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arquitetura e consumo Cançado - MOM. Morar de Outras Maneiras.

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3Lugares-Comuns CLASSIFICADOS: <strong>arquitetura</strong> e <strong>consumo</strong>Dissertação apresentada ao Curso <strong>de</strong> Mestrado da Escola <strong>de</strong> Arquitetura daUniversida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção dotítulo <strong>de</strong> Mestre em Arquitetura. Área <strong>de</strong> concentração: Teoria e Projeto <strong>de</strong>Arquitetura. Orientador: Prof. Doutor José dos Santos Cabral Filho. Escola <strong>de</strong>Arquitetura da UFMG. Belo Horizonte/2002.C a n ç a d o________________________________________W e l l i n g t o n


4AGRADECIMENTOSMeus pais________________________________________________________Renata________________________________________________________Cabral, Rita, Flávio, Natacha, Cássio, CAPES.________________________________________________________


5SUMÁRIORESUMO/ABSTRACT..............................................................................................3INTRODUÇÃO:.........................................................................................................4(EFEITO) DOM-INO...........…..............................................................................1312Standard…………………………………………………………….……………........153MES..........................................................……....................................................….......244CJK®.....................................................................................................…...........295ISO 9000....................………..........................................................................................376PUBLICIDADE..........................................................................................................507Branding............................................................................…….......................................528L’Esprit nouveau………….……………………….....................………….……..........589“Style”.......................................……........................................................................6510Mustique.........................................................................................................................7511UTOPIA.....................................................................................................................8212Ilhas.................................................................................................................................8413Harmonia.........................................................................................................................8914Brasília.............................................................................................................................97


615Île <strong>de</strong> la Cité............................………………..............................................................10516KITSCH......................................................................................................................11417ersatz..............................................................................................................................11618Leite <strong>de</strong> Cal...................................................................................................................12219Abstração.......................................................................................................................13020Função x Ficção...................................................................................................... 13521 CONCLUSÃO:22 “Pequenos anúncios”.............................................................................14222 REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS..............................................................................................15323 ANEXO(Empresas).....................................................................................................................159______________________________________________________________________


3RESUMOEste trabalho investiga as relações entre a <strong>arquitetura</strong> produzida e comercializadapor gran<strong>de</strong>s empresas da construção civil e da incorporação imobiliária nascida<strong>de</strong>s brasileiras e a sua origem imediata: a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna. Partindo <strong>de</strong>uma abordagem ampla dos procedimentos inerentes à produção e à própriamanifestação da <strong>arquitetura</strong> como dispositivo fundamental ao impulso <strong>de</strong>mo<strong>de</strong>rnização do século XX e estratégico <strong>de</strong>ntro da lógica cultural docapitalismo globalizado, esta pesquisa é uma tentativa <strong>de</strong> entendimento <strong>de</strong>sseprocesso e <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>sdobramentos a partir <strong>de</strong> lugares-comuns estabelecidos: dostandard mo<strong>de</strong>rno à certificação ISO, da publicida<strong>de</strong> industrial ao brandingcorporativo, dos gran<strong>de</strong>s planos utópicos aos “pequenos anúncios”, da abstraçãofuncional das vanguardas à ficção da função kitsch. A <strong>arquitetura</strong> imobiliária –tomada como o estudo das relações entre as práticas do <strong>consumo</strong> e <strong>arquitetura</strong>,das implicações da mediação entre sistema econômico e esfera cultural, mais doque <strong>de</strong> uma <strong>arquitetura</strong> específica – materializa o modo estético contemporâneoenquanto (a ilusão da) forma essencial <strong>de</strong>ssas operações.ABSTRACTThis work studies the relationship between architecture produced and commercedby big construction and immovables incorporation enterprises in brazilian citiesand its immediate origin: mo<strong>de</strong>rn architecture. Starting from a wi<strong>de</strong> approach ofthe procedures into the production and into architecture manifestation asfundamental mechanism for twentieth century’s mo<strong>de</strong>rnization impulse and asstrategical into the global capitalism cultural logic, this research is an effort toun<strong>de</strong>rstand this process and its consequences starting at stablished commonplaces:from mo<strong>de</strong>rn standard to ISO certificate, from industrial publicity tocorporative branding, from utopian large scale plans to “little advertisements”,from avant-gar<strong>de</strong>s functional abstraction to the kitsch function of fiction.Architecture in immovables incorporation – taken as the study of the relationshipbetween consuming practices and architecture, of mediations implicated ineconomic system and cultural sphere, more than of a specific architecture –materializes contemporary aesthetics way as (the illusion of) essencial form ofthese operations.


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6............................................................................................”Extinção”......................................................................................No livro “Uma história da teoria arquitetônica: <strong>de</strong> Vitruvius até o presente” (Ahistory of architectural theory: from Vituvius to the present), Hanno-WalterKruft <strong>de</strong>clara logo na introdução:Enquanto na América do Norte, inicialmente alimentada por fonteseuropéias, a teoria arquitetônica começou a tomar um caminhopróprio no século XIX, pelo qual a cobertura nesse país começa comThomas Jefferson, na América Latina, por exemplo, já não há umateoria com um corpo próprio para mostrar. Há, portanto, falhas paraas quais não posso encontrar uma explicação real. 11994:19)(KRUFT,Partindo <strong>de</strong>ssa curta e única citação à <strong>arquitetura</strong> situada abaixo da linha doEquador no trabalho <strong>de</strong> Kruft, a crítica Ruth Ver<strong>de</strong> Zein (2000:60) escreveu umpequeno artigo para a revista argentina “Summa+”, tentando provar<strong>de</strong>finitivamente tal ausência <strong>de</strong> crítica ou teoria arquitetônica na América Latina.Recorrendo ao “método mais absurdo”, a autora analisa “os motivosnormalmente mencionados para <strong>de</strong>monstrar essa ausência” 2 e entre eles, ainexistência da própria <strong>arquitetura</strong>:Como se sabe pela leitura atenta dos manuais maisimportantes <strong>de</strong> <strong>arquitetura</strong>, se uma vez houve <strong>arquitetura</strong>na América Latina isto ocorreu em um passado próximoou distante e apenas como uma curiosida<strong>de</strong> antropológica.As exceções pontuais <strong>de</strong>ste ou aquele arquiteto apenasprovam a regra que não há <strong>arquitetura</strong> na América Latinaou, pelo menos, que ela se extinguiu misteriosamente<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um breve e súbito florescer em meados <strong>de</strong>steséculo [XX]. Não havendo <strong>arquitetura</strong>, po<strong>de</strong>-se dizer quenão há crítica <strong>de</strong> <strong>arquitetura</strong>. 3 (ZEIN, 2000:60)A consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> Zein levanta pontos cruciais a qualquer análise que sepretenda fazer da <strong>arquitetura</strong> latino-americana, especificamente a <strong>arquitetura</strong>brasileira, que interessa nesse trabalho. Por um lado, a “leitura atenta dosmanuais mais importantes <strong>de</strong> <strong>arquitetura</strong>” no Brasil, como frisa a autora, revelaum processo <strong>de</strong> raleamento da produção arquitetônica nacional até sua completa1 Tradução nossa. Texto original inglês.2 Tradução nossa. Texto original espanhol.3 Tradução nossa. Texto original espanhol.


7extinção após um último “soluço” pós-mo<strong>de</strong>rno. Continuando, entretanto, aaparecer nesses volumes os nomes dos já consagrados arquitetos ativos antes do<strong>de</strong>saparecimento total da <strong>arquitetura</strong> que insinua a autora. De outra forma, o queesse processo revela também é uma incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> articulação <strong>de</strong> um discursoteórico e conceitual que transcenda os limites rígidos <strong>de</strong> uma herança mo<strong>de</strong>rnista(im)positiva:Enquanto satisfaz apenas às exigências técnicas e funcionais – não éainda <strong>arquitetura</strong>; quando se per<strong>de</strong> em intenções meramente<strong>de</strong>corativas – tudo não passa <strong>de</strong> cenografia; mas quando – frutoinstantâneo <strong>de</strong> inspiração, ou <strong>de</strong> procura paciente – aquele que ai<strong>de</strong>ou pára e hesita ante a simples escolha <strong>de</strong> um espaçamento <strong>de</strong>pilares ou da relação entre altura e largura <strong>de</strong> um vão, e se <strong>de</strong>tém naprocura da justa medida netre cheios e vazios, na fixação dosvolumes e subordinação <strong>de</strong>les a uma lei, e se <strong>de</strong>mora atento ao jogo<strong>de</strong> materiais e seu valor expressivo, - quando tudo isso se vai pouco apouco somando, obe<strong>de</strong>cendo aos mais severos preceitos técnicos efuncionais, mas também, àquela intenção superior que seleciona,coor<strong>de</strong>na e orienta em <strong>de</strong>terminado sentido toda essa massacontraditória <strong>de</strong> pormenores, transmitindo assim ao conjunto, ritmo,expressão, unida<strong>de</strong> e clareza – o que confere à obra o seu caráter <strong>de</strong>permanência: isto sim, é <strong>arquitetura</strong>. (COSTA, 1997:257)A questão colocada da “extinção” da <strong>arquitetura</strong> brasileira po<strong>de</strong> ser abordada <strong>de</strong>várias formas, mas a principal tomada aqui como hipótese, é <strong>de</strong> que o que seespera (críticos, arquitetos) chamar ou reconhecer como <strong>arquitetura</strong>, não somentee obviamente não se extinguiu misteriosamente no século passado como nuncafoi tão potencialmente construída, disseminada e consumida, mas pelo fato <strong>de</strong>exigir conceitos, <strong>de</strong>finições e parâmetros que não os mo<strong>de</strong>rnistas ortodoxos, epor violar os principais requisitos das normas <strong>de</strong> “etiqueta” mo<strong>de</strong>rnas, essa<strong>arquitetura</strong> é alijada completamente do universo oficial arquitetônico.“O paradoxo está, portanto, na terminologia” diria Le Corbusier ao se “autoindagar”o porquê <strong>de</strong> chamar “arte <strong>de</strong>corativa ca<strong>de</strong>iras, garrafas, cestos,calçados, todos esses objetos úteis, ferramentas [...], se “a arte mo<strong>de</strong>rna não tem<strong>de</strong>coração?” (LE Corbusier, 1996:84). Pois, se o paradoxo está na terminologia,porque chamar <strong>de</strong> <strong>arquitetura</strong> todos esses edifícios que se proliferam pelasprincipais cida<strong>de</strong>s brasileiras, banais, vulgares, medíocres e <strong>de</strong>finidosexclusivamente pelas regras difusas do que se convencionou chamar <strong>de</strong> mercado


8imobiliário, todos essas mercadorias, se a <strong>arquitetura</strong> nada tem a ver com<strong>consumo</strong>?Partindo <strong>de</strong>sse paradoxo, essa pesquisa tem como objetivo uma tentativa <strong>de</strong>compreensão dos processos e das circunstâncias que <strong>de</strong>terminaram a “falência”do mo<strong>de</strong>lo mo<strong>de</strong>rnista estabelecido e o “surgimento” <strong>de</strong>sses edifícios<strong>de</strong>sprezados pela <strong>arquitetura</strong> oficial, que na falta <strong>de</strong> um termo mais a<strong>de</strong>quadocontinuam a ser chamados <strong>de</strong> <strong>arquitetura</strong>, com alguns adjetivos acrescentados:“ordinária” 4 , “cotidiana” 5 , “<strong>de</strong> mercado”, comercial ou mesmo <strong>arquitetura</strong>imobiliária.Arquitetura imobiliária é o objeto <strong>de</strong> estudo <strong>de</strong>ssa pesquisa que parte da tentativa<strong>de</strong> entendimento dos critérios e dos procedimentos, dos objetivos e das<strong>de</strong>mandas envolvidas na sua produção imediata, no sentido <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>rquais as estratégias articuladas por seus produtores e suas relações com osmecanismos que a suportam, principalmente o po<strong>de</strong>r econômico, ou o capitalimobiliário.Como afirma Flávio Villaça (1198:182) em seu livro “Espaço Intra-Urbano noBrasil”, o “padrão arranha-céu – <strong>de</strong> alta <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>” predomina no mercadoimobiliário brasileiro, “porque a mo<strong>de</strong>rna incorporação imobiliária é a mesmaem todo o país, tem a mesma organização, visa os mesmos interesses e objetivose apresenta os mesmos métodos <strong>de</strong> atuação nas diferentes metrópoles do país”.Mas por que, continua Villaça, “ao contrário das cida<strong>de</strong>s interioranas, osapartamentos prodominam” na forma <strong>de</strong> edifícios altos (condomínios fechadosou não) nas principais metrópoles brasileiras? “Na verda<strong>de</strong>, a verticalização ouhorizontalização são <strong>de</strong>terminadas pelo consumidor, e não pela atuação doincorporador”, mas <strong>de</strong> toda forma, o que estabelece o padrão da <strong>arquitetura</strong>imobiliária nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s brasileiras é a i<strong>de</strong>ologia <strong>de</strong>senvolvida pelo4 A idéia <strong>de</strong> uma <strong>arquitetura</strong> ordinária é <strong>de</strong>senvolvida por Robert Venturi em seu livro <strong>de</strong> 1978“Apren<strong>de</strong>ndo com Las Vegas”. Como um manifesto contra o “heróico e original” mo<strong>de</strong>rnismo, Venturipropõe a aceitação e a incorporação do “feio e do ordinário” <strong>de</strong> uma <strong>arquitetura</strong> que tem Las Vegas comosua maior referência, na esfera da <strong>arquitetura</strong> oficial (VENTURI, 2000:121).5 Debora Berke escreveu em seu livro <strong>de</strong> autoria conjunta com Steven Harries “The architecture of theeveryday”: “a arquiteura cotidiana <strong>de</strong>ve ser genérica e anônima, banal ou comum, ordinária, crua, sensual,


9capital imobiliário e produtor <strong>de</strong> moradias a partir das pesquisas <strong>de</strong> opiniãoencomendadas. Assim, as incorporadoras <strong>de</strong>senvolvem os padrões habitacionaisa serem construídos – com adaptações mínimas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong>serão comercializados – “em torno da ‘nova’ forma <strong>de</strong> morar” ou seja, a partir daestratégia da venda <strong>de</strong> um estilo <strong>de</strong> vida, mais “mo<strong>de</strong>rno” e seguro (VILLAÇA,1998:184).A <strong>arquitetura</strong> “imobiliária”, mais do que <strong>de</strong> uma <strong>arquitetura</strong> específica, refere-sea um conjunto <strong>de</strong> relações que se estabelecem entre as práticas do <strong>consumo</strong> e<strong>arquitetura</strong>, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> “um conjunto <strong>de</strong> forças entre as quais <strong>de</strong>stacam a crescenteconcentração do capital imobiliário, a crescente massificação da <strong>de</strong>manda naqual inclui a produção i<strong>de</strong>ológica...” (VILLAÇA, 1998:184).Partindo <strong>de</strong> alguns lugares-comuns relativos ao universo arquitetônico e datentativa <strong>de</strong> entendimento dos processos envolvidos na produção da <strong>arquitetura</strong>,essa pesquisa preten<strong>de</strong> analisar a <strong>arquitetura</strong> imobiliária e suas possíveis relaçõescom a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna, seus procedimentos, seus mecanismos e seus<strong>de</strong>sdobramentos, segundo quatro abordagens especificas:Primeiramente, preten<strong>de</strong>-se abordar a <strong>arquitetura</strong> imobiliária e suas basestecnológicas imediatamente i<strong>de</strong>ntificadas como uma herança dos sistemas<strong>de</strong>senvolvidos pela <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna, especificamente o sistema estruturalDom-Ino proposto por Le Corbusier em 1915. Sua incorporação brasileira viaLúcio Costa e equipe no edifício do Ministério da Educação e Saú<strong>de</strong> no Rio <strong>de</strong>Janeiro na década <strong>de</strong> 1930 e sua transformação na “ossatura estrutural” típica daconstrução civil no Brasil. Complementando tal análise, preten<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>rquais são as origens mesmas da construção civil no país, quais as relações com o<strong>de</strong>senvolvimento tecnológico e técnico da mo<strong>de</strong>rnização, tanto da produção <strong>de</strong>matérias-primas quanto dos próprios edifícios, além <strong>de</strong> suas conexões com aprópria <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna. Partindo <strong>de</strong>sse enfoque, intenciona-se discutir quaisas pertinências dos mecanismos <strong>de</strong> gerenciamento <strong>de</strong> processos atuais, acertificação ISO e os programas <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> total implementados pelasvulgar e viceral, [...] a <strong>arquitetura</strong> cotidiana está construída” (BERKE, 1997:224). Tradução nossa. Textooriginal inglês.


10empresas do setor da construção civil e o <strong>de</strong>sejo manifesto da <strong>arquitetura</strong>mo<strong>de</strong>rna no sentido da planificação total da produção em direção a edifícioscompletamente estandartizados.Posteriormente, preten<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r quais as relações entre os mecanismos <strong>de</strong>suporte do capital imobiliário hoje – a publicida<strong>de</strong>, o branding, a“espetacularização” da vida cotidiana – e os mesmos mecanismos utilizadosquando do capital industrial mo<strong>de</strong>rno europeu e americano nas primeirasdécadas do século XX, e após a década <strong>de</strong> 1950 em território brasileiro. Tambémos vínculos possíveis entre os principais arquitetos mo<strong>de</strong>rnos e essa condição <strong>de</strong>mo<strong>de</strong>rnização do capitalismo, mais especificamente Le Corbusier, tomado nessapesquisa por um interesse específico uma vez que, sabidamente, foi o vetorprivilegiado <strong>de</strong> aproximação dos arquitetos brasileiros com os postulados dasvanguardas históricas.No terceiro enfoque preten<strong>de</strong>-se articular uma relação possível entre os “novos”modos <strong>de</strong> vida anunciados pela incorporação imobiliária e produzidos pelai<strong>de</strong>ologia do <strong>consumo</strong> operante e as formas mo<strong>de</strong>rnas <strong>de</strong> Utopia. Nesse sentido,o entendimento da própria noção <strong>de</strong> utopia se torna necessária, bem como um“mapeamento” <strong>de</strong>ssas condições i<strong>de</strong>ais. No caso brasileiro, torna-se importante aanálise da sua principal utopia – Brasília – e o estabelecimento <strong>de</strong> parâmetrospara a compreensão das consequências e dos <strong>de</strong>sdobramento <strong>de</strong> sua construçãono próprio processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização do país. Além <strong>de</strong> suas possíveis relaçõescom a estratégia <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização da realida<strong>de</strong> típica das utopias potencializadaspelos edifícios e condomínios imobiliários oferecidos pelo mercado.Como última abordagem, essa pesquisa orienta seus esforços na tentativa <strong>de</strong>articular os fenômenos, as estratégias e a pertinência da <strong>arquitetura</strong> imobiliáriacomo um fato estético na nossa socieda<strong>de</strong>. Também busca-se um entendimentodos processos <strong>de</strong> estetização total do cotidiano, e das consequências dos efeitosda publicida<strong>de</strong>, da <strong>de</strong>coração e do <strong>consumo</strong> <strong>de</strong> massa no processo <strong>de</strong> produçãoda <strong>arquitetura</strong> atual. Daí a importância <strong>de</strong> entendimento dos principais dilemasda mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> estética, o choque entre as vanguardas e o kitsch industrial, acomplacência pós-mo<strong>de</strong>rna com o mercado global e o inevitável embate com a


11questão <strong>de</strong>corativa e ornamental em oposição à abstração e à pureza das formasabsolutas no mo<strong>de</strong>rnismo arquitetônico.Assim, partindo da <strong>arquitetura</strong> imobiliária, essa pesquisa preten<strong>de</strong> chegar à suaconclusão com pelo menos algumas iluminações a respeito <strong>de</strong> cada uma dasabordagens estabelecidas. Consi<strong>de</strong>rando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cobertura<strong>de</strong> todos os espectros envolvidos em um objeto <strong>de</strong> estudo complexo, recente eignorado nas discussões arquitetônicas, como a questão imobiliária, masvislumbrando enten<strong>de</strong>r seus mecanismos e seus <strong>de</strong>sdobramentos para a própriaprodução arquitetônica atual e para além <strong>de</strong>ssa.1. (EFEITO) DOM-INO


12________________________________________________________EDIFÍCIO CAP FERRAT – Patrimar Engenharia, Rua: Ouro Preto, 1407, SantoAgostinho, Belo Horizonte – 204 m_ privativos . 2 suíte e 2 semi-suítes comarmários . Salão para 5 ambientes com granito ou mármore . Banhos comarmário e box . Varanda com 19 m_ . Lavabo . Cozinha montada com fogão,coifa e armários . Copa com acesso pela cozinha ou área íntima . Despensa ecristaleira . Quarto e banheiro <strong>de</strong> empregada . 3 ou 4 vagas na garagem com boxprivativo . Circuito fechado <strong>de</strong> tv, inclusive nos elevadores . Shaft <strong>de</strong> serviçoscom previsão para instalação <strong>de</strong> internet <strong>de</strong> alta velocida<strong>de</strong>, cabeamentoestruturado e automação predial . Sistema hidráulico com shafts visitáveis etubulação PEX . Piscina térmica com 20 m <strong>de</strong> raia . Piscina infantil . Quadrapoliesportiva . Sauna com sala <strong>de</strong> repouso e spa . Sala <strong>de</strong> ginástica equipada .Área <strong>de</strong> jogos.


13________________________________________________________________________________________________________________.........................................................................................2..Standard.......................................................................................O esquema Dom-Ino é um dos mais potentes ícones da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna.Apresentado por Le Corbusier (1887-1965) em 1914, foi um dos conceitosfundamentais para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua própria produção arquitetônica epropostas urbanísticas, bem como <strong>de</strong> toda a <strong>arquitetura</strong> construída a partir dosprincípios do esqueleto estrutural em concreto armado nas últimas oito décadas.Compondo-se <strong>de</strong> basicamente seis pilares <strong>de</strong> secção transversal quadrada e <strong>de</strong>três lajes planas (sendo uma <strong>de</strong> piso), com uma circulação vertical em um lanceduplo <strong>de</strong> escadas com um patamar intermediário, este sistema estrutural simples,que usava como matéria-prima o concreto armado, tinha suas origens nasinvestigações <strong>de</strong> Auguste Perret 6 (1874-1954), arquiteto pioneiro na utilização do6 Em 1908 Le Corbusier começou a trabalhar com Auguste Perret, arquiteto conhecido como um dosprecursores da construção <strong>de</strong> apartamentos em concreto armado em Paris. Perret, por sua vez, haviatrabalhado com o construtor François Hennebique, responsável pelo <strong>de</strong>senvolvimento do sistema emconcreto reforçado por barras <strong>de</strong> aço. Na estrutura <strong>de</strong> concreto armado <strong>de</strong> Hennebique estão as bases do


14material em habitações. O sistema <strong>de</strong> Le Corbusier se diferenciava do sistemados edifícios <strong>de</strong> Perret principalmente pela possibilida<strong>de</strong> das lajes avançarem embalanço. Com os pilares recuados em relação à fachada e uma vez “liberado dasrestrições estruturais, o envelope da construção po<strong>de</strong>ria ser regulado <strong>de</strong> acordocom as <strong>de</strong>mandas estéticas ou climáticas, ou também segundo os critérios <strong>de</strong>composição e das vistas” 7 (CURTIS, 1986:42). Internamente, a estrutura Dom-Ino permitia aos espaços o <strong>de</strong>senvolvimento, sem restrições, da planta livre, jáque as pare<strong>de</strong>s internas não mais funcionavam estruturalmente. Assim, além <strong>de</strong>uma maior liberda<strong>de</strong> na solução da planta, o esquema permitia também umaefetiva flexibilida<strong>de</strong> espacial.Isso resultaria um método <strong>de</strong> construção completamente novo: asjanelas seriam afixadas na estrutura, as portas seriam afixadas comseus marcos e alinhadas aos painéis <strong>de</strong> pare<strong>de</strong> para formar osambientes. Então, a construção das pare<strong>de</strong>s externas se iniciaria. 8(BOESIGER; GIRBERGER, 1967:24)Entretanto, o protótipo Dom-Ino pretendia ser muito mais do que um esquema <strong>de</strong>um sistema estrutural e construtivo, como mostra Kenneth Frampton (1997:183):O protótipo Dom-Ino era nitidamente aberto a diferentes níveis <strong>de</strong>interpretação. Enquanto por um lado, era apenas um recurso técnicopara produção, por outro era um jogo com a palavra Dom-Ino comonome industrial patenteado, <strong>de</strong>notando uma casa tão estandartizadaquanto um dominó.Em 1915, Le Corbusier apresenta o seu grupo <strong>de</strong> casas em série montadas sobrea ossatura Dom-Ino, on<strong>de</strong> as partes rígidas e pré-fabricadas seriam acopladas auma fundação composta <strong>de</strong> seis sapatas realizada previamente no local. Estascasas-protótipo, Le Corbusier batizou com o nome casas Dom-Ino, dada aimportância do seu sistema estrutural para a concepção e produção <strong>de</strong>ntro dospadrões industriais almejados. A idéia <strong>de</strong> estandartização e produção em série da<strong>arquitetura</strong>, <strong>de</strong> seus elementos e componentes, que permeava a pesquisa da<strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna européia naquele momento, vai ser intensificadaostensivamente após o término da Primeira Guerra em 1919. Na década <strong>de</strong> 1920,sistema Dom-Ino <strong>de</strong> Le Corbusier. Funcionando por analogia às estruturas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, o sistemacompunha-se <strong>de</strong> lajes, vigas e pilares.7 Tradução nossa. Texto original inglês.


15a preocupação construtiva da <strong>arquitetura</strong> segundo padrões científicos vaialcançar seu ponto máximo com o grupo ABC, que mais tar<strong>de</strong> seria i<strong>de</strong>ntificadocomo a “nova objetivida<strong>de</strong>” (Neue Sachlichkeit), e que divulgava seus princípiosatravés da revista ABC: Beiträige zum Bauem (ABC: contribuição paraconstruir). Em seus volumes, os arquitetos discutiam suas preocupações com ospadrões normativos para construção, para os formatos dos papéis, e nos“volumes 2 e 3, uma edição dupla, incluíam um ensaio sobre a construção emconcreto armado, como exemplificado por Le Corbusier no sistema Dom-Ino <strong>de</strong>1914-15” (FRAMPTON, 1997:160). Assim, “nova objetivida<strong>de</strong>” arquitetônica,baseada na economia e na eficiência, tanto do processo <strong>de</strong> projeto quanto daconstrução, vai levar à formulação <strong>de</strong> padrões habitacionais ditados pela idéia <strong>de</strong>um mínimo necessário para a existência, ou Existenzminimum.A “máquina-<strong>de</strong>-morar” mo<strong>de</strong>rna estava sendo gestada, e a indústria européia,“exuberante como um rio que rola para seu <strong>de</strong>stino” (CORBUSIER,2000:XXXII), <strong>de</strong>veria ser a responsável pela concretização das novas propostasarquitetônicas, <strong>de</strong>senvolvendo em suas linhas <strong>de</strong> montagem partes e até mesmounida<strong>de</strong>s inteiramente acabadas em novos materiais. Entretanto, “só aindustrialização <strong>de</strong> todas as partes necessárias à construção [...], pare<strong>de</strong>s, tetos etelhados”, possibilitaria uma solução conjunta do problema da habitação, e paratanto, a estrutura também <strong>de</strong>veria sofrer uma mudança fundamental (GROPIUS,1997:195). Como opção mais viável – pelo preço e disponibilida<strong>de</strong> do aço e doconcreto – às espessas e pesadas pare<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alvenaria estrutural, o sistemacorbusiano Dom-Ino é <strong>de</strong>finitivamente incorporado para a construção <strong>de</strong>moradias em larga escala.Enquanto a escola da “nova objetivida<strong>de</strong>” tomava força <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1923principalmente na Alemanha, com a afiliação da escola Bauhaus dirigida porWalter Gropius ao movimento construtivo-funcionalista <strong>de</strong> Hannes Meyer eErnst May, <strong>de</strong> forte inclinação socialista, Le Corbusier se empenhava em“resolver a dicotomia entre a estética do engenheiro e a <strong>arquitetura</strong>, em combinara utilida<strong>de</strong> com a hierarquia do mito” (FRAMPTON, 1997:191), o que faria comque as duas vertentes entrassem em conflito algum tempo mais tar<strong>de</strong>. Antes, em8 Tradução nossa. Texto original inglês.


16um texto <strong>de</strong> 1924, intitulado “A indústria <strong>de</strong> casas pré-fabricadas”, WalterGropius (1884-1969) escreveu:Uma alteração tão profunda na economia da construção por certo seconsumará aos poucos. A <strong>de</strong>speito, porém, <strong>de</strong> todos os contratempos,há <strong>de</strong> vir, inevitavelmente; pois nada po<strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o imenso<strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> tempo, recursos e trabalho <strong>de</strong>corrente do emprego <strong>de</strong>numerosos projetos individuais em complexos habitacionais elocalida<strong>de</strong>s inteiras, que são construídos <strong>de</strong> forma completamentediferente um do outro, artesanal, em vez <strong>de</strong> serem produzidossegundo planos uniformes e processos <strong>de</strong> construção em série.(GROPIUS, 1997:127)Três anos mais tar<strong>de</strong> (1927), em seu livro-manifesto “Por uma <strong>arquitetura</strong>”, LeCorbusier (2000:XXXII) proclamava:A série está baseada sobre a análise e a experimentação.A gran<strong>de</strong> indústria <strong>de</strong>ve se ocupar da construção e estabelecer emsérie os elementos da casa.É preciso criar o estado <strong>de</strong> espírito da série.O estado <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> construir casas em série.O estado <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> residir em casas em série.O estado <strong>de</strong> espírito <strong>de</strong> conceber casas em série.Para Le Corbusier, só havia uma “conseqüência da série: o standard, a perfeição(criação <strong>de</strong> padrões)” (LE CORBUSIER, 2000:217). Entretanto, a associação <strong>de</strong>vários arquitetos em função do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> propostas para habitaçõeseconômicas e coletivas – consagradas no conjunto resi<strong>de</strong>ncial (Siedlung) <strong>de</strong>Weissenhof, coor<strong>de</strong>nado por Mies van <strong>de</strong>r Rohe em Stuttgart (1927), on<strong>de</strong>construíram Walter Gropius, Bruno Taut, J.J.P. Oud, entre outros arquitetosmo<strong>de</strong>rnos, incluindo Le Corbusier – vai tornar-se então um ponto polêmico apartir do CIAM <strong>de</strong> 1929. Neste segundo Congresso Internacional <strong>de</strong> ArquiteturaMo<strong>de</strong>rna, realizado em Frankfurt, Le Corbusier vai reivindicar “um máximopara a existência” (maison maximum) (FRAMPTON, 1997:216), em contrastecom os padrões mínimos <strong>de</strong> condição para habitações, pregados pelos arquitetosalemães.Essa divergência seria acentuada pela inclinação <strong>de</strong> Le Corbusier para o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> propostas urbanas em que “experimenta em realizaçõesparciais [...] as hipóteses gerais” <strong>de</strong> intervenção, e “supera os mo<strong>de</strong>los do‘racionalismo’ alemão” (TAFURI, 1985:87). A possibilida<strong>de</strong> da implementação


17<strong>de</strong> novos bairros e até mesmo <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s inteiras produzidas em série, fez LeCorbusier sonhar com a realização das Cida<strong>de</strong>s-Torres, que um dia AugustePerret havia imaginado (LE CORBUSIER, 2000:37). Partindo do arranha-céuamericano e da solução estrutural em concreto armado <strong>de</strong>senvolvida no sistemaDom-Ino, o a<strong>de</strong>nsamento habitacional proporcionado por imensas estruturas <strong>de</strong>60 andares seria implantado <strong>de</strong> forma dispersa, com torres bem distantes umasdas outras. Essa concepção <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>, base das futuras propostas urbanísticas doarquiteto, entretanto só se realizaria plenamente com a elevação das torres dosolo e a sua completa liberação para circulação pelo princípio do pilotis (pilaresesguios) e pela transferência dos usos do térreo (cafés, jardins...) para os terraçosdos edifícios, possibilitados pela supressão do telhado e pela utilização da lajeplana em concreto armado. Somados às janelas em fita – que permitiam umamaior iluminação dos interiores das moradias e a percepção total e emmovimento do exterior – pilotis, terraço jardim, fachada in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e a plantalivre vão compor aqueles que serão os “cinco pontos <strong>de</strong> uma nova <strong>arquitetura</strong>”.Propostos por Le Corbusier como os princípios básicos para elaboração <strong>de</strong> umanova estética condizente com a “Era da Máquina”, os cinco pontos, assim comoo Dom-Ino, vão ser os principais parâmetros na concepção da cida<strong>de</strong> funcionalmo<strong>de</strong>rna.O objetivo estabelecido da habitação em série na cida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna – somentepossível <strong>de</strong> ser alcançado com a participação dos “colaboradores <strong>de</strong>votados” (LECORBUSIER, 2000:167), as gran<strong>de</strong>s indústrias – e a associação direta da<strong>arquitetura</strong> com o funcionamento dos motores, a potência das turbinas, aprecisão dos instrumentos e a velocida<strong>de</strong> dos automóveis revestiam a ambiçãodos arquitetos mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> transformação fundamental e irreversível da<strong>arquitetura</strong> em um dispositivo utilitário, tecnológico e estandartizado. Nesseprocesso, “a <strong>arquitetura</strong> <strong>de</strong>veria ser a mediadora entre as <strong>de</strong>mandas‘progressistas’ das vanguardas (incluindo a <strong>de</strong>manda por um controle planejadodos meios <strong>de</strong> produção) e a realida<strong>de</strong> concreta <strong>de</strong>ssa produção” 9 (H EYNEN,1999:133).9 Tradução nossa. Texto original inglês.


18O <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>ssa <strong>arquitetura</strong>-máquina mo<strong>de</strong>rna – como todos os produtosindustriais – era, portanto, ser inevitavelmente disponibilizada em gran<strong>de</strong>squantida<strong>de</strong>s para sua comercialização em massa, e para isso seria fundamentalsua ampla divulgação para o público em geral, ávido por novida<strong>de</strong>s. O sucessoda “máquina-<strong>de</strong>-morar” mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong>pendia então, <strong>de</strong> um marketing à altura <strong>de</strong>suas ambições revolucionárias; tal qual a própria idéia da “Era da Máquina”,legitimada como o conceito mais apropriado para <strong>de</strong>finir esse período histórico,foi exaustivamente estimulada pela indústria da propaganda do sistemaprodutivo mo<strong>de</strong>rno (COLOMINA, 1994:156). Le Corbusier estava infiltradonesse sistema, e sua ênfase nas transformações dos processos <strong>de</strong> produção nãoera apenas filosófica ou metafórica; seus interesses eram, sobretudo, <strong>de</strong> inserçãoda <strong>arquitetura</strong> no circuito <strong>de</strong> produção, promoção e comercialização capitalista(COLOMINA, 1994:159). Para isso, em 1920, em parceria com a fábricafrancesa <strong>de</strong> aviões Voisin, Le Corbusier havia publicado em sua revista L’EspritNouveau (1920-25) as Casas Voisin, uma série <strong>de</strong> dois protótipos <strong>de</strong> casas préfabricadasvendidos por encomenda através da revista (COLOMINA, 1994:159).Em 1927 Corbusier havia construído sua Casa Citrohan em Stuttgart, cujo nomedado pelo arquiteto era uma referência à marca francesa <strong>de</strong> automóveis Citroën(Citroën + habitation), sugerindo que a padronização e a excelência do seu<strong>de</strong>sign estavam <strong>de</strong> acordo com os objetos mais avançados da época. Comomostra Beatriz Colomina (1994:159), os limites entre a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna esua própria publicida<strong>de</strong> estavam cada vez mais in<strong>de</strong>finidos:A preocupação <strong>de</strong> Le Corbusier com as suas condiçõescontemporâneas <strong>de</strong> produção era necessariamente uma preocupaçãocom os mecanismos que sustentam esta produção: propaganda, massmedia e publicida<strong>de</strong>. 10L’Esprit Nouveau, nesse sentido, era <strong>de</strong>liberadamente uma publicação com finscomerciais, <strong>de</strong> divulgação <strong>de</strong> produtos, e <strong>de</strong> marketing do próprio trabalho eidéias do arquiteto. Para Manfredo Tafuri e sua “crítica i<strong>de</strong>ológica” empenhadana releitura da história da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna, as relações entre a <strong>arquitetura</strong>mo<strong>de</strong>rna e o sistema industrial capitalista são claras, apesar <strong>de</strong> todo o esforço da10 Tradução nossa. Texto original inglês.


19“crítica operativa”, praticada por autores como Sigfried Giedion e Bruno Zevi,no sentido <strong>de</strong>:Uma análise da <strong>arquitetura</strong> (ou da arte em geral) que, ao invés <strong>de</strong> umexame abstrato, tem como objetivo o planejamento preciso <strong>de</strong> umatendência poética, antecipada em sua estrutura e <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> análiseshistóricas programaticamente distorcidas e finalizadas. 11 (TAFURI,1980:141)Assim, para Tafuri, a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna e os procedimentos dos arquitetosincluindo o próprio Le Corbusier, não po<strong>de</strong>m ser entendidos separadamente dainfraestrutura econômica da socieda<strong>de</strong> operada pelo mecanismo capitalista,como interpretado pela “crítica operativa”.Tafuri enxerga o processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização como um<strong>de</strong>senvolvimento social caracterizado por uma racionalização sempreem expansão e uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> planejamento <strong>de</strong> amplo alcance.Dentro <strong>de</strong>sse processo [...], os movimentos <strong>de</strong> vanguarda<strong>de</strong>sempenham uma série <strong>de</strong> tarefas que <strong>de</strong> fato incrementam essamo<strong>de</strong>rnização. 12 (HEYNEN, 1999:129)Entretanto, ao potencializar o processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização produtiva, a <strong>arquitetura</strong>mo<strong>de</strong>rna “atolou-se” irreversivelmente na contradição <strong>de</strong> querer ser a“mediadora” entre a indústria e um planejamento novo e total da vida cotidiana.Contradição que só po<strong>de</strong>ria ser resolvida por uma forma <strong>de</strong> planejamentoinstituída <strong>de</strong> fora da própria <strong>arquitetura</strong>, ou “uma reestruturação da produção edo <strong>consumo</strong> em geral; por outras palavras, [...] uma coor<strong>de</strong>nação planificada daprodução” em todos os âmbitos da socieda<strong>de</strong> (TAFURI, 1985:68). Para osarquitetos mo<strong>de</strong>rnos, aceitar tais conseqüências <strong>de</strong>veria significar que a“<strong>arquitetura</strong> não seria mais o agente do plano, mas seu objeto” 13 , e isto era algoque não podiam aceitar (HEYNEN, 1999:133). Para Tafuri, “a culturaarquitetônica entre 1920 e 1930 não está pronta a aceitar tais conseqüências”.Nesse período, o que estava claro era “a sua tarefa ‘política’, como enunciadopor Le Corbusier: “a <strong>arquitetura</strong> – ler: a programação e a reorganizaçãoplanificada da produção <strong>de</strong> edifícios e da cida<strong>de</strong> como organismo produtivo –11 Tradução nossa. Texto original inglês.12 Tradução nossa. Texto original inglês.13 Tradução nossa. Texto original inglês.


20<strong>de</strong>ve sobrepor-se à revolução” (TAFURI, 1985:68). Entretanto, a interpretação emanipulação pela “crítica operativa” das estratégias, <strong>de</strong>silusões e contradições da<strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna, através <strong>de</strong> uma construção mítica, visa <strong>de</strong>svincular asvanguardas do modo <strong>de</strong> produção, apresentando-as, então, simplesmente comointérpretes <strong>de</strong>sse processo industrial e <strong>de</strong> <strong>consumo</strong> do qual elas foram alijadas.Retirado o compromisso da “impossível tarefa <strong>de</strong> ser responsável pelaorganização técnica da reestruturação da produção e do <strong>consumo</strong>” 14 por parte dosarquitetos – que aceitam o papel <strong>de</strong> participantes do plano, porém “seapresentando sempre como os autores <strong>de</strong>ste” 15 (HEYNEN, 1999:134) – a “críticaoperativa” aproxima seus procedimentos dos empregados pelos mecanismos <strong>de</strong>suporte do próprio sistema, publicida<strong>de</strong> e propaganda, para “ven<strong>de</strong>r” a<strong>arquitetura</strong> das vanguardas como um produto (<strong>de</strong> massa) disponibilizado por estemesmo sistema. Confirma-se assim o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> massificação e estandartizaçãoda <strong>arquitetura</strong>, não pela reprogramação completa da produção industrial emfunção <strong>de</strong> uma nova forma <strong>de</strong> planejamento controlado e gerido pelos arquitetos,mas pela incorporação <strong>de</strong>ssa <strong>arquitetura</strong> pelo modo <strong>de</strong> produção capitalista comoum produto vendável, legitimado pela rotulagem da “crítica operativa”. BeatrizColomina é incisiva quanto às relações entre a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna e o sistemaprodutivo. Para ela, “a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna não simplesmente se interessa ouexplora a cultura <strong>de</strong> massa. Ela é, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, uma mercadoria” 16(COLOMINA, 1994:195). E assim sendo:Talvez em nenhum outro lugar isso tenha sido tão explicito quantona exposição <strong>de</strong> 1932, Arquitetura Mo<strong>de</strong>rna, no Museu <strong>de</strong> ArteMo<strong>de</strong>rna e o livro que a acompanhava, O estilo Internacional:Arquitetura <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1922. 17 (COLOMINA, 1994:195)Para um produto i<strong>de</strong>ologicamente programado como a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna, oesquema estrutural Dom-Ino <strong>de</strong> Le Corbusier expandiu suas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ser produzida por uma “racionalida<strong>de</strong> neutra” e explorada comercialmente pela“flexibilida<strong>de</strong> genérica” <strong>de</strong> seus espaços, condições i<strong>de</strong>ais e indispensáveis à suaviabilização como mercadoria universal. Ao mesmo tempo, <strong>de</strong> forma vigorosa,14 Tradução nossa. Texto original inglês.15 Tradução nossa. Texto original inglês.16 Tradução nossa. Texto original inglês.17 Tradução nossa. Texto original inglês.


21cumpriu e continua a cumprir o seu papel manifesto <strong>de</strong> síntese <strong>de</strong> dois conceitosmuito caros a essa <strong>arquitetura</strong>: produção estandartizada e seu <strong>consumo</strong> emmassa.Não é <strong>de</strong> estranhar, que como reza a lenda, já idoso, Le Corbusiermantinha um quadro do sistema Dom-Ino em sua pare<strong>de</strong> ao lado <strong>de</strong>uma foto do Parthenon: ambos foram centrais para sua produção, eambos incorporavam princípios que consi<strong>de</strong>rava fundamentais. 18(CURTIS, 1998:43).......................................................................…..............3.MES.................................................................................................O contato dos arquitetos brasileiros com os i<strong>de</strong>ais das vanguardas européias se<strong>de</strong>u <strong>de</strong> forma esparsa e rara nos primeiros anos do século XX. GregoriWarchavchik, arquiteto russo radicado no país, havia tido breve contato com osFuturistas e os Dadaístas em seus estudos em Roma (FRAMPTON, 1997:310).Des<strong>de</strong> as primeiras edições <strong>de</strong> L’Esprit Nouveau publicadas por Le Corbusier nadécada <strong>de</strong> 1920, “onze brasileiros constavam como assinantes da revista, entreeles os poetas Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> e Oswald <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>” (SEGAWA, 1998:77).Nenhum dos arquitetos que anos mais tar<strong>de</strong> se agarrariam radicalmente aospostulados <strong>de</strong> Le Corbusier constavam na lista dos que tinham conhecimento dosi<strong>de</strong>ais do arquiteto franco-suíço ou <strong>de</strong> outros movimentos das vanguardaseuropéias (SEGAWA, 1998:77).“O ano <strong>de</strong> 1929 seria fundamental para a disseminação das idéias <strong>de</strong> LeCorbusier na América do Sul” (SEGAWA, 1998:78). Em palestras proferidas emvários países, inclusive no Brasil, o catecismo da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna começavaa ser praticado abaixo da linha do Equador. Paulo F. Santos expõe o fato em seulivro, “Quatro Séculos <strong>de</strong> Arquitetura”, em que Le Corbusier proferia suapalestra aos alunos e professores da Escola Nacional <strong>de</strong> Belas Artes no Rio <strong>de</strong>Janeiro e Lúcio Costa, então diretor da escola, “chegou ao meio da conferência,[...] a sala repleta, e que cinco minutos mais tar<strong>de</strong> saía escandalizado”(SANTOS, 1977:142). O contato e a admiração <strong>de</strong> Costa pelo arquiteto mo<strong>de</strong>rnoaconteceriam posteriormente e <strong>de</strong> forma incondicional quando, a pedido dopróprio Lúcio Costa ao ministro Gustavo Capanema, Le Corbusier é convidado a18 Tradução nossa. Texto original inglês.


