quando fazem legados a amigos, a parentes afastados, a criados, a instituições<strong>de</strong> carida<strong>de</strong>; mais, nos daqueles, só se topa com o mais atroz egoísmo.Lembro-me <strong>de</strong> um ricaço <strong>de</strong> lá que, ao morrer, fez avultados legados aosnetos, filhos <strong>de</strong> sua filha, com a condição <strong>de</strong> que <strong>de</strong>viam usar o nome <strong>de</strong>le-- cousa que, como se sabe, se não é contrária às leis, ofen<strong>de</strong> os costumes.O sobrenome tira-se do do pai, lá como aqui.Por falar em cousas <strong>de</strong> morte, convém recordar que os cemitérios <strong>de</strong>ssagente, ou por outra, os túmulos das pessoas da alta roda da <strong>Bruzundangas</strong>ão outra manifestação da sua pobreza mental.São caros jazigos ou carneiros <strong>de</strong> mármore <strong>de</strong> Carrara, mas os ornatos,as estátuas, toda a concepção <strong>de</strong>les, enfim, é <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> indigênciaartística. Raros são aqueles que pe<strong>de</strong>m a escultores que os façam. Todosos encomendam a simples marmoristas, que os recebem, aos montes, daItália.As suas casas são <strong>de</strong>soladoras arquitectonicamente. Há modas paraelas. Houve tempo em que era a <strong>de</strong> compoteiras na cimalha; houvetempo das cúpulas bizantinas; ultimamente era <strong>de</strong> mansardas falsas. Carneiros<strong>de</strong> Panúrgio...A sua capital, que é um dos lugares mais pitorescos do mundo, nãotem nos arredores casas <strong>de</strong> campo, risonhas e plácidas, como se vêem emoutras terras.Tudo lá é conforme a moda. Um antigo arrabal<strong>de</strong> da capital que, háquantos anos era lugar <strong>de</strong> chácaras e casas roceiras, passou a ser bairroaristocrático; e logo os panurgianos ricos, os que se fazem ricos ou fingemsê-lo, banalizaram o subúrbio, que ainda assim é lindo.Um dos toques da mediocrida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong> da Bruzundanga é a suaincapacida<strong>de</strong> para manter um teatro nacional.O teatro é por excelência uma arte <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> gente rica. Eleexige vestuários caros, jóias, carros -- tudo isso que só se po<strong>de</strong> obter coma riqueza. Pois os ricos da Bruzundanga, não animam as tentativas que setêm feito para fazer surgir um teatro indígena, e todas têm fracassado.Ela se contenta com a ópera italiana ou com as representações <strong>de</strong>celebrida<strong>de</strong>s estrangeiras.Po<strong>de</strong>ria ainda falar nas suas festas íntimas, nos seus casamentos,nos seus batizados, nas suas datas familiares; mas, por hoje, basta o quevai dito, e é o bastante para mostrar <strong>de</strong> que maneira a aristocracia daBruzundanga é incapaz <strong>de</strong> representar o papel normal das aristocracias:criar o gosto, afinar a civilização, suscitar e amparar gran<strong>de</strong>s obras.Se falei aqui em aristocracia, foi abusando da retórica. O meu intentoé <strong>de</strong>signar com tão altissonante palavra, não uma classe estável que <strong>de</strong>tenhao domínio da socieda<strong>de</strong> da Bruzundanga, e a represente constantemente;mas os efêmeros que, por instantes, representam esse papel naqueleinteressante país.Explicado este ponto, posso ir adiante nas minhas breves "notas" sobreo país da Bruzundanga.XIVAs eleiçõesDENTRE as muitas superstições políticas do nosso tempo, uma dasmais curiosas é sem dúvida a das eleições. Admissíveis quando se trata<strong>de</strong> pequenas cida<strong>de</strong>s, para a escolha <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s