11.07.2015 Views

Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

sabem quem ele é, quais são os seus talentos, as suas idéias políticas, assuas vistas sociais, o grau <strong>de</strong> interesse que ele po<strong>de</strong> ter pela causa pública;é um puro nome sem nada atrás ou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le. O eleito, porém, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> certos passes e benzeduras legais, vai para a Câmara representar-lhes avonta<strong>de</strong>, os <strong>de</strong>sejos e, certamente, procurar minorar-lhes os sofrimentos,sem nada conhecer <strong>de</strong> tudo isto.A superstição eleitoral é uma das nossas coisas mo<strong>de</strong>rnas que maishá <strong>de</strong> fazer rir os nossos futuros bisnetos.Na Bruzundanga, como no <strong>Brasil</strong>, todos os representantes do povo,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o vereador até ao Presi<strong>de</strong>nte da República, eram eleitos por sufrágiouniversal, e, lá, como aqui, <strong>de</strong> há muito que os políticos práticos tinhamconseguido quase totalmente eliminar do aparelho eleitoral este elementoperturbador -- "o voto".Julgavam os chefes e capatazes políticos que apurar os votos dos seusconcidadãos era anarquizar a instituição e provocar um trabalho infernalna apuração porquanto cada qual votaria em um nome, visto que, emgeral, os eleitores têm a tendência <strong>de</strong> votar em conhecidos ou amigos.Cada cabeça, cada sentença; e, para obviar os inconvenientes <strong>de</strong> semelhantefato, os mesários da Bruzundanga lavravam as atas conforme entendiame davam votações aos candidatos, conforme queriam.Na capital da Bruzundanga, Bosomsy, on<strong>de</strong> assisti diversas eleições,o espetáculo <strong>de</strong>las é o mais ineditamente pitoresco que se po<strong>de</strong> imaginar.As ruas ficam quase <strong>de</strong>sertas, per<strong>de</strong>m o seu trânsito habitual <strong>de</strong> muherese homens atarefados; mas para compensar tal <strong>de</strong>sfalque passamconstantemente por elas, carros, automóveis, pejados <strong>de</strong> passageiros heterogêneos.O doutor-candidato vai neles com os mais cruéis assassinos dacida<strong>de</strong>, quando ele mesmo não é um assassino; o grave chefe <strong>de</strong> secção,interessado na eleição <strong>de</strong> F., que prometeu fazê-lo diretor; o grave chefe,o homem severo com os vadios <strong>de</strong> sua burocracia, não trepida em andar<strong>de</strong> cabeça <strong>de</strong>scoberta, com dous ou três calaceiros conhecidíssimos.A fisionomia aterrada e curiosa da cida<strong>de</strong> dá a entrever que se está àespera <strong>de</strong> uma verda<strong>de</strong>ira batalha; e a julgar-se pelas fisionomias que seamontoam nas secções, nos carros, nos cafés, e botequins, parece que asprisões foram abertas e todos os seus hóspe<strong>de</strong>s soltos, naquele dia.Raro é o homem <strong>de</strong> bem que se faz eleitor, e se se alista, para aten<strong>de</strong>ra pedidos <strong>de</strong> amigos, não tarda que o seu diploma sirva a outro cidadãomais prestante, que no dia do pleito, para fins eleitorais, muda <strong>de</strong> nomee toma o do pacato burguês que se <strong>de</strong>ixa ficar em casa, e vota com eles.Isto é o que lá se chama: -- "um fósforo".Às vezes semelhantes eleitores votam até com nomes <strong>de</strong> mortos, cujosdiplomas apresentam aos mesários solenes e hieráticos que nem sacerdotes<strong>de</strong> antigas religiões. Quer um, quer outro serviço eleitoral, constituem ospréstimos mais relevantes que se po<strong>de</strong>m prestar aos políticos <strong>de</strong> profissão.Tais costumes eleitorais da Bruzundanga são fonte <strong>de</strong> muitos casos cômicos,mas, por serem quase semelhantes aos que se passam entre nós,abstenho-me <strong>de</strong> narrá-los. Entretanto, vou dar-lhes o <strong>de</strong>poimento <strong>de</strong> umingênuo e inteligente eleitor, que <strong>de</strong>screve a sua iniciação eleitoral na Bruzundangae os característicos do exercício dos direitos políticos que a suaConstituição outorga aos cidadãos.Trata-se <strong>de</strong> uma das melhores relações que travei naquele país. Aotempo em que nos conhecemos, ele tinha ai os seus vinte e seis anos e jáhavia publicado algumas memórias interessantes sobre a paleontologia daBruzundanga.Não sei, ao certo, se continuou com brilho a sua estréia brilhante;mas, suspeito que não.A socieda<strong>de</strong> da Bruzundanga mata os seus talentos, não porque os<strong>de</strong>s<strong>de</strong>nhe, mas porque os quer idiotamente mundanos, cheios <strong>de</strong> empregos,como enfeites <strong>de</strong> sala banal.O meio inconsciente <strong>de</strong> que ela se serve para tal fim, é o casamento.O rapaz começa a fazer ruído e logo todos o cercam, já os <strong>de</strong> sua

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!