22vir ao Brasil como consultor do projeto do edifício para o então Ministério daEducação e da Saú<strong>de</strong>, MES (1936-1945). “Na realida<strong>de</strong>, os arquitetosapropriaram-se dos ensinamentos teóricos corbusianos, mas estavam insegurosdo resultado final a ponto <strong>de</strong> solicitarem um parecer do próprio mestre...”,afirmou o próprio Lúcio Costa (COSTA, apud SEGAWA, 1998:90).“Consi<strong>de</strong>rado o ponto inicial <strong>de</strong> uma <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> feitio brasileiro”(SEGAWA, 1998:92), no edifício se fizeram presentes todos os “cinco pontos”da cartilha corbusiana mais os brises-soleil (quebra-sol), reinterpretados porLúcio Costa e equipe. 19 A idéia <strong>de</strong> <strong>arquitetura</strong> como “arte-total”, tão cara aosarquitetos mo<strong>de</strong>rnos, foi posta em prática com a participação <strong>de</strong> CândidoPortinari (murais e azulejos), Roberto Burle Marx (responsável pelos jardins eterraço-jardim) e Bruno Giorgi (esculturas).Do ponto <strong>de</strong> vista construtivo, o edifício do Ministério po<strong>de</strong> ser entendido comoum <strong>de</strong>safio ao sistema estrutural Dom-Ino <strong>de</strong> Le Corbusier. “Os principaisproblemas estruturais estavam relacionados com os pilotis, com ocontraventamento do edifício, com a espessura reduzida reservada para as lajes”(VASCONCELOS, 1992:29). Segundo o projeto coor<strong>de</strong>nado por Lúcio Costa –totalmente concebido em concreto armado – as lajes <strong>de</strong>veriam sercompletamente planas e lisas, e as lajes tipo “cogumelo” com capitéis robustos,passíveis <strong>de</strong> serem utilizadas, exigiriam vigas intermediárias aparentes entre ospilares. A solução encontrada pelo então engenheiro responsável pelo cálculo,Emílio Baumgart, foi <strong>de</strong> inverter as vigas, colocando-as com a parte maisespessa para cima. Assim, mantida a condição dos tetos internos lisos econtínuos, no pavimento superior os vazios entre as vigas seriam completadoscom enchimento <strong>de</strong> qualquer material leve, sendo que todas as instalaçõespassariam pela camada <strong>de</strong> enchimento, posteriormente complementado com opiso especificado pelos arquitetos. “Foi a primeira vez que se usou no Brasil taltipo <strong>de</strong> laje ‘cogumelo’ cujo dimensionamento se <strong>de</strong>senvolveu em total<strong>de</strong>sobediência a todas as normas” (VASCONCELOS, 1992:29). O edifício,19 Equipe: Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Machado Moreira, Ernani Vasconcelos, OscarNiemeyer.


23<strong>de</strong>vido à sua verticalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>mandava <strong>de</strong> Baumgart uma solução engenhosatambém para o conseqüente contraventamento entre as lajes e pilares.A utilização dos pilotis impedia que se aproveitassem pare<strong>de</strong>s dotérreo para embutir nas mesmas elementos estruturais resistentes aovento. As pare<strong>de</strong>s extremas que continuavam no térreo, estavamrecuadas, quebrando a continuida<strong>de</strong> necessária ao bomfuncionamento como elemento enrijecedor. (VASCONCELOS,1992:29)A solução encontrada pelo engenheiro foi atribuir às lajes planas a função <strong>de</strong>vigas dispostas horizontalmente, que apoiadas nas pare<strong>de</strong>s cegas laterais e noconjunto <strong>de</strong> escadas e elevadores, funcionavam transferindo as cargas para oandar térreo, cuja laje foi apropriadamente dimensionada para suportar taisesforços (VASCONCELOS, 1992:29). A solução permitiu a eliminação <strong>de</strong> vigas<strong>de</strong> transição internas, e todo o sistema estrutural funcionava sem qualquerinterferência ao espaço interno, o que proporcionou aos arquitetos umaadaptação para a questão <strong>de</strong> conforto térmico. Todas as divisórias internas foramconcebidas à meia altura, permitindo o movimento natural <strong>de</strong> circulação cruzadado ar e uma maior incidência <strong>de</strong> luz.Se o edifício do MES vai ser o veículo da aproximação dos arquitetos brasileirosdos princípios e postulados da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna corbusiana, a suaexeqüibilida<strong>de</strong> construtiva vai ser viabilizada graças à reinterpretação estruturalpor parte <strong>de</strong> Emílio Baumgart do sistema Dom-Ino proposto por Le Corbusier.No edifício, vão se encontrar então, do ponto <strong>de</strong> vista estrutural, as duasvertentes principais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do concreto armado para construçãocivil. O sistema Dom-Ino corbusiano, que como <strong>de</strong>rivação das experiências <strong>de</strong>Auguste Perret guardava em sua forma a concepção estrutural <strong>de</strong>senvolvida porFrançois Hennebique, “o primeiro a compreen<strong>de</strong>r na Europa a função dasarmaduras <strong>de</strong> concreto” (VASCONCELOS, 1992:12), e o concretoindustrializado da empresa alemã Wayss & Freytag, ambos <strong>de</strong>senvolvidosparalelamente a partir da matriz estrutural <strong>de</strong> Hennebique.O sistema estrutural <strong>de</strong> Hennebique para o concreto armado funcionava segundoos princípios das estruturas <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira com lajes, pilares e vigas. Durante vários


24anos, Hennebique <strong>de</strong>senvolvia <strong>de</strong> seu escritório em Paris cálculos estruturais emconcreto armado para diferentes países, inclusive para o Brasil. A execução daobra, entretanto, era responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresas locais, sendo que o seuescritório vendia, na verda<strong>de</strong>, o direito <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> sua tecnologiapatenteada. A construtora alemã Wayss & Freytag foi uma das muitas empresasque se interessaram em comprar os direitos <strong>de</strong> utilização das estruturas emconcreto <strong>de</strong> Hennebique, se tornando “uma das maiores construtoras do mundo,com filiais em vários países”. No Brasil foi registrada com o nome <strong>de</strong>Companhia Construtora Nacional S.A. em 1924, constituindo a vinda <strong>de</strong>ssaempresa, “talvez o ponto mais importante para o <strong>de</strong>senvolvimento do concretoarmado no Brasil e para a formação dos engenheiros brasileiros nessaespecialização” (VASCONCELOS, 1992:17). Essa formação, por sua vez,constituiu uma das razões do rápido progresso do Brasil no campo do concretoarmado (VASCONCELOS, 1992:18), <strong>de</strong>stacando-se nesse contexto o nome <strong>de</strong>Emílio Baumgart, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época <strong>de</strong> estudante <strong>de</strong> engenharia trabalhara nafirma e, <strong>de</strong>vido a sua fluência em alemão, havia tido pronto acesso àsoportunida<strong>de</strong>s oferecidas pela empresa.Se o edifício do Ministério da Educação não vai ser a primeira edificação noBrasil construída com a tecnologia <strong>de</strong>senvolvida por Hennebique 20 , vaipossibilitar, entretanto, o encontro “histórico” entre o <strong>de</strong>senvolvimento doconcreto armado pela produção industrial padronizada em escala mundial daWayss & Freytag, via Baumgart, e o apuro e o rigor estético-construtivo<strong>de</strong>senvolvidos para o sistema em concreto por Le Corbusier, via estrutura Dom-Ino. Nesse sentido, o edifício do MES também inaugura no Brasil a mo<strong>de</strong>rnaaplicação do concreto como sistema construtivo, tanto em tecnologia quanto emforma, pela convergência <strong>de</strong>ssas duas linhas <strong>de</strong> pesquisa que haviam sedistanciado, mas que partiam da mesma matriz.20 A Estação Ferroviária <strong>de</strong> Mairinque, em São Paulo, é tida por vários autores como o primeiro edifíciobrasileiro a utilizar a tecnologia do concreto armado em sua construção. Entretanto, para Augusto Carlos<strong>de</strong> Vasconcelos, não se po<strong>de</strong> classificar esse edifício projetado pelo arquiteto Victor Dubugras como tal,pois como armadura foram utilizados trilhos <strong>de</strong> trem usados, configurando-se assim como uma estruturametálica protegida por concreto.


25No MES, os enunciados <strong>de</strong> Le Corbusier como diretrizes <strong>de</strong> concepção eprodução <strong>de</strong> moradias em gran<strong>de</strong> escala – natureza or<strong>de</strong>nada, ótima circulação<strong>de</strong> ar e luz, blocos verticais <strong>de</strong> concreto e vidro, “pousados” com seus pilotissobre os gran<strong>de</strong>s vazios exteriores, viabilizados através <strong>de</strong> métodos e sistemasconstrutivos racionalizados – vão ser incorporados pelos arquitetos brasileiros,paradoxalmente em um edifício institucional, e em um momento que osarquitetos europeus direcionavam suas pesquisas no sentido <strong>de</strong> radicalizar oprograma mo<strong>de</strong>rno para as propostas <strong>de</strong> habitações coletivas economicamenteviáveis, em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> monumentos exclusivos (FRAMPTON, 1997:215). Ese, programaticamente a produção da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> Le Corbusier nocontinente europeu estava alinhada com o sistema produtivo industrial vigente,no Brasil o ímpeto mo<strong>de</strong>rnizante da <strong>arquitetura</strong> do Ministério da Educação nadécada <strong>de</strong> 1930 é prontamente apoiado e respaldado pela i<strong>de</strong>ologia do EstadoNovo <strong>de</strong> Getúlio Vargas, que aspirava a um re-direcionamento na históriabrasileira através <strong>de</strong> uma construção mítica da idéia <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>(JAGUARIBE, 1998:126). Nesse sentido, a viabilida<strong>de</strong> da concretização <strong>de</strong> umedifício-manifesto como o Ministério da Educação po<strong>de</strong> ser entendida, como aocorrência primeira da apropriação do repertório da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna comfins propagandísticos e i<strong>de</strong>ológicos pelo Estado no Brasil. Se o esquemaestrutural Dom-Ino sintetizava as ambições <strong>de</strong> Le Corbusier <strong>de</strong> inserção da<strong>arquitetura</strong> no modo <strong>de</strong> produção contemporâneo, o edifício <strong>de</strong> Lúcio Costa eequipe po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado o ícone-maior do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> umaprosperida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnizante que viabilizaria a inserção do país em um restritogrupo internacional. Entretanto, a herança arquitetônica do hoje Palácio GustavoCapanema é o legado do próprio paradoxo mo<strong>de</strong>rnista encarnado pelo edifício:produto <strong>de</strong> série feito monumento................................................................…..................….....4.CJK®..…......................................................................................Propostas <strong>de</strong> habitações coletivas economicamente viáveis é a idéia básicapresente nas propostas <strong>de</strong> Le Corbusier para o Plan Voisin <strong>de</strong> 1925 e para a VilleRadieuse ou a Cida<strong>de</strong> Radiosa. Enquanto o primeiro nasce fundamentado emuma proposta urbanística que contemplasse soluções radicais aos gravesproblemas <strong>de</strong> congestionamento causados pelos automóveis na estrutura viária


26medieval <strong>de</strong> Paris, a Cida<strong>de</strong> Radiosa é uma resposta às discussões promovidasno primeiro CIAM em 1928 acerca do Existenzminimum. O ponto comum entreas propostas é a ênfase no a<strong>de</strong>nsamento radical <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> indivíduos emaltas torres verticais e a completa liberação do solo associada aos pilotis, gerandoverda<strong>de</strong>iros parques e jardins propositadamente esvaziados: “A partir do décimoquartoandar, é a calma absoluta, é o ar puro” (LE CORBUSIER, 2000:33).Nessas propostas, Le Corbusier utiliza a metáfora orgânica – capaz <strong>de</strong>“naturalizar” a tecnologia – em substituição à metáfora da máquina paralegitimar o planejamento antiurbano e as exigências econômicas impositivas dosistema produtivo presentes em suas propostas. Para Tafuri, tal estratégia visaAbsorver a multiplicida<strong>de</strong>, mediar o improvável com a certeza doplano, compensar organicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sorganicida<strong>de</strong> agudizando-lhes adialética, <strong>de</strong>monstrar que o nível máximo <strong>de</strong> programação produtivacoinci<strong>de</strong> com o máximo “produtivida<strong>de</strong> do espírito... (TAFURI,1985:86)Como forma <strong>de</strong> potencializar suas propostas e torná-las mais próximas das reais<strong>de</strong>mandas e exigências <strong>de</strong> sua época, Le Corbusier evoca a “estética doengenheiro”, uma o<strong>de</strong> à capacida<strong>de</strong> da engenharia <strong>de</strong> se “atingir a harmonia,inspirado pelas leis da economia e conduzido pelo cálculo” (CORBUSIER,2000:3). A abstração racionalmente universalizada, a exatidão matemática e atecnologia como bases <strong>de</strong> uma construção estética e produtiva da socieda<strong>de</strong> apartir do paradigma “naturalizado” <strong>de</strong> sua própria instrumentalização. O elogioao engenheiro vai ser um dos recursos da constante estratégia <strong>de</strong> aproximaçãoentre os avanços da técnica e a vida cotidiana através da <strong>arquitetura</strong>, diante daconstatação <strong>de</strong> que “não temos mais dinheiro para construir monumentoshistóricos” (LE CORBUSIER, 2000:6). Daí a urgência <strong>de</strong> novos paradigmas, dosquais o arquiteto não será apenas indispensável, mas capaz <strong>de</strong> propor soluçõespara questões urgentes: moradias em gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s a um baixo custo <strong>de</strong>produção.“Se a arte é o ecletismo dos estilos, a <strong>arquitetura</strong> renunciará a ser arte, seráengenharia” (ARGAN, 1998:90). Le Corbusier ressuscita a antiga celeuma doséculo XIX entre os aspectos artísticos versus função utilitária na <strong>arquitetura</strong>: <strong>de</strong>


27um lado estavam os arquitetos do ecletismo historicista e do outro as gran<strong>de</strong>sobras da engenharia: as torres, as pontes, os pavilhões. Mas a arte para Corbusiertem um caráter <strong>de</strong> “aplicação dos conhecimentos”, no sentido <strong>de</strong> “realização <strong>de</strong>uma concepção” (LE CORBUSIER, 2000:7), conceito que imediatamentelegitima a instrumentalização operativa da engenharia como a mais pura forma<strong>de</strong> arte. “Ora, hoje são os engenheiros que conhecem, que conhecem a maneira<strong>de</strong> sustentar, <strong>de</strong> aquecer, <strong>de</strong> ventilar, <strong>de</strong> iluminar. Não é verda<strong>de</strong>?” (LECORBUSIER, 2000:7).No Brasil, a incorporação do repertório da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna via Le Corbusierse dá em todos os níveis da vida cotidiana, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> reproduções <strong>de</strong> seus elementoscaracterísticos até a incorporação por parte dos engenheiros dos procedimentos edas vantagens óbvias <strong>de</strong> um discurso orientado para a completa racionalização eotimização dos processos <strong>de</strong> construção e produção das edificações (SEGAWA,1998:129). Além disso, o repertório estrutural e construtivo do esquemacorbusiano Dom-Ino já fora incorporado consi<strong>de</strong>ravelmente nas construções,principalmente pelo domínio das técnicas e pela disponibilida<strong>de</strong> do concretoarmado no país (SEGAWA, 1998:149). Outro fator fundamental ao êxito doconcreto armado no Brasil foi o econômico, “pois seus componentes básicos [...]eram encontrados em qualquer lugar, a preços muito baixos”. Além disso, “apreparação do concreto no próprio canteiro <strong>de</strong> obras não exigia operáriosqualificados” (BRUAND, 1981:16).Mas as relações entre a <strong>arquitetura</strong> e a engenharia no país são difusas econflitantes, e a construção civil sofria <strong>de</strong> uma completa falta <strong>de</strong> organização,sendo dominada principalmente por mestres-<strong>de</strong>-obras autodidatas. Em 1930,buscando solucionar essa questão, a regulamentação do <strong>de</strong>creto 23.569reconheceu as funções dos arquitetos e restringiu a ativida<strong>de</strong> dos construtores,abrindo porém a exceção aos mestres-<strong>de</strong>-obras que obtiveram o direito <strong>de</strong> usar otítulo <strong>de</strong> arquitetos-construtores (BRUAND, 1981:22).O problema se agravara ainda mais porque era difícil estabelecer umlimite entre as atribuições dos arquitetos e dos engenheiros civis, ealém do mais em muitos casos tanto uns quanto outros formavam-sena mesma escola (a Escola Politécnica <strong>de</strong> São Paulo,principalmente). (BRUAND, 1981:22)


28A diferenciação européia, entre arquiteto e empreiteiro, no Brasil não vai serealizar, “sendo freqüente o próprio arquiteto respon<strong>de</strong>r – individualmente ouassociado a alguns colegas – pela direção <strong>de</strong> uma empresa construtora...”(BRUAND, 1981:22). Nesse sentido, o próprio estabelecimento da <strong>arquitetura</strong>como profissão reconhecida e legalizada no país, vai nascer com os profissionaisatrelados às empresas construtoras, “correndo sempre o risco inevitável <strong>de</strong> que oempresário suplante o artista” (BRUAND, 1981:22).Vilanova Artigas, um dos principais nomes da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna no Brasil, éum exemplo <strong>de</strong>ssa situação relatada por Ives Bruand. Formado na Politécnicacomo engenheiro-construtor em 1937, foi durante alguns anos sócio da Marone eArtigas Construtora, especializada em casas particulares em São Paulo. Em umtexto <strong>de</strong> 1942, intitulado “Arquitetura e cultura nacionais”, Artigas discute comprofundida<strong>de</strong> a controversa questão entre construção, <strong>arquitetura</strong> e engenharia noBrasil:A <strong>arquitetura</strong> e a engenharia no Brasil não têm a mesma origem. Elasse confundiram não faz muito, talvez pela insignificância dosproblemas propostos à engenharia, num país <strong>de</strong> economia agrária erudimentar. E o engenheiro se fez <strong>de</strong> arquiteto por penúria.(ARTIGAS, 1999:115)Em seu <strong>de</strong>poimento, Artigas <strong>de</strong>ixa claro acreditar na “imensa contribuição da<strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna brasileira e <strong>de</strong> seus pioneiros no sentido <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>uma arte e uma cultura brasileiras originais e significativas” (ARTIGAS,1999:113). Por outro lado, o arquiteto se apresenta insatisfeito com a confusãoentre as atribuições da <strong>arquitetura</strong> e da engenharia. Para ele, as duas profissões“são contraditórias”, uma vez que “uma é essencialmente técnica; a outratambém tem conteúdo artístico-cultural” (ARTIGAS, 1999:115). Frente à<strong>de</strong>finição operacional-utilitária da arte <strong>de</strong> Le Corbusier, a afirmação <strong>de</strong> Artigaspo<strong>de</strong> ser interpretada ou como conservadora ou como <strong>de</strong> resistência àincorporação da arte e da cultura pelo sistema produtivo industrial do qual aengenharia se faz mais próxima. Por sua formação marxista e por suas<strong>de</strong>clarações a respeito das conseqüências da confusão entre <strong>arquitetura</strong> eengenharia, Vilanova Artigas se mostra claramente resistente à exploração do


29engenheiro e do arquiteto pela indústria da construção, em especial às gran<strong>de</strong>sorganizações imobiliárias. E aponta como principal causa <strong>de</strong>sse equívoco o<strong>de</strong>creto 23.569 que coloca sob o mesmo estatuto as duas profissões:A engenharia neste interregno <strong>de</strong> vigência do <strong>de</strong>creto 23.569, foi embloco orientada para a construção civil – no que esta tem <strong>de</strong> pior – navisão do imobiliário e da exploração inconseqüente que trazem,como <strong>de</strong>corrência, o entulhamento das cida<strong>de</strong>s e a corrida aos lucrosimediatistas. (ARTIGAS, 1999:116)Artigas acreditava que as conseqüências <strong>de</strong>ssa confusão para a <strong>arquitetura</strong>seriam <strong>de</strong>vastadoras:Para a visão reacionária <strong>de</strong> tais imediatistas, a expressão cultural nãoconta. Sentem-se atrapalhados com a palavra cultura. A Beleza, ohumanismo da expressão artística, a harmonia do viver, são itens aeconomizar; como se o entrelaçado <strong>de</strong> expressões que exprimem oengran<strong>de</strong>cimento humano se pu<strong>de</strong>sse medir em preço. Nem insistono argumento. (ARTIGAS, 1999:118)Nesse sentido, o arquiteto reafirmava a importância do engajamento e do caráterfundamental <strong>de</strong> combate da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna brasileira, como resistência àsimposições econômicas e <strong>de</strong> mercantilização da <strong>arquitetura</strong> e da própria cida<strong>de</strong>.Há nesse momento um claro <strong>de</strong>scompasso entre a própria <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>“Harmonia” e “Beleza” na <strong>arquitetura</strong> e na arte entre Artigas e Le Corbusier.Enquanto para Le Corbusier a harmonia e a beleza só são atingidas através daeconomia e como produto da exatidão do cálculo, para Artigas são expressõesque não <strong>de</strong>vem ser indiscriminadamente operacionalizados em função daprodução. Enquanto Le Corbusier buscava uma participação no processo <strong>de</strong>produção capitalista em curso através da planificação e da reorganização dascida<strong>de</strong>s via “estética do engenheiro”, Artigas acreditava na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser a<strong>arquitetura</strong>, não a “mediadora” <strong>de</strong>sse processo, mas sim um mecanismo <strong>de</strong>resistência a sua total implementação. Entretanto, o que para Artigas parecia nadécada <strong>de</strong> 1950 uma ameaça ainda não totalmente concretizada, hoje é apenasuma constatação: as cida<strong>de</strong>s brasileiras foram ao longo <strong>de</strong>sses anos formadas,reformadas e <strong>de</strong>formadas pelos movimentos especulativos do capital imobiliáriodas gran<strong>de</strong>s construtoras. E os principais protagonistas <strong>de</strong>ssa cena foram (e aindasão) justamente as torres habitacionais ou os condomínios verticais. Essasedificações, que são as her<strong>de</strong>iras mais próximas das propostas corbusianas nas


30décadas <strong>de</strong> 1920 e 1930, pertencem à mesma linhagem das habitações verticais<strong>de</strong> Oscar Niemeyer no edifício Copam em São Paulo e no Conjunto JK em BeloHorizonte na década <strong>de</strong> 1950.O Conjunto JK em Belo Horizonte é um caso peculiar nesse processoconflituoso <strong>de</strong> urbanização e construção do Brasil. Envolvidos no projetoestavam o arquiteto Oscar Niemeyer, discípulo <strong>de</strong> Lúcio Costa e membro daequipe no projeto do edifício do MES no Rio <strong>de</strong> Janeiro, o prefeito da cida<strong>de</strong>Juscelino Kubitschek e o empresário Joaquim Rolla, legítimo representante da“visão reacionária” e “imediatista” combatida por Artigas, eincorporador/controlador do consórcio formado pelas firmas Wady Simão Cia.,Alcasan Construtora, Construtora Rabello Ltda. e Construtora A<strong>de</strong>rsy Ltda. Emum único projeto, reunidos os representantes das três mais influentes forças dahistória da <strong>arquitetura</strong> brasileira: Le Corbusier, o Estado e a EspeculaçãoImobiliária.Antes mesmo do início dos trabalhos do Conjunto JK, o então governador doEstado <strong>de</strong> Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, apregoava:O conjunto caracterizará a silhueta da cida<strong>de</strong> e já se prediz queconstituirá ele, nos impressos e na tradição oral, a ‘marca registrada’<strong>de</strong> Belo Horizonte, ou seja, o que é a torre Eiffel para Paris ou oRockefeller Center para Nova York. (TEIXEIRA, 1999:212)Confirmando a eterna necessida<strong>de</strong> estatal da <strong>arquitetura</strong> como monumento ecomo dispositivo <strong>de</strong> representação i<strong>de</strong>ológica e a fama <strong>de</strong> homem visionário,Juscelino Kubitschek, em plena década <strong>de</strong> 1950, parecia vislumbrar os<strong>de</strong>sdobramentos do capitalismo sobre as “cida<strong>de</strong>s globais”, cinco décadas maistar<strong>de</strong>, reivindicando para a sua obra a patente <strong>de</strong> “marca registrada”: CJK® !?O CJK® seria um complexo habitacional inovador com 1.100 apartamentos <strong>de</strong>vários tipos e tamanhos. Suas dimensões eram aterrorizantes frente às pequenasconstruções existentes no seu entorno. Articulado em dois blocos distintos, ummais alto com 36 andares e outro mais baixo com 26 andares e 120 metros <strong>de</strong>comprimento, juntos, os dois blocos mais pilotis e a parte comercial, abrigariamum programa digno <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pequeno porte: cinemas, hotel, padaria,


31terminal rodoviário, museu <strong>de</strong> arte mo<strong>de</strong>rna, comércio, restaurantes, barbearia,salão <strong>de</strong> beleza, área <strong>de</strong> lazer, etc., suportado por uma estrutura em concretoarmado.O sistema construtivo adotado por Niemeyer não mais se baseava no sistemaDom-Ino, mas em outra solução estrutural <strong>de</strong> Le Corbusier, <strong>de</strong>senvolvido para aUnité d’Habitation (Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Habitação) entre 1947 e 1952, em Marselha,“muito mais complexa em sua organização do que o bloco típico da VilleRadieuse” <strong>de</strong> 1930. Enquanto os blocos da VR (Ville Radieuse) tinham comoprincípio o sistema Dom-Ino, com gran<strong>de</strong>s lajes e fachadas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes emvidro, a solução da Unida<strong>de</strong> “revelava sua unida<strong>de</strong> celular”. Nesse sistema, aspare<strong>de</strong>s laterais avançavam para além do fechamento dos apartamentos,funcionando como brise-soleil (FRAMPTON, 1997:274). Em Belo Horizonte,Niemeyer não utiliza o recurso <strong>de</strong> avanço das pare<strong>de</strong>s para conformar proteçãoao sol, mas os pilotis 21 , inspirados na proposta <strong>de</strong> Le Corbusier, <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> serretos e ortogonais, para assumirem formas mais livres em “W” e “V”.O edifício JK nunca foi concluído. Segue ainda hoje o movimento dosmoradores na tentativa <strong>de</strong> término, ao mesmo tempo em que se sobrepõe a esseprocesso uma gran<strong>de</strong> ação <strong>de</strong> reforma e limpeza.As obras <strong>de</strong>pendiam do dinheiro dos condôminos seduzidos pelonovo estilo <strong>de</strong> vida, mas <strong>de</strong>sentendimentos entre eles e oincorporador adiaram as obras por décadas. A <strong>de</strong>manda também nãocorrespon<strong>de</strong>u à expectativa das empresas envolvidas, já que eraquase óbvia a <strong>de</strong>sproporção entre a escala da cida<strong>de</strong> e a do prédio –seria necessário todo o mercado <strong>de</strong> apartamentos voltado para umúnico edifício para que seu sucesso ocorresse a curto prazo.(TEIXEIRA, 1999:213)Os apartamentos só foram entregues aos proprietários na década <strong>de</strong> 1970,<strong>de</strong>zesseis anos após o início das obras. Os programas públicos nunca foramexecutados, os quartos <strong>de</strong>stinados ao hotel foram vendidos e ocupados por lojas21 Entretanto, não seria essa a primeira proposição <strong>de</strong> Niemeyer nesse sentido, já que em 1952 o arquitetohavia concebido o pilotis do Hospital Sul-América no Rio <strong>de</strong> Janeiro em “V”, mas a primeira vez que talrecurso era utilizado em um edifício <strong>de</strong> apartamentos privados. A pesquisa autoral <strong>de</strong> Niemeyer emdireção a soluções mais plásticas em concreto armado, aliada a uma simplicida<strong>de</strong> buscada na construção,vai atingir seu auge na segunda meta<strong>de</strong> da década <strong>de</strong> 1950, quando o arquiteto encontra na estrutura dos


32e escritórios e um processo <strong>de</strong> “favelização” tomou conta do edifício,contribuindo ainda mais para a sua estigmatização iniciada na Ditadura Militar.A <strong>de</strong>crepitu<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>cadência do CJK® são um radical e turbulento prenúncio dofim <strong>de</strong> um alinhamento singular e histórico entre a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna, o Estadoe o capital industrial no Brasil, exacerbado alguns anos mais tar<strong>de</strong> com aconstrução <strong>de</strong> Brasília. Entretanto, <strong>de</strong>ssa fusão tão perigosa quanto os corredoresdo Conjunto na década <strong>de</strong> 1980, o único sobrevivente do inesperado à espreitafoi mesmo a especulação imobiliária, que continuou sua expansão e conquista dacida<strong>de</strong>, livre da retórica mo<strong>de</strong>rnista e da i<strong>de</strong>ologia oficial...............................................................................….......5.ISO.9000.........................................................................................“Foi com o advento do concreto armado no início do século que se constituiu, noBrasil, a indústria da construção civil” (VARGAS, 1994:226). O seu pleno<strong>de</strong>senvolvimento, entretanto, <strong>de</strong>pendia diretamente da capacida<strong>de</strong> e da rapi<strong>de</strong>z<strong>de</strong> incorporação pelo modo <strong>de</strong> produção, da tecnologia disponível na época parafins <strong>de</strong> aplicação em edifícios civis. No caso do concreto armado, era muitoimportante para isso, tanto “o conhecimento das proprieda<strong>de</strong>s tecnológicas docimento e do aço utilizado, como a perfeita organização da obra e o controletecnológico da mesma” (VARGAS, 1994:226), por parte dos profissionaisenvolvidos no processo. Portanto, esses fatores vão ser fundamentais e <strong>de</strong>cisivospara o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> cimento e barras <strong>de</strong> aço pela indústria nacional noinício do século XX. Assim, o cimento importado que já havia sido substituídopelo <strong>de</strong> fabricação nacional da empresa Cimento Rodovalho 22 (que começou aproduzir o material em 1897), vai ter sua produção aperfeiçoada e ampliada empoucos anos. O aço, utilizado para “armar” as estruturas, vai começar a serproduzido no Brasil industrialmente em 1921, pela Companhia Si<strong>de</strong>rúrgicaBelgo-Mineira. Antes, barras chamadas <strong>de</strong> “’ferro-pacote’ obtidas porcal<strong>de</strong>amento 23 <strong>de</strong> arames importados”, eram utilizadas como armações(VARGAS, 1994:226).edifícios a fonte das soluções formais que procurava. O concreto armado vai ser então <strong>de</strong>finitivamentetransformado na expressão da mo<strong>de</strong>rna técnica construtiva brasileira.22 Atual Votorantim.23 Ligamento submetido à têmpera.


33Quanto a empresas construtoras especializadas em concreto armado,a primeira parece ter sido a Companhia Construtora em CimentoArmado, fundada no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1913, por L. Riedlinger, aqual foi, em 1924, incorporada à empresa alemã Weiss & Freytag,tornando-se mais tar<strong>de</strong>, A Companhia Construtora Nacional.(VARGAS, 1994:227)Na década <strong>de</strong> 1920 até 1940, várias empresas <strong>de</strong> construção civil <strong>de</strong> capitalexclusivamente nacional vão surgir por todo o território brasileiro, seguindo oexemplo da Construtora <strong>de</strong> Santos, dirigida pelo engenheiro Roberto Simonsen,que tinha “como diretor técnico um dos precursores do nosso cálculo <strong>de</strong> concretoarmado, Willian Fellinger” (VARGAS, 1994:227).Com essas empresas construtoras apareceram os “escritórios <strong>de</strong>cálculo”, chefiados por engenheiros, cujos conhecimentos <strong>de</strong>matemática aplicada à estabilida<strong>de</strong> das construções eram notáveis;mas, o controle da construção e o comportamento das obras<strong>de</strong>ixavam a <strong>de</strong>sejar... (VARGAS, 1994:228)Nesse período, um gran<strong>de</strong> esforço foi realizado por vários especialistas com ointuito <strong>de</strong> se atingir um nível <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> mínimo na construção, tendo sidofeitas inúmeras pesquisas e ensaios referentes à dosagem do concreto e aocontrole <strong>de</strong> execução das estruturas. No ano <strong>de</strong> 1940, entretanto, após algumastentativas isoladas <strong>de</strong> normatização do controle e da execução do concretoarmado no Brasil, vai ser implementada finalmente a ABNT, AssociaçãoBrasileira <strong>de</strong> Normas Técnicas, com a adoção da primeira “Norma <strong>de</strong> Cálculo eExecução <strong>de</strong> Obras <strong>de</strong> Concreto Armado”, a NB-1 (VARGAS, 1994:228).Em todo o mundo, a década <strong>de</strong> 1940 vai presenciar o surgimento <strong>de</strong> movimentose entida<strong>de</strong>s empenhadas no estabelecimento <strong>de</strong> normas e padrões para produção,não somente para a construção civil, mas em todos os espectros da indústria.Nesse momento <strong>de</strong> pós-guerra, a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna das vanguardas dosarquitetos alemães Walter Gropius e Mies van <strong>de</strong>r Rohe, além <strong>de</strong> outros, havia seradicado e <strong>de</strong>senvolvido nos Estados Unidos, com diferentes características eabordagens daquelas conhecidas como a “nova objetivida<strong>de</strong>” européia da década<strong>de</strong> 1920. Le Corbusier, que havia permanecido na Europa, continuava suapesquisa, “reafirmando os valores que o haviam guiado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, <strong>de</strong> forma


34ajustada à realida<strong>de</strong> pós-guerra”, como observado na proposta para a Unitéd’Habitation. A busca por padrões, incansavelmente enfatizada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> omanifesto “Por uma Arquitetura” continuava, agora porém sem a preocupação <strong>de</strong>sempre com a “Estética da Máquina” 24 (CURTIS, 1986:162), abaladaprofundamente pela <strong>de</strong>monstração po<strong>de</strong>rosa dos efeitos da má utilização damáquina para a <strong>de</strong>struição em massa.A partir <strong>de</strong> então, <strong>de</strong>siludido com a realida<strong>de</strong> industrial e cada vezmais sob a influência “brutalista” do pintor Fernand Leger, seu estilocomeçou a tomar duas direções opostas ao mesmo tempo. Por umlado voltou, pelo menos em sua obra resi<strong>de</strong>ncial, à linguagem dovernáculo; por outro, [...], adotou uma monumentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>zaclássica, para não dizer no estilo Beaux-arts. (FRAMPTON,1997:271)Nessa época, vai ser apresentada uma das mais polêmicas invenções doarquiteto: O Modulor. “Concebido para ser ‘uma medida harmônica à escalahumana, universalmente aplicada à <strong>arquitetura</strong> e à mecânica’”, foi apresentadopor Le Corbusier no ano <strong>de</strong> 1948 (durante esse período <strong>de</strong> redirecionamento <strong>de</strong>suas propostas). O Modulor ambicionava resolver, a partir <strong>de</strong> um mesmomecanismo, duas situações aparentemente diversas e/ou inconciliáveis: aobsessão pela <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> medidas e proporções universais baseadas na or<strong>de</strong>mclássica da “Seção Áurea” e a obsessão pela estandartização das medidas para aprodução industrial.No Brasil, o otimismo em relação à <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna dos primeiros edifíciose da primeira geração <strong>de</strong> arquitetos que teve contato direto com Le Corbusier - aquem se referiam como “Mestre” - produziu uma <strong>arquitetura</strong> inteiramentedirecionada pelos enunciados corbusianos. Dentre os principais <strong>de</strong>staca-se a“ossatura in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”, a qual Lúcio Costa foi <strong>de</strong>fensor ardoroso, <strong>de</strong>smentindoqualquer qualificação como um “estilo reservado apenas a uma <strong>de</strong>terminadacategoria <strong>de</strong> edifícios”, mas como ”um sistema construtivo absolutamente geral”(COSTA, 1995:114). Esse cenário foi aos poucos substituído por uma visão maiscrítica e i<strong>de</strong>ológica do mo<strong>de</strong>rnismo europeu, praticada principalmente porVilanova Artigas.24 Tradução nossa. Texto original inglês.


35Em 1951, Artigas publicou na revista <strong>de</strong> cultura política “Fundamentos” – daqual participou como diretor – um texto intitulado “Le Corbusier e oimperialismo”. Nesse texto, em que o arquiteto discute a questão danormatização da construção no Brasil, o Modulor é apontado pelo arquitetocomo “ferramenta a serviço do imperialismo” americano. O texto é escrito epublicado em um momento on<strong>de</strong> o enfoque da discussão da construção no paísestava centrado no objetivo <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação e sistematização da indústria daconstrução, “mediante um novo dimensionamento <strong>de</strong> todos os materiais eequipamentos”, tarefa <strong>de</strong>signada à ABNT, órgão diretamente ligado à Fe<strong>de</strong>raçãodas Indústrias (ARTIGAS, 1999:19).Perspectiva tentadora. É verda<strong>de</strong> que na construção civil o<strong>de</strong>sperdício é enorme. Os materiais têm as dimensões mais absurdaspossíveis, se comparados entre si, e o ajuste no canteiro éproblemático, dispendioso e imperfeito. [...] A palavra aos técnicos,e, no futuro, teremos realizações perfeitas, tudo encaixando às milmaravilhas, como se tratasse <strong>de</strong> um jogo infantil <strong>de</strong> cubos <strong>de</strong> armar.(ARTIGAS, 1999:19)Para Artigas, por trás do rigor científico, e da aparente necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “pôror<strong>de</strong>m” à produção e à construção, subjaz a verda<strong>de</strong>ira intenção danormatização: possibilitar a penetração no país <strong>de</strong> produtos industrializadosproduzidos em outros países, principalmente Estados Unidos. Nesse sentido, anormatização ampla dos processos e da produção, visa o estabelecimento <strong>de</strong> umponto comum entre o sistema métrico <strong>de</strong>cimal – utilizado no Brasil (e em quasetodo o mundo) – e o sistema pé-polegada anglo-saxão, ou seja, “compor umalinguagem técnica universal que permita aos países <strong>de</strong> linguagem métricaenten<strong>de</strong>r os arabescos e as charadas armadas em pés-polegadas – lineares,quadradas e cúbicas...” (ARTIGAS, 1999:18). Para essa “harmonização” daslinguagens, algumas propostas já haviam sido apresentadas, sendo que Artigasvai se ocupar, em particular, da crítica à proposta <strong>de</strong> Le Corbusier, que para oautor é “sagaz, percebe a maré dos acontecimentos, e vem ao balcão doimperialismo com uma teoria sutil, misturada <strong>de</strong> sabor estético discutivel...”(ARTIGAS, 1999:20). Questionando “as verda<strong>de</strong>iras intenções” <strong>de</strong> LeCorbusier, “explicitadas claramente” na mudança <strong>de</strong> nome do sistema, <strong>de</strong>


36“grelha <strong>de</strong> proporções”, para Modulor (modulação – modu + seção <strong>de</strong> ouro – or),Artigas afirma que o novo nome obviamente visava facilitar o seu perfeitoentendimento na língua inglesa. Para Artigas, outro ponto on<strong>de</strong> “as verda<strong>de</strong>irasintenções” são explicitadas, vai ser na argumentação <strong>de</strong> Le Corbusier entre asqualida<strong>de</strong>s e as falhas dos dois sistemas <strong>de</strong> medidas, o métrico: “<strong>de</strong>sumano eabstrato”, e o pé-polegada: para Le Corbusier, “orgânico e superior”, já quebaseado no corpo humano (ARTIGAS, 1999:21). Entretanto, para Artigas atentativa <strong>de</strong> aproximação do Modulor com a indústria americana não se realizajamais, porque “o imperialismo não encontra uso imediato para as soluções <strong>de</strong>Le Corbusier”, uma vez que dispõe <strong>de</strong> outros meios <strong>de</strong> assegurar a penetração <strong>de</strong>seus produtos e sua i<strong>de</strong>ologia nos países menos <strong>de</strong>senvolvidos (ARTIGAS,1999:23).Nesse contexto, on<strong>de</strong> os ânimos estavam exaltados pelo complexo quadropolítico-cultural <strong>de</strong> início <strong>de</strong> Guerra Fria, a “ruptura da unida<strong>de</strong> abriu umabatalha i<strong>de</strong>ológica” e conduziu a uma revisão dos conceitos estabelecidos para aarte e <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna no país, levando à recusa da “alienação quereconhecia no ‘abstrato’ <strong>de</strong> algumas propostas artísticas que fizeram moda”, emfavor <strong>de</strong> um “realismo social, que queria tomar consciência dos acontecimentoshistóricos” (ARTIGAS, 1999:11). Desse ponto <strong>de</strong> vista, a linguagem“harmônica” <strong>de</strong> Le Corbusier estava claramente alinhada com o domíniocultural-político-econômico americano, cumprindo à socieda<strong>de</strong> brasileira a tarefa<strong>de</strong> repudiá-la (ARTIGAS, 1999:24).Paralelamente à proposição <strong>de</strong> Le Corbusier para o Modulor e ao ambienteconflituoso da época, surge em 1947 na França, a Organização Internacionalpara Estandartização, ISO (International Organization for Standartization), umaentida<strong>de</strong> não-governamental e internacional com participação <strong>de</strong> mais 140países, cujo objetivo estabelecido era promover o <strong>de</strong>senvolvimento daestandartização, facilitando a troca e o comércio internacional <strong>de</strong> bens e serviços,além <strong>de</strong> cooperação intelectual, científica, tecnológica e econômica (ISO,2001:1). Do ponto <strong>de</strong> vista da ISO, “standards são um conjunto <strong>de</strong> documentosque contém especificações técnicas, critérios precisos, regras, <strong>de</strong>finições <strong>de</strong>


37características” 25 , para assegurar que materiais, produtos e serviços, cumpramseus propósitos, com a qualida<strong>de</strong> universalmente (ISO, 2001:1).Tratando basicamente <strong>de</strong> gerenciamento <strong>de</strong> processos, e não <strong>de</strong> produtos, aimplementação universal da estandartização ISO, iniciada já na década <strong>de</strong> 1950– em <strong>de</strong>trimento do Modulor corbusiano e à revelia dos arquitetosi<strong>de</strong>ologicamente comprometidos com a “resistência” – vai ser a consagração doprojeto <strong>de</strong> planificação e racionalização do sistema produtivo mo<strong>de</strong>rno. Esseprocesso, que já havia sido radicalmente acelerado pelas vanguardas, emespecial pela abordagem científica da construção e do <strong>de</strong>sign da “novaobjetivida<strong>de</strong>” – que havia aceitado ainda nas décadas <strong>de</strong> 1920 e 30 a “morte daaura” do objeto (TAFURI, 1985:45), propondo uma nova postura, on<strong>de</strong> à<strong>arquitetura</strong> não mais cabia a tarefa <strong>de</strong> produzir objetos, mas sim dar forma aprocessos que culminariam inevitavelmente em operações <strong>de</strong> montagem <strong>de</strong>elementos universalmente padronizados – vai tomar novo e irreversível impulsocom o processo <strong>de</strong> normatização e estandartização universal pela ISO. Nessesentido, “perante a atualização das técnicas <strong>de</strong> produção e a expansão eracionalização do mercado, o arquiteto produtor <strong>de</strong> ‘objetos’ passa a sercertamente uma figura ina<strong>de</strong>quada” (TAFURI, 1985:72). Se para Tafuri essaafirmação já fazia sentido ao se referir ao contexto das décadas <strong>de</strong> 1920 e 30,com expansão fulminante das formas <strong>de</strong> produção e <strong>consumo</strong> <strong>de</strong> massa docapitalismo corporativo e a crescente globalização dos processos a partir dosanos 60 e 70, a sua confirmação fica cada vez mais evi<strong>de</strong>nte.Esse período vai ser marcado pela ruptura e substituição dos dogmas epostulados da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna – que segundo Charles Jencks sucumbiramjunto com a implosão do edifício Pruitt Igoe, em “15 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1972 às 3:32da tar<strong>de</strong> (mais ou menos), quando a vários blocos do infame projeto <strong>de</strong>u-se o tiro<strong>de</strong> misericórdia com dinamite” 26 (JENCKS, 1984:9) – por processos muito maisfugazes e efêmeros. Simbolicamente, o projeto <strong>de</strong> uma <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rnainternacional estava acabado, como proclamavam os profetas do pósmo<strong>de</strong>rnismohistoricista. A <strong>arquitetura</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna fez então, do retorno a um25 Tradução nossa. Texto original inglês.26 Tradução nossa. Texto original espanhol.


