<strong>de</strong>clararia livre o exercício <strong>de</strong> qualquer profissão, extinguindo todo e qualquerprivilégio <strong>de</strong> diploma.Feito isso, <strong>de</strong>clararia também extintas as atuais faculda<strong>de</strong>s e escolasque ele mantém.Substituiria o atual ensino seriado, reminiscência da Ida<strong>de</strong> Média, on<strong>de</strong>,no trivium , se misturava a gramática com a dialética e, no quadrivium,a astronomia e a geometria com a música, pelo ensino isolado <strong>de</strong>matérias, professadas pelos atuais lentes, com os seus preparadores elaboratórios.Quem quisesse estudar medicina, freqüentaria as ca<strong>de</strong>iras necessáriasà especialida<strong>de</strong> a que se <strong>de</strong>stinasse, evitando as disciplinas que julgasseinúteis.Aquele que tivesse vocação para engenheiro <strong>de</strong> estrada <strong>de</strong> ferro, nãoprecisava estar per<strong>de</strong>ndo tempo estudando hidráulica. Freqüentaria tão--somente as ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> que precisasse, tanto mais que há engenheiros queprecisam saber disciplinas que até bem pouco só se exigiam dos médicos,tais como os sanitários; médicos -- os higienistas -- que têm <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>ra dados <strong>de</strong> construção, etc.; e advogados a estudos <strong>de</strong> medicina legal.Cada qual organizaria o programa do seu curso, <strong>de</strong> acordo com aespecialida<strong>de</strong> da profissão liberal que quisesse exercer, com toda a honestida<strong>de</strong>e sem as escoras <strong>de</strong> privilégio ou diploma todo po<strong>de</strong>roso.Semelhante forma <strong>de</strong> ensino, evitando o diploma e os seus privilégios,extinguiria a nobreza doutoral; e daria aos jovens da Bruzundanga maisbonestida<strong>de</strong> no estudo, mais segurança nas profissões que fossem exercer,com a força que vem da concorrência entre homens <strong>de</strong> valor e inteligêncianas carreiras que seguem.Eu não suponho, não tenho a ilusão que alguém tome a sério semelhanteidéia.Mas <strong>de</strong>sejava bem que os da Bruzundanga a tomassem, para que maistar<strong>de</strong> não tenham que se arrepen<strong>de</strong>r.A nobreza doutoral, lá, está se fazendo aos poucos irritante, e atésendo hereditária. Querem ver? Quando por lá an<strong>de</strong>i, ouvi entre rapazeseste curto diálogo:-- Mas T. foi reprovado?-- Foi.-- Como? Pois se é filho do doutor F.?<strong>Os</strong> pais mesmo têm essa idéia; as mães também; as irmãs da mesmaforma, <strong>de</strong> modo a só <strong>de</strong>sejarem casar-se com os doutores. Estes vãoocupar os melhores lugares, as gordas sinecuras, pois o povo admite istoe o tem achado justo até agora. Há algumas famílias que são <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>irosPolignacs doutorais. Ao lado, porém, <strong>de</strong>las vai se formando outracorrente, mais ativa, mais consciente da injustiça que sofre, mais inteligente,que, pouco a pouco, há <strong>de</strong> tirar do povo a ilusão doutoral.É bom não termos que ver, na minha querida Bruzundanga, aquelacena que a nobreza <strong>de</strong> sangue provocou, a Taine, no começo da suagran<strong>de</strong> obra Origens da França Contemporânea, <strong>de</strong>screve em poucas eeloqüentes palavras. Eu as traduzo:"Na noite <strong>de</strong> 14 para 15 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1789, o Duque <strong>de</strong> Larochefoucaud-Liancourtfez <strong>de</strong>spertar Luís XVI para lhe anunciar a tomada daBastilha.-- É. uma revolta? diz o rei.-- Sire, respon<strong>de</strong>u o duque, -- é uma revolução".VIIA diplomacia da BruzundangaO i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> todo e qualquer natural da Bruzundanga é viver fora do pais.
