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Intervenções fonoaudiológicas em um paciente com afasia: um ...

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Intervenções fonoaudiológicas <strong>em</strong><strong>um</strong> <strong>paciente</strong> <strong>com</strong> <strong>afasia</strong>: <strong>um</strong> estudode caso pautado na neurolinguísticadiscursivaSuellen Cristina Lopes CarvalhoFonoaudiólogaHospital do Idoso Zilda ArnsGiselle MassiFonoaudióloga, Doutora <strong>em</strong> Linguística - Universidade Federal do ParanáDocente do Programa de Pós-Graduação <strong>em</strong> Distúrbios da Comunicação - Universidade Tuiuti doParanáAna Cristina GuarinelloFonoaudióloga, Doutora <strong>em</strong> Linguística - Universidade Federal do ParanáDocente do Programa de Pós-Graduação <strong>em</strong> Distúrbios da Comunicação - Universidade Tuiuti doParaná


Res<strong>um</strong>oO objetivo deste trabalho foi realizar <strong>um</strong>a reflexão de <strong>um</strong> processo terapêutico fonoaudiológico voltado a <strong>um</strong>sujeito <strong>com</strong> <strong>afasia</strong>, a partir da Neurolinguística Discursiva. Método: Os dados analisados foram obtidos atravésde sessões fonoaudiológicas s<strong>em</strong>anais, gravadas <strong>em</strong> câmera digital, de março a outubro de 2010, perfazendo <strong>um</strong>total de 25 sessões. Cada sessão teve duração de 40 minutos. Resultado: A partir da descrição de três quadros,que apresentaram momentos de interação linguística entre o afásico - sujeito desta pesquisa e sua interlocutora-,foi observado que o espaço terapêutico se instaurou <strong>com</strong>o <strong>um</strong> lugar onde o sujeito afásico pode rever-se nae pela linguag<strong>em</strong>. Foi notável que a terapeuta buscou potencializar os recursos <strong>com</strong>unicativos do afásico nasdiferentes situações dialógicas para a construção conjunta da significação. Conclusão: A NeurolinguísticaDiscursiva, teoria a qual <strong>em</strong>basou este trabalho, oportunizou que a terapeuta pudesse, no espaço terapêutico,reconhecer, valorizar e investir nas potencialidades linguístico-discursivas do sujeito afásico.Palavras-chave: Afasia, Intervenções Fonoaudiológicas, Neurolinguística Discursiva.AbstractThis work aimed to realize a reflection about an aphasic individual speech language therapy therapeutic processfrom a discursive neurolinguistic analysis. Method: The analyses data were collected during speech languagetherapies weekly realized, recorded in a digital camera from March to October 2010, totalizing 25 meetings.Each meeting lasted 40 minutes. Result: The data shows that the linguistic interaction between the aphasicindividual and its therapist allowed the aphasic individual to look at himself in language and through language.It was notable the construction of signification in different dialogic situations, this strength the <strong>com</strong>municationsresources by the aphasic individual. Conclusion: The Discursive neurolinguistic used theoretically in this workgave to the therapist opportunities to recognize, to value and to invest in the linguistic discursive potential ofthe aphasic individual.Keywords: Aphasia, Speech language therapy interventions, Discursive neurolinguistic.


100Intervenções fonoaudiológicas <strong>em</strong> <strong>um</strong> <strong>paciente</strong> <strong>com</strong> <strong>afasia</strong>...estudo foram desenvolvidos na contrapartida dastradicionais concepções que classificam as <strong>afasia</strong>s.Conforme (Macedo, 2006), as classificações quenomeiam as diferentes <strong>afasia</strong>s são importantes para oestabelecimento de <strong>um</strong> diagnóstico ou mesmo para oa<strong>com</strong>panhamento geral do afásico. Porém, conformea autora, não dev<strong>em</strong>os enquadrar o afásico n<strong>um</strong>anomenclatura <strong>com</strong>o algo imóvel que não permite versua singularidade, principalmente, ao propormos <strong>um</strong>a<strong>com</strong>panhamento fonoaudiológico voltado para asquestões de linguag<strong>em</strong>.Conforme (Santana & Pinto, 2009), mais do queclassificar, o importante é atribuir sentido à linguag<strong>em</strong>do sujeito que apresenta <strong>afasia</strong>, entendendo <strong>com</strong>o elelida <strong>com</strong> suas dificuldades e <strong>com</strong>o isso repercute nassuas interações sociais.Considerando as tradicionais classificações dadasàs <strong>afasia</strong>s, as intervenções fonoaudiológicas, conforme(Jakubovicz, 1996), ocorr<strong>em</strong> a partir de aplicação detestes e exercícios de linguag<strong>em</strong> previamente planejados.Os exercícios para estimulação da linguag<strong>em</strong> expressivaconsist<strong>em</strong> <strong>em</strong> repetição de palavras, nomeação,discriminação de fon<strong>em</strong>as, entre outros.Na contrapartida das intervenções fonoaudiológicasacima citadas, o processo terapêutico fonoaudiológicodeste estudo visa aceitar o sujeito afásico <strong>com</strong> suaspotencialidades, considerando sua singularidade eauxiliando-o a ampliar suas possibilidades <strong>com</strong>unicativas,<strong>um</strong>a vez que entend<strong>em</strong>os que a linguag<strong>em</strong> não é estáticae que o cérebro é plástico.Quando propomos <strong>um</strong>a reflexão acerca desseprocesso terapêutico, objetivamos analisar a relaçãodialógica que se estabelece entre terapeuta e <strong>paciente</strong>no processo terapêutico. Segundo (Morato, 1996)cita que a partir das <strong>com</strong>plexas relações entre osinterlocutores, mediadas pela língua, são construídas,no processo interlocutivo, as significações que orientamos participantes do diálogo.Considerando a <strong>afasia</strong> que a<strong>com</strong>panha o sujeitodeste estudo é plausível pensar que o estar afásico,possivelmente, coloca esse sujeito n<strong>um</strong>a posição desofrimento, pois ao deparar-se <strong>com</strong> <strong>um</strong> “eu” diferente,o afásico fica submetido a <strong>um</strong>a posição desconhecidaque, na maioria das vezes, leva-o a sentir-se incapazdiante do mundo e das pessoas. Nesse sentido, otrabalho Fonoaudiológico pode minimizar essa relaçãode sofrimento <strong>com</strong> a linguag<strong>em</strong> auxiliando o afásico aampliar suas possibilidades interacionais.Na condição de afásico, o sujeito se tornasuscetível a discursos que o deixam n<strong>um</strong>a posiçãoantes desconhecida, muitas vezes, n<strong>um</strong>a posiçãode incapacidade. Justifica-se, assim, <strong>um</strong> trabalhovoltado para ressignificação deste lugar, podendoser trabalhadas: a fala, os gestos, <strong>um</strong>a <strong>com</strong>unicaçãoTuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.