38passado pré-mo<strong>de</strong>rno, o mecanismo necessário <strong>de</strong> contestação da monotonia,homogeneida<strong>de</strong> e esterilida<strong>de</strong> das propostas da <strong>arquitetura</strong> do alto mo<strong>de</strong>rnismo.Essa crítica do mo<strong>de</strong>rnismo, entretanto, encobria um processo radical <strong>de</strong>incorporação do “passado” e do “local” como o “novo”, pelas forças do sistemacorporativo internacional, enquanto o funcionalismo genérico e a flexibilida<strong>de</strong>“neutra” dos procedimentos mo<strong>de</strong>rnos são incorporados <strong>de</strong>finitiva eirreversivelmente pela lógica do mercado global.Para Fredric Jameson, “contra o próprio espírito <strong>de</strong> suas afirmaçõesrevolucionárias e utópicas”, a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna “preparou o terreno para aonipotência do plano tecnocrático plenamente racionalizado, a planificaçãouniversal do que viria a ser o sistema total do capital multinacional” 27 , agoracamuflado sob a roupagem pop da cultura <strong>de</strong> massa (JAMESON, apud ELLIN,1995:78). Destituído <strong>de</strong> qualquer ambição revolucionária e “superado o nível dautopia”, o arcabouço arquitetônico mo<strong>de</strong>rno “se torna mecanismo operante”(TAFURI, 1985:92), funcionando ostensivamente como o suporte instrumentalnecessário à produção e ao <strong>consumo</strong> em massa do triunfo kitsch e do pastichecultural na <strong>arquitetura</strong>, através dos procedimentos <strong>de</strong> produção em série,racionalização construtiva e drástica diminuição dos custos. Nesse sentido, “opós-mo<strong>de</strong>rnismo não é uma doutrina baseada numa leitura civilizada da gran<strong>de</strong><strong>arquitetura</strong> na história, mas um método...”. Tal método resulta extremamenteeficaz, sendo capaz <strong>de</strong> suprir rapidamente as <strong>de</strong>mandas – “um arranha-céubaseado num pago<strong>de</strong> chinês e/ou uma pequena cida<strong>de</strong> alpina com uma torretoscana” 28 (KOOLHAAS, 1994:1262) – da especulação imobiliária nas cida<strong>de</strong>scontemporâneas.No Brasil, o projeto <strong>de</strong> uma <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna brasileira <strong>de</strong> resistência e <strong>de</strong>afirmação <strong>de</strong> uma cultura nacional (reivindicado por Artigas) havia sidoenterrado logo após a conclusão <strong>de</strong> Brasília, pela Ditadura Militar instaurada apartir <strong>de</strong> 1964. Artistas, políticos, intelectuais, arquitetos, figuras como o próprioVilanova Artigas, Oscar Niemeyer, Hélio Oiticica, Caetano Veloso, entre outros“subversivos e comunistas”, saíram do Brasil e se exilaram em outros países.27 Tradução nossa. Texto original inglês.28 Tradução nossa. Texto original inglês.


39Nesse período, o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do país é acelerado rapidamentepelo chamado “milagre econômico brasileiro”, on<strong>de</strong> a expansão do fenômeno <strong>de</strong>urbanização e a crescente industrialização geram uma “nova classe média urbanaávida por novos objetos <strong>de</strong> <strong>consumo</strong>” (SANTOS, 1987:39). Terreno fértil para aproliferação <strong>de</strong> construtoras e empreiteiras que, longe <strong>de</strong> qualquer regulação dascida<strong>de</strong>s, incentivadas pela i<strong>de</strong>ologia e pela “máquina” estatal e diante dasgran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> todo o tipo <strong>de</strong> infra-estrutura urbana, principalmentemoradias para a classe média, prosperaram sem obstáculos. O projeto mo<strong>de</strong>rnistabrasileiro foi então – no que restou <strong>de</strong>le – cooptado <strong>de</strong>finitivamente pelas forçasprodutivas do mercado imobiliário nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s que começaram a passarpor um processo acelerado <strong>de</strong> transformação urbana. Esse processo que vive seuapogeu internacional na década <strong>de</strong> 1980 pela reestruturação espacial eeconômica das cida<strong>de</strong>s globais (SASSEN, 1991:225), no Brasil vai secaracterizar pela drástica diminuição do papel do Estado em todos os âmbitos dasocieda<strong>de</strong>. No setor brasileiro da indústria da construção civil, <strong>de</strong>vido à própriaabertura política e econômica sofrida pelo país, o mercado se expandiu e asconstrutoras e incorporadoras passaram a ter uma atuação mais abrangente,buscando negócios, clientes e produtos com menor margem <strong>de</strong> prazos e recursos(LEAL, 2002:66). Esse processo vai possibilitar uma reestruturação das formasprodutivas vigentes através da mo<strong>de</strong>rnização tanto dos processos <strong>de</strong> produção,quanto das tecnologias e materiais; fazendo da construção civil uma ativida<strong>de</strong>progressivamente mais corporativa e menos artesanal. Nesse contexto, as antigase estabelecidas formas <strong>de</strong> construir vão ser gradativamente substituídas poroutras mais racionalizadas e <strong>de</strong> mais qualida<strong>de</strong>, seguindo padrões internacionaise/ou procedimentos importados.No final da década <strong>de</strong> 1980 e início dos anos 90, as empresas da construção civilvão começar a priorizar a implantação <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> –incentivadas principalmente por órgãos como o SINDUSCON (Sindicato daIndústria da Construção Civil) – buscando atestados <strong>de</strong> certificação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> processos, em organismos internacionais como a ISO, que em 1987 haviaestabelecido uma maior abertura das possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estandartização, criando


40para standards menos específicos a classificação ISO 9000 e ISO 14000 29 , quepassaram a englobar a maior parte <strong>de</strong> processos padronizados da indústria. Esseprocesso <strong>de</strong> certificação <strong>de</strong> empresas – cujos procedimentos são avaliados poroutras organizações (no caso brasileiro, ABNT) – vai ter como um dos objetivosprincipais o constante aperfeiçoamento da produção, mas também a legitimaçãoda credibilida<strong>de</strong> da própria empresa perante seus consumidores, pela emissão docertificado. Além disso, como divulgado pela própria ISO, a certificação <strong>de</strong><strong>de</strong>terminada empresa po<strong>de</strong> fazer com que sua exposição e popularida<strong>de</strong>aumentem significativamente (ISO, 2001:13), pela credibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>bitada aoprocesso <strong>de</strong> auditoria dos processos sofrido pelas empresas postulantes.Na década <strong>de</strong> 1990, o processo <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong> abertura econômica e a globalizaçãomo<strong>de</strong>rnizadora das formas <strong>de</strong> produção e especulação do capital vão configurarno Brasil, no âmbito da construção civil, oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>sempreendimentos e incorporações, tanto no setor da construção <strong>de</strong> edifícioscomerciais como resi<strong>de</strong>nciais, predominando entretanto, como padrão, as torres<strong>de</strong> alta <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> habitacionais (VILLAÇA, 1998:182). Estas torres, her<strong>de</strong>irasdiretas das propostas <strong>de</strong> Le Corbusier, do MES e do CJK®, que já vinham se“aperfeiçoando” nas últimas décadas, vão atingir então o ápice <strong>de</strong> suacapacida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnizante, sendo protagonistas dos gran<strong>de</strong>s negócios imobiliáriospor todo o país.Do ponto <strong>de</strong> vista construtivo, os esforços no sentido da melhoria da qualida<strong>de</strong>tanto do processo <strong>de</strong> construção quanto do próprio produto implementadosprincipalmente pelas gran<strong>de</strong>s construtoras, repercutem em resultados práticos,econômicos e financeiros. Assim, com cada vez mais facilida<strong>de</strong>, encontram-seprédios <strong>de</strong> apartamentos (não somente) on<strong>de</strong> são empregadas novas tecnologiase materiais totalmente industrializados, com canteiros <strong>de</strong> obras mais precisos eracionalizados. Nesses empreendimentos, po<strong>de</strong>-se perceber também aimportância duradoura da tradição da construção em concreto armado no país,29 Enquanto o ISO 9000 trata especificamente do gerenciamento da qualida<strong>de</strong> dos processos envolvidosna fabricação <strong>de</strong> um produto genérico, ou na prestação <strong>de</strong> um serviço, a classe ISO 14000 diz respeito aogerenciamento e ao controle ambiental, tendo como objetivo minimizar os impactos e danos ao meioambientecausados por qualquer ativida<strong>de</strong>. Ambos, dizem respeito, entretanto, às formas <strong>de</strong> organizaçãoda produção; e não do resultado <strong>de</strong>ssa produção especificamente. Assim, tratam <strong>de</strong> processos e não <strong>de</strong>produtos, pelo menos não diretamente.


41basicamente utilizado sob a forma da estrutura Dom-Ino corbusiana. Entretanto,nesse processo veloz e competitivo, a construção em concreto se caracterizacomo uma das etapas construtivas menos alteradas com o passar dos anos, pelomenos no que diz respeito ao seu conceito estrutural fundamental. E mesmosendo a “ossatura estrutural” a base <strong>de</strong> praticamente toda a construção civil nopaís, sobre a qual são montadas e afixadas as outras partes e elementos, suaexecução ainda se faz principalmente pela moldagem in loco da estrutura, apartir do bombeamento e <strong>de</strong>spejo <strong>de</strong> concreto usinado. As “novida<strong>de</strong>s”estruturais portanto, são cada vez mais tecnológicas: concreto protendido, CAD(concreto <strong>de</strong> alto <strong>de</strong>sempenho), lajes nervuradas com fôrmas ATEX <strong>de</strong> fibra, etc.Visando sempre uma redução <strong>de</strong> custos diretos ou indiretos e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>espaços cada vez mais “flexíveis” e “neutros”, estas soluções proporcionamestruturas mais leves, baratas e rapidamente executadas. Entretanto, se todo esseesforço gerencial, administrativo, construtivo e produtivo vai aproximar essasedificações dos i<strong>de</strong>ais científicos e eficientes para a construção, almejados pela“nova objetivida<strong>de</strong>” arquitetônica e pelo próprio Le Corbusier no início doséculo XX, vai também ser o <strong>de</strong>sfecho às avessas da utopia do controlecompleto, tanto do planejamento quanto da produção pela <strong>arquitetura</strong>. À frentedos negócios, dos processos e da própria execução <strong>de</strong>ssas estruturas,comandando gran<strong>de</strong>s corporações e construtoras, estão postados engenheiros,marketeiros e administradores (cada vez mais especializados e especialistas),não os arquitetos. Como em um retorno nostálgico ao século XIX, a tarefa quecabe aos arquitetos – pelo menos nesse setor – nada tem que ver com proposição<strong>de</strong> infra-estruturas, sistemas construtivos ou novos conceitos. Aos arquitetos estáreservada a tarefa “artística” <strong>de</strong> alimentar o próprio paradoxo do sistemacapitalista corporativo atual, do qual o setor imobiliário é estratégico, explicitadonesses edifícios <strong>de</strong> forma inequívoca. Quanto mais objetivos e racionais setornam os processos e o paradigma da eficiência da produção esbarra no limiteda própria dissolução do objeto, esses produtos são cada vez mais necessáriossimplesmente como suporte material que torne verossímil a vasta produçãosimbólica que sustenta a lógica do <strong>consumo</strong> contemporâneo (CANCLINI,2002:6). Vai ser então da realização potencial <strong>de</strong>ssas “experiênciassignificantes” que a <strong>arquitetura</strong> vai se ocupar, como dispositivo manipuladoatualizando toda a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle (social) e or<strong>de</strong>nação e seu


42repertório <strong>de</strong> proposição <strong>de</strong> fantasias e ficções operativas. Nesse processo, on<strong>de</strong>a substituição veloz <strong>de</strong> paradigmas <strong>de</strong> <strong>consumo</strong> – impulsionados pelapublicida<strong>de</strong> e sua constante potencialização pela <strong>arquitetura</strong> – faz a próprianecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “morar” (priorida<strong>de</strong> fundamental da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna)obsoleta e substituída pela obsessão por “mudar”, on<strong>de</strong> o direito <strong>de</strong> morar “éconfundido com o direito <strong>de</strong> ser proprietário”, por enquanto, “o que mais seconseguiu foi consagrar o predomínio <strong>de</strong> uma visão imobiliária da cida<strong>de</strong>”(SANTOS, 1987:45). O atendimento das necessida<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas através <strong>de</strong>dispositivos racionalmente funcionais é substituído pelo contínuo insuflamentodos <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> um consumidor insaciável. Parece então inevitável e anunciada aobsolescência (também) da provocação situacionista 30 : “Habite: beba Coca-Cola”, pela própria realida<strong>de</strong> inequívoca: “Patrimar 31 : mu<strong>de</strong> para melhor!”6. PUBLICIDADE30 Grupo europeu formado nos anos <strong>de</strong> 1960, integrado por Guy Debord, Raoul Vaneigem, ConstantNiewenhuys, Arger Jorn, Henri Lefebvre, entre outros. O movimento Internacional Situacionista (1957-1972) tinha como alvo fundamental <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s a crítica à arte e cultura <strong>de</strong> massa.26 Para saber sobre “Patrimar” ver ANEXO.


43________________________________________________________EDIFÍCIO MUSTIQUE (LE PARADIS EST ICI) – EZTEC Engenharia eConstruções, Rua Flórida, esquina com a Rua Arandu, Brooklin, São Paulo –apartamentos com 4 suítes, 1 por andar com 238 m_ <strong>de</strong> área privativa . Suítemaster com closet e hidromassagem e terraço . Galeria . Living . Amplo terraçocom churrasqueira . Lavan<strong>de</strong>ria . Service nook . 8000 m_ <strong>de</strong> área <strong>de</strong> lazer . Hallinspirado nos palácios antigos . Living com 3 ambientes . Quadra <strong>de</strong> tênis . Salão<strong>de</strong> festas . Salão <strong>de</strong> jogos . Praça com espelho d’água, fonte, pórtico com portecochère,piazzetas com bancos e mesinhas . Sauna . Spa . Fitness center . Piscinacoberta com raia <strong>de</strong> 25 m . Piscina infantil . Piscina adulto . Recreação infantil .Playground . Quadra poliesportiva . Salão <strong>de</strong> festas infantil . Pista <strong>de</strong> Cooper . 4vagas <strong>de</strong> garagem . Depósito privativo no subsolo.________________________________________________________


44________________________________________________________................................................................................….. 7.Branding........…..............................................................................O mercado imobiliário dispõe atualmente <strong>de</strong> uma infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> meios e veículospara uma eficiente divulgação <strong>de</strong> seus produtos e <strong>de</strong> suas marcas. Os tradicionais“classificados” ou “pequenos anúncios” dos jornais e a freqüente distribuição <strong>de</strong>fol<strong>de</strong>rs e panfletos nos semáforos e eventos são hoje apenas mais umapossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>, entre tantas outras disponíveis. Para Rui Gragnani,vice-presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> marketing da construtora e incorporadora paulista RossiResi<strong>de</strong>ncial, o jornal ainda mantém uma vantagem sobre os novos meios, pois“transmite confiança em mensagens lights permeadas <strong>de</strong> componentesemocionais” (Fischer, 2002:33). Entretanto a internet, a televisão e o rádio sãomídias cada vez mais visadas pelo marketing imobiliário:O mercado imobiliário <strong>de</strong>morou para recorrer à mídia eletrônica,principalmente à TV. Mas <strong>de</strong> uns anos para cá, tem sido cada vezmais utilizada, <strong>de</strong>vido ao imediatismo dos resultados. A TV lidadiretamente com a emoção do telespectador, item consi<strong>de</strong>radofundamental pelos especialistas em propaganda e marketing econsegue mostrar o produto (imóvel) com maior riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhesque os anúncios impressos. (FISCHER, 2002:34)


45Com o sistema <strong>de</strong> telefonia portátil cada vez mais sofisticado e popularizado ecom o lançamento <strong>de</strong> aparelhos com capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> receber gran<strong>de</strong>s mensagens eaté imagens digitalizadas, as agências <strong>de</strong> tele-marketing já se preparam paraexpandir ainda mais sua atuação, incorporando as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> compra evenda <strong>de</strong> imóveis aos seus serviços, diminuindo a distância entre as marcasimobiliáriase os consumidores potenciais.Os eficientes stands, tradicionalmente montados junto ao local da construção dosempreendimentos, estão presentes cada vez em mais lugares diferentes aomesmo tempo. Buscando sempre a atenção do maior número <strong>de</strong> consumidorespossível, esses postos <strong>de</strong> venda e divulgação se tornaram displays móveis eambulantes, que acompanham os fluxos e o movimento do <strong>consumo</strong>, ou então setransformaram em verda<strong>de</strong>iras lojas, as butiques imobiliárias. Nessas butiqueslocalizadas nos centros das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s ou nos principais shoppings, todosos produtos das empresas estão à venda sob a forma <strong>de</strong> enormes e <strong>de</strong>talhadasmaquetes, clipes, ví<strong>de</strong>os e simulações tridimensionais, <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> clientescompletamente satisfeitos e todo um potente repertório <strong>de</strong> convencimento queexpan<strong>de</strong> seriamente as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> representação. Mas, mesmo com asvantagens óbvias que os avanços tecnológicos trazem para a expansão dapublicida<strong>de</strong> e para o marketing contemporâneo – barateamento <strong>de</strong> custos,multiplicação espantosa da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas afetadas pelas mensagens, etc.– e com o todo o “charme” e “conforto” <strong>de</strong> se comprar um apartamento em umabutique, a principal ve<strong>de</strong>te do marketing imobiliário contemporânea é mesmo aprópria paisagem urbana.Reforçando a relação paradoxal entre a <strong>arquitetura</strong> imobiliária e a cida<strong>de</strong>contemporânea, o mercado <strong>de</strong> construção e incorporação, que orienta todas assuas estratégias no sentido <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> um conceito <strong>de</strong> vida “feliz” emenclaves que <strong>de</strong>sprezam e <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ram completamente o próprio lugar em queestão implantados (a não ser os atrativos óbvios tais como cultura, altatecnologia e rapi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento), vai se apropriar <strong>de</strong>ssa mesma cida<strong>de</strong> comseu po<strong>de</strong>rio econômico para divulgar suas marcas pelo marketing imobiliário.Assim, o território da cida<strong>de</strong> é “tomado <strong>de</strong> assalto” por faixas, banners em


46prédios inteiros, painéis eletrônicos, outdoors, balões, logotipos, cavaletes,placas, a<strong>de</strong>sivos em ônibus e táxis, ampliando o campo <strong>de</strong> influência e <strong>de</strong>impacto da propaganda da especulação imobiliária para muito além das áreas<strong>de</strong>stinadas à construção <strong>de</strong> suas ilhas restritas. Essa estratégia <strong>de</strong> captura dacida<strong>de</strong> empreendida pelo setor imobiliário po<strong>de</strong> ser claramente confirmada porqualquer profissional do setor. Como exemplifica Orlando Marques, diretor daMídia Brasil Exterior, agência especializada em divulgação imobiliária, omarketing <strong>de</strong>ve explorar todas as oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> divulgação que as gran<strong>de</strong>scida<strong>de</strong>s oferecem como suporte imediato: “os painéis luminosos, por exemplo,têm um po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> comunicação estrondoso, pois convencem pela capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cobertura na cida<strong>de</strong> e pelo volume <strong>de</strong> vezes a que a pessoa é exposta à peça...”(FISCHER, 2002:34). Sempre buscando a atenção dos distraídos e apressadosconsumidores, essas estratégias articuladas pelo mercado imobiliário seapropriam ostensivamente <strong>de</strong> forma insidiosa da “<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m” da paisagem,esgueirando-se pelo “<strong>de</strong>scontrole” estabelecido, para oferecer – por algumascentenas <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> Reais – a possibilida<strong>de</strong> – em algumas centenas <strong>de</strong> m_ –<strong>de</strong> uma vida principesca em um oásis <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e controle. Para ManfredoTafuri, essa aparente contradição on<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, controle e <strong>de</strong>scontroleque se opõem diretamente, é <strong>de</strong> fato a característica premente e típica da“reorganização capitalista do mercado mundial e do <strong>de</strong>senvolvimento produtivo”<strong>de</strong>s<strong>de</strong> as vanguardas históricas até nossos dias (TAFURI, 1985:120) e é nessesentido, agenciada eficientemente pelo próprio sistema, como modo <strong>de</strong>potencializar suas estruturas internas e seu objetivo intrínseco: o lucro.Assim, além <strong>de</strong> todo esse esforço <strong>de</strong> “conquista da existência em primeiro lugar”e “<strong>de</strong> espaços cada vez maiores e melhores situados na atenção ou naconsciência do público” (LÉVY, 2001:111), a lógica das marcas corporativas fazda <strong>arquitetura</strong> nesse sistema imobiliário mais um dispositivo <strong>de</strong> veiculaçãopublicitária na paisagem urbana. A <strong>arquitetura</strong> enquanto produto é então nesseprocesso duplamente indispensável: como suporte material para “tornarverossímil essa vasta produção simbólica” (CANCLINI, 2002:6) das marcasimobiliáriascontemporâneas e como “auto-displays” publicitários espalhadospela cida<strong>de</strong>, permitindo assim o reconhecimento e a aceitação da marcadivulgada através da relação imediatamente estabelecida entre um conceito <strong>de</strong>


47vida proposto e a logomarca da empresa, estampada na superfície arquitetônica.Funciona assim como links 32 imediatos entre consumidores e a máquinaimobiliária ativa, uma vez que possibilita um encurtamento da distância entre osdois campos, ao mesmo tempo em que a própria atenção manifestada pelasintenções <strong>de</strong> <strong>consumo</strong>, orientadas por esse mecanismo, <strong>de</strong>termina não somenteas estratégias do setor como retro-alimentam toda a economia envolvida erearticulam o território da cida<strong>de</strong> mesmo. Portanto, nessa operaçãoestrategicamente engendrada pela i<strong>de</strong>ologia do <strong>consumo</strong>, publicida<strong>de</strong>,<strong>arquitetura</strong>, logotipo e cida<strong>de</strong> são apenas partes integrantes <strong>de</strong> um plano maisamplo <strong>de</strong> branding, ou seja, gestão das marcas que orienta todas as ações e<strong>de</strong>cisões das empresas contemporâneas, inclusive as imobiliárias.“Pense na marca como o sentido essencial da corporação mo<strong>de</strong>rna, e napublicida<strong>de</strong> como um veículo utilizado para levar esse sentido ao mundo”(KLEIN, 2002:29). Para Naomi Klein – que em seu recente livro “SEM LOGO:A tirania das marcas em um planeta vendido” apresenta um panorama crítico dasestratégias <strong>de</strong> marketing e propaganda das empresas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do século XX– a concepção contemporânea <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong> marcas das corporações baseia-sefundamentalmente na idéia <strong>de</strong> que as empresas em vez <strong>de</strong> fabricantes <strong>de</strong> produtossão prioritariamente “agentes <strong>de</strong> significado” (KLEIN, 2002:45). A marca, nessesentido, “não é um produto, mas um meio <strong>de</strong> vida, uma atitu<strong>de</strong>, um conjunto <strong>de</strong>valores, uma expressão, um conceito” (KLEIN, 2002:47) construído pelascorporações e que po<strong>de</strong> ser adquirido e incorporado por seus consumidores, nãonecessariamente junto com um produto específico.Segundo o velho paradigma, tudo que o marketing vendia era umproduto. De acordo com o novo mo<strong>de</strong>lo, contudo, o produto sempreé secundário ao verda<strong>de</strong>iro produto, a marca, e a venda <strong>de</strong> umamarca sempre adquire um componente adicional que só po<strong>de</strong> ser<strong>de</strong>scrito como espiritual. (KLEIN, 2002:45)32 Pierre Lévy (2001:116) <strong>de</strong>senvolve em seu livro “A conexão planetária: o mercado, o ciberespaço, aconsciência” a noção <strong>de</strong> “economia da atenção” para explicar o fenômeno das negociações e do <strong>consumo</strong><strong>de</strong>ntro da internet, que para o autor, nessa “economia virtual em via <strong>de</strong> constituição, começa a seestabelecer uma espécie <strong>de</strong> equivalência entre o dinheiro e a atenção”. Explica-se: “no ciberespaço, éainda mais evi<strong>de</strong>nte que são os movimentos da nossa atenção que dirigem tudo. [...] o registro do menorclique no mouse, isto é, o traçado mais preciso jamais realizado da atenção coletiva e individual, é amatéria prima do novo marketing, que orientará logo mais o conjunto da produção. Nem temos maisnecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comprar para orientar a economia, é suficiente dirigir nossa atenção...” (LÉVY, 2001:116)


48Nas palavras <strong>de</strong> Alberto Djinishian, diretor <strong>de</strong> criação da GiacomettiPropaganda, agência responsável pelas campanhas publicitárias <strong>de</strong> imóveiscomercializados em todo Brasil pela Lopes Consultoria <strong>de</strong> Imóveis, “ven<strong>de</strong>mosconceitos e estilos <strong>de</strong> vida, por isso é complicado tratar as estratégias <strong>de</strong>marketing <strong>de</strong> forma objetiva” (FISCHER, 2002:33). Para ele, “ao lançar umedifício, a campanha sugere mudanças no comportamento <strong>de</strong> um grupo <strong>de</strong>pessoas, que a partir daí passarão a viver em comunida<strong>de</strong>” e, portanto, continuao diretor, “a <strong>arquitetura</strong> <strong>de</strong>ve estar muito bem adaptada a isso. Muitas vezes, aagência po<strong>de</strong> até sugerir mudanças [...] tendo em vista as que melhor se ajustamao público que irá residir, ou então aparentes obstáculos...” à venda que <strong>de</strong>verãoser eliminados e/ou dissimulados pelos arquitetos (FISCHER, 2002:33). Essa“tendência” contemporânea da valorização das marcas em <strong>de</strong>trimento dosprodutos parece extremamente coerente e promissora em um setor, on<strong>de</strong> oconceito <strong>de</strong> vida comprado coinci<strong>de</strong> exatamente com o próprio lugar on<strong>de</strong> essavida será vivida. Se uma empresa como a Nike – que na década <strong>de</strong> 1980anunciou que a partir <strong>de</strong> então era uma empresa <strong>de</strong> esportes, e como tal suamissão não era ven<strong>de</strong>r calçados, mas “melhorar a vida das pessoas pela prática<strong>de</strong> esportes e a forma física” (KLEIN, 2002:47) – necessita para além <strong>de</strong> suasestratégias publicitárias <strong>de</strong> patrocínio e <strong>de</strong> “compra” <strong>de</strong> astros do esporte,expandir sua marca em empreendimentos como a NikeTown; o mais provável éque em breve as empresas imobiliárias comecem a ven<strong>de</strong>r sapatos com as suasmarcas, simplesmente para “melhorar a vida das pessoas” que comprarem seusapartamentos.Nesse processo <strong>de</strong> branding imobiliário, a <strong>arquitetura</strong>, produto secundário, vaiser então concebida e conformada a partir <strong>de</strong> constatações <strong>de</strong> pesquisas <strong>de</strong>opinião encomendadas pelas agências <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>, pela “<strong>de</strong>finição dosprincipais benefícios e das vantagens do produto, estratégias <strong>de</strong> vendas, preço,público-alvo, ações promocionais” e em uma segunda fase, vai serprovavelmente adaptada “em função da <strong>de</strong>finição do conceito do produtoimobiliário” (FISCHER, 2002:32), tarefa <strong>de</strong>signada às agências <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> emarketing, constantemente orientadas e supervisionadas por incorporadoras ecorretoras. Assim, a função primeira (e única, talvez) da <strong>arquitetura</strong> no<strong>de</strong>senvolvimento do sistema corporativo imobiliário é dar sustentação e


49potencializar a ficção do <strong>consumo</strong> em curso. E se o procedimento imobiliárioestabelece como diretriz a construção <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>ntro da própriarealida<strong>de</strong> operante para seus consumidores, a marca é então a síntese <strong>de</strong>sseconceito i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> vida. A publicida<strong>de</strong> nesse processo é o meio como esseconceito vai ser divulgado e absorvido e a <strong>arquitetura</strong>, além <strong>de</strong> potencializar essadivulgação como monumento auto-publicitário, é o dispositivo estéticocapacitado para materializar essa condição i<strong>de</strong>al (a engenharia é o dispositivotecnológico). Dentro da i<strong>de</strong>ologia operante, são possíveis e prováveis entãovárias marcas, com enfoques e conceitos diferentes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que coerentes com opróprio sistema. E <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada marca, vários empreendimentos(edifícios/condomínios) são propostos, com nomes que sempre visam reforçarnão só o conceito sintetizado pela marca-imobiliária como também apossibilida<strong>de</strong> da implementação <strong>de</strong>ssa situação i<strong>de</strong>al vendida. Ou seja: umamarca, muitos produtos diferentes, uma i<strong>de</strong>ologia........................................................................….......8. L’Espritnouveau..............................................................................Os primórdios das campanhas <strong>de</strong> marketing, ainda no século XIX, baseavam-semuito mais nos aspectos publicitários, <strong>de</strong> divulgação dos novos produtos, do quena idéia <strong>de</strong> marca contemporânea.Diante <strong>de</strong> um leque <strong>de</strong> produtos recentemente inventados – rádio,fonógrafo, carro, lâmpada elétrica e assim por diante – ospublicitários tinham tarefas mais prementes do que criar umai<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> marca para qualquer corporação; primeiro tinham <strong>de</strong>mudar o modo como as pessoas viviam. A publicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>veriainformar os consumidores da existência <strong>de</strong> algumas novas invenções,<strong>de</strong>pois convencê-los <strong>de</strong> que sua vida seria melhor se usassem, porexemplo, carros em vez <strong>de</strong> bon<strong>de</strong>s, telefones em lugar <strong>de</strong> cartas e luzelétrica em vez <strong>de</strong> lampiões a óleo. Muitos <strong>de</strong>sses novos produtostraziam marcas – e algumas <strong>de</strong>las ainda estão por aí hoje –, mas issoera quase inci<strong>de</strong>ntal. Esses produtos eram em si mesmo umanovida<strong>de</strong>; e isso praticamente bastava como publicida<strong>de</strong>. (KLEIN,2002:29)Entretanto, os produtos baseados na idéia <strong>de</strong> uma marca corporativa foramcriados para aten<strong>de</strong>r a uma <strong>de</strong>manda característica da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> 33 : diferenciar33 Para Fredric Jameson (2001:33), “‘mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>’ é uma palavra suspeita...”, utilizada <strong>de</strong>masiadamentee equivocadamente no lugar <strong>de</strong> “capitalismo” nesses tempos pós-mo<strong>de</strong>rnos. Segundo o autor, para


50entre os vários itens produzidos em gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s e uniformemente pelasfábricas, uns dos outros. Permitindo assim que os consumidores escolhessem um<strong>de</strong>terminado produto – que mesmo <strong>de</strong>sconhecido em suas qualida<strong>de</strong>s,características e funções, “significava” algo – a marca estabelecia uma relaçãoafetiva entre este e seu comprador potencial. Com a proliferação veloz <strong>de</strong>indústrias <strong>de</strong>stinadas a produzir não só novos objetos, mas também os antigosem novas formas mais coerentes com a “Era da Máquina”, a marca competitivatornou-se uma exigência fundamental para o próprio sucesso <strong>de</strong>ssas empresas nomercado. “No contexto da uniformida<strong>de</strong> industrial, a diferença baseada naimagem tinha <strong>de</strong> ser fabricada junto com o produto”, e os primeiros passos daatual política <strong>de</strong> branding foram <strong>de</strong>dicados pelas empresas em “dotar <strong>de</strong> nomespróprios bens genéricos como açúcar, farinha <strong>de</strong> trigo, sabão, cereais...”(KLEIN, 2002:30).No século XX, o processo irreversível <strong>de</strong> substituição das antigas formas <strong>de</strong>fabricação manufaturadas pela crescente industrialização interferiu<strong>de</strong>finitivamente nos meios e modos da produção, transformando todas asrelações econômicas, sociais, espaciais e culturais estabelecidas até então.Quando em 1914, Henry Ford introduziu o dia <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> oito horas e opagamento <strong>de</strong> cinco dólares para os operários <strong>de</strong> sua linha <strong>de</strong> montagem <strong>de</strong>automóveis, o processo <strong>de</strong> fabricação industrial foi drasticamente orientado paraum sistema <strong>de</strong> produção baseado na divisão do trabalho, na racionalização dastecnologias disponíveis e em expressivos ganhos <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong>, com oestabelecimento <strong>de</strong> posições fixas para cada trabalhador <strong>de</strong>ntro do sistema fabril.Esse processo que ficou conhecido como fordismo, reconhecia explicita enecessariamente que produção em massa “significava <strong>consumo</strong> <strong>de</strong> massa, umnovo sistema <strong>de</strong> reprodução da força <strong>de</strong> trabalho, uma nova política <strong>de</strong> controle egerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia...” (HARVEY,1992:121). No fordismo, os processos <strong>de</strong> inovação estética e tecnológica,características fundadoras do mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong>senho industrial e <strong>arquitetura</strong>, tiveramentão sustentação e contribuição indispensáveis ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> objetos e“acobertar a ausência <strong>de</strong> qualquer esperança”, e disfarçar que o “fato terrível” <strong>de</strong> que o capitalismo nãotem (e nunca teve) nenhum projeto social objetivo.


51espaços progressivamente mais funcionais e eficientes (HARVEY, 1992:131).Entretanto, para Tafuri, nesse momento:A <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna, no seu conjunto, está em condições <strong>de</strong>elaborar, mesmo antes <strong>de</strong> os mecanismos e as teorias da EconomiaPolítica lhe fornecerem os instrumentos <strong>de</strong> atuação, um climai<strong>de</strong>ológico ten<strong>de</strong>nte a integrar cabalmente o <strong>de</strong>sign, a todos os níveisda intervenção, no seio <strong>de</strong> um projeto objetivamente virado para areorganização da produção, da distribuição e do <strong>consumo</strong> relativos ànova cida<strong>de</strong> capitalista. (TAFURI, 1985:40)Assim, o ambicioso projeto mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> uma nova vida cotidianaprogramada a partir <strong>de</strong> novos objetos concebidos com base na síntese entre a suafunção utilitária e a forma mais competente ao seu <strong>de</strong>sempenho, tinha então nacoor<strong>de</strong>nação totalmente planificada do ciclo industrial, se não seu maior aliado, asua gran<strong>de</strong> esperança. E nesse contexto, o sucesso da <strong>arquitetura</strong> e do <strong>de</strong>signmo<strong>de</strong>rnos no “balcão <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s” do início do século XX necessitava dalegitimação <strong>de</strong> um conceito apropriado que possibilitasse que a “diferençabaseada na imagem” fosse “fabricada junto com o produto” que estava sendovendido em uma nova forma. Para Beatriz Colomina, a idéia <strong>de</strong> “Era daMáquina”, “amplamente induzida pela indústria da propaganda mo<strong>de</strong>rna” 34 ,(COLOMINA, 1994:156) serviu então, nesse <strong>de</strong>terminado período, como oconceito simbólico mais apropriado ao lançamento <strong>de</strong> um produto revolucionáriocomo a “máquina-<strong>de</strong>-morar” mo<strong>de</strong>rna. A <strong>arquitetura</strong> enquanto bem genéricoestava a um passo <strong>de</strong> ser substituída principalmente pelas novas formas do<strong>de</strong>sign “licenciado” <strong>de</strong> produção industrial da Bauhaus 35 e pelos produtosconcebidos, incorporados e divulgados por Le Corbusier.Para Colomina, retrospectivamente, o próprio conceito <strong>de</strong> “Era da Máquina”cumpriu o propósito <strong>de</strong> sustentação e mitificação do mo<strong>de</strong>rnismo nas artes, na<strong>arquitetura</strong> e no <strong>de</strong>senho industrial, no sentido <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> um aparato34 Tradução nossa. Texto original inglês.35 A Bauhaus se estruturava em quatro <strong>de</strong>partamentos principais: construção, publicida<strong>de</strong>, produção emma<strong>de</strong>ira e metal, e têxteis. Após a saída <strong>de</strong> Walter Gropius da direção da escola em 1928 e a indicação <strong>de</strong>Hannes Meyer, a Bauhaus aproximou-se ainda mais dos princípios da “Nova Objetivida<strong>de</strong>” (NeueSachlichkeit), e o ensino foi direcionado para um <strong>de</strong>sign mais objetivo e barato, sendo complementadopor cursos científicos <strong>de</strong> organização industrial, psicologia, e otimização econômica da organização <strong>de</strong>projetos. O <strong>de</strong>sign e a publicida<strong>de</strong> da escola foram rapidamente reconhecidos e comercializados, sendoque o <strong>de</strong>sign gráfico e tipográfico tornou-se mundialmente famoso em 1927 pelo austero layout do tipoσανσ σεριφ <strong>de</strong> Herbert Bayer que eliminava as letras em caixa alta, como no letreiro logo na entrada daescola em Dessau: βαυηαυσ.


52i<strong>de</strong>ológico on<strong>de</strong> o artista/arquiteto aparece como um intérprete <strong>de</strong>ssa novarealida<strong>de</strong> industrial (COLOMINA, 1994:156), porém “se apresentando semprecomo os autores <strong>de</strong>ste” 36 (H EYNEN, 1999:134). Sob essa retórica, Futurismo,Dadaísmo, Mies van <strong>de</strong>r Rohe, Le Corbusier, entre outros exemplos <strong>de</strong>movimentos e personalida<strong>de</strong>s das vanguardas históricas, com distintas e atédivergentes posições em relação à indústria e à civilisation machiniste (“Era daMáquina”), pu<strong>de</strong>ram ser analisados/interpretados propositadamente <strong>de</strong> formahomogênea (COLOMINA, 1994:156), permitindo assim uma perfeitai<strong>de</strong>ntificação do público em geral com as mais diferentes propostas, percebidascomo varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formas originárias <strong>de</strong> um mesmo conceito.Dentro <strong>de</strong>sse processo, on<strong>de</strong> as relações entre <strong>arquitetura</strong> (<strong>de</strong>sign) e a culturapassam necessariamente pela indústria e seus mecanismos <strong>de</strong> produçãodistribuição-<strong>consumo</strong>,Beatriz Colomina <strong>de</strong>staca o interesse <strong>de</strong> Le Corbusier ematuar não simplesmente como intérprete <strong>de</strong>ssa nova realida<strong>de</strong> industrial, mascomo o agente produtor. Para isso o arquiteto:Apropriava-se da retórica e das persuasivas técnicas da publicida<strong>de</strong>mo<strong>de</strong>rna para seus próprios argumentos teóricos e manipulavaanúncios reais incorporando a eles seu ponto <strong>de</strong> vista, tornando oslimites entre texto e publicida<strong>de</strong> difusos. (COLOMINA,1994:147)Para Colomina, a revista L’Esprit Nouveau, no seu período <strong>de</strong> existência entre1920 e 1925, foi fundamental para a estratégia <strong>de</strong> Le Corbusier <strong>de</strong> inserção da<strong>arquitetura</strong> não somente no processo produtivo industrial, mas também nocircuito <strong>de</strong> <strong>consumo</strong> vigente das novas mercadorias. Colomina mostra que nasvárias edições da revista, o arquiteto publicou uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>catálogos e propagandas <strong>de</strong> produtos e máquinas industriais que havia coletadojunto às empresas. Estes volumes incluíam automóveis Voisin, Peugeot, Citroën,Delage, aviões Farman, maletas Innovation, móveis para escritório Or’mo,arquivos Ronéo, malas <strong>de</strong> mão, sacolas e cigarreiras Hermès, relógios Omega,turbinas Brown Boveri, ventiladores centrífugos <strong>de</strong> alta pressão Rateau,equipamento industrial pesado Clermont-Ferrand e Slingsby (COLOMINA,1994:147).36 Tradução nossa. Texto original inglês.


53Como mostra a autora, ao lado <strong>de</strong> exemplos <strong>de</strong> avanços tecnológicos e daspossibilida<strong>de</strong>s do <strong>de</strong>sign da indústria mo<strong>de</strong>rna, Le Corbusier publicava projetos eedifícios <strong>de</strong> sua autoria. O arquiteto buscava então, relacionar diretamente, sob aforma <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>, a nova <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna proposta por ele e os maisavançados objetos e instrumentos da época, criando assim o vínculo comercialnecessário entre o sistema produtivo industrial e sua “máquina-<strong>de</strong>-morar” emgestação. Muito mais do que informar da existência <strong>de</strong>sses objetos, o arquitetoestava interessado em se apropriar da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que estes representavam paraa construção <strong>de</strong> uma imagem tão mo<strong>de</strong>rna quanto possível para a sua <strong>arquitetura</strong>.A “diferença baseada na imagem” – estratégia fundamental do incipientemarketing industrial mo<strong>de</strong>rno – estava sendo construída antes mesmo do que ospróprios edifícios, sendo que na gran<strong>de</strong> maioria das vezes em que Le Corbusierpublicava esses anúncios em sua revista, os industriais e as empresas só vinhamsaber da divulgação <strong>de</strong> sua marca e <strong>de</strong> seus produtos algum tempo mais tar<strong>de</strong>,quando o próprio Le Corbusier reivindicava, através <strong>de</strong> uma carta e um exemplar<strong>de</strong> L’Esprit Nouveau, o pagamento <strong>de</strong>vido pela publicida<strong>de</strong> (COLOMINA,1994:185). Entretanto, essa estratégia nem sempre era bem sucedida: acompanhia Moynat agra<strong>de</strong>ceu a publicida<strong>de</strong> feita, mas não se interessou emassinar um acordo para outras publicações. Em outros episódios <strong>de</strong> mais sorte,como no caso da companhia Innovation, “Le Corbusier obteve não só umcontrato <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> para L’Esprit Nouveau, mas o encargo <strong>de</strong> re<strong>de</strong>senhar epublicar o seu catálogo” 37 (COLOMINA, 1994:185). O interesse do arquitetopela publicida<strong>de</strong>, especialmente <strong>de</strong> produtos industriais, tinha dois lados: por um,ele acreditava que os gran<strong>de</strong>s industriais se interessariam por suas propostasarquitetônicas e o contratariam ou dariam um suporte financeiro para que serealizassem; por outro, a vinculação direta <strong>de</strong> suas idéias às inovações industriaisconstruiriam, na visão do arquiteto, a reputação e a confiança <strong>de</strong> suas idéiasjunto à massa <strong>de</strong> consumidores dos produtos <strong>de</strong>ssas empresas. Além disso, paraLe Corbusier, sempre que alguém se confrontasse, em outro contexto, com osprodutos anunciados em L’Esprit Nouveau, associaria imediatamente à suapessoa (COLOMINA, 1994:192). Assim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> estabelecer o nome (Dom-Ino, Maison Voisin, Citrohan, etc.) e o conceito fundamental <strong>de</strong> seus produtos37 Tradução nossa. Texto original inglês.


