estranheza, que, apesar <strong>de</strong> ter publicado mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z volumes, morreu abandonadonum subúrbio da capital da Bruzundanga, bebendo sodka comtristes e humil<strong>de</strong>s pessoas que nada entendiam <strong>de</strong> poesia; mas o amavam.A gente solene da Bruzundanga dizia <strong>de</strong>le o seguinte: "E um javanês(equivalente ao nosso "mulato" aqui) e não sabe sânscrito".Essa gente sublime daquele país é quase sempre mais ou menos javanesae, quase nunca, sabe sânscrito.Todo estímulo se vai e uma arte própria lá não se cria por falta <strong>de</strong>correspondência entre o herói artístico e a sua socieda<strong>de</strong>.Não é que ela não tenha necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> do espíritohumano, tanto assim que os jornais da Bruzundanga vêm pejados <strong>de</strong> notícias,encômios, ditirambos às mediocrida<strong>de</strong>s mais ou menos louras do que as<strong>de</strong> lá.Tenho aqui adiante dos olhos um jornal da Bruzundanga que trata<strong>de</strong> um poeta da Austrália, cujos melhores versos são como estes:Fui lá em cima ver meu Deus;Voltei triste, por nada encontrar.Mas se tiver forças hei <strong>de</strong> voltarPara vê-lo <strong>de</strong> novo outra vez.A notícia está assinada com o nome do autor e justifica os elogiosque lhe faz, com estas palavras, cuja aplicação <strong>de</strong>via caber aos seus camaradase contemporâneos, para animá-los a fazer gran<strong>de</strong>s coisas. Ei-las:"Nada mais agradável e, sobretudo, nada mais útil que aplaudir aosespíritos que apenas <strong>de</strong>sabotoam, ainda cheios do calor dos primeiros sonhos,ainda ressoantes da vibração dos primeiros vôos. Para eles não <strong>de</strong>ve sera crítica um instrumento frio, insensível, com as asperezas <strong>de</strong> uma medidacerta, senão uma voz <strong>de</strong> estímulo, uma alentadora voz que embale o coraçãoe penetre, carinhosamente, a inteligência que reponta. O comentário, semser exagerado, para não se tornar prejudicial, sem ser frívolo, para não setransformar em elemento nocivo, em fonte <strong>de</strong> erros e vícios, <strong>de</strong>ve procuraros aspectos mais significativos do temperamento que surge, apontando, comamoroso intuito, as insuficiências, as in<strong>de</strong>cisões da primeira hora, as dúvidase as hesitações peculiares aos que começam. Geralmente, porém, não costumamos críticos profissionais usar <strong>de</strong> tais cautelas antes preferem exercero seu mister, com ru<strong>de</strong>za e impassibilida<strong>de</strong>, confundindo autores novos, semresponsabilida<strong>de</strong>s literárias ainda firmadas, para os quais o maior rigor ébrandura."É engraçado que seja só maior rigor a brandura quando se trata <strong>de</strong>poetas da Austrália; mas quando se trata <strong>de</strong> vates da Bruzundanga aaior brandura é o rigor.Não é só assim em poesia. Nas artes plásticas, na música, tudo éassim.Chega à capital da Bruzundanga um pintor que se diz pintor e espanhol,a quem ninguém nunca viu ou conheceu, e logo os críticos dos jornais,viajados e lidos, finos e limpos <strong>de</strong> colarinhos, logo dizem: "Este DomTuas y Trias é Velázquez, é Zurbarán, é o Greco, é Goya, etc., etc."<strong>Os</strong> quadros que ele traz, talvez, não sejam <strong>de</strong>le; são <strong>de</strong> uma banalida<strong>de</strong><strong>de</strong> concepção e <strong>de</strong> uma infantilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> execução lamentáveis; masos tais homens lidos, viajados, que <strong>de</strong>sprezam os javaneses (os mulatos <strong>de</strong>lá), afirmam que o homem é extraordinário.Dito isto, logo todos os bobos ricos, enriquecidos com o tráfico doópio e outras maléficas, a fim <strong>de</strong> imitarem os príncipes da Renascença --já se viu! -- correm à exposição e compram os quadros a preço <strong>de</strong> ouro,enquanto os pobres diabos naturais ou vivendo na Bruzundanga, que sãoconscienciosos do seu mister, morrem em ofícios humil<strong>de</strong>s ou <strong>de</strong> sodka.E assim o gosto da gente superior da Bruzundanga, gente feita <strong>de</strong>doutores e aventureiros, ambas dadas à chatinagem e à veniaga, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> osprimeiros caçando casamentos ricos e os segundos na cavação comercial eindustrial, sem ter tido tempo para se <strong>de</strong>ter nessas coisas <strong>de</strong> pensamentoe arte.