Suellen Cristina Carvalho, Giselle Massi e Ana Cristina Guarinello101alternativa, mímica facial, entonação vocal, leitura eescrita. Acerca da linguag<strong>em</strong>, (Santana, 2002) afirmaque o afásico acaba sendo colocado ou ass<strong>um</strong>indo <strong>um</strong>aposição de incapacidade. Dessa forma, entend<strong>em</strong>osque, n<strong>um</strong> momento inicial do processo terapêutico,não dev<strong>em</strong>os enfatizar os fracassos interlocutivos,mas reconhecer e valorizar as possibilidades que osujeito afásico apresenta para participar de processosde interação linguística.Voltando ao objetivo que <strong>em</strong>basa este trabalho,entend<strong>em</strong>os que refletir sobre <strong>um</strong> processo terapêuticopermite ao terapeuta rever recorrent<strong>em</strong>ente seu saber/fazer clínico e, assim, ter a oportunidade de desenvolverprocessos terapêuticos eficazes. É sabido que essareflexão deve ser <strong>um</strong>a constante na vida do terapeuta,que considera o sujeito <strong>em</strong> sua singularidade.MétodoOs dados que são analisados foram obtidos atravésde sessões fonoaudiológicas s<strong>em</strong>anais, as quais foramgravadas <strong>em</strong> câmera digital. De março a outubro de2010, perfazendo <strong>um</strong> total de 25 sessões. Cada sessãoteve duração de 40 minutos e privilegiou momentosde interação linguística entre o afásico - sujeitodesta pesquisa - e sua interlocutora, <strong>um</strong>a estagiáriado último ano do curso de Fonoaudiologia. Osatendimentos ocorreram nas dependências da Clínicade Fonoaudiologia da Universidade Tuiuti do Paraná.Vale ressaltar que a interlocutora des<strong>em</strong>penhoufunção dupla. Ela foi o outro no diálogo e, ao mesmot<strong>em</strong>po, ass<strong>um</strong>iu o papel de investigadora. Dessa forma,não ocupou <strong>um</strong>a posição de neutralidade, n<strong>em</strong> secolocou <strong>em</strong> <strong>um</strong> plano distanciado do sujeito-afásico,mas foi, enquanto sujeito, o ponto de ancorag<strong>em</strong>para investigação e viabilização do uso efetivo dalinguag<strong>em</strong>.Nos dados apresentados, a identificação do sujeitodesta pesquisa e de sua interlocutora serão apresentadasa partir das iniciais: LF e T, respectivamente. LFassinou o Termo de Consentimento livre e esclarecidoconcordando <strong>em</strong> participar desta pesquisa, após recebertoda explicação acerca da metodologia do trabalho.A análise das 25 sessões fonoaudiológicas ocorreus<strong>em</strong>analmente, <strong>um</strong>a vez que, sist<strong>em</strong>aticamente, ainvestigadora assistia ao vídeo da sessão fonoaudiológica,realizava as transcrições da terapia e, pautada naNeurolinguística Discursiva, refletia sobre os processosdialógicos que se instauravam entre LF e T no processoterapêutico.Nos dados, serão descritas as análises de três quadrosque apresentam situações dialógicas estabelecidas entreLF e T no espaço terapêutico. O primeiro mostra ocontato de LF e T na primeira terapia, o segundoTuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.