54(precisos, velozes, eficientes, etc.), Le Corbusier <strong>de</strong>u-lhes então um meio eficaz<strong>de</strong> atingir diretamente os prováveis consumidores (L’Esprit Nouveau). A“personalida<strong>de</strong>” corporativa em processo em todos os ciclos da mo<strong>de</strong>rnaindústria capitalista européia havia chegado à <strong>arquitetura</strong>, retirando-a <strong>de</strong> seucaráter genérico pela aplicação e reconhecimento das logomarcas maisconhecidas e divulgadas do <strong>de</strong>sign da “Era da Máquina”: L.C., βαυηαυσ.Entretanto, se Le Corbusier atuava na linha <strong>de</strong> frente do processo industrialmo<strong>de</strong>rno servindo inclusive como divulgador <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ologia operante, e comonão po<strong>de</strong>ria estar simultaneamente a serviço da indústria e dos consumidores,uma vez que os interesses das duas partes se distanciavam cada vez mais, haviauma escolha <strong>de</strong>cisiva a ser feita, não somente pelo arquiteto, mas por todas asvanguardas artísticas, se entendidas “como projetos i<strong>de</strong>ológicos e comoindividualização <strong>de</strong> ‘necessida<strong>de</strong>s insatisfeitas’” (TAFURI, 1985:40). Nomomento <strong>de</strong>cisivo, entre o i<strong>de</strong>al da planificação do cotidiano através da arte e asestratégias do mercado <strong>de</strong> administração do produto visando o <strong>consumo</strong> emmassa, o programa mo<strong>de</strong>rno foi subvertido pelo seu “<strong>de</strong>stinatário natural – ogran<strong>de</strong> capital industrial” (TAFURI, 1985:92) – e o “<strong>de</strong>clínio da utopia social<strong>de</strong>termina a rendição da i<strong>de</strong>ologia à política das coisas realizada pelas leis dolucro: à i<strong>de</strong>ologia arquitetônica, artística e urbana resta a utopia da forma...”(TAFURI, 1985:38).Nesse processo, a inconciliável polarização inerente à própria industrializaçãodas socieda<strong>de</strong>s capitalistas entre os produtores e consumidores em massaprevistos por Henry Ford, criou, após a gran<strong>de</strong> crise econômica <strong>de</strong> 1929 e aconseqüente reorganização internacional do capital (TAFURI, 1985:92), umainsustentável “tensão entre o proprietário dos meios <strong>de</strong> produção econsumidor” 38 , <strong>de</strong>scortinando o “binômio valor <strong>de</strong> troca/valor <strong>de</strong> uso”impregnado nos objetos mo<strong>de</strong>rnos (FERRARA, 1989:123).Ambos encontram-se, no mercado, como testemunhas <strong>de</strong> interessesopostos. Por sua vez, o produto, enquanto mercadoria, se divi<strong>de</strong> emduas categorias divergentes: o valor <strong>de</strong> troca e o valor <strong>de</strong> uso. Se a38 E portanto entre vanguardas e sistema produtivo e entre vanguardas e consumidores, uma vez que essapretendia ser a mediação entre esses dois campos.


55lógica do produtor procura a massificação do valor <strong>de</strong> troca, a lógicado consumidor busca a valorização do uso. Cada componente <strong>de</strong>ssebinômio empenha-se em impor o próprio interesse e minimizar ointeresse do outro. Esse fato permite que a indústria capitalista tenteuma subversão do valor <strong>de</strong> uso, criando re<strong>de</strong>finições do produto econferindo-lhe aquelas qualida<strong>de</strong>s oníricas <strong>de</strong> fascínio e persuasãoque estimulam a compra. (FERRARA, 1989:123)A superação <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong>ssa tensão em favor do mecanismo operante (gran<strong>de</strong>capital industrial) potencializa então o processo <strong>de</strong> obsolescência programadados objetos, estimulando a sua troca contínua em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> sua a<strong>de</strong>quada eeficiente utilização pelos consumidores. Com esse <strong>de</strong>senvolvimento estratégicoda lógica do <strong>consumo</strong> no contexto da produção industrial, a publicida<strong>de</strong> passa dasua posição inicial <strong>de</strong> agente informador da existência e das virtu<strong>de</strong>s dos objetosmo<strong>de</strong>rnos para o papel <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alizadora e geradora <strong>de</strong> imagens baseadas emconceitos para esses produtos. “O styling é a clara manifestação <strong>de</strong>sse período,on<strong>de</strong> o <strong>consumo</strong> é mais rápido e se explora a forma a fim <strong>de</strong> convertê-la em umfator estimulador da venda” (FERRARA, 1989:123). Consome-se assim não oproduto, mas a “assinatura” do <strong>de</strong>signer, retomando <strong>de</strong>ssa forma “a unicida<strong>de</strong> daarte no produto industrializado, porém essa unicida<strong>de</strong> não tem a aura 39 doproduto original e imortal” (FERRARA, 1989:124)................................................................................……... 9.“Style”.........................................................................................A <strong>arquitetura</strong> e o <strong>de</strong>sign das vanguardas mo<strong>de</strong>rnas já eram bastante conhecidosnas duas primeiras décadas do século XX, através <strong>de</strong> publicações como L’EspritNouveau, dos catálogos <strong>de</strong> produtos (luminárias, mobiliário, papéis <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>,tecidos e até mesmo tipografia σανσ σεριφ) da escola alemã Bauhaus, porexposições como a Exposição Werkbund <strong>de</strong> 1914 e a Exposition <strong>de</strong>s ArtsDécoratifs (Exposição das Artes Decorativas) <strong>de</strong> 1925 e pelo intercâmbio <strong>de</strong>idéias e palestras dos arquitetos europeus em várias partes do mundo, inclusiveAmérica do Sul e Brasil. Entretanto, em 1932 a expansão das idéias e dostrabalhos dos arquitetos europeus vai tomar finalmente uma dimensão global,


56quando os arquitetos americanos Henry-Russell Hitchcock e Philip Johnsoni<strong>de</strong>alizam e promovem a mostra no Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> Nova York(<strong>MOM</strong>A) intitulada “Mo<strong>de</strong>rn Architecture” (Arquitetura Mo<strong>de</strong>rna),acompanhada por um volume impresso, “International Style: Architecture since1922” (Estilo Internacional: Arquitetura <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1922).Nesse momento histórico, logo após a crise econômica <strong>de</strong> 1929 causada pelocrash da bolsa <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> Nova York, para Manfredo Tafuri (1985:68) o“termo vanguarda <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser a<strong>de</strong>quado” para <strong>de</strong>signar movimentos epersonagens da <strong>arquitetura</strong> e do <strong>de</strong>senho industrial europeu, já que “a funçãoi<strong>de</strong>ológica da <strong>arquitetura</strong> parece tornar-se supérflua ou limitada, <strong>de</strong>sempenhandotarefas <strong>de</strong> retaguarda e apoio marginal” (TAFURI, 1985:40). Nesse contexto, aapresentação internacional <strong>de</strong>finitiva dos quatro “mestres” da <strong>arquitetura</strong>mo<strong>de</strong>rna - Le Corbusier, J.J.P. Oud, Mies van <strong>de</strong>r Rohe, e Walter Gropius(HITCHCOCK, 1966:33) - sob o véu <strong>de</strong> uma pretensa homogeneida<strong>de</strong>, foipotencializada extraordinariamente por Hitchcock e Johnson na sua reduçãopropositada a um simples “Style” 40 (estilo), sendo que a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rnaproduzida até então em continente europeu pô<strong>de</strong> ser entendida e conhecida pelopúblico americano e mundial prioritariamente em termos estéticos, e esvaziada<strong>de</strong> quaisquer <strong>de</strong> seus atributos sociais e políticos 41 .Para os curadores, a “idéia <strong>de</strong> estilo, que havia começado a se <strong>de</strong>generar quandoos revivalismos <strong>de</strong>struíram a disciplina do Barroco, havia se tornado verda<strong>de</strong>ira39 Tanto a noção <strong>de</strong> “unicida<strong>de</strong>” ou “autenticida<strong>de</strong>” quanto a “aura”, na obra <strong>de</strong> arte e na <strong>arquitetura</strong> comocolocados por Lucrécia Ferrara <strong>de</strong>rivam diretamente do pensamento <strong>de</strong> Walter Benjamin eespecificamente <strong>de</strong> seu trabalho “A obra <strong>de</strong> arte na era da reprodutibilida<strong>de</strong> técnica”.40 Em palestra pronunciada em maio <strong>de</strong> 1953 no Illinois Institute of Technology, quando completara 70anos, Walter Gropius afirmou: “a mim me parece que me transformei numa figura etiquetada.Designações como ‘estilo Bauhaus’, ‘estilo internacional, ‘estilo funcional’ quase chegaram a encobrir ohomem que existe por trás <strong>de</strong>ssas noções. Daí por que me sinto levado a romper aqui e ali os lugarescomunsque me conferiram pessoas superzelozas. Quando pela primeira vez, em minha juventu<strong>de</strong>, atraí ointeresse público, fiquei <strong>de</strong>cepcionado ao constatar que minha mãe se <strong>de</strong>primiu com isso e não gostou <strong>de</strong>ver meu nome impresso. Hoje compreendo seus receios, porque sei que, na nossa era da impressão rápidae da catalogação, a publicity é colada ao indivíduo como a etiqueta à garrafa” (GROPIUS, 1997:19).41 “Com damasiada freqüência, porém, nossas pretensões reais foram mal compreendidas, e ainda hoje osão, isto é, ainda se interpreta o movimento Bauhaus como uma tentativa <strong>de</strong> criar um estilo e ainda se vê,em cada construção e em cada objeto que não exibam ornamentos e não se apóiem em um estilo histórico,exemplos <strong>de</strong>sse imaginário ‘estilo Bauhaus’. Isto é exatamente o oposto daquilo que pretendíamos. Ameta da Bauhaus não consistia em propagar um ‘estilo’ qualquer, mas sim em exercer uma influênciaviva no ‘<strong>de</strong>sign’ (gestaltung)” (GROPIUS, 1997:32).


57e fértil novamente” 42 (HITCHCOCK, 1966:19). A idéia <strong>de</strong> estilo para Hitchcocke Johnson implicava então, em um arcabouço potencialmente expansível <strong>de</strong> umalinguagem arquitetônica ampla, mais do que um mol<strong>de</strong> fixo e imutável para aprodução <strong>de</strong> edifícios e por isso, os princípios básicos <strong>de</strong>sse novo estiloarquitetônico eram “poucos e abertos” 43 . Para os curadores, as principaiscaracterísticas do “International Style” eram “primeiro, uma nova concepção <strong>de</strong><strong>arquitetura</strong> como volume ao invés <strong>de</strong> massa, segundo, regularida<strong>de</strong> ao invés <strong>de</strong>simetria axial” 44 (HITCHCOCK, 1966:20) e terceiro e último ponto, elegânciados materiais, perfeição técnica e ótimas proporções ao invés <strong>de</strong> ornamentosaplicados ao edifício (HITCHCOCK, 1966:13).Para Kenneth Frampton, “sob muitos aspectos, o Estilo Internacional foi poucomais que uma expressão conveniente, <strong>de</strong>notando uma modalida<strong>de</strong> arquitetônicacúbica, que se espalhara por todo o mundo <strong>de</strong>senvolvido...”, que como “regrageral, tendia à flexibilida<strong>de</strong> hipotética da planta livre, razão pela qual preferia aconstrução baseada em um esqueleto <strong>de</strong> concreto” (FRAMPTON, 1997:303).Conveniente para quem? Segundo Colomina, “o Estilo Internacional foi um mitosustentado pela utilização estratégica das técnicas <strong>de</strong> propaganda pela cultura <strong>de</strong>massa” 45 (COLOMINA, 1994:211) para atrair um público mais amplo – <strong>de</strong>classe-média freqüentador das lojas <strong>de</strong> <strong>de</strong>partamentos – e modificar oconservador mercado norte-americano <strong>de</strong> produtos domésticos (COLOMINA,1994:207). Daí a ênfase <strong>de</strong> Johnson e Hitchcock em orientar os arquitetosenvolvidos na exposição que enviassem se possível somente exemplosresi<strong>de</strong>nciais (COLOMINA, 1994:207) – da <strong>arquitetura</strong> apresentada na exposição,quase todos os exemplos eram <strong>de</strong> casas privadas, Villa Savoye, Casa Tugendhat,entre outras – e daí a ênfase, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, da importância da publicida<strong>de</strong> para amostra, salientada por Johnson e Hitchcock que reivindicavam junto ao museuque fosse feita uma divulgação intensa em jornais e revistas, buscando atrairarquitetos, industriais, construtores e principalmente o público em geral. Nessesentido, para os curadores, o catálogo da exposição tinha um papel fundamental42 Tradução nossa. Texto original inglês.43 Tradução nossa. Texto original inglês.44 Tradução nossa. Texto original inglês.45 Tradução nossa. Texto original inglês.


58na publicida<strong>de</strong> não só do evento como da própria <strong>arquitetura</strong> exposta(COLOMINA, 1994:206).Para Colomina (1994:212), enquanto o enfoque publicitário básico promovidopor “The International Style” <strong>de</strong> Hitchcock e Johnson “distanciou e isolou a<strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna da vida cotidiana, expondo-a como alta cultura e peça <strong>de</strong>museu, suprimindo sua agenda política” 46 , paradoxalmente mascompreensivelmente, a campanha promovida pelo Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna“retornou essa mesma <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna ao cotidiano, pela sua transformaçãoem uma mercadoria, uma moda e um estilo para serem consumidos (em gran<strong>de</strong>escala) pela classe-média mundial.” 47Certamente, o próprio sucesso da exposição na disseminação da<strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna para o mundo, a tal ponto <strong>de</strong> torná-la anônima,po<strong>de</strong> ser sido como a realização <strong>de</strong> um dos antigos sonhos <strong>de</strong> LeCorbusier, articulado nos anos <strong>de</strong> publicação <strong>de</strong> L’Esprit Nouveau. 48(COLOMINA, 1994:212)E nesse sentido, o lançamento internacional da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna eprincipalmente <strong>de</strong> Le Corbusier 49 pela exposição e pela publicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “EstiloInternacional” vai funcionar como o mecanismo propulsor <strong>de</strong>ssa <strong>arquitetura</strong> –que segundo Tafuri (1985:40) já havia perdido sua condição <strong>de</strong> vanguarda,tornando-se “supérflua e limitada” - impulsionando sua incorporação pela lógicado <strong>consumo</strong> e retomando “a unicida<strong>de</strong> da arte no produto industrializado”(FERRARA, 1989:124) através da legitimação empreendida pelo <strong>MOM</strong>A. Nesseperíodo, on<strong>de</strong> as estratégias da indústria – e seus mecanismos <strong>de</strong> sustentação,propaganda e publicida<strong>de</strong> – tem no styling e na obsolescência programada dosprodutos suas diretrizes fundamentais, a idéia <strong>de</strong> um “Style” internacionalmentedivulgado para uma <strong>arquitetura</strong>, reforçado pela “assinatura” do <strong>de</strong>signerparecem, do ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong>ssa mesma i<strong>de</strong>ologia e do próprio <strong>de</strong>senvolvimentodo capitalismo, uma estratégia <strong>de</strong> marketing extremamente coerente com osistema e eficaz no seu propósito.46 Tradução nossa. Texto original inglês.47 Tradução nossa. Texto original inglês.48 Tradução nossa. Texto original inglês.


59No Brasil, os parâmetros e princípios da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna tinham sidoimportados diretamente quando da vinda <strong>de</strong> Le Corbusier em 1929 para palestraspor toda a América do Sul e, posteriormente, incorporados em <strong>de</strong>finitivo quandoda sua permanência <strong>de</strong> 34 dias no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em agosto <strong>de</strong> 1936, para aparticipação no projeto do Ministério da Educação e da Saú<strong>de</strong> (1936-1945). Naocasião da construção do edifício do MES, que tinha claramente um apelopublicitário patrocinado pelo Estado, tenta-se a “renegociação da históriabrasileira, encapsulada pela ressonância mítica do conceito <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização”(JAGUARIBE, 1998:126). E nesse sentido, no <strong>de</strong>senvolvimento da históriabrasileira, o caráter inaugural do MES “antecipou a invenção <strong>de</strong> Brasília no finalda década <strong>de</strong> 1950 e sinalizou a apropriação da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rnista comofundação simbólica <strong>de</strong> uma nova projeção do Brasil” (JAGUARIBE, 1998:126).Com Juscelino Kubitschek em suas administrações <strong>de</strong>senvolvimentistas<strong>de</strong>mocráticas, como prefeito <strong>de</strong> Belo Horizonte, como governador <strong>de</strong> MinasGerais, presi<strong>de</strong>nte da República e fundador da Nova Capital (Brasília), a<strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna vai ser então <strong>de</strong>finitivamente incorporada e propagada nopaís como símbolo i<strong>de</strong>al da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> almejada. Essa mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que foientão sendo absorvida aos poucos pela vida cotidiana, foi também capturada na<strong>arquitetura</strong> por construções produzidas alheias ao patrocínio estatal ou à retóricaoficial dos arquitetos mo<strong>de</strong>rnos. Entretanto, se a mo<strong>de</strong>rna <strong>arquitetura</strong> brasileiranão po<strong>de</strong> ser analisada como uma extensão direta do International Style europeuda década <strong>de</strong> 1920 nem do “International Style” da publicida<strong>de</strong> do <strong>MOM</strong>A <strong>de</strong>1932, tendo adquirido características próprias e singulares e transfigurado osprincípios inicialmente estabelecidos, como afirmam vários autores brasileiros,inclusive Hugo Segawa (1999:111), para quem tal abordagem “po<strong>de</strong> constituirum grave equívoco conceitual”. E se a própria idéia <strong>de</strong> estilo como um momentoespecífico <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um ambiente histórico linear e coerente, vislumbrando asaturação e sua subseqüente sobreposição por outros parâmetros formais eestéticos, não cabe à interpretação da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna brasileira, não se po<strong>de</strong>negar que essa mesma noção <strong>de</strong> estilo (estilo mo<strong>de</strong>rno, no caso) tevefundamental importância no <strong>de</strong>senvolvimento histórico do país. Tendo sido49 A partir da exposição “The International Style” <strong>de</strong> Johnson e Hitchcock em 1932, Le Corbusier foiconvidado pelo <strong>MOM</strong>A para trabalhar como editor responsável das publicações e das campanhas


60ostensivamente incorporado pela propaganda i<strong>de</strong>ológica estatal e pelapublicida<strong>de</strong> comercial das construtoras e imobiliárias, que abusaram dorepertório do <strong>de</strong>sign mo<strong>de</strong>rno se utilizavando <strong>de</strong>stes para “ven<strong>de</strong>r” apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um novo conceito <strong>de</strong> vida.A aceitação dos padrões mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> vida – <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as habitações mínimas até asunida<strong>de</strong>s habitacionais coletivistas – tornou-se um processo lento no país, secomparado à data dos primeiros edifícios mo<strong>de</strong>rnos não resi<strong>de</strong>nciais construídosno Brasil, sendo somente assimilados com o processo <strong>de</strong> urbanização everticalização a partir da década <strong>de</strong> 1950. Antes, o papel da propaganda e dapublicida<strong>de</strong> foi <strong>de</strong> fundamental importância como principal agente informadordas novida<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas, mas também na função <strong>de</strong> persuadir e convencer osconsumidores brasileiros – acostumados às suas casas com quintal – <strong>de</strong> quenessas “caixas coletivistas” uma vida mo<strong>de</strong>rna po<strong>de</strong>ria ter suas vantagens. Esseprocesso <strong>de</strong> persuasão, através dos recursos da propaganda, po<strong>de</strong> ser muito bemobservado no catálogo publicitário produzido para fins <strong>de</strong> comercialização doConjunto JK (CJK®) em Belo Horizonte na década <strong>de</strong> 1950. Esse ousadoempreendimento habitacional, lançado sob o slogan “A CIDADE NUMEDIFÍCIO – A Coletivização do Conforto”, pretendia ser, como apresentado novolume da publicação, uma síntese <strong>de</strong> todo o esforço do <strong>de</strong>sign mo<strong>de</strong>rno:<strong>arquitetura</strong>, arte, moda, mobiliário, utensílios, reunidos em um só produto. Diz ocatálogo:Esta obra monumental, que será a gran<strong>de</strong> característica da cida<strong>de</strong>,distingue-se, inicialmente pelo arrojo, pela beleza, pela imponência<strong>de</strong> suas linhas arquitetônicas. Será uma das realizações mais fortes damo<strong>de</strong>rna <strong>arquitetura</strong> brasileira, hoje tida, em todo mundo, comopadrão a seguir, como escola a parte, pela ousadia <strong>de</strong> suasconcepções, pelo seu inteligente caráter funcional. (CONJUNTO,195?:1)Sem compromisso com uma análise mais profunda das questões arquitetônicaspertinentes e direcionada para o gran<strong>de</strong> público, a propaganda imobiliáriaemprega “palavras-chaves” do vocabulário mo<strong>de</strong>rnista junto com outras <strong>de</strong>impacto psicológico, como monumentalida<strong>de</strong>, no momento em que uma daspublicitárias da instituição.


61mais duras críticas dirigidas à <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna brasileira estava fundadaprincipalmente nesses dois aspectos. O escultor suíço Max Bill, em visita ao paíspara a participação da I Bienal Internacional <strong>de</strong> São Paulo 50 em 1951, on<strong>de</strong>apresentou sua “Unida<strong>de</strong> Tripartida”, obra fundamental para a direção da artebrasileira (WEISSMANN, 1998:16), havia feito duros ataques ao edifício <strong>de</strong>Oscar Niemeyer para o Palácio das Indústrias no Rio <strong>de</strong> Janeiro, e o que para osempreen<strong>de</strong>dores e ven<strong>de</strong>dores então representava “seu inteligente caráterfuncional”, para Max Bill não passava <strong>de</strong> mera <strong>de</strong>coração, sem propósito 51 .Entretanto, para os fins comerciais e publicitários, também o próprioreconhecimento internacional da mo<strong>de</strong>rna <strong>arquitetura</strong> brasileira – alcançadoprincipalmente por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer 52 – funcionava na propagandacomo um aval legitimador da ousadia e da “mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>” do empreendimento.“Mas há mais do que espetáculo para os olhos no Conjunto GovernadorKubitschek“ (CONJUNTO, 195?:1):Olhem as linhas imponentes do conjunto... Uma novida<strong>de</strong> para BeloHorizonte? Sem dúvida! [...] Aqui está uma <strong>de</strong> suas originalida<strong>de</strong>s.Essa torre que acompanha o edifício, rumo ao alto, dando-lhe belezanova e marcante, tem uma finalida<strong>de</strong> rigorosamente funcional. [...]Houve uma preocupação extrema <strong>de</strong> emprestar harmonia a todos os<strong>de</strong>talhes do Conjunto. Não é uma construção fria, apressada,opressiva. (CONJUNTO, 195?:2)Após apresentar as principais virtu<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnas do edifício, a publicida<strong>de</strong>ocupa-se <strong>de</strong> um procedimento explicativo e didático, explicitando como os50 Hoje a I Bienal Internacional <strong>de</strong> São Paulo é consi<strong>de</strong>rada como um ponto <strong>de</strong> inflexão da arte brasileiracontemporânea – o momento exato em que alguns artistas, entrando em contato com a obra premiada <strong>de</strong>Max Bill, teriam rejeitado os postulados mo<strong>de</strong>rnistas (“’naturalmente’ limitados, ainda que necessárioshistoricamente”) e enfrentado pela primeira vez na cultura local o problema da abstração. Dessa querela,surge o Grupo Frente, que pouco tempo mais tar<strong>de</strong>, viria a ter como integrante o escultor FranzWeissmann (WEISSMANN, 1998:16).51 “A <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna naufragada nas profun<strong>de</strong>zas, um sedicioso <strong>de</strong>sperdício anti-social <strong>de</strong>sprovido<strong>de</strong> qualquer senso <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. [...] pilotis grossos, pilotis finos, pilotis <strong>de</strong> formas estapafúrdias,tudo sem pé nem cabeça, ocupando o espaço todo. [...] É o espírito da <strong>de</strong>coração, algo diametralmenteoposto ao espírito que anima a <strong>arquitetura</strong>, que é a arte da construção, arte social por excelência” (BILL,apud FRAMPTON, 1997:313).52 Esse reconhecimento foi conquistado após a construção do Pavilhão Brasileiro na Feira Internacional<strong>de</strong> Nova York projetado pelos dois arquitetos em 1939 e pela exposição no <strong>MOM</strong>A em 1943, intitulada“Brazil Builds” (Construção Brasileira) que fazia parte da estratégia norte-americana da “política <strong>de</strong> boa


62prováveis compradores dos apartamentos po<strong>de</strong>riam (<strong>de</strong>veriam) se comportarpara viver coletivamente e “mo<strong>de</strong>rnamente” nessa cida<strong>de</strong> vertical:No jardim encantado se po<strong>de</strong>rão realizar festas [...], o museu <strong>de</strong> arteserá presente do governo estadual à cida<strong>de</strong> [...]. Aqui você verá obras<strong>de</strong> arte famosas, po<strong>de</strong>rá ouvir concertos e conferências, numambiente da mais alta espiritualida<strong>de</strong>. [...] Mas a vida é ativida<strong>de</strong>física também. [...] No bar ao lado, você encontrará seu aperitivo.Seus filhos, o refrigerante predileto. [...] suponhamos que vocêprecise comprar uma gravata... Ou que seja necessário um remédio...Ou que sua esposa precise <strong>de</strong> manicure ou cabelereiro... Nesta cida<strong>de</strong>vertical há <strong>de</strong> tudo. [...] Não é preciso lavar a roupa no apartamentoou lavar a roupa para fora. A lavan<strong>de</strong>ria está ali, também...(CONJUNTO, 195?:4)“Mas vamos por partes”, continua o catálogo, “é preciso que você compreendaque tudo aqui foi previsto e estudado para melhor aten<strong>de</strong>r às suas comodida<strong>de</strong>s”(CONJUNTO, 195?:4):Você tem carro? [...] Qual a cozinha <strong>de</strong> sua preferência? Brasileira?Francesa? Italiana? [...] Quer ler? Quer estudar? Quer um ambientetranqüilo para fumar? [...] Quer uma refeição ligeira, um sanduíche,uma salada, um refrigerante?Todas as ativida<strong>de</strong>s e hábitos coerentes com uma mo<strong>de</strong>rna vida são expostos esugeridos, ao mesmo tempo em que se relacionam a estes inúmeros itens eprodutos industriais para o <strong>consumo</strong>, fundamentais para o cotidiano noConjunto. Percebe-se então claramente o que Tafuri quis dizer quando afirmouque na i<strong>de</strong>ologia do <strong>consumo</strong>, engendrada pelo gran<strong>de</strong> capital industrial, a<strong>arquitetura</strong> só po<strong>de</strong> ser “objeto” do planejamento total da produção (Plano),nunca o seu agente (TAFURI, 1985:68). Aqui, o “Plano” incorpora todos osobjetos disponíveis no sistema (inclusive a <strong>arquitetura</strong>), concentrando-os em umúnico produto, ao mesmo tempo em que (o próprio Plano) é anunciado comouma das principais virtu<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sse produto. “O <strong>de</strong>sign, método <strong>de</strong> organização daprodução antes mesmo que método <strong>de</strong> configuração <strong>de</strong> objetos”, faz então dai<strong>de</strong>ologia do <strong>consumo</strong> “interior às suas próprias operações” (TAFURI, 1985:68):A verda<strong>de</strong> é que os organizadores do Conjunto pensaram comantecipação todos os problemas que ele iria apresentar. Observevizinhança” na América Latina (assim como a implantação da Usina <strong>de</strong> Volta Redonda e do Zé Carioca,personagem brasileiro <strong>de</strong>senhado por Walt Disney).


63esses <strong>de</strong>senhos. São estudos <strong>de</strong> móveis para o Hotel..., Algumasugestão que lhe agra<strong>de</strong>? (CONJUNTO, 195?:7)Em seguida, <strong>de</strong>monstrada toda a infraestrutura coletiva e as comodida<strong>de</strong>s que o<strong>de</strong>sign mo<strong>de</strong>rno po<strong>de</strong> proporcionar, o texto enfatiza as vantagens comerciais efinanceiras do empreendimento, e explora as áreas privadas dos diversos tipos equalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> apartamentos:Mas o importante, realmente, é seu apartamento, essa peça que serásua, na qual você vai empregar vantajosamente seu dinheiro, queserá vendida ao preço <strong>de</strong> custo e pela qual, cedo ou tar<strong>de</strong>, lheoferecerão muito mais. (CONJUNTO, 195?:17)Se o CJK® é uma <strong>arquitetura</strong> claramente inspirada nas propostas corbusianas,principalmente na Unité d’Habitation, parece óbvio que se esta concepção tinhaainda algum caráter <strong>de</strong> uma utopia coletivista (como afirmam vários autores), asua incorporação pela indústria brasileira fez <strong>de</strong>sta mera alegoria publicitária, enão só enfatizava a importância da proprieda<strong>de</strong> privada, do que “é seu” –relegando os espaços coletivos ao que eles iriam realmente ser: “<strong>de</strong> ninguém” –como também estimulava e reforçava as vantagens <strong>de</strong> uma postura especulativae financeira: “compre barato agora e venda por muito mais <strong>de</strong>pois”. Asreferências mo<strong>de</strong>rnas e corbusianas parecem então muito mais alinhadas com aproposta publicitária e “estilística” da exposição <strong>de</strong> Johnson e Hitchcock no<strong>MOM</strong>A e com as estratégias do styling industrial, do que com os i<strong>de</strong>aisrevolucionários <strong>de</strong> uma <strong>arquitetura</strong> utópica. A não ser que a própria revolução seprocesse pelo acesso universal ao <strong>consumo</strong> e que a utopia seja alcançar afelicida<strong>de</strong> através <strong>de</strong>sses objetos.Por outro lado, a publicida<strong>de</strong> do CJK® representa um momento singular nahistória da <strong>arquitetura</strong> brasileira em que todos os esforços mo<strong>de</strong>rnizantescoincidiam com o início da urbanização do país e a formação <strong>de</strong> uma massa <strong>de</strong>consumidores urbanos, ao mesmo tempo que ilustra com clareza o esforço docapital industrial e imobiliário brasileiro no sentido <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r um novo estilo <strong>de</strong>vida – coerente com a lógica do <strong>consumo</strong> que estava se implementando – através<strong>de</strong> um produto do <strong>de</strong>sign mo<strong>de</strong>rno. Se o “Style” <strong>de</strong> Johnson e Hitchcock“vendia” vinte anos antes um estilo arquitetônico para a classe média americana,


64aqui esse estilo funciona como o mecanismo potencializador <strong>de</strong> um processocomercial on<strong>de</strong> o que está sendo vendido é um outro estilo <strong>de</strong> vida, baseado no<strong>consumo</strong> e na posse <strong>de</strong> produtos na nascente indústria brasileira. Portanto, estavasendo gestado, nesse momento, o que seria algumas décadas mais tar<strong>de</strong> oprocesso fulminante <strong>de</strong> apropriação das cida<strong>de</strong>s brasileiras pelo mercadoimobiliário, baseado na estratégia <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> conceitos i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> vida, ou seja,branding................................................................................…... 10.Mustique.......................................................................................“Foi nos últimos vinte anos que o Brasil conheceu uma extraordinária expansãodos <strong>consumo</strong>s materiais e imateriais” (SANTOS, 2001:223). Na década <strong>de</strong> 1970,o milagre econômico e sua enorme força i<strong>de</strong>ológica apoiaram irreversivelmenteessa dinâmica, que com a “criação <strong>de</strong> novos objetos, oferece novas opções àclasse média” (SANTOS, 1987:38). Essa expansão do <strong>consumo</strong> no país, quevisava aten<strong>de</strong>r naquele momento às <strong>de</strong>mandas internacionais, em que “a novadimensão do capitalismo reclamava, também, um Estado mais mo<strong>de</strong>rno”(SANTOS, 1987:102), vai ser impulsionado velozmente pela integração nacional<strong>de</strong> Brasília na década <strong>de</strong> 1950 e se tornar indispensável à inserção da economiabrasileira na economia mundial capitalista após a eclosão do movimento militarem 1964 (SANTOS, 1987:103).No ano <strong>de</strong> 1973, a profunda recessão do cenário internacional, “exacerbada pelochoque do petróleo [...], pôs em movimento um conjunto <strong>de</strong> processos quesolaparam o compromisso fordista” operante há mais <strong>de</strong> meio século. “Emconseqüência, as décadas <strong>de</strong> 70 e 80 foram um conturbado período <strong>de</strong>reestruturação econômica e <strong>de</strong> reajustamento social e político”. Nesse contexto<strong>de</strong> “incertezas e oscilações”, novas formas <strong>de</strong> organização da produção industrialcomeçaram a se <strong>de</strong>linear, “representando os primeiros ímpetos da passagem paraum regime <strong>de</strong> acumulação inteiramente novo” (HARVEY, 1992:140):A acumulação flexível [...] é marcada por um confronto direto com arigi<strong>de</strong>z do fordismo. Ela se apóia na flexibilida<strong>de</strong> dos processos <strong>de</strong>trabalho, dos mercados <strong>de</strong> trabalho, dos produtos e padrões <strong>de</strong><strong>consumo</strong>. Caracteriza-se pelo surgimento <strong>de</strong> setores <strong>de</strong> produção


65inteiramente novos, novas maneiras <strong>de</strong> fornecimento <strong>de</strong> serviçosfinanceiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamenteintensificadas <strong>de</strong> inovação comercial, tecnológica e organizacional.(HARVEY, 1992:140)O processo <strong>de</strong> obsolescência programada dos produtos foi então acelerado aindamais com o objetivo <strong>de</strong> “reduzir o tempo <strong>de</strong> giro do <strong>consumo</strong>”. A vida média “<strong>de</strong>cinco a sete anos” dos objetos característicos do início do <strong>de</strong>senho industrialmo<strong>de</strong>rno – produzidos em uma linha fordista – com a acumulação flexível “foireduzida à meta<strong>de</strong>” (HARVEY, 1992:148). “O <strong>de</strong>senho industrial, a essa altura,<strong>de</strong>ixou seu papel <strong>de</strong> comunicação funcional para incorporar um papel <strong>de</strong>representação <strong>de</strong> expectativas e tendências sociais <strong>de</strong> difícil <strong>de</strong>terminação”(FERRARA, 1989:124).A acumulação flexível foi acompanhada na ponta do <strong>consumo</strong>,portanto, por uma atenção muito maior às modas fugazes e pelamobilização <strong>de</strong> todos os artifícios <strong>de</strong> indução <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>transformação cultural que isso implica. A estética relativamenteestável do mo<strong>de</strong>rnismo fordista ce<strong>de</strong>u lugar a todo fermento,instabilida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong>s fugidias <strong>de</strong> uma estética pós-mo<strong>de</strong>rna quecelebra a diferença, a efemerida<strong>de</strong>, o espetáculo, a moda e amercadificação <strong>de</strong> formas culturais. (HARVEY, 1992:148)Esse processo, em que “tudo que era vivido diretamente tornou-se umarepresentação” (DEBORD, 1997:13), já havia sido teorizado por Guy Debor<strong>de</strong>m seu livro “A socieda<strong>de</strong> do espetáculo”, <strong>de</strong> 1967. Para Debord, “o espetáculo“não é um conjunto <strong>de</strong> imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediadapor imagens” (DEBORD, 1997:14) e é “ao mesmo tempo o resultado e o projetodo modo <strong>de</strong> produção existente”:Sob todas as suas formas particulares – informação ou propaganda,publicida<strong>de</strong> ou <strong>consumo</strong> direto <strong>de</strong> divertimentos – o espetáculoconstitui o mo<strong>de</strong>lo atual da vida dominante na socieda<strong>de</strong>. É aafirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o <strong>consumo</strong>que <strong>de</strong>corre <strong>de</strong>ssa escolha. Forma e conteúdo do espetáculo são, <strong>de</strong>modo idêntico, a justificativa total das condições e dos fins dosistema existente. O espetáculo também é a presença permanente<strong>de</strong>ssa justificativa, como ocupação da maior parte do tempo vividofora da produção mo<strong>de</strong>rna. (DEBORD, 1997:14)Na “socieda<strong>de</strong> do espetáculo”, a produção industrial orientada pela sistemáticafordista é então engolida <strong>de</strong>finitiva e ostensivamente pelo mercado e pelo


66<strong>consumo</strong> <strong>de</strong> imagens; a função industrial do capitalismo mo<strong>de</strong>rno é substituídapela função especulativo-financeira apoiada na vanguarda da publicida<strong>de</strong> – “arteoficial do capitalismo” (HARVEY, 1992:65) – e no marketing. O “estilo”mo<strong>de</strong>rno dos objetos e da <strong>arquitetura</strong>, característico dos objetos produzidos evendidos como produtos no passado, vai ser substituído por conceitos – funçãonão comunicada na própria forma dos produtos – mas estabelecidos comoparâmetros <strong>de</strong> comportamento: estilos <strong>de</strong> vida. Nesse processo, “a publicida<strong>de</strong>,<strong>de</strong>stinada a suscitar o <strong>consumo</strong> dos bens, é assim o primeiro dos bens <strong>de</strong><strong>consumo</strong>. Produz mitos, e sem produzir nada se apo<strong>de</strong>ra dos mitos anteriores” 53(LEFEBVRE, 1972:133). Funcionando como a “crítica operativa” <strong>de</strong> nossaépoca, se “apo<strong>de</strong>ra” dos “mitos” mo<strong>de</strong>rnos, mas agora extirpados <strong>de</strong> qualquerutopia.Ve<strong>de</strong>tes do mercado imobiliário nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s brasileiras, a publicida<strong>de</strong> eo marketing vão ser <strong>de</strong>finidores no processo <strong>de</strong> abarcamento radical dasintenções mo<strong>de</strong>rnas <strong>de</strong> controle total do sistema produtivo pelo <strong>de</strong>sign e natransfiguração <strong>de</strong>finitiva da <strong>arquitetura</strong> em “forma-mercadoria”, ou seja, “aigualda<strong>de</strong> confrontada consigo mesma, a categoria do quantitativo. Ela<strong>de</strong>senvolve o quantitativo e só po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver nele” (DEBORD, 1997:28).Assim, enquanto “forma-mercadoria” a <strong>arquitetura</strong>, produto <strong>de</strong>stinado ao seu<strong>consumo</strong> em massa, “exclui o qualitativo”, isso significa que o “limiar <strong>de</strong> suaprópria abundância” (DEBORD, 1997:28) foi transposto e que “aparentementeapoteótico, espacialmente grandioso, o efeito <strong>de</strong>ssa riqueza é um vazio terminal,uma paródia viciosa que sistematicamente ero<strong>de</strong> a credibilida<strong>de</strong> da <strong>arquitetura</strong>,possivelmente para sempre...” 54 (KOOLHAAS, 2000:17).Distante das preocupações informativas das propagandas mo<strong>de</strong>rnas erespaldadas na crença <strong>de</strong> que “os consumidores não acreditam realmente queexista uma gran<strong>de</strong> diferença entre os produtos” (KLEIN, 2002:44), a publicida<strong>de</strong>imobiliária vai se concentrar na construção <strong>de</strong> conceitos <strong>de</strong> vida, marcas, queestabeleçam laços emocionais com seus consumidores propondo i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> vida.“Reinventa-se o funcionalismo: a função do produto dos nossos dias é sua53 Tradução nossa. Texto original espanhol.


67capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> informar sobre tecnologias, materiais, outro modo <strong>de</strong> viver, outroscomportamentos, outra i<strong>de</strong>ologia” (FERRARA, 1989:124). “Marcas, nãoprodutos!” (KLEIN, 2002:45):A sensação <strong>de</strong> estar em Mustique com a certeza <strong>de</strong> morar em SãoPaulo. Esse é o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo do paulistano: residir numa dasmaiores metrópoles do mundo, centro <strong>de</strong> negócios e cultura, e aomesmo tempo sentir-se em Mustique, uma das mais badaladas ilhasdo Caribe. Mustique empresta, agora, seu nome e seu glamour paraesse empreendimento que reúne todas as qualida<strong>de</strong>s e concretiza osonho do paulistano - uma ilha <strong>de</strong> prazeres. Do lado <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, muitover<strong>de</strong>, áreas livres, conforto e segurança. Fora, todas as facilida<strong>de</strong>sdas gran<strong>de</strong>s metrópoles: compras, lazer, cultura, esportes, além <strong>de</strong>acesso rápido a vias como a Marginal Pinheiros, Ban<strong>de</strong>irantes, ÁguaEspraiada, Morumbi e Berrini. O Mustique é assim: uma ilha queisola e integra. (MUSTIQUE, 2002:A5)Operando <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um sistema on<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ologia dominante suporta a utopia dafelicida<strong>de</strong> (exclusiva e privativa) alcançada através do <strong>consumo</strong>, as técnicas dapublicida<strong>de</strong> imobiliária exploram o paradoxo inerente ao próprio sistema“espetacular” vigente: entre a pretensa racionalida<strong>de</strong> financeira e dos negócios, ea retórica emocional utilizada, esse serviço, “que não ultrapassa dois a três porcento do custo da obra” (SANTOS, 1987:45), procura romper todos os“obstáculos ‘sólidos’ que ainda limitam o vôo livre da fantasia e reduzem o‘princípio do prazer’ ao tamanho ditado pelo ‘princípio da realida<strong>de</strong>’”(BAUMAN, 2001:89).A ‘necessida<strong>de</strong>’, consi<strong>de</strong>rada pelos economistas do século XIX comoa epítome da ‘soli<strong>de</strong>z’ – inflexível, permanentemente circunscrita efinita – foi <strong>de</strong>scartada e substituída durante algum tempo pelo <strong>de</strong>sejo,que era muito mais ‘fluido’ e expansível que a necessida<strong>de</strong> por causa<strong>de</strong> suas relações meio ilícitas com sonhos plásticos e volúveis sobre aautenticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ‘eu íntimo’ à espera <strong>de</strong> expressão.(BAUMAN, 2001:89)Esse mo<strong>de</strong>lo “fourieriano” oscilante entre uma vonta<strong>de</strong> “quase-taxonômica” <strong>de</strong>captura da realida<strong>de</strong> cotidiana e a libertação individual dos <strong>de</strong>sejos mais íntimosna coerência coletiva aproxima a publicida<strong>de</strong> imobiliária, como afirma PepSubirós, das formas <strong>de</strong> expressão contemporâneas da pornografia, para quem,“tanto em um caso como no outro, as mensagens apelam para a libido doconsumidor, potencial e real, com anúncios essencialmente epiteliais e54 Tradução nossa. Texto original inglês.


68quantitativos” 55 (COCAB, 1996:49). Acrescentado <strong>de</strong> “um estimulante maispo<strong>de</strong>roso, e, acima <strong>de</strong> tudo mais versátil [...], o ‘querer’” e está completa “alibertação do principio do prazer, limpando e dispondo dos últimos resíduos dosimpedimentos do ‘princípio da realida<strong>de</strong>’” (BAUMAN, 2001:89).Livres dos “obstáculos sólidos” à felicida<strong>de</strong>, os consumidores <strong>de</strong>finitivamenteinvestem na “experiência”, sublimando completamente as fronteiras entre arealida<strong>de</strong> vivida e representação, que para Debord eram essencialmentemediadas por imagens (DEBORD, 1997:14). Nesse sentido, em que o <strong>consumo</strong>ten<strong>de</strong> a ser cada vez mais “experimental”, “o branding em suas encarnaçõesmais autênticas e avançadas, trata <strong>de</strong> transcendência corporativa” (KLEIN,2002:45). Se as imagens não são mais o media, uma vez que “o espaço socialestá agora completamente saturado com a cultura da imagem” (JAMESON,2001:115), então, a própria idéia <strong>de</strong> <strong>consumo</strong> se expan<strong>de</strong>, confundindo-se com aesfera da cultura 56 , “<strong>de</strong> modo que o cultural já não se limita mais às suas formasanteriores [...], mas é consumido a cada momento da vida cotidiana, nascompras, nas ativida<strong>de</strong>s profissionais, nas várias formas <strong>de</strong> lazer...” (JAMESON,2001:115). As corporações, na vanguarda dos movimentos <strong>de</strong>slizantes do capitalavançado, perceberam que po<strong>de</strong>m então se libertar da obrigação <strong>de</strong> fabricarprodutos – “todo mundo po<strong>de</strong> fabricar um produto, raciocinam eles”, portanto,essa “tarefa ignóbil” <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>legada a terceiros (KLEIN, 2002:46).Concentradas em seu verda<strong>de</strong>iro objetivo – “criar uma mitologia corporativapo<strong>de</strong>rosa o bastante para infundir significado a esses toscos objetos” (KLEIN,2002:44) – as empresas, após transformarem suas marcas em cultura e culturaem mercadoria, começaram a enxergar a publicida<strong>de</strong> como um mecanismo<strong>de</strong>snecessário nesse complexo sistema. Afinal, quem precisa <strong>de</strong> propaganda emoutdoors e revistas quando as lojas são publicida<strong>de</strong> tridimensional, quando aprópria vida cotidiana se confun<strong>de</strong> com os happenings e performancescorporativos, quando os enfeites <strong>de</strong> natal <strong>de</strong> toda uma cida<strong>de</strong> fazem parte <strong>de</strong> umplano <strong>de</strong> branding <strong>de</strong> uma empresa qualquer?55 Tradução nossa. Texto original espanhol.56 Esse argumento foi originalmente <strong>de</strong>senvolvido por Fredric Jameson em seu livro <strong>de</strong> 1992, “Pósmo<strong>de</strong>rnismo,ou a lógica cultural do capitalismo tardio”, publicado no Brasil em 1996 pela Ática.