Quando ficam ricos, estão completamente embotados, para não dizermais...Houve um pintor viriático que veio com uns quadros dramáticos.cenográficos para a Bruzundanga, precedido <strong>de</strong> uma fama <strong>de</strong> todos osdiabos, a ponto <strong>de</strong> um guarda-livros, Filinto não hesitar em dizer que eraLeonardo Da Vinco.Quando publicar estas notas em volume, que está a aparecer emedição <strong>de</strong> Jacinto Ribeiro dos Santos, meu bom amigo e camarada, hei <strong>de</strong>juntar uma reprodução do retrato eqüestre <strong>de</strong> um rei <strong>de</strong>le, o pintor, queé o mo<strong>de</strong>lo mais perfeito do maneirismo, do apelo aos uniformes, aoschamalotes, às plumas que conheço, em pintura.Estas notas foram escritas ao correr da pena; mas, entretanto, po<strong>de</strong>rei<strong>de</strong>senvolvê-las se os interessados me provocarem. Escrevo em dia oportuno.ABC, Rio, 7-9-1919.Lei <strong>de</strong> promoções(Crônica Militar)O que tem até agora regulado as promoções, quer no exército e armada,quer na polícia e guarda nacional, é o arbítrio, o capricho e a ignorânciacega dos elementos da genesíaca cartesiana, que os metafísicos <strong>de</strong>finemerroneamente como aplicação da álgebra à geometria.No semi-século genial e fecundo que me<strong>de</strong>ou entre Descartes e Leibnitz,muita conquista útil foi obtida, no terrena da análise transcen<strong>de</strong>nte,mesmo antes da sua completa sistematização pelo gênio do último daquelesfilósofos.Fermat, Cavallieri, Roberval e outros muitos concorreram para o estabelecimento<strong>de</strong>finitivo do instrumento leibnitziano -- uma imortal conquistacientífica, para obtenção da qual o espírito humano estava assazmaduro, tanto assim que Newton, pela mesma época, apresentou o seucálculo das fluxões.Todo esse lento e paciente trabalho que absorveu o espírito <strong>de</strong> tantosgran<strong>de</strong>s homens da Humanida<strong>de</strong>, obriga-nos a dispensar um culto acendradoà memória <strong>de</strong>les, por isso lhes cito aqui os nomes, ao lembrar assuas <strong>de</strong>scobertas que muito lucraram com o rigor e a justiça das promoçõesnos batalhões dos colégios equiparados e linhas <strong>de</strong> tiro.Nestas unida<strong>de</strong>s, o acesso ao posto imediato é <strong>de</strong>terminado por umprocesso rigorosamente científico, <strong>de</strong> um rigor verda<strong>de</strong>iramente astronômico.É preciso estendê-lo ao resto das forças armadas.Suponhamos um sargento que quer ser alferes. Pega-se o candidatoe faz-se engolir a seguinte beberagem:Ácido azótico .......................................... 5 g.Oxalato <strong>de</strong> potássio .................................... 7 g.Magnésia calcinada ..................................... 3 g.Bicloreto <strong>de</strong> mercúrio .................................. 2 g.Água <strong>de</strong>stilada ......................................... 100 g.Deve-se dar ao paciente tudo isto <strong>de</strong> uma só vez. Se o sujeito nãobater a bota, examinam-se as fezes com o papel tournesol, que, no caso <strong>de</strong>avermelhar-se, indica que o tipo po<strong>de</strong> ser alferes. No contrário, não.Isto não tem nada que ver com Leibnitz, nem com o seu cálculoinfinitesimal; mas não me ficava bem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> citar o imortal filósofo ea sua magna obra, po<strong>de</strong>ndo, se assim não proce<strong>de</strong>sse, ser confundido comum qualquer legislador metafísico e anarquizado, por aí, que não é senhordo saber integral da humanida<strong>de</strong>.A dosagem que indiquei, <strong>de</strong>ve variar quando se tratar <strong>de</strong> polícias,guardas nacionais e oficiais <strong>de</strong> fazenda. Para os primeiros carregar noácido azótico, para os segundos e terceiros, dobrar a dose <strong>de</strong> bicloreto <strong>de</strong>mercúrio.
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Os Bruzundangas, de Lima BarretoTex
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