que espécie <strong>de</strong> técnica é a tal tão estimada na Bruzundanga. Convém,entretanto, contar um fato elucidativo. Um doutor <strong>de</strong> lá que era até lenteda Escola dos Engenheiros, apesar <strong>de</strong> ter outros empregos rendosos, quisser inspetor da carteira cambial do banco da Bruzundanga. Conseguiu e,ao dia seguinte <strong>de</strong> sua nomeação, quando se tratou <strong>de</strong> afixar a taxa docâmbio, vendo que, na véspera havia sido <strong>de</strong> 15 3/16, o sábio doutor mandouque o fizesse no valor <strong>de</strong> 15 3/32. Um empregado objetou:-- Vossa Excelência quer fazer <strong>de</strong>scer o câmbio?-- Como <strong>de</strong>scer? Faça o que estou mandando! Sou doutor em matemática.E a cousa foi feita, mas o sábio <strong>de</strong>ixou o lugar, para estudar aritmética.Continuemos a citar fatos para que esta narração tenha o maior cunho<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> que muita coisa possa parecer absurda aos leitores.Certo dia li nos atos oficiais do Ministério <strong>de</strong> Transportes e Comunicaçõesdaquele país, o seguinte:"F., amanuense dos Correios da província dos Cocos, pedindo fazerconstar <strong>de</strong> seus assentamentos o seu título <strong>de</strong> doutor em medicina. --Deferido".O pedido e o <strong>de</strong>spacho dispensam qualquer comentário; e, por eles,todos po<strong>de</strong>m aquilatar até que ponto chegou, na Bruzundanga, a superstiçãodoutoral. Um amanuense que se quer recomendar por ser médico, é fatoque só se vê no interessante país da Bruzundanga.Outros casos eloqüentemente comprobativos do que venho expondo,posso ainda citar.Vejamos.Há pouco tempo, no Conselho Municipal daquele longínquo país,votou-se um orçamento, dobrando e triplicando todos os impostos. Sabemos que ele diminuiu? <strong>Os</strong> impostos sobre os médicos e advogados. Aindamais.Quando se tratou <strong>de</strong> organizar uma espécie <strong>de</strong> serviço militar obrigatorio,o governo da Bruzundanga, não po<strong>de</strong>ndo isentar totalmente os aspirantesa doutor, consentiu que eles não residissem e comessem nos quartéis,no intuito piedoso <strong>de</strong> não lhes interromper os estudos. Entretanto, um caixeiroque fosse sorteado per<strong>de</strong>ria o emprego, como todo e qualquer empregado<strong>de</strong> casa particular.Há nessa nobreza doutoral uma hierarquia como em todas as aristocracias.O mandarinato chinês, ao qual muito se assemelha essa nobrezada Bruzundanga, tem os seus mandarins botões <strong>de</strong> safira, <strong>de</strong> topázio, <strong>de</strong> rubi,etc. No país em questão, eles não se distinguem por botões, mas pelosanéis. No intuito <strong>de</strong> não fatigar os leitores, vou dar-lhes um quadro sintético<strong>de</strong> tal nobreza da Bruzundanga com a sua respectiva hierarquia colocadaem or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte. Guar<strong>de</strong>m-no bem. Ei-lo, com as pedras dosanéis:Médicos (Esmeralda)Advogados (Rubi)Engenheiros (Safira)Engenheiros militares (Turqueza)DoutoresEngenheiros geógrafos (Safira e certos sinais noarco do anel)Farmacêutico (Topázio)Dentista (Granada)Em linhas gerais, são estas as características mais notáveis da nobrezadoutoral da Bruzundanga. Podia acrescentar outras, sobre todos os seusgraus. Lembrarei, porém, ao meu correspon<strong>de</strong>nte que os três primeirosgraus são mais ou menos equivalentes; mas os três últimos gozam <strong>de</strong>um abatimento <strong>de</strong> 50% sobre o conceito que se faz dos primeiros.Da outra nobreza, tratarei mais tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado as meninasdas Escolas Normais, com os seus bonés <strong>de</strong> universida<strong>de</strong> americana, e osbacharéis em letras da Bruzundanga, porque lá não são consi<strong>de</strong>rados nobres,
Entretanto, as primeiras têm um anel distintivo que parece uma montra<strong>de</strong> joalheria, pela quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pedras que possui; e os últimos anunciamo seu curso com uma opala vulgar. Ambos esses formados são lá consi<strong>de</strong>radoscomo falsa nobreza.IIIA outra nobreza da BruzundangaNO artigo prece<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>i rápidas e curtas indicações sobre a primeiraespécie da nobiliarquia da República da Bruzundanga. Falei da nobrezadoutoral. Agora vou falar <strong>de</strong> uma outra mais curiosa e interessante.A nobreza dos doutores se baseia em alguma cousa. No conceitopopular, ela é firmada na vaga superstição <strong>de</strong> que os seus representantessabem; no conceito das moças casa<strong>de</strong>iras é que os doutores têm direito,pelas leis divinas e humanas, a ocupar os lugares mais rendosos do Estado;no pensar dos pais <strong>de</strong> família, ele se