strong>de</strong>ncia a unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> nosso culto com aliturgia celeste.Nossa união com a Igreja celeste se realiza <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> nobilíssimo, mormente nasagrada liturgia, em que a força <strong>do</strong> Espírito Santo atua sobre nós por meio <strong>do</strong>ssinais sacramentais, quan<strong>do</strong> em comum exaltação cantamos os louvores dadivina majesta<strong>de</strong>, e to<strong>do</strong>s, redimi<strong>do</strong>s no sangue <strong>de</strong> Cristo, <strong>de</strong> toda tribo e língua,e povo, e nação (cf. Ap 5,9), congrega<strong>do</strong>s numa só Igreja, em um só cântico <strong>de</strong>louvor, engran<strong>de</strong>cemos o Deus Uno e Trino. É, portanto, na celebração <strong>do</strong>sacrifício eucarístico que certamente nos unimos mais estreitamente <strong>ao</strong> culto daIgreja celeste, uma vez que a ela nos unimos, sobretu<strong>do</strong>, veneran<strong>do</strong> a memóriada gloriosa sempre virgem Maria, bem como o bem aventura<strong>do</strong> José, <strong>do</strong>s bemaventura<strong>do</strong>sApóstolos e Mártires e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os Santos 133 (LG 50).133 Esta última frase <strong>de</strong>ste trecho da Lumen Gentium inspira-se no cânon romano.


114A liturgia <strong>do</strong>s santos no paraíso celebra o eterno louvor à Trinda<strong>de</strong>. Essaliturgia gloriosa revela que a vida bem-aventurada não é uma vida solitária ou eremítica,mas uma vida comunitária, cenobítica, on<strong>de</strong> tu<strong>do</strong> é comum: a alegria, o louvor, o amorrecíproco. É uma vida eminentemente litúrgica, totalmente envolvida e sustentada pela<strong>do</strong>xologia. A gran<strong>de</strong> referência bíblica <strong>de</strong>sta liturgia <strong>do</strong>xológica é o Apocalipse. Ocontemplativo <strong>de</strong> Patmos <strong>de</strong>screve o grandioso rito celebra<strong>do</strong> na Igreja celeste: rito <strong>de</strong>louvor <strong>ao</strong> Cor<strong>de</strong>iro, <strong>ao</strong> Pai e <strong>ao</strong> Espírito (cf. Ap 5,9-10; 11,16-17; 19,6-8). Os seresangélicos se unem <strong>ao</strong>s vinte e quatro anciãos, que representam os santos, para proclamar:“Vós sois digno, Senhor e nosso Deus, <strong>de</strong> receber a glória, a honra e o po<strong>de</strong>r” (Ap 4,11). Arevelação da liturgia celeste, on<strong>de</strong> os santos cantam um “cântico novo”, manifesta <strong>de</strong>forma gloriosa a consumação <strong>do</strong> corpo eclesial <strong>de</strong> Cristo 134 .Ao mencionar aqueles que se encontram na bem-aventurança a eucologia dasanáforas apresenta a Igreja como “comunhão <strong>do</strong>s santos”. A Igreja é comunhão <strong>do</strong>s santosporque foi escolhida por Deus, o “três vezes santo”, por pura graça, para ser o povo santo.Comunhão <strong>do</strong>s santos: pelo batismo “fomos santifica<strong>do</strong>s em Cristo Jesus e chama<strong>do</strong>s a sersantos” (1Cor 1,2) e escolhi<strong>do</strong>s para sermos “salvos mediante a santificação <strong>do</strong> Espírito”(2Ts 2,13).A maternida<strong>de</strong> santa e fecunda da Ecclesia Mater gera sempre <strong>de</strong> novo os santos.Através da vida <strong>de</strong> fé, <strong>de</strong> esperança e <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus filhos, traduzida nasmais variadas formas <strong>de</strong> serviços e carismas, a Igreja também santifica o mun<strong>do</strong>.A Igreja é “comunhão nas realida<strong>de</strong>s santas” e a “comunida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s santos” 135 .É, pois, no senti<strong>do</strong> da santificação e ten<strong>do</strong> sempre em vista a unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> corpoeclesial, que situamos a especial menção <strong>do</strong>s mortos nas orações eucarísticas. Essaparticular intercessão torna a enfatizar que a eucaristia é celebrada em comunhão com todaa Igreja. Nenhum <strong>de</strong> seus membros, nem mesmo “os que morreram na vossa paz” (oraçãoeucarística para missas com crianças I), <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser atingi<strong>do</strong> pela graça que <strong>de</strong>la emana.“O sacrifício eucarístico é também ofereci<strong>do</strong> pelos fiéis <strong>de</strong>funtos que morreram em Cristoe não estão ainda plenamente purifica<strong>do</strong>s, para que possam entrar na luz e na paz <strong>de</strong>Cristo” 136 .A Igreja celeste e a Igreja peregrina se unem em oração e se beneficiam d<strong>ao</strong>blação que é oferecida por to<strong>do</strong>s os membros <strong>do</strong> corpo eclesial, chama<strong>do</strong>s a participar da134 Cf. MONDIN, Battista. Gli abitanti <strong>de</strong>l cielo: trattato di eclesiologia celeste e di escatologia. Bologna:Studio Domenicano, 1994. p. 155-157.135 Cf. BARREIRO, Álvaro. Povo santo e peca<strong>do</strong>r: a Igreja questionada e acreditada. São Paulo: Loyola,1994. p. 190.136 Catecismo da Igreja Católica n. 1371.


115salvação alcançada pelo sacrifício <strong>de</strong> Cristo e atualizada na celebração <strong>de</strong> seu mistériopascal. Formamos um só corpo também com aqueles que “partiram <strong>de</strong>sta vida marca<strong>do</strong>scom o sinal da fé” (cânon romano).Reconhecen<strong>do</strong> cabalmente esta comunhão <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o Corpo Místico <strong>de</strong> JesusCristo, a Igreja terrestre, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios da religião cristã, venerou comgran<strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> a memória <strong>do</strong>s <strong>de</strong>funtos e “porque é um pensamento santo esalutar rezar pelos <strong>de</strong>funtos para que sejam per<strong>do</strong>a<strong>do</strong>s os seus peca<strong>do</strong>s” (2Mc12,46), também ofereceu sufrágios em favor <strong>de</strong>les (LG 50).As novas anáforas romanas não só conservaram, mas aperfeiçoaram o“memento <strong>do</strong>s mortos”. As orações eucarísticas II e III são <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> um parágrafooracional que po<strong>de</strong> ser acrescenta<strong>do</strong> nas missas pelos fiéis <strong>de</strong>funtos. Nesta última anáfora,a sua intercessão especial pelos <strong>de</strong>funtos é <strong>de</strong>nsa pela teologia e <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> ricasensibilida<strong>de</strong>. 137 A oração eucarística IV esten<strong>de</strong> essa intercessão para além <strong>do</strong>s limitesvisíveis da Igreja: “Lembrai-vos <strong>do</strong>s que morreram na paz <strong>do</strong> vosso Cristo e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s osmortos <strong>do</strong>s quais só vós conhecestes a fé” 138 .h) A <strong>do</strong>xologia final e o AmémA oração eucarística é concluída pela <strong>do</strong>xologia final e pelo amém,pronuncia<strong>do</strong> por to<strong>do</strong> o povo, confirman<strong>do</strong> a glorificação prestada a Deus mediante opresi<strong>de</strong>nte da celebração (cf. IGMR 79 h). Vicenzo Raffa afirma que a <strong>do</strong>xologia é umelemento que não po<strong>de</strong> ser classifica<strong>do</strong> nem como anamnético nem como epiclético. Épura glorificação transcen<strong>de</strong>nte. Essa glorificação é como a parte conclusiva <strong>de</strong> um edifíciointeiro. O diálogo invitatório é a porta por on<strong>de</strong> nele entramos e a <strong>do</strong>xologia final é o pontoculminante da construção. As <strong>do</strong>xologias eram amplamente usadas no cristianismo antigo.Sua presença po<strong>de</strong> ser encontrada em pregações, cartas, orações e outras peças literárias 139 .Os cristãos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o perío<strong>do</strong> apostólico, assumi<strong>do</strong> a herança espiritual judaica, concluíam oseu discurso com uma glorificação a Deus (cf. Rm 16,25-27; Hb 13,21; 1Pd 3,18b; Jd 24;Ap 4,11; 5,12-14; 7,11; 15,3-4; 19,7).137 Cf. GIRAUDO, Num só corpo, p. 396; ___. Preghiere eucharistiche per la Chiesa di oggi. Roma/Brescia:Gregorian University Press/Morcelliana, 1993. p. 225-263.138Outras anáforas também o fazem, ainda que não tão explicitamente: “e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os que partiram <strong>de</strong>stavida” (oração eucarística II), “os homens e as mulheres <strong>de</strong> todas as classes e nações, <strong>de</strong> todas as raças elínguas” (oração eucarística sobre reconciliação II), “lembrai-vos <strong>do</strong>s que morreram, sejam to<strong>do</strong>srecebi<strong>do</strong>s...” (oração eucarística para missas com crianças II), “e <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os faleci<strong>do</strong>s, cuja fé só vósconhecestes” (orações eucarísticas para diversas circunstâncias).139 Cf. RAFFA, Liturgia eucaristica, p. 537.


116A <strong>do</strong>xologia final da anáfora é uma conclusão solene, em forma <strong>de</strong> glorificaçãotrinitária, que se dá <strong>ao</strong> Pai por Cristo na unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo. Conclusão a<strong>de</strong>quada,pois a tradição litúrgica costuma encerrar com um louvor a oração pública, ten<strong>do</strong> porreferência a Trinda<strong>de</strong>, <strong>do</strong>n<strong>de</strong> emana e para on<strong>de</strong> se direciona to<strong>do</strong> o louvor da liturgia daIgreja. Louvor que emana <strong>do</strong> Pai, pelo Filho, no Espírito Santo e, no mesmo Espírito,retorna, pelo Filho, <strong>ao</strong> Pai.Trata-se <strong>do</strong> nono elemento estrutural da oração eucarística, que a liturgia cristãher<strong>do</strong>u da oração veterotestamentária judaica. Para compreen<strong>de</strong>r-lhes a função,recor<strong>de</strong>mos que, passo a passo com a sucessão <strong>de</strong> intercessões, aumenta a tensãopelo <strong>Reino</strong> escatológico no qual pedimos a Deus que nos introduza, no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>glorificá-lo sem fim 140 .A <strong>do</strong>xologia final é marcada por um profun<strong>do</strong> senso trinitário, cristológico eeclesiológico. Jungmann 141 consi<strong>de</strong>ra que, inserida em Cristo (in ipso) e na unida<strong>de</strong>eclesial gerada pelo Espírito Santo (in unitate Spíritus Sancti), glorificamos o Pai comCristo (cum ipso) e por Cristo (per ipsum) 142 .Outros, como Botte e Mohrmann 143 , centram a atenção no “a vós, Deus Paito<strong>do</strong>-po<strong>de</strong>roso, na unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo, toda honra e toda glória”. Ou seja, trata-se <strong>de</strong>uma glorificação da Santíssima Trinda<strong>de</strong>, através <strong>do</strong> media<strong>do</strong>r humano-divino,universalmente estabeleci<strong>do</strong> pelo <strong>de</strong>sígnio eterno <strong>do</strong> Pai. Divergin<strong>do</strong> <strong>de</strong> Jungmann, essesautores sustentam que o “na unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo” não indicaria a unida<strong>de</strong> eclesialproduzida pelo Espírito, mas a unida<strong>de</strong> consubstancial das três pessoas. Nós, por meio <strong>de</strong>Cristo, media<strong>do</strong>r enquanto homem, e incorpora<strong>do</strong>s nele, glorificamos nele o Pai e oEspírito Santo, que são uni<strong>do</strong>s pela mesma substância. Dentro da linha que assumimosneste trabalho, sem <strong>de</strong>squalificar a reflexão <strong>de</strong> Botte e Mohrmann, optamos pela posição<strong>de</strong> Jungmann.Estes estudiosos, apesar das diferentes perspectivas que abraçam, consi<strong>de</strong>ram aeucaristia como o compêndio <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os bens e <strong>do</strong>ns concedi<strong>do</strong>s por Deus Pai àhumanida<strong>de</strong>, através <strong>de</strong> Jesus Cristo, na unida<strong>de</strong> <strong>do</strong> Espírito Santo. Dessa forma, sãoimprescindíveis a ação <strong>de</strong> graças, o louvor e a glorificação. Assim a atitu<strong>de</strong> mais natural e140 GIRAUDO, Re<strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong>, p. 67.141 Cf. JUNGMANN, J. El sacrificio <strong>de</strong> la misa. Madri: Editorial Catolica, 1959. p. 827.142 A tradução brasileira das anáforas <strong>do</strong> missal romano <strong>de</strong> Paulo VI converte os “per ipsum, et cum ipso, etin ipso” em “por Cristo, com Cristo e em Cristo”. Essa mudança, nota V. Raffa <strong>ao</strong> comentar a traduçãoitaliana que também fez o mesmo (o.c.p. 597), acentua a natureza humana <strong>do</strong> Ressuscita<strong>do</strong> como mediaçãoda glorificação da Trinda<strong>de</strong>.143 Cf. BOTTE, Bernard; MOHRMANN, Christine. L’ordinaire <strong>de</strong> la messe. Paris: Cerf, 1953. p. 133-139.