69Marca expandida: a política das marcas corporativas ruma certeira em direção aoestabelecimento <strong>de</strong> estratégias especializadas na construção <strong>de</strong> conceitos <strong>de</strong> vidaque serão potencialmente experimentados com toda sua capacida<strong>de</strong> estética emsua “ausência ontológica”. Então, pensar o domínio completo do espaço como omáximo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expansão <strong>de</strong>sse conceito <strong>de</strong> branding será aestratégia fundamental das corporações competitivas e em breve Telemar,Bombril, Fórum, Gradiente, Forno <strong>de</strong> Minas, cada uma <strong>de</strong>ssas marcas vaiprecisar construir suas Villa e seus próprios condomínios, verda<strong>de</strong>iros enclavessinestésicos, comunida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> os consumidores fiéis não só po<strong>de</strong>rão comprarum conceito <strong>de</strong> vida, mas viver nele. Então já não será mais suficiente ter “asensação <strong>de</strong> estar em Mustique”, e a cida<strong>de</strong> não será somente das construtoras edo mercado imobiliário.11. UTOPIA


70________________________________________________________EDIFÍCIO ÎLE DE LA CITÉ – Construtora Valle, Rua São João do Paraíso, 41,Sion, Belo Horizonte – Inteligência arquitetônica e conforto absoluto em 216 m_,com 2 suítes e 2 semi-suítes . Suíte máster com hidromassagem . Salão paravários ambientes em mármore . 2 varandas, lavabo e estar íntimo . Armários nosquartos, banhos e cozinha . Um apartamento por andar . Prédio com apenas 14aptos tipo . 3 ou 4 vagas <strong>de</strong> garagem . Fachada totalmente revestida . Lindoprojeto paisagístico . Salão <strong>de</strong> festas . Bar e copa montados . Terraço . Solarium .


71Salão <strong>de</strong> jogos . Sala <strong>de</strong> reuniões . Banheiros masculino e feminino . Sauna comducha . Deck.________________________________________________________________________________________________________________


72.............................................................................................12.Ilhas..........................................................................................Parc Avignon, Porte Royalle, Gran Paradiso, Piazza Affonso Penna, Francisco<strong>de</strong> Goya, Paço da Liberda<strong>de</strong>, Terrazzo Esmeralda, Saint Denis, Chiara D’assisi,Costa <strong>de</strong>l Mar, Piazza di Verona, Rembrandt, Valle D’ampezzo, Costa Bella,Villa Réggia, Monte Bello, Villa Toscanna, Chamonix, Villaggio Panamby, ViaSistina, Giulio Romano, Palazzo Quirinale, Palazzo Venecia, Boulevard SaintMichel, Parque das Violetas, Cap Ferrat, Ville <strong>de</strong> Québec, Debret, Saint Paul, LeSaint Paul, Vermont, Saint Gothard, Giverny, Campos Elisios, Bosque doMosteiro, Costa Esmeralda, Botticelli, Jacopo Tintoretto, Belle Vue, Lumiere,La Concor<strong>de</strong>, Montesquieu, Bruno Giorgio, Duomo Firenze, Stanza D’oro,Murano (Art of Living), Villa Athena, Mustique (Le Paradis est Ici), Parque dosDiamantes, Maimôni<strong>de</strong>s, Palazzo Berberini, Via Montebello, Pierre Bonnard,L’adresse, Vale do Luar, Villa Torlonia, La Rochelle, Pallazzo Olivieri,Diamond Hill, Piet Mondrian, Portobello, Apgalia (Fine Resi<strong>de</strong>nces), Ville Sion,Safira, Marina Del Rey, Courchevel, Spazio Uno, Paradizo, Aquarelle, TheLandmark, Villa San Michelle, Ile <strong>de</strong> France, Palm Beach, Studio Home BelaCintra, Paysage, Paço Imperial, Griffe, Villa Inneco, Renoir, Galleria Terrazzo,Monet, New Age Park, Parc Gerland, Vintage Moema, Île <strong>de</strong> la Cité...Nenhum <strong>de</strong>sses nomes aparece nos livros e revistas contemporâneos <strong>de</strong><strong>arquitetura</strong>. São nomes <strong>de</strong> uma <strong>arquitetura</strong> conhecida pelos “classificados” dosjornais, pela publicida<strong>de</strong> nos semáforos, pela televisão. O seu valor é dado peloprocesso <strong>de</strong> rotulagem por uma marca-imobiliária e medido por m_. Fazem parte<strong>de</strong> uma categoria arquitetônica relativamente nova, que como seus antepassadosarquitetônicos, enfatiza a importância <strong>de</strong> ter um nome.Os edifícios na história – mesmo aqueles que não constam nos compêndiosarquitetônicos – freqüentemente tinham um nome. Como os seus moradores,essas construções guardavam em seus nomes a sua origem ou o seu passado: afamília que mandou construir a casa, o rei que ergueu o palácio, o papa quesagrou a catedral, etc. Os eventos importantes e as situações revolucionáriasacontecidas, que tiveram na <strong>arquitetura</strong> a sua testemunha perene, ficaram tambémregistrados nos edifícios e nos lugares nomeando-os.


73O século XX fez da <strong>arquitetura</strong> habitacional uma priorida<strong>de</strong>. A moradia era paraos arquitetos mo<strong>de</strong>rnos o embrião, a célula-mínima da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umaprática, que tinha como princípio uma profunda reestruturação da vida cotidiana,do ambiente doméstico e da cida<strong>de</strong>. Se na <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna os nomes dosedifícios continuaram a representar a linhagem dos clientes, esta reivindicoutambém a possibilida<strong>de</strong> dos “nomes-manifestos” e das “<strong>arquitetura</strong>s-marca” paraos edifícios. Muitas vezes associados a uma indústria ou a um produto, essesnomes construíram a coerência necessária e a reciprocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejada entre aproposta arquitetônica e o sistema produtivo da “Era da Máquina”:Existenzminimum, Bauhaus, VR (Ville Radieuse), Casas Voisin, MaisonCitrohan...Na <strong>arquitetura</strong> atual, o ato <strong>de</strong> nomear os edifícios e as casas toma uma dimensãopara além das ressonâncias “operativas” do vínculo entre <strong>de</strong>sign e sistemaindustrial mo<strong>de</strong>rno. Superada a esperança da planificação total e completamentevinculada às operações do capital financeiro internacional, essa <strong>arquitetura</strong> trataos nomes como jogos, exercícios <strong>de</strong> “‘autolibertação’ através do uso privado daimaginação” (TAFURI, 1985:96), são como operações disjuntivas que“formulam (e até formalizam) as regras organizadoras dos lances, [...] articulandonovos lances conforme as ocasiões” (CERTEAU, 1996:84). Nesse sentido,nomes como Wall House, Casa Y, Casa XIa, Y2K, “tornam-se espaços liberados,ocupáveis [...] insinuam outras viagens à or<strong>de</strong>m funcionalista e histórica.”(CERTEAU, 1996:84)Para a <strong>arquitetura</strong> imobiliária contemporânea agenciada pela i<strong>de</strong>ologia do<strong>consumo</strong> “espetacular”, os nomes “insinuam viagens” quase sempre a umpassado pré-mo<strong>de</strong>rno, imperial, dos castelos e palácios, ou à época <strong>de</strong> uma artecomo representação da natureza. Esses nomes reivindicam para essas complexasestruturas pós-mo<strong>de</strong>rnas um consolo bucólico e glorioso, através da promessa <strong>de</strong>uma vida idílica e harmônica, bem no meio das gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s brasileiras.Nos espaços brutalmente iluminados por uma razão estranha, osnomes próprios cavam reservas <strong>de</strong> significações escondidas efamiliares. Eles “fazem sentido”: noutras palavras, impulsionammovimentos, à maneira <strong>de</strong> vocações e chamados que dirigem oualteram o itinerário dando-lhe sentidos (ou direções) até entãoimprevisíveis. (CERTEAU, 1996:184)


74Para essa <strong>arquitetura</strong>, tais nomes “fazem sentido” interiormente à lógicacomercial que os <strong>de</strong>termina, a partir do momento que permitem aosconsumidores - que se <strong>de</strong>param com a infinida<strong>de</strong> <strong>de</strong> marcas imobiliáriasdisponibilizadas pela indústria do planejamento imobiliário contemporâneo -escolher <strong>de</strong>ntre várias opções aquela que cria a melhor i<strong>de</strong>ntificação entre a suaexpectativa <strong>de</strong> vida e a vida vendida. Nesse “mundo cheio <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s [...]como uma mesa <strong>de</strong> bufê com tantos pratos <strong>de</strong>liciosos que nem o mais <strong>de</strong>dicadocomensal po<strong>de</strong>ria esperar provar <strong>de</strong> todos, [...] a infelicida<strong>de</strong> dos consumidores(comensais) <strong>de</strong>riva do excesso e não da falta <strong>de</strong> escolha” (BAUMAN, 2001:75)Ao ler o nome “Île <strong>de</strong> la Cité” estampado na fachada do edifício em letrascasualmente românticas, ou nos anúncios intermitentes por toda parte, osmovimentos e as trajetórias do <strong>consumo</strong> “são impulsionados”, as “reservas <strong>de</strong>significações escondidas” dos consumidores são afloradas. A função imobiliáriaprimeira do nome é então, <strong>de</strong>sfazer o paradoxo próprio criado pela função damarca:Oferecer opções para um consumidor que parece não saber maisescolher [...], esse fato leva a um curto circuito no funcionamento damarca pois, ao mesmo tempo em que ela [...] busca atingir umconsumidor que não consegue mais fazer qualquer escolha sem orespaldo da marca, <strong>de</strong>ve-se esperar que ele seja capaz <strong>de</strong>, pelo menos,optar por uma marca específica, ou seja, que ele ainda sejaconstituído por algum tipo <strong>de</strong> emoção, <strong>de</strong> afeto, enfim por algo que oleve a consumar um ato que envolva algum significado.(FONTENELLE, 2002: 259)O nome “Île <strong>de</strong> la Cité” é então o dispositivo que preten<strong>de</strong> ativar esse “afeto” ealiviar a “infelicida<strong>de</strong>” dos consumidores, através <strong>de</strong> ressonâncias e evocações<strong>de</strong> lugares e realida<strong>de</strong>s distantes, talvez inexistentes, porém <strong>de</strong>sejáveis. Dentre asvárias opções <strong>de</strong> torres <strong>de</strong> apartamentos disponibilizadas pela Construtora Valle,“Île <strong>de</strong> la Cité” é como a senha que permite ao consumidor “querer” o acesso à“liberação <strong>de</strong> fantasias <strong>de</strong>sejosas” <strong>de</strong> uma experiência livre <strong>de</strong> quaisquerimpedimentos do “princípio da realida<strong>de</strong>” (BAUMAN, 2001:89), através daconstrução <strong>de</strong> uma situação aparentemente singular na mesmice absoluta. Osnomes dos produtos imobiliários (edifícios), nesse sentido, constroem a pontenecessária entre a vida cotidiana e uma possibilida<strong>de</strong> utópica.


75Des<strong>de</strong> a sua invenção no Renascimento, a idéia do pensamento ou da condiçãoutópica vai ser estabelecida como o parâmetro sempre que, ao longo <strong>de</strong>ssesséculos, os homens almejam uma nova construção social externa e extrema àspossibilida<strong>de</strong>s presentes em seu cotidiano. Fundada no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> configuração <strong>de</strong>uma situação i<strong>de</strong>al restaurada <strong>de</strong> todos os males do real, Utopia foi o nomecriado por Thomas Morus em 1516, quando da publicação <strong>de</strong> sua obra “Sobre amelhor Constituição <strong>de</strong> uma República e a Nova Ilha <strong>de</strong> Utopia”. Nesse pequenomas paradigmático livro, Morus apresenta sua ilha imaginária <strong>de</strong> Utopia e“<strong>de</strong>screve seus costumes, [...] fala da forma <strong>de</strong> governo e [...] enuncia o traçomais sedutor <strong>de</strong> seu pensamento, quando diz que os utopianos reduzem todas asações e mesmo todas as virtu<strong>de</strong>s ao prazer, como finalida<strong>de</strong>” (BIGNOTTO,1991:67). O i<strong>de</strong>al do prazer, presença constante aos pensamentos e propostasutópicas <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes da fundação da ilha <strong>de</strong> Morus, orienta tais concepções a<strong>de</strong>senvolver novas realida<strong>de</strong>s, com novos indivíduos, instituições, objetos e atémesmo uma nova natureza, buscando alcançar sempre “não a felicida<strong>de</strong>, mas aidéia <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>” (CIORAN, 1994:101). Na incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> administrar asimperfeições inerentes à socieda<strong>de</strong> e à vida cotidiana – o disforme, a anomalia, a<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, o <strong>de</strong>sconhecido – a possibilida<strong>de</strong> da utopia surge como o mecanismo<strong>de</strong> instauração da perfeição imaginada e infalível. Intrinsecamente a taisconstruções utópicas, a felicida<strong>de</strong>, associada à “liberda<strong>de</strong> positiva”(BIGNOTTO, 1991:68), é então necessariamente uma condição a ser alcançadana coletivida<strong>de</strong>, ou seja, a possibilida<strong>de</strong> da felicida<strong>de</strong> individual não só passa a<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da comunhão total dos prazeres oferecidos por esse i<strong>de</strong>al fantástico,como a própria libertação individual “passa pela construção da in<strong>de</strong>pendênciacoletiva” (BIGNOTTO, 1991:68). Assim, ao preten<strong>de</strong>r instaurar um i<strong>de</strong>aluniversalmente compartilhado, a utopia “termina por recusar toda a manifestaçãoda diferença” (BIGNOTTO, 1991:68). Esse paradoxo pertinente à capacida<strong>de</strong> doprece<strong>de</strong>nte utópico <strong>de</strong> agenciar seus objetivos fundamentais entre indivíduo euniversal, revela-se no próprio ato <strong>de</strong> (in)<strong>de</strong>finição etimológica do termo utopia:se por um lado utopia (ou-topos) é por <strong>de</strong>finição “não lugar (um estadoimaginário <strong>de</strong> perfeição ou uma in<strong>de</strong>finidamente remota região, país, lugar, oucondição)” 57 (JOHNSON, 1993:71), por outro, ( eu-topos) po<strong>de</strong> significar um57 Tradução nossa. Texto original inglês.


76“lugar feliz, benéfico, ou agradável” 58 (B ORSI 1997:13). Entretanto, essacontradição imanente entre um lugar in<strong>de</strong>finido e uma felicida<strong>de</strong> pretendida, quese revela inconciliável e ao mesmo tempo inseparável, vai ser uma dascaracterísticas prementes do pensamento utópico quando transfigurado emutopia arquitetônica....................................................................................13.Harmonia..........................................................................................Se foi no Renascimento que o pensamento utópico teve sua origem com a ilhaimaginária <strong>de</strong> Morus, o século XIX vai testemunhar, entretanto, o ápice daincorporação do pensamento utópico pela <strong>arquitetura</strong>, proporcionando osurgimento <strong>de</strong> estruturas espaciais complexas e auto-suficientes <strong>de</strong>stinadas àacomodação <strong>de</strong> uma coletivida<strong>de</strong> coerente. Remontando o surgimento dascida<strong>de</strong>s industriais européias e seu <strong>de</strong>senvolvimento e crescimento acelerado,essas socieda<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ais emergem em um contexto histórico on<strong>de</strong> as gran<strong>de</strong>scida<strong>de</strong>s como Paris e Londres tiveram seu número <strong>de</strong> habitantes multiplicadovárias vezes no intervalo <strong>de</strong> um século 59 .A acomodação <strong>de</strong> tão volátil crescimento levou à transformação dosvelhos bairros em áreas miseráveis e, também, à construção <strong>de</strong>moradias baratas e <strong>de</strong> cortiços, cuja finalida<strong>de</strong> principal, dada acarência geral <strong>de</strong> transporte municipal, era proporcionar, da formamenos onerosa possível, a máxima quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alojamentorudimentar <strong>de</strong>ntro da distância a pé dos centros <strong>de</strong> produção.Naturalmente essas habitações congestionadas tinham condiçõesina<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> luz e ventilação, carência <strong>de</strong> espaços abertos,péssimas instalações sanitárias, como latrinas e lavatórios (que eramexternos e comuns), e <strong>de</strong>spejos <strong>de</strong> lixos contíguos. Com umescoamento precário e uma manutenção ina<strong>de</strong>quada, tais condiçõeslevaram à acumulação <strong>de</strong> excrementos e lixo e a inundações, o queprovocava naturalmente uma alta incidência <strong>de</strong> doenças...(FRAMPTON, 1997:14)Tais condições precipitaram reações urbanísticas <strong>de</strong> caráter sanitário e <strong>de</strong>regulamentação do espaço da cida<strong>de</strong>. Estimularam também a preocupação doshabitantes, do po<strong>de</strong>r público e dos próprios industriais com as condições <strong>de</strong> vidasdos trabalhadores das fábricas. Nesse contexto, várias propostas foramapresentadas com a intenção <strong>de</strong> modificar a forma <strong>de</strong> habitação dos operários,através <strong>de</strong> concepções arquitetônicas prototípicas e utópicas.58 Tradução nossa. Texto original inglês.


77Quando “entre a realida<strong>de</strong> e o i<strong>de</strong>al a diferença parece impossível <strong>de</strong> serpreenchida” (BENEVOLO, 1993:552), o impacto fundamental e irreversível do<strong>de</strong>senvolvimento industrial, das formas <strong>de</strong> comunicação mais rápidas e abstratase das profundas modificações sociais e espaciais abriu caminho para um “novotipo <strong>de</strong> utopia”, baseado na “<strong>de</strong>núncia da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, da injustiça, e dasdiferenças <strong>de</strong> classes” (BORSI 1997:33). Esse momento <strong>de</strong> consolidação docapitalismo propiciou então um campo fértil para duas formas <strong>de</strong> utopia: as“utopias igualitárias”, neuroticamente <strong>de</strong>fendidas como realistas e as “utopiasindustriais”, que reconheciam e apostavam no “enorme po<strong>de</strong>r da indústria <strong>de</strong>melhorar a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e o bem estar humano” 60 (BORSI 1997:33).Uma das propostas mais radicais <strong>de</strong> superação <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo industrial vigentevai ser a formulação <strong>de</strong> Charles Fourier (1772-1837) com o título Le NouveauMon<strong>de</strong> Industriel ou Novo Mundo Industrial, publicado em forma <strong>de</strong> ensaio em1829 (FRAMPTON, 1997:15). Em seu trabalho, Fourier propunha –coerentemente com a tradição utópica – a articulação e o gerenciamento <strong>de</strong>socieda<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ais conformadas por comunida<strong>de</strong>s agrupadas em um gran<strong>de</strong>edifício unitário, on<strong>de</strong> todas as restrições que limitam a satisfação das paixões nopresente real são eliminadas. A esses complexos dispositivos arquitetônicosauto-suficientes e predominantemente não industriais, mantidos basicamenteatravés da produção agrícola <strong>de</strong> subsistência por uma socieda<strong>de</strong> comunitária,Fourier <strong>de</strong>u o nome <strong>de</strong> “Falanstérios” (Le Phalanstère). A utopia dosFalanstérios se estruturava em torno <strong>de</strong> uma organização social imaginada porseu criador chamada “Falange” (La Phalange), exatamente formada por 1.620indivíduos <strong>de</strong> diferentes posições sociais e que tinha como princípio fundamentala “atração passional” entre os seus pares e on<strong>de</strong> o motor <strong>de</strong> todo o sistema era oprazer:O prazer fourieriano (<strong>de</strong>nominado felicida<strong>de</strong> positiva) é muito fácil<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir: trata-se do prazer sensual: a liberda<strong>de</strong> amorosa, a boacomida, a <strong>de</strong>spreocupação e outros prazeres que os civilizados nemsequer se atrevem a <strong>de</strong>sejar... 61 (BARTHES, 1997:99).59 Passando <strong>de</strong> 500 mil habitantes para 3 milhões e 1 milhão <strong>de</strong> habitantes para 6,5 milhões,respectivamente (FRAMPTON: 1997:14).60 Tradução nossa. Texto original inglês.61 Tradução nossa. Texto original espanhol.


78Para refazer o mundo a sua própria maneira, Fourier mobilizou através <strong>de</strong> suaconstrução i<strong>de</strong>al toda a ânsia taxonômica e <strong>de</strong> classificação do mundo vigente noséculo XIX almejando alcançar um estado <strong>de</strong> Harmonia Universal 62 . OsFalantérios eram então, a transposição espacial <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> organizaçãosocial complexamente inventada. Nesses dispositivos arquitetônicosracionalmente organizados, a vida para Fourier <strong>de</strong>veria ser “uma gran<strong>de</strong> festa” 63(BARTHES, 1997:131), on<strong>de</strong> a busca quantitativa da felicida<strong>de</strong> através da “livresatisfação das tendências individuais, no respeito dos direitos e das prerrogativasdos <strong>de</strong>mais” (BENEVOLO, 1981:65), orientava todas as ações <strong>de</strong> seushabitantes. A confirmação <strong>de</strong>ssa felicida<strong>de</strong> alcançada – fato importante paraFourier – se dava através da manipulação <strong>de</strong> números, não no sentido estatístico,mas no sentido qualitativo; assim, no Falanstério a qualida<strong>de</strong> da felicida<strong>de</strong>satisfeita <strong>de</strong>pendia basicamente da quantida<strong>de</strong> (<strong>de</strong> paixões, <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> comida,<strong>de</strong> dinheiro, etc.).“Fourier [...] sempre confiante em transformar sua utopia em realida<strong>de</strong>”(BENEVOLO, 1981:70), exaltava o dinheiro, “para ele a imagem <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>procedia plenamente da forma <strong>de</strong> vida das pessoas ricas” 64 (BARTHES,1997:131), sendo que os habitantes do Falanstério <strong>de</strong>veriam <strong>de</strong>sejar o dinheirocomo <strong>de</strong>sejavam os amantes.Vislumbrando a proliferação <strong>de</strong> sua socieda<strong>de</strong> “passional” por todo o mundoindustrial, Fourier imaginou uma estrutura arquitetônica que tinha como objetivogeral ser adotada e implantada genericamente sem que especificida<strong>de</strong>s locaise/ou particularida<strong>de</strong>s sociais interferissem no seu funcionamento. Partindo <strong>de</strong>ssapremissa, concebeu o Falanstério como uma cida<strong>de</strong> em miniatura (fora da cida<strong>de</strong>industrial), cujas ruas teriam a vantagem <strong>de</strong> não estarem expostas ao tempo e aoexterior (BENEVOLO, 1981:68) e nesse sentido, a “topografia” dos Falanstériosconstituía-se <strong>de</strong> uma configuração espacial on<strong>de</strong> se confundiam a organização doedifício e a própria organização do território.62 “Harmonia Universal” foi o nome dado por Charles Fourier à sua socieda<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al, cujos “Falanstérios”correspondiam à concepção espacial e arquitetônica e as “Falanges” à forma <strong>de</strong> organização entre osindivíduos.63 Tradução nossa. Texto original espanhol.64 Tradução nossa. Texto original espanhol.


79...<strong>de</strong> modo que (visão completamente mo<strong>de</strong>rna) a <strong>arquitetura</strong> e ourbanismo se dissolvem um no outro em benefício <strong>de</strong> uma ciênciageral do lugar humano, cujo caráter primordial já não é a proteção,senão a circulação: o falanstério é uma reclusão no interior da qual secircula. 65 (BARTHES, 1997:132)No Falanstério o espaço está totalmente “funcionalizado”, as funções e asativida<strong>de</strong>s (bailes, estrangeiros, crianças, templo, comidas, etc.), encontram-sedivididas e organizadas por setores periféricos a um gran<strong>de</strong> setor central<strong>de</strong>signado por Fourier como “pátio <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfiles” e “praça <strong>de</strong> manobras” 66 . Maisexternamente estão situados os jardins e as áreas <strong>de</strong>stinadas ao cultivo(BARTHES, 1997:133). Como o Falanstério não prevê a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saídas(que não gran<strong>de</strong>s viagens em grupos), o cotidiano <strong>de</strong> seus habitantes se restringeàs ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> exploração das suas próprias capacida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alcançar afelicida<strong>de</strong>. Para otimizar essas relações, o sistema <strong>de</strong> conexão e comunicaçãoentre os vários setores é então <strong>de</strong> fundamental importância. “Sem dúvida, comquanta predileção e com quanto empenho <strong>de</strong>screve Fourier as galerias cobertas,aquecidas, ventiladas, subterrâneos e passeios elevados sobre as colunas...” 67(BARTHES, 1997:133).O potencial controle exercido sobre a realida<strong>de</strong> cotidiana, princípio fundamental<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação das novas regras imaginadas para o i<strong>de</strong>al futuro, nosFalanstérios vai ser levado à fantasia máxima por Fourier. Em seu sistema, todasas situações são planejadas, previstas e classificadas à exaustão: o clima éalterado à sua maneira e preferência, estações do ano são melhoradas (“já não hámais primavera”) e os micro-climas indiscriminadamente regulados através <strong>de</strong>artifícios arquitetônicos (galerias cobertas, etc...). O corpo humano, entretanto,elemento fundamental na "socieda<strong>de</strong> passional”, é talvez a modificação maisradical proposta por Fourier: ”a estatura humana crescerá 2 ou 3 polegadas porgeração até alcançar uma média <strong>de</strong> 84 polegadas para os homens”, quando“então se chegará plenamente à ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 144 anos, com as forças proporcionais”e “para confundir a tirania dos homens <strong>de</strong>verá existir durante um século um65 Tradução nossa. Texto original espanhol.66 Tradução nossa. Texto original espanhol.67 Tradução nossa. Texto original espanhol.


80terceiro sexo, macho e fêmea, e mais forte que o homem” 68 (BARTHES,1997:140).A construção radicalmente fantasiosa da Harmonia Universal pretendida porFourier, bem como outras proposições utópicas do século XIX originárias dascondições extremas das cida<strong>de</strong>s industriais e her<strong>de</strong>iras da criação <strong>de</strong> Morus,enquanto construções i<strong>de</strong>ais procuram romper veementemente todos os vínculospossíveis com a realida<strong>de</strong> operante, “recorrendo à análise e à programaçãoracional” (BENEVOLO, 1993:558) <strong>de</strong> todas as situações e acontecimentospossíveis. Nesse sentido, essas propostas “são máquinas calculadas para aliviar ohomem da organização física tradicional, que retarda as transformações políticase <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o sistema dos interesses existentes” (BENEVOLO, 1993:558). Eenquanto dispositivos arquitetônicos imaginados “antecipam, portanto – comotentativas isoladas – a pesquisa coletiva da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna que terá iníciono século seguinte” (BENEVOLO, 1993:558) sendo fundamentais noestabelecimento das estratégias <strong>de</strong> ação das vanguardas mo<strong>de</strong>rnas:Subtrair a experiência do choque a qualquer automatismo, criar combase nessa experiência códigos visuais e <strong>de</strong> ação mutuados pelascaracterísticas já consolidadas pela metrópole capitalista –velocida<strong>de</strong> dos tempos <strong>de</strong> transformação, organização esimultaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicações, tempos acelerados <strong>de</strong> uso,ecletismo – reduzir o objeto puro (metáfora evi<strong>de</strong>nte do objetomercadoria)a estrutura da experiência artística, envolver o público[...]: são estas as tarefas que, no seu conjunto, as vanguardas doséculo XX assumem por conta própria. (TAFURI, 1985:59)Para Tafuri (1985:58), o ato “intencionalmente ‘heróico” das vanguardas(Cubismo, Futurismo, Dadaísmo, De Stijl, etc.) para as quais “a lei da montagemé fundamental”, é uma projeção necessária na arte (não apenas pictórica) da“experiência do choque vivida na cida<strong>de</strong>” (TAFURI 1985:59), possibilitandoque as “leis da produção” passem a fazer parte do novo universo <strong>de</strong> convenções“naturais”. Para as vanguardas “a forma assume a função <strong>de</strong> tornar autêntico enatural o universo não-natural da precisão tecnológica” (TAFURI 1985:86).Assim, não só esse paradigma <strong>de</strong> “arte como mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ação” (TAFURI1985:62) insere a i<strong>de</strong>ologia do <strong>consumo</strong> em suas próprias operações através da68 Tradução nossa. Texto original espanhol.


81“fetichização do objeto artístico” (TAFURI 1985:63), como apresenta a utopiaresidual implícita aos seus procedimentos “como i<strong>de</strong>ologia da correta utilizaçãoda cida<strong>de</strong>”: caos e or<strong>de</strong>m são [...] sancionados pelas vanguardas históricas comoos ‘valores’ propriamente ditos da nova cida<strong>de</strong> capitalista” (TAFURI 1985:66).Enquanto o caos é um dado apresentado pela disforme e anômala estruturaremanescente das cida<strong>de</strong>s industriais, a or<strong>de</strong>m é o objetivo estabelecido comoprojeto para a nova cida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna, e “é nesse ponto que a <strong>arquitetura</strong> po<strong>de</strong>entrar em campo absorvendo e superando todas as instâncias das vanguardas, porser ela a única capaz <strong>de</strong> dar respostas reais” às exigências <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação dociclo produção-distribuição-<strong>consumo</strong> do capitalismo industrial (TAFURI1985:66). Entretanto, “partindo do setor <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> edifícios, a culturaarquitetônica <strong>de</strong>scobre que os objetivos previamente fixados só po<strong>de</strong>rão sersatisfeitos ligando aquele setor à reorganização da cida<strong>de</strong>” (TAFURI 1985:68).“Isso equivale a dizer”, afirma Tafuri (1985:86), “que, assim como asnecessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>nunciadas pelas vanguardas históricas remetiam para o setor dasformas <strong>de</strong> comunicação visual” (a <strong>arquitetura</strong> e o <strong>de</strong>sign), também o projeto da<strong>arquitetura</strong> e do urbanismo mo<strong>de</strong>rnos “remete para algo diferente <strong>de</strong> si: para umareestruturação da produção e do <strong>consumo</strong> em geral”. Neste sentido, “a<strong>arquitetura</strong> situa-se – partindo <strong>de</strong> si própria – a meio caminho entre realismo eutopia”, ou seja, uma vez aceitas tais condições, a i<strong>de</strong>ologia do <strong>consumo</strong> e daprodução capitalista torna-se inerente às suas operações i<strong>de</strong>alizadas.A cida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna proposta pelos CIAM e seus integrantes vai ser então a síntese<strong>de</strong>ssa tentativa <strong>de</strong> captura e controle da estrutura e do funcionamento docotidiano pelo planejamento racionalmente funcionalizado e da organização daprodução pelo agenciamento da distribuição e do <strong>consumo</strong>. Para os postuladosdos CIAM, “as cida<strong>de</strong>s da Revolução industrial não haviam sido planejadas nemcomo as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> produção nem como os centros administrativos que o<strong>de</strong>senvolvimento industrial estava a exigir” (HOLSTON, 1993:50). Nessesentido, os CIAM são uma tentativa <strong>de</strong> implementação “<strong>de</strong> uma autorida<strong>de</strong>capaz <strong>de</strong> mediar a planificação da construção e a planificação urbanística comprogramas <strong>de</strong> reorganização civil [...] no nível político”, enquanto que “aarticulação da forma no seu nível máximo é aproveitada com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>tornar o público sujeito ativo do <strong>consumo</strong>” (TAFURI, 1985:86).


82Entre o primeiro encontro dos CIAM realizado em 1928 e o último em 1956, trêsetapas distintas sobre os problemas e caminhos da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna sesuce<strong>de</strong>ram. A primeira fase compreen<strong>de</strong> o período <strong>de</strong> 1928 a 1933, sendo adiscussão amplamente direcionada pelos problemas e abordagens da habitaçãomínima (Existenzminimum) conduzida principalmente pelos arquitetos <strong>de</strong> línguaalemã alinhados com os i<strong>de</strong>ais da “nova objetivida<strong>de</strong>”. A segunda fase dosCongressos vai ser marcada fundamentalmente pelo domínio da presença <strong>de</strong> LeCorbusier, redirecionando radicalmente a pauta dos encontros para a abordagem<strong>de</strong> questões urbanas. Iniciada em 1933, essa fase vai ser superada em 1947,quando “seus membros tentaram transcen<strong>de</strong>r a esterilida<strong>de</strong> abstrata da cida<strong>de</strong>funcional” (FRAMPTON, 1997:329), abrindo <strong>de</strong>finitivamente uma fresta noarcabouço i<strong>de</strong>alista do urbanismo corbusiano, que culminaria em 1956 no fimdos Congressos Internacionais <strong>de</strong> Arquitetura Mo<strong>de</strong>rna e no <strong>de</strong>svio dosinteresses da <strong>arquitetura</strong> e do urbanismo no sentido da busca por uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>e pelo sentimento <strong>de</strong> pertencimento local.Durante o período <strong>de</strong> influência direta <strong>de</strong> Le Corbusier, na segunda fase dosCIAM, foi concebido um dos documentos fundadores do pensamento urbanísticomo<strong>de</strong>rno: A Carta <strong>de</strong> Atenas. A bordo do transatlântico SS Patris II partindo <strong>de</strong>Marselha, os arquitetos mo<strong>de</strong>rnos realizariam em 1933 o CIAM IV, encontroque terminaria com a chegada do navio em Atenas. Durante o período daviagem, longe da realida<strong>de</strong> das cida<strong>de</strong>s européias, esse documento-manifesto foierigido, e os objetivos <strong>de</strong> um planejamento urbano mo<strong>de</strong>rno dogmaticamente<strong>de</strong>finidos (KRUFT, 1994:401). A Carta estabelecia, sob um prece<strong>de</strong>nte<strong>de</strong>sistoricizante e uma retórica corretiva, que “as chaves do urbanismo seencontram nas quatro funções: habitar, trabalhar, recrear, e circular”. Sendo quea circulação <strong>de</strong>veria “estabelecer o vínculo entre as diversas organizações pormeio <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> circulatória que assegure os intercâmbios sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>respeitar as prerrogativas <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las” (CIAM, 1950:123). Quandopublicada, “por razões inexplicáveis” (FRAMPTON, 1997:328), <strong>de</strong>z anos após oencontro em alto mar, a Carta estabeleceu <strong>de</strong>finitivamente como paradigmasurbanísticos as propostas <strong>de</strong> Le Corbusier para a Ville Radieuse (1930) e para oPlan Voisin (1925).


83........................................................ ...................14..Brasília................................................................................No Brasil, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma condição utópica no século XX esteveamplamente comprometida com o i<strong>de</strong>al da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> como <strong>de</strong>senvolvimentoeconômico e tecnológico encampado pelo Estado, sendo sustentadasimbolicamente na <strong>arquitetura</strong> e no urbanismo mo<strong>de</strong>rno, principalmente <strong>de</strong> LeCorbusier, e financeiramente pelo capital industrial nacional e internacional.Durante o Estado Novo <strong>de</strong> Getúlio Vargas na década <strong>de</strong> 1930, o incentivopromovido à industrialização e à implantação <strong>de</strong> novas tecnologias foi, muitasvezes, associado a uma questão <strong>de</strong> nacionalismo, no sentido i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> nação.Naquele contexto histórico <strong>de</strong> anseio <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e segurança nacional, aaproximação entre o setor industrial <strong>de</strong> capital nacional e o próprio governovisava à sustentação do mo<strong>de</strong>lo autoritário mo<strong>de</strong>rnizante estabelecido. Essaaliança entre os interesses populistas e i<strong>de</strong>ológicos e os interesses produtivos,implementada a partir <strong>de</strong> 1933 e articulada principalmente pelo engenheiroRoberto Simonsen (FAUSTO, 1994:364), proprietário da Construtora Santos ediretor da Fe<strong>de</strong>ração das Indústrias do Estado <strong>de</strong> São Paulo (FIESP), teve namo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> da <strong>arquitetura</strong> do Ministério da Educação e Saú<strong>de</strong> a legitimação <strong>de</strong><strong>de</strong>sse projeto <strong>de</strong> fundação <strong>de</strong> um novo Brasil.Na década <strong>de</strong> 1950 – após a queda do Estado Novo, o processo <strong>de</strong> abertura<strong>de</strong>mocrática e a volta do próprio Getúlio ao po<strong>de</strong>r pelo voto popular em 1951 – oprocesso <strong>de</strong> ênfase no <strong>de</strong>senvolvimento econômico baseado na industrializaçãovai ser retomado primeiramente pelo próprio Getúlio, que tenta <strong>de</strong>sempenhar noregime <strong>de</strong>mocrático o papel <strong>de</strong> agenciador das diversas forças sociaisconflitantes, promovendo um processo abrangente <strong>de</strong> diversificação da produçãonacional e <strong>de</strong> fortalecimento <strong>de</strong> áreas consi<strong>de</strong>radas estratégicas como petróleo,si<strong>de</strong>rurgia, transportes, energia e comunicações, sendo posteriormenteconsolidado e ampliado com a eleição <strong>de</strong> Juscelino Kubitschek sob o lema“<strong>de</strong>senvolvimento e or<strong>de</strong>m” em 1955 (FAUSTO, 1994:424).Com o slogan “50 anos em 5”, Juscelino anuncia seu Plano <strong>de</strong> Metas para o paísno qual constavam os seus 31 objetivos <strong>de</strong> governo distribuídos em seis


84categorias principais: energia, transportes, alimentação, indústrias <strong>de</strong> base,educação e a construção da Nova Capital, sua Meta-Síntese (KUBITSCHEK,1975:92).A idéia da construção <strong>de</strong> uma nova capital para o Brasil era antiga, remontando oImpério e os “Autos da Devassa” da Inconfidência Mineira, que já revelavam apreocupação dos conjurados com a interiorização da capital <strong>de</strong> uma forma maismo<strong>de</strong>sta: planejavam a transferência do Rio <strong>de</strong> Janeiro para São João <strong>de</strong>l Rei, nointerior <strong>de</strong> Minas Gerais. Também quando da véspera da in<strong>de</strong>pendência do paísem 1821 “José Bonifácio doutrinava, nas suas ‘Instruções do Governo Provisório<strong>de</strong> São Paulo aos Deputados às Cortes <strong>de</strong> Lisboa’: parece-nos também muito útilque se levante uma cida<strong>de</strong> central no interior do Brasil para assento da Corte...”(KUBITSCHEK, 1975:18); não totalmente negligenciada, a sugestão foireforçada em 1822 pela Comissão dos Deputados Brasileiros e novamente porJosé Bonifácio em 1823 através <strong>de</strong> uma “Memória à Assembléia-GeralConstituinte e Legislativa do Império do Brasil”, on<strong>de</strong> pela primeira vez foisugerido o nome Brasília para a capital (KUBITSCHEK, 1975:18). “Apesar<strong>de</strong>sses esforços, a mudança da capital permanecera [...] ‘no plano das belasimagens’ e encarada ‘como uma utopia’ (KUBITSCHEK, 1975:19), até que aConstituição <strong>de</strong> 1891 “<strong>de</strong>terminou expressamente” a construção <strong>de</strong> uma novacapital sem <strong>de</strong>finir entretanto o local <strong>de</strong> sua implantação, que ficava “sujeita àsimposições das preferências pessoais”. Então,“no dia 12 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1892, o chefe do governo, Marechal FlorianoPeixoto [...], assim se expressou: ‘reputando <strong>de</strong> NECESSIDADEINADIÁVEL a mudança da capital da União, o governo trata <strong>de</strong>fazer seguir para o Planalto Central a Comissão que <strong>de</strong>ve proce<strong>de</strong>r à<strong>de</strong>marcação da área e fazer sobre a zona os indispensáveis estudos”(KUBITSCHEK, 1975:21).Passaram-se as décadas e as Constituições, a idéia da mudança da capital para ointerior continuava ainda sem nome e sem sair do papel, porém já com o local<strong>de</strong>finido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1922 quando havia sido lançada a pedra fundamental no PlanaltoCentral 69 . Mas a tarefa <strong>de</strong> construir a capital somente foi levada a cabo pelopróprio Juscelino, para quem viabilizar essa missão <strong>de</strong>sbravadora significava que


85“uma revolução teria <strong>de</strong> ser feita” (KUBITSCHEK, 1975:12), no sentido <strong>de</strong>possibilitar a construção da cida<strong>de</strong> no tempo exíguo do mandato presi<strong>de</strong>ncial jáem andamento. A confirmação do nome da Nova Capital foi feita por JK 70 queaceitou como sugestão Brasília – <strong>de</strong> um <strong>de</strong>putado que recordara a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong>José Bonifácio – por consi<strong>de</strong>rar “perfeitamente a<strong>de</strong>quado à <strong>de</strong>stinaçãointegracionista da nova capital” (KUBITSCHEK, 1975:44).A construção <strong>de</strong> Brasília no Planalto Central vai ser então a consagração plena eradical dos dogmas urbanísticos mo<strong>de</strong>rnos do CIAM e dos postulados <strong>de</strong> LeCorbusier no Brasil. “Retratando a imagem <strong>de</strong> um futuro imaginado e <strong>de</strong>sejado,Brasília representou a negação das condições existentes da realida<strong>de</strong> brasileira.Essa diferença utópica entre os dois é precisamente a premissa do projeto”(HOLSTON, 1993:13). Suplantando a realida<strong>de</strong> existente, esse i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> fundação<strong>de</strong> uma nova or<strong>de</strong>m é <strong>de</strong>signada por Juscelino Kubitschek, “o fundador” 71 daNova Capital, como um re<strong>de</strong>scobrimento do país, um novo começo. Para isso, ainteriorização da conquista do território brasileiro <strong>de</strong>veria ser articulada eestimulada pela mudança da capital do po<strong>de</strong>r e das <strong>de</strong>cisões, do litoral para ocentro do país:...é necessário <strong>de</strong>sviar o centro <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> do país, estabelecê-lo nocoração dos dilatados territórios do Brasil, a fim <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rcontemplar, ao alcance <strong>de</strong> todas as classes e <strong>de</strong> todas as regiões, opanorama social inteiro. Assim, os objetivos da construção da novacapital são unida<strong>de</strong>, eficiência administrativa, <strong>de</strong>scentralização,aproximação das fronteiras continentais, <strong>de</strong>senvolvimentoeconômico e social do interior... (KUBITSCHEK, 1975:17).Para JK, “Brasília não po<strong>de</strong>ria e não <strong>de</strong>veria ser uma cida<strong>de</strong> qualquer, igual ousemelhante a tantas outras que existiam no mundo”, <strong>de</strong>veria ser acima <strong>de</strong> tudo“uma metrópole com características diferentes, que ignorasse a realida<strong>de</strong>69 A pedra fundamental na realida<strong>de</strong> era uma cruz que ainda existe em lugar perto <strong>de</strong> on<strong>de</strong> hoje se localizaPlanaltina e on<strong>de</strong> foi rezada a primeira missa em 1957.70 “Quando assumi a Presidência da República, [...] a própria capital <strong>de</strong> que tanto se falava, nem ao menosnome tinha, o Marechal José Pessoa, preocupado com a situação, escolheu, por iniciativa própria umnome: “Vera Cruz” (KUBITSCHEK, 1975:30)71 A inscrição “O FUNDADOR” está sulcada em baixo-relevo no mármore preto do mausoléu que guardao corpo <strong>de</strong> Juscelino Kubitschek no Memorial JK em Brasília, e é também como o próprio presi<strong>de</strong>nte seauto<strong>de</strong>nomina constantemente em seu <strong>de</strong>poimento sobre o processo <strong>de</strong> construção da Nova Capital “Porque construí Brasília”, transformado em livro e publicado em 1975 pela Bloch Editora.


