2 A história da BÃblia como história do livro - Maxwell - PUC-Rio
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2. A história <strong>da</strong> Bíblia <strong>como</strong> história <strong>do</strong> <strong>livro</strong> 54<br />
Durante o primeiro milênio de sua existência, a Igreja não<br />
promulgou qualquer lei a respeito <strong>da</strong> leitura <strong>da</strong> Bíblia no<br />
vernáculo. Os fiéis eram, ao contrário, incentiva<strong>do</strong>s a ler os<br />
Livros Sagra<strong>do</strong>s de acor<strong>do</strong> com suas necessi<strong>da</strong>des espirituais.<br />
Os próximos 500 anos mostraram apenas regulamentações<br />
locais acerca <strong>do</strong> uso <strong>da</strong> Bíblia no vernáculo. (HER-<br />
BERMANN, 2003, p.1260)<br />
Mesmo a língua alemã já conhecia outras versões <strong>da</strong><br />
Bíblia Sagra<strong>da</strong> desde 1350 aproxima<strong>da</strong>mente (VOLZ, 1963,<br />
p.94). Lucien Febvre (1982) chega a indicar que essas versões<br />
chegariam a 19 edições diferentes. O fato é que as<br />
traduções trazi<strong>da</strong>s com a Reforma implicaram em uma atitude<br />
responsiva de total impedimento por parte <strong>da</strong> Igreja Romana<br />
a quaisquer práticas envolven<strong>do</strong> a tradução e leitura<br />
<strong>do</strong>s <strong>livro</strong>s sagra<strong>do</strong>s que não estivessem escritos em latim,<br />
particularmente as cópias inspira<strong>da</strong>s na Vulgata de São Jerônimo,<br />
e que não fossem media<strong>da</strong>s por clérigos em situações<br />
e espaços devi<strong>da</strong>mente estabeleci<strong>do</strong>s.<br />
Durante o recesso <strong>do</strong> Concílio [de Trento] (1552-1562), Pio<br />
IV publicou a bula Domini gregis custodias, que estabelecia<br />
as regras para a elaboração <strong>do</strong> Índice <strong>do</strong>s Livros Proibi<strong>do</strong>s,<br />
incluin<strong>do</strong> a proscrição <strong>da</strong> Bíblia em traduções para as línguas<br />
vernáculas. (ZIMMER, 2006, p. 125)<br />
O que a Bíblia de Lutero (Figura 21) representa, se<br />
não pela originali<strong>da</strong>de na tradução, é o começo de um movimento<br />
que impulsionou a retoma<strong>da</strong> <strong>do</strong> interesse pela leitura<br />
<strong>do</strong> Livro Sagra<strong>do</strong> pelos leigos até então conforma<strong>do</strong>s com<br />
a mediação <strong>da</strong> Igreja. Se já é consenso que o surgimento <strong>da</strong><br />
imprensa foi o grande impulsiona<strong>do</strong>r <strong>da</strong> Reforma Protestante,<br />
é notório também que se deve a essa última o fato de a<br />
Bíblia ter si<strong>do</strong> produzi<strong>da</strong> tão largamente a partir <strong>da</strong>quela<br />
tecnologia. Lucien Febvre (1992, p.407) destaca que, apesar<br />
<strong>do</strong> aumento considerável na produção de <strong>livro</strong>s religiosos<br />
com o advento <strong>da</strong> imprensa, essa não representaria, em relação<br />
aos demais <strong>livro</strong>s de outras naturezas, senão “uma<br />
porcentagem diminuí<strong>da</strong>”. De fato, os movimentos de contestação<br />
trazi<strong>do</strong>s pelos reforma<strong>do</strong>res, assim <strong>como</strong> o ávi<strong>do</strong> impulso<br />
missionário desses em prol <strong>da</strong> propagação <strong>do</strong> Evangelho<br />
aos povos além <strong>da</strong> Europa, fez com que houvesse a<br />
necessi<strong>da</strong>de de uma produção intensa <strong>da</strong> Bíblia e que, ain<strong>da</strong><br />
<strong>como</strong> frutos <strong>do</strong> pensamento humanista que aflorava, deveriam<br />
seguir ca<strong>da</strong> vez mais as traduções vernaculares.<br />
Alguns <strong>do</strong>s avanços mais consideráveis, no que se trata<br />
<strong>da</strong> leitura hipertextual <strong>da</strong> Bíblia, se deram nesse contexto<br />
em que uma nova formação canônica e o uso <strong>da</strong> Bíblia <strong>como</strong><br />
instrumento <strong>da</strong> nova <strong>do</strong>utrina impulsionaram uma leitura<br />
ca<strong>da</strong> vez mais acadêmica e, contraditoriamente, também<br />
mais fun<strong>da</strong>mentalista.