escuda no direito que têm os seusfilhos graduados nas faculda<strong>de</strong>s em trabalhar pouco e ganhar muito.Enfim, em falta <strong>de</strong> outra qualquer base, há o tal pergaminho, mais oumenos carimbado pelo governo, com um fitão e uma lata <strong>de</strong> prata, on<strong>de</strong>há um selo, e na tampa uma <strong>de</strong>dicatória à dama dos pensamentos dogentil cavalheiro que se fez doutor.A outra nobreza da Bruzundanga, porém, não tem base em cousaalguma; não é firmada em lei ou costume; não é documentada por qualquerespécie <strong>de</strong> papel, édito, código, carta, diploma, lei ou o que seja. Foi porisso que eu a chamei <strong>de</strong> nobreza <strong>de</strong> palpite. Vou dar alguns exemplos<strong>de</strong>ssa singular instituição, para elucidar bem o espírito dos leitores.Um cidadão da <strong>de</strong>mocrática República da Bruzundanga chamava-se,por exemplo, Ricardo Silva da Conceição. Durante a meninice e a adolescênciafoi conhecido assim em todos os assentamentos oficiais. Um belodia, mete-se em especulações felizes e enriquece. Não sendo doutor, julgao seu nome muito vulgar. Cogita mudá-lo <strong>de</strong> modo a parecer mais nobre.Muda o nome e passa a chamar-se: Ricardo Silva <strong>de</strong> la Concepción. Publicao anúncio no Jornal do Comércio local e está o homem mais satisfeito davida. Vai para a Europa e, por lá, encontra por toda a parte príncipes,duques, con<strong>de</strong>s, marqueses da Birmânia, do Afganistão e do Tibete. Diabo!pensa o homem. Todos são nobres e titulares e eu não sou nada disso.Começa a pensar muito no problema e acaba lendo em um romancefolhetim <strong>de</strong> A. Carrillo, -- nos Cavalheiros do amor, por exemplo -- umtítulo espanhol qualquer. Suponhamos que seja: Príncipe <strong>de</strong> Luna y Ortega.O homem diz lá consigo: "Eu me chamo Concepción, esse nome é espanhol,não há dúvida que eu sou nobre"; e conclui logo que é <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte do talPríncipe <strong>de</strong> Luna y Ortega. Manda fazer cartões com a coroa fechada <strong>de</strong>príncipe, acaba convencido <strong>de</strong> que é mesmo príncipe, e convencendo osseus amigos da sua prosápia elevada.Com um <strong>de</strong>stes que se improvisou príncipe assim <strong>de</strong> uma hora paraoutra, aconteceu uma anedota engraçada.Ele se chamava assim como Ferreira, ou cousa que o valha. Fez umaviagem à Europa e voltou príncipe não sei <strong>de</strong> quê.Foi visitar as terras dos pais e dos avós que estavam abandonadas eentregues a antigos servidores.Um dos mais velhos <strong>de</strong>stes, veio visitá-lo arrimado a um bastão queescorava a sua gran<strong>de</strong> velhice. Falou ao homem, ao filho do seu antigopatrão como falara ao menino a quem ensinara a armar laços e arapucas.O novel príncipe formalizou-se e disse:-- Você não sabe, Heduardo, que eu sou príncipe?-- Quá o quê, nhonhô. Vancê não po<strong>de</strong> sê príncipe. Vancê não éfio <strong>de</strong> imperadô, cumo é?
- Page 1 and 2: Os Bruzundangas, de Lima BarretoTex
- Page 4 and 5: tantes. Por isso entrara no coupé
- Page 6 and 7: com pelotiquices e passes de mágic
- Page 8 and 9: da Bruzundanga; era assim como o se
- Page 10: E muitas outras de que me esqueci,
- Page 13 and 14: Certo dia, Idle Bhras de Grafofone
- Page 15: chem de orgulho a família toda, os
- Page 19 and 20: A minha estadia na Bruzundanga foi
- Page 21 and 22: ao fim.Não desanimarei e ainda mai
- Page 23 and 24: Eis como são as riquezas do país
- Page 25 and 26: Pode-se dizer que todos anseiam por
- Page 27 and 28: esse negócio de condecorações e
- Page 29 and 30: etc.Os deputados não deviam ter op
- Page 31 and 32: homem cuja única habilidade se res
- Page 33 and 34: gado e quase sempre generoso, e eu,
- Page 35 and 36: aritmética, era a conta de juros,
- Page 37 and 38: suas correrias, encontrou-se com um
- Page 39 and 40: da inteligência humana e da nature
- Page 41 and 42: sabem quem ele é, quais são os se
- Page 43 and 44: traziam. Via perfeitamente tais arm
- Page 45 and 46: fregueses e a ter cuidado com os ca
- Page 47 and 48: desse "defeito" apresentavam alguns
- Page 49 and 50: Assim, em uma espécie de Rua da Al
- Page 51 and 52: cho coletivo, levando tão estranha
- Page 53 and 54: hediondas! Quanta insuficiência ar
- Page 55 and 56: fácil de explicar.Ele veio, no fim
- Page 57 and 58: Não ficou aí. Mostrou a necessida
- Page 59 and 60: exímio em dança; e, enquanto ele
- Page 61 and 62: hortaliças, legumes e a criação
- Page 63 and 64: grandes festas o centenário da fun
- Page 65 and 66: ecursos medianos, modestos, retraí
- Page 67 and 68:
tudo...Recentemente, na Bruzundanga
- Page 69 and 70:
Quando ficam ricos, estão completa
- Page 71 and 72:
nossa opinião que essa questão de
- Page 73 and 74:
janelas da sala.Careta, Rio, 5-11-2