117lógica é encerrar a anáfora <strong>de</strong>sta forma 144 . O escopo da criação e da re<strong>de</strong>nção é o louvordivino (cf. Ef 1,11-12).Por esses motivos, a <strong>do</strong>xologia também se configura como inclusão laudativaque reconduz a anáfora <strong>ao</strong> louvor inicial proclama<strong>do</strong> no prefácio. Louvor solene <strong>ao</strong> qual aassembléia a<strong>de</strong>re com um também solene amém 145 . É uma espécie <strong>de</strong> ratificação, <strong>de</strong>confirmação, <strong>de</strong> selo. Esse amém revela a assembléia como o sujeito <strong>de</strong> toda a liturgia e,em particular, da celebração eucarística. Supera-se, <strong>de</strong>ssa forma, uma abordagem redutivaque fazia <strong>do</strong> presbítero o único celebrante da missa 146 .O amém tem sua significação a partir da raiz hebraica aman que nos ofereceuma ampla conotação como verda<strong>de</strong>, estabilida<strong>de</strong>, firmeza. Respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> amém aassembléia faz sua a oração presi<strong>de</strong>ncial.Em resumo, diremos que o “amém”, pronuncia<strong>do</strong> como conclusão <strong>de</strong> umformulário litúrgico, oscila entre a conotação originária afirmativa “É assim!” e asubseqüente conotação <strong>de</strong> augúrio “Seja assim!” compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ambas asconotações. Respon<strong>de</strong>n<strong>do</strong> “Amém”, a comunida<strong>de</strong> cultual, por essa aclamação,<strong>ao</strong> mesmo tempo assertiva e <strong>de</strong> augúrio, faz seu o discurso orante <strong>de</strong> seupresi<strong>de</strong>nte e se une a ele sem reservas 147 .Os Padres da Igreja ressaltaram o alcance <strong>do</strong> “amém” pronuncia<strong>do</strong>pela Igreja em oração. Dizia Santo Agostinho: “A isso dizeis: ‘amém’. Dizer ‘amém’ ésubscrever. ‘Amém’ significa em latim: ‘é verda<strong>de</strong>!’” 148 .E São Jerônimo apontava comomo<strong>de</strong>lo o amém vigorosamente proclama<strong>do</strong> pelos cristãos romanos <strong>de</strong> seu tempo: “On<strong>de</strong>jamais o ‘amém’ ribomba semelhante a um trovão e se saco<strong>de</strong>m os templos vãos <strong>do</strong>s í<strong>do</strong>lossenão em Roma?” 149 .4.2 Ritos da comunhãoA súplica realizada na oração eucarística encontra sua plena realização quan<strong>do</strong>a assembléia celebrante comunga o sacramento eucarístico. O senso comum interpreta acomunhão como o ato <strong>de</strong> receber e ingerir o pão e o vinho eucarísticos. Ainda que talinterpretação não seja incorreta <strong>de</strong>vemos consi<strong>de</strong>rá-la como extremamente limitada.Assevera L. A. Schökel que a comunhão é, em primeiro lugar, partilha. Partilhar é dar <strong>ao</strong>144 Cf. RAFFA. Liturgia eucaristica, p. 594- 597.145 GIRAUDO, Re<strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong>, p. 67.146 Cf. RAFFA, Liturgia eucaristica, p. 598.147 GIRAUDO, Re<strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong>, p. 68.148 Sermo 6,3: PL 46, 836.149 Ad Galatas 2,3: PL 26, 381 A.


118outro algo que é meu ou repartir entre vários um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> bem. No contexto vital <strong>do</strong>Antigo Testamento, a partilha fundamentava várias realida<strong>de</strong>s. Os israelitas partilhavam amesma terra prometida, os mesmos antepassa<strong>do</strong>s: Abraão, Isaac e Jacó; o mesmo rei <strong>de</strong>s<strong>de</strong><strong>Da</strong>vi, o mesmo Deus com o qual fizeram aliança. Por sua vez, Jesus reparte a sua vida atéo último alento e se dá até exaurir to<strong>do</strong> o seu sangue. Jesus, assumin<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma tão radicala partilha, nos fez participantes <strong>de</strong> sua vida glorificada e nos congregou na unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seucorpo eclesial. A comunhão <strong>do</strong>s <strong>do</strong>ns eucaristiza<strong>do</strong>s está inserida na dinâmica <strong>de</strong> umacomunhão mais ampla que envolve toda a celebração eucarística: comunga-se a Palavradivina, a mútua confissão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s, a profissão <strong>de</strong> fé, a mesma vida no Espírito e aúnica missão 150 .Sen<strong>do</strong> a celebração eucarística a ceia pascal, convém que, segun<strong>do</strong> a or<strong>de</strong>m <strong>do</strong>Senhor, o seu corpo e o seu sangue sejam recebi<strong>do</strong>s como alimento pelos fiéis<strong>de</strong>vidamente prepara<strong>do</strong>s. Esta é a finalida<strong>de</strong> da fração <strong>do</strong> pão e <strong>do</strong>s outros ritospreparatórios, pelos quais os fiéis são imediatamente encaminha<strong>do</strong>s á comunhão(IGMR 80).A comunhão eucarística é antecedida por um conjunto <strong>de</strong> ritos preparatóriosque são a oração <strong>do</strong> Senhor, o rito da paz, a fração <strong>do</strong> pão, a comunhão eucarística e aconclusão feita pela oração pós-comunhão (IGMR 80-89).Na perspectiva escatológica, ressaltaremos nestes ritos <strong>do</strong>is <strong>de</strong> seus elementos:a oração <strong>do</strong> senhor com o seu respectivo embolismo e a oração pós-comunhão 151 .4.2.1 A Oração <strong>do</strong> SenhorPrimeiro <strong>de</strong>ntre os ritos da comunhão é a Oração <strong>do</strong> Senhor. Por sua eminentedignida<strong>de</strong>, serve <strong>de</strong> ligação entre a oração eucarística e o restante <strong>do</strong>s ritos da comunhão.No Oci<strong>de</strong>nte, já no século IV, são abundantes os testemunhos <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> Pai Nosso naliturgia da missa 152 .A função da Oração <strong>do</strong> Senhor no conjunto <strong>do</strong>s ritos <strong>de</strong> comunhão é bem<strong>de</strong>lineada pelo missal romano em sua instrução geral:Na Oração <strong>do</strong> Senhor pe<strong>de</strong>-se o pão <strong>de</strong> cada dia, que lembra para os cristãosantes <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> o pão eucarístico, e pe<strong>de</strong>-se a purificação <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s, a fim <strong>de</strong> queas coisas santas sejam verda<strong>de</strong>iramente dadas <strong>ao</strong>s santos. . Desenvolven<strong>do</strong> o150 Cf. SCHÖKEL, Meditações bíblicas, p. 110-121.151 Não <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ramos que a procissão da comunhão e o rito da paz também são possui<strong>do</strong>res <strong>de</strong>significação escatológica. Na procissão da comunhão, vamos <strong>ao</strong> encontro <strong>do</strong> Senhor que vem. O rito da pazprepara e antecipa a paz <strong>de</strong>finitiva. Os limites, <strong>ao</strong>s quais este trabalho <strong>de</strong>ve obe<strong>de</strong>cer, pe<strong>de</strong>m a escolhadaqueles elementos que oferecem uma chave <strong>de</strong> leitura para os outros ritos aqui não analisa<strong>do</strong>s. <strong>Da</strong>í a opçãoque fizemos.152 Cf. JUNGMANN, El sacrificio, p. 838-839.


119último pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pai-Nosso, o embolismo suplica que toda a comunida<strong>de</strong> <strong>do</strong>sfiéis seja libertada <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> mal (IGMR 81).Nessa oração, sobressaem três funções em relação à eucaristia: os jámenciona<strong>do</strong>s pedi<strong>do</strong>s <strong>do</strong> pão eucarístico e da purificação e a súplica pelo advento <strong>do</strong><strong>Reino</strong>.O pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> “pão nosso <strong>de</strong> cada dia” esclarece a exegese mo<strong>de</strong>rna 153 , édireciona<strong>do</strong> inicialmente à sacieda<strong>de</strong> da fome corporal. Isto nunca impediu que outrainterpretação, fundada em antiga tradição, o relacionasse com a eucaristia.A eucaristia é o nosso pão cotidiano. A virtu<strong>de</strong> própria <strong>de</strong>ste alimento divino éuma força <strong>de</strong> união que nos une <strong>ao</strong> Corpo <strong>do</strong> Salva<strong>do</strong>r e nos faz seus membros, afim <strong>de</strong> que nos transformemos naquilo que recebemos 154 .Na petição “per<strong>do</strong>ai-nos as nossas ofensas assim como nós per<strong>do</strong>amos a quemnos ofen<strong>de</strong>u”, roga-se a purificação <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s. Purificação que consiste no compromissocom a reconciliação e o exercício concreto <strong>do</strong> perdão tanto <strong>de</strong>ntro quanto fora da Igreja. Aunida<strong>de</strong> da Igreja, sinal e antecipação escatológica <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>, <strong>de</strong>senvolve-se à medida que areconciliação flui no próprio corpo eclesial e <strong>de</strong>ste para o mun<strong>do</strong>.O “venha a nós o vosso <strong>Reino</strong>” é a petição que mais claramente manifesta umcaráter escatológico 155 . A súplica pela vinda <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> brota <strong>do</strong> reconhecimento dasoberania absoluta <strong>de</strong> Deus e da constatação <strong>de</strong> que tal soberania não é ainda por to<strong>do</strong>saceita. A celebração eucarística é momento privilegia<strong>do</strong> <strong>de</strong> anunciar, experimentar eassumir o <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus já manifesto plenamente no Verbo Encarna<strong>do</strong> e no seu mistériopascal.O Pai-Nosso, pedin<strong>do</strong> o advento <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>, <strong>de</strong>staca o significa<strong>do</strong> escatológicoda comunhão 156 como anúncio da morte e ressurreição <strong>do</strong> Senhor na esperança <strong>de</strong> sua vindagloriosa (1Cor 11,26).O <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus po<strong>de</strong> significar o Cristo em pessoa, a quem invocamos com asnossas súplicas to<strong>do</strong>s os dias e cuja vinda queremos apressar por nossa espera.Assim como ele é nossa ressurreição, pois Nele nós ressuscitamos, assimtambém po<strong>de</strong> ser o <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus, pois Nele nós reinaremos 157 .153 Cf. SCHÜRMANN, H. Il Padre Nostro alla luce <strong>de</strong>lla predicazione di Gesú. Roma: Cittá Nuova, 1983. p.93-105.154Catecismo da Igreja Católica n. 2837, citan<strong>do</strong> o texto <strong>de</strong> Santo Agostinho i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong> como Sermo57,67,7: PL 38, 389.155 Cf. SCHÜRMANN, Il Padre Nostro, p. 60-76.156 Cf. RAFFA, Liturgia eucaristica, p. 446.157 Catecismo da Igreja Católica n. 2816, citan<strong>do</strong> Cipriano <strong>de</strong> Cartago em seu Trata<strong>do</strong> da Oração <strong>do</strong> Senhor13: PL 4, 527C-528a.


120Pedir a vinda <strong>do</strong> reino harmoniza-se com a súplica <strong>do</strong> Espírito e da Esposa queclamam “Marana tha”, “vem, Senhor Jesus” (1Cor 16,22; Ap 22,17). Nesse senti<strong>do</strong>, aeucaristia já é uma antecipação sacramental da parusia. Participar <strong>do</strong> <strong>banquete</strong> eucarísticonão constitui mera teatralização <strong>do</strong> <strong>banquete</strong> eterno no qual se celebrará o triunfo<strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong> Deus 158 . No hoje <strong>de</strong> nossas eucaristias, já participamos verda<strong>de</strong>iramente da<strong>mesa</strong> <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>, preparada por Cristo na liturgia da Igreja, enquanto esperamos sua vindagloriosa.4.2.2 EmbolismoEsta parte <strong>do</strong>s ritos da comunhão, tradicionalmente nomeada como embolismo,é um prolongamento da Oração <strong>do</strong> Senhor. Nele retoma-se a última petição e <strong>de</strong>senvolveseuma série <strong>de</strong> súplicas. Tal procedimento acha-se presente nas várias famíliaslitúrgicas 159 . No atual missal romano, essas súplicas articulam-se em três planosdistintos 160 . Inicialmente, o plano negativo: o pedi<strong>do</strong> pela preservação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os males,libertação <strong>do</strong> peca<strong>do</strong> e proteção frente <strong>ao</strong>s perigos. Em seguida, o plano positivo: a paz e amisericórdia divina. E, por fim, o plano escatológico que afirma a esperança cristã navitória <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus com o advento glorioso <strong>do</strong> Cristo Salva<strong>do</strong>r:Livrai-nos <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os males, ó Pai, e dai-nos hoje a vossa paz. Ajuda<strong>do</strong>s porvossa misericórdia, sejamos sempre livres <strong>do</strong> peca<strong>do</strong> e protegi<strong>do</strong>s <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os perigos,enquanto viven<strong>do</strong> a esperança, aguardamos a vinda <strong>do</strong> Cristo salva<strong>do</strong>r.Dentro da <strong>de</strong>limitação <strong>de</strong>ste trabalho, interessa-nos particularmente o planoescatológico. Nele ecoa mais uma vez a petição da vinda <strong>do</strong> Senhor. Petição agorarevestida da esperança certa <strong>de</strong> seu advento glorioso. A conexão entre esta petição e aesperança equivale a afirmar a inexorabilida<strong>de</strong> da vinda <strong>de</strong> Cristo e seu <strong>Reino</strong>. E relacionálacom a celebração na qual está inserida significa reconhecer a presença <strong>do</strong> Senhor e dasrealida<strong>de</strong>s escatológicas no contexto da própria eucaristia.A versão tradicional <strong>do</strong> embolismo, presente no Missal Romano <strong>de</strong> São Pio V,insistia no aspecto negativo da petição: o livramento diante <strong>do</strong>s males e <strong>do</strong> peca<strong>do</strong>. O foco158 Cf. RAFFA, Liturgia eucaristica, p. 447.159 Cf. DALMAIS, I. R. L’introduction et l’embolisme <strong>de</strong> l’oraison <strong>do</strong>minicale dans la célébrationeucharistique. La Maison-Dieu, Paris, n. 85, p. 94-97, 1966.160 Cf. RAFFA. Liturgia eucaristica, p. 448.