102Intervenções fonoaudiológicas <strong>em</strong> <strong>um</strong> <strong>paciente</strong> <strong>com</strong> <strong>afasia</strong>...apresenta a terapeuta e o <strong>paciente</strong> três meses depoisdo início do processo terapêutico e o último quadroapresenta eles n<strong>um</strong>a situação dialógica ocorrida noúltimo trimestre do processo terapêutico.A apresentação dos quadros segue o modeloutilizado por (Coudry, 2008), são <strong>com</strong>postos por:<strong>um</strong> indicador n<strong>um</strong>érico, o qual se apresentou<strong>com</strong>o <strong>um</strong> facilitador para análise, pois organizou afala dos interlocutores; <strong>um</strong> indicador cujo nome éSigla do locutor, que teve <strong>com</strong>o objetivo indicar asiniciais dos interlocutores (LF e T); <strong>um</strong> indicadorchamado transcrição, o qual cont<strong>em</strong>plou a fala dosinterlocutores; <strong>um</strong> indicador chamado de Observaçãosobre a enunciação verbal e outro indicador chamadode Observação sobre a enunciação não-verbal, cujosnomes já caracterizam suas funções.O projeto de pesquisa que deu orig<strong>em</strong> a essetrabalho foi aprovado pelo <strong>com</strong>itê de ética, sob número22/2004. O sujeito da pesquisa assinou o termo deconsentimento livre e esclarecido.O caso LFO estudo de caso <strong>em</strong> questão refere-se ao sujeitoLF, sexo masculino, 46 anos, brasileiro, nascido nacidade de Curitiba/PR <strong>em</strong> 20 de nov<strong>em</strong>bro de 1963.Foi casado durante dezoito anos e teve <strong>um</strong>a filha, queatualmente t<strong>em</strong> 21 anos de idade. Vale destacar queLF separou-se s<strong>em</strong>anas antes do Acidente VascularCerebral (AVC).LF mora, atualmente, <strong>com</strong> sua mãe e dois irmãos.Nos fundos de sua casa, ainda, mora sua irmã maisvelha <strong>com</strong> dois filhos, <strong>um</strong> deles é <strong>um</strong>a sobrinha queserá nomeada aqui pela inicial F. D<strong>em</strong>os <strong>um</strong> destaquea ela, pois F foi <strong>um</strong>a interlocutora ativa no sentidode frequent<strong>em</strong>ente estar mantendo contato <strong>com</strong> aT, buscando informações acerca dos atendimentos edando informações acerca do dia a dia do tio.Na sua rotina diária, LF permanece a maior parte dot<strong>em</strong>po na <strong>com</strong>panhia da mãe, <strong>um</strong>a senhora de 71 anos.Em casa, cost<strong>um</strong>a realizar afazeres domésticos, <strong>com</strong>o:arr<strong>um</strong>ar a cama, juntar o lixo, varrer a calçada, fazercafé, entre outros. Gosta de assistir na televisão: novelase jogos de futebol. No final da tarde, pelo menos duasvezes na s<strong>em</strong>ana, sai na <strong>com</strong>panhia de <strong>um</strong> amigo paracaminhar <strong>em</strong> ruas próximas de sua casa. Aqui, o amigoserá nomeado CE.Nos finais de s<strong>em</strong>ana, na maior parte deles fica <strong>em</strong>casa. Esporadicamente visita a ex-esposa e sua filha, saina <strong>com</strong>panhia do amigo CE ou frequenta encontrosde família, <strong>com</strong>o: churrascos, aniversários, formaturasou casamentos.LF é torcedor do Coritiba Futebol Clube, cost<strong>um</strong>aver na televisão ou ouvir no rádio todos os jogos doTuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.


Suellen Cristina Carvalho, Giselle Massi e Ana Cristina Guarinello103seu time. Segundo sua mãe e sua sobrinha quando oCoritiba perde LF fica <strong>em</strong>burrado e nervoso.Desde o AVC, <strong>em</strong> 2007, LF luta, na PrevidênciaSocial, para aposentar-se. Porém, até o momento, s<strong>em</strong>sucesso. Sendo assim, depende financeiramente daaposentadoria da sua mãe. Na UTP, durante a s<strong>em</strong>ana,LF realiza atendimentos nas Clínicas de Fonoaudiologia,Fisioterapia e, além disso, participa do Grupo deAfásicos, o qual é coordenado pela FonoaudiólogaProfessora Doutora Ana Cristina Guarinello e évinculado ao Mestrado e Doutorado <strong>em</strong> Distúrbios daComunicação. O objetivo do grupo é proporcionar <strong>um</strong>espaço onde os afásicos possam participar de diferentessituações e práticas discursivas <strong>com</strong> interlocutoresdiversos. O grupo torna-se importante, na medida <strong>em</strong>que é <strong>um</strong> espaço onde LF pode melhorar sua relação<strong>com</strong> a linguag<strong>em</strong> e a<strong>um</strong>entar suas interações sociais.LF sofreu <strong>um</strong> AVC isquêmico, <strong>em</strong> dez<strong>em</strong>bro de2007 e, segundo laudo da tomografia, ocorreu <strong>um</strong><strong>com</strong>prometimento do território da artéria cerebralmédia esquerda promovendo retração do ventrículolateral. Tal evento ocorreu por consequência deHipertensão Arterial. Alg<strong>um</strong>as das sequelas foram:diminuição dos movimentos dos m<strong>em</strong>bros do ladodireito, <strong>com</strong>prometimento da linguag<strong>em</strong> oral eescrita. Aparent<strong>em</strong>ente a <strong>com</strong>preensão do <strong>paciente</strong>foi “preservada”. Consideramos aparent<strong>em</strong>entepreservada, pois <strong>em</strong> várias situações dialógicas foiobservado que o <strong>paciente</strong> pareceu não <strong>com</strong>preendera fala de sua interlocutora. Porém, esta, ao percebertais situações, procurou investir para que LF a<strong>com</strong>preendesse e na maioria das situações foi obtidosucesso. Os investimentos da T, quando percebia queLF não a <strong>com</strong>preendia foram: repetir ou reelaborar seudiscurso, falar mais devagar, usar gestos, entre outros.LF e sua família procuraram o serviço deFonoaudiologia da UTP <strong>em</strong> outubro de 2008 etroxeram a queixa de que LF ficou s<strong>em</strong> falar depoisdo AVC. Desde então, s<strong>em</strong>analmente, ele realiza osatendimentos fonoaudiológicos.O contato da terapeuta <strong>com</strong> a família de LF ocorreua partir dos recados que a sobrinha de LF encaminhavavia agenda e <strong>um</strong>a visita a casa de LF. Nos recados, asobrinha informava sist<strong>em</strong>aticamente acontecimentosdo dia a dia do tio.Na visita realizada a casa de LF, no dia 2 deset<strong>em</strong>bro de 2010, a terapeuta foi recebida por ele, suamãe, seus dois irmãos e sua irmã. No início da visita,LF apresentou a T retratos existentes na estante dasala, a primeira fotografia que mostrou foi a de suafilha. Depois das fotos, a T foi recepcionada <strong>com</strong> <strong>um</strong>lanche e LF fez questão de servir refrigerante no copoda T. Enquanto estavam <strong>com</strong>endo, a sobrinha de LFchegou e <strong>com</strong>pôs a mesa junto a eles.Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.