86contemporânea e se voltasse, com todos os seus elementos constitutivos, para ofuturo” (KUBITSCHEK, 1975:65). Apesar <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> JK não constar <strong>de</strong>nenhuma forma no edital para o concurso do Plano-Piloto e esse documentotampouco explicitar as intenções sobre a organização social almejada para aNova Capital, solicitando “idéias <strong>de</strong> <strong>de</strong>sign e não <strong>de</strong>talhes organizacionais”(HOLSTON, 1993:69); a proposta <strong>de</strong> Lúcio Costa sintetiza claramente o caráterfundador atribuído à construção da cida<strong>de</strong> e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um futurodiferente para o país 72 . Para o arquiteto, a configuração do Plano-Piloto emforma <strong>de</strong> cruz – estratégia básica <strong>de</strong> sua proposta – remete ao ato <strong>de</strong> tomada <strong>de</strong>posse <strong>de</strong> um território, <strong>de</strong> fundação <strong>de</strong> um novo lugar pelo sinal da cruz 7372 Para a <strong>de</strong>finição da configuração da Nova Capital foi organizado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasilo concurso nacional para o projeto do Plano-Piloto <strong>de</strong> Brasília do qual Lúcio Costa foi escolhido comovencedor. Oscar Niemeyer já era nome certo como o arquiteto dos principais edifícios da Nova Capital.JK admirava o “gênio criador” que este representava e já lhe havia confiado o projeto do complexo daLagoa da Pampulha quando prefeito <strong>de</strong> Belo Horizonte, o Conjunto JK (além <strong>de</strong> outros projetos) quandogovernador do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais e agora dava ao arquiteto o seu projeto mais ambicioso.73 Não é preciso reafirmar a filiação estreita do arquiteto com a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna e com o próprio LeCorbusier; entretanto, para James Holston, o esquematismo da proposta apresentada por Lúcio Costa,visava ocultar ou não explicitar claramente os pressupostos políticos e sociais pretendidos pelo autor(HOLSTON, 1993:81). Para isso, “ele <strong>de</strong>sistoriciza o problema, apresentando-o nos termos <strong>de</strong> um mito<strong>de</strong> fundação, feito por inspiração divina” (HOLSTON, 1993:71), não vinculando diretamente suaproposta aos i<strong>de</strong>ais da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna nem à própria época e contexto histórico a qual estavainserido. Para Holston entretanto, as superquadras habitacionais propostas por Lúcio Costa são o exemplomais contun<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> suas ambições não explicitadas no plano. “Sem mencionar que esta se originadiretamente, em sua e forma e sua função, <strong>de</strong> numerosos experimentos <strong>de</strong> moradia coletiva na história da<strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna”, essas estruturas complexas <strong>de</strong>rivam diretamente da Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Habitação <strong>de</strong> LeCorbusier (HOLSTON, 1993:82). A Unité d’Habitation era um a<strong>de</strong>nsamento programado <strong>de</strong> espaçosprivados (células habitacionais), provido por “ruas” internas e infraestruturas coletivas comunitáriaslocalizadas no pilotis e na cobertura e “unindo suas trezentas e trinta e sete moradias a uma arcadacomercial, um hotel e uma cobertura, uma pista <strong>de</strong> corridas, um pequeno lago, um jardim <strong>de</strong> infância eum ginásio <strong>de</strong> esportes... Essa total integração <strong>de</strong> serviços comunitários lembrava o mo<strong>de</strong>lo oitocentistado falanstério <strong>de</strong> Fourier não só por seu tamanho, mas também pelo seu isolamento do meio ambienteimediato. E assim como o falanstério tinha por finalida<strong>de</strong> abrigar o homem comum em um domínioprincipesco (Fourier <strong>de</strong>testava a pobreza da casa individual), a Unité era vista por seu autor como umprojeto capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver a dignida<strong>de</strong> da <strong>arquitetura</strong> à mais simples moradia individual” (FRAMPTON,1997:274). Para as Superquadras <strong>de</strong> Brasília, no setor resi<strong>de</strong>ncial dividido pelo Eixo Monumental em asasNorte e Sul, o mo<strong>de</strong>lo que Lúcio Costa <strong>de</strong>senvolveu incorpora idéias fundamentais <strong>de</strong> autonomia e <strong>de</strong>comunida<strong>de</strong> na organização das habitações. Enquanto a Unida<strong>de</strong> corbusiana consiste <strong>de</strong> um únicoedifício, as superquadras – “em um nível mais funcional do que simbólico” (HOLSTON, 1993:177) –configuram-se como um agrupamento <strong>de</strong> edifícios que compartilham <strong>de</strong> uma infraestrutura comum.Assim, os serviços básicos para cada Superquadra que são comércio, creche, educação e recreação,enfatizam o caráter coletivo esperado e nessas estruturas, assim como na Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Habitação <strong>de</strong> LeCorbusier, o espaço privado é radicalmente diminuído em relação aos espaços <strong>de</strong> convívio <strong>de</strong> carátercomum e ao espaço público. As células habitacionais fazem parte <strong>de</strong> um sistema maior, on<strong>de</strong> não é maispossível distinguir ou extrair particularida<strong>de</strong>s individuais. “Neste momento, po<strong>de</strong>mos concluir que oprojeto mo<strong>de</strong>rnista <strong>de</strong> Brasília efetua, no âmbito cívico e no das residências, um tipo singular <strong>de</strong><strong>de</strong>sfamiliarização dos valores públicos e privados. De um lado, reestrutura a vida pública da cida<strong>de</strong>


87(COSTA, 1995:284). Como as utopias por <strong>de</strong>finição são imaginadas e planejadaspara nenhum lugar ou espaço específico, o tempo ou a manipulação do tempo setorna “irresistível” também para essas proposições, po<strong>de</strong>ndo inclusive serretroagido, transformando o “mito do progresso em uma arqueologiamitológica” 74 (BORSI, 1997:14) e nesse lugar situado em um tempo imaginado,para acentuar a <strong>de</strong>sconexão completa com qualquer história passada se faznecessária uma nova linguagem cifrada (BORSI, 1994:15).Brasília é o exemplo mais completo <strong>de</strong> uma condição utópica – uma nova or<strong>de</strong>mcriada negando todas as expectativas anteriores – que teve, através da <strong>arquitetura</strong>e do urbanismo e sob a tutela dos CIAM e <strong>de</strong> Le Corbusier, a legitimação <strong>de</strong> umprocesso político <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização do país. E assim como o “mo<strong>de</strong>rnismo dosCIAM vincula em um registro utópico a inovação arquitetônica, a mudança daspercepções individuais e a transformação social”, na procura <strong>de</strong> novas formasque “con<strong>de</strong>nsem” novas experiências coletivas e através da “prescriçãotransitiva” (mu<strong>de</strong>-se a <strong>arquitetura</strong> e a socieda<strong>de</strong> será outra) (HOLSTON,1993:63), as intenções <strong>de</strong> JK coincidiam em três aspectos fundamentais com osobjetivos das inversões <strong>de</strong>senvolvimentistas inerentes à cida<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnista”(HOLSTON, 1993:90). Primeiro, Juscelino concebia a construção <strong>de</strong> Brasíliacomo a causa, não o resultado do <strong>de</strong>senvolvimento econômico do centro-oestebrasileiro; segundo, um gran<strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> integração nacional – estradas,ferrovias e comunicações – como a inversão no <strong>de</strong>senvolvimento proposta porLúcio Costa; terceiro, tanto JK quanto seus <strong>de</strong>signers acreditavam que a NovaCapital <strong>de</strong>veria constituir uma inovação sem prece<strong>de</strong>ntes no país e que a partir<strong>de</strong>sse Plano-Piloto toda a estrutura brasileira seria levada a modificar-se(HOLSTON, 1993:91). Para Juscelino, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um novo começo parao país, <strong>de</strong> se escrever o futuro no presente – premissas <strong>de</strong> toda sua retórica –através da construção <strong>de</strong> Brasília fez com que a inovação ou o estranhamentopresente na <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna fosse i<strong>de</strong>ntificada com o seu próprio projeto <strong>de</strong>mo<strong>de</strong>rnização, já que “enquanto concepção estética, o mo<strong>de</strong>rnismo simbolizavao espírito inovador dos programas <strong>de</strong>senvolvimentistas; enquanto doutrina <strong>de</strong>eliminando a rua. De outro, reestrutura o âmbito resi<strong>de</strong>ncial reduzindo os espaços sociais do apartamentoprivado em favor <strong>de</strong> um novo tipo <strong>de</strong> coletivida<strong>de</strong> resi<strong>de</strong>ncial on<strong>de</strong> o individuo é simbolicamenteminimizado.” (HOLSTON,1993:196)74 Tradução nossa. Texto original inglês.


88<strong>de</strong>senvolvimento, fazia eco a seus <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong> transformar radicalmente asocieda<strong>de</strong>...” (HOLSTON, 1993:101). Apesar disso, JK estava disposto agarantir e perpetuar a construção simbólica e mítica envolvida nos processos quegeraram a Nova Capital. Assim, o dia 21 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1959 foi <strong>de</strong>finido por seufundador para a inauguração e o dia 3 <strong>de</strong> maio 75 <strong>de</strong> 1957, escolhido como o diada primeira missa oficial no Planalto Central:Escolhi a data [...] por me parecer a mais expressiva, já querecordava a missa mandada dizer por Pedro Álvares Cabral. Aprimeira assinalara o <strong>de</strong>scobrimento da Nova Terra; e a segunda,quatrocentos anos mais tar<strong>de</strong>, lembraria a posse efetiva da totalida<strong>de</strong>do território nacional. (KUBITSCHEK,1975:76)A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> todo esforço simbólico e objetivo no sentido <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> umaestrutura social i<strong>de</strong>al através da planificação e da racionalização plena dasformas <strong>de</strong> produção, do sistema político e da vida cotidiana, Brasíliatransformou-se, antes mesmo <strong>de</strong> concluída, em mais um exemplo daimpossibilida<strong>de</strong> do abarcamento totalizante da realida<strong>de</strong> pelas proposiçõesutópicas, e da dicotomia entre este “plano” e a “realida<strong>de</strong>”. O prenúncio da<strong>de</strong>sestabilização da or<strong>de</strong>m prometida pelo Plano-Piloto <strong>de</strong> Lúcio Costa nascemesmo com a própria concretização do i<strong>de</strong>al, quando já em 1958, 25.000pessoas residiam no local on<strong>de</strong> ainda não havia sinal da Capital(KUBITSCHEK,1975:173). Enquanto que toda a infraestrutura necessária paraaten<strong>de</strong>r a esse ajuntamento populacional <strong>de</strong>veria existir na teoria somente noPlano-Piloto, surge então a Cida<strong>de</strong> Livre, nome dado ao assentamento dostrabalhadores e dos operários encarregados da construção <strong>de</strong> Brasília. Com arapi<strong>de</strong>z do processo <strong>de</strong> construção da Capital e a <strong>de</strong>manda por mais operáriosnos canteiros <strong>de</strong> obras, milhares <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> todo o país rumaram em direçãoao Planalto Central e a situação em pouco tempo estava fora <strong>de</strong> controle, com aspessoas se amontoado sem quaisquer recursos, situação que JK pô<strong>de</strong> confirmarem visita à Cida<strong>de</strong> Livre. Diante da massa humana prostrada a sua espera,respon<strong>de</strong>u à indagação por moradias para os sem-casa com a que po<strong>de</strong>ria ser a“Frase-Síntese” da utopia <strong>de</strong> Brasília: “está bem, pessoal. Que cada um faça suacasa, mas nada <strong>de</strong> invadir o Plano-Piloto” (KUBITSCHEK,1975:174).75 Data oficial da primeira missa em território brasileiro.


89Se uma das premissas fundamentais da <strong>arquitetura</strong> e do urbanismo mo<strong>de</strong>rnos eraa regeneração das cida<strong>de</strong>s industriais pela planificação e racionalização <strong>de</strong> seuespaço <strong>de</strong>bilitado, em Brasília a utopia fundadora <strong>de</strong> um futuro radicalmenteplanejado é a própria causa do surgimento <strong>de</strong> amontoados populacionais semqualquer condição <strong>de</strong> infraestrutura ou organização espacial. Sob o signo <strong>de</strong> umamo<strong>de</strong>rnização fulminante, <strong>de</strong> uma restruturação das relações sociais e <strong>de</strong> umarenovação da história do país, subjaz um paradoxo freqüente às proposições <strong>de</strong>construções i<strong>de</strong>ais, seja nos falanstérios <strong>de</strong> Fourier, seja em Le Corbusier, sejaem Brasília: a introversão dos parâmetros e relações envolvidos em <strong>de</strong>trimento<strong>de</strong> processos mais amplos e dinâmicos, que consi<strong>de</strong>rem <strong>de</strong> fato o meio ambienteimediato e as contradições envolvidas no presente. Como sistemas fechados,essas proposições utópicas primam pelo contraste efetivo e contun<strong>de</strong>nte entre onovo e o arcaico, o natural e o construído, o regenerado e o doentio. No casobrasileiro, o caráter épico adquirido com a fundação <strong>de</strong> Brasília reforça o lemapositivista estampado na ban<strong>de</strong>ira nacional – “Or<strong>de</strong>m e Progresso” – e legitima afuga da realida<strong>de</strong> vigente como estratégia, <strong>de</strong>ixando para trás todas as mazelasque o aparato <strong>de</strong> controle mo<strong>de</strong>rno não consegue agenciar. Como a construção<strong>de</strong> Belo Horizonte no final do século XIX e o abandono <strong>de</strong> Ouro Preto, Brasíliarepresentou o abandono dos compromissos e dos hábitos estabelecidos rumo auma possibilida<strong>de</strong>, um diagrama quase, <strong>de</strong> um i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> controle.Até o colapso do longo ciclo <strong>de</strong>senvolvimentista, tinha-se aexpectativa, ou a ilusão, <strong>de</strong> que a integração social estava nohorizonte brasileiro. Era para dar um basta à herança colonial nuncasuperada que <strong>de</strong>veriam convergir os esforços pelo progresso. Hojeessa fantasia se <strong>de</strong>sfez, e o <strong>de</strong>stino da maioria <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> fazer partedas priorida<strong>de</strong>s da nossa nova tentativa <strong>de</strong> aggiornamento capitalista.A impotência do país diante <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>stino frustrado tem comocontrapartida a propagação <strong>de</strong> um cinismo sem prece<strong>de</strong>ntes por parteda intelectualida<strong>de</strong> governamental. [...] A "utopia do possível" 76 setornou um eufemismo para o embotamento mental que assistimos.[...] Quando a festa acabar, o Brasil estará reduzido a um conjunto <strong>de</strong>ilhas plugadas à dinâmica internacional, ro<strong>de</strong>adas por imensosbolsões on<strong>de</strong> hoje já queimam como carvão os preteridos peloprogresso. (SILVA, 2000: ?)76 De autoria do cientista político Albert Hirschman, “Utopia do Possível” foi a expressão escolhida em1997 pelo presi<strong>de</strong>nte da república Fernando Henrique Cardoso para caracterizar o período <strong>de</strong> seu governo(1994-2002).


90...................................................................................15..Île <strong>de</strong> laCité..................................................................................Em 1925, Le Corbusier propunha oferecer os “prazeres essenciais” do ver<strong>de</strong> e daluz solar aos moradores <strong>de</strong> Paris. Nos arredores <strong>de</strong> Ile <strong>de</strong> la Cité, o arquitetoplanejava implantar o seu Plan Voisin, com a ajuda econômica do empresárioGabriel Voisin, dono do cartel automobilístico/aeroviário <strong>de</strong> mesmo nome, e quejá havia patrocinado em 1920 as casas protótipos pré-fabricadas. Dada a ênfasedas propostas do arquiteto no <strong>de</strong>scongestionamento da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> traçadomedieval pela sua completa <strong>de</strong>struição e o aniquilamento da tradicional “ruacorredor”, várias indústrias automobilísticas e até mesmo fabricantes <strong>de</strong> pneuscomo a Michelin foram procuradas por Le Corbusier, que oferecia apossibilida<strong>de</strong> das empresas – uma vez garantidas as divisas necessárias earticulado o processo <strong>de</strong> implementação frente ao Ministério da Construçãofrancês – emprestarem seus nomes a essa gran<strong>de</strong> realização urbanística 77 (LECORBUSIER, 2000:262). Assim, o plano reestruturaria toda uma área da cida<strong>de</strong>e ainda possibilitaria a instauração <strong>de</strong> um novo centro, conectado ao resto <strong>de</strong>Paris por rápidas vias expressas. Tendo <strong>de</strong>struído a cida<strong>de</strong> arcaica, o automóvelse tornara agora a chave do novo começo i<strong>de</strong>alizado “<strong>de</strong> acordo com o aforismoempresarial <strong>de</strong> Le Corbusier, uma cida<strong>de</strong> feita para a velocida<strong>de</strong> é uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sucesso” (FRAMPTON, 1997:186).O Plan Voisin era a materialização das Cida<strong>de</strong>s-Torres <strong>de</strong> Auguste Perret, mastambém um emblema da or<strong>de</strong>m econômica a que ele se <strong>de</strong>stinava, assim comoum símbolo inconteste das possibilida<strong>de</strong>s da “Era da Máquina”. A partir <strong>de</strong> “doisnovos elementos essenciais: uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> negócios e uma cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>77 “Como o automóvel abalou as bases seculares do urbanismo, havia eu concebido o projeto <strong>de</strong> interessaros fabricantes <strong>de</strong> automóvel na construção do Pavilhão do Espírito Novo na Exposição Internacional dasArtes Decorativas, uma vez que esse pavilhão <strong>de</strong>via ser <strong>de</strong>dicado à habitação e ao urbanismo. Havia-meencontrado com os dirigentes das Fábricas Peugeot, Citroën e Voisin e lhes dissera: ‘O automóvel matoua gran<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>, o automóvel <strong>de</strong>ve salvar a gran<strong>de</strong> cida<strong>de</strong>. Os senhores querem doar a Paris um ‘PlanoPeugeot, Citroën, Voisin <strong>de</strong> Paris? Um plano não tendo outro objetivo senão o <strong>de</strong> fixar a atenção dopúblico sobre o verda<strong>de</strong>iro problema <strong>arquitetura</strong>l da época, problema que não é <strong>de</strong> arte <strong>de</strong>corativa, e sim<strong>de</strong> <strong>arquitetura</strong> e <strong>de</strong> urbanismo: a constituição sadia da moradia e a criação <strong>de</strong> órgãos humanos queatendam as condições <strong>de</strong> vida tão profundamente modificadas pelo maquinismo?’ A firma Peugeot receouarriscar seu nome em nosso barco <strong>de</strong> comportamento tão temerário. O Sr. Citroën, com muita gentileza,respon<strong>de</strong>u-me que não compreendia nada da minha pergunta e que não entendia que relação o automóvelpo<strong>de</strong>ria ter com o problema do centro <strong>de</strong> Paris. O Sr. Mongermom, administrador representante do‘Aéroplanes G. Voisin (Automóvel)’ aceitou sem hesitar o patrocínio dos estudos do centro <strong>de</strong> Paris e oplano daí resultante se chama portanto o Plano ‘Voisin’ <strong>de</strong> Paris” (LE CORBUSIER, 2000:261).


91residência” (LE CORBUSIER, 2000:261), o arranha-céu, elemento básico daproposição para Paris, foi incorporado por Le Corbusier como “o tipo” maisapropriado às <strong>de</strong>mandas da civilização mo<strong>de</strong>rna baseada nos negócios e navelocida<strong>de</strong>: “as cifras são espantosas e sem pieda<strong>de</strong>, magníficas: conce<strong>de</strong>ndo acada indivíduo 10m_, um arranha-céu <strong>de</strong> 200m <strong>de</strong> largura abrigaria 40.000pessoas” (LE CORBUSIER, 1997:34). Assim, “malgrado a gran<strong>de</strong> superfíciedos parques, a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> normal das cida<strong>de</strong>s é aumentada <strong>de</strong> 5 a 10 vezes” (LECORBUSIER, 1997:34). Uma vez que, cada edifício com sessenta pavimentosfosse implantado distante do vizinho entre 250 a 300 metros, somente 5% daárea disponível seria ocupada, com os 95% restantes <strong>de</strong>stinados às áreas livresver<strong>de</strong>s, às garagens e estacionamentos e às circulações dos automóveis.Em 1920, quando começou a <strong>de</strong>senvolver o conceito enunciado, mas não<strong>de</strong>senhado por Perret, Le Corbusier acreditava que tais construções <strong>de</strong>veriam ser<strong>de</strong>stinadas apenas aos negócios (escritórios) – que se localizados nos novoscentros <strong>de</strong>scongestionariam a cida<strong>de</strong> antiga – uma vez que as famílias não seadaptariam à rotina dos <strong>de</strong>morados, porém necessários elevadores (LECORBUSIER, 1997:34). Entretanto, em 1925 o arquiteto vai adaptar sua versãooriginal <strong>de</strong>stinada aos negócios ao “negócio” da construção da habitação emgran<strong>de</strong> escala, que seria a ênfase do primeiro encontro dos CIAM em 1928. Paraisso, os imensos edifícios em planta cruciforme – “radiadores <strong>de</strong> luz” (LECORBUSIER, 1964:206) – cobertos em toda a sua superfície em vidro, tiveramsua configuração interna modificada para acomodar o máximo <strong>de</strong> apartamentoscom menos recursos possíveis. Assim, esses edifícios seriam para Le Corbusiercomo “gran<strong>de</strong>s hotéis <strong>de</strong> viajantes” (LE CORBUSIER, 2000:269).Mas “’on<strong>de</strong> [...] arrumar o dinheiro?’ (<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1922, pergunta estereótipo)” (LECORBUSIER, 2000:275). Le Corbusier explica em seu livro <strong>de</strong> 1929,“Urbanismo” (LE CORBUSIER, 2000:277), que enquanto preparava apublicação, havia <strong>de</strong>cidido confiar a um economista o capítulo “Cifras”,encarregando-o <strong>de</strong> ratificar as suas conclusões enquanto arquiteto:Queria pedir isto ao economista: [...] Calcule o valor imobiliário dasproprieda<strong>de</strong>s atingidas por meu projeto. Calcule as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong><strong>de</strong>molição, as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> construção e <strong>de</strong> urbanização <strong>de</strong> novos


92bairros, o novo valor <strong>de</strong>sses bairros construídos, tire a diferença,estabeleça o lucro da operação. (LE CORBUSIER, 2000:269).Para o arquiteto, a <strong>de</strong>molição <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> Paris e sua reconstrução“po<strong>de</strong>ria parecer uma brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> mau gosto”, não fossem as “cifras” paraconfirmar que tal operação “brutal” se justifica a tempos, uma vez que os centrosdas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s apresentam o valor imobiliário mais importante no contextourbano e que até mesmo as operações <strong>de</strong> Haussmann 78 são medidas pelo seuvalor financeiro. Por que então não realizar uma revalorização <strong>de</strong>ssa área pelaquantida<strong>de</strong> e não pela qualida<strong>de</strong> como fez o Barão? Assim, além <strong>de</strong> uma imensarevalorização do solo <strong>de</strong> Paris, e um “plano magnífico <strong>de</strong> urbanização“implementado, “que fábrica <strong>de</strong> capitais, que produção <strong>de</strong> bilhões e bilhões, setorna uma manobra <strong>de</strong>ssa...” (LE CORBUSIER, 2000:278). Entretanto, sublinhaLe Corbusier, “fiz realmente questão <strong>de</strong> não sair do terreno técnico. Souarquiteto...” (LE CORBUSIER, 2000:282), e “não parto para construir minhacida<strong>de</strong> na Utopia.” Então, afirma o arquiteto: “é aqui, e nada mudará isso. E se oafirmo categoricamente, é porque sinto presentes os limites humanos: não temoso po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> recomeçar, à vonta<strong>de</strong>, um empreendimento total, em outro lugar...Logo, será aqui.” (LE CORBUSIER, 2000:281) Entretanto, o Plan Voisin <strong>de</strong> LeCorbusier para Paris nunca saiu do papel. Ile <strong>de</strong> la Cité continuou como umbairro tradicional <strong>de</strong> uma cida<strong>de</strong> européia apesar das pressões e reivindicaçõesdo arquiteto: “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1922 eu tenho trabalhado continuamente [...] sobre osproblemas <strong>de</strong> Paris. O Conselho Municipal nunca me contactou. Eles mechamam <strong>de</strong> ‘Bárbaro!’” 79 (LE CORBUSIER, 1964:207).Para Manfredo Tafuri (1985:68), o Plan Voisin marca um momento crucial nahistória do movimento mo<strong>de</strong>rno, on<strong>de</strong> vanguarda se tornou um termoinapropriado, uma vez que a i<strong>de</strong>ologia arquitetônica, que guardava resquíciosdas “poéticas” utópicas (“trata-se, agora, <strong>de</strong> uma utopia funcional aos objetivos<strong>de</strong> reorganização da produção que preten<strong>de</strong> alcançar”), é subvertidacompletamente em i<strong>de</strong>ologia do plano global do capitalismo industrial, pelo78 Haussmann, ou Barão <strong>de</strong> Haussmann foi prefeito <strong>de</strong> Paris durante o Segundo Império governado porNapoleão III, <strong>de</strong> 1851 a 1870. Durante esse período, Haussmann empreen<strong>de</strong>u importantes transformaçõesna estrutura da cida<strong>de</strong>, com abertura <strong>de</strong> novas ruas e avenidas, <strong>de</strong>molições, implementação <strong>de</strong> esgoto,re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> transportes públicos, iluminação pública a gás, aquedutos, etc. (BENEVOLO, 1993:595).79 Tradução nossa. Texto original francês.


93objetivo do lucro. “Como projeto <strong>de</strong> recuperação da totalida<strong>de</strong> humana numasíntese i<strong>de</strong>al” e “como posse da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m através da or<strong>de</strong>m”, resta à <strong>arquitetura</strong>a utopia da forma, e é a <strong>arquitetura</strong> mesma, “enquanto diretamente ligada àrealida<strong>de</strong> produtiva [...], a primeira a aceitar, com rigorosa luci<strong>de</strong>z, asconseqüências da [sua] própria redução anterior a mercadoria...“ (TAFURI,1985:38).A explicitação <strong>de</strong>finitiva e radical da <strong>arquitetura</strong> como mercadoria – bem como<strong>de</strong> toda a cultura como produtos passíveis <strong>de</strong> serem consumidos enquantoimagens (e imagens passíveis <strong>de</strong> serem consumidas enquanto produtos) – vai sedar em um processo caracterizado fundamentalmente pelo fetichismo do<strong>consumo</strong>, e do mercado global como a i<strong>de</strong>ologia atuante, que Fredric Jameson(1995:XVIII) chamou <strong>de</strong> “capitalismo <strong>de</strong> imagens” (media capitalism) ou“capitalismo tardio” (late capitalism), ou somente pós-mo<strong>de</strong>rnismo. ParaJameson (1995:63), nesse contexto “espetacular” do capital, a diferençafundamental entre a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna e a <strong>arquitetura</strong> produzida no pósmo<strong>de</strong>rnismovai ser “a procura por se diferenciar radicalmente do tecido dacida<strong>de</strong> doentia a qual ela aparece” 80 que <strong>de</strong>termina as estratégias mo<strong>de</strong>rnas, nasquais qualquer intervenção “<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ato radical <strong>de</strong> disjunção do seucontexto espacial” 81 , enquanto que as construções espaciais do capitalismo tardio“pelo contrário, celebram sua inserção no tecido heterogêneo das áreascomerciais e motéis e na paisagem dos fast-foods das super-vias-expressas dascida<strong>de</strong>s americanas” 82 Assim, a <strong>arquitetura</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna não somente vai seaproximar da cultura <strong>de</strong> massa, da publicida<strong>de</strong> e do sistema do mercado global,como seus procedimentos vão estar completamente inseridos e <strong>de</strong>terminados poressa lógica, uma vez que essa <strong>arquitetura</strong> já foi reduzida à sua própria imagemcomo uma mercadoria.Se o mo<strong>de</strong>rnismo tinha em seus procedimentos a “função utópica”prepon<strong>de</strong>rante <strong>de</strong> ser uma “experiência autêntica”, contra-sobrepondo a culturamédia estabelecida, o pós-mo<strong>de</strong>rno renuncia a ser o novo, ao ato“intencionalmente heróico” da vanguarda para se imiscuir constitutivamente nos80 Tradução nossa. Texto original inglês.81 Tradução nossa. Texto original inglês.


94negócios e no fluxo financeiro internacional, substituindo a “estratégia dochoque” por um “populismo” corporativo monumental. Nesse processo <strong>de</strong>renúncia ao novo pela reivindicação <strong>de</strong> uma “originalida<strong>de</strong> histórica do pósmo<strong>de</strong>rnismoem geral e da <strong>arquitetura</strong> pós-mo<strong>de</strong>rna em particular” 83 , aconcepção do “neo” surge estrategicamente para sustentar a rapi<strong>de</strong>z com que seesgotam os estilos impulsionados pelo <strong>consumo</strong> (JAMESON, 1995:104).“Apren<strong>de</strong>r com a paisagem existente é a maneira <strong>de</strong> ser um arquitetorevolucionário” 84 , escreveu Robert Venturi (2000:22) em seu livro “Apren<strong>de</strong>ndocom Las Vegas: o simbolismo esquecido da forma arquitetônica” (Learning fromLas Vegas: the forgotten symbolism of architectural form) cuja primeira edição<strong>de</strong> 1978 se tornou uma das referências do pós-mo<strong>de</strong>rnismo. “E não <strong>de</strong> modoóbvio, como arrasar Paris para começar <strong>de</strong> novo como propunha Le Corbusiernos anos vinte, senão <strong>de</strong> um modo mais tolerante: colocando em questão nossamaneira <strong>de</strong> olhar as coisas” 85 . Assim, o pós-mo<strong>de</strong>rnismo, ao renunciarexplicitamente ao “maior mito mo<strong>de</strong>rno” <strong>de</strong> produzir “uma Utopia espacialradicalmente capaz <strong>de</strong> transformar a realida<strong>de</strong>” (JAMESON, 1995:104),transfere essa tarefa utópica (instaurar o novo) para o próprio sistema econômicoou o mercado global, ao ponto <strong>de</strong>ste transformar-se na própria forma da Utopiacontemporânea 86 (JAMESON, 1995:278).Esse processo que teve início na década <strong>de</strong> 1950, sendo impulsionadoprincipalmente pelo incentivo ao <strong>consumo</strong> <strong>de</strong> novos produtos e novastecnologias no pós-guerra (JAMESON, 1995:XX), vai dar origem àquilo queHenri Lefebvre (1972:72) em seu livro <strong>de</strong> 1968 “A vida cotidiana no mundomo<strong>de</strong>rno” 87 vai chamar <strong>de</strong> “socieda<strong>de</strong> burocrática <strong>de</strong> <strong>consumo</strong> dirigido”88 . Para82 Tradução nossa. Texto original inglês.83 Tradução nossa. Texto original inglês.84 Tradução nossa. Texto original espanhol.85 Tradução nossa. Texto original espanhol.86 Como recentemente foi o socialismo. “Nestas circunstâncias, <strong>de</strong> nada serve substituir uma estruturainstitucional inerte (planejamento burocrático) por outra estrutura institucional inerte (o próprio mercado).[...] A priorida<strong>de</strong> dada às <strong>de</strong>mandas sociais – conhecidas na literatura socialista como planejamento –<strong>de</strong>vem fazer parte <strong>de</strong> um projeto coletivo. Deve ficar bem claro, portanto, que virtualmente por <strong>de</strong>finiçãoo mercado não po<strong>de</strong> ser um projeto” (JAMESON 1995:278). Tradução nossa. Texto original inglês.87 Tradução nossa. Texto original espanhol.88 Agnes Heller (1972) chamou <strong>de</strong> “socieda<strong>de</strong> consumista manipulada”, sendo popularizado por JeanBaudrillard como “socieda<strong>de</strong> do <strong>consumo</strong>” (1974).


95Lefebvre 89 (1972:74), a característica fundamental da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>consumo</strong>dirigido é o papel <strong>de</strong>sempenhado pela publicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do sistema capitalista,convertendo-se no agente central e na “única mediação entre produtor econsumidor, entre técnica e prática, entre vida social e po<strong>de</strong>r político” 90 ,precisamente on<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ologia da produção e o sentido da ativida<strong>de</strong> criadora setransformaram em i<strong>de</strong>ologia do <strong>consumo</strong>. Daí a importância fundamental que apublicida<strong>de</strong> vai <strong>de</strong>sempenhar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa lógica: “a publicida<strong>de</strong> não sóproporciona uma i<strong>de</strong>ologia do <strong>consumo</strong>, uma representação do ‘eu’ consumidorque se realiza enquanto tal, que converte em ato e coinci<strong>de</strong> com sua imagem (ouseu i<strong>de</strong>al)”, mas “se fundamenta, mesmo, na existência imaginária das coisas” 91(LEFEBVRE 1972:115) e portanto, “assume uma parte das tarefas antigas dasi<strong>de</strong>ologias: encobrir, dissimular, transpor o real; concretamente as relações <strong>de</strong>produção” 92 (LEFEBVRE 1972:124). Torna ao mesmo tempo fictícios o <strong>de</strong>sejo eo prazer, situa-os no imaginário, “é ela quem traz a felicida<strong>de</strong>, a satisfação aoestado <strong>de</strong> consumidor” 93 (LEFEBVRE, 1972:133).Entretanto, no estágio mais avançado do movimento do capital globalizadocontemporâneo em que a publicida<strong>de</strong> vai sendo gradativamente substituída pelaestratégia agressiva do branding corporativo das empresas, a idéia <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>antes propagada através da publicida<strong>de</strong> vai ser proporcionada pelas“experiências significantes” <strong>de</strong> um <strong>consumo</strong> “ontológico”. E se o mercadoonipresente é a gran<strong>de</strong> utopia contemporânea, as marcas são como apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diferentes experiências <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>al, são como ilhasimaginadas que po<strong>de</strong>m ser visitadas e compartilhadas coletiva e globalmente.Nesse processo on<strong>de</strong> o <strong>consumo</strong> é a forma <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>comunitária, a <strong>arquitetura</strong> imobiliária habitacional se torna um setor estratégico àrealização <strong>de</strong>ssa lógica “espetacular”: é para on<strong>de</strong> convergem a ilha i<strong>de</strong>alizada ea felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r viver nessa ilha <strong>de</strong> tranqüilida<strong>de</strong>.89 Lefebvre (1972:115) compartilha com Debord (1997:28) a tese <strong>de</strong> que esse modo irreversível <strong>de</strong>organização do capital se suporta na sua própria abundância, tanto do <strong>consumo</strong> quanto da produção, não<strong>de</strong> objetos propriamente e sim da produção da representação e da representação do <strong>consumo</strong>, ou seja, “oespetáculo”, condição na qual “o capital em tal grau <strong>de</strong> acumulação [...] se torna imagem” 89 (DEBORD,1997:25).90 Tradução nossa. Texto original espanhol.91 Tradução nossa. Texto original espanhol.92 Tradução nossa. Texto original espanhol.93 Tradução nossa. Texto original espanhol.


96O futuro pertence a ‘arquipélagos <strong>de</strong> ilhas situadas ao longo <strong>de</strong> eixos<strong>de</strong> comunicação’. As áreas resi<strong>de</strong>nciais verda<strong>de</strong>iramenteextraterritoriais, isoladas e cercadas, equipadas com intrincadossistemas <strong>de</strong> intercomunicação, ubíquas câmeras <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o paravigilância e guardas fortemente armados em rondas 24 horas pordia... [...] esses enclaves fortemente guardados [...] foram livrementeescolhidos como um privilégio pelo qual <strong>de</strong>ve-se pagar um altopreço. (BAUMAN, 2001:206)Se “para a <strong>arquitetura</strong> [mo<strong>de</strong>rna], a utopia é a utopia da forma” (VELLOSO,2001:34), para a <strong>arquitetura</strong> imobiliária contemporânea a construção <strong>de</strong>sse i<strong>de</strong>alcomunitário tem como princípio aquilo que Terry Eagleton chamou <strong>de</strong> “ilusão daforma” ou a essência radical da “forma-mercadoria”: “o sem-forma, omonstruoso” (EAGLETON, 1993:158). Assim, através da “autonomização” 94 <strong>de</strong>fragmentos da socieda<strong>de</strong> pelo “sem-forma”, em um processo potente <strong>de</strong>exacerbação radical da própria coerência extrema entre a realida<strong>de</strong> “espetacular”vigente e a “forma-mercadoria” atuante, a <strong>arquitetura</strong> permite a possibilida<strong>de</strong> daconstrução da utopia através da potencialização e da reprogramação <strong>de</strong> suasfunções primárias <strong>de</strong> isolamento, divisão, amortecimento, simulação,hierarquização, controle e or<strong>de</strong>m, em ficções <strong>de</strong>terminadas pela abundância epela busca da felicida<strong>de</strong> através <strong>de</strong> “experiências corporativas”.Essas comunida<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ais corporativas vão ser materializadas potencializando“um sentido <strong>de</strong> alguma busca <strong>de</strong> um mundo <strong>de</strong> fantasia, da ‘viagem’ ilusória quenos tire da realida<strong>de</strong> corrente e nos leve à imaginação pura” (HARVEY,1989:95). Assim, <strong>de</strong>ntro da condição própria do mercado onipresentecontemporâneo, a realida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al se faz necessária como o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> realida<strong>de</strong> enesse sentido, a Utopia po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser construída aqui como a própria ilhaimaginada <strong>de</strong> Morus, inclusive em “estilo renascentista”, porém a partir dosprocedimentos do Plan Voisin, segundo os princípios “passionais” da HarmoniaUniversal, e através da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> mítica proporcionada por Brasília. Logo, éaqui: Île <strong>de</strong> la Cité.94 Para Fredric Jameson (2001:158), “autonomização” ou o processo <strong>de</strong> tornar in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes ou autosuficientesos elementos ou fragmentos que antes eram parte <strong>de</strong> um todo na socieda<strong>de</strong>, continua bempresente na pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.


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99sentido <strong>de</strong> um futuro que vai ser diferente do passado e do presente” 95(HEYNEN, 1999:10).São as experiências cotidianas transformadas por esse processo, no início doséculo XX, que vão provocar nos movimentos artísticos e culturais uma atitu<strong>de</strong>radical <strong>de</strong> resposta a essa situação, induzindo-os a agir como vanguardas, “comoum explorador num campo <strong>de</strong>sconhecido, que se expõe aos riscos <strong>de</strong> encontros echoques súbitos, que conquista um futuro ainda não explorado, que precisaorientar-se” 96 (HABERMAS, 1994:102). Nesse sentido, a própria idéia <strong>de</strong> umamo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> estética nasce imediatamente vinculada à possibilida<strong>de</strong> imane <strong>de</strong>uma nova experiência e a uma aceleração da história. Sobretudo a ânsia <strong>de</strong>“valorização do transitório, do fugaz, do efêmero, na celebração do dinamismo”(HABERMAS, 1994:102), é o que vai <strong>de</strong>signar as ações e estratégias dasvanguardas nas artes plásticas, na <strong>arquitetura</strong>, na literatura, no cinema e em todasas esferas da cultura. Assim, os próprios caminhos do <strong>de</strong>senvolvimento dacondição da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> estética são <strong>de</strong>terminados pela busca incessante por“encontrar uma direção num território ainda não <strong>de</strong>marcado” em “um futuroainda in<strong>de</strong>terminado” estética e culturalmente (HABERMAS, 1994:102).A mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, então, constitui o elemento que media um processo<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento socioeconômico entendido como mo<strong>de</strong>rnizaçãoe as respostas subjetivas a esta na forma dos movimentos e discursosmo<strong>de</strong>rnistas. Em outras palavras, mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é um fenômeno compelo menos dois diferentes aspectos: um aspecto objetivo [...] e umconectado com as experiências pessoais, ativida<strong>de</strong>s artísticas, oureflexões teóricas. 97 (HEYNEN, 1999:10)Nesse sentido, a discussão da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> é inseparável das relações entre acivilização capitalista e a cultura mo<strong>de</strong>rnista e no caso da <strong>arquitetura</strong>, “amo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> estética não pô<strong>de</strong> evitar o encontro relacionado com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>95 Tradução nossa. Texto original inglês.96 Para Jürgen Habermas (1994:100), “quem fizer, como Adorno, a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> iniciar por volta <strong>de</strong> 1850vai observa-la com os olhos <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire e da arte <strong>de</strong> vanguarda”, já que “com Bau<strong>de</strong>laire e sua teoriada arte influenciada por E. A. Poe [Edgar Allan Poe], o caráter da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> assume contornos maisnítidos.97 Tradução nossa. Texto original inglês.


100do capitalismo”, justamente porque a <strong>arquitetura</strong> “opera em ambas esferas: éinquestionavelmente uma ativida<strong>de</strong> cultural, mas somente po<strong>de</strong> se realizar <strong>de</strong>ntrodo mundo do dinheiro e do po<strong>de</strong>r” 98 (HEYNEN, 1999:11). É nesse contexto queum embate crucial ao <strong>de</strong>senvolvimento da própria mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> vai ser travado.As contradições e as impossibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atuação da <strong>arquitetura</strong> como mediadoraprivilegiada entre uma nova forma para os objetos e a própria organização da suaprodução mesma <strong>de</strong>ntro do sistema das relações do capitalismo industrialmo<strong>de</strong>rno serão explicitadas. Nesse embate, as vanguardas, imbuídasi<strong>de</strong>ologicamente da função <strong>de</strong> tornar autêntica através da “estratégia do choque”a instrumentalização radical do cotidiano engendrada pelo “universo daprecisão” tecnológica (TAFURI, 1985:35), vão <strong>de</strong>clarar como inimigofundamental as operações <strong>de</strong> amortecimento kitsch 99 , que dissimulam a frieza dafuncionalida<strong>de</strong> pura dos instrumentos. Assim, o fenômeno do nascimento dasvanguardas artísticas é historicamente ligado a uma reação imediata ao kitsch, e“ambos, vanguardas e kitsch po<strong>de</strong>m ser vistos como reações à experiência dafissura que é típica da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>” 100 (HEYNEN, 1999:26). “Contra ospseudo-valores do kitsch, as vanguardas propõem os i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> pureza eautenticida<strong>de</strong>” (HEYNEN, 1999:27) necessários à legitimação da nova forma:“as leis da produção passam assim a fazer parte <strong>de</strong> um novo universo [...]apresentadas explicitamente como ‘naturais’” (TAFURI, 1985:62).Segundo Abraham Moles, “o kitsch é o produto <strong>de</strong> um dos êxitos maisuniversalmente incontestes da civilização [...]: a criação <strong>de</strong> uma arte <strong>de</strong> viver aomesmo tempo tão refinada, tão flexível e <strong>de</strong>talhada, que foi capaz <strong>de</strong> conquistaro planeta...” (MOLES, 2001:223). O kitsch, argumentam as vanguardas, “éprazeroso; foca-se em um divertimento fácil; é mecânico, acadêmico e clichê” 101e por isso seu procedimento “lustra os efeitos das rupturas características da vidamo<strong>de</strong>rna.” 102 Para as vanguardas, o kitsch “mantém a ilusão da totalida<strong>de</strong> pela98 Tradução nossa. Texto original inglês.99 “A palavra kitsch, no sentido mo<strong>de</strong>rno, aparece em Munique, por volta <strong>de</strong> 1860, palavra bem conhecidado alemão do sul: kitschen, quer dizer atravancar, e em particular, fazer móveis novos com velhos, é umaexpressão bem conhecida; verkitschen, quer dizer trapacear, receptar, ven<strong>de</strong>r alguma coisa em lugar doque havia sido combinado. Nesse sentido, existe um pensamento ético pejorativo, uma negação doautêntico.” (MOLES, 2001:10)100 Tradução nossa. Texto original inglês.101 Tradução nossa. Texto original inglês.102 Tradução nossa. Texto original inglês.