121visava muito mais o momento presente e suas necessida<strong>de</strong>s 161 . Todavia, a reformalitúrgica, <strong>ao</strong> renovar esta parte <strong>do</strong> rito da comunhão, quis também dar-lhes umdirecionamento escatológico. Ou seja, é em meio às suas dificulda<strong>de</strong>s concretas e lutascotidianas que o comungante experimenta o auxílio <strong>de</strong> Deus e se dispõe, nessas mesmascircunstâncias, para a vinda escatológica <strong>de</strong> Cristo 162 .4.2.3 A aclamação <strong>do</strong>xológicaA reforma litúrgica inseriu na liturgia romana da missa esta aclamaçãoprofundamente radicada na tradição litúrgica: “Vosso é o <strong>Reino</strong>, o po<strong>de</strong>r e a glória parasempre”. Vários manuscritos antigos acrescentam-na <strong>ao</strong> Pai-Nosso conforme o texto <strong>de</strong> Mt6,13. Ocorre também a sua presença na Didaché, em várias eucologias orientais e no ritoambrosiano 163 .Os cristãos oriun<strong>do</strong>s da Reforma Protestante a<strong>do</strong>taram também esta aclamação<strong>do</strong>xológica. O Missal Romano <strong>de</strong> Paulo VI, introduzin<strong>do</strong>-a nos ritos <strong>de</strong> comunhão, não sórestaurou o uso <strong>de</strong> um elemento <strong>de</strong> venerável antigüida<strong>de</strong>, mas também revelou um clarasensibilida<strong>de</strong> ecumênica.A <strong>do</strong>xologia final: “pois vosso é o <strong>Reino</strong>, o po<strong>de</strong>r e a glória” retoma, mediante ainclusão, os três primeiros pedi<strong>do</strong>s <strong>ao</strong> nosso Pai: a glorificação <strong>do</strong> seu nome, avinda <strong>do</strong> seu <strong>Reino</strong> e o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong> salvífica. Mas esta retomada ocorreentão em forma <strong>de</strong> a<strong>do</strong>ração e <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> graças, como na liturgia celeste. Opríncipe <strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong> atribuíra a si mentirosamente estes três títulos <strong>de</strong> realeza,po<strong>de</strong>r e glória. Cristo, o Senhor, os restitui a seu Pai e nosso Pai, até entregar-lheo <strong>Reino</strong> quan<strong>do</strong> será <strong>de</strong>finitivamente consuma<strong>do</strong> o mistério da salvação e Deusserá tu<strong>do</strong> em to<strong>do</strong>s 164 .A aclamação <strong>do</strong>xológica é um vínculo entre a petição “venha a nós o vosso<strong>Reino</strong>” da Oração <strong>do</strong> Senhor e a conclusão <strong>do</strong> embolismo “enquanto viven<strong>do</strong> a esperança,aguardamos a vinda <strong>do</strong> Cristo Salva<strong>do</strong>r”. É uma súplica pela vinda escatológica <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>.Este <strong>Reino</strong>, <strong>do</strong> qual se pe<strong>de</strong> a vinda, será consuma<strong>do</strong> na parusia <strong>do</strong> Senhor, mas já po<strong>de</strong> serpregusta<strong>do</strong> em sua antecipação sacramental na eucaristia. Nessa aclamação, temos uma161 Líbera nos, quaesumus, Domine, ab omnibus malis praeteritis,praesentibus et futuris: et interce<strong>de</strong>nte beataet gloriosa Vírgine Dei Genitrice Maria, cum beatis apostolis tuis Petro et Paulo, atque Andrea, et omnibussanctis, da propicius pacem in diebus nostris: ut ope misericordiae tuae adjuti, et a peccato simus semperliberi, et omni pertubatione securi. Per eun<strong>de</strong>m Dominum nostrum Jesum Christum, Filium tuum: qui tecumvivit et regnat in unitate Spiritus Sancti Deus. Per omnia saecula saeculorum. Amem.162 Cf. BÉRAUDY, Roger. Les rites <strong>de</strong> préparation a la communion. La Maison-Dieu, Paris, n. 100, p. 65-66,1969.163 Cf. DALMAIS, L’Introduction, p. 92-94.164 Catecismo da Igreja Católica n. 2855.


122autêntica profissão <strong>de</strong> fé na soberania absoluta <strong>de</strong> Deus, manifestada por ocasião da vindagloriosa <strong>de</strong> seu Filho.4.2.4 A oração pós-comunhãoa) Natureza da oração pós-comunhãoA anáfora possui uma dinâmica celebrativa que lhe é própria e conduz aassembléia cultual à comunhão sacramental. A participação no sacrifício eucarístico tem nacomunhão o seu ápice celebrativo. É <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas referências que se situa a chamada postcommuniocomo conclusão <strong>do</strong>s ritos <strong>de</strong> comunhão.Para completar a oração <strong>do</strong> Povo <strong>de</strong> Deus e encerrar to<strong>do</strong> o rito <strong>de</strong> comunhão, osacer<strong>do</strong>te profere a oração <strong>de</strong>pois da comunhão, em que implora os frutos <strong>do</strong>mistério celebra<strong>do</strong> (IGMR 89).A existência <strong>de</strong>ssa oração é confirmada por testemunhos <strong>de</strong> notávelantigüida<strong>de</strong> tais como as Constituições Apostólicas e os Sacramentários Veronense,Gelasiano e Gregoriano. Contu<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sconhece-se a época exata <strong>de</strong> sua introdução namissa romana. Outras liturgias tais como a bizantina, a etiópica, a siro-oci<strong>de</strong>ntal e agalicana conhecem eucologias mais longas e elaboradas para o pós-comunhão 165 .Sob o aspecto literário ou estilístico, a pós-comunhão romana é marcada pelaconcisão e objetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus textos. Por seu paralelismo com as orações da coleta esobre as oferendas é formulada em termos <strong>de</strong> petição. Dessa forma, dirige-se em geral <strong>ao</strong>Pai por meio <strong>de</strong> Cristo e termina com uma conclusão mais breve: “Por Cristo NossoSenhor” (quan<strong>do</strong> dirigida <strong>ao</strong> Pai), “Que vive e reina para sempre” (quan<strong>do</strong> dirigida <strong>ao</strong> Pai,mas mencionan<strong>do</strong> o Filho <strong>ao</strong> fim), “Que viveis e reinais para sempre” (quan<strong>do</strong> dirigida <strong>ao</strong>Filho). Todas respondidas pelo povo com a aclamação <strong>do</strong> amém (IGMR 89).Sob o aspecto <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong>, o tema da pós-comunhão vem <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> pelaprópria comunhão que foi recebida. Comunhão sempre compreendida como ação <strong>de</strong> toda acomunida<strong>de</strong> celebrante e não só daquele que presi<strong>de</strong> a celebração. Este “princípiocomunitário” vigorou como uma espécie <strong>de</strong> lei estilística que orientou a elaboração <strong>de</strong>ssasorações, mesmo em perío<strong>do</strong>s em que a comunhão <strong>do</strong>s fiéis se tornou rara 166 . Dessa forma,165 Cf. JUNGMANN, El sacrificio, p. 990-991.166 JUNGMANN, El sacrificio, p. 993.


123há sempre uma referência genérica à celebração da eucaristia e outra mais específica àcomunhão recebida. Isso nos leva a constatar que não se trata <strong>de</strong> uma simples oração <strong>de</strong>ação <strong>de</strong> graças, mas <strong>de</strong> um pedi<strong>do</strong>, da parte <strong>do</strong>s comungantes, <strong>do</strong>s frutos <strong>do</strong>s mistérioscelebra<strong>do</strong>s na eucaristia 167 .A oração pós-comunhão é a especificação da epiclese sobre os comungantesem termos <strong>de</strong> incidência sobre a existência concreta <strong>de</strong> cada indivíduo e <strong>de</strong> toda aassembléia. Trata-se da encarnação <strong>do</strong> mistério eucarístico na vida da comunida<strong>de</strong> cristã.É também freqüente a referência <strong>ao</strong> tema <strong>do</strong> dia e <strong>do</strong> tempo litúrgico celebra<strong>do</strong>ou a expressão <strong>de</strong> uma intenção geral ou um pedi<strong>do</strong> particular. É uma súplica, mas numcontexto <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> graças pelos <strong>do</strong>ns recebi<strong>do</strong>s através da eucaristia.Sob o aspecto teológico 168 , as várias orações pós-comunhão ressaltam oaspecto convivial e o caráter sacrifical da eucaristia. Afirma-se que as espécies recebidassão o Cristo, ofereci<strong>do</strong> como vítima, glorifica<strong>do</strong> na ressurreição e vivifica<strong>do</strong> para transmitira vida divina <strong>ao</strong>s que o recebem.Essas orações supõem a comunhão dada sob as duas espécies. Emerge comgran<strong>de</strong> evidência o pedi<strong>do</strong> pela a remissão/purificação <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s. É muito freqüente asúplica pela vida eterna. Elencam-se os benefícios hauri<strong>do</strong>s da eucaristia: unida<strong>de</strong>,carida<strong>de</strong>, re<strong>de</strong>nção, restauração, libertação, auxílio divino, fortalecimento e sustentoespiritual, proteção, renovação, progresso na fé e nas outras virtu<strong>de</strong>s, participação na vidadivina.b) O efeito escatológico da eucaristiaAs orações pós-comunhão especificam a epiclese sobre os comungantes. Umaespecificação <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> uma inegável orientação que visa a encarnação <strong>do</strong> mistériocelebra<strong>do</strong> na vida <strong>de</strong> cada comungante e <strong>de</strong> toda a Igreja. Numa perspectiva escatológica,os efeitos da eucaristia po<strong>de</strong>m ser agrupa<strong>do</strong>s em torno a duas expressões muitos freqüentesnessas fórmulas eucológicas: remissão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s e vida eterna. Pierre-Marie Gy observaque o cânon romano não menciona a parusia na sua anamnese, tal como fazem as anáforas167 RAFFA, Liturgia eucaristica, p. 485-486.168 RAFFA, Liturgia eucaristica, p. 486.


124orientais. Por isso a eucologia romana colocou uma forte acentuação escatológica nospedi<strong>do</strong>s conti<strong>do</strong>s nas orações pós-comunhão 169 .b.1 A remissão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>sToda a vida e ação da Igreja ten<strong>de</strong>m para a liturgia que é o seu cume. É <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong>ssa perspectiva que po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r toda a ação reconcilia<strong>do</strong>ra da Igreja comoalgo que culmina na eucaristia. Dentro da liturgia, os sacramentos ocupam lugar eminentee entre eles existe uma comum or<strong>de</strong>nação para a eucaristia, expressão suprema <strong>do</strong> cultoeclesial.Conforme o constante sentir da Igreja, a eucaristia é o sinal por excelência dacomunhão <strong>do</strong>s fiéis na fé, na graça e no amor. Por esse motivo, a Tradição sempre viu aparticipação na mesma eucaristia como sinal inequívoco da comunhão entre as diversasigrejas locais e, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada igreja, <strong>do</strong>s fiéis entre si. Des<strong>de</strong> os primórdios cristãos,excluía-se da eucaristia o peca<strong>do</strong>r necessita<strong>do</strong> <strong>de</strong> conversão e seu retorno à comunhãoeucarística significava que, uma vez arrependi<strong>do</strong> e per<strong>do</strong>a<strong>do</strong>, havia si<strong>do</strong> readmiti<strong>do</strong>plenamente à comunida<strong>de</strong> cristã 170 .Em seu mistério pascal, Cristo realizou a obra da salvação, <strong>de</strong>struin<strong>do</strong> o peca<strong>do</strong>e a morte. O fruto <strong>de</strong>sta obra é a oferta generosa da reconciliação à humanida<strong>de</strong> peca<strong>do</strong>ra.Reconciliação que se amplia em vista da restauração <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o cosmos pela força daressurreição <strong>de</strong> Cristo. À Igreja cabe anunciar pela pregação e celebrar nos sacramentos avitória pascal <strong>de</strong> Cristo e comunicar <strong>ao</strong> mun<strong>do</strong> os seus efeitos salvíficos, sobretu<strong>do</strong> aremissão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s.A remissão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s compreen<strong>de</strong>-se na experiência <strong>do</strong> dinamismoexistencial da passagem da morte-peca<strong>do</strong> à vida-graça. Morte e ressurreição são <strong>do</strong>ismistérios fundamentais da obra re<strong>de</strong>ntora <strong>de</strong> Cristo e duas realida<strong>de</strong>s íntimas da vida dagraça em cada cristão e em toda a comunida<strong>de</strong> eclesial 171 .A tendência mais comum é a <strong>de</strong> se interpretar a expressão “remissão <strong>do</strong>speca<strong>do</strong>s” como sinônimo imediato <strong>de</strong> perdão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s confessa<strong>do</strong>s. Entretanto, aqui<strong>de</strong>sejamos assumir uma significação mais ampla que, engloban<strong>do</strong> em si esse senti<strong>do</strong> mais169 Cf. GY, Pierre- Marie. Spiritualité <strong>de</strong> la communion. La Maison Dieu, Paris, n. 203, p. 47-49, 1995.170 Cf. FLÓREZ-GARCÍA, Gonzalo. La reconciliación com Dios: estúdio teológico-pastoral sobre elsacramento <strong>de</strong> la penitencia. Madrid: BAC, 1971. p. 325.171 Cf. FLÓREZ-GARCÍA, La reconciliación com Dios, p. 326.


125usual, relacione-se diretamente com o efeito escatológico por excelência da eucaristia queé nos transformar em corpo eclesial <strong>de</strong> Cristo.A unida<strong>de</strong> é uma das características fundamentais da vinda <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>escatológico. A unida<strong>de</strong> relacional entre Deus e suas criaturas e <strong>de</strong> to<strong>do</strong> cosmos consigomesmo é, da parte <strong>de</strong> Deus, o seu <strong>de</strong>sígnio primigênio. A restauração <strong>de</strong>ssa unida<strong>de</strong> emCristo é o seu <strong>de</strong>sígnio escatológico.O peca<strong>do</strong> instalou uma ruptura no equilíbrio relacional queri<strong>do</strong> por Deus. Umasérie <strong>de</strong> conseqüências, advindas da perda da unida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou-se a partir <strong>de</strong>ssaruptura. A criatura humana e todas as outras criaturas foram afetadas por uma profundadispersão existencial que as afastou e as opôs umas às outras.Esta realida<strong>de</strong> se impôs sobre a criação com suas marcas <strong>de</strong> divisão, <strong>de</strong>struiçãoe morte. Por isso, emerge a partir <strong>de</strong>sta situação um clamor por salvação. O anseio maisprofun<strong>do</strong> da criação passou a ser o seu reingresso no paraíso escatológico.A experiência, não poucas vezes <strong>do</strong>lorosa, da ruptura e da dispersão impele aconstituição da assembléia eucarística que, em Cristo, suplica <strong>ao</strong> Pai a remissão <strong>do</strong>speca<strong>do</strong>s. Assim, a remissão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s, consi<strong>de</strong>rada num senti<strong>do</strong> mais amplo que o usual,consiste na eliminação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os componentes a-relacionais que o peca<strong>do</strong> implantou naexistência da humanida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> to<strong>do</strong> o cosmos 172 . Em virtu<strong>de</strong> da comunhão no único corposacramental, pe<strong>de</strong>-se a entrada lá on<strong>de</strong> tu<strong>do</strong> é relação. Ou seja, pe<strong>de</strong>-se o ingresso na<strong>de</strong>finitivida<strong>de</strong> da comunhão <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>.A transformação escatológica da assembléia celebrante em corpo eclesial <strong>de</strong>Cristo, bem como to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos que brotam <strong>de</strong>sta transformação, é o que nasorações pós-comunhão recebe o nome <strong>de</strong> reconciliação, salvação ou remissão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s.Essa transformação escatológica da comunida<strong>de</strong> cultual num só corpo eclesial é tanto aexpressão sacramental da aliança divina, que restaura a unida<strong>de</strong> relacional perdida, quantoo sinal inequívoco <strong>de</strong> que os comungantes a<strong>de</strong>riram à realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva inaugurada emCristo.Encontramos no missal expressões significativas da súplica <strong>de</strong>sse efeitoescatológico da eucaristia: “que a comunhão no vosso sacramento nos purifique <strong>do</strong>speca<strong>do</strong>s e nos conduza á unida<strong>de</strong>” (Segunda-feira da 3ª semana da Quaresma), “sejamosconta<strong>do</strong>s entre os membros <strong>de</strong> Cristo cujo Corpo e Sangue comungamos” (5º Domingo daQuaresma), “que vivam uni<strong>do</strong>s no amor os que alimentais com o mesmo pão” (2º Domingo172 GIRAUDO, Num só corpo, p. 308.


