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Os Bruzundangas, de Lima Barreto Texto ... - Universia Brasil

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etc.<strong>Os</strong> <strong>de</strong>putados não <strong>de</strong>viam ter opinião alguma, senão aquelas dos governadoresdas províncias que os elegiam. As províncias não po<strong>de</strong>riam escolherlivremente os seus governantes; as populações tinham que os escolherentre certas e <strong>de</strong>terminadas famílias, aparentadas pelo sangue ou porafinida<strong>de</strong>.Havia artigos muito bons, como por exemplo o que <strong>de</strong>terminava anão acumulação <strong>de</strong> cargos remunerados e aquele que estabelecia a liberda<strong>de</strong><strong>de</strong> profissão; mas, logo, surgiu um <strong>de</strong>putado pru<strong>de</strong>nte que estabeleceu oseguinte artigo nas disposições gerais: "Toda a vez que um artigo <strong>de</strong>staConstituição ferir os interesses <strong>de</strong> parentes <strong>de</strong> pessoas da 'situação' ou <strong>de</strong>membros <strong>de</strong>la, fica subentendido que ele não tem aplicação no caso".Na constituinte, todos esperavam ficar na "situação", <strong>de</strong> modo que oartigo acima foi aprovado unanimemente.Com este artigo a Lei Suprema da Bruzundanga tomou uma elasticida<strong>de</strong>extraordinária. <strong>Os</strong> presi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> província, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que estivessem<strong>de</strong> acordo com o presi<strong>de</strong>nte da República, -- na Bruzundanga chama-seMandachuva -- faziam o que queriam.Se algum recalcitrante, à vista <strong>de</strong> qualquer violação da Constituição,apelava para a Justiça (lá se chama Chicana), logo a Corte Supremaindagava se feria interesses <strong>de</strong> parentes <strong>de</strong> pessoas da situação e <strong>de</strong>cidiaconforme o famoso artigo.Um certo governador <strong>de</strong> uma das províncias da Bruzundanga, gran<strong>de</strong>plantador <strong>de</strong> café, verificando a baixa <strong>de</strong> preço que o produto ia tendo, <strong>de</strong>modo a não lhe dar lucros fabulosos, proibiu o plantio <strong>de</strong> mais um pé quefosse da "preciosa rubiácea".Era uma lei colonial, uma verda<strong>de</strong>ira disposição da carta régia. Houveentão um cidadão que pediu habeas corpus para plantar café. A SupremaCorte, à vista do tal artigo citado, não o conce<strong>de</strong>u, visto ferir os interessesdo presi<strong>de</strong>nte da província, que pertencia à "situação".Como todo o mundo não podia pertencer à "situação", os que ficavamfora <strong>de</strong>la, vendo os seus direitos postergados, começavam a berrar, apedir justiça, a falar em princípios, e organizavam, <strong>de</strong>sta ou daquela maneira,masorcas.Se eram vitoriosos, formavam a sua "situação" e começavam a fazero mesmo que os outros.Havia apelo para a "Chicana", mas a Suprema Corte, consi<strong>de</strong>randobem o tal artigo já citado, <strong>de</strong>cidia <strong>de</strong> acordo com a 'situação". Era tudoa "situação".Todos os partidos que não pertenciam a ela, pregavam a reforma daConstituição; mas, logo que a ela a<strong>de</strong>riam, repeliam a reforma como umsacrilégio.A Constituição afirmava que ninguém podia ser obrigado a fazer ou<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer alguma cousa, senão em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei. Não havia lei quepermitisse as províncias <strong>de</strong>portar indivíduos <strong>de</strong> uma para outra, mas oEstado do Kaphet, graças ao tal artigo, <strong>de</strong>portava quem queria e aindaencomendava aos jornais que o chamassem <strong>de</strong> província mo<strong>de</strong>lo.A Constituição da Bruzundanga era sábia no que tocava às condiçõespara elegibilida<strong>de</strong> do Mandachuva, isto é, o Presi<strong>de</strong>nte.Estabelecia que <strong>de</strong>via unicamente saber ler e escrever; que nunca tivessemostrado ou procurado mostrar que tinha alguma inteligência; que nãotivesse vonta<strong>de</strong> própria; que fosse, enfim, <strong>de</strong> uma mediocrida<strong>de</strong> total.Nessa parte a Constituição foi sempre obe<strong>de</strong>cida.A República dura, na Bruzundanga, há cerca <strong>de</strong> trinta anos. Têmpassado pela curul presi<strong>de</strong>ncial nada menos do que seis Mandachuvas, enão houve, talvez, um que infringisse tão sábias disposições.

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