104Intervenções fonoaudiológicas <strong>em</strong> <strong>um</strong> <strong>paciente</strong> <strong>com</strong> <strong>afasia</strong>...Durante a visita, a sobrinha se mostrou interessadapelos atendimentos fonoaudiológicos que estãosendo prestados ao tio, fez vários questionamentos,indagando, inclusive, acerca de atividades das quaispoderia lançar mão para poder ajudar no progresso dotio. Diante desta colocação a T destacou que a famíliapode motivar LF a fazer uso de gestos, apontamentosna pasta de <strong>com</strong>unicação supl<strong>em</strong>entar e/ou alternativa(PCSA) e principalmente inseri-lo nas rodas deconversas familiares. A T afirmou que os familiarestambém pod<strong>em</strong> anexar conteúdos ao acervo da PCSA,itens que ach<strong>em</strong> necessários na d<strong>em</strong>anda do dia a diade LF. Por ex<strong>em</strong>plo, escrever <strong>um</strong>a lista <strong>com</strong> o nomedos familiares próximos a ele, pois quando ele quiserreferir-se a <strong>um</strong> deles a PCSA pode ser <strong>um</strong> facilitadorpara que a <strong>com</strong>unicação se efetive.De acordo <strong>com</strong> a American Speech LanguageHearing Association, a Comunicação Supl<strong>em</strong>entar e/ou Alternativa é <strong>um</strong>a área da prática clínica, neste casoda prática clínica fonoaudiológica, que se propõ<strong>em</strong>a <strong>com</strong>pensar (t<strong>em</strong>porária ou permanent<strong>em</strong>ente)as alterações ou incapacidades do indivíduo <strong>com</strong>desord<strong>em</strong> severa de <strong>com</strong>unicação expressiva (Pires &Limongi, 2002).Durante o processo terapêutico, a T tambémrealizou <strong>um</strong>a visita ao Grupo de Afásicos. Nareunião, foi observado que LF participou ativamente,dando sua opinião quanto a escolha de <strong>um</strong> filme. Sua<strong>com</strong>unicação se efetivou através de gestos, expressõesfaciais significativas e <strong>em</strong>issão dos fon<strong>em</strong>as [E],[∫i] e [vi] <strong>com</strong> variação na entonação, levando seusinterlocutores a perceber<strong>em</strong> se estava: afirmando,negando, arg<strong>um</strong>entando ou indagando.ResultadosDurante o processo terapûtico, investimos <strong>em</strong>recursos que incentivass<strong>em</strong> e potencializass<strong>em</strong> a<strong>com</strong>unicação de LF, tais <strong>com</strong>o: a criação de <strong>um</strong>a pastade <strong>com</strong>unicação supl<strong>em</strong>entar e/ou alternativa (PCSA), acriação de <strong>um</strong> <strong>em</strong>ail para LF, a utilização de <strong>um</strong>a agenda,a leitura <strong>com</strong>partilhada de textos, a elaboração de textos<strong>em</strong> diferentes gêneros discursivos, entre outros.Nos primeiros atendimentos, buscamos desenvolver<strong>um</strong> conhecimento mútuo entre os interlocutores, apartir de conversas acerca da história de vida de ambos.Uma estratégia para a criação de vínculo consistiu <strong>em</strong>ver<strong>em</strong> fotos, tanto da família de LF quanto da famíliada T. Na maioria dos retratos que LF trouxe para aterapia fonoaudiológica, sua filha estava presente. A Ttambém apresentou fotos de sua família.A PCSA foi construída conforme a d<strong>em</strong>andaobservada nos atendimentos. Os familiares tambémforam incentivados a <strong>com</strong>por a pasta <strong>com</strong> conteúdosTuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.


Suellen Cristina Carvalho, Giselle Massi e Ana Cristina Guarinello105que achass<strong>em</strong> necessários. Foram anexos a pasta: oalfabeto, os números de 0 a 9, <strong>um</strong>a lista <strong>com</strong> o nomede familiares próximos a LF, <strong>um</strong> calendário, mapas,entre outros conteúdos.O <strong>em</strong>ail foi <strong>um</strong> gênero discursivo que possibilitouque LF pudesse estar <strong>em</strong> contato <strong>com</strong> váriosinterlocutores, tais <strong>com</strong>o a sua sobrinha, os integrantesdo Grupo de Afásicos e, principalmente, sua filha.A agenda foi outro recurso efetivo para ampliar ainteração entre o <strong>paciente</strong>, a família e a terapeuta. LFconstant<strong>em</strong>ente anotava l<strong>em</strong>bretes <strong>em</strong> sua agenda.Vale ressaltar que a sobrinha de LF foi extr<strong>em</strong>amenteparticipativa, no sentido de frequent<strong>em</strong>ente enviar recadosvia agenda contando acontecimentos do dia a dia do tio.Na leitura <strong>com</strong>partilhada de textos, buscamosfazer leituras crítico-reflexivas. Destacamos que asescolhas dos textos não foram aleatórias e sim deacordo <strong>com</strong> a d<strong>em</strong>anda de LF. Por ex<strong>em</strong>plo, <strong>com</strong>o LFconstant<strong>em</strong>ente fazia <strong>com</strong>entários sobre a filha, a Tviu a partir desta d<strong>em</strong>anda a oportunidade de trabalhartextos que traziam a t<strong>em</strong>ática da relação entre pais efilhos. As elaborações de textos, nos diferentes gênerosdiscursivos consistiram na elaboração de bilhetes,<strong>em</strong>ails, recados e l<strong>em</strong>bretes via agenda.Na sequência são apresentados três quadros, osquais apresentam situações dialógicas estabelecidasentre LF e sua terapeuta (T), durante o processoterapêutico,QUADRO 1SIGLA DOLOCUTORTRANSCRIÇÃOOBSERVAÇÃO SOBRE AENUNCIAÇÃO VERBALOBSERVAÇÃO SOBRE A ENUNCIAÇÃONÃO-VERBAL1 T2 LF3 T4 LF ÉData: 02/03/10Agora por gentileza o senhor assine aquineste espaço, confirmando que concorda<strong>com</strong> as normas.Se o senhor concorda <strong>com</strong> os itens quel<strong>em</strong>os pode assinar, mas se não concordarnão precisa.Emissão do fon<strong>em</strong>a [E]prolongado.Ofereceu o papel no qual estavam os dadosde identificação de LF e descritas às normasda ClínicaOlhou para o papel, retornou o olhar para a Te sinalizou que não.Esboçou <strong>um</strong>a expressão de negatividade.Sinalizou que sim. Pegou a caneta e assinou.Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.


