várias irmanda<strong>de</strong>s e or<strong>de</strong>ns terceiras.Aliás, na Bruzundanga, não há sujeito ateu ou materialista em regraque, ao se casar com mulher rica, não se faça instantaneamente católicoapostólico romano. Assim fez esse meu antigo colega.Esse homem, ou antes este rapaz, que tão rapidamente se passou <strong>de</strong>uma idéia religiosa para a outra, esse rapaz cuja insincerida<strong>de</strong> é evi<strong>de</strong>nte,é ajudado em todas as suas pretensões, veleida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>sejos, pelos bispos,fra<strong>de</strong>s, padres e irmãs <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>.As irmãs <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> gozam, lá na Bruzundanga, <strong>de</strong> uma, influênciapo<strong>de</strong>rosa. Não quero negar que, como enfermeiras <strong>de</strong> hospitais, elas prestemserviços humanitários dignos <strong>de</strong> todo o nosso respeito; mas não sãoessas que os cínicos ambicioaos da Bruzundanga cortejam. Eles cortejamaquelas que dirigem colégios <strong>de</strong> meninas ricas. Casando-se com uma <strong>de</strong>stas,obtêm eles a influência das colegas, casadas também com gran<strong>de</strong>s figurões,para arranjarem posições e lugares rendosos.Toda a gente sabe como o pessoal eclesiástico consegue manter a influênciasobre os seus discípulos, mesmo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terminarem os seuscursos. Anatole France, em L'Église et lu République, mostrou isso muitobem. <strong>Os</strong> padres, freiras, irmãs <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> não abandonam os seus alunosabsolutamente. Mantêm socieda<strong>de</strong>s, recepções, etc., para os seus antigoseducandos; seguem-lhes a vida <strong>de</strong> toda a forma, no casamento, nas carreiras,nos seus lutos, etc.De tal froma fazem isto que constituem uma espécie <strong>de</strong> maçonaria ainfluir no espírito dos homens, através das mulheres que eles esposam.E os malandros que sabem <strong>de</strong>ssa teia formada acima dos néscios, dossinceros e dos honestas <strong>de</strong> pensamento, tratam <strong>de</strong> cavar um dote e umamenina das irmãs, o que vem a ser uma e única cousa.Disse-nos um velho que conheceu escravos na Bruzundanga que foramelas, as irmãs dos colégios ricos, as mais tenazes inimigas da abolição daescravidão. Dominando as filhas e mulheres dos <strong>de</strong>putados, senadores, ministros,dominavam <strong>de</strong> fato os <strong>de</strong>putados, os senadores e os ministros. Ceque femme veut...Na Bruzundanga, on<strong>de</strong> os casamentos <strong>de</strong>sastrosos abundam como emtoda a parte, não é lei o divórcio por causa <strong>de</strong>ssa influência hipócrita etola, provinda dos ricos colégios <strong>de</strong> religiosos, on<strong>de</strong> se ensina a papaguearo francês e acompanhar a missa.Esta dissertação não foi à toa, em se tratando <strong>de</strong> política e políticos daBruzundanga, porque estes últimos são em geral casados com moças educadaspelas religiosas e estas fazem a política do país.Com esse apoio forte, apoio que resiste às revoluções, às mudanças<strong>de</strong> regímen, eles tratam, no po<strong>de</strong>r, não <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r as necessida<strong>de</strong>s dapopulação, não <strong>de</strong> lhes resolver os problemas vitais, mas <strong>de</strong> enriquecereme firmarem a situação dos seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes e colaterais.Não há lá homem influente que não tenha, pelo menos, trinta parentesocupando cargos do Estado; não há lá político influente que não se julguecom direito a <strong>de</strong>ixar para os seus filhos, netos, sobrinhos, primos, gordaspensões pagas pelo Tesouro da República.No entanto, a terra vive na pobreza; os latifúndios abandonados eindivisos; a população rural, que é a base <strong>de</strong> todas as nações, oprimidapor chefões políticos, inúteis, incapazes <strong>de</strong> dirigir a cousa mas fácil <strong>de</strong>stavida.Vive sugada; esfomeada, maltrapilha, macilenta, amarela, para que,na sua capital, algumas centenas <strong>de</strong> parvos, com títulos altissonantes dissoou daquilo, gozem vencimentos, subsídios, duplicados e triplicados, aforarendimentos que vêm <strong>de</strong> outra e qualquer origem, empregando um gran<strong>de</strong>palavreado <strong>de</strong> quem vai fazer milagres.Um povo <strong>de</strong>sses nunca fará um haro, para obter terras.A República dos Estados Unidos da Bruzundanga tem o governo quemerece. Não <strong>de</strong>vemos estar a per<strong>de</strong>r o latim com semelhante gente; eu,porém, que me propus a estudar os seus usos e costumes, tenho que ir até
