por aliado. Ah! Quem o visse contar certas anedotas sobre padres, jogandoo "truque", nos fundos da botica <strong>de</strong> sua terra!... História antiga! Ohomem, hoje, é sinceramente católico, e tanto assim que acompanha procissões<strong>de</strong> opa ou balandrau.A ascensão <strong>de</strong>le a Senador até coincidiu com a sua eleição para irmãofabriqueiro da Santíssima Irmanda<strong>de</strong> e Santo Afonso <strong>de</strong> Ligório e tambémcom a <strong>de</strong> <strong>de</strong>finidor da Santíssima e Venerável Irmanda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Santo Onofre.As cousas vão assim marchando; e ele, sempre calado, <strong>de</strong>ixa-se ficar,rodando a manivela do gramofone e do seu moinho <strong>de</strong> rezas.Há uma complicação na escolha do Governador da província das Jazidas,on<strong>de</strong> ele nasceu. <strong>Os</strong> cai<strong>de</strong>s não se enten<strong>de</strong>m e o seu nome é apontadocomo conciliador, escolhido e eleito. Aborrece-se um pouco, pois já estavahabituado com a capital do país, e muito gostava <strong>de</strong>la, apesar <strong>de</strong> mal aconhecer. Toma posse, entretanto. Surge, ao meio do seu governo regional,não entre os cai<strong>de</strong>s, mas na comunhão dos emires que governam o país,um <strong>de</strong>saguisado, com o problema da sucessão do Mandachuva, cujo tempoestá a acabar. O nosso homem não se <strong>de</strong>fine. Continua a dar corda noseu enorme e fanhoso gramofone e a rodar a manivela do seu moinho <strong>de</strong>rezas. <strong>Os</strong> padres, que são seus aliados, não o abandonam; e nos bastidores,por intermédio das mulheres dos políticos, insinuam-lhe o nome para o altocargo <strong>de</strong> Mandachuva. Ei-lo eleito, toma posse do cargo e do alcatifadopalácio que a nação lhe dá para residência.O seu primeiro cuidado, e também da mulher, é fechar diversos aposentospara diminuir o número <strong>de</strong> serviçais, <strong>de</strong> modo afazer economiasna verba <strong>de</strong> representação.O cargo dá-lhe certos incômodos, mas muitas vantagens: não pagaselo nas cartas, não paga bon<strong>de</strong>, trem, nem teatros, on<strong>de</strong> continua a quasenão ir. O que o aborrece, sobretudo, são as audiências públicas -- umaimportunação para esse parente <strong>de</strong> São Luiz. Mais o amolar que lhe dãofadiga. Ao sair <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>las, diz à mulher:-- Que povo aborrecido!-- Mas que tem você com o povo? -- pergunta Mme. Mandachuva, aEgéria conjugal.Para distrair-se, o esclarecido Mandachuva compra um bom gramofonee instala no palácio um cinema.É conveniente lembrar que, nesse mesmo palácio, ao tempo em quea Bruzundanga era Império, executores famosos no mundo inteiro tinhamtocado obras-primas musicais, no violino e no piano. Houve progresso...Eis aí um Mandachuva perfeito.XForça armadaNA Bruzundanga não existe absolutamente força armada. Há, porém,cento e setenta e cinco generais e oitenta e sete almirantes. Além disto,há quatro ou cinco milheiros <strong>de</strong> oficiais, tanto <strong>de</strong> terra como <strong>de</strong> mar, quese ocupam em fazer ofícios nas repartições. O fim principal <strong>de</strong>ssas repartições,no que toca ao Exército, é estudar a mudança <strong>de</strong> uniformes dosmesmos oficiais. <strong>Os</strong> gran<strong>de</strong>s costureiros <strong>de</strong> Paris não têm tanto trabalhoem imaginar modas femininas como os militares da Bruzundanga em conceber,<strong>de</strong> ano em ano, novos fardamentos para eles.Quando não lhes é possível <strong>de</strong> todo mudá-los, reformam o feitio doboné ou do calçado. É assim que já usaram os oficiais do Exército <strong>de</strong> lá,coturnos, borzeguins, sandálias, sabots e aquilo que nós chamamos aqui-- tamancos.Entretanto, o Exército da Bruzundanga merece consi<strong>de</strong>ração, pois temboas qualida<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>sculpam esses pequenos <strong>de</strong>feitos. É às vezes abne-
gado e quase sempre generoso, e eu, que vivi entre os seus oficiais muitotempo, tendo tido muitas questões com eles, posso dizer que jamais ossupus tão tolerantes. Foi, no que me toca, um traço que, além <strong>de</strong> mesurpreen<strong>de</strong>r, me cativou imensamente. Demais, apesar <strong>de</strong> toda e qualquerpresunção que se lhes possa atribuir, eles têm sempre um sincero respeitopelas manifestações da inteligência, partam elas <strong>de</strong> on<strong>de</strong> partirem.O mesmo não se po<strong>de</strong> dizer da Marinha. Ela é estrictamente militar eos seus oficiais julgam-se <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes dos primeiros homens que saíram<strong>de</strong> Pamir. Não há neles a preocupação <strong>de</strong> constante mudança <strong>de</strong> fardamento;mas há a <strong>de</strong> raça, para que a Bruzundanga não seja envergonhadano estrangeiro possuindo entre os seus oficiais <strong>de</strong> mar alguns <strong>de</strong> origemjavanesa. <strong>Os</strong> mestiços <strong>de</strong> javaneses, entretanto, têm dado gran<strong>de</strong>s