106Intervenções fonoaudiológicas <strong>em</strong> <strong>um</strong> <strong>paciente</strong> <strong>com</strong> <strong>afasia</strong>...O quadro 1 apresenta LF e a T n<strong>um</strong>a situaçãodialógica onde haviam acabado de confirmar algunsdados pessoais de LF e lido alg<strong>um</strong>as normas exigidaspela Clínica de Fonoaudiologia da UTP, vale destacarque este foi o primeiro encontro entre eles.Enquanto liam as Normas da Clínica, a cadait<strong>em</strong> a T buscou retomar e refletir sobre os aspectoslidos. LF a<strong>com</strong>panhou atentamente, d<strong>em</strong>onstrando<strong>com</strong>preender e concordar <strong>com</strong> as normas exigidas.A partir da situação dialógica que se estabeleceuno Quadro 1, pod<strong>em</strong>os observar que no seguimento1, há <strong>um</strong>a convocação da T para que LF possaass<strong>um</strong>ir responsabilidades diante dos atendimentosfonoaudiológicos. Com esta atitude, ela buscou colocarLF n<strong>um</strong>a situação de capaz e responsável pelo trabalhofonoaudiológico a ser desenvolvido.No seguimento 2, LF se vê <strong>com</strong>o incapaz de assinar,considerando que t<strong>em</strong> extr<strong>em</strong>a dificuldade <strong>em</strong> escrever,porém no seguimento 3, a T não o deixa na posição deincapacidade e considera que a postura de negatividadedele é porque não aceita as condições impostas pelaClínica. Assim, no seguimento 4, LF decide assinar,mostrando a sua interlocutora que quer ass<strong>um</strong>ir ascondições impostas pela Clínica.O quadro 2, na página ao lado, apresenta LF e aT conversando sobre o quão prejudicial foi o t<strong>em</strong>po<strong>em</strong> que LF ficou s<strong>em</strong> contribuir para PrevidênciaSocial. Vale destacar que para este atendimentofonoaudiológico o <strong>paciente</strong> trouxe sua carteira detrabalho. Ele e a T analisaram juntos o doc<strong>um</strong>ento.A partir do quadro 2, entend<strong>em</strong>os, <strong>em</strong> função dasituação dialógica estabelecida entre LF e a T, queo mesmo havia ficado 12 anos s<strong>em</strong> contribuir paraPrevidência social. No seguimento 7, visl<strong>um</strong>bramosque a T esteve sensível a d<strong>em</strong>anda de LF e investiuno assunto sobre o t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que LF esteve s<strong>em</strong>carteira assinada, assim, no seguimento 8, é aparente aexpressão de indignação de LF, lamentando a situaçãoa qual se sujeitou.No segmento 9, a T pergunta o porquê ele ficous<strong>em</strong> carteira assinada todo este t<strong>em</strong>po, no seguimento10, LF refere que não, s<strong>em</strong> maiores explicações. Então,no seguimento 11, a T insiste nas perguntas e indagase foi LF qu<strong>em</strong> pediu para ficar nesta situação, noseguimento 12, ele d<strong>em</strong>onstra-se nervoso, levandosua interlocutora a concluir que, possivelmente, nãofoi LF qu<strong>em</strong> pediu para ficar s<strong>em</strong> carteira assinada esim a <strong>em</strong>presa onde LF trabalhava que o deixou nestasituação. As conclusões da T foram confirmadas porLF no seguimento 14.A T pergunta, no seguimento 15, o porquê LF nãosaiu desta <strong>em</strong>presa, já que eles não quiseram assinar suacarteira de trabalho, e logo sugere que, possivelmente,para ter ficado nesta situação, LF tinha <strong>um</strong> melhorTuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.