126<strong>do</strong> Tempo Comum), “fazei-nos <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> viver uni<strong>do</strong>s a Cristo” (5º Domingo <strong>do</strong> TempoComum), “esta comunhão na eucaristia prefigura a união <strong>do</strong>s fiéis em vosso amor, fazeique realize também a comunhão na vossa Igreja” (11º Domingo <strong>do</strong> Tempo Comum),“sejamos transforma<strong>do</strong>s naquele que recebemos” (27º Domingo <strong>do</strong> Tempo Comum), “estasagrada comunhão, simbolizan<strong>do</strong> a união <strong>do</strong>s fiéis em vós, realize a unida<strong>de</strong> da vossaIgreja” (Pela unida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cristãos-A), “pela força <strong>de</strong>ste sacrifício tornem-se um só coraçãoaqueles que crêem em vós” (Pela unida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cristãos-B).Nas orações pós-comunhão, fica evi<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong> que a eucaristia significa e realizaa unida<strong>de</strong> da Igreja. Esta unida<strong>de</strong> é possível por causa da inserção da assembléia celebranteno mistério pascal <strong>de</strong> Cristo. Participan<strong>do</strong> <strong>do</strong> culto eucarístico, a comunida<strong>de</strong> concorre paratornar, <strong>de</strong> forma sacramental, visível e efetiva esta realida<strong>de</strong>. A forma e a medida em queisto se cumpre no plano concreto da existência <strong>do</strong>s membros <strong>do</strong> corpo eclesial <strong>de</strong> Cristopertencem <strong>ao</strong> mistério da ação interior da graça. A celebração eucarística é <strong>do</strong>tada <strong>de</strong> umasingular eficácia naquilo que se or<strong>de</strong>na à santida<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda a Igreja e <strong>de</strong> cada um <strong>do</strong>s fiéis.Este dinamismo eficaz também é expresso nas orações pós-comunhão: “ocorpo e o sangue <strong>de</strong> Jesus Cristo, que oferecemos em sacrifício e recebemos em comunhãonos transmitam uma vida nova, para que, uni<strong>do</strong>s a vós pela carida<strong>de</strong> que não passa,possamos produzir frutos que permaneçam.” (13º Domingo <strong>do</strong> Tempo Comum),“transformai-nos <strong>de</strong> tal mo<strong>do</strong> pela vossa graça que em tu<strong>do</strong> possamos agradar-vos.” (21ºDomingo <strong>do</strong> Tempo Comum), “que os vossos sacramentos produzam em nós o quesignificam” (30º Domingo <strong>do</strong> Tempo Comum).As post-communio oferecem elementos preciosos tanto para uma iniciação <strong>ao</strong>mistério eucarístico quanto para uma autêntica mistagogia <strong>de</strong>sse sacramento. O cristão quese aproxima da comunhão eucarística <strong>de</strong>ve fazê-lo com a consciência <strong>de</strong> que participa <strong>do</strong><strong>banquete</strong> da unida<strong>de</strong> e da graça e, portanto, como um membro vivo da Igreja.A remissão <strong>do</strong>s peca<strong>do</strong>s, celebrada e haurida na eucaristia, indica que elarepresenta e realiza a perfeição da unida<strong>de</strong> na carida<strong>de</strong>. Dos que tomam parte numacelebração eucarística, o que se exige é a disposição e o compromisso <strong>de</strong> encarnar nas suaspróprias vidas tu<strong>do</strong> o que a eucaristia significa. É o que claramente po<strong>de</strong>mos perceber nasseguintes orações:“<strong>Da</strong>i-nos proclamar nossa fé não somente em palavras, mas também naverda<strong>de</strong> das nossas ações para que mereçamos entrar no <strong>Reino</strong> <strong>do</strong>s céus” (9º Domingo <strong>do</strong>Tempo Comum), “uni<strong>do</strong>s a Cristo por este sacramento, nós vos imploramos, ó Deus, que,


127assemelhan<strong>do</strong>-nos a ele aqui na terra, participemos no céu da sua glória” (20º Domingo <strong>do</strong>Tempo Comum), “auxiliai sempre os que alimentais com o vosso sacramento para quepossamos colher os frutos da re<strong>de</strong>nção na liturgia e na vida” (25º Domingo <strong>do</strong> TempoComum)b.2 A vida eternaAs orações pós-comunhão pe<strong>de</strong>m com insistente freqüência o fruto da vidaeterna. E o fazem empregan<strong>do</strong> este termo ou expressões correlatas: <strong>de</strong>sejar os benseternos, alcançar a felicida<strong>de</strong> eterna; participar das coisas <strong>do</strong> céu, da celeste alegria, daglória <strong>do</strong> céu ou da <strong>mesa</strong> celeste; receber o penhor <strong>de</strong> imortalida<strong>de</strong>, chegar àressurreição, gozar a ressurreição, passar à nova vida, entrar no <strong>Reino</strong> <strong>do</strong>s Céus, recebera salvação.Em geral, o imaginário popular concebe a vida eterna <strong>de</strong> maneira materialista.Compreen<strong>de</strong>-a como um prolongamento in<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> da vida “<strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong>” 173 . O PapaBento XVI, na encíclica Spe Salvi, menciona as objeções que muitos levantam contra aesperança <strong>de</strong> uma vida eterna, justamente por causa <strong>de</strong>ssa compreensão <strong>de</strong>turpada:Hoje muitas pessoas rejeitam a fé, talvez porque a vida eterna não lhes pareçauma coisa <strong>de</strong>sejável. Não querem <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> algum a vida eterna, mas a presente;antes, a fé na vida eterna parece para tal fim um obstáculo. Continuar a vivereternamente – sem fim – parece mais uma con<strong>de</strong>nação que um <strong>do</strong>m. Certamentese quereria protelá-la o mais possível. Mas viver sempre, sem um termo, acabariapor ser fastidioso e, em última análise, insuportável 174 .Na liturgia, são abundantes as súplicas por vida eterna. Tais pedi<strong>do</strong>s tambémcorrem o risco <strong>de</strong> serem assimila<strong>do</strong>s como petição <strong>de</strong> coisas que escapam à realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>mun<strong>do</strong> presente. Todavia é necessário recordar que, apesar <strong>de</strong> incorretamente entendidanos tempos atuais, a expressão “vida eterna” pertence <strong>ao</strong> vocabulário comum <strong>do</strong>cristianismo primitivo e, particularmente no Quarto Evangelho, encontramos a chave <strong>de</strong>sua autêntica interpretação 175 .É necessário, portanto, um aprofundamento sobre o significa<strong>do</strong> da expressão“vida eterna”. Nós o faremos a partir <strong>de</strong> uma dupla abordagem: uma consi<strong>de</strong>raçãoconforme a tematização teológica <strong>de</strong>sta realida<strong>de</strong> e outra na linha <strong>de</strong> um aprofundamentobíblico <strong>de</strong>sta categoria, à luz <strong>do</strong> Evangelho <strong>de</strong> João, por ser o texto bíblico que aborda este173 Cf. KONINGS, A vida sou eu, p. 20.174 BENTO XVI, Spe Salvi 10.175 Cf. DODD, Charles H. A interpretação <strong>do</strong> Quarto Evangelho. São Paulo: Teológica/Paulus, 2003. p. 195.


128tema <strong>de</strong> forma mais elaborada. Em ambas as abordagens, visamos a explicitar a dimensãoescatológica da eucaristia. Concluiremos este percurso com a apresentação <strong>do</strong> vínculoexistente entre vida eterna e ressurreição.Numa abordagem teológica constata-se que a fé na vida eterna liga-se àrevelação <strong>de</strong> que Deus, <strong>ao</strong> criar para a vida, cria por amor (Sb 1,13s; 11,24s). O amor ébiógeno, isto é, gera<strong>do</strong>r <strong>de</strong> vida. A profissão <strong>de</strong> fé na vida eterna patenteia a coesãointrínseca que liga o primeiro artigo <strong>do</strong> cre<strong>do</strong> (criação) <strong>ao</strong> último (salvação escatológica).A criação contém em esta<strong>do</strong> latente a sua consumação escatológica. A plenificaçãoescatológica consumará totalmente as potencialida<strong>de</strong>s da criação.Por outro la<strong>do</strong>, é próprio <strong>do</strong> amor prometer a perenida<strong>de</strong>. O amor <strong>de</strong> Deus nãosó promete, mas a realiza esta perenida<strong>de</strong>. Em suas mãos está o po<strong>de</strong>r sobre a vida e sobrea morte. Assim o amor imperecível, que está na origem da realida<strong>de</strong> criada, há <strong>de</strong> geraruma vida que também não perece. A vida surgida <strong>de</strong>sse amor é a vida eterna 176 .Quanto à objeção levantada pela suposta ín<strong>do</strong>le insuportável da vida eterna háque se consi<strong>de</strong>rar, da maneira mais séria possível, que esta vida não se situa no mesmonível <strong>de</strong> temporalida<strong>de</strong> e espacialida<strong>de</strong> em que nós agora nos situamos. A vida eterna secompreen<strong>de</strong> a partir da superação <strong>do</strong>s atuais limites existenciais.A vida eterna como consumação da salvação insere-se no quadro <strong>de</strong> umatransformação ontológica, ou seja, a promoção <strong>do</strong> homem a um esta<strong>do</strong> qualitativamentesuperior. A ação divina conduz o homem a transcen<strong>de</strong>r esses limites existenciais econfigura-o numa nova e <strong>de</strong>finitiva realida<strong>de</strong>: a sua divinização.A tentação <strong>do</strong> “sereis como Deus” (Gn 3,5) é esvaziada <strong>de</strong> seu caráter <strong>de</strong>rebelião e transformada pelo próprio Cria<strong>do</strong>r em <strong>do</strong>m gratuito. Ao homem é oferecida aplenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua existência como participação na vida divina. Trata-se <strong>de</strong> viver parasempre, mas <strong>de</strong> uma outra forma e num outro nível 177 . Assim a vida perene, longe <strong>de</strong> serum estorvo ou uma con<strong>de</strong>nação <strong>ao</strong> tédio, converte-se em maravilhosa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>realizar a existência em todas as suas potencialida<strong>de</strong>s.Na vida eterna, cada instante será um instante <strong>de</strong> plenitu<strong>de</strong> e cada plenitu<strong>de</strong>será um novo começo. Desmonta-se assim a banal objeção <strong>do</strong> fastio ou <strong>do</strong> tédio, fundadanum grosseiro mal entendi<strong>do</strong> que confun<strong>de</strong> a união interpessoal que se estabelece entreDeus e a criatura humana com uma espécie <strong>de</strong> contemplação in<strong>de</strong>finida <strong>do</strong> mesmo176 Cf. RUIZ DE LA PEÑA, Juan. La pascua <strong>de</strong> la creación: escatologia. Madrid: BAC, 2000. p. 210.177 Cf. RUIZ DE LA PEÑA, La pascua <strong>de</strong> la creación, p. 212.