Po<strong>de</strong>-se dizer que todos anseiam por isso; e, como Robinson, vivem naspraias e nos morros, à espera do navio que os venha buscar.Para eles, a Bruzundanga é tida como pais <strong>de</strong> exílio ou mais do queisso: como uma ilha <strong>de</strong> Juan Fernán<strong>de</strong>z, on<strong>de</strong> os humanos per<strong>de</strong>m a fala,por não terem com quem conversar e não po<strong>de</strong>rem enten<strong>de</strong>r o que dizemos pássaros, os animais silvestres e mesmo as cabras semi-selvagens.Um dos meios <strong>de</strong> que a nobreza doutoral lança mão para safar-se dopaís, é obter empregos diplomáticos ou consulares, em falta <strong>de</strong>stes os <strong>de</strong>adidos e "encostados" às legações e consulados.Convém notar que, quando digo que a ânsia geral é viver fora dopaís, excetuo os ativos, aqueles que sugam dos ministérios subvenções,propinas, percentagens e obtêm concessões, privilégios, etc. Estes <strong>de</strong>moram--se pouco fora <strong>de</strong>le e, seja governo o partido radical, seja governo opartido conservador, esteja o erário cheio, esteja ele vazio, sabem sempreobter fartos e abundantes recursos monetários <strong>de</strong> um modo <strong>de</strong> que só elestêm o segredo.. Estes senhores gostam muito da Bruzundanga e são ferozespatriotas.Mas, como lhes contava, os nobres doutores tratam logo <strong>de</strong> representaro país em terras estranhas.Não fazem questão <strong>de</strong> lugar. Seja no Turquestão ou na Groenlândia,eles aceitam os cargos diplomáticos.A um, perguntei:-- Mas tu vais mesmo para o Anam?-- Por que não? Não há lá mulheres?O sonho do jovem diplomático não é ser Talleyrand, é ser DonJuan para usa externo.Ia até bastante satisfeito, disse-me em seguida, porquanto, lá, não sedistinguindo bem a mulher anamita do homem, <strong>de</strong>via acontecer surpresasbem agradáveis com semelhante "engano d'arma ledo e cego".A sua aprendizagem para o ofício é simples. Além do corriqueirofrancês e os usos da socieda<strong>de</strong>, os aspirantes a diplomatas começam nospasseios e reuniões da capital da República a ensaiar o uso <strong>de</strong> roupas, maisou menos à última moda. Não esquecem nem o modo chic <strong>de</strong> atar oscordões dos sapatos, nem o jeito ultra fashionable <strong>de</strong> agarrar a bengala;estudam os modos apurados <strong>de</strong> cumprimentar, <strong>de</strong> sorrir; e, quando se osvê na rua, <strong>de</strong>scobrindo-se para aqui, chapéu tirado da cabeça até à calçadapara ali, balouçando a cabeça, lembramo-nos logo dos cavalos do Cabo<strong>de</strong> coupé <strong>de</strong> casamento rico.Outra cousa que um recomendável aspirante a diplomata <strong>de</strong>ve possuir,são títulos literários. Não é possível que um milhar <strong>de</strong> candidatos, poissempre os há nesse número, tenham todos talento literário, mas a maiorparte <strong>de</strong>les não se atrapalham com a falta.<strong>Os</strong> mais escrupulosos escrevem uns mofinos artigos e tomam logouns ares <strong>de</strong> Shakespeare; alguns publicam livros estafantes e solicitam doscríticos honrosas referências; outros, quando já empregados no ministério,mandam os contínuos copiar velhos ofícios dos arquivos, colam as cópiascom goma-arábica em folhas <strong>de</strong> papel, mandam a cousa para a TipografiaNacional do país, põem um título pomposo na cousa, são aclamados historiadores,sábios, cientistas e logram conseguir boas nomeações.Houve um até que não teve escrúpulo em copiar gran<strong>de</strong>s trechos doCarlos Magno e os doze pares <strong>de</strong> França, para ter um soberbo títulointelectual, capaz <strong>de</strong> fazê-lo secretário <strong>de</strong> legação, como ainda o é atualmente.O mais notável caso <strong>de</strong> acesso na "carreira" foi o que obteve o adidoà Secretaria <strong>de</strong> Estrangeiros Horlando. Em um jantar <strong>de</strong> luxo, houve umadisputa entre dous convidados sobre uma qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peixe que viera àmesa. Um dizia que era garoupa; o outro que era bijupirá. Não houvemeio <strong>de</strong> concordarem. Horlando foi chamado para árbitro. Levou amostraspara casa. Mandou tirar fotografias, fez que <strong>de</strong>senhassem estampas
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