verda<strong>de</strong>iramente locais,quase municipais, como eram na antiguida<strong>de</strong>, elas tomam um aspecto <strong>de</strong>sortilégio, <strong>de</strong> adivinhação, ao serem transplantadas para os nossos imensosestados mo<strong>de</strong>rnos. Um <strong>de</strong>putado eleito por um dos nossos imensos distritoseleitorais, com as nossas dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação, quer materiais, querintelectuais, sai das urnas como um manipanso a quem se vão emprestarvirtu<strong>de</strong>s e po<strong>de</strong>res que ele quase sempre não tem. <strong>Os</strong> seus eleitores não
sabem quem ele é, quais são os seus talentos, as suas idéias políticas, assuas vistas sociais, o grau <strong>de</strong> interesse que ele po<strong>de</strong> ter pela causa pública;é um puro nome sem nada atrás ou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le. O eleito, porém, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> certos passes e benzeduras legais, vai para a Câmara representar-lhes avonta<strong>de</strong>, os <strong>de</strong>sejos e, certamente, procurar minorar-lhes os sofrimentos,sem nada conhecer <strong>de</strong> tudo isto.A superstição eleitoral é uma das nossas coisas mo<strong>de</strong>rnas que maishá <strong>de</strong> fazer rir os nossos futuros bisnetos.Na Bruzundanga, como no <strong>Brasil</strong>, todos os representantes do povo,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o vereador até ao Presi<strong>de</strong>nte da República, eram eleitos por sufrágiouniversal, e, lá, como aqui, <strong>de</strong> há muito que os políticos práticos tinhamconseguido quase totalmente eliminar do aparelho eleitoral este elementoperturbador -- "o voto".Julgavam os chefes e capatazes políticos que apurar os votos dos seusconcidadãos era anarquizar a instituição e provocar um trabalho infernalna apuração porquanto cada qual votaria em um nome, visto que, emgeral, os eleitores têm a tendência <strong>de</strong> votar em conhecidos ou amigos.Cada cabeça, cada sentença; e, para obviar os inconvenientes <strong>de</strong> semelhantefato, os mesários da Bruzundanga lavravam as atas conforme entendiame davam votações aos candidatos, conforme queriam.Na capital da Bruzundanga, Bosomsy, on<strong>de</strong> assisti diversas eleições,o espetáculo <strong>de</strong>las é o mais ineditamente pitoresco que se po<strong>de</strong> imaginar.As ruas ficam quase <strong>de</strong>sertas, per<strong>de</strong>m o seu trânsito habitual <strong>de</strong> muherese homens atarefados; mas para compensar tal <strong>de</strong>sfalque passamconstantemente por elas, carros, automóveis, pejados <strong>de</strong> passageiros heterogêneos.O doutor-candidato vai neles com os mais cruéis assassinos dacida<strong>de</strong>, quando ele mesmo não é um assassino; o grave chefe <strong>de</strong> secção,interessado na eleição <strong>de</strong> F., que prometeu fazê-lo diretor; o grave chefe,o homem severo com os vadios <strong>de</strong> sua burocracia, não trepida em andar<strong>de</strong> cabeça <strong>de</strong>scoberta, com dous ou três calaceiros conhecidíssimos.A fisionomia aterrada e curiosa da cida<strong>de</strong> dá a entrever que se está àespera <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira batalha; e a julgar-se pelas fisionomias que seamontoam nas secções, nos carros, nos cafés, e botequins, parece que asprisões foram abertas e todos os seus hóspe<strong>de</strong>s soltos, naquele dia.Raro é o homem <strong>de</strong> bem que se faz eleitor, e se se alista, para aten<strong>de</strong>ra pedidos <strong>de</strong> amigos, não tarda que o seu diploma sirva a outro cidadãomais prestante, que no dia do pleito, para fins eleitorais, muda <strong>de</strong> nomee toma o do pacato burguês que se <strong>de</strong>ixa ficar em casa, e vota com eles.Isto é o que lá se chama: -- "um fósforo".