Suellen Cristina Carvalho, Giselle Massi e Ana Cristina Guarinello107QUADRO 2SIGLA DOLOCUTORTRANSCRIÇÃOOBSERVAÇÃO SOBRE AENUNCIAÇÃO VERBALOBSERVAÇÃO SOBRE AENUNCIAÇÃO NÃO-VERBAL1 T Então você ficou s<strong>em</strong> carteira assinadaquanto t<strong>em</strong>po?2 LF Vi Emissão do fon<strong>em</strong>a [vi]. Abriu as mãos, referindo 5 anos.3 T Cinco4 LF Vi, vi Emissão do fon<strong>em</strong>a [vi] Abriu as mãos as mãos referindo mais 5anos.5 T Mais cinco, dez6 LF Vi Emissão do fon<strong>em</strong>a [vi] Abriu as mãos as mãos apontando mais 27 T Mais dois, então você ficou doze anos s<strong>em</strong>anos8 LFcarteira assinadaÉ Sinalizou que sim, expressão facial deindignação9 T T<strong>em</strong> alg<strong>um</strong> motivo de você ter ficado s<strong>em</strong>10 LFcarteira assinada todo esse t<strong>em</strong>po?É Emissão do fon<strong>em</strong>a [E] prolongado. Sinalizou que não <strong>com</strong> a cabeça e fez <strong>um</strong>aexpressão facial de negatividade11 T Mas você quis ficar nesta situação?12 LF É Emissão do fon<strong>em</strong>a [E] prolongado Sinalizou que não <strong>com</strong> a cabeçad<strong>em</strong>onstrando nervosismo.13 T Então a <strong>em</strong>presa que não quis te registrar?14 LF É Emissão do fon<strong>em</strong>a [E] prolongado.15 T Mas você não saiu de lá por quê? Eles teTom de confirmação.Risos16 LFpagavam b<strong>em</strong> pelo jeito!É Emissão do fon<strong>em</strong>a [E] prolongado. Sinalizou que sim17 T Mas vamos lá né LF, agora se você <strong>com</strong>eçara trabalhar novamente, exigirá que teregistr<strong>em</strong>, né?Data: 08/06/10Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.Tom de confirmação.Risos18 LF É Emissão do fon<strong>em</strong>a [E] prolongado.Tom de confirmação.19 T Então, hoje eu trouxe o <strong>com</strong>putador para<strong>com</strong>eçarmos a elaboração do seu currículo,l<strong>em</strong>bra que havíamos <strong>com</strong>binado?20 LFTÉTrouxe esse currículo para seguirmos oEmissão do fon<strong>em</strong>a [E] prolongado.Tom de confirmação.modelo. Olhe o primeiro it<strong>em</strong> a ser colocadoSinalizou que sim, sorriu e apresentou <strong>um</strong>aexpressão facial de contentamentoFez <strong>um</strong> sinal de positivo <strong>com</strong> as mãos.Mostrou <strong>um</strong> papel <strong>com</strong> o modelo de <strong>um</strong>currículo.21é seu nome, vamos lá LF22 Olhou para o teclado e depois de algunsinstantes digitou as duas primeiras letras doseu primeiro nome.


108Intervenções fonoaudiológicas <strong>em</strong> <strong>um</strong> <strong>paciente</strong> <strong>com</strong> <strong>afasia</strong>...salário s<strong>em</strong> carteira assinada, então, no seguimento 16,LF confirma que tinha <strong>um</strong> bom salário.No seguimento 17, T questiona se LF <strong>com</strong>eçara trabalhar novamente se ele exigirá que o registro<strong>em</strong> carteira, no seguimento 18, v<strong>em</strong>os que LF,possivelmente, respondeu que exigirá o registro <strong>em</strong>carteira se <strong>com</strong>eçar a trabalhar novamente. Chegamos aesta conclusão, pois LF <strong>em</strong>ite o fon<strong>em</strong>a [E] prolongado<strong>com</strong> <strong>um</strong> tom de confirmação, apresenta <strong>um</strong>a expressãofacial de contentamento e faz <strong>um</strong> gesto de positivo<strong>com</strong> as mãos.A T, no seguimento 19, motiva que <strong>com</strong>ec<strong>em</strong> aelaboração de <strong>um</strong> currículo para LF. Eles haviam<strong>com</strong>binado, <strong>em</strong> terapias anteriores, que fariam estecurrículo. Perceb<strong>em</strong>os que a T visou tirar LF da posiçãoonde ele se encontrava no âmbito profissional.No seguimento 20, LF confirma querer fazer seucurrículo. Então, no seguimento 21, a T apresenta <strong>um</strong>modelo de currículo e refere que o primeiro it<strong>em</strong> quedeve ser colocado no currículo é o nome dele, então, noseguimento 22, LF toma a iniciativa e já digita as duasprimeiras letras do seu nome no <strong>com</strong>putador.Concluímos que foi significativa a rápida iniciativade LF <strong>em</strong> digitar as duas primeiras letras do seu nome,mostrando seu interesse <strong>em</strong> elaborar o currículo.Possivelmente, ele percebe, na elaboração do currículo,<strong>um</strong> <strong>com</strong>eço para poder retomar sua carreira profissional.V<strong>em</strong>os, assim, o espaço terapêutico sendo utilizado<strong>com</strong>o <strong>um</strong> lugar onde o sujeito pode rever na linguag<strong>em</strong>e pela linguag<strong>em</strong> a posição que pode ocupar na relação<strong>com</strong> o outro na sociedade.O currículo foi finalizado na terapia posterior, nodia 15 de junho de 2010. Destacamos que LF tevedificuldades <strong>em</strong> digitar no <strong>com</strong>putador para elaboraro currículo e, por isso, a T o auxiliou. Ao término docurrículo, foi visível a expressão facial de contentamentopor parte do <strong>paciente</strong>.N<strong>um</strong> recado, enviado via agenda, a sobrinha de LFinformou que ela e seus familiares ficaram satisfeitos<strong>com</strong> a elaboração do currículo e garantiu que ajudaráo tio na busca de <strong>um</strong> novo trabalho.A situação dialógica do quadro 3 apresenta LF e aT conversando sobre o presente que LF havia ganhadode sua filha no dia dos pais.No quadro 3, LF é qu<strong>em</strong> inicia o turno noseguimento 1, chamando a atenção da T ao <strong>em</strong>itir ofon<strong>em</strong>a [E] prolongado e, poste riormente, realizandoo gesto de apontar para os pés. Tal atitude instigou a Tpara saber o que LF queria dizer, então, no seguimento2, a T pergunta o que LF queria dizer ao apontar paraos pés.No seguimento 3, ele aponta na PCSA para a palavradomingo e <strong>em</strong>ite o fon<strong>em</strong>a [vi]. No seguimento 4, a Tcontinua não <strong>com</strong>preendendo o que o LF queria dizer,Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.