101qual os indivíduos po<strong>de</strong>m sem dor esquecer seus conflitos internos” 103(HEYNEN, 1999:27) e portanto este <strong>de</strong>ve ser banido.O verniz artístico-<strong>de</strong>corativo do kitsch <strong>de</strong>spertou a ira <strong>de</strong> vários artistas,arquitetos e críticos <strong>de</strong> arte mo<strong>de</strong>rnos nas primeiras décadas do século XX,propiciando que uma expressiva quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestos fosse proferida nointuito <strong>de</strong> seu combate. Um dos textos mais importantes produzidos nessesentido, intitulado “Vanguarda e Kitsch”, foi escrito por Clement Greenberg(1909-1994) em 1939. Greenberg exerceu um papel fundamental nos<strong>de</strong>sdobramentos das artes plásticas mo<strong>de</strong>rnas como principal mentor da correntecrítica da arte que ficou conhecida como formalista 104 , e graças à sua maneirarestritiva <strong>de</strong> conduzir a crítica dizendo o que os artistas <strong>de</strong>veriam ou não fazer 105 ,acabou se tornando um dos responsáveis diretos pelo <strong>de</strong>senvolvimento dominimalismo e da arte pop nos Estados Unidos nos anos 60 (para o seu próprio<strong>de</strong>sgosto). Greenberg <strong>de</strong>cididamente não aceitava as posturas <strong>de</strong> taismanifestações artísticas, principalmente a arte pop, que “incorpora –ironicamente ou não – os modos mais correntes <strong>de</strong> produção e difusão <strong>de</strong>imagens, <strong>de</strong>ixando claro que não haveria a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma experiênciaautêntica...”, aproximando-se excessivamente das aparências do cotidiano. Essesprocedimentos enterrariam <strong>de</strong>finitivamente o próprio estatuto da arte comocampo autônomo <strong>de</strong> atuação sustentado pela originalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus atuantes eacabariam resvalando assim “no que para Greenberg seria o pior dos riscos: okitsch” (NAVES, 1996:13).Como retaguarda estética no contexto da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>: o kitsch, “um produto darevolução industrial que urbanizou as massas da Europa oci<strong>de</strong>ntal e da Américae estabeleceu o que se chama <strong>de</strong> alfabetização universal”. Antes, “o único103 Tradução nossa. Texto original inglês.104 “Profundamente historicista, o método <strong>de</strong> Greenberg concebe o campo da arte ao mesmo tempo comoeterno e em constante modificação. Para Greenberg, “a arte mo<strong>de</strong>rna evolui a partir do passado semrupturas nem brechas, e cada vez que chega à alguma conclusão, esta nunca <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser inteligível emtermos <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> da arte”. È essa <strong>de</strong>claração do estatuto ontológico da arte, <strong>de</strong> sua ininterrupta eintrincada continuida<strong>de</strong>, que levou diretamente Greenberg “a negar que o interesse da crítica residia nométodo e não no conteúdo dos juízos. A arte, como realida<strong>de</strong> universal, suscita o juízo, outra capacida<strong>de</strong>universal da consciência; o juízo por sua parte, completa a arte. Dado que não há como separar o juízo <strong>de</strong>seu conteúdo valorativo, Greenberg diria que em última instância a crítica tem que ver sobre tudo comvaloração e quase nada com o método” (KRAUSS, 1985:15). Tradução nossa. Texto original espanhol.


102mercado para cultura formal, enquanto distinta da cultura popular, estava entreaqueles que, além <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ler e escrever, podiam dispor do lazer e do confortoque sempre acompanham qualquer gênero <strong>de</strong> cultura” (GREENBERG, 1996:28).Assim, se os camponeses “apren<strong>de</strong>ram a ler e escrever em nome da eficiência”,no entanto não conseguiram conquistar o tempo livre e a comodida<strong>de</strong>necessários para a apreciação da cultura tradicional da cida<strong>de</strong>. “Per<strong>de</strong>ndo,entretanto, seu gosto pela cultura popular [...] e <strong>de</strong>scobrindo, ao mesmo tempo,uma nova capacida<strong>de</strong> para o tédio”. Assim, as novas aglomerações urbanaspassaram a “exercer pressão sobre a socieda<strong>de</strong> para que lhes proporcionasse umtipo <strong>de</strong> cultura compatível com seu próprio <strong>consumo</strong>”. Para aten<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>mandas<strong>de</strong>ssa nova classe <strong>de</strong> consumidores culturais foi criada a cultura ersatz, o kitsch,<strong>de</strong>stinado a aplacar “os famintos pela diversida<strong>de</strong> [...], aqueles insensíveis pelosvalores da cultura genuína” (GREENBERG, 1996:28).O kitsch, usando como matéria-prima os simulacros <strong>de</strong>gradados eaca<strong>de</strong>micizados da cultura genuína, acolhe e cultiva estainsensibilida<strong>de</strong>, que é a fonte <strong>de</strong> seus lucros. O kitsch é mecânico eopera por fórmulas. O kitsch é a experiência vicária e sensaçõesfalsas. O kitsch muda <strong>de</strong> acordo com o estilo, mas permanece sempreo mesmo. O kitsch é o epítome <strong>de</strong> tudo aquilo que é espúrio na vida<strong>de</strong> nosso tempo. O kitsch finge não exigir nada <strong>de</strong> seus clientes a nãoser o dinheiro – nem mesmo seu tempo. (GREENBERG,1996:29)No entanto, “se a vanguarda imita os processos da arte 106 , o kitsch [...] imita seusefeitos” (GREENBERG, 1996:33) e “a niti<strong>de</strong>z <strong>de</strong>ssa antítese é mais do quemeramente inventada; ela correspon<strong>de</strong> a e <strong>de</strong>fine o intervalo enorme que separadois fenômenos culturais tão simultâneos quanto a vanguarda e o kitsch”.Intervalo, segundo o crítico, “muito gran<strong>de</strong> para ser preenchido por todas asínfimas gradações do ‘mo<strong>de</strong>rnismo’ popularizado e do kitsch ‘mo<strong>de</strong>rnista’” eque, no entanto, correspon<strong>de</strong> a um espaço social que sempre existiu, on<strong>de</strong> a“cultura formal sempre pertenceu aos primeiros [minoria po<strong>de</strong>rosa], enquanto os105 O que se chamou <strong>de</strong> “estética preventiva”.106 “O fato <strong>de</strong> a cultura <strong>de</strong> vanguarda é imitação do ato <strong>de</strong> imitar – o fato em si – não pe<strong>de</strong> nem aprovaçãonem reprovação. [...] A especialização da vanguarda nela mesma, o fato <strong>de</strong> que seus melhores artistas sãoartistas <strong>de</strong> artistas, seus melhores poetas, poetas <strong>de</strong> poetas, afastou uma gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> daqueles queanteriormente eram capazes <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfrutar e apreciar a arte e a literatura ambiciosas, mas que agora não<strong>de</strong>sejam ou são incapazes <strong>de</strong> adquirir uma iniciação nos segredos <strong>de</strong> seu ofício” (GREENBERG,1996:26).


103últimos [gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> incultos] tiveram <strong>de</strong> se contentar com a cultura popularou rudimentar, ou o kitsch” (GREENBERG, 1996:34).....um objeto kitsch não po<strong>de</strong> ser conscientemente produzido. Suaestratégia no entanto, não é a <strong>de</strong> reapropriação, mas <strong>de</strong> precipitação(em termos quase-químicos) do ‘veneno’ <strong>de</strong> fora da própriaexistência da arte. 107 (BOIS, 1997:119)Para Yve-Alain Bois (1997:117), o texto <strong>de</strong> Greenberg apresenta <strong>de</strong> forma clarao ponto crítico sobre o qual a cultura do mo<strong>de</strong>rnismo está assentada: a oposiçãoentre uma cultura ersatz – a não necessária ligação entre <strong>de</strong>terminado material eum objeto produzido com este, sendo ambos completamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes 108 –universalmente propagada como uma mercadoria e a resistência das vanguardasa esse processo.Mas não foi somente Clement Greenberg que se baseou na oposição direta entrea vanguarda e o kitsch para elaboração <strong>de</strong> seu discurso crítico. Theodor Adorno,em seu livro “Teoria Estética”, <strong>de</strong>senvolve o mesmo paradigma polarizado entreo mo<strong>de</strong>rnismo “heróico” das vanguardas históricas e a cultura ersatz docapitalismo industrial quando, sob a <strong>de</strong>nominação daquilo que chamou <strong>de</strong>“Indústria Cultural”, o kitsch é preferido como seu principal alvo. Para Adorno,é inútil preten<strong>de</strong>r traçar abstratamente as fronteiras entre a ficçãoestética e apilhagem sentimental do kitsch. o kitsch está misturadoem toda arte como veneno: separar-se <strong>de</strong>le constitui uma dastentativas mais <strong>de</strong>sesperadas. (ADORNO, 1970:268).................................................................................. 18. Leite <strong>de</strong>Cal...................................................................................Na <strong>arquitetura</strong>, o repúdio ao kitsch pelas vanguardas históricas se <strong>de</strong>uprincipalmente com o enfoque à negação e à <strong>de</strong>struição do ornamento naprodução do objeto arquitetônico <strong>de</strong>rivada dos postulados funcionalistas nasprimeiras décadas do século XX. Adolf Loos (1870-1933), a principal figura emViena no fim do século XIX foi, <strong>de</strong>ntre os arquitetos, talvez o que tenha tratadoda questão do ornamento com mais violência. Dedicando muitos textos à questão107 Tradução nossa. Texto original inglês.


104da proliferação <strong>de</strong> objetos e da mentalida<strong>de</strong> kitsch, publicados em diferentesjornais e revistas pela Europa <strong>de</strong>ntre elas a Der Sturm 109 e L’Esprit Nouveau <strong>de</strong>Le Corbusier, Loos e seus manifestos causaram gran<strong>de</strong> impacto na cultura domo<strong>de</strong>rnismo.“Atento às diversas manobras ornamentais na <strong>arquitetura</strong> e no mobiliário, novestuário e seus acessórios, nos utensílios e nos carros <strong>de</strong> luxo, assim como nalinguagem, nos hábitos <strong>de</strong> higiene e nas regras <strong>de</strong> poli<strong>de</strong>z”, Loos procurouincansavelmente “alertar seus contemporâneos para os focos <strong>de</strong> ornamentaçãonum mundo cuja mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> [...] <strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> expulsá-los” (PAIM, 2000:61).Em seu mais polêmico texto, “Ornamento e crime” (Ornament und Verbrechen)<strong>de</strong> 1908 – <strong>de</strong>cisivo para <strong>de</strong>finição dos caminhos da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna – Loosao fazer uso <strong>de</strong> argumentos <strong>de</strong> natureza sexual e antropológica, associando aornamentação às patologias e <strong>de</strong>svios <strong>de</strong> comportamento, adotara comoestratégia não apenas atacar a ornamentação, mas <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nar o próprio impulsoque a tornava possível. Para o arquiteto, os ornamentos eram relativamenteaceitáveis quando utilizados pelos povos primitivos ou pelas crianças, entretantotornavam-se intoleráveis e <strong>de</strong>sviantes quando utilizados por membrosparticipantes da cultura civilizada. Segundo Loos, o uso e o gosto pelosornamentos eram manifestações <strong>de</strong>terminantes <strong>de</strong> indivíduos incapacitados eequivocados, os quais estavam con<strong>de</strong>nados a viver como marginais e seestabelecer como elementos nocivos à própria civilização: “por conseguinte,elaborei a seguinte máxima e a proclamo ao mundo: a evolução da culturamarcha lado a lado com a eliminação do ornamento dos objetos úteis” (LOOS,apud BANHAM, 1991:143).108 Para Abraham Moles (2001:56), “não há qualquer razão plausível, segundo o sistema kitsch (o quetambém é válido para toda cultura tecnológica contemporânea) que justifique o respeito ao materialoriginal ao objeto quando se po<strong>de</strong> alterá-lo.”109 Der Sturm (A Tempesta<strong>de</strong>) era o nome <strong>de</strong> uma revista e também <strong>de</strong> uma galeria <strong>de</strong> arte em Berlim nosprimeiros anos do século XX. Ambos eram proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Hewarth Wal<strong>de</strong>n, um rico “Avant-gardisteconsciencioso, que fez <strong>de</strong> sua revista (fundada em 1910) e <strong>de</strong> sua galeria (que funcionou até 1924) umacarteira <strong>de</strong> compensação <strong>de</strong> idéias em escala internacional”, e que foi um dos gran<strong>de</strong>s incentivadores doExpressionismo Alemão (BANHAM, 1991:135)


105Quando reeditado por L’Esprit Nouveau 110 em 1920, “Ornamento e crime”cumpriu “dupla função: sustentou a exigência <strong>de</strong> Le Corbusier quanto a umareforma da <strong>arquitetura</strong> e o abandono dos estilos <strong>de</strong> catálogo” e também apoiou acampanha perturbadora Dadaísta <strong>de</strong> <strong>de</strong>smistificação da obra <strong>de</strong> arte autêntica(BANHAM, 1991:137).O processo radical e irreversível <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição da “aura” da arte sustentada naautenticida<strong>de</strong> da própria obra já havia iniciado em 1917 quando MarcelDuchamp apresentou o seu “Fontaine” na “Society for In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt Artists” <strong>de</strong>Nova York, que tinha como inspiração o “Salon <strong>de</strong> Indépen<strong>de</strong>nts <strong>de</strong> Paris” eon<strong>de</strong> qualquer um “que pagasse seis dólares podia apresentar dois trabalhos”(CAVALCANTI, 2000:18). A “Fonte” que Duchamp apresentou, provocando osresponsáveis pela escolha dos trabalhos, era um mictório <strong>de</strong> porcelana comumproduzido em série, porém assinado em sua base “R. Mutt” (o nome da empresaque fabricava peças sanitárias). Entretanto, a recepção foi negativa e o trabalhosuprimido da mostra.A “Fonte” é uma das primeiras obras a questionar <strong>de</strong>liberada eirreversivelmente o seu próprio “status” como arte, além <strong>de</strong>questionar o contexto das exposições, os critérios e expectativas dopúblico que tinham tradicionalmente conferido esse “status”.(CAVALCANTI, 2000:18)Com a provocação <strong>de</strong> Duchamp a arte, ou o procedimento do artista, reduziu-sea um único ato <strong>de</strong>cisivo: a escolha. A escolha faz o ready-ma<strong>de</strong>. “Com o readyma<strong>de</strong>,o ato criativo foi reduzido a um nível espantosamente rudimentar [...],intelectual e largamente aleatório <strong>de</strong> chamar “arte” a este ou aquele objeto”(CAVALCANTI, 2000:19). Assim, Duchamp transforma o plano e o significadodo ato da escolha – que passam a ter precedência sobre a forma – no puro atoestético. “Uma pedra é igual a outra pedra e um saca-rolhas é igual a outro sacarolhas.A semelhança entre as pedras é natural e involuntária; entre os objetosmanufaturados é artificial e <strong>de</strong>liberada”. Para Octavio Paz, “a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dosaca-rolhas é uma conseqüência <strong>de</strong> seu significado: são objetos produzidos parase extrair rolhas, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre as pedras carece, em si mesma, <strong>de</strong>


106significado” (PAZ, 2002:26). Os ready-ma<strong>de</strong> são objetos anônimos que o gestogratuito do artista, pelo único fato <strong>de</strong> escolhê-los, converte em obra <strong>de</strong> arte. “Aomesmo tempo esse gesto dissolve a noção <strong>de</strong> obra” (PAZ, 2002:23). Os readyma<strong>de</strong>“não são antiarte [...], mas a-Rtísticos” (PAZ, 2002:27). Com os readyma<strong>de</strong>stransforma-se em algo <strong>de</strong> valor objetos a que não se atribuem valoralgum, “escolher uma pedra entre mil equivale a dar-lhe nome, o nometransporta a pedra qualquer para o “mundo dos nomes; ou seja: à esfera dossignificados” (PAZ, 2002:27). No entanto, ao assinar o mictório, um objeto <strong>de</strong>significado prévio e utilitário, Duchamp “quis dizer que aquele objeto não tinhavalor artístico em si, mas assumia-o a partir <strong>de</strong> um juízo formulado por umsujeito” (CAVALCANTI, 2000:19).Entretanto a própria noção <strong>de</strong> ready-ma<strong>de</strong> havia sido introduzida no universo daarte por Picasso e Braque, a partir <strong>de</strong> 1912, “e codificados como instrumentos <strong>de</strong>comunicação por Duchamp” 111 . Os ready-ma<strong>de</strong>s “sancionam a auto-suficiênciada realida<strong>de</strong> e o repúdio <strong>de</strong>finitivo <strong>de</strong> qualquer representação, por parte <strong>de</strong>ssamesma realida<strong>de</strong>” (TAFURI, 1985:63). Com os ready-ma<strong>de</strong>s, Duchamp iria setornar uma das figuras importantes do movimento dadaísta, para o qual a obra <strong>de</strong>arte <strong>de</strong>ve ser substituída pelo puro ato estético. Foram as experiências dosDadaístas os primeiros movimentos <strong>de</strong> transformação dos objetos a partir daestratégia <strong>de</strong> voltar contra eles próprios os procedimentos que os geraram, “queenfatizaram pela via do absurdo a noção <strong>de</strong> funcionalida<strong>de</strong> e daantifuncionalida<strong>de</strong>, no momento em que a dissociação da função e do objeto levaao extremo esta ina<strong>de</strong>quação [...] consi<strong>de</strong>rada um traço kitsch” (MOLES,2001:64).Essa ina<strong>de</strong>quação caracteristicamente kitsch, provocada <strong>de</strong>liberadamente pelosprocedimentos dadaístas <strong>de</strong> não-coincidência entre objeto e função, na<strong>arquitetura</strong> manifesta-se por meio da aplicação <strong>de</strong> enfeites e ornamentosproduzidos industrialmente em série, explicitando a própria contradição entre osistema produtivo, seus meios e seus verda<strong>de</strong>iros objetivos. Esse fenômeno vai110 Também foram publicados em L’Esprit nouveau em seus cinco anos <strong>de</strong> existência artigos <strong>de</strong> AndréSalmon, Theo van Doesberg, Louis Aragon, Jean Cocteau, além <strong>de</strong> alguns manifestos do De Stijl.


107ser radicalmente combatido por uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> purificação e exortação dosupérfluo e <strong>de</strong> tudo que impregnava a <strong>arquitetura</strong> <strong>de</strong> futilida<strong>de</strong>s e a<strong>de</strong>reços e <strong>de</strong>proposição <strong>de</strong> uma nova forma para esses objetos que fosse coerente com ai<strong>de</strong>ologia da “Era da Máquina”. Essa postura estabelecida como estratégia geralpara a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna vai levar Le Corbusier, quando da sua participação naFeira Internacional <strong>de</strong> Artes Decorativas em 1925, a apresentar sob o título <strong>de</strong>“A arte <strong>de</strong>corativa” (L’Art décoratif d’aujourd’hui), escritos que tinham comoalvo o ornamento e a <strong>de</strong>coração na <strong>arquitetura</strong> e nos objetos utilitários.Sempre reforçando o papel da máquina e do progresso industrial no<strong>de</strong>senvolvimento do mundo mo<strong>de</strong>rno, Le Corbusier construiu o pavilhão francês,batizado também <strong>de</strong> L’Esprit nouveau, sintetizando em um edifício os i<strong>de</strong>aisfuncionais e estéticos do Purismo 112 . “Mesmo sendo ostensivamente contrário àsartes <strong>de</strong>corativas – num gigantesco evento que <strong>de</strong>veria exaltá-las – o pavilhão <strong>de</strong>Le Corbusier” correspon<strong>de</strong>u <strong>de</strong> modo “absolutamente idiossincrático àexpectativa <strong>de</strong> elegância da comissão <strong>de</strong> organizadores”, que contou com aparticipação do próprio arquiteto 113 (PAIM, 2000:101).“Se a questão da arte <strong>de</strong>corativa este ano parece, nos gritos da multidão, dasgirândolas dos fogos <strong>de</strong> artifícios, nos palácios <strong>de</strong> gesso dourado, ocupar um111 Para Greenberg, para quem a arte continua valer principalmente como força visual e como campoautêntico e puro, as intervenções <strong>de</strong>liberadamente contraditórias dos Dadaístas e <strong>de</strong> Marcel Duchamppouco lhe interessaram.112 Em 1918, logo após o final da Primeira Guerra, Le Corbusier, ainda conhecido como Jeanneret(Charles Edouard), e Amé<strong>de</strong>é Ozenfant, expuseram seus trabalhos em pintura em uma galeria <strong>de</strong> Paris.Quando adolescente, Edouard havia sonhado em se tornar um pintor, com o encontro <strong>de</strong> Ozenfant, e sobforte influência do Cubismo e <strong>de</strong> figuras como Picasso, Braque, Delaunays, Duchamp, Metzinger, JuanGris, Fernand Léger, a exposição surge como a oportunida<strong>de</strong> não só <strong>de</strong> realizar sua ambição, comotambém uma forma <strong>de</strong> se enveredar através da arte contra o bizarro e os aspectos <strong>de</strong>corativos da arte,inclusive do próprio Cubismo. No catálogo da exposição, os dois se autoproclamaram como “Puristas”.Em um esforço conjunto <strong>de</strong> superar o Cubismo em favor da lógica, da clarida<strong>de</strong>, da simplicida<strong>de</strong> e daor<strong>de</strong>m, os Puristas consi<strong>de</strong>ravam que nem a figura humana e nem mesmo a paisagem eram relevantespara a arte pictórica, <strong>de</strong>sejando representar objetos do cotidiano dos quais as características mais gerais<strong>de</strong>veriam ser extraídas (garrafas, copos, etc.). A obsessão com os objetos típicos produzidos em massapela indústria, seria mais tar<strong>de</strong> transferida por Le Corbusier para a <strong>arquitetura</strong> e urbanismo pelaproposição dos standards, dos pilotis e dos arranha-céus, como conseqüência lógica da “Era daMáquina”.113 “Os vários pavilhões nacionais eram ecléticos no estilo, e esta foi uma exposição que a ‘Art Déco’ –uma síntese chique <strong>de</strong> fontes exóticas, ornamentos policromáticos e consumismo – teve gran<strong>de</strong> impactosobre o público. Havia duas alternativas a essa cena luxuriante, o pavilhão soviético <strong>de</strong> KonstantinMelnikov, [...]; e o pavilhão <strong>de</strong> L’Esprit nouveau <strong>de</strong>senhado por Le Corbusier” (CURTIS, 1986:64)


108espaço consi<strong>de</strong>rável no seio <strong>de</strong> nossas preocupações”, escreveu Le Corbusier(1996:188) em “A arte <strong>de</strong>corativa”, “é porque 1925 é excepcionalmente a‘Maratona’ internacional das artes domésticas. Uma tensão manifesta em todosos países alimenta a ilusão <strong>de</strong> um esforço fecundo e revigora as energias”. ParaLe Corbusier, “saltimbancos convencidos [...] inundaram <strong>de</strong> conversas‘<strong>de</strong>corativas’ e lá estamos nós, prontos para assistir à gran<strong>de</strong> representaçãointernacional da <strong>de</strong>coração”. Enquanto admite a arte <strong>de</strong>corativa como um“gran<strong>de</strong> fato social”, ocupação sentimental – naquele primeiro quarto <strong>de</strong> século –das multidões que ornamentam seus espaços e seus objetos “para tornar a vidamenos vazia”, o próprio Le Corbusier se surpreen<strong>de</strong> com o sucesso do evento e ointeresse das pessoas pela “ornamentação supérflua”, em um “momentohistórico” por que passava a <strong>arquitetura</strong>. Assim, para Le Corbusier “a apoteosedas artes <strong>de</strong>corativas no ano <strong>de</strong> 1925 marca pois um paradoxo” com o <strong>de</strong>spertarda <strong>arquitetura</strong> da “Era da Máquina” (LE CORBUSIER, 1996:188) e proclama:Há e surgirão ainda conseqüências da crise que separa umasocieda<strong>de</strong> pré-maquinista <strong>de</strong> uma nova socieda<strong>de</strong> maquinista.A cultura <strong>de</strong>u um passo e a <strong>de</strong>coração hierárquica caiu.Os dourados se apagam e o pardieiro não tardará a ser suprimido.Parece mesmo que trabalhamos para o estabelecimento <strong>de</strong> umasimples e econômica escala humana. (LE CORBUSIER,1996:39)Contra o “<strong>de</strong>sperdício” da <strong>de</strong>coração <strong>de</strong>spropositada nos objetos e edifícios que<strong>de</strong>veriam mesmo exprimir a realida<strong>de</strong> industrial que os produziu, Le Corbusierafirma a importância <strong>de</strong> “buscar a escala humana, a função humana, [...] <strong>de</strong>finiras necessida<strong>de</strong>s humanas” (LE CORBUSIER, 1996:72). Uma vez que essas “sãopouco numerosas” e são “muito idênticas entre os homens”, as <strong>de</strong>mandas dohomem mo<strong>de</strong>rno classificam-se em “padrões, isso quer dizer que todos nóstemos as mesmas necessida<strong>de</strong>s. Temos todos necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> completar nossascapacida<strong>de</strong>s naturais com elementos <strong>de</strong> reforço, pois a natureza é indiferente,inumana...” (LE CORBUSIER, 1996:72). Assim, as “cópias <strong>de</strong> cartas suprem asausências <strong>de</strong> nossa memória; os armários, os aparadores são os estojos on<strong>de</strong>guardamos nossos membros auxiliares <strong>de</strong> garantia contra o frio ou calor, contrafome ou se<strong>de</strong>” bem como a casa, “célula primordial”; todas essas <strong>de</strong>finições “<strong>de</strong>aspecto paradoxal levam-nos muito longe da Arte <strong>de</strong>corativa” (LE


109CORBUSIER, 1996:72). Para o arquiteto, todas essas <strong>de</strong>finições revelam aurgência da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fixar padrões para a produção dos objetos utilitários(incluída a <strong>arquitetura</strong>), uma vez que as <strong>de</strong>mandas do ser humano po<strong>de</strong>riamfinalmente ser atendidas em massa pela revolução da máquina.A arte <strong>de</strong>corativa é um termo vago e inexato com o qual serepresenta o conjunto dos objetos membros humanos. Estes aten<strong>de</strong>mcom certa exatidão a necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m claramente objetiva.Prolongamentos <strong>de</strong> nossos membros, são adaptados às funçõeshumanas que são funções-padrões. Necessida<strong>de</strong>s padrões, funçõespadrõeslogo, objetos-padrões, móveis-padrões. O objeto-membrohumano é um servidor dócil. Um bom servidor é discreto e se retraipara <strong>de</strong>ixar seu patrão livre.A bem dizer, a arte <strong>de</strong>corativa é uma ferramenta, uma belaferramenta. (LE CORBUSIER, 1996:79)Se “a arte <strong>de</strong>corativa mo<strong>de</strong>rna não tem <strong>de</strong>coração”, por que chamar <strong>de</strong> “arte<strong>de</strong>corativa ca<strong>de</strong>iras, garrafas, cestos, calçados, todos esses objetos úteis,ferramentas? Paradoxo <strong>de</strong> fazer arte <strong>de</strong>corativa com ferramentas” argumenta LeCorbusier (LE CORBUSIER, 1996:84). “O paradoxo está, portanto, naterminologia”. Para Le Corbusier – bem como para Loos – a presença da<strong>de</strong>coração nos objetos cotidianos, nas ferramentas, era intolerável e sem sentido,pois “a arte nos é necessária”, não a <strong>de</strong>coração: “miscelânea <strong>de</strong> cores,divertimento agradável ao selvagem”. Se as necessida<strong>de</strong>s utilitárias requeremverda<strong>de</strong>iros “objetos-membros” fabricados <strong>de</strong> acordo com a precisão e aperfeição dos processos industriais, são esses “objetos perfeitamente úteis, <strong>de</strong>cuja elegância <strong>de</strong> concepção, pureza <strong>de</strong> execução e eficácia <strong>de</strong> serviços emanaum verda<strong>de</strong>iro luxo” que “<strong>de</strong>leita nosso espírito” (LE CORBUSIER, 1996:81).Partindo da eliminação dos ornamentos e da <strong>de</strong>coração dos objetos cotidianos edos utensílios, Le Corbusier exortava a “hora da <strong>arquitetura</strong>” servir aos homenscomo serviam já os objetos-membros industriais, e para isso esta <strong>de</strong>veria<strong>de</strong>finitivamente se converter na verda<strong>de</strong>ira “máquina-<strong>de</strong>-morar”, caracterizadapelo conforto mecânico e a eficiência tecnológica que a produção em série po<strong>de</strong>proporcionar. Para Le Corbusier, no cotidiano do homem mo<strong>de</strong>rno somente sejustificaria a utilização dos ornamentos e do excesso da <strong>de</strong>coração em edifícios<strong>de</strong>stinados a oferecer e abrigar divertimentos fugazes, os dancings e os salõesdos restaurantes, lugares que são reservas da frivolida<strong>de</strong> explícita do <strong>consumo</strong>


110mo<strong>de</strong>rno, contraposta à austerida<strong>de</strong> dos lugares <strong>de</strong> trabalho, das fábricas e dasimplicida<strong>de</strong> funcional das habitações.Para as habitações no entanto, Le Corbusier reservara no combate “à exaltaçãoda caixa <strong>de</strong> chapéu com flores estampadas” um ato eminentemente “moral”:“Amar a pureza!” (LE CORBUSIER, 1996:190). Nesse sentido, o arquitetosugere então a imposição <strong>de</strong> duas leis fundamentais a serem obe<strong>de</strong>cidas portodos os cidadãos: “a Lei da Tinta Esmalte” e o “Leite <strong>de</strong> Cal”. Como propostoem “A arte <strong>de</strong>corativa”, “cada cidadão é obrigado a substituir seus revestimentos<strong>de</strong> pare<strong>de</strong>, seus damascos, seus papéis <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>, suas pinturas <strong>de</strong>corativas, poruma <strong>de</strong>mão <strong>de</strong> tinta esmalte branca”. Assim, “a pessoa torna limpa a sua casa: jánão há em nenhum lugar canto sujo, nem canto escuro: tudo se mostra como é”(LE CORBUSIER, 1996:191). Por outro lado, “o leite <strong>de</strong> cal” extraído daspedras calcinadas, trituradas e diluídas em água, “está vinculado à moradia <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o nascimento da humanida<strong>de</strong>”. A casa totalmente branca pelo efeito da aplicaçãoda cal é uma casa moral para Le Corbusier, pois “o branco <strong>de</strong> cal é absoluto, [...]tudo nele se <strong>de</strong>staca, escreve-se absolutamente, preto no branco; é franco e leal”(LE CORBUSIER, 1996:193). “Lei da Tinta Esmalte, Leite <strong>de</strong> Cal: supressão doequívoco” (LE CORBUSIER, 1996:193).O maquinismo abriu a era dos semi<strong>de</strong>uses. Tudo ainda está por fazer.Nossos corações confiantes e nossos olhos entusiastas dirigem-seunanimemente para esse porvir que anda <strong>de</strong>pressa e nos arrasta.Realmente, não po<strong>de</strong>mos mais ser passivos, adicionando na coluna“Passivo” contemplações retrospectivas, confissões inertes,<strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> amor estéreis para sempre. Tampouco po<strong>de</strong>mos, nósque somos homens viris numa ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar heróico das forçasdo espírito, numa época que soa um pouco como o sino trágico dodórico, escarrapachar-nos nos pufes e nos divãs entre orquí<strong>de</strong>as,entre perfumes <strong>de</strong> harém, e fazer animais <strong>de</strong> <strong>de</strong>coração, espécies <strong>de</strong>colibris com smokings impecáveis alfinetados pelo corpete, comoborboletas <strong>de</strong> coleção, em ramagens <strong>de</strong> ouro, <strong>de</strong> laca, <strong>de</strong> lamês, doslambris e dos papéis <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>. (LE CORBUSIER, 1996:194).................................................................................. 19.Abstração.......................................................................................


111A obsessão <strong>de</strong> Le Corbusier com a pureza das formas utilitárias e o sentimentomoral atribuído à relação absoluta entre a função padrão <strong>de</strong>terminada e suaforma mais competente, para Adorno (1967:107) “equivale à crítica daquilo queper<strong>de</strong>u o seu sentido funcional e simbólico e que resta como algo venenoso, algoorgânico em putrefação”, como o próprio kitsch. “Toda a arte nova opõe-se aisso: ao caráter fictício do romantismo <strong>de</strong>pravado, ao ornamento que apenasevoca a si mesmo embaraçosa e impotentemente”, mas para Adorno a fúria<strong>de</strong>stinada tanto por Adolf Loos quanto pelo próprio Le Corbusier à <strong>de</strong>struição doornamento, precisa ser revista, pois “a questão do funcionalismo não coinci<strong>de</strong>com a questão da função prática. As artes utilitárias e não utilitárias não formama oposição radical” que tais arquitetos supunham. “A diferença entre onecessário e o supérfluo inere aos construtos e não se resume à sua referência aalgo que lhes é exterior ou à ausência <strong>de</strong>ssa referência” (ADORNO, 1967:107).A separação radical entre o utilitário e o esteticamente autônomo, característicafundamental do funcionalismo no início do século XX, via a preocupaçãoestética subordinada diretamente à pureza das relações entre os usuários e osobjetos, uma vez que “a ‘artificação’ anti-artística das coisas práticas foi tãorepugnante quanto a orientação da arte não utilitária por uma práxis que acabariasubmetendo-a ao domínio universal do lucro”. Nesse sentido, “não existefuncionalida<strong>de</strong> quimicamente pura como o contrário <strong>de</strong> estético” (ADORNO,1967:107).A batalha <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ada pelo funcionalismo por Loos e Le Corbusier, por uma<strong>arquitetura</strong> capaz <strong>de</strong> tamanha pureza que a levaria hipoteticamente ao campo daautonomia completa do objeto se torna inócua: “essa não consegue livrar-secompletamente <strong>de</strong> incidências ornamentais porque, segundo os critérios domundo prático, sua própria existência seria ornamental” (ADORNO, 1967:107).Nesse sentido, uma <strong>arquitetura</strong> só po<strong>de</strong> ser legítima se o ornamento, entendidocomo falsa necessida<strong>de</strong>, for submetido à questão funcional. “Funcional, aqui eagora seria apenas o que é a socieda<strong>de</strong> presente, mas a essa são essenciais asirracionalida<strong>de</strong>s” e tal irracionalida<strong>de</strong> “cunha todos os fins e com isso também aracionalida<strong>de</strong> dos meios que <strong>de</strong>vem alcançá-los”. Assim, “a onipresente


112publicida<strong>de</strong>, funcional para o lucro, zomba <strong>de</strong> qualquer funcionalida<strong>de</strong> segundoa medida <strong>de</strong> um material”. Para Adorno, “se ela fosse funcional, sem excessoornamental, já não cumpriria sua função enquanto publicida<strong>de</strong>” (ADORNO,1967:109). Além disso, para Adorno:Dado que a <strong>arquitetura</strong> não é apenas autônoma, mas também atada afunções, ela não po<strong>de</strong> simplesmente negar os homens tais como são;embora, enquanto autônoma, <strong>de</strong>va fazê-lo. Se ela passasse por cimados homens tais quais, acomodar-se-ia a uma antropologia ou talvezaté uma ontologia questionáveis; não foi por mero acaso que LeCorbusier inventou protótipos humanos. Os homens vivos, ainda osmais retrógrados e convencionalmente acanhados, têm direito àsatisfação <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s, mesmo quando são necessida<strong>de</strong>sfalsas. Quando a idéia da necessida<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira e objetiva leva aignorar a necessida<strong>de</strong> subjetiva, ela se transforma em opressão brutal[...]. Até mesmo na falsa necessida<strong>de</strong> dos seres humanos sobreviveum pouco <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, um pouco daquilo que a teoria econômicachamou <strong>de</strong> valor <strong>de</strong> uso, contraposto ao abstrato valor <strong>de</strong> troca. Paraas pessoas vivas e reais a <strong>arquitetura</strong> legítima representanecessariamente um inimigo, pois ela os priva daquilo que, tais comosão, querem e até precisam. (ADORNO, 1967:121)Por essa ânsia que é típica dos procedimentos bélicos das vanguardas <strong>de</strong> tornaros objetos mo<strong>de</strong>rnos formas legítimas do processo <strong>de</strong> produção massificada einstrumental que as produz, é que as próprias vanguardas vão se submeter às“irracionalida<strong>de</strong>s” <strong>de</strong>sse mesmo sistema que visa o lucro, sendo por fim<strong>de</strong>finitivamente subvertidas pela i<strong>de</strong>ologia do <strong>consumo</strong>. Com esse processoirreverssívelmente instaurado a partir <strong>de</strong> 1929, vai restar às vanguardasarquitetônicas a i<strong>de</strong>alização <strong>de</strong> uma forma absoluta porém vazia <strong>de</strong> qualquercapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformação do processo na qual estava inserida e pela qual eraproduzida. Para Wilhelm Worringer (1953:31), o “afã <strong>de</strong> abstração” 114 mo<strong>de</strong>rnoé um modo <strong>de</strong> “retirar o objeto do mundo exterior, do seu nexo natural” fazendoo“necessário e imutável, aproximá-lo <strong>de</strong> seu valor absoluto” 115 . Para Adorno(1967:113), “nessa concepção, um estado <strong>de</strong> coisas sem ornamentos e utopiaseriam a mesma coisa: um presente redimido concretizado, sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>símbolo algum” e toda a verda<strong>de</strong> da “objetivida<strong>de</strong>” operante nas duas primeirasdécadas do século XX se sustenta nessa utopia. Ou seja, o ato “intencionalmenteheróico” das vanguardas, a “Lei do Leite <strong>de</strong> Cal”, são uma tentativa <strong>de</strong> tornar114 Tradução nossa. Texto original espanhol.115 Tradução nossa. Texto original espanhol.


113autênticas as formas e o cotidiano transformado pela tecnologia, retirando-os da<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m estabelecida e restaurando sua própria função a partir do paradigma da“recuperação da totalida<strong>de</strong> humana numa síntese i<strong>de</strong>al, como posse da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>matravés da or<strong>de</strong>m” (TAFURI, 1985:38).A utopia da forma, rendição da utopia social à “irracionalida<strong>de</strong>” que visa o lucro,fracassa também enquanto uso, uma vez que mesmo quando lhes falta qualquercaráter expressivo, relegando aos objetos uma abstração esquemática apartadados objetos <strong>de</strong> uso (ADORNO, 1967:111), esses objetos “prestam tributo àexpressão através do esforço <strong>de</strong> evitá-la” (ADORNO, 1967:111). Na busca poruma “funcionalida<strong>de</strong> impiedosamente funcional” – <strong>de</strong> uma <strong>arquitetura</strong> autônomapela forma absoluta - as vanguardas fracassaram “no próprio uso, que por certoestá muito mais imediatamente ligado ao princípio do prazer do que osconstrutos responsáveis apenas pela sua própria lei formal...“ (ADORNO,1967:112). Nesse sentido, os “objetos <strong>de</strong> uso envelhecidos transformam-seinteiramente em expressão, em imagens coletivas <strong>de</strong> uma época. Dificilmente háalguma forma prática que, ao lado da sua a<strong>de</strong>quação ao uso, não seja também umsímbolo”. A forma mo<strong>de</strong>rna, síntese da violenta campanha <strong>de</strong> erradicação doornamento, torna-se ela própria o ornamento. A estratégia do choque, apossibilida<strong>de</strong> do autêntico, a ruptura com a insensibilida<strong>de</strong> do cotidianoempenhada pelas vanguardas, são absorvidos pela lógica antes combatida.Para a função do lucro, a estratégia das vanguardas insere a i<strong>de</strong>ologia do<strong>consumo</strong> em suas próprias operações através da “fetichização do objetoartístico” (TAFURI 1985:63), a forma pura se manifesta pois, como a “metáforaevi<strong>de</strong>nte do objeto-mercadoria” (TAFURI 1985:59), ou uma das váriaspossibilida<strong>de</strong>s falsas do kitsch.Segundo Fredric Jameson (2001:151), “as abstrações reais – efeitos do dinheiroe da concentração nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s do capitalismo industrial do século XIX”que resultaram entre outras coisas, no surgimento das vanguardas, se tinha antesanunciado e provocado um novo interesse nas proprieda<strong>de</strong>s dos objetos, agoranesse novo estágio (século XX) a equivalência monetária tem como resultado“uma mudança das velhas noções <strong>de</strong> substâncias estáveis e suas i<strong>de</strong>ntificaçõesunitárias”. Portanto, “se o dinheiro nivelou suas diferenças intrínsecas como


114coisas individuais, po<strong>de</strong>-se agora comprar [...] suas várias qualida<strong>de</strong>s oucaracterísticas perceptuais, <strong>de</strong> aqui por diante semi-autônomas”. Nesse processo,“tanto a cor como a forma se liberam <strong>de</strong> seus antigos veículos e passam a<strong>de</strong>sfrutar <strong>de</strong> uma existência in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte como campos <strong>de</strong> percepção e comomatérias-primas...” (JAMESON, 2001:161). Este é então um “primeiro estágio,mas apenas um primeiro, no <strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong> uma abstração que se tornai<strong>de</strong>ntificada com o mo<strong>de</strong>rnismo estético (JAMESON, 2001:161).Hoje, postula Jameson (2001:152), a pós-mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, articula a“sintomatologia” <strong>de</strong> ainda outro estágio da abstração, qualitativa eestruturalmente distinto do anterior. Assim, contexto do capitalismo atual, aabstração gerada pela tecnologia cibernética – movimentação financeira rápida evirtual - opera uma transformação nos mecanismos <strong>de</strong> produção e <strong>consumo</strong> dosobjetos sem prece<strong>de</strong>ntes, pois a própria experiência corporal e tátil, bem como amaterialida<strong>de</strong> das substâncias estão ameaçadas, seja pelo alto grau <strong>de</strong> abstraçãodas operações e transações eletrônicas dos cartões magnéticos, dos mercadosfuturos, etc., quanto da imersão das formas <strong>de</strong> comunicação e sociabilização noambiente virtual.Do mesmo modo que, na esfera da cultura, as formas da abstraçãoque pareciam, no período mo<strong>de</strong>rno, feias, dissonantes, escandalosas,in<strong>de</strong>centes ou repugnantes também se transformaram nas formasdominantes do <strong>consumo</strong> cultural (no sentido mais amplo, do anúncioà estilização das mercadorias, da <strong>de</strong>coração visual à produçãoartística) e não chocam mais ninguém; ao contrário, todo nossosistema <strong>de</strong> produção e <strong>consumo</strong> <strong>de</strong> mercadorias está baseado, hoje,nessas velhas formas mo<strong>de</strong>rnistas, que antes eram anti-sociais. Domesmo modo, as noções <strong>de</strong> abstração não parecem apropriadas aocontexto pós-mo<strong>de</strong>rno; e, no entanto [...], nada é mais abstratoquanto o capitalismo financeiro, que escora e alimenta a pósmo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>.(JAMESON, 2001:158)Hoje uma das formas mais privilegiadas da especulação é a imobiliária e a doespaço urbano pela transformação dos terrenos e do próprio espaço das cida<strong>de</strong>sem algo extremamente abstrato, “a transformação do pano <strong>de</strong> fundo ou ocontexto da troca <strong>de</strong> mercadorias em uma mercadoria” (JAMESON, 2001:163).Nesse sentido, a globalização das trocas e dos fluxos <strong>de</strong> capitais “é antes umaespécie <strong>de</strong> ciberespaço no qual o capital dinheiro alcançou sua <strong>de</strong>smaterializaçãomáxima” (JAMESON, 2001:164). Nesse contexto o significado “emblemático”da <strong>arquitetura</strong> hoje está nos interesses que esta divi<strong>de</strong> com a economia não


115parecendo absurdo afirmar que “a especulação imobiliária e o novo aumento na<strong>de</strong>manda na construção civil abrem um espaço no qual um novo estiloarquitetônico po<strong>de</strong> surgir...”.............................................................................. 20. Função x Ficção ......................................Se <strong>de</strong>ntro da lógica do capital globalizado, a <strong>arquitetura</strong> é o único dispositivocapaz <strong>de</strong> conectar a abstração financeira à esfera cultural com total eficiência, oúnico estilo capaz <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r ao mesmo tempo às voláteis e <strong>de</strong>slizantes<strong>de</strong>mandas dos <strong>de</strong>sejos dos consumidores e a função objetiva do lucro dascorporações imobiliárias, não é mesmo um estilo, mas a ausência <strong>de</strong> estilo por<strong>de</strong>finição: o kitsch.Nesse sentido, a <strong>arquitetura</strong> imobiliária é a invenção do kitsch imediato econscientemente produzido, quando as barreiras da oposição dialética entremo<strong>de</strong>rnismo e a cultura ersatz sucumbiram ao “lucro ontológico” do mercadoglobalizado e quando a utopia mo<strong>de</strong>rna da mediação entre forma e produção serealiza como a convergência da “ilusão da forma” da mercadoria e especulaçãofinanceira em um único dispositivo arquitetônico. Quando a funcionalida<strong>de</strong> pura– <strong>consumo</strong> - transfigura-se em experiência estética – ficção; o ornamento, antesficção <strong>de</strong>snecessária e supérflua, realiza-se como função.A <strong>arquitetura</strong> imobiliária é um dispositivo espacial universal e “presente emgraus diversos em todas as culturas possessivas, embora esteja associada aotriunfo da classe média” (MOLES, 2001:26), ou “uma faixa extremamenteampla e mal <strong>de</strong>finida” da socieda<strong>de</strong> que inclui o funcionalismo público,executivos, burocratas, professores universitários, comerciantes, profissionaisliberais, jornalistas, artistas, intelectuais, e que sempre busca se aproximar e sei<strong>de</strong>ntificar com o po<strong>de</strong>r econômico (CALDAS, 1998:42).A <strong>arquitetura</strong> imobiliária se realiza a partir <strong>de</strong> três operações distintas porémcomplementares à sua produção: a <strong>de</strong>coração, responsável pela construção daficção contratada e sua potencialização através <strong>de</strong> ambientes temáticos; aestrutura, basicamente a “ossatura estrutural” corbusiana e suporte genérico,


116neutro e flexível para os elementos <strong>de</strong>corativos aplicados e para asambientações; os mecanismos arquitetônicos <strong>de</strong> controle ou barreiras físicas,muros, gra<strong>de</strong>s, janelas, portas, fossos, cercas vivas, cercas elétricas, guaritas, etc.A <strong>arquitetura</strong> imobiliária, obe<strong>de</strong>ce à lógica do galpão <strong>de</strong>corado, porém na escalado arranha-céu. O “galpão <strong>de</strong>corado” 116 é um tipo <strong>de</strong> edifício caracterizado porRobert Venturi (2000:114) que se manifesta “quando os sistemas <strong>de</strong> espaço eestrutura estão diretamente a serviço do programa e o ornamento se aplica comin<strong>de</strong>pendência sobre eles” 117 . Nesse sentido, uma <strong>arquitetura</strong> tipicamente “galpão<strong>de</strong>corado” é uma “estrutura convencional a que se aplicam símbolos” 118 . Oarranha-céu imobiliário habitacional ou o empilhamento <strong>de</strong> residências típicaspossibilita o arranjo infinito dos conceitos i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> vida oferecidos. “É como sefosse uma mansão em cima da outra”, <strong>de</strong>fine melhor o arquiteto responsável pela“filosofia minimalista” do edifício Le Saint Paul (SANTOS, 2002:B1). A partirda “ossatura estrutural” e <strong>de</strong> acordo com a lógica <strong>de</strong> branding doempreendimento, os “símbolos” vão sendo aplicados ao edifício. Nesse sentido,o ornamento, antes uma “ficção do romantismo <strong>de</strong>pravado”, torna-sefuncionalmente necessário (função da ficção). É o ornamento, ou a sua ausênciacomo ornamento, que é capaz <strong>de</strong> tornar familiar enquanto manifestação pura da“ilusão da forma” da mercadoria, a ficção do <strong>consumo</strong> suportado na estratégia dobranding. A sua ausência, quando aten<strong>de</strong> às estratégias do conceito <strong>de</strong> vidanegociado, tem a função prioritária <strong>de</strong> tornar “autêntico” o produto pela elisão dotempo e a fundação <strong>de</strong> um mito <strong>de</strong> origem no presente através da associaçãoimediata à sua gênese “heróica”: a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna. “Em outras palavras, ainvenção do novo é impossível e contraditória no contexto geral do capitalismotardio...”(JAMESON, 2001:192).A ligação entre a <strong>arquitetura</strong> imobiliária e as lojas <strong>de</strong> <strong>de</strong>coração e as mostras <strong>de</strong>“artes <strong>de</strong>corativas” atuais estabelece a relação entre consumidores e “seu microuniverso,sua concha personalizada”, on<strong>de</strong> passam a maior parte <strong>de</strong> sua vida esobre a qual “exercem seu império: seu apartamento”. Em torno <strong>de</strong> um temafuncional <strong>de</strong> base: dormir, estar protegido contra o meio externo, exercer sua116 Tradução nossa. Texto original espanhol.117 Tradução nossa. Texto original espanhol.