129espetáculo. Como se sabe, o amor é imensamente engenhoso e, <strong>ao</strong> contemplar o rosto <strong>do</strong>ser ama<strong>do</strong>, sabe sempre encontrar novas maravilhas. Quan<strong>do</strong> se vê <strong>de</strong> forma pessoal umapessoa, nunca terminaremos <strong>de</strong> vê-la. Há nesta visão uma inesgotabilida<strong>de</strong>, mesmo sen<strong>do</strong> avisão <strong>de</strong> um ser finito e cria<strong>do</strong>. Muito mais se po<strong>de</strong> dizer <strong>de</strong>sta visão quan<strong>do</strong> se trata dacontemplação <strong>de</strong> uma pessoa divina. A visão <strong>de</strong> Deus po<strong>de</strong> ser imaginada como essaempresa inesgotável, sem limites, na qual se po<strong>de</strong> avançar sempre. Ten<strong>do</strong> isso em conta,evita-se que a vida eterna tenha a imagem <strong>de</strong> algo aborreci<strong>do</strong> e estático 178 .É igualmente necessário recordar que a fé cristã também emprega a categoria“vida eterna” para <strong>de</strong>notar o fruto da vitória <strong>do</strong> amor sobre a morte. Com esta categoriapõe em relevo a meta <strong>de</strong>ssa nova forma <strong>de</strong> existência: a divinização, cujo processo foiinicia<strong>do</strong> no tempo pela graça e transborda além <strong>do</strong>s limites da presente história.Sob essa perspectiva, reflete Bento XVI:A palavra “vida eterna” procura dar um nome a esta <strong>de</strong>sconhecida realida<strong>de</strong>conhecida. Necessariamente é uma expressão insuficiente, que cria confusão.Com efeito, “eterno” suscita a idéia em nós <strong>de</strong> interminável, e isto nosame<strong>do</strong>ntra; “vida” nos faz pensar na existência por nós conhecida, que amamos enão queremos per<strong>de</strong>r . A única possibilida<strong>de</strong> que temos é procurar sair, com opensamento, da temporalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que somos prisioneiros e, <strong>de</strong> alguma forma,conjeturar que a eternida<strong>de</strong> não seja uma sucessão contínua <strong>de</strong> dias <strong>do</strong>calendário, mas algo pareci<strong>do</strong> com o instante repleto <strong>de</strong> satisfação, on<strong>de</strong> atotalida<strong>de</strong> nos abraça e nós abraçamos a totalida<strong>de</strong>. Seria o instante <strong>de</strong> mergulharno oceano <strong>do</strong> amor infinito, no qual o tempo – o antes e o <strong>de</strong>pois – já não existe.Po<strong>de</strong>mos somente procurar pensar que este instante é a vida em senti<strong>do</strong> pleno,um incessante mergulhar na vastidão <strong>do</strong> ser, <strong>ao</strong> mesmo tempo que ficamossimplesmente inunda<strong>do</strong>s <strong>de</strong> alegria 179 .Nesse ponto a abordagem sobre o tema da vida eterna, conforme o Evangelho<strong>de</strong> João, ilumina essa categoria e liga-a à nossa existência cotidiana. O texto evangélicoesclarece sobre a vinculação da vida eterna com a concretu<strong>de</strong> da nossa história. E isso éoportuno, pois impe<strong>de</strong> o confinamento <strong>de</strong>ssa categoria num além transcen<strong>de</strong>nte, incapaz <strong>de</strong>impactar a existência das pessoas no seu hoje.No Quarto Evangelho, o tema da vida eterna recebe um tratamentoprivilegia<strong>do</strong>. Neste Evangelho Jesus é apresenta<strong>do</strong> como aquele que dá e é a vida: “Eu soua vida” (Jo 14,6), “aquele que crê em mim tem a vida eterna” (Jo 6,47).O texto joanino opta pelo termo zôê (vida) muitas vezes acompanha<strong>do</strong> peloadjetivo aiônios (eterna). Zôê nunca <strong>de</strong>nota em João a mera vida física, mas um gênero <strong>de</strong>vida que é o <strong>de</strong>finitivo e não está sujeito à morte. Vida eterna (zôê aiônios) expressa <strong>de</strong>178 Cf. RUIZ DE LA PEÑA, La pascua <strong>de</strong> la creación, p. 216.179 BENTO XVI, Spe salvi n. 12.


130forma abreviada a expressão hebraica hayye olam há-há (vida <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> vin<strong>do</strong>uro), umarealida<strong>de</strong> que é diferente, por sua qualida<strong>de</strong>, da vida que é própria <strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong> 180 .A condição para receber a vida eterna é a a<strong>de</strong>são pela fé a Jesus, em suacondição <strong>de</strong> homem levanta<strong>do</strong> <strong>ao</strong> alto (Jo 3,14s) e Filho unigênito <strong>de</strong> Deus (Jo 3,16).Assim, a condição para receber a vida eterna não é senão o reconhecimento <strong>do</strong> amor <strong>de</strong>Deus expresso, <strong>de</strong> forma eminente, na morte <strong>de</strong> Jesus.A vida e a morte <strong>de</strong> Jesus revelam-no como quem tomou o amor como normaabsoluta da própria existência. Por isso ele foi constituí<strong>do</strong> como mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>. Éjustamente por esse aspecto que temos acesso <strong>ao</strong> vínculo da categoria “vida eterna” com aexistência cotidiana.A vida eterna começa com a experiência <strong>do</strong> “novo nascimento” (Jo 3,3.5.6) navida <strong>do</strong> crente. Este nascimento é obra <strong>do</strong> Espírito Santo e é ele que o causa. Trata-se <strong>de</strong>uma realida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> Deus confere <strong>ao</strong> homem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um amor generoso e fiel, àsemelhança <strong>de</strong> Jesus, cuja prática fará <strong>de</strong>senvolver todas as suas potencialida<strong>de</strong>s. A vidaeterna enraíza-se no cotidiano e, portanto, cresce pela prática <strong>do</strong> amor conforme o vivi<strong>do</strong>por Jesus 181 .O amor assim vivencia<strong>do</strong> é fonte inesgotável <strong>do</strong> Espírito (Jo 3,34; 6,63.68).Nessa dinâmica existencial, o homem vai se tornan<strong>do</strong> “filho <strong>de</strong> Deus” (Jo 1,12),vocaciona<strong>do</strong> à vida em plenitu<strong>de</strong> (Jo 10,10). O amor (o Espírito) é o princípio da vidaeterna e a manifestação da sua vida e da sua verda<strong>de</strong> (4,14; 7,37-39). O Pai e o Filho <strong>do</strong>amesta vida infundin<strong>do</strong>-a através <strong>do</strong> Espírito vivificante (Jo 6,63).Como po<strong>de</strong>mos perceber, a dinâmica da comunicação da vida eterna éessencialmente trinitária. Em Jesus, está presente o <strong>do</strong>m da vida em sua plenitu<strong>de</strong>, <strong>do</strong>m quedinamiza a superação <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os limites da nossa vida e por ele é ofereci<strong>do</strong> gratuitamentea toda a humanida<strong>de</strong>. Na sua condição <strong>de</strong> “Filho <strong>do</strong> Homem”, Jesus recebe <strong>do</strong> Pai plenospo<strong>de</strong>res, inclusive o <strong>de</strong> julgar e <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r a vida ou dar a morte (Dn 7,13-14). O<strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong> Deus está presente em Jesus 182 . Nele se dá a irrupção <strong>do</strong>s últimos dias, isto é,da realida<strong>de</strong> escatológica.A partir da práxis <strong>do</strong> amor e da <strong>do</strong>ação até o fim, Jesus nos revela o que é averda<strong>de</strong>ira vida. Esta vida dada por Jesus está inserida na or<strong>de</strong>m da vida <strong>de</strong> Deus. Ele dá a180 Cf. MATEOS, J; BARRETO, J. Vocabulário teologico <strong>de</strong>l evangelio <strong>de</strong> Juan. Madrid: Cristiandad, 1980.p. 297-300.181 Cf. MATEOS; BARRETO, Vocabulário teológico, p. 299.182 Cf. KONINGS, A vida eu sou, p. 20.


131vida com o mesmo po<strong>de</strong>r que a reassume em sua ressurreição (Jo 10,18). Assim, a vidaeterna não é o mero prolongamento virtual da vida presente, mas a irrupção <strong>de</strong>cisiva davida <strong>do</strong> Filho <strong>de</strong> Deus em nossa vida. Optar pelo seguimento <strong>de</strong> Jesus e assumir comoprópria a sua práxis <strong>de</strong> amor fiel, em escuta atenta <strong>ao</strong> Pai, já é ter em si a vida eterna 183 . Navida <strong>do</strong> discípulo já se manifesta a vida eterna, pois nela irrompeu, ou seja, nela já se vivea vida <strong>de</strong> Jesus.Isto nos leva a constatar que o <strong>do</strong>m da vida eterna é uma realida<strong>de</strong>, cujo inícioacontece já “aqui e agora” e não somente na realida<strong>de</strong> <strong>do</strong> pós-morte. Trata-se daquelarealida<strong>de</strong> <strong>de</strong>signada pela teologia clássica como inchoatio visionis ou inchoatio gloriaeque, pela fé e pela graça, já se experimenta no momento presente. Portanto, receber <strong>de</strong>Jesus a vida eterna exige que assumamos o seu mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> viver como nosso caminhoexistencial. Neste mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> viver, Deus mesmo se torna presença viva e atuante. Pelamediação da própria vida, vivida em conformida<strong>de</strong> com a vida que ele é, acolhe-se o <strong>do</strong>mda vida eterna.A vida dada por Jesus, em seu distintivo <strong>de</strong> eternida<strong>de</strong>, verifica-se naexperiência <strong>de</strong> que ele é a verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus <strong>ao</strong> vivo, diante <strong>de</strong> nossos olhos. Jesus é critérioúltimo <strong>de</strong> nossa vida, pois não há nada nele que não seja verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus.A gran<strong>de</strong> manifestação da vida e da verda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus em Jesus acontece no seugesto <strong>de</strong> amor incondicional na cruz 184 . Ali o seu amor irrestrito e a sua fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> plena semanifestam como realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva.É disso que fazemos celebração na Eucaristia, sob os sinais realistas da comida eda bebida que tornam presente esta vida, este corpo (= presença atuante) esangue (= vida dada até o fim, <strong>de</strong>rramada <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> violento). A quem procura opão da vida (cf. Is 55,1-3), Jesus anuncia: “O pão da vida sou eu, o pão vivo soueu, na vida que vivo até morrer por amor. Alimenta-te <strong>de</strong>sta vida e terás vida naeternida<strong>de</strong>” 185 .O tema da vida eterna, no entendimento da maioria <strong>do</strong>s cristãos, necessita <strong>de</strong>uma autêntica “virada copernicana”. Uma nova compreensão que o liberte das perspectivasreducionistas que projetam-no para um além inacessível. Uma nova abordagem quereapresente a sua estimulante vinculação com a existência concreta. Uma mistagogiaeucarística, que privilegie como suas fontes a Sagrada Escritura e a própria celebraçãolitúrgica, é meio privilegia<strong>do</strong> para esta salutar transformação.183 Cf. KONINGS, A vida eu sou, p. 21-22.184 Cf. KONINGS, A vida eu sou, p. 15.185 KONINGS, A vida eu sou, p. 20.


132À luz <strong>de</strong>sses da<strong>do</strong>s, po<strong>de</strong>mos agora percorrer algumas expressões, extraídas daeucologia <strong>do</strong> Missal Romano. Elas nos apresentam a vida eterna como um <strong>do</strong>s elementosda relação eucaristia-escatologia: “Aproveite-nos, ó Deus, a participação nos vossosmistérios. Fazei que eles nos aju<strong>de</strong>m a amar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> agora o que é <strong>do</strong> céu e, caminhan<strong>do</strong>entre as coisas que passam, abraçar as que não passam” (1º Domingo <strong>do</strong> Advento),“recebemos os sacramentos celestes; conce<strong>de</strong>i que eles nos conduzam à vida eterna”(Solenida<strong>de</strong> da Santa Mãe <strong>de</strong> Deus), “que este pão celeste, sacramento para nós na vidaterrena, seja um auxílio para a vida eterna” (Sába<strong>do</strong> <strong>de</strong>pois das Cinzas), “que esta refeiçãonos alcance a vida eterna” (Quarta-feira da 1ª semana da Quaresma), “possamos alcançar asalvação eterna cujo penhor agora recebemos” (Sexta-feira da 2ª semana da Quaresma),“preparai os corações <strong>de</strong> vossos filhos e filhas que enriquecestes com a graça <strong>do</strong> batismo,para que possam merecer a vida eterna” (Terça-Feira da Oitava da Páscoa).Profundamente relaciona<strong>do</strong> com o tema da vida eterna está o da ressurreição. Aeucologia nos conduz a tratá-lo à luz <strong>do</strong> mistério pascal <strong>de</strong> Cristo. Se a morte <strong>de</strong> Jesus foiconseqüência <strong>de</strong> sua vida, o mesmo <strong>de</strong>ve ser dito <strong>de</strong> sua ressurreição. Jesus foi con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>à morte porque teve a sua vida investigada e analisada pelos notáveis <strong>de</strong> seu tempo quelavraram um veredicto <strong>de</strong> morte: “Este não merece viver”. A ressurreição, por sua vez,po<strong>de</strong> ser concebida como uma revisão <strong>de</strong>ssa sentença humana. Ressuscitan<strong>do</strong> Jesus “<strong>ao</strong>terceiro dia”, o Pai revogou <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>finitiva a sentença dada pelos homens e no lugar<strong>de</strong>la proclamou: “Jesus não é digno <strong>de</strong> morrer, mas <strong>de</strong> viver. E <strong>de</strong> viver uma vida emplenitu<strong>de</strong>”. O que em outros termos proclamará Paulo: “Cristo, uma vez ressuscita<strong>do</strong><strong>de</strong>ntre os mortos, já não morre, a morte não tem mais <strong>do</strong>mínio sobre ele” (Rm 6,9) 186 .Com isso, a sentença <strong>de</strong> Deus <strong>de</strong>clara que viver como Jesus viveu, pon<strong>do</strong>-se <strong>do</strong>la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s pequeninos, i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong>-se com eles, incluin<strong>do</strong> os excluí<strong>do</strong>s, isso simé que é viver, essa é a vida que leva a Deus e revela a sua verda<strong>de</strong>ira face.Assim, também a ressurreição <strong>de</strong> Jesus é conseqüência <strong>de</strong> sua vida 187 .Na existência <strong>de</strong> uma pessoa que se pautou pelo fiel seguimento a Cristo,viven<strong>do</strong> como ele viveu, a ressurreição é a revelação <strong>de</strong> que Deus não permitirá que estavida se perca no vazio e na escuridão da morte. Pelo contrário, em Cristo Deus a assume<strong>de</strong>finitivamente em si. A ressurreição daquele que está em Cristo também é conseqüência<strong>de</strong> sua vida.186 Cf. TABORDA, Esperan<strong>do</strong> sua vinda gloriosa, p. 8.187 Cf. TABORDA, Esperan<strong>do</strong> sua vinda gloriosa, p. 8.