Suellen Cristina Carvalho, Giselle Massi e Ana Cristina Guarinello109QUADRO 3Data: 10/08/10SIGLA DOLOCUTORTRANSCRIÇÃOTuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.OBSERVAÇÃO SOBRE AENUNCIAÇÃO VERBALOBSERVAÇÃO SOBRE A ENUNCIAÇÃO NÃO-VERBAL1 LF É Emite <strong>um</strong> [E] prolongado, chamando Aponta para os pésa atenção da T2 T Que t<strong>em</strong> os seus pés LF? Olhando para os pés de LF3 LF Vivi Emissão do fon<strong>em</strong>a [vi] Apontou para a palavra domingo na PCSA4 T H<strong>um</strong>, domingo?5 LF É Emissão do fon<strong>em</strong>a [E] Aponta novamente para os pés, e depois fica olhandopara terapeuta6 T Domingo? Ah domingo foi diados pais7 LF É Sinalizou que sim, expressão alegria, sinal de positivo <strong>com</strong>as mãos, apontou novamente para os pés8 T Você viu sua filha domingo?9 LF É Emissão do fon<strong>em</strong>a [E] prolongado. Sinalizou que sim <strong>com</strong> a cabeça e apontou para os pésnovamente10 T Você ganhou este tênis dela?11 LF É Emissão do fon<strong>em</strong>a [E] prolongado<strong>com</strong> tom de negação.12 T Ah! Outro tênis?13 LF É Emissão do fon<strong>em</strong>a [E] prolongado.Tom de confirmação. Risosporém LF insiste e repete o que fez no seguimento 1.No seguimento 6 a T l<strong>em</strong>bra que, no domingo anterior,foi dia dos pais. Assim, no seguimento 7, LF através da<strong>em</strong>issão do fon<strong>em</strong>a [E] prolongado, expressão facialde alegria e o sinal de positivo, leva sua interlocutoraa <strong>com</strong>preender que LF se referia a algo que ocorreranos dias dos pais, porém ele insistiu <strong>em</strong> apontar paraos pés.Sinalizou que não <strong>com</strong> a cabeça.Sinalizou rodando os dedos indicadores.No seguimento 8, a T questionou se LF viu suafilha nos dias dos pais, LF referiu que sim e voltou aapontar para os pés, no seguimento 9. A insistênciade LF <strong>em</strong> apontar para os pés levou a T a questionar,no seguimento 10, se LF havia ganhado aquele tênisde sua filha.No seguimento 11, ele deixa claro que não ganhouaquele tênis, mas outro, ao <strong>em</strong>itir o fon<strong>em</strong>a [E]


110Intervenções fonoaudiológicas <strong>em</strong> <strong>um</strong> <strong>paciente</strong> <strong>com</strong> <strong>afasia</strong>...<strong>com</strong> tom de negação e realizar o gesto de rodar osdedos indicadores. A T obtém a confirmação quefoi outro tênis, ao questioná-lo no seguimento 12,e LF confirmar que foi outro tênis, no seguimento13, ao <strong>em</strong>itir o fon<strong>em</strong>a [E] prolongado <strong>com</strong> tom deconfirmação.V<strong>em</strong>os neste quadro que foi LF qu<strong>em</strong> iniciou oturno, ao contrário do que mostram os 2 quadrosanteriores, <strong>em</strong> que a T iniciava a atividade dialógica.Tal atitude nos r<strong>em</strong>ete a inferir que LF está ass<strong>um</strong>indo<strong>um</strong> papel mais amplo no processo interlocutivo, namedida <strong>em</strong> que na e pela linguag<strong>em</strong> sente-se confiantepara iniciar <strong>um</strong> diálogo, de acordo <strong>com</strong> <strong>um</strong> assuntoque lhe diz respeito.A atitude de ter trazido para o diálogo o assuntode ter ganhado <strong>um</strong> presente de sua filha, mostra queo espaço terapêutico apresenta-se <strong>com</strong>o <strong>um</strong> lugaronde LF pode estar à vontade para posicionar-se,trazendo <strong>um</strong> fato relevante de sua história, o fato deser pai e de ter ganho <strong>um</strong> presente de sua filha no diaque lhe é destinado.Segundo Coudry (1996), o fato do sujeito que está<strong>em</strong> a<strong>com</strong>panhamento terapêutico trazer ocorrênciasde fatos de sua vida, pode desencadear atividadesdiscursivas e t<strong>em</strong>as de conversação. Assim, asdiscussões de fatos peculiares da vida, tanto do sujeitoafásico quanto de sua investigadora, são fundamentaispara o fortalecimento do conhecimento mútuo e doslaços de afetividade que vão sendo constituídos.DiscussãoO objetivo deste trabalho foi realizar <strong>um</strong>a reflexãode <strong>um</strong> processo terapêutico fonoaudiológico voltadoa <strong>um</strong> sujeito <strong>com</strong> <strong>afasia</strong>, a partir da NeurolinguísticaDiscursiva. Nesse sentido, pud<strong>em</strong>os perceber que oespaço terapêutico se instaurou <strong>com</strong>o <strong>um</strong> local queconcebeu a linguag<strong>em</strong> <strong>com</strong>o constitutiva do sujeito, desua natureza histórica e social. Visto que nas práticasdialógicas ocorridas entre LF e T, o acesso a linguag<strong>em</strong>não se deu <strong>em</strong> situações descontextualizadas,mas por <strong>um</strong> processo interlocutivo, que levou <strong>em</strong>consideração as histórias e as singularidades dossujeitos participantes da prática clínica, sobretudo, ahistória de LF.Os três quadros apresentados anteriormenteanunciam relações dialógicas estabelecidas entre LFe T. No que tange às intervenções fonoaudiológicas,foram observados os seguintes aspectos:No quadro 1, é possivel perceber a conduta da Tque, já n<strong>um</strong> primeiro encontro <strong>com</strong> LF, mostra queo concebe <strong>com</strong>o capaz de ass<strong>um</strong>ir responsabilidadessobre o processo terapêutico. Assim, coloca-on<strong>um</strong>a posição que, possivelmente, ele não estavaTuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.


