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Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

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tudo...Recentemente, na Bruzundanga, uma revolução social e, logo em seguida,uma política, <strong>de</strong>slocaram essa boa gente da fortuna, e muitos <strong>de</strong>les,até, dos seus domínios, que vieram a cair nas mãos <strong>de</strong> aventureiros recentementechegados à terra ou, quando nascidos nela, eram <strong>de</strong> primeira geração,<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ndo diretamente <strong>de</strong> imigrantes recentes cujo único pensamentoera fazer fortuna do pé para a mão, cheios <strong>de</strong> uma avi<strong>de</strong>z monetária einescrupulosa que transmitiram <strong>de</strong>cuplicada aos filhos, e logo os lindos costumes<strong>de</strong> antiga nobreza agrária se per<strong>de</strong>ram. <strong>Os</strong> poetas foram postos àmargem e não tiveram mais nem consi<strong>de</strong>ração nem <strong>de</strong>sprezo. Era comose não existissem, como se fosse possível isso, seja em socieda<strong>de</strong> humana,fora <strong>de</strong> qualquer grau <strong>de</strong> civilização que ela esteja.Aos poucos, porém, os parvenus viram bem que era preciso pôr umpouco <strong>de</strong> beleza e <strong>de</strong> sonho nas suas existências <strong>de</strong> mascates broncos eferozes saqueadores legais. Deram em pagar sonetos que festejassem onascimento dos filhos e elegias que lhes <strong>de</strong>ssem lenitivo por ocasião damorte dos pais. Pagavam bem e pontualmente, como hoje se pagam asmissas <strong>de</strong> sétimo dia aos sacerdotes que oficiam nelas, ou em outras cerimôniasmenos tristes.Alguns, porém, quiseram mais ainda e, tendo notícias que os nobresfeudais, <strong>de</strong> espada e cavalo <strong>de</strong> batalha encouraçado e intrépido, tinhamos seus vates e trovadores, nos seus castelos e manoirs, pensaram em tê-lostambém, pagando-os a bom preço, a fim <strong>de</strong> que contribuíssem com as suas"palavras douradas" para o brilho <strong>de</strong> suas festas.Um <strong>de</strong>sses milionários, caprichoso e voluntarioso, quis ir mais longeainda. Tendo construído nos fundos <strong>de</strong> sua chácara, situada em um pitorescoarrabal<strong>de</strong> da capital da República da Bruzundanga, um tanque imenso,para dar banho aos cavalos <strong>de</strong> raça das suas opulentas cavalariças, teimouque havia <strong>de</strong> inaugurá-los soberbamente, com notícias nos jornais, bênçãosreligiosas e um discurso feito pelo maior literato <strong>de</strong> Bruzundanga, ou tidocomo tal, enfim, pelo mais famoso.Não posso garantir que o Creso tivesse pago ao celebérrimo poetaou que este lhe <strong>de</strong>vesse algum dinheiro; mas o certo é que, <strong>de</strong>sprezandoa dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua Arte e a Glória, a reputação literária mais absorventee mais tirânica da Bruzundanga, pescou latim, grego, a cabala judaica, oRamâiana, os Evangelhos e inaugurou com um discurso assim pomposo,e grandiloqüente, no estilo hugeano, o banheiro dos ginetes do multimilionárioHar-al-Nhardo Ben Khénly.O altitudo!O Parafuso, São Paulo, 12-3-1919.A arteO país da Bruzundanga, hoje República dos Estados Unidos da Bruzundanga,antigamente império, tem-se na conta <strong>de</strong> civilizado e, para isso,entre outras coisas, possui escolas para o ensino <strong>de</strong> belas-artes.Naturalmente <strong>de</strong>ssas escolas saem competências em pintura, escultura,gravura e arquitetura que <strong>de</strong>vem ter mais ou menos talento; entretanto,ninguém lhes dá importância, seja qual for o seu mérito.Se não conseguem lugares <strong>de</strong> professores, mesmo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senho linear,nenhum favor público ou particular recebem da sua nação e do seu povo.Houve um até, pintor <strong>de</strong> mérito, que se fez fabricante <strong>de</strong> tabuletaspara po<strong>de</strong>r viver; os mais, quando perdida a força <strong>de</strong> entusiasmo da mocida<strong>de</strong>,se entregam a narcóticos, especialmente a uma espécie da nossacachaça, chamada lá sodka, para esquecer os sonhos <strong>de</strong> arte e glória dosseus primeiros anos.Dá-se o mesmo com os poetas, principalmente os pouco audazes, aosquais os jornais nem notícia dão dos livros.Conheci um dos maiores, <strong>de</strong> mais encanto, <strong>de</strong> mais vibração, <strong>de</strong> mais

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