11.07.2015 Views

Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

hediondas! Quanta insuficiência artística! Não havia talvez dous <strong>de</strong>senhos,já não direi <strong>de</strong> acordo com as regras da heráldica, mas do gosto. Eramverda<strong>de</strong>iros rótulos <strong>de</strong> cerveja marca "barbante".Não falo <strong>de</strong> música, porque pouco observei sobre tal arte; mas, noque toca à arquitetura, posso dizer, com convicção, que lá não há umarquiteto <strong>de</strong> talento. Devia citar-lhes o nome aqui; mas, ao se tratar <strong>de</strong>tal gente, podia parecer que queria arranjar dinheiro. Não preciso.Outra pretensão curiosa da gente daquela província da Bruzundangaé afirmar que a sua casquilha capital é uma cida<strong>de</strong> européia. Há tantostipos <strong>de</strong> cida<strong>de</strong>s européias que tenho vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> perguntar se ela é do tipoAtenas, do tipo Veneza, do tipo Carcassone, do tipo Madrid, do tipo Florença,do tipo Estocolmo -- <strong>de</strong> que tipo será afinal? Certamente do <strong>de</strong>Paris. Ainda bem, que ela não quer ser ela mesma.O mal da província não está só nessas pequenas vaida<strong>de</strong>s inofensivas;o seu pior mal provém <strong>de</strong> um exagerado culto ao dinheiro. Quem não temdinheiro nada vale, nada po<strong>de</strong> fazer, nada po<strong>de</strong> aspirar com in<strong>de</strong>pendência.Não há metabolia <strong>de</strong> classes. A inteligência pobre que se quer fazer, temque se curvar aos ricos e cifrar a sua ativida<strong>de</strong> mental em produçõesincolores, sem significação, sem sincerida<strong>de</strong>, para não ofen<strong>de</strong>r os seusprotetores. A brutalida<strong>de</strong> do dinheiro asfixia e embrutece as inteligências.Não há lá in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> espírito, liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento.A polícia, sob este ou aquele disfarce, abafa a menor tentativa <strong>de</strong> críticaaos dominantes. Espanca, encarcera, <strong>de</strong>porta sem lei hábil, atemorizandotodos e impedindo que surjam espíritos autônomos. É o arbítrio;é a velha Rússia.E isso a polícia faz para que a província continue a ser uma espécie<strong>de</strong> República <strong>de</strong> Veneza, com a sua nobreza <strong>de</strong> traficantes a dominá-la,mas sem sentimento das altas cousas <strong>de</strong> espírito.Ninguém po<strong>de</strong> contrariar as cinco ou seis famílias que governam aprovíncia, em cujo proveito, <strong>de</strong> quando em quando, se fazem umas curiosasvalorizações dos seus produtos. Ai daquele que o fizer!A mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses oligarcas é tal, que não trepidaram em fazervotar uma lei colonial, uma verda<strong>de</strong>ira disposição <strong>de</strong> Carta Régia, para,diziam eles, aumentar o preço da "medida" (cerca <strong>de</strong> quinze quilos) docafé. O seu aparelho governativo <strong>de</strong>cretou, em certa ocasião, a proibiçãodo plantio <strong>de</strong> mais um pé <strong>de</strong> café que fosse, da data daquela lei emdiante. A lei, ao que parece, caiu em <strong>de</strong>suso. Não era <strong>de</strong> esperar outracoisa...Havia muito ainda a dizer a respeito; mas bastam estes traços paraos brasileiros julgarem o que é uma província mo<strong>de</strong>lo na República dosEstados Unidos da Bruzundanga.XXIPancome, as suas idéias e o amanuenseESTE caso do amanuense e alguns outros que aqui vão ser contadosna maioria, aconteceram na alta administração da Bruzundanga, quandofoi Ministro <strong>de</strong> Estrangeiros o Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pancome.Mas, <strong>de</strong>ntre todos os seus atos, aquele que fez propriamente escola,foi a nomeação <strong>de</strong> um amanuense para a sua secretaria; e os <strong>de</strong>mais, querquando foi ministro, quer antes, se entrelaçam tanto com a célebre nomeação,esclarecem <strong>de</strong> tal modo o seu espírito <strong>de</strong> governo e a sua capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> estadista, que tendo <strong>de</strong> narrar aquele provimento <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>stocargo, me vejo obrigado a relatar muitos outros casos <strong>de</strong> natureza quiçádiversa. Entro na matéria.Andava o po<strong>de</strong>roso secretário <strong>de</strong> Estado atrapalhado para preencherum simples cargo <strong>de</strong> amanuense que havia vagado na sua secretaria.Em lei, o caminho estava estabelecido: abria-se concurso e nomeava-se

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!