11.07.2015 Views

Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A Carta da Bruzundanga, que começou imitando a do país dos gigantes,foi inteiramente obe<strong>de</strong>cida nessa passagem, e <strong>de</strong> um modo religioso.No que toca ao resto, porém, ela tem sofrido várias mutilações, <strong>de</strong>sfiguraçõese interpretações <strong>de</strong> modo a não me permitir continuar a dar maisapanhados <strong>de</strong>la, a menos que quisesse escrever um livro <strong>de</strong> seiscentaspáginas.IVUm mandachuvaOS leitores que têm seguido estas rápidas notas sobre os usos e costumes,leis e superstições da República da Bruzundanga, não <strong>de</strong>vem ter esquecidoque o seu presi<strong>de</strong>nte é chamado "Mandachuva", e oficialmente.Já <strong>de</strong>i até algumas das exigências constitucionais que os candidatostêm <strong>de</strong> preencher, a fim <strong>de</strong> ascen<strong>de</strong>rem à curul presi<strong>de</strong>ncial daquele país,que fica próximo da ilha dos Lagartos, tão bem <strong>de</strong>scrita pelo meu concidadãoAntônio José, que as fogueiras da Inquisição queimaram em Lisboa,O que pretendo agora, nestas linhas, é fornecer aos leitores o tipo <strong>de</strong>um presi<strong>de</strong>nte da curiosa República, infelizmente tão mal conhecida entrenós -- cousa <strong>de</strong> lastimar, pois ela nos podia fornecer mo<strong>de</strong>los que noslevassem <strong>de</strong> vez a completo <strong>de</strong>sastre. Il faut finir, pour recommencer...A não ser que suba ao po<strong>de</strong>r, por uma revolta mais ou menosdisfarçada, um General mais ou menos <strong>de</strong>corativo, o Mandachuva é sempreescolhido entre os membros da nobreza doutoral; e, <strong>de</strong>ntre os doutores, aescolha recai sobre um advogado.É justo, pois são os advogados ou bacharéis em direito que <strong>de</strong>vemter obrigação <strong>de</strong> conhecer a barafunda <strong>de</strong> leis <strong>de</strong> toda a natureza, emboraa arte <strong>de</strong> governar, segundo o critério dos que filosofam sobre o Estado eo admitem necessário, não peça unicamente o seco conhecimento <strong>de</strong> textos<strong>de</strong> leis, <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> códigos, <strong>de</strong> opiniões <strong>de</strong> praxistas e hermeneutas.As leis são o esqueleto das socieda<strong>de</strong>s, mas a feição <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> oudoença <strong>de</strong>stas, as suas necessida<strong>de</strong>s terapêuticas ou cirúrgicas, são dadaspelo prévio conhecimento e exame, no momento, do estado <strong>de</strong> certas partesexternas e dos seus órgãos vitais, que são o seu comércio, a sua indústria,as suas artes, os sonhos do seu povo, os sofrimentos <strong>de</strong>le -- toda essaparte mutável das comunhões humanas, cambiantes e fugidia, que só osfortes observadores, com gran<strong>de</strong> inteligência, colhem em alguns instantes,sugerindo os remédios eficazes e as providências a<strong>de</strong>quadas, para tal ouqual caso.Gomo dizia, porém, na Bruzundanga, em geral, o Mandachuva é escolhidoentre os advogados, mas não julguem que ele venha dos mais notáveis,dos mais ilustrados, não: ele surge e é indicado <strong>de</strong>ntre os mais néscios e osmais medíocres. Quase sempre, é um leguleio da roça que, logo após a formatura,isto é, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros anos <strong>de</strong> sua mocida<strong>de</strong> até aos quarenta,quando o fizeram <strong>de</strong>putado provincial, não teve outro ambiente que a suacida<strong>de</strong>zinha <strong>de</strong> cinco a <strong>de</strong>z mil habitantes, mais outra leitura que a dosjornais e livros comuns da profissão -- indicadores, manuais, etc.; e outraconvivência que não a do boticário, do médico local, do professor públicoe <strong>de</strong> algum fazen<strong>de</strong>iro menos dorminhoco, com os quais jogava o solo, oumesmo o "truque" nos fundos da botica.É este homem que assim viveu a parte melhor da vida, é este homemque só viu a vida <strong>de</strong> sua pátria na pacatez <strong>de</strong> quase uma al<strong>de</strong>ia; é estehomem que não conheceu senão a sua camada e que o seu estulto orgulho<strong>de</strong> doutor da roça levou a ter sempre um <strong>de</strong>sdém bonanchão pelos inferiores;é este homem que empregou vinte anos, ou pouco menos, a conversarcom o boticário sobre as intrigas políticas <strong>de</strong> seu lugarejo; é este homemcuja cultura artística se cifrou em dar corda no gramofone familiar; é este

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!