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Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

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diferente daquela que forma as cozinheiras e os pequenos burgueses.Tão tolos são eles que não se lembram que tais marqueses e maisbarões da sua terra são <strong>de</strong> origem tão humil<strong>de</strong> e tão vexatória em facedo critério nobiliárquico que os próprios portadores <strong>de</strong> tais títulos fidalgosocultam o mais que po<strong>de</strong>m a sua ascendência. Mas é preciso voltar aonosso Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pancome.A custa <strong>de</strong> todas essas vociferações, o povo não permitia que ninguémlhe tocasse na reputação e ficou convencido <strong>de</strong> que o homem era mesmoum <strong>de</strong>miurgo e consubstanciou a sua admiração ingênua nesta fórmulasimples: "é um bruzundanguense conhecido na Europa".Porque a mania daquele povo é querer à força que o seu país e osseus homens sejam conhecidos no estrangeiro, embora ele não possua umaativida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> qualquer natureza, nem mesmo um homem notável que possaatrair a curiosida<strong>de</strong> dos estranhos sobre a região e as suas coisas.De modo que, qualquer referência a ele ou a um natural <strong>de</strong>le, se elaé favorável e elogiosa, logo alvorota o povo da Bruzundanga, que ficacrente <strong>de</strong> que em todas as al<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> países afastados não se fala em outracousa senão na sua nação.Quando, porém, se diz lá fora que, na sua população, há milhões<strong>de</strong> javaneses e mestiços <strong>de</strong>les (o que é verda<strong>de</strong>), imediatamente todos seaborrecem, zangam-se, lançando tristemente o labéu <strong>de</strong> vergonha sobre osseus compatriotas <strong>de</strong> tal extração.É uma tolice <strong>de</strong>les (aí entram também muitos javaneses), pois tantoos <strong>de</strong> origem javanesa como os <strong>de</strong> outras raízes raciais têm dado inteligênciase ativida<strong>de</strong>s que se equivalem. Não há este <strong>de</strong> tal procedência quesobrepuje aquele <strong>de</strong> outra procedência, nem mesmo na quantida<strong>de</strong>; os <strong>de</strong>uma origem não sobrelevam os <strong>de</strong> outra, isto dura há três séculos e poucos;e, po<strong>de</strong>-se dizer, que é uma prova perfeitamente experimental, obtida nolaboratório da história. Tão bom como tão bom...Com tal mania, não é <strong>de</strong> admirar que, <strong>de</strong> uma hora para outra,Pancome ficasse sendo o ídolo da Bruzundanga; e o governo, para premiá-loe satisfazer a opinião pública, apressou-se em nomeá-lo embaixadorjunto ao governo <strong>de</strong> uma potência européia, e foi (lembro-me agora)quando embaixador, que obteve as con<strong>de</strong>corações a que aludi em capítuloanterior.E <strong>de</strong> tal forma a população do país se convenceu da imensa inteligência,das geniais vistas do viscon<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que ele era admirado no mundointeiro, e <strong>de</strong> que, também todos os sábios do Universo respeitavam-noreligiosamente, que ao chegar ele da estranja para assumir a pasta doExterior, toda ela correu em massa para a rua, quase lhe <strong>de</strong>satrelam, osmais entusiastas, os cavalos do carro, aclamando-o freneticamente pelasruas em que passou, como se recebesse a cida<strong>de</strong> Júlio César vitorioso ouDescartes, caso a natureza da glória <strong>de</strong>ste se compa<strong>de</strong>cesse com admiraçõesirrefletidas.Além daquelas medidas que citei em um dos capítulos passados, logono início do seu ministério, tomou o viscon<strong>de</strong> estas primordiais; usar pape!<strong>de</strong> linho nos ofícios, estabelecer uma cozinha na sua secretaria e baixaruma portaria, <strong>de</strong>terminando que os seus funcionários engraxassem as botastodos os dias. Na cozinha, porém, é que estava o principal das suas reformas,pois era o seu fraco a mesa farta, atulhada.Em seguida, convenceu o Mandachuva que o país <strong>de</strong>via ser conhecidona Europa por meio <strong>de</strong> uma imensa comissão <strong>de</strong> propaganda e <strong>de</strong> anúnciosnos jornais, cartazes nas ruas, berreiros <strong>de</strong> camelots, letreiros luminosos, nasesquinas e em outros lugares públicos.A sua vonta<strong>de</strong> foi feita; e a curiosa nação, em Paris foi muitas vezesapregoada nos boulevards como o último específico <strong>de</strong> farmácia ou comouma marca <strong>de</strong> automóveis. Contam-se até engraçadas anedotas.Nos anúncios luminosos, então, a sua imaginação foi fértil. Houveum que ficou célebre e assim rezava: "Bruzundanga, País rico -- Café,cacau e borracha. Não há pretos".

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