133Sobretu<strong>do</strong> a eucologia das post-communio pascais enfatiza esse nexo entre aeucaristia e a ressurreição. E a perspectiva que acima aludimos realça nelas esta relação:“redimi<strong>do</strong>s pela paixão <strong>do</strong> vosso Filho, gozemos também da sua ressurreição” (Sexta-Feirada Oitava da Páscoa), “renova<strong>do</strong>s pelos sacramentos pascais, cheguemos à glória daressurreição” (Domingo da Páscoa na Ressurreição <strong>do</strong> Senhor), “conce<strong>de</strong>i <strong>ao</strong>s querenovastes pelos vossos sacramentos a graça <strong>de</strong> chegar um dia à glória da ressurreição dacarne” (Sába<strong>do</strong> na Oitava da Páscoa).A vida eterna é o último e irrevogável estágio <strong>do</strong> processo salvífico. O Cristoglorioso, cujo mistério pascal celebramos na eucaristia, é a totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cumprimento dapromessa, é a plenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>, é o ingresso no paraíso e, é ele mesmo, a vida eterna. ODeus que se fez homem diviniza os homens pela <strong>do</strong>ação que faz <strong>de</strong> si mesmo 188 . É acomunicação <strong>de</strong> Deus <strong>ao</strong>s homens iniciada na fé: “aquele que crê tem a vida eterna” (Jo3,36) e consumada na visão: “seremos semelhantes a ele porque o veremos tal como ele é”(1Jo 3,2).Esse mistério da comunicação da vida divina em Cristo, nós o celebramossacramentalmente na eucaristia. Por isso a tradição litúrgica e a experiência espiritual daIgreja não hesitam em consi<strong>de</strong>rar a eucaristia como pregustação da eternida<strong>de</strong>, antecipaçãoe penhor da vida futura, participação pela fé na vida ressuscitada, viático daqueles queperegrinam rumo <strong>ao</strong> céu, prelúdio <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>.Na liturgia eucarística nos é da<strong>do</strong> saborear antecipadamente a consumaçãoescatológica para a qual to<strong>do</strong> o homem e a criação inteira estão a caminho (Rm8,19s). O homem é cria<strong>do</strong> para a felicida<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira e eterna, que só o amor <strong>de</strong>Deus po<strong>de</strong> dar; mas a nossa liberda<strong>de</strong> ferida extraviar-se-ia se não lhe fossepossível experimentar, já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> agora, algo da consumação futura 189 .b.3 <strong>Da</strong> <strong>mesa</strong> <strong>de</strong> <strong>peregrinos</strong> <strong>ao</strong> <strong>banquete</strong> nupcial <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>A dimensão escatológica da celebração eucarística recebe uma expressãoprofundamente significativa com as imagens <strong>do</strong> <strong>banquete</strong> e das núpcias. A estas imagensajuntam-se outras que lhe são complementares e aparecem na eucologia <strong>do</strong> missal,principalmente nas orações pós-comunhão. As mais freqüentes são: participação na <strong>mesa</strong>(5º Domingo <strong>do</strong> Tempo Comum), sacieda<strong>de</strong> e inebriamento (27º Domingo <strong>do</strong> TempoComum), união (missa ritual <strong>do</strong> dia da profissão religiosa). Há também expressões ligadas188 Cf. RUIZ DE LA PEÑA, Páscua, p. 214.189 BENTO XVI, Sacramentum Caritatis n. 30.


134<strong>ao</strong> convívio, à comensalida<strong>de</strong> e <strong>ao</strong>s efeitos da participação no <strong>banquete</strong> eucarístico: provar,participar e amar as alegrias <strong>do</strong> céu (1º Domingo <strong>do</strong> Advento, 6º Domingo <strong>do</strong> TempoComum, Segunda-feira da 2ª Semana da Quaresma), ser restaura<strong>do</strong> à <strong>mesa</strong> (22º Domingo<strong>do</strong> Tempo Comum), entrar na posse ou receber o que foi prometi<strong>do</strong> (29º e 31º Domingos<strong>do</strong> Tempo Comum), ser eternamente sacia<strong>do</strong> na <strong>mesa</strong> <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> (Quinta-Feira Santa),conviver com as realida<strong>de</strong>s celestes (Ascensão <strong>do</strong> Senhor) 190 .Existe, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a profecia <strong>de</strong> Isaías até o Apocalipse, a visão e <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> umaliturgia celestial (cf. Is 6,1-4; Ap 4,1-11). Nesta liturgia, a bem-aventurança eterna dacriatura se manifesta como louvor, reverência e serviço diante da majesta<strong>de</strong> divina 191 .Todavia, essa apresentação, tão carregada <strong>de</strong> esplen<strong>do</strong>r e glória, po<strong>de</strong>ria incutir um temorreverencial diante <strong>do</strong> tremendum divino manifesta<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma tão solene. Uma reverênciaque se <strong>de</strong>svirtuasse em distância em relação a Deus e se erguesse como obstáculo diante <strong>de</strong>qualquer forma <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> com o Cria<strong>do</strong>r. É em vista da superação <strong>de</strong>sse risco que aEscritura apresenta uma dialética entre várias imagens e metáforas. Nelas, proximida<strong>de</strong> ereverência, terror e fascínio, a<strong>do</strong>ração e intimida<strong>de</strong> se articulam harmoniosamente. Taldialética foi assimilada pelos textos litúrgicos.Nesse senti<strong>do</strong>, as duas imagens já mencionadas <strong>de</strong>stacam-se em relação às<strong>de</strong>mais porque partem <strong>de</strong> ações e necessida<strong>de</strong>s humanas fundamentais e, <strong>ao</strong> mesmo tempo,superam-nas. As imagens <strong>do</strong> <strong>banquete</strong> e das núpcias são assumidas como anúncio <strong>de</strong> umasuper-realização <strong>do</strong> humano em sua comunhão plena e <strong>de</strong>finitiva com Deus.O uso da imagem <strong>do</strong> <strong>banquete</strong>, enquanto expressão da comunhão com Deus, éapoia<strong>do</strong> por vários textos veterotestamentários (cf. Gn 18,3-8; Is 25,6). Por sua vez, Jesusassume o <strong>banquete</strong> como lugar privilegia<strong>do</strong> da revelação <strong>do</strong> amor misericordioso <strong>do</strong> Pai e<strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> messiânica (cf. Mt 9,9-13; 22,2; 25,10; Lc 5,29; 15,1-2; 19,1-10). Assim,o <strong>banquete</strong> terreno se converte em anúncio e antecipação <strong>do</strong> eterno. São igualmenteimportantes as refeições que o Ressuscita<strong>do</strong> faz com os seus discípulos (cf. Lc 24,30-35;190 O termo latino convivivum po<strong>de</strong> ser traduzi<strong>do</strong> por <strong>banquete</strong> ou convívio. A tradução brasileira opta, namaior parte <strong>do</strong>s casos, por convívio.191 Cf. VON BALTHASAR. Hans Urs. Teodramática: el último acto. Madrid: Encuentro, 1997. v. 5, p. 457.Com liberda<strong>de</strong> incomum, Von Balthasar transita pelos textos da Escritura. As metáforas das núpcias e <strong>do</strong><strong>banquete</strong> nupcial são assumidas numa perspectiva escatológica que realça o mistério eucarístico com novasluzes. O amor conjugal é imagem <strong>do</strong> mistério da aliança on<strong>de</strong>, por amor, Deus se entrega <strong>ao</strong> seu povo e este oreconhece como seu Senhor. As núpcias e o <strong>banquete</strong> são metáforas que a Escritura escolheu para falar <strong>de</strong>aspectos fundamentais da relação <strong>de</strong> Deus com a humanida<strong>de</strong>. Na eucaristia, o Senhor se oferece como um<strong>do</strong>m <strong>ao</strong>s comungantes. Pela eucaristia, a Igreja se converte num só corpo em Cristo. Tal como numa uniãonupcial, a assembléia celebrante permanece distinta e, <strong>ao</strong> mesmo tempo, totalmente unida àquele que elarecebe e a quem ela se dá. Na eucaristia, realiza-se a mútua entrega entre Cristo e a Igreja.


13536-49; Jo 19-26). Nelas firma-se a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da Igreja nascente. Na pregação <strong>de</strong> Jesus, o<strong>banquete</strong> também aparece como elemento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> escatológica. VonBalthasar 192 consi<strong>de</strong>ra que os gran<strong>de</strong>s <strong>banquete</strong>s nupciais das parábolas <strong>de</strong> Jesus (cf. Mt22,2-14; 25,10; Lc 14,16-24) ligam-se diretamente com o “<strong>banquete</strong> nupcial <strong>do</strong> Cor<strong>de</strong>iro”(cf. Ap 19,7). O convite para o <strong>banquete</strong> significa a oferta gratuita da bem-aventurança (cf.Ap 19,9).A intimida<strong>de</strong> recíproca, como aspecto característico <strong>do</strong> <strong>banquete</strong>, aparecevárias vezes no Novo Testamento. Essa imagem ten<strong>de</strong> naturalmente a articular-se com adas núpcias. No <strong>banquete</strong>, Jesus se apresenta não somente como anfitrião, mas tambémcomo o próprio alimento. Como anfitrião, Jesus se manifesta <strong>ao</strong> convidar os discípulospara a refeição comum (cf. Jo 21,10) ou quan<strong>do</strong> promete à comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> L<strong>ao</strong>dicéia: “Eisque estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, eu entrarei na suacasa e tomaremos a refeição, eu com ele e ele comigo” (Ap 3,20). Como anfitrião ealimento, simultaneamente <strong>ao</strong> prometer: “O pão que eu darei é a minha carne para a vida<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” (Jo 6,51). Por último, como alimento, on<strong>de</strong> a metáfora – tão <strong>de</strong>nsa em suareferência física – remete <strong>ao</strong> anelo nupcial da carne e <strong>do</strong> espírito que se fazem um (cf. Mt19,6): “aquele que come a minha carne e bebe <strong>do</strong> meu sangue permanece em mim eu nele .O que come <strong>de</strong>ste pão viverá para sempre” (Jo 6,56.58). Acrescentemos também os textospaulinos. Neles o mistério eucarístico da ceia se transforma essencialmente numa imagem<strong>do</strong> mistério da união nupcial <strong>de</strong> Deus com o seu povo em Cristo (cf. 1Cor 10,16; 11,23).“Sinto por vós um amor ciumento semelhante <strong>ao</strong> amor que Deus vos tem. Fui eu que vos<strong>de</strong>sposei a um único esposo, apresentan<strong>do</strong>-vos a Cristo como virgem pura” (2Cor 11,2). ACarta <strong>ao</strong>s Efésios traslada o arquétipo das núpcias para o mistério <strong>do</strong> amor matrimonialentre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5,2). Se a união matrimonial faz <strong>do</strong> homem e da mulher “umasó carne” (Gn 2,24), então, partin<strong>do</strong> <strong>de</strong>ste mesmo princípio, po<strong>de</strong>mos afirmar que aunida<strong>de</strong> entre Cristo e a Igreja converte-a em Corpo <strong>de</strong> Cristo. Na Igreja, <strong>de</strong> formaesponsal, o Cristo ama a sua própria carne (cf. Ef 5,29-30) 193 .A beleza das imagens <strong>do</strong> <strong>banquete</strong> e das núpcias não <strong>de</strong>ve nos fazer olvidar quea realida<strong>de</strong> sempre ultrapassa as metáforas ou imagens que tentam retratá-la. <strong>Da</strong>í Pauloafirmar categoricamente que “o <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paze alegria no Espírito Santo” (Rm 14,17). E que Deus <strong>de</strong>struirá as necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> corpo192 Cf. VON BALTHASAR. Teodramática, p. 457.193 Cf. VON BALTHASAR, Teodramática, p. 458.


136(cf. 1Cor 6,13). Igualmente serão superadas a morte, o sofrimento e a lamentação (cf. Ap21,4). De forma ainda mais radical, Jesus rechaça a pergunta casuística <strong>do</strong>s saduceus quenão compreen<strong>de</strong>m as Escrituras e o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Deus: “na ressurreição não haverá homens emulheres casan<strong>do</strong>-se, mas serão como anjos no céu” (Mt 22,30). Estas imagens servem <strong>de</strong>anúncio da profunda comunhão <strong>de</strong> vida que Deus quer estabelecer com a humanida<strong>de</strong>.Uma comunhão cuja fonte e termo é a própria Trinda<strong>de</strong>.Na solenida<strong>de</strong> <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os Santos, temos um <strong>do</strong>s exemplares mais bemelabora<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntre as orações pós-comunhão <strong>do</strong> Missal Romano <strong>de</strong> Paulo VI 194 . Esta oraçãoarticula <strong>de</strong> forma muito feliz o pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> efeito escatológico da vida eterna com a imagem<strong>do</strong> <strong>banquete</strong>, ten<strong>do</strong> feito antes alusão à nossa condição <strong>de</strong> <strong>peregrinos</strong>.Ao celebrarmos, ó Deus, to<strong>do</strong>s os Santos, nós vos a<strong>do</strong>ramos e admiramos,porque só vós sois Santo, e imploramos que a vossa graça nos santifique naplenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> vosso amor, para que, <strong>de</strong>sta <strong>mesa</strong> <strong>de</strong> <strong>peregrinos</strong> passemos <strong>ao</strong><strong>banquete</strong> <strong>do</strong> vosso <strong>Reino</strong>.É um texto <strong>de</strong>nso, expressivo e profun<strong>do</strong>. Seus horizontes teológicos e místicossão amplíssimos. Na consumação da história, está a plenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> amor divino que realiza aperfeição da santida<strong>de</strong> 195 . É singularmente realçada a condição pascal da Igreja. O seuêxo<strong>do</strong> para a pátria <strong>de</strong>finitiva, on<strong>de</strong> se encontra o <strong>banquete</strong> <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>, acontece durante anossa peregrinação histórica.A eucaristia é o sacramento <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus. “Por seu sacrifício, Jesusoferece <strong>ao</strong>s discípulos um penhor da vinda escatológica <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>. É ele mesmo queencarna esse <strong>Reino</strong>: seu corpo e seu sangue” 196 . A primeira etapa da realização <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> éa própria eucaristia. Já nesta terra, a eucaristia é o centro da vida espiritual no <strong>Reino</strong>instaura<strong>do</strong> por Jesus. Na celebração eucarística, está posta a <strong>mesa</strong> <strong>do</strong>s <strong>peregrinos</strong>. Aplenitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> se dará na parusia <strong>do</strong> Senhor. Nela acontecerá a entrada <strong>de</strong>finitiva no<strong>Reino</strong> e estará consumada a Páscoa em sua totalida<strong>de</strong>. Alimenta<strong>do</strong>s com o Pão da Vida, osfiéis já po<strong>de</strong>m pregustar as alegrias <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> vin<strong>do</strong>uro e antecipar profeticamente a suarealização neste tempo <strong>de</strong> peregrinação terrena. A vida da Igreja, nutrida pela eucaristia,abre-se para o futuro e aguarda jubilosa o cumprimento da promessa divina. Mesmoperegrinan<strong>do</strong> “nas estradas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> rumo <strong>ao</strong> céu” (oração eucarística V), a Igreja194 Esta pós-comunhão é originária <strong>do</strong> Missal Parisiense <strong>de</strong> 1736. Cf. DUMAS, Les sources, p. 277.195 Cf. URTASUN, Cornelio. Las oraciones <strong>de</strong>l misal: escuela <strong>de</strong> espiritualidad <strong>de</strong> la Iglesia. Barcelona:CPL, 1995. p. 766-769.196 Cf. DHAVAMONY, Mariasusai. Teologia cristã das religiões e eucaristia. In BROUARD, Maurice (org.).Eucharistia: enciclopédia da eucaristia. São Paulo: Paulus. p. 941.