ao fim.Não <strong>de</strong>sanimarei e ainda mais uma vez lembro, para bem esclarecero que fica dito acima, que o gran<strong>de</strong> Bossuet disse que a política tinhapor fim fazer a felicida<strong>de</strong> dos povos e a vida cômoda.A Águia <strong>de</strong> Meaux, creio eu, não afirmou isso somente para edificação<strong>de</strong> algumas beatas...VAs riquezas da BruzundangaQUANDO abrimos qualquer compêndio <strong>de</strong> geografia da Bruzundanga;quando se lê qualquer poema patriótico <strong>de</strong>sse pais, ficamos com a convicção<strong>de</strong> que essa nação é a mais rica da terra."A Bruzundanga, diz um livro do gran<strong>de</strong> sábio Volkate Ben Volkate,possui nas entranhas do seu solo todos os minerais da terra."A província das Jazidas tem ouro, diamantes; a dos Bois, carvão <strong>de</strong>pedra e turfa; a dos Cocos, diamantes, ouro, mármore, safiras, esmeraldas;a dos Bambus, cobre, estanho e ferro. No reino mineral, nada pe<strong>de</strong> o nossopaís aos outros. Assim também no vegetal, em que é sobremodo rica anossa maravilhosa terra."A borracha, continua ele, po<strong>de</strong> ser extraída <strong>de</strong> várias árvores quecrescem na nossa opulenta nação; o algodoeiro é quase nativo; o cacaupo<strong>de</strong> ser colhido duas vezes por ano; a cana-<strong>de</strong>-açúcar nasce espontaneamente;o café, que é a sua principal riqueza, dá quase sem cuidado algume assim todas as plantas úteis nascem na nossa Bruzundanga com facilida<strong>de</strong>e rapi<strong>de</strong>z, proporcionando ao estrangeiro a sensação <strong>de</strong> que ela é o verda<strong>de</strong>iroparaíso terrestre".Nesse tom, todos os escritores, tanto os mais calmos e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntescomo os <strong>de</strong> encomenda, cantam a formosa terra da Bruzundanga.<strong>Os</strong> seus aci<strong>de</strong>ntes naturais, as suas montanhas, os seus rios, os seusportos são também assim <strong>de</strong>cantados. <strong>Os</strong> seus rios são os mais longos eprofundos do mundo; os seus portos, os mais fáceis ao acesso <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>snavios e os mais abrigados, etc., etc.Entretanto, quem examinar com calma esse ditirambo e o confrontarcom a realida<strong>de</strong> dos fatos há <strong>de</strong> achar estranho tanto entusiasmo.A Bruzundanga tem carvão, mas não queima o seu nas fornalhas <strong>de</strong>suas locomotivas. Compra-o à Inglaterra, que o ven<strong>de</strong> por bom preço.Quando se pergunta aos sábios do país porque isto se dá, eles fazem umrelatório <strong>de</strong>ste tamanho e nada dizem. Falam em calorias, em teor <strong>de</strong>enxofre, em escórias, em grelhas, em fornalhas, em carvão americano, embriquettes, em camadas e nada explicam <strong>de</strong> todo. <strong>Os</strong> do povo, porém,concluem logo que o tal carvão <strong>de</strong> pedra da Bruzundanga não serve parafornalhas, mas, com certeza, po<strong>de</strong> ser aproveitado como material <strong>de</strong> construção,por ser <strong>de</strong> pedra.O que se dá,com o carvão, dá-se com as outras riquezas da Bruzundanga.Elas existem, mas ninguém as conhece. O ouro, por exemplo, étido como uma das fortunas da Bruzundanga, mas lá não corre uma moeda<strong>de</strong>sse metal. Mesmo, nas montras dos cambistas, as que vemos são estraneiras.Po<strong>de</strong>m ser turcas, abexins, chinas, gregas, mas do pais não hánenhuma. Contudo, todos afirmam que o país é a pátria do ouro.O povo da Bruzundanga é doce e crente, mais supersticioso do quecrente, e entre as suas superstições está esta do ouro. Ele nunca o viu,ele nunca sentiu o seu brilho fascinador; mas todo o bruzundanguense estácerto <strong>de</strong> que possui no seu quintal um filão <strong>de</strong> ouro.Com o café dá-se uma cousa interessante. O café é tido como umadas maiores riquezas do país; entretanto é uma das maiores pobrezas.
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nossa opinião que essa questão de
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janelas da sala.Careta, Rio, 5-11-2