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Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

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tantes. Por isso entrara no coupé <strong>de</strong>pressa, sôfrego, sem mesmo repararse, <strong>de</strong> fato, era o seu. Vinha cegamente, tangido por sentimentoscomplexos: orgulho, força, valor, vaida<strong>de</strong>.Todo ele era um poço <strong>de</strong> certeza. Estava certo do seu valor intrínseco;estava certo das suas qualida<strong>de</strong>s extraordinárias e excepcionais.A respeitosa atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos e a <strong>de</strong>ferência universal que o cercavaeram nada mais, nada menos que o sinal da convicção geral <strong>de</strong> serele o resumo do país, a encarnação dos seus anseios. Nele viviam osdoridos queixumes dos humil<strong>de</strong>s e os espetaculosos <strong>de</strong>sejos dos ricos.As obscuras <strong>de</strong>terminações das coisas, acertadamente, haviam-no erguidoaté ali, e mais alto levá-lo-iam, visto que só ele, ele só e unicamente,seria capaz <strong>de</strong> fazer o país chegar aos <strong>de</strong>stinos que os antece<strong>de</strong>ntes<strong>de</strong>le impunham...E ele sorriu, quando essa frase lhe passou pelos olhos, totalmenteescrita em caracteres <strong>de</strong> imprensa, em um livro ou em um jornal qualquer,Lembrou-se do seu discurso <strong>de</strong> ainda agora:"Na vida das socieda<strong>de</strong>s, como na dos indivíduos"...Que maravilha! Tinha algo <strong>de</strong> filosófico, <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>nte. E osucesso daquele trecho? Recordou-se <strong>de</strong>le por inteiro:"Aristóteles, Bacon, Descartes, Spinosa e Spencer, como Sólon,Justiniano, Portalis e Ihering, todos os filósofos, todos os juristas afirmamque as leis <strong>de</strong>vem se basear nos costumes"...O olhar, muito brilhante, cheio <strong>de</strong> admiração -- o olhar do lea<strong>de</strong>rda oposição -- foi o mais seguro penhor do efeito da frase...E quando terminou! Oh!"Senhor, o nosso tempo é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s reformas; estejamos com ele:reformemos!"A cerimônia mal conteve, nos circunstantes, o entusiasmo comque esse final foi recebido.O auditório <strong>de</strong>lirou. As palmas estrugiram; e, <strong>de</strong>ntro do gran<strong>de</strong>salão iluminado, pareceu-lhe que recebia as palmas da Terra toda.O carro continuava a voar. As luzes da rua extensa apareciamcomo um só traço <strong>de</strong> fogo; <strong>de</strong>pois sumiram-se.O veículo agora corria vertiginosamente <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma névoafosforescente. Era em vão que seus augustos olhos se abriam <strong>de</strong>smedidamente;não havia contornos, formas, on<strong>de</strong> eles pousassem.Consultou o relógio. Estava parado? Não; mas marcava a mesmahora, o mesmo minuto da sua saída da festa.-- Cocheiro, on<strong>de</strong> vamos?Quis arriar as vidraças. Não pô<strong>de</strong>; queimavam.Redobrou os esforços, conseguindo arriar as da frente,Gritou ao cocheiro:-- On<strong>de</strong> vamos? Miserável, on<strong>de</strong> me levas?Apesar <strong>de</strong> ter o carro algumas vidraças arriadas, no seu interiorfazia um calor <strong>de</strong> forja. Quando lhe veio esta imagem, apalpou bem,no peito, as grã-cruzes magníficas. Graças a Deus, ainda não se haviam<strong>de</strong>rretido. O Leão da Birmânia, o Dragão da China, o Lingão da Índiaestavam ali, entre todas as outras, intactas.-- Cocheiro, on<strong>de</strong> me levas?Não era o mesmo cocheiro, não era o seu. Aquele homem <strong>de</strong>nariz adunco, queixo longo com uma barbicha, não era o seu fielManuel!-- Canalha, pára, pára, senão caro me pagarás!O carro voava e o ministro continuava a vociferar:-- Miserável! Traidor! Pára! Pára!Em uma <strong>de</strong>ssas vezes voltou-se o cocheiro; mas a escuridão que seia, aos poucos fazendo quase perfeita, só lhe permitiu ver os olhos doguia da carruagem, a brilhar <strong>de</strong> um brilho brejeiro, metálico e cortante.Pareceu-lhe que estava a rir-se.O calor aumentava. Pelos cantos o carro chispava. Não po<strong>de</strong>ndo

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