137experimenta, <strong>ao</strong> mesmo tempo, a alegria <strong>do</strong> <strong>do</strong>m já recebi<strong>do</strong> e a esperança da promessaainda não plenamente realizada: ingressar irrevogavelmente no <strong>banquete</strong> <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> 197 .197 Cf. FORTE, Bruno. Eucaristia e belezza di Dio. Il Regno, Bologna, n. 3, p. 81-83, 2005.


138ConclusãoA escatologia conheceu notáveis avanços <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XIX. Todavia,reconhecem vários teólogos, a presente situação <strong>do</strong> tema escatológico é complexa e difícil.Novos <strong>de</strong>safios e não poucas perplexida<strong>de</strong>s se apresentam e reclamam respostas.O cenário <strong>do</strong> atual <strong>de</strong>bate escatológico é marca<strong>do</strong> pelas circunstâncias que seerguem <strong>de</strong>ntro e fora da teologia e <strong>do</strong> ambiente eclesial. Na cultura oci<strong>de</strong>ntal coexistemsituações para<strong>do</strong>xais. De um la<strong>do</strong>, o <strong>de</strong>clínio da sensibilida<strong>de</strong> escatológica gera<strong>do</strong> pelasecularização. O homem seculariza<strong>do</strong> transformou sua autonomia num valor absoluto,restringiu a esperança <strong>ao</strong>s limites <strong>de</strong> sua própria dinâmica histórica, <strong>de</strong>ssacralizou o mun<strong>do</strong>e remeteu a religião para o âmbito priva<strong>do</strong>. Nesse contexto, a escatologia tornou-seestranha <strong>ao</strong> homem contemporâneo. Entretanto, este mesmo homem continua temen<strong>do</strong> amorte e se questionan<strong>do</strong> sobre a existência <strong>de</strong> um além-túmulo e sobre o senti<strong>do</strong> profun<strong>do</strong>da existência.Décadas atrás se proclamava a morte <strong>de</strong> Deus e o fim da religião. O futuroproposto pelo socialismo parecia acessível. O i<strong>de</strong>al <strong>do</strong> progresso e <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento eraaceito como caminho rumo a um mun<strong>do</strong> melhor. O final <strong>do</strong> século XX testemunhou a crisee a <strong>de</strong>rrocada <strong>de</strong>ssas gran<strong>de</strong>s utopias e, gradualmente, a cida<strong>de</strong> secular assistiu umainusitada volta <strong>ao</strong> sagra<strong>do</strong>. Nela agora convivem a própria cosmovisão secularizada, oceticismo e o retorno não só das formas religiosas tradicionais, mas <strong>de</strong> uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong>outros caminhos espirituais. Aí resi<strong>de</strong> o para<strong>do</strong>xo: neste cenário, conforme a posição <strong>de</strong>seus atores, a escatologia é simultaneamente rejeitada, relativizada ou resgatada sob novasformas e expressões que nem sempre são as <strong>do</strong> cristianismo.C. Schönborn 1 exemplifica este novo contexto com a releitura pós-mo<strong>de</strong>rnaque o Oci<strong>de</strong>nte faz da <strong>do</strong>utrina da reencarnação. As religiões e culturas orientais concebema reencarnação como um <strong>de</strong>stino <strong>do</strong> qual o homem almeja escapar a fim <strong>de</strong> encontrar aplenitu<strong>de</strong>. O Oci<strong>de</strong>nte subverteu esta lógica. A reencarnação aparece como uma novaforma <strong>de</strong> salvação e, o que é impressionante, como forma <strong>de</strong> manutenção <strong>de</strong> umapermanência gozosa nesse mun<strong>do</strong>. Cai esmaecida a perspectiva <strong>do</strong> encontro com um Deuspessoal após a morte e da transcendência em relação à presente vida terrestre.1 Cf. SCHÖNBORN, Christoph. Rissurrezione e reencarnazione. Casale Monferrato: Marietti, 1990. p. 38.


139Nesse ambiente, estão radicadas as nossas comunida<strong>de</strong>s eclesiais. Dificilmentea maior parte <strong>do</strong>s cristãos logra escapar, <strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong>, <strong>de</strong> sua influência. A esperançaescatológica cristã <strong>de</strong>ve ser anunciada e vivida nesta realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>safiante.Acrescentemos à <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong>sse cenário mais alguns da<strong>do</strong>s referentes <strong>ao</strong>ambiente eclesial. Des<strong>de</strong> o Vaticano II, o discurso escatológico experimentou tremendasmudanças. A teologia se viu impelida a repensar o esquema da escatologia tradicional. Apregação sobre os novíssimos, tão presente na Igreja pré-conciliar, quase <strong>de</strong>sapareceu. Oseu lugar, porém, não foi ocupa<strong>do</strong> por um anúncio renova<strong>do</strong> das realida<strong>de</strong>s escatológicas.Há muito se tem nota<strong>do</strong> o silêncio em que caiu a pregação das realida<strong>de</strong>s últimas.No tocante à reflexão teológica, são inegáveis as conquistas e os avançosobti<strong>do</strong>s nesse processo <strong>de</strong> renovação da escatologia. Todavia, aqui se <strong>de</strong>svela uma facedramática <strong>de</strong>sta renovação: o abismo entre o que foi alcança<strong>do</strong> pelos teólogos e aexperiência <strong>de</strong> fé das comunida<strong>de</strong>s cristãs que praticamente <strong>de</strong>sconhece essa novaescatologia.A maior parte <strong>do</strong>s fiéis ainda tem como referência a escatologia tradicionalmesclada com uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros elementos religiosos e culturais. É esta escatologiaque continua forman<strong>do</strong> várias gerações cristãs. Faz isto através <strong>do</strong> que recebem dareligiosida<strong>de</strong> popular, da cultura local, <strong>do</strong>s catecismos e <strong>de</strong>vocionários. Acrescente-se que,com o advento da mídia católica, é também esta escatologia que, não poucas vezes, épregada a milhares <strong>de</strong> telespecta<strong>do</strong>res. É fato constatável esta permanência da escatologiatradicional. Uma permanência que entra em contato com elementos das mais variadasorigens religiosas e culturais e com eles se mescla. Num contexto <strong>de</strong> pluralismo religioso,torna-se quase inevitável a mistura <strong>de</strong> elementos que, em princípio, são antagônicos.Por sua vez, o ambiente acadêmico das faculda<strong>de</strong>s e seminários assumiu, emgrau maior ou menor, a escatologia renovada. Nela a opção quase majoritária é por tesescomo as da antropologia unitária e da ressurreição na morte. O <strong>de</strong>sencontro se dá nocotidiano das comunida<strong>de</strong>s. A pregação escatológica <strong>do</strong>s ministros da Igreja transforma-senum discurso que, quan<strong>do</strong> não se choca com a sensibilida<strong>de</strong> popular, sequer <strong>de</strong>sperta umamudança <strong>de</strong> compreensão. Muitos não reconhecem nela a sua fé. Surgem dúvidas,confusão e não poucas perplexida<strong>de</strong>s.A situação <strong>do</strong> prega<strong>do</strong>r ou <strong>do</strong> agente <strong>de</strong> pastoral melhor forma<strong>do</strong> não éconfortável. Por um la<strong>do</strong>, sua formação acadêmica proporcionou-lhe um senso crítico que


140se horroriza com uma <strong>de</strong>scrição da “topografia <strong>do</strong> além” ou com a afirmação da almaseparada <strong>do</strong> corpo. Por outro, falta-lhe instrumental a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> para falar, <strong>de</strong> forma nova,<strong>ao</strong>s seus ouvintes sobre as realida<strong>de</strong>s escatológicas. Enquanto isso, a práxis popular seguecultivan<strong>do</strong> suas <strong>de</strong>voções, práticas e mentalida<strong>de</strong> que mais se harmonizam com o antigoanúncio <strong>do</strong>s novíssimos. Esses são alguns exemplos pontuais para ilustrar o tremen<strong>do</strong><strong>de</strong>safio <strong>de</strong> se encarnar o discurso escatológico renova<strong>do</strong> no ambiente popular.A teologia também tem seus <strong>de</strong>safios no campo <strong>do</strong> próprio trata<strong>do</strong>escatológico. A reflexão teológica, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> tão gran<strong>de</strong> esforço para atualizar aescatologia, parece dar sinais <strong>de</strong> cansaço. Há quem fale da situação <strong>de</strong> esgotamento e <strong>de</strong>pura especulação no atual <strong>de</strong>bate escatológico 2 . G. Ancona 3 percebe que as questõesreferentes à escatologia se tornaram tão numerosas e diferenciadas entre si a ponto <strong>de</strong> nãoser mais possível sua solução como um to<strong>do</strong>. Já existe quem afirme que a tese daressurreição na morte criou mais problemas <strong>do</strong> que propôs resolver. O que se po<strong>de</strong>constatar é que, por baixo <strong>do</strong> atual impasse escatológico, resi<strong>de</strong> um problemaantropológico. Diante da apresentação <strong>do</strong> ser humano como um composto <strong>de</strong> corpo e alma(consi<strong>de</strong>rada dualista e ausente na Escritura), apresentou-se uma perspectiva unitária,segun<strong>do</strong> a qual o homem é um eu encarna<strong>do</strong>. Este eu não mais seria pessoa humana sefosse <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong> <strong>de</strong> sua dimensão corporal. A partir da antropologia unitária, questionousea afirmação <strong>de</strong> um esta<strong>do</strong> intermédio on<strong>de</strong> a alma esteja separada <strong>do</strong> corpo. De toda essasituação complexa, <strong>de</strong>duz-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um aprofundamento da questãoantropológica em toda a sua <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> bíblica, teológica e magisterial. Trata-se <strong>de</strong> abordarcorajosamente to<strong>do</strong>s os interrogantes atualmente suscita<strong>do</strong>s 4 .Esclarecer, aprofundar e consolidar a práxis da fé é a razão <strong>de</strong> ser da reflexãoteológica. Uma reflexão que não interaja com a práxis cristã se <strong>de</strong>turparia em puraespeculação, con<strong>de</strong>nada à inutilida<strong>de</strong>. O <strong>de</strong>bate escatológico se faz levan<strong>do</strong> em conta omomento presente com suas possibilida<strong>de</strong>s e interpelações. E como não se sentirinterpela<strong>do</strong> diante da distância entre as conquistas da escatologia renovada e o cotidiano davida eclesial? Ou não ser atingi<strong>do</strong> pelos impasses da teologia nessa área?As conquistas e os <strong>de</strong>safios nos impelem a perceber a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umarecomposição <strong>do</strong> discurso escatológico. A teologia sempre refletiu sobre a esperança2 Cf. SAYÉS, Escatología, p. 8.3 ANCONA, Escatologia Cristiana, p. 6.4 Cf. SAYÉS, Escatología, p. 11.


141escatológica. Esperança que é vivida no cotidiano da Igreja e, por isso, marcada pelahistória e por seus condicionamentos. É <strong>ao</strong> longo <strong>de</strong> um processo histórico que a esperançaescatológica se diz. Em cada perío<strong>do</strong>, como vimos no início <strong>de</strong>sta dissertação, aescatologia recebeu <strong>de</strong>terminadas acentuações e outras tantas atenuações. Existem,portanto, os <strong>de</strong>sequilíbrios e as lacunas que precisam ser trata<strong>do</strong>s. <strong>Da</strong>í a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>constante autocrítica, revisão e recomposição da escatologia.Este processo <strong>de</strong> recomposição não po<strong>de</strong> ser interpreta<strong>do</strong> como uma espécie <strong>de</strong>recriação da escatologia a partir <strong>do</strong> zero. Trata-se <strong>de</strong> reor<strong>de</strong>nar o discurso e sanar os<strong>de</strong>sequilíbrios com um objetivo muito claro: testemunhar a esperança escatológica <strong>de</strong>forma coerente e acessível <strong>ao</strong> mun<strong>do</strong> <strong>de</strong> hoje. Não se trata <strong>de</strong> mudar a fé ou inventar outraesperança escatológica, mas <strong>de</strong> ter a ousadia <strong>de</strong> promover a sua inculturação. Tarefadificílima que não comporta mais adiamentos.Acreditamos que o primeiro passo rumo à recomposição da escatologia é da<strong>do</strong>quan<strong>do</strong> respon<strong>de</strong>mos a seguinte questão: o que confere originalida<strong>de</strong> à esperança cristã?Em outros termos significa perguntar por nossa própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cristã, indagan<strong>do</strong> quemrealmente somos e qual o teor da nossa experiência existencial. Significa tambémperguntar sobre o que diferencia a escatologia cristã das outras propostas religiosas e dasfuturologias seculares. E po<strong>de</strong>mos ir ainda mais longe: o que a nossa esperançaescatológica oferece como boa-nova <strong>ao</strong> homem <strong>de</strong> hoje?Mais uma vez, reconhecemos que é complexa e difícil a situação <strong>do</strong> <strong>de</strong>bateescatológico. Todavia, fazemos esta constatação não com uma nota <strong>de</strong> pessimismo ou<strong>de</strong>salento. As respostas das perguntas acima elencadas não pertencem somente <strong>ao</strong> estrito<strong>de</strong>bate acadêmico. Cremos que tais respostas emergirão não só no ambiente da puraespeculação. A teologia po<strong>de</strong>rá tirar <strong>do</strong> seu tesouro “coisas novas e velhas” (Mt 13,51-52)<strong>ao</strong> mergulhar na experiência espiritual gerada pela esperança escatológica. Lugar daexperiência cristã é, por excelência, a Igreja em oração. Nesse senti<strong>do</strong>, o méto<strong>do</strong>mistagógico tem uma gran<strong>de</strong> contribuição a oferecer.A mistagogia é um caminho privilegia<strong>do</strong> não só para a teologia sacramental,mas também para a escatologia. Uma abordagem <strong>do</strong>s sacramentos a partir da lex orandi écapaz <strong>de</strong> indicar alguns <strong>do</strong>s principais pressupostos para a recomposição da escatologia.Trata-se <strong>de</strong> elaborar uma significação da esperança e da promessa escatológicas capaz <strong>de</strong>


