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Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

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fregueses e a ter cuidado com os calotes.Certo dia, ele leu nos jornais a notícia que o doutor Adhil Ben Thafttinha tido permissão do governo para dar alguns tiros com os gran<strong>de</strong>scanhões do gran<strong>de</strong> couraçado da esquadra do país -- "Witopá".Leu a notícia toda e feriu-lhe o fato da informação dizer: "Esse maravilhosoclínico é, certamente, um exímio artilheiro..."Clínico maravilhoso! Com muito esforço <strong>de</strong> memória, pô<strong>de</strong> conseguirrecordar-se <strong>de</strong> que aquele nome já por ele fora lido em qualquer parte.Maravilhoso clínico! Quem sabe se ele, não curaria daquela dorzita ali,no estômago? Meditava assim, quando lhe entra pela venda a<strong>de</strong>ntro, oSr. Hutekle, empregado na Repartição das Arapucas, funcionário público,homem sério e pontual no pagamento.Krat foi-lhe logo perguntando:-- Senhor Hutekle, o senhor conhece o doutor Adhil Ben Tad?-- Thaft, emendou o outro.-- Isto mesmo. Conhece-o, Senhor Hutekle?-- Conheço.-- E bom médico?-- Milagroso. Monta a cavalo, joga xadrez, escreve muito bem, é umexcelente orador, gran<strong>de</strong> poeta, músico, pintor, goal-keeper dos primeiros...-- Então é um bom médico, não é meu caro senhor?- É. Foi quem salvou a minha mulher. Custou-me caro... Duasconsultas...-- Quanto?-- Cinqüenta mil-réis cada uma... Some.O merceeiro guardou a informação, mas não se resolveu imediatamentea ir consultar o famoso taumturgo urbano. Cinqüenta mil-réis!E se não ficasse curado com uma única consulta? Mais cinquenta...Viu na mesa o cozido, olente, fumegante, farto <strong>de</strong> nabos e couves,rico <strong>de</strong> toucinho e abóbora vermelha, a namorá-lo e ele a namorar o prato,sem po<strong>de</strong>r gozá-lo com o ardor e a paixão que o seu <strong>de</strong>sejo pedia. Pensoudias e afinal <strong>de</strong>cidiu-se a <strong>de</strong>scer até à cida<strong>de</strong>, para ouvir a opinião dodoutor Adhil Ben Thaft sobre a sua dor no estômago, que lhe aparecia <strong>de</strong>on<strong>de</strong> em on<strong>de</strong>.Vestiu-se o melhor que pô<strong>de</strong>, dispôs-se a suportar o suplício das botas,pôs ao colete o relógio, a corrente e o medalhão <strong>de</strong> ouro com a enormeestrela <strong>de</strong> brilhante que parece ser o distintivo dos pequenos e gran<strong>de</strong>snegociantes <strong>de</strong> todas as terras, e encaminhou-se para a estação da estrada<strong>de</strong> ferro. Ei-lo no centro da cida<strong>de</strong>.Adquiriu a entrada, isto é, o cartão, nas mãos do contínuo do consultório,<strong>de</strong>spedindo-se dos seus cinqüenta mil-réis com a dor <strong>de</strong> pai queleva um filho ao cemitério. Ainda se o doutor fosse seu freguês... Masqual! Aqueles não voltariam mais...Sentou-se entre 'cavalheiros bem vestidos e damas perfumadas. Evitouencarar os cavalheiros e teve medo das damas... Sentia bem o seu opróbrio,não <strong>de</strong> ser taverneiro, mas <strong>de</strong> só possuir <strong>de</strong> economias duas miseráveis<strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> contos... Se tivesse algumas centenas -- então, sim, ele! -- elepo<strong>de</strong>ria olhar aquela gente com toda a segurança da fortuna, <strong>de</strong> dinheiro,que havia <strong>de</strong> alcançar certamente, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> anos, o mais breve possível.Um a um, iam eles entrando para o interior do consultório; e poucose <strong>de</strong>moravam. Suza, começou a ficar <strong>de</strong>sconfiado... Diabo! Assim tão<strong>de</strong>pressa?Boa profissão, a <strong>de</strong> médico! Ah! Se o pai tivesse sabido disso...Mas qual!Pobre pai! Ele mal podia com o peso da mulher e dos filhos, comohavia <strong>de</strong> pagar-lhe mestres? Cada um enriquece como po<strong>de</strong>...Foi, por fim, à presença do doutor. Krat gostou do homem. Tinhaum olhar doce, os cabelos já grisalhos, apesar <strong>de</strong> sua fisionomia moça,umas mãos alvas, polidas.Perguntou-lhe o médico com muita macieza <strong>de</strong> voz:

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