inteligênciasao país, e muitas.A marinha da Bruzundanga, porém, com muito pouco entra para oinventário intelectual da pátria que ela diz representar no estrangeiro comos seus navios paralíticos.Se, <strong>de</strong> fato, lá houvesse Marinha, podia-se dizer que era mantida pelopovo da Bruzundanga para gáudio e alegria dos países estranhos.As principais produções dos arsenais <strong>de</strong> guerra do país são brinquedosaperfeiçoados; e os da Marinha são muito estimados na nação pela perfeiçãodas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pescaria que lhe saem dos estaleiros.Uma das curiosida<strong>de</strong>s da Armada daquele país é a indolência tropicaldos seus navios que, às vezes, por mero capricho, teimam em não andar.Enfim, a força armada da Bruzundanga é a cousa mais inocente <strong>de</strong>stemundo. Em face <strong>de</strong>la, todo o pacifismo ou humanitarismo é perfeitamenteridículo.XIUm ministroESTAS "notas" sobre a Bruzundanga ameaçam não acabar mais. Temo,ao escrevê-las tão longas como as Histórias <strong>de</strong> Heródoto, não virem elas,apesar disso, merecer a imortalida<strong>de</strong> da obra do viajante grego.Contudo, se a posterida<strong>de</strong> não encontrar nelas algum ensinamento, eas <strong>de</strong>sprezar, os contemporâneos do meu país po<strong>de</strong>m achar nestas rápidasnarrações <strong>de</strong> coisas <strong>de</strong> nação tão remota, mol<strong>de</strong>s, receitas e meios paraesbo<strong>de</strong>gar <strong>de</strong> vez o <strong>Brasil</strong>.Esbocei em um capítulo antece<strong>de</strong>nte o tipo <strong>de</strong> Mandachuva da Bruzundanga;agora, vou ver se <strong>de</strong>buxo o <strong>de</strong> um ministro daquele país.A Bruzundanga, como o <strong>Brasil</strong>, é um país essencialmente agrícola; e,como o <strong>Brasil</strong>, po<strong>de</strong>-se dizer que não tem agricultura.O regímen <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> agrícola lá, regímen <strong>de</strong> latifúndios comtoques feudais, faz que o trabalhador agrícola seja um pária, quase sempreerrante <strong>de</strong> fazenda em fazenda, don<strong>de</strong> é expulso por dá cá aquela palha,sem garantias <strong>de</strong> espécie alguma -- situação mais agravada ainda pelasua ignorância, pela natureza das culturas, pela politicagem roceira e pelaincapacida<strong>de</strong> e cupi<strong>de</strong>z dos proprietários.Estes, em geral, são completamente inábeis para dirigir qualquer coisa,indignos da função que a obscura marcha das coisas <strong>de</strong>positou em suasmãos. Pouco instruídos, apesar <strong>de</strong> formados, nisto ou naquilo, e seminiciativa <strong>de</strong> qualquer natureza, <strong>de</strong>spidos <strong>de</strong> qualquer sentimento <strong>de</strong> nobrezae generosida<strong>de</strong> para com os seus inferiores, mais ávidos <strong>de</strong> riqueza que omais feroz taverneiro, pimpãos e arrogantes, as suas fazendas ou usinassão governadas por eles, quando o são, com a dureza e os processos violentos<strong>de</strong> uma antiga fazenda brasileira <strong>de</strong> escravos.Todos eles são políticos, senão <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque, ao menos com influêncianos lugares em que têm as suas fazendas agrícolas; e, apoiados na política,
- Page 1 and 2: Os Bruzundangas, de Lima BarretoTex
- Page 4 and 5: tantes. Por isso entrara no coupé
- Page 6 and 7: com pelotiquices e passes de mágic
- Page 8 and 9: da Bruzundanga; era assim como o se
- Page 10: E muitas outras de que me esqueci,
- Page 13 and 14: Certo dia, Idle Bhras de Grafofone
- Page 15 and 16: chem de orgulho a família toda, os
- Page 17 and 18: Entretanto, as primeiras têm um an
- Page 19 and 20: A minha estadia na Bruzundanga foi
- Page 21 and 22: ao fim.Não desanimarei e ainda mai
- Page 23 and 24: Eis como são as riquezas do país
- Page 25 and 26: Pode-se dizer que todos anseiam por
- Page 27 and 28: esse negócio de condecorações e
- Page 29 and 30: etc.Os deputados não deviam ter op
- Page 31: homem cuja única habilidade se res
- Page 35 and 36: aritmética, era a conta de juros,
- Page 37 and 38: suas correrias, encontrou-se com um
- Page 39 and 40: da inteligência humana e da nature
- Page 41 and 42: sabem quem ele é, quais são os se
- Page 43 and 44: traziam. Via perfeitamente tais arm
- Page 45 and 46: fregueses e a ter cuidado com os ca
- Page 47 and 48: desse "defeito" apresentavam alguns
- Page 49 and 50: Assim, em uma espécie de Rua da Al
- Page 51 and 52: cho coletivo, levando tão estranha
- Page 53 and 54: hediondas! Quanta insuficiência ar
- Page 55 and 56: fácil de explicar.Ele veio, no fim
- Page 57 and 58: Não ficou aí. Mostrou a necessida
- Page 59 and 60: exímio em dança; e, enquanto ele
- Page 61 and 62: hortaliças, legumes e a criação
- Page 63 and 64: grandes festas o centenário da fun
- Page 65 and 66: ecursos medianos, modestos, retraí
- Page 67 and 68: tudo...Recentemente, na Bruzundanga
- Page 69 and 70: Quando ficam ricos, estão completa
- Page 71 and 72: nossa opinião que essa questão de
- Page 73 and 74: janelas da sala.Careta, Rio, 5-11-2