Não é preciso mais dizer, a fim <strong>de</strong> pôr em evidência o gran<strong>de</strong> alcancedo sistema do pensador dinamarquês e chamar para ele a atenção do legislativobrasileiro.Creio que, fazendo isso, cumpro um dos <strong>de</strong>veres da missão militar <strong>de</strong>que me acho incumbido no <strong>Brasil</strong>.Capitão Ortiz y Valdueza, do corpo <strong>de</strong> Submarinos dos Estados Unidosda Bruzundanga.Pela tradução do "bengali". -- <strong>Lima</strong> <strong>Barreto</strong> -- (Tradutor públicoad-hoc).Careta, Rio, 19-3-1921.No salão da marquesaNA República da Bruzundanga, nunca houve gran<strong>de</strong> gosto pelascousas <strong>de</strong> espírito. A ativida<strong>de</strong> espiritual daquelas terras se limita a unsdoutorados <strong>de</strong> sabedoria equívoca; entretanto, alguns espíritos daquele Fonkimse esforçavam por dar um verniz esperitual à socieda<strong>de</strong> da terra. Escreviamlivros e folhetos, revistas e revistecas <strong>de</strong> modo que, artificialmente, opaís tinha uma certa ativida<strong>de</strong> espiritual.Notavam todos a falta <strong>de</strong> salas literárias, <strong>de</strong> salões espirituais, taisaqueles que tanto brilho <strong>de</strong>ram ao século XVIII francês, revelando nãosó gran<strong>de</strong>s escritores e filósofos, mas também espíritos femininos que, pelasua graça, pelo seu talento <strong>de</strong> penetração, muito distinguiram o sexo amável,antes <strong>de</strong>sse feminismo truculento e burocrático que anda por aí.Consciente <strong>de</strong>sta falta, a Marquesa <strong>de</strong> Borós, uma senhora <strong>de</strong> altaestirpe e não menos alta inteligência, tomou o alvitre <strong>de</strong> fundar um salãoliterário.Ela residia em um gran<strong>de</strong> palácio que se <strong>de</strong>pendurava sobre a cida<strong>de</strong>capital, do alto <strong>de</strong> uma ver<strong>de</strong>jante colina, e nele em certas e <strong>de</strong>terminadastar<strong>de</strong>s reunia os intelectuais do país.Em começo, recebeu alguns <strong>de</strong> valia; mas, bem <strong>de</strong>pressa, os fariseus esimuladores <strong>de</strong> talento tomaram conta da sala.A sua <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za e a sua bonda<strong>de</strong> se vira obrigada a receber todaessa chusma <strong>de</strong> mediocrida<strong>de</strong>s que, sem ter talento nem vocação, se julgamliteratos e artistas, como se se tratasse <strong>de</strong> con<strong>de</strong>corações e títulos fornecidospelo presi<strong>de</strong>nte da República do Cunany.A esse pessoal, acompanhou o equivalente feminino; e era <strong>de</strong> ver comoCathos fazia pendant ao farmacêutico Homais; Ma<strong>de</strong>lon ao gramáticoVaugelas; e Filaminta ao artista Pèlerin.Uma socieda<strong>de</strong>, ou antes: este salão começou a dominar a ativida<strong>de</strong>espiritual do país; e não havia recompensa do esforço intelectual em queele não se metesse e até pusesse o seu veto.O parecer <strong>de</strong>le era sempre sobremodo néscio e tolo.Para uns, ele opinava:-- O Jago<strong>de</strong>s receber prêmio -- qual! Um filho natural! Não épossível!Para outros, ele sentenciava:-- Não julgo o Fagun<strong>de</strong>s digno <strong>de</strong> figurar no Grêmio Literário Nacional...Ele não bebe champagne!A propósito <strong>de</strong>stoutro, ele dogmatizava:-- O Bustamante não po<strong>de</strong> receber a medalha. É verda<strong>de</strong> que ele temmerecimento; mas veste-se muito mal...Essa opinião acabava <strong>de</strong> ser pronunciada pelo ilustre literato Manueldas Regras, cuja obra por ser <strong>de</strong>sconhecida era <strong>de</strong> alto valor, quando,num canto da sala, foi visto um sujeito mal vestido, relaxado, sujo mesmo,com um todo <strong>de</strong> homem <strong>de</strong> outros tempos.Todos se entreolharam com certo medo, apesar do estranho não ternenhum ar <strong>de</strong> existência sobrenatural.Um mais animoso resolveu-se a falar ao intruso:-- Quem é o senhor?!-- Eu! Eu sou Francisco II, rei da Prússia.E toda aquela miu<strong>de</strong>za <strong>de</strong> gente escafe<strong>de</strong>u-se por todas as portas e
