2. A história <strong>da</strong> Bíblia <strong>como</strong> história <strong>do</strong> <strong>livro</strong> 47 Figura 16 . Detalhe de uma Bíblia em latim com tipografia gótica. Século XIV d.C. Figura 17 . Saltério (Livro <strong>do</strong>s Salmos) em escrita benevetana. Século XI d.C.
2. A história <strong>da</strong> Bíblia <strong>como</strong> história <strong>do</strong> <strong>livro</strong> 48 Outro fator, além <strong>da</strong>s letras, que dificultava a leitura <strong>do</strong>s primeiros exemplares bíblicos era a forma de escrita. As palavras eram grafa<strong>da</strong>s em seqüências ininterruptas, sem espaços entre as mesmas, no estilo chama<strong>do</strong> de scriptio continua (Figura 15). Mais <strong>do</strong> que um mo<strong>do</strong> peculiar (em relação à escrita atual) de se escrever, esse obrigava o leitor a pronunciar verbalmente aquilo que estava len<strong>do</strong>, uma vez que o senti<strong>do</strong> <strong>da</strong>s palavras só viria após serem ouvi<strong>da</strong>s. Além de provocar confusão quanto às interpretações, essa leitura auxiliava a Igreja no controle <strong>do</strong> que estava sen<strong>do</strong> escrito, visto que li<strong>da</strong> em voz alta não <strong>da</strong>va àquele que escrevia a liber<strong>da</strong>de de alterar os textos sem o risco de uma autori<strong>da</strong>de eclesiástica censurá-lo. Os espaços entre as palavras foram introduzi<strong>do</strong>s no século VIII, na época de Be<strong>da</strong>, o Venerável, <strong>como</strong> recurso didático. [...] Como efeito colateral, houve uma mu<strong>da</strong>nça na prática <strong>da</strong> cópia <strong>do</strong>s manuscritos. Até então, o original tinha de ser dita<strong>do</strong> por um monge a vários copistas ou ca<strong>da</strong> copista tinha de ler em voz alta quantas palavras pudessem ser capta<strong>da</strong>s pela memória de seu auditório e, em segui<strong>da</strong>, anotá-las enquanto “ditava para si mesmo”. (ILLICH, 1995, p.44) Outros tipos de divisões textuais que facilitava a leitura <strong>como</strong> as divisões em parágrafos já aconteciam desde a escrita em papiros, mas nestes, ao invés de haver um espaço em branco entre os mesmos, optava-se pelo uso de um traço longo (paragaphos) no começo <strong>do</strong> novo parágrafo (DI- RINGER, 1982). Outros instrumentos <strong>como</strong> pontuações, hifenizações, divisões em capítulos e versos foram algumas <strong>da</strong>s inovações que se seguiram a essa nova forma de escrita. Estes não só facilitaram a compreensão <strong>do</strong> texto <strong>como</strong> trouxeram ao códice um perfil de leitura hipertextual, que até então estava limita<strong>do</strong> à possibili<strong>da</strong>de de leitura intercala<strong>da</strong> <strong>da</strong>s páginas. Illich (DIRINGER, 1982) destaca <strong>como</strong> esses fatores, além de proporcionar esse tipo de leitura, passaram a <strong>da</strong>r forma “a uma idéia substancialmente diferente: a de um texto que se distingue <strong>do</strong> <strong>livro</strong> e de suas leituras”. Esses instrumentos, portanto, afastaram ca<strong>da</strong> vez mais a Bíblia de sua tradição oral, uma vez que a prática her<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>do</strong> ju<strong>da</strong>ísmo – <strong>da</strong> leitura <strong>do</strong> texto sempre acompanha<strong>da</strong> de sua vocalização nos templos – não mais se justificava a não ser pelos interesses que ela aju<strong>da</strong>va a sustentar. Além disso, esse afastamento <strong>do</strong> texto <strong>da</strong>va ao leitor maior autonomia, levan<strong>do</strong>-o a “interpretar” o texto por si mesmo, individualmente. Certamente os instrumentos foram cruciais para o desenvolvimento <strong>do</strong> uso acadêmico <strong>como</strong> será visto mais adiante.