Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil
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suas correrias, encontrou-se com uma moça da Bruzundanga que se apaixonoupor ele. Seguiu-o nas suas aventuras e combates contra a união bruzundanguense.Até aí nada <strong>de</strong> novo. É comum, até. Mas querer fazer <strong>de</strong> semelhantedama heroína da Bruzundanga, é que nunca pu<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r. Eu meponho aqui no ponto <strong>de</strong> vista dos patriotas, para os quais a pátria é unae indivisível. Se me pusesse sob qualquer outro ponto <strong>de</strong> vista, então atal dama heroína nada <strong>de</strong> notável teria a meus olhos a não ser a <strong>de</strong>dicaçãoaté ao sacrifício pelo seu amante, mais tar<strong>de</strong> seu marido. Isto mesmo,porém, não é virtu<strong>de</strong> que torne uma mulher excepcional, pois é comumnelas, a menos que tal <strong>de</strong>dicação sirva <strong>de</strong> moldura às qualida<strong>de</strong>s excepcionaisdo seu marido ou do seu amante. No caso, porém, encarando-o estrictamentesob o aspecto da evolução política da Bruzundanga, o seu maridonão era mais do que um aventureiro.É semelhante senhora que lá, naquelas plagas, comparam à Jeanned'Arc. Admirável!Por aí, po<strong>de</strong>m os senhores ver <strong>de</strong> que estofo são os heróis da Bruzundanga;mas há outros.Como sabem, a Bruzundanga foi, durante um século, Império ou Monarquia.Há seis ou sete lustros os oficiais do seu exército começaram aficar <strong>de</strong>scontentes e juntaram-se a outros <strong>de</strong>scontentes civis, que tinhamachado para resumir as suas vagas aspirações a palavra República. Começarama agitar-se e, em breve, tinham a a<strong>de</strong>são dos senhores <strong>de</strong> escravos,cuja libertação os fizera <strong>de</strong>sgostosos com o trono da Bruzundanga.<strong>Os</strong> amigos do Império, vendo que as cousas perigavam, trataram <strong>de</strong>enfrentar a corrente com <strong>de</strong>cisão e chamaram, para con<strong>de</strong>stável da Bruzundanga,um velho general que vivia retirado nas suas proprieda<strong>de</strong>sagrícolas.Era <strong>de</strong> crer que semelhante con<strong>de</strong>stável pu<strong>de</strong>sse ser vencido, mas queconfabulasse com os inimigos que vinha combater, não era possível admitir!Pois foi o que ele fez. Não sou eu quem o diz; são os seus próprios companheiros.Ainda há meses, recebi um jornal da Bruzundanga, em queum gran<strong>de</strong> e notável fabricante da República <strong>de</strong> lá contava como as cousasse tinham passado. Narra esse senhor, como o con<strong>de</strong>stável, nas vésperasda proclamação da República, enganara aqueles que tinham <strong>de</strong>positadoconfiança nele, para servir os contrários. Eis aí os começos <strong>de</strong> um heróida República dos Estados Unidos da Bruzundanga! Ele, porém, ainda nosmerece mais algumas palavras. Este último herói é lá chamado Consolidadorda República. Sabem por quê? Porque não consolidou cousa alguma.Não houve Mandachuva, pois ele o foi, da Bruzundanga, quem mais <strong>de</strong>srespeitasseas leis da República. Enten<strong>de</strong>r-se-ia que a havia consolidado se oseu governo fosse fecundo <strong>de</strong>ntro das leis da Bruzundanga. Ele, porém,saltou por cima <strong>de</strong> todas elas e governou a seu talante. Mostrou que asleis da República não prestavam e, longe <strong>de</strong> consolidá-las, abalou-as nosseus fundamentos. Tal cousa, na hipótese do seu governo ter sido bom efecundo; mas não o foi. Isto, porém, não nos interessa. Ele é um dosheróis da Bruzundanga que, em falta <strong>de</strong> um Carlyle, teve um aqui escultorque lhe fez um monumento, erecto em uma das praças da capital, monumentotão curioso que precisa <strong>de</strong> um guia, <strong>de</strong> um tratado escrito, para sercompreendido. Arte do futuro; Beyreuth da Bruzundanga.Outro herói da Bruzundanga é o Viscon<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pancome. Este senhorera <strong>de</strong> fato um homem inteligente, mesmo <strong>de</strong> talento; mas lhe faltava osenso do tempo e o sentimento do seu país. Era um historiógrafo; mas nãoera um historiador. As suas idéias sobre história eram as mais estreitaspossíveis: datas, fatos estes mesmos políticos. A história social, ele não asentia e não a estudava. Tudo nele se norteava para a ação política e,sobretudo, diplomática. Para ele (os seus atos <strong>de</strong>ram a enten<strong>de</strong>r isto) umpaís só existe para ter importância diplomática nos meios internacionais.Não se voltava para o interior do país, não lhe via a população com assuas necessida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>sejos. Pancome sempre tinha em mira saber como