Às vezes semelhantes eleitores votam até com nomes <strong>de</strong> mortos, cujosdiplomas apresentam aos mesários solenes e hieráticos que nem sacerdotes<strong>de</strong> antigas religiões. Quer um, quer outro serviço eleitoral, constituem ospréstimos mais relevantes que se po<strong>de</strong>m prestar aos políticos <strong>de</strong> profissão.Tais costumes eleitorais da Bruzundanga são fonte <strong>de</strong> muitos casos cômicos,mas, por serem quase semelhantes aos que se passam entre nós,abstenho-me <strong>de</strong> narrá-los. Entretanto, vou dar-lhes o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> umingênuo e inteligente eleitor, que <strong>de</strong>screve a sua iniciação eleitoral na Bruzundangae os característicos do exercício dos direitos políticos que a suaConstituição outorga aos cidadãos.Trata-se <strong>de</strong> uma das melhores relações que travei naquele país. Aotempo em que nos conhecemos, ele tinha ai os seus vinte e seis anos e jáhavia publicado algumas memórias interessantes sobre a paleontologia daBruzundanga.Não sei, ao certo, se continuou com brilho a sua estréia brilhante;mas, suspeito que não.A socieda<strong>de</strong> da Bruzundanga mata os seus talentos, não porque os<strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhe, mas porque os quer idiotamente mundanos, cheios <strong>de</strong> empregos,como enfeites <strong>de</strong> sala banal.O meio inconsciente <strong>de</strong> que ela se serve para tal fim, é o casamento.O rapaz começa a fazer ruído e logo todos o cercam, já os <strong>de</strong> sua
- Page 1 and 2: Os Bruzundangas, de Lima BarretoTex
- Page 4 and 5: tantes. Por isso entrara no coupé
- Page 6 and 7: com pelotiquices e passes de mágic
- Page 8 and 9: da Bruzundanga; era assim como o se
- Page 10: E muitas outras de que me esqueci,
- Page 13 and 14: Certo dia, Idle Bhras de Grafofone
- Page 15 and 16: chem de orgulho a família toda, os
- Page 17 and 18: Entretanto, as primeiras têm um an
- Page 19 and 20: A minha estadia na Bruzundanga foi
- Page 21 and 22: ao fim.Não desanimarei e ainda mai
- Page 23 and 24: Eis como são as riquezas do país
- Page 25 and 26: Pode-se dizer que todos anseiam por
- Page 27 and 28: esse negócio de condecorações e
- Page 29 and 30: etc.Os deputados não deviam ter op
- Page 31 and 32: homem cuja única habilidade se res
- Page 33 and 34: gado e quase sempre generoso, e eu,
- Page 35 and 36: aritmética, era a conta de juros,
- Page 37 and 38: suas correrias, encontrou-se com um
- Page 39: da inteligência humana e da nature
- Page 43 and 44: traziam. Via perfeitamente tais arm
- Page 45 and 46: fregueses e a ter cuidado com os ca
- Page 47 and 48: desse "defeito" apresentavam alguns
- Page 49 and 50: Assim, em uma espécie de Rua da Al
- Page 51 and 52: cho coletivo, levando tão estranha
- Page 53 and 54: hediondas! Quanta insuficiência ar
- Page 55 and 56: fácil de explicar.Ele veio, no fim
- Page 57 and 58: Não ficou aí. Mostrou a necessida
- Page 59 and 60: exímio em dança; e, enquanto ele
- Page 61 and 62: hortaliças, legumes e a criação
- Page 63 and 64: grandes festas o centenário da fun
- Page 65 and 66: ecursos medianos, modestos, retraí
- Page 67 and 68: tudo...Recentemente, na Bruzundanga
- Page 69 and 70: Quando ficam ricos, estão completa
- Page 71 and 72: nossa opinião que essa questão de
- Page 73 and 74: janelas da sala.Careta, Rio, 5-11-2