11.07.2015 Views

Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

homem cuja única habilida<strong>de</strong> se resume em contar anedotas; é um homem<strong>de</strong>stes, meus senhores, que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>putado provincial, geral, senador,presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> província, vai ser o Mandachuva da Bruzundanga.Hão <strong>de</strong> dizer que, passando por tão-altos cargos que se exercem emgran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s, nas capitais, o futuro Mandachuva há <strong>de</strong> ter recebidooutras impressões e ganhar, portanto, idéias mais amplas. Naturalmente,ele há <strong>de</strong> adquirir algumas, mas não tantas que modifiquem a sua primitivaestrutura mental.Durante este longo tempo em que ele passa como <strong>de</strong>putado, senador,isto e aquilo, o esperançoso Mandachuva é absorvido pelas intrigas políticas,pelo esforço <strong>de</strong> ajeitar os correligionários, pelo trabalho <strong>de</strong> amaciaros influentes e os prepon<strong>de</strong>rantes, na política geral e regional. A sua ativida<strong>de</strong>espiritual limita-se a isto.<strong>Os</strong> prepon<strong>de</strong>rantes e influentes têm todo o interesse em não fazersubir os inteligentes, os ilustrados, os que enten<strong>de</strong>m <strong>de</strong> qualquer cousa; etratam logo <strong>de</strong> colocar em <strong>de</strong>staque um medíocre razoável que tenha maisambição <strong>de</strong> subsídios do que mesmo a vaida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r.Além disso, eles têm que aten<strong>de</strong>r aos capatazes políticos das localida<strong>de</strong>sdas províncias; e, em geral, estes últimos indicam, para os primeiros postospolíticos, os seus filhos, os seus sobrinhos e <strong>de</strong> preferência a estes: os seusgenros.A ternura do pai quer sempre dar essa satisfação à vaida<strong>de</strong> das filhas.O futuro chefe do governo da Bruzundanga começa a sua carreirapolítica pela mão do sogro; e, relacionando-se com os bonzos <strong>de</strong> sua província,se é esperto e apoucado <strong>de</strong> inteligência e saber, faz-se ainda mais;na maioria dos casos, porém, não é preciso tanto. <strong>Os</strong> cai<strong>de</strong>s ficam logocontentes com ele. Mandam-no para a Câmara Geral; e, durante a primeiralegislatura, encarregam-no <strong>de</strong> comprar ceroulas, pares <strong>de</strong> meias, espingardas<strong>de</strong> dous canos, óculos <strong>de</strong> grau tanto, <strong>de</strong> ir às repartições ver talrequerimento, <strong>de</strong> empenhar-se pelos exames dos nhonhôs, etc...Quando acaba a legislatura, o Messias anunciado para salvar a Bruzundangaé possuidor <strong>de</strong> todo esse acervo <strong>de</strong> serviços ao partido. É reeleita.A sua lealda<strong>de</strong> e o seu natural prestativo indicam-no logo para lea<strong>de</strong>r dabancada, senão da Câmara, Ei-lo em evidência. <strong>Os</strong> jornalistas, gran<strong>de</strong>s epequenos, não o <strong>de</strong>ixam, elogiam-no, dão-lhe o retrato nas folhas, fazempilhérias a respeito do homem; e ele autoriza a publicação <strong>de</strong> atos oficiaisdo governo <strong>de</strong> sua província, cujas contas o erário <strong>de</strong>partamental pagagenerosamente aos seus jornais e revistas.<strong>Os</strong> calen<strong>de</strong>rs provincianos estão cada vez mais contentes com ele e onosso homem já economizou, sobre subsídios, mais do que a mulher trouxepara a socieda<strong>de</strong> conjugal.É um homem metódico, pontual nos pagamentos, não gasta dinheiroem cousas inúteis, como seja em livros.Uma noite ou outra, vai ao Teatro Lírico, mas logo se aborrece, nãosó ele como a futura Mme. Mandachuva. Preferia, madame, estar a dormirnaquela hora, e ele a jogar solo na botica, antes do que permanecerem ali,apertados nos vestuários, a ouvir umas cantorias em língua que não enten<strong>de</strong>m.Que sauda<strong>de</strong>s do gramofone! Para ele, há secas piores...Ainda a música ele suporta um tanto, mas as tais exposições <strong>de</strong> pintura,as sessões <strong>de</strong> Aca<strong>de</strong>mias... Irra! Que estafa!Foge <strong>de</strong> ir a elas; e todo o seu medo é vir a ser presi<strong>de</strong>nte da Bruzundanga,pois será obrigado a comparecer a tais festas.A sua leitura continua a ser os jornais, porém não pega mais nosmanuais, nos indicadores <strong>de</strong> legislação.As necessida<strong>de</strong>s artísticas <strong>de</strong> sua natureza se cifram no gramofonedoméstico e nos cinemas urbanos ou do arrabal<strong>de</strong> em que resi<strong>de</strong>. Fazcoleção dos programas <strong>de</strong>stes últimos e, com eles, organiza a sua opulentabiblioteca literária.A proporção que sobe, mostra-se mais carola; não falta à missa, aossermões, comunga, confessa-se e os padres e irmãs <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> têm-no já

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!