janelas da sala.Careta, Rio, 5-11-21.Outras noticiasDA minha viagem à República dos Estados Unidos da Bruzundanga,tenho publicado, no A.B.C., algumas notas com as quais organizei um volumeque <strong>de</strong>ve sair <strong>de</strong>ntro em breve das mãos do editor Jacinto Ribeiro dosSantos.Estou fora da Bruzundanga há alguns anos; mas, <strong>de</strong> quando emquando, recebo cartas <strong>de</strong> amigos que lá <strong>de</strong>ixei, dando-me notícias <strong>de</strong> tãointeressante terra.De algumas vale a pena dar conhecimento ao público que se interessapela vida <strong>de</strong>sses povos exóticos e paradoxais.Diz-me um amigo, em carta <strong>de</strong> meses atrás, que a Bruzundanga <strong>de</strong>clarouguerra ao império dos Ogres; mas não mandou tropas para combatê-losao lado dos outros países que já o faziam. Tratou unicamente <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>ruma gran<strong>de</strong> partida <strong>de</strong> tâmaras dos seus virtuais aliados, com o que o intermediárioganhou uma fabulosa comissão.Outra carta que <strong>de</strong> lá recebi, mais tar<strong>de</strong>, conta-me que os governantesda Bruzundanga resolveram afinal mandar uma esquadra para auxiliar ospaíses amigos que combatiam os Ogres.Logo toda a Bruzundanga se entusiasmou e batizou a sua divisão naval<strong>de</strong> "Invencível Armada".Como lá não houvesse um Duque <strong>de</strong> Medina Sidonia, como na Espanha<strong>de</strong> Felipe II, foi escolhido um simples almirante para comandá-la.A esquadra levou longos meses a preparar-se e com ela, mas empaquete, partiu também uma missão médica, para tratar dos feridos daguerra contra os Ogres.Tanto a esquadra como a missão chegaram a um porto intermediário,on<strong>de</strong>, em ambas, se <strong>de</strong>clarou uma peste pouco conhecida. Chamado ochefe da comissão médica, este respon<strong>de</strong>u:-- Não entendo disto... Não é comigo... Sou parteiro.Um outro doutor da missão dizia:-- Sou psiquiatra.E não saiu daí.-- Não sei -- acudiu um terceiro, ao se lhe pedir os seus serviços profissionais-- não curo <strong>de</strong>fluxos. Sou ortopedista.Não houve meio <strong>de</strong> vencer-lhes a vaida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas especialida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>anúncio <strong>de</strong> jornal.Assim, sem socorros médicos, a "Invencível Armada" <strong>de</strong>morou-se longotempo no tal porto, <strong>de</strong> modo que chegou aos mares da batalha, quandoa guerra tinha acabado.Melhor assim...Não foram só estas duas cartas que me trouxeram novas excelentes daBruzundanga.Muitas outras me chegaram às mãos; a mais curiosa, porém, é a queme narra a nomeação <strong>de</strong> um papagaio para um cargo público, feita pelopo<strong>de</strong>r executivo, sem que houvesse lei regular que a permitisse.Um ministro <strong>de</strong> lá muito jeitoso, que andava fabricando em vida, elemesmo, as peças <strong>de</strong> sua estátua, julgou que fazendo uma tal nomeação...tinha já em bronze o baixo relevo do monumento futuro à sua glória.Consultou um dos seus empregados que estudava leis e a interpretação<strong>de</strong>las em Bugâncio, sabia a casuística jesuítica, além <strong>de</strong> conhecer as sutilezasda Escolástica, a ponto <strong>de</strong> ser capaz <strong>de</strong> provar com a mesma soli<strong>de</strong>za tese e a antítese, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os interessados em uma e na outra o retribuíssembem.Dizia a lei fundamental da Bruzundanga:"Todos os cargos públicos são acessíveis aos bruzundanguenses, medianteas provas <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> que a lei exigir".O exegeta ministerial, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> verificar que o papagaio tinha nas-
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da Bruzundanga; era assim como o se
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chem de orgulho a família toda, os
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