117liberda<strong>de</strong> privada, <strong>de</strong>senvolver seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, praticar o livre arbítrioestético...” (MOLES, 2001:190) a <strong>arquitetura</strong> imobiliária organiza e articula osapartamentos, espaços secundários <strong>de</strong>ntro da lógica dos conceitos i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> vida.Pela maior eficiência alcançada com a menor e mais curta circulação possíveldistribuindo os setores básicos – íntimo (quartos, suítes, banhos, etc.), social(livings, salas, etc.), serviços (cozinha, espaços para empregados, etc.) – a<strong>arquitetura</strong> imobiliária segue à risca a máxima corbusiana “a planta é geradora”(LE CORBUSIER, 2000:XXX). Nas áreas coletivas, o programa arquitetônicoenquanto organização e articulação das ativida<strong>de</strong>s permite a realização dosrituais necessários às comunida<strong>de</strong>s i<strong>de</strong>ais através <strong>de</strong> suas ambientaçõesfantásticas e <strong>de</strong> seus mecanismos tecnológicos aperfeiçoados: piscina hot tubcom cascata, piscina com raia <strong>de</strong> 25m, piscina <strong>de</strong> lazer, piscina adulto<strong>de</strong>scoberta, piscina infantil <strong>de</strong>scoberta, <strong>de</strong>ck solarium, lounge, churrasqueira,sauna a vapor, sauna seca, sauna úmida com hidromassagem, playground,pomar, child-care, salão <strong>de</strong> festas jovem, salão <strong>de</strong> festas adulto, salão <strong>de</strong> festasinfantil, quadra poliesportiva, pista <strong>de</strong> cooper, bosque, quadra <strong>de</strong> tênis <strong>de</strong> saibro,sala para ginástica, campo <strong>de</strong> golfe, clínica estética, massagem, campo <strong>de</strong> futebolsociety, salão <strong>de</strong> festas com pé direito duplo, praça para adolescentes, quadra <strong>de</strong>squash, sala para home theater, vestiário masculino e feminino, copa,hidromassagem, ofurô, sala <strong>de</strong> jogos, family room, kids club, spa e <strong>de</strong>scanso,open kitchen com churrasqueira, bar Acapulco, street ball, pista <strong>de</strong> skate, puttinggreen, gazebo gourmet com forno <strong>de</strong> pizza e chapa, drive range, spaziosolarium, etc. Nesse sentido, o programa imobiliário é a própria ilusão da funçãoarquitetônica, mecanismo potencialmente manipulado para tornar coletiva aficção da experiência estética do <strong>consumo</strong> ontológico através da ritualização docotidiano (ficção da função). A <strong>arquitetura</strong> imobiliária é portanto uma ficçãosocial acrescida à função <strong>de</strong> troca que não serve mais <strong>de</strong> suporte mas <strong>de</strong> pretexto.A <strong>arquitetura</strong> imobiliária renuncia a ser “legítima” para ser “amiga” doconsumidor, a “estratégia <strong>de</strong> choque” e o ato “intencionalmente heróico” dasvanguardas dão lugar a uma complacência interessada em “uma reverência aoconsumidor-rei” (MOLES, 2001:27). Assim, a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa diversida<strong>de</strong>apresentada pela <strong>arquitetura</strong> imobiliária “não resulta <strong>de</strong> uma censura sobre si118 Tradução nossa. Texto original espanhol.


118própria, <strong>de</strong> uma ascese, mas <strong>de</strong> um conforto do empilhamento, <strong>de</strong> uma percepçãopossessiva da idéia <strong>de</strong> reino: meu lar é meu castelo” (MOLES, 2001:102).A <strong>arquitetura</strong> imobiliária oferece “em primeiro lugar, [...] prazer ao indivíduo, oumelhor, [...] espontaneida<strong>de</strong> no prazer que parece alheia à idéia do belo ou dofeio transcen<strong>de</strong>nte”; permite aos seus consumidores “a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>participação limitada e por procuração, dando-lhe acesso à extravagância”(MOLES, 2001:76). Ao propiciar o prazer aos membros da socieda<strong>de</strong>“espetacular” lhes permite o acesso a exigências suplementares da vidacontemporânea e a passar da sentimentalida<strong>de</strong> à experiência. Nesse sentido,<strong>arquitetura</strong> imobiliária é o i<strong>de</strong>al estético da felicida<strong>de</strong>, na “aceitação social doprazer pela comunhão secreta com um ‘mau gosto’ repousante e mo<strong>de</strong>rado”(MOLES, 2001:28). Permite que os dois gran<strong>de</strong>s temas inerentes à construção dafelicida<strong>de</strong> contemporânea apontados por Edgar Morin (2000:127) se completem– “um que privilegia o instante i<strong>de</strong>al da projeção imaginária, outro que estimulaum hedonismo <strong>de</strong> todos os instantes da vida vivida” – na convergência entreconsumir e habitar para um mesmo instante espacial.A <strong>arquitetura</strong> imobiliária, <strong>de</strong>ntro da lógica da sua própria produção –racionalmente explorada e repetida ao infinito – on<strong>de</strong> todos os movimentos e as<strong>de</strong>cisões são tomados utilitariamente em função do lucro, o mecanismo capaz <strong>de</strong>transportar esse produto para um campo significante é um ato rudimentar porém<strong>de</strong>cisivo: escolha. Se a escolha faz o ready-ma<strong>de</strong>, no caso da <strong>arquitetura</strong>imobiliária, o ato da escolha incumbido ao consumidor <strong>de</strong>fine quais são osprodutos passíveis <strong>de</strong> ingressarem na esfera dos objetos possuídos <strong>de</strong> algumvalor. A escolha do consumidor é a legitimação final do objetivo estabelecidopela marca: significar.A <strong>arquitetura</strong> imobiliária baseia-se em 5 pontos ou procedimentos principais:“ina<strong>de</strong>quação, sempre e ao mesmo tempo, bem e mal situada: ‘bem’, ao nível darealização cuidada e acabada, ‘mal’ no sentido <strong>de</strong> que a concepção está sempreamplamente distorcida”; da acumulação, ou o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> “sempre mais”; dasinestesia, que “se vincula ao da acumulação e consiste em ‘assaltar’ o máximo<strong>de</strong> canais sensoriais simultaneamente ou <strong>de</strong> maneira justaposta (arte-total)”;


119meio-termo, “através <strong>de</strong>sta acumulação <strong>de</strong> meios, <strong>de</strong>ste vasto display <strong>de</strong> objetos”a <strong>arquitetura</strong> imobiliária “fica a meio caminho do novo, opondo-se ao novo epermanecendo, essencialmente, [...] aceitável para a massa e proposta a ela comoum sistema”; conforto, “a idéia <strong>de</strong> sentir-se em harmonia, <strong>de</strong> uma pequenadistância e <strong>de</strong> uma exigência média, conduzem em geral à aceitação fácil e aoconforto [...], a toda esta gama <strong>de</strong> sensações, sentimentos, [...] <strong>de</strong> espontaneida<strong>de</strong>perceptiva...” (MOLES, 2001:70).A <strong>arquitetura</strong> imobiliária se caracteriza pela obssessão com a “segurança diantedas eventualida<strong>de</strong>s do mundo exterior, proposta como valor i<strong>de</strong>al” e com aafirmação <strong>de</strong> suas próprias virtu<strong>de</strong>s, reforçando a tese <strong>de</strong> que “jamais se colocaem questão um modo <strong>de</strong> vida ou um sistema econômico baseados na acumulaçãocriadora”.A <strong>arquitetura</strong> imobiliária está assentada sobre o “sistema possessivo como valoressencial” – on<strong>de</strong> o que seu habitante “é o que ele é através <strong>de</strong> suas posses:tamanho do apartamento, altura do tetos”, etc. –, do “conforto do coração” e do“ritual <strong>de</strong> um estilo <strong>de</strong> vida, o chá, a organização do serviço, as regras <strong>de</strong>recepção...” (MOLES, 2001:91).A <strong>arquitetura</strong> imobiliária “permanece essencialmente um sistema estético <strong>de</strong>comunicação <strong>de</strong> massa” (MOLES, 2001:77). A universalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste fenômeno”constitui um dos fatores fundamentais <strong>de</strong> um sistema social on<strong>de</strong> somenteaqueles que possuem têm algum peso, já que possuem um estilo <strong>de</strong> vida”.A <strong>arquitetura</strong> imobiliária é, por <strong>de</strong>finição, uma relação do homemcontemporâneo (consumidor) com a <strong>arquitetura</strong>, muito mais do que uma<strong>arquitetura</strong>, constitui, precisamente, um modo estético <strong>de</strong> relação com oambiente, uma anti-<strong>arquitetura</strong> solidária da própria <strong>arquitetura</strong>: o modo estéticoda vida cotidiana contemporânea.


12021. CONCLUSÃO________________________________________________________EDIFÍCIO PAÇO IMPERIAL – Construtora Li<strong>de</strong>r, SQN 209, Asa Norte,Brasília – 187 m_ . 4 Quartos . 2 suítes e 2 semi-suítes . 156 m_ . 4 Quartos . 2suítes . Salas com piso em granito . Cozinha montada com armários, fogão <strong>de</strong> 6


121bocas, lava-louças, <strong>de</strong>purador <strong>de</strong> ar, triturador, bancada e piso em granito .Armários embutidos forrados e divididos em 3 quartos . Suíte master comhidromassagem . banheiros com armários, espelho, Box <strong>de</strong> vidro temperado eacabamento em granito . Cobertura coletiva com piscinas aquecidas, <strong>de</strong>ck, saunaa vapor e fitness center equipado . Fachada revestida em material nobre . 2 ou 3vagas <strong>de</strong> garagem.________________________________________________________________________________________________________________


122.........................................................“ “Pequenosanúncios”............................................................Essa pesquisa, <strong>de</strong> alguma forma, foi uma tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar mesmo queparcialmente a impossibilida<strong>de</strong> atual <strong>de</strong> uma <strong>arquitetura</strong> que está alheia aomesmo tempo que imune às garras do po<strong>de</strong>r econômico operante global e <strong>de</strong> seus<strong>de</strong>sdobramentos na vida cotidiana, resguardando-se <strong>de</strong>sse processo em umretrocesso tectônico às suas origens agrárias, rurais mesmo. Daí a necessida<strong>de</strong>,que se tornou ao longo da própria pesquisa imperiosa, <strong>de</strong> um retorno à<strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna, por ser naquele momento histórico exato que estava a seprocessar a gestação da nossa condição “espetacular” atual e daí a estratégia <strong>de</strong>abordagem da <strong>arquitetura</strong> mais “contaminada” pelo capital especulativo e maiscaracteristicamente urbana produzida atualmente: a <strong>arquitetura</strong> imobiliária.Ao partir do conhecimento e entendimento dos procedimentos e das própriasestratégias inerentes ao setor imobiliário no Brasil e dos mecanismos que osuportam – publicida<strong>de</strong>, <strong>consumo</strong> <strong>de</strong> massa, acumulação do capital – e ao buscarna história os primórdios ou as semelhanças <strong>de</strong>stes mesmos, a <strong>arquitetura</strong>mo<strong>de</strong>rna se tornou um objeto muito mais próximo do capitalismo industrial,muito mais articulada e “contaminada” pelo <strong>consumo</strong> e sua i<strong>de</strong>ologia do que oesperado.Entretanto, os objetivos da pesquisa às vezes se per<strong>de</strong>ram no próprio emaranhadoconceitual e <strong>de</strong> informações manipuladas, às vezes também foram substituídospor uma abordagem histórica e <strong>de</strong> classificação dos fatos e situações, mas se issoacarretou um não cumprimento total da meta previamente estabelecida <strong>de</strong> umacrítica à <strong>arquitetura</strong> imobiliária atual, por outro propiciou a consolidação <strong>de</strong> umarcabouço teórico e conceitual indispensável para futuras abordagens <strong>de</strong>ssamesma questão.Com o retorno à <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna e a atenta observância <strong>de</strong> seusprocedimentos bem como <strong>de</strong> suas relações com o capital industrial e osmecanismos que o suportavam, a pesquisa chegou a um bívio inevitável: ouaceitava o fato <strong>de</strong> que a <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna não tinha sido digna daimparcialida<strong>de</strong> que se fez acreditar – meramente intérprete do capitalismo


123industrial – e articulava então tal fato aos acontecimentos simultâneos agenciadospela indústria mo<strong>de</strong>rna: publicida<strong>de</strong>, propaganda, cultura <strong>de</strong> massa, ou se apoiavana imediata e “poética” consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>ssa mesma, suportando-se na superfícialconclusão <strong>de</strong> que o pós-mo<strong>de</strong>rnismo é o gran<strong>de</strong> “culpado” do estágio atual <strong>de</strong>“espetacularização” da <strong>arquitetura</strong>.Ao mesmo tempo, o retorno ao estudo da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna no Brasil revelouas contradições próprias da incorporação dos postulados do mo<strong>de</strong>rnismo europeuno Brasil. Pelos arquitetos “nativos”, legítimos her<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> uma tradiçãoclássica da Escola Nacional <strong>de</strong> Belas Artes no Rio <strong>de</strong> Janeiro que naquelemomento específico enxergaram na forma Purista da <strong>arquitetura</strong> <strong>de</strong> Le Corbusieruma saída ao ecletismo marajuara imperante. Pelo Estado - e suas posiçõesi<strong>de</strong>ologicamente interessadas - que vislumbrava na abstração platônica apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ancoragem à mo<strong>de</strong>rnização mítica que se pretendiaimplementar, ou que o capitalismo internacional forçava a implementação. Etambém da própria indústria nacional da construção civil que enxergava nomo<strong>de</strong>rnismo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, incentivada pelo próprio Estado, potencializar oincipiente mercado consumidor brasileiro pela incorporação da <strong>arquitetura</strong> emum plano mais amplo do <strong>consumo</strong> do próprio <strong>de</strong>sign como agente do “Plano”.O retorno ao mo<strong>de</strong>rnismo brasileiro mostrou, por outro lado, o quanto a<strong>arquitetura</strong> contemporânea brasileira – se é que ela existe fora do âmbitoimobiliário e da auto construção da favela – está assentada sobre verda<strong>de</strong>s quesão fruto <strong>de</strong> décadas <strong>de</strong> um exercício <strong>de</strong> cooptação mútua com objetivo <strong>de</strong>construção <strong>de</strong> uma redoma mítica que encubra qualquer relação ou circunstânciaque macule a pureza e a legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus atos heróicos e <strong>de</strong>sbravadores.Nesse sentido, um retorno à <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna brasileira revela o quanto osarquitetos, o ensino da <strong>arquitetura</strong> e os críticos brasileiros da atualida<strong>de</strong>, na suagran<strong>de</strong> maioria, estão <strong>de</strong>spreparados e incapacitados para lidar com qualquerquestão que exija uma reflexão mais complexa da nossa realida<strong>de</strong> mercantil por<strong>de</strong>finição. Essa incompetência <strong>de</strong> lidar com os sistemas complexos impostos pelacondição atual é revelada na própria omissão e negação da abordagem da questãoda <strong>arquitetura</strong> imobiliária, ou mesmo o seu contrário imediato: as favelas (aausência completa do capital). Revela-se também essa incapacida<strong>de</strong> quando aos


124arquitetos são <strong>de</strong>mandadas proposições que vão além do próprio objetoarquitetônico, enquanto que o que essa “espetacularização” da vida cotidianarealiza como projeto é a própria dissolução total e <strong>de</strong>finitiva do objeto em favor<strong>de</strong> processos, transações e “experiências significantes” <strong>de</strong> um <strong>consumo</strong>ontológico.O estudo <strong>de</strong> tais relações mostrou também o quanto a <strong>arquitetura</strong> imobiliária eseu <strong>consumo</strong> em gran<strong>de</strong> escala tem suas raízes fincadas profundamente, tanto nomo<strong>de</strong>rnismo arquitetônico brasileiro, quanto nas suas causas imediatas: amo<strong>de</strong>rnização do capitalismo industrial e a expansão do <strong>consumo</strong> pela classemédia. Nesse sentido e a partir <strong>de</strong>ssa constatação, essa pesquisa passou a tratar a<strong>arquitetura</strong> imobiliária atual não como um subproduto da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> brasileirae seu mo<strong>de</strong>rnismo, mas um super-produto <strong>de</strong>sse processo e seus <strong>de</strong>sdobramentossubsequentes.O aprofundamento da pesquisa no campo da especulação e do mercado <strong>de</strong>compra e venda <strong>de</strong> <strong>arquitetura</strong> revelou então a capacida<strong>de</strong> operativa dosmecanismos atuais <strong>de</strong> suporte do capital global internacional, sintetizada naestratégia <strong>de</strong> convergência <strong>de</strong> todas as fases do sistema financeiro – <strong>consumo</strong>(cultura), especulação e o próprio dinheiro – para um único dispositivoarquitetônico potencializado pela superação indolor <strong>de</strong> todos os “traumas”mo<strong>de</strong>rnos: autenticida<strong>de</strong>, originalida<strong>de</strong>, abstração, autonomia, forma, etc.A onipresença e a onipotência do po<strong>de</strong>r econômico revelou a <strong>arquitetura</strong>imobiliária como o dispositivo estratégico e portanto essencial para essamediação, e enquanto tal, o vetor privilegiado <strong>de</strong> articulação e agenciamento do“mercado <strong>de</strong> futuros” instaurado na mercantilização do próprio futuro individual.Vendido agora em embalagens que remontam a nostalgia do passadoaristocrático que essas mesmas forças quando mo<strong>de</strong>rnismo se empenharam emaniquilar ou compreensivelmente como uma correção da própria história, emembalagens repousantemente ascépticas e moralmente aceitáveis. Nesse processo<strong>de</strong> flexibilização fulminante da acumulação atual, revelou-se o aparente eenganoso paradoxo entre a abstração estéril mo<strong>de</strong>rnista e a <strong>de</strong>coração histéricakitsch. Antes, pólos opostos <strong>de</strong> um processo violento que se tornou a própria


125utopia mo<strong>de</strong>rna; hoje, juntos em uma “superquadra imperial”, vendidos comoestilos <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> uma “utopia do possível”.Se o projeto da <strong>arquitetura</strong> e do urbanismo mo<strong>de</strong>rnos remetia para algo fora <strong>de</strong>seu campo próprio, “para uma reestruturação da produção e do <strong>consumo</strong> emgeral” como insiste Tafuri (1985:68), o “projeto” da <strong>arquitetura</strong> imobiliáriaremete a algo que lhe é idêntico: a mediação entre o dinheiro e a cultura(<strong>consumo</strong>) na produção do espaço. Se o mo<strong>de</strong>rnismo, como apontou Heynen, éuma resposta estética ao <strong>de</strong>senvolvimento do capitalismo e suas estruturasinternas entendido como mo<strong>de</strong>rnização ao mesmo tempo que às novasexperiências provocadas por esse processo, a <strong>arquitetura</strong> imobiliária revelou-secomo a resposta imediata (sem mediação) à “espetacularização” do capitalismofinanceiro atual ao mesmo tempo que às experiências <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>sse processo:fragmentação, insegurança, segregação, dominação, exclusão, etc. E essaresposta, um futuro <strong>de</strong> “Or<strong>de</strong>m e Progresso”, está disponível para todos aquelesque pu<strong>de</strong>rem pagar caro para obtê-la.E se a “queda” da <strong>arquitetura</strong> mo<strong>de</strong>rna “é o último testemunho da ambiguida<strong>de</strong>[...], situada entre objetivos ‘positivos’ e a <strong>de</strong>sumana auto-exploração da suaredução objetiva a mercadoria”, como atesta Tafuri, o “salto” da mercadoria é aprimeira constatação da coerência entre os objetivos “positivos” e a potenteexacerbação da sua expansão ontológica à <strong>arquitetura</strong> imobiliária.Entretanto, antes que pareça que aqui se processa uma o<strong>de</strong> à <strong>arquitetura</strong>imobiliária, é preciso reafirmar que apesar do tom “operativo” que esse trabalhoparece assumir em <strong>de</strong>terminadas passagens, é na realida<strong>de</strong> uma estratégia <strong>de</strong>provocação, <strong>de</strong> atuação mesmo. Uma vez que o processo fulminante que sematerializa diante dos nossos olhos cotidianamente não po<strong>de</strong> revelar todas asfacetas e se a impotência parece o único sentimento frente à situação apresentada,concordando com Tafuri (1985:121): é fundamental e urgente o entendimentoque “nenhuma salvação já é possível <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la”: a mercadoria. Masrapidamente discordando do crítico italiano, talvez seja necessária não asalvação, mas alguma alternativa a partir <strong>de</strong>la: a <strong>arquitetura</strong> imobiliária.


126Apesar da i<strong>de</strong>ologia do <strong>consumo</strong> estar impregnada em todos os âmbitos dasocieda<strong>de</strong> atual e se <strong>de</strong>senvolver plenamente na <strong>arquitetura</strong> imobilária, énecessário lembrar que a própria prática do <strong>consumo</strong>, antes <strong>de</strong> ser um atoirrefletido ou um simples manipulação dos consumidores por parte das gran<strong>de</strong>scorporações, é necessariamente uma relação <strong>de</strong> mão dupla entre essas partescomo aponta Michel <strong>de</strong> Certeau:Na realida<strong>de</strong>, diante <strong>de</strong> uma produção racionalizada, expansionista,centralizada, espetacular e barulhenta, posta-se uma produção <strong>de</strong> tipototalmente diverso, qualificada <strong>de</strong> “<strong>consumo</strong>”, e que tem comocaracerística suas astúcias, seus esfarelamento em conformida<strong>de</strong> comas ocasiões, suas “piratarias”, sua clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, seu murmúrioincansável, em suma, uma quase-invisibilida<strong>de</strong>, pois ela quase não sefaz notar por produtos próprios (on<strong>de</strong> teria o seu lugar) mas por umaarte <strong>de</strong> utilizar aqueles que lhe são impostos. (CERTEAU,1996:94)Na “arte <strong>de</strong> utilizar” ou nas “astúcias do cotidiano” a própria <strong>de</strong>finiçãocontemporânea <strong>de</strong> <strong>consumo</strong> eleva suas práticas a um patamar capaz <strong>de</strong> se impordiante da produção dos bens disponibilizados. Entretanto, como percebidoclaramente na internet (LÉVY, 2001:108), o <strong>consumo</strong> extrapola cada vez mais oato da compra, consome-se atualmente simplesmente pelo fato <strong>de</strong> dirigir aatenção para <strong>de</strong>terminado produto. Nesse processo on<strong>de</strong> o <strong>consumo</strong> é cada vezmais invisível e “ontológico”, consumir, comunicar e produzir são fases <strong>de</strong> ummesmo ciclo, on<strong>de</strong> um telefonema para uma corretora, um clique no mouse, ou acompra <strong>de</strong> um apartamento <strong>de</strong>sempenham a mesma função <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar aprodução <strong>de</strong> novos condomínios, novos outdoors pela cida<strong>de</strong>, novos estilos <strong>de</strong>vida propostos. Nesse sentido, o <strong>consumo</strong> <strong>de</strong>ve ser entendido cada vez maiscomo um ato político.Na prática cotidiana, como mostra Flávio Villaça (1998:183), a <strong>arquitetura</strong>imobiliária e as suas consequências urbanas (infra-estruturas, valorização dasáreas, etc.) – aquilo que Lefebvre chamou <strong>de</strong> “produção do espaço” – já sãoarticulados pela própria classe média brasileira, que em todas as principaiscida<strong>de</strong>s, “estimuladas pelos interesses imobiliários [...] estão constantementeproduzindo novos bairros e <strong>de</strong>ixando outros para trás” (VILLAÇA, 1998:188).Dessa forma, assim como há hoje os po<strong>de</strong>rosos grupos <strong>de</strong> incorporação


127imobiliária, há também, “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito antes <strong>de</strong> existir não só qualquerincorporação, mas o próprio setor imobiliário”, as escolhas das classes médias,que ditam a articulação do território da cida<strong>de</strong> (VILLAÇA, 1998:184).Nesse processo <strong>de</strong> articulação <strong>de</strong>ssas duas principais forças <strong>de</strong> agenciamento doespaço urbano – a incorporação e o <strong>consumo</strong> imobiliário da classe média – e nasuperação da gran<strong>de</strong> distância entre as práticas espaciais cotidianas e os espaços<strong>de</strong> representação, ou seja, entre a forma que o espaço é produzido e a forma queé imaginado teorizada por Lefebvre (apud, ZAERA, 1996:32), os “pequenosanúncios” ou os “CLASSIFICADOS” imobiliários dos jornais são um campoprivilegiado.O sentido da produção do espaço para Lefebvre po<strong>de</strong> ser entendido <strong>de</strong> duasformas: uma que se refere à produção <strong>de</strong> bens e mercadorias, e outra queestabelece a noção <strong>de</strong> que se produz também relações sociais, i<strong>de</strong>ologia, cultura,valores compartilhados (CARLOS, 2001:63). Para Michel <strong>de</strong> Certeau(1996:100), essa distância <strong>de</strong> que nos fala Lefebvre é fruto da “instauração dodiscurso urbanístico [...] <strong>de</strong>finido pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma tríplice operação:” aprodução <strong>de</strong> um espaço próprio, o estabelecimento <strong>de</strong> um “não tempo” atravésda redução niveladora sobre os usuários, e na criação <strong>de</strong> um sujeito universal eanônimo. Assim, para Certeau, o urbanismo e a <strong>arquitetura</strong>, enquanto espaçosabstratos e i<strong>de</strong>ais, somente se tornam possíveis a partir “do cálculo ou amanipulação das relações <strong>de</strong> forças [...] a partir do momento que um sujeito <strong>de</strong>querer e po<strong>de</strong>r (empresa, exército) po<strong>de</strong> ser isolado”. Esse processo caracteriza e<strong>de</strong>fine a estratégia como uma ação “que postula um lugar circunscrito como algopróprio”, a base <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong> agenciar as relações que são externas a essedomínio do tempo pela fundação <strong>de</strong> um lugar autônomo (CERTEAU, 1996:100),<strong>de</strong>fine também o próprio espaço da cida<strong>de</strong>, manipulado pelos planos estratégicosdos tecnocratas ou das empresas. Por outro lado, o <strong>consumo</strong> ou as trajetórias dosusuários nesse espaço, ações caracterizadas fundamentalmente pela ausência <strong>de</strong>um lugar “próprio” são “táticos”, movimentos calculados pelas ocasiões que seapresentam, em um campo <strong>de</strong>sconhecido controlado por <strong>de</strong>cisões externas(CERTEAU, 1996:100).


128Nesse sentido, os “pequenos anúncios” são como a cida<strong>de</strong> i<strong>de</strong>al e abstrata domercado imobiliário, uma matriz expansível ao infinito e genericamente flexível.Entretanto, os “pequenos anúncios” não são o mapa da cida<strong>de</strong> entendidos comosua representação geográfica e morfológica, e nem mesmo <strong>de</strong>finem a sua forma<strong>de</strong>finitiva, são uma proposição imobiliária <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>. Não são um plano, são umaoperação. Ao mesmo tempo a operação empenhada na produção do espaço pelamáquina econômica e especulativa imobiliária, espaço-mercadoria e transaçõesregidas pelo valor <strong>de</strong> troca, e também uma contra-operação processada pelaprática do <strong>consumo</strong> anônimo. Os “pequenos anúncios” são o campo operativoon<strong>de</strong> produtor, mercadoria e consumidor atualizam o território da cida<strong>de</strong>, eenquanto o espaço é estabelecido como proprieda<strong>de</strong> é rapidamente subvertidopela apropriação, é então ao mesmo tempo produzido e consumido. Os“pequenos anúncios” não funcionam para representar a cida<strong>de</strong> como ela é ouserá, mas para apresentá-la como está sendo.Os “pequenos anúncios” superam a dicotomia entre as práticas cotidianas<strong>de</strong>spertadas nas trajetórias do <strong>consumo</strong> e abstração racional da própria lógica daconstrução do espaço. Se o <strong>consumo</strong> contemporâneo é cada vez maisexperimental, então os “pequenos anúncios” estabelecem uma noção própria <strong>de</strong>urbanismo que elimina a representação tradicional que faz do plano e do projetonecessida<strong>de</strong>s imperiosas, substituindo-os por uma operação.Se consumir “é participar <strong>de</strong> um cenário <strong>de</strong> disputas por aquilo que a socieda<strong>de</strong>produz e pelos modos <strong>de</strong> usá-lo” (CANCLINI, 1999:78), a conformação dacida<strong>de</strong>, antes feita da transposição reducionista das abstrações estratégicas, éagora <strong>de</strong>terminada por operações táticas e silenciosas dos consumidores, nãomais sobre um mapa, mas sobre a própria cida<strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> um diagramasimples que permite uma operação po<strong>de</strong>rosa: escolha.Os “pequenos anúncios”, longe <strong>de</strong> ser um mo<strong>de</strong>lo abstrato e imposto <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>,são um diagrama operativo da cida<strong>de</strong> que é atualizado pelo setor imobiliário epelo próprio <strong>consumo</strong>. Sobre os produtos próprios oferecidos pelo mercado, o<strong>consumo</strong> se realiza quase invisível e imperceptível “nas maneiras <strong>de</strong> empregar”esses produtos, <strong>de</strong>finindo assim um urbanismo que é também movido à


129“felicida<strong>de</strong> positiva”, direcionado pelas preferências, pelas trajetórias e pelasescolhas: um urbanismo-passional.22. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASADORNO, Theodor. Funktionalismus heute. In: Theodor Adorno. Ohne Leitbild– Parva Aesthetica. Frankfurt a/M: Suhrkamp, 1967. p. 104-126. (Tradução SilkeKapp).____________. Teoria Estética. São Paulo: Martins Fontes, 1970.ARGAN, Carlo Giulio. Arte mo<strong>de</strong>rna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da <strong>arquitetura</strong>. São Paulo: Cosac & Naify,1999.BANHAM, Reyner. Teoria e projeto na primeira era da máquina. São Paulo:Perspectiva, 1991.BARTHES, Roland. Sa<strong>de</strong>, Fourier, Loyola. Madrid: Cátedra, 1997.BAUMAN, Zygmunt. Mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> líquida. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Jorge Zahar, 2001.BENEVOLO, Leonardo. As origens da urbanística mo<strong>de</strong>rna. Lisboa: Presença,1981.______________. História da cida<strong>de</strong>. São Paulo: Perspectiva, 1993.BERKE, Debora; HARRIES, Steven. Architecture of the everyday. New York,Priceton Architetural Press, 1997.


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13523. ANEXO (Empresas) ∗Abyara Planejamento Imobiliário. “Um empreendimento imobiliário éconcebido a partir <strong>de</strong> estudos sobre a expectativa do cliente. É ele quem<strong>de</strong>termina o estilo arquitetônico, o padrão <strong>de</strong> acabamento do produto e sualocalização. Por acompanhar os projetos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua fase embrionária, a AbyaraPlanejamento Imobiliário tem como diferencial <strong>de</strong> mercado o fato <strong>de</strong> acreditar nosucesso <strong>de</strong> vendas <strong>de</strong> seus produtos. O resultado é que a empresa comercializou,em seis anos <strong>de</strong> existência, mais <strong>de</strong> 30 mil imóveis <strong>de</strong> segmentos diversificadoscomo shopping centers, hotéis, flats, escritórios, complexos comerciais, entreoutros e, em 2001, lançou o equivalente a R$ 2 bilhões em empreendimentos.Para 2002 a previsão é <strong>de</strong> que ocorra um crescimento <strong>de</strong> 20% em relação ao anopassado. Fundada por três jovens executivos, a Abyara é consi<strong>de</strong>rada uma dasmais arrojadas e mo<strong>de</strong>rnas do setor imobiliário. Desta forma, dispõe a seusparceiros incorporadores - que somam mais <strong>de</strong> 80 empresas entre as maisconceituadas do país - <strong>de</strong> uma ampla gama <strong>de</strong> produtos e serviços quecompreen<strong>de</strong>m <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a assessoria para a escolha do local e estudos <strong>de</strong> viabilida<strong>de</strong>técnica e econômica, até as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> marketing, como promoção e venda doimóvel. Diante disso, conta com o trabalho <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 300 consultores <strong>de</strong>imóveis <strong>de</strong>vidamente treinados para aten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> produtos. Citada entreas principais empresas <strong>de</strong> consultoria e vendas <strong>de</strong> imóveis do Brasil, no mês <strong>de</strong>abril <strong>de</strong>ste ano, a Abyara recebeu, pela quinta vez consecutiva, o TopImobiliário. O prêmio é outorgado pelo jornal O Estado <strong>de</strong> S. Paulo e Embraesp -Empresa Brasileira <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Patrimônio que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1992, <strong>de</strong>staca asempresas que mais se distinguiram neste ramo. Hoje ela atua na capital paulista,Campinas, Guarulhos, São José dos Campos, Praia <strong>de</strong> Maresias (SP); Salvador(BA); Manaus (AM); Florianópolis (SC) e Brasília (DF). Com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>abrir um canal <strong>de</strong> comunicação direto entre os seus colaboradores e os vários<strong>de</strong>partamentos da empresa, além <strong>de</strong> aumentar a integração e o comprometimentoda equipe, a Abyara inova constantemente através da implantação <strong>de</strong> novasferramentas <strong>de</strong> trabalho. Investindo no potencial humano e profissional <strong>de</strong> umaequipe comprometida com o atendimento integral aos clientes, a Abyara se<strong>de</strong>staca como uma das mais atuantes empresas da área, consolidando o seu


136objetivo <strong>de</strong> tornar-se a melhor construtora imobiliária do País.”________________________________________________________Patrimar Engenharia LTDA. “Ao longo <strong>de</strong> 39 anos, a Patrimar construiu muitomais que uma marca <strong>de</strong> sucesso. Ela construiu sonhos compartilhados com váriasfamílias que viram na Patrimar, uma empresa séria e <strong>de</strong> comprometimento totalcom o que existe <strong>de</strong> mais importante em nosso setor: serieda<strong>de</strong>. De lá pra cá,foram várias conquistas. E uma <strong>de</strong>las, serviu para aumentar ainda mais o nossocompromisso com clientes, fornecedores e parceiros: somos a primeira empresa<strong>de</strong> Minas Gerais a conquistar o certificado ISSO 9002 e o certificado PBQP-HNível “A”. Isso quer dizer que não foi apenas um ou outro empreendimento queganhou o certificado, e sim, todos os nossos empreendimentos e a empresa comoum todo. E é <strong>de</strong> mãos dadas com a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que a Patrimar inicia esta novaetapa pronta para encarar novos <strong>de</strong>safios.”________________________________________________________Construtora Valle. “A Valle é especializada na construção <strong>de</strong> apartamentos <strong>de</strong>altíssimo luxo na Zona Sul <strong>de</strong> Belo Horizonte. Imóveis que são verda<strong>de</strong>irasreferências <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> para todo o mercado. Mais do que construir, apreocupação da Construtora Valle é construir bem. Cada apartamento éacompanhado criteriosamente. Por isso, um Valle é exclusivo. A competência eserieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> toda a equipe da empresa e o know-how <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 40 anos emconstrução civil do seu fundador, fazem da Valle, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1983, uma das empresasmais bem conceituadas e <strong>de</strong> alta tradição no mercado. As normas ISO 9002 setornaram uma referência mundial em termos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. Implementamos naempresa um sistema evolutivo, com auditorias internas e externas periódicas, queresultou na obtenção dos certificados ISSO 9002 e PBQP-H (Programa Brasileiro<strong>de</strong> Qualida<strong>de</strong> e Produtivida<strong>de</strong> do Habitat). Além disso, a abertura do mercadobrasileiro tem propiciado a entrada <strong>de</strong> novos equipamentos e tecnologias,ofertando diversas alternativas para o setor da construção. Para a execução dasobras, há um planejamento específico visando o treinamento e à segurança dostrabalhadores. Nos últimos anos temos recebido diversos prêmios <strong>de</strong> segurançado trabalho, concedidos pelo SINDUSCOM. MISSÃO: Oferecer soluções naconstrução civil, atuando com competência e credibilida<strong>de</strong>.”________________________________________________________


137EZ TEC Engenharia e Construções. “Fazer negócio com a EZ Tec é garantia<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e segurança. Isso porque a empresa faz parte do grupo EZ, um dosmais experientes e atualizados do mercado imobiliário, com mais <strong>de</strong> 40 anos euma expressiva atuação nos setores <strong>de</strong> hotelaria, restaurantes e agropecuário.Com uma estrutura sólida e excelência nos serviços, a EZ Tec já construiu mais<strong>de</strong> 1 milhão <strong>de</strong> metros quadrados em edificações, todas <strong>de</strong> excelente acabamentoe materiais <strong>de</strong> primeira qualida<strong>de</strong>. Responsável por importantes obras em SãoPaulo, a EZ Tec tem a certeza <strong>de</strong> estar oferecendo sempre o melhor a seusclientes e investidores. Nem po<strong>de</strong>ria ser diferente: além <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>sempreendimentos, o negócio da EZ Tec é construir o melhor relacionamentopossível com você.”________________________________________________________Construtora Caparaó. “A Construtora Caparaó iniciou suas ativida<strong>de</strong>s em 1957e <strong>de</strong>finiu sua trajetória nos anos 60 e 70, principalmente como empreiteira, tendocomo clientes empresas como o Banco do Brasil, a Telemig, a Embratel, entrediversas outras; sempre cumprindo os prazos e aten<strong>de</strong>ndo às expectativas docliente numa parceria que dura até hoje. No final dos anos 70, redirecionou seufoco para a incorporação <strong>de</strong> obras resi<strong>de</strong>nciais e comerciais, buscando sempreapresentar produtos <strong>de</strong> acabamento diferenciado e localização privilegiada. Hoje,com tradição, soli<strong>de</strong>z e um inigualável padrão <strong>de</strong> acabamento, a Caparaóconsolida sua posição <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque no mercado imobiliário <strong>de</strong> Minas Gerais, commais <strong>de</strong> 1.200.000 m_ <strong>de</strong> área edificada. Com a chegada do novo século, aCaparaó vem mo<strong>de</strong>rnizando seus métodos <strong>de</strong> gestão e buscando novastecnologias, com o intuito <strong>de</strong> oferecer sempre aos seus clientes um produto top eum atendimento cada vez mais especial e personalizado.“________________________________________________________Construtora Li<strong>de</strong>r. “O Grupo Li<strong>de</strong>r é uma empresa privada, brasileira, que atua no negócio<strong>de</strong> incorporação e construção civil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1969. Está voltado, sobretudo, para omercado imobiliário. Produz imóveis resi<strong>de</strong>nciais (apartamentos), comerciais(salas, lojas e flats) e também shopping centers <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte. O Grupo écomposto pelas empresas Construtora Li<strong>de</strong>r, que prioriza os produtos <strong>de</strong> altopadrão <strong>de</strong> acabamento, e a Construtora Li<strong>de</strong>rança, que aten<strong>de</strong> à Classe Média,com imóveis <strong>de</strong> padrão intermediário. Além dos produtos <strong>de</strong> incorporaçãoprópria, o Grupo também executa obras <strong>de</strong> terceiros, sob a forma <strong>de</strong> empreitada.


138Hoje com cerca <strong>de</strong> 2.000 funcionários e mais <strong>de</strong> 200 empreendimentosconcluídos, o Grupo Li<strong>de</strong>r já executou mais <strong>de</strong> 2 milhões <strong>de</strong> metros quadradosem Belo Horizonte, São Paulo e Brasília. Além <strong>de</strong>ssas três praças, a Li<strong>de</strong>r jáinvestiu também no balneário <strong>de</strong> Cabo Frio (RJ), on<strong>de</strong> construiu <strong>de</strong>z edifícios efoi a responsável pela urbanização da orla marítima da Praia do Forte.Orientando-se pelo mercado, a empresa busca respaldar suas ações nos <strong>de</strong>sejosdos consumidores, através <strong>de</strong> um marketing estratégico,garantindo o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> produtos que reflitam as necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> moradia, patrimônioe investimento <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> seus clientes.”∗ Informações retiradas da internet. Disponíveis em: www.abyara.com.br, www.patrimar.com.br,www.ezmustique.com.br, www.valle.com.br, www.caparaoengenharia.com.br, www.li<strong>de</strong>r.com.br.

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