142interpelar o homem contemporâneo. Na liturgia, po<strong>de</strong>mos entrar em contato vital edinâmico com a dimensão escatológica da fé e da vida cristã.A análise da relação eucaristia-escatologia nos move a enfatizar três <strong>de</strong>stespressupostos:a) A centralida<strong>de</strong> <strong>do</strong> mistério pascal <strong>de</strong> CristoO evento pascal tem um papel fundamental na articulação da esperançaescatológica. É o eixo da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e o ponto <strong>de</strong> partida da escatologia cristã.A Páscoa é um princípio teológico: ajuda a compreen<strong>de</strong>r não só a totalida<strong>de</strong> davida e da missão <strong>de</strong> Jesus, mas o senti<strong>do</strong> da existência humana e <strong>de</strong> toda a criação. Naressurreição, a vida humana <strong>de</strong> Jesus <strong>de</strong> Nazaré foi introduzida na plenitu<strong>de</strong> da vida emDeus. É o sinal incontestável das primícias <strong>do</strong>s novos céus e da nova terra. O Cristoressuscita<strong>do</strong> é a prolepse da plenitu<strong>de</strong> escatológica. Em seu mistério pascal, temos umaantecipação da consumação para a qual caminha a totalida<strong>de</strong> <strong>do</strong> cosmos. Com suaressurreição, Jesus inaugurou o éschaton, a realida<strong>de</strong> nova e <strong>de</strong>finitiva.A liturgia celebra a ressurreição não como um fato extr<strong>ao</strong>rdinário, mas comoboa-nova que atinge a humanida<strong>de</strong> e toda a criação. O memorial eucarístico não é asimples recordação <strong>de</strong> um fato notável <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. Na eucaristia, a comunida<strong>de</strong> cultualtem acesso <strong>ao</strong> evento fundante <strong>de</strong> sua salvação: o mistério pascal <strong>de</strong> Cristo. Este acesso,sob a forma sacramental, gera uma configuração histórica <strong>do</strong> Corpo eclesial <strong>de</strong> Cristoaberta à plenitu<strong>de</strong> escatológica.A profundida<strong>de</strong> e riqueza <strong>de</strong>sse mistério merecem estar <strong>ao</strong> alcance <strong>do</strong>conhecimento e da experiência das comunida<strong>de</strong>s cristãs. <strong>Da</strong>í a necessida<strong>de</strong> permanente <strong>de</strong>uma teologia e <strong>de</strong> uma catequese que sejam mistagógicas. Por sua vez, a vivência concretada dimensão escatológica da eucaristia é capaz <strong>de</strong> fecundar generosamente a reflexãoteológica com novas intuições e abordagens.b) O resgate da narração e <strong>do</strong> símbolo no anúncio da esperança escatológicaO esforço humano para compreen<strong>de</strong>r e interpretar a realida<strong>de</strong> aparece verti<strong>do</strong>sob a forma <strong>de</strong> linguagem. Por linguagem se enten<strong>de</strong> não só a expressão externa dacomunicação por meio das palavras e outros sinais, mas to<strong>do</strong> o processo interior e exteriorque expressa a realida<strong>de</strong> humana como comunicação. O anúncio da esperança escatológica


143e a superação da excessiva distância entre o discurso teológico e o cotidiano eclesialpassam, necessariamente, pelo universo da linguagem.Um <strong>do</strong>s maiores <strong>de</strong>safios que a teologia tem diante <strong>de</strong> si é o <strong>de</strong> se expressarnuma linguagem inteligível <strong>ao</strong> homem <strong>de</strong> hoje. Desafio tremen<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> o tema é aescatologia. Diante da escatologia, a linguagem teológica se <strong>de</strong>para com o para<strong>do</strong>xo.A escatologia é a ciência <strong>do</strong> quê mais que <strong>do</strong> como. Sei, por exemplo, queressuscitarei, mas sei muito pouco, para não dizer que não sei absolutamentenada, como isso acontecerá. . A escatologia é verda<strong>de</strong>iramente um frente a frentecom o mistério. O querer forçar este limite para mais além das nossaspossibilida<strong>de</strong>s significa lançar-se no mar aberto, para além das colunas <strong>de</strong>Hércules 5 .Esta constatação po<strong>de</strong>ria soar como um veto <strong>ao</strong> <strong>de</strong>bate escatológico e àprocura <strong>de</strong> um instrumental comunicativo capaz <strong>de</strong> expressar essa dimensão da fé cristã.Isso, porém, não correspon<strong>de</strong> à realida<strong>de</strong>. Afinal, “já em posse das promessas futuras, nósestamos plenamente autoriza<strong>do</strong>s a afirmar sua completa realização. Os esta<strong>do</strong>s finais, já emato no nosso presente, encontrarão no futuro o seu pleno cumprimento” 6 . Afirmar algosobre uma realida<strong>de</strong> significa tecer uma linguagem a respeito <strong>de</strong>la.A expressão <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> teológico, mesmo sob as formas limitadas <strong>do</strong>ssinais lingüísticos e conceituais, é uma necessida<strong>de</strong> irrenunciável. A única linguagem queenten<strong>de</strong>mos é a linguagem que surge da experiência humana. Cada termo por elaemprega<strong>do</strong> traz a marca da experiência da qual surgiu. Deus se revela aludin<strong>do</strong> à realida<strong>de</strong><strong>do</strong> homem 7 .O anúncio das realida<strong>de</strong>s escatológicas nos remete para o dinamismocomunicativo da revelação. Deus encarna a sua Palavra nas nossas palavras e revela o seumistério <strong>ao</strong> nosso entendimento, que necessita <strong>de</strong> categorias espaciais e temporais paracompreen<strong>de</strong>r. De forma correlativa, o nosso entendimento, por meio <strong>do</strong> símbolo e danarração, po<strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>r <strong>do</strong> patente e visível <strong>ao</strong> latente e invisível. É o movimento queparte das coisas visíveis, mas não se <strong>de</strong>tém nelas. A Tradição da Igreja consi<strong>de</strong>ra ossacramentos como sinal visível da graça invisível. Por isso a eucaristia é chamada <strong>de</strong>antecipação visível da escatologia plena e invisível.5 FROSINI, Teologia hoje, p. 261.6 FROSINI, Teologia hoje, p. 261.7 Cf. SEGUNDO, Juan Luís. El <strong>do</strong>gma que libera: fé, revelación y magistério <strong>do</strong>gmático. Santan<strong>de</strong>r: SalTerrae, 1989. p. 125-126.


144A aproximação entre a reflexão teológica e a vida eclesial cotidiana é umatarefa situada no âmbito da linguagem. Um caminho promissor é a re<strong>de</strong>scoberta da forçacomunicativa e das potencialida<strong>de</strong>s hermenêuticas presentes na narração e no símbolo. AEscritura e a liturgia são essencialmente narrativas e simbólicas.A narração tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> interpelar profundamente aqueles que a escutam. Osouvintes entram em relação com os fatos que a narração evoca. A força da narraçãoatualiza o conteú<strong>do</strong> narra<strong>do</strong>. Dizer que os ouvintes se comprometem com o acontecimentonarra<strong>do</strong> significa dizer que celebram este acontecimento.Por isso a melhor maneira <strong>de</strong> anunciar a esperança escatológica é celebrá-la naeucaristia. Os ouvintes da narração se convertem em celebrantes. Ligam-seexistencialmente <strong>ao</strong> que lhes foi narra<strong>do</strong> <strong>do</strong> mistério pascal. Tornam-se comprometi<strong>do</strong>scom a encarnação <strong>de</strong>sta narração em sua existência.O símbolo é igualmente interpelante e compromete<strong>do</strong>r. A liturgia cristã movesetambém no universo <strong>do</strong> símbolo. Arraiga<strong>do</strong> no presente da realida<strong>de</strong> humana, o símbolopossui a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> atualizar os fatos da salvação situa<strong>do</strong>s no passa<strong>do</strong> e antecipar os bensfuturos <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus. Em sua dimensão escatológica, o símbolo nos conduz àexperiência da espera e da vigilância. É a expectativa da manifestação das realida<strong>de</strong>sesperadas, oriundas <strong>do</strong> horizonte escatológico <strong>de</strong> Deus.A linguagem simbólica é regida pela riqueza das imagens (analogias,metáforas, parábolas e alegorias) e pelo dinamismo celebrativo. Manifesta a mesmarealida<strong>de</strong> expressa pela linguagem conceitual, mas num outro nível <strong>de</strong> compreensão eexpressão. A opção da linguagem simbólica é por aquilo que afeta a imaginação humana,move os senti<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>sperta a ação. Na economia sacramental o símbolo conduz aexperiência humana <strong>ao</strong> mistério pascal <strong>de</strong> Cristo. Os símbolos comprometem aqueles queos recebem a atualizar em suas vidas as realida<strong>de</strong>s que eles expressam.Uma melhor compreensão e um mais amplo reconhecimento da estruturasimbólica presente na experiência da fé e na própria teologia formam a condiçãoindispensável para aproximar o discurso teológico e a vivência eclesial, sobretu<strong>do</strong> no quetange à escatologia.


145c) Celebração da esperança escatológica e compromisso com a transformação <strong>do</strong>mun<strong>do</strong>Sobre a escatologia pesou durante muito tempo a acusação <strong>de</strong> que seu discursoalienava as pessoas e as <strong>de</strong>sviava <strong>de</strong> uma inserção transforma<strong>do</strong>ra no ambiente social. Apromessa <strong>de</strong> uma eternida<strong>de</strong> feliz, diziam os críticos, funcionava como um lenitivoofereci<strong>do</strong> <strong>ao</strong>s oprimi<strong>do</strong>s com o objetivo <strong>de</strong> esvaziar qualquer movimento <strong>de</strong> contestação oumudança. Tais acusações não eram <strong>de</strong> to<strong>do</strong> infundadas, mas não faziam justiça à plenaverda<strong>de</strong> da escatologia cristã. Pelo contrário, criava-se <strong>de</strong>la uma caricatura grotesca e seerguia uma forte rejeição <strong>ao</strong> anúncio das realida<strong>de</strong>s últimas.A crítica mo<strong>de</strong>rna impôs <strong>ao</strong> discurso escatológico a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<strong>de</strong>monstrar que uma autêntica esperança escatológica jamais aliena o cristão <strong>do</strong>s <strong>de</strong>safios<strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. O movimento suscita<strong>do</strong> é exatamente o oposto: a promessa <strong>de</strong> novos céus enova terra impele o compromisso com tu<strong>do</strong> o que verda<strong>de</strong>iramente promove o <strong>Reino</strong> <strong>de</strong>Deus já nesta terra.É, portanto, fundamental o <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramento ético da fé escatológica. Acompreensão da liturgia como promotora <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira práxis cristã viabiliza estedirecionamento. Trata-se <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r que, por revelar a lex agendi, a celebraçãolitúrgica, sobretu<strong>do</strong> a eucaristia, é porta<strong>do</strong>ra <strong>de</strong> exigências éticas que <strong>de</strong>vem ser assumidaspela Igreja em oração. Estas exigências éticas são, em outras palavras, não um simplesapelo moral <strong>de</strong>duzi<strong>do</strong> da prática celebrativa. Trata-se da concretização existencial daaceitação dada <strong>ao</strong> convite para a participação no <strong>banquete</strong> <strong>do</strong> <strong>Reino</strong>.Toda vida <strong>de</strong> Jesus está orientada à implantação <strong>do</strong> <strong>Reino</strong> <strong>de</strong> Deus em que ospequeninos têm um lugar privilegia<strong>do</strong>. O símbolo predileto <strong>de</strong> Jesus para falar <strong>do</strong><strong>Reino</strong> é a refeição e o <strong>banquete</strong> (cf. Lc 14,21s). O <strong>Reino</strong> se constrói na refeiçãopartilhada, isto é, partilhan<strong>do</strong> a vida e solidarizan<strong>do</strong>-se com os mais pobres e<strong>de</strong>spreza<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ste mun<strong>do</strong>. Neste senti<strong>do</strong> o <strong>banquete</strong> da eucaristia é já celebraçãono Espírito, da vida em Cristo, mesmo que ainda não vivida <strong>de</strong> forma plena e<strong>de</strong>finitiva 8 .A recomposição <strong>do</strong> discurso escatológico pe<strong>de</strong> não só a manutenção, mas oaprofundamento <strong>do</strong> compromisso ético que <strong>de</strong>ve nascer da esperança que cultivamos e daeucaristia que celebramos.A análise da relação existente entre eucaristia e escatologia revela que omistério pascal e o mistério escatológico são um único e mesmo mistério. É salvação <strong>de</strong>8 LÓPEZ, Pobres sacramentos?!, p. 214.


146Deus, comunicada a nós em Cristo, em sua concretização salvífica na história. É arecapitulação pascal <strong>de</strong> todas as coisas em Cristo.Celebrar a parusia <strong>do</strong> Senhor na eucaristia é pedir que aconteça em toda arealida<strong>de</strong> o que suce<strong>de</strong>u na humanida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jesus: a ressurreição. A parusia se revela comoo último ato da história da salvação. É páscoa, isto é, a passagem rumo à nossa plenatransformação em Cristo. É a superação <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> aquilo que nos impe<strong>de</strong> <strong>de</strong> estarcom o Senhor e ser um com ele.A criação ainda não atingiu tu<strong>do</strong> o que lhe promete a ressurreição <strong>de</strong> Cristo.Mas o mistério pascal já imprimiu nela um dinamismo irrefreável rumo à consumação. Épor este motivo que, sob o véu <strong>do</strong> sacramento, celebramos a parusia <strong>do</strong> Senhor. Estacelebração alimenta a nossa esperança em vista da plenitu<strong>de</strong> ainda não alcançada e noscompromete <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já com o <strong>Reino</strong>. Nessa jubilosa expectativa, participamos da <strong>mesa</strong>eucarística <strong>do</strong>s <strong>peregrinos</strong> até o dia em que ingressaremos <strong>de</strong>finitivamente no <strong>banquete</strong> <strong>do</strong><strong>Reino</strong>.


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