Suellen Cristina Carvalho, Giselle Massi e Ana Cristina Guarinello111acost<strong>um</strong>ado, desde o AVC. Já que, <strong>com</strong>o foi<strong>com</strong>entado pelos familiares, LF é dependente de seusfamiliares para tomar decisões. Assim, diante do novo,LF, n<strong>um</strong> primeiro momento ass<strong>um</strong>iu <strong>um</strong>a postura deincapaz, mas a T não aceitou esta postura e insistiuno convite para que LF ass<strong>um</strong>isse responsabilidades.Então, possivelmente, percebendo que a T apostavanele, LF respondeu positivamente a convocação desua interlocutora.No quadro 2, ao discutir<strong>em</strong> sobre aspectosda vida profissional de LF, foi oportunizada a elea possibilidade de repensar a posição a qual foisubmetido a partir do momento que não contribuiupara previdência social. A conduta que tomaram, apartir da discussão, direcionou LF a não vitimar-se esim a continuar na luta por <strong>um</strong> espaço no mercadode trabalho.No quadro 3, a iniciativa de LF <strong>em</strong> iniciar oprocesso diálogo e a busca insistente de recursospara <strong>com</strong>unicar-se <strong>com</strong> sua interlocutora, foisignificativa. A partir deste quadro, observamosque LF não desanimou na busca de recursos para<strong>com</strong>unicar-se, possivelmente, porque percebeu, <strong>em</strong>sua interlocutora, interesse <strong>em</strong> ouví-lo. Esse contextonos r<strong>em</strong>ete a refletir, conforme Faraco (2003), sobreas considerações do Círculo de Bakhtin, na medida <strong>em</strong>que tal Círculo se propõe a evidenciar que é no diálogoque os interlocutores faz<strong>em</strong> perguntas, dão respostas,ag<strong>em</strong> uns sobre os outros, ou seja, se apresentamna interação discursiva buscando continuamente aconstrução conjunta da significação.Pud<strong>em</strong>os perceber, a partir dos três quadrosapresentados, que LF lançou mão de vários recursosexpressivos para construção conjunta da significação<strong>com</strong> sua interlocutora. Ele usou gestos, <strong>em</strong>itiu osfon<strong>em</strong>as [E], [∫ i] e [vi] <strong>com</strong> variação na entonação,fez apontamentos na PCSA, elaborou expressõesfaciais significativa.Durante o processo terapêutico, T procuro<strong>um</strong>anter LF n<strong>um</strong>a posição de independência. Buscandoreconhecê-lo <strong>com</strong>o adulto capaz de ass<strong>um</strong>ir-se<strong>com</strong>o sujeito nas diversas situações dialógicas quevivenciou no espaço terapêutico, s<strong>em</strong> vitimá-lo.Assim, parece ficar evidente, também, que parao sucesso do processo terapêutico acontecer foifundamental a postura incansável da T, no que serefere ao investimento que fez nas possibilidades<strong>com</strong>unicativas de LF.O papel fundamental da terapeuta, considerandoCoudry (1996), foi buscar na linguag<strong>em</strong> do afásicoos modos pelos quais ele organizou e estruturou seusrecursos expressivos ou os mecanismos alternativospelos quais ele supriu suas dificuldades. Ele buscou,dessa forma, investir nas possibilidades interativasTuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.


112Intervenções fonoaudiológicas <strong>em</strong> <strong>um</strong> <strong>paciente</strong> <strong>com</strong> <strong>afasia</strong>...de LF, <strong>com</strong> o insistente objetivo de valorizá-las eacentuá-las.ConclusãoA Neurolinguística Discursiva, teoria a qual<strong>em</strong>basou este trabalho, deixa claro que são a partirdas práticas discursivas que se pod<strong>em</strong> a<strong>um</strong>entaras condições de interação entre os interlocutores,conforme Coudry (1996). Neste caso, entre LF ea T.Durante o processo terapêutico-interlocutivoestabelecido entre LF e T foi possível perceberque, apesar de LF apresentar <strong>um</strong>a <strong>afasia</strong>, este fatonão o impediu de estar inserido na linguag<strong>em</strong>.Pela linguag<strong>em</strong> este sujeito teve a possibilidade deampliar suas possibilidades interativas <strong>com</strong> a T.Suas possibilidades <strong>com</strong>unicativas são inúmeras,bastou o interlocutor estar disposto a buscar <strong>em</strong> LFsuas possibilidades e potencializá-las nas práticasdiscursivas estabelecidas no espaço terapêutico.Ressaltamos que a interlocutora e investigadoradeste estudo conquistou, a partir da relaçãoestabelecida <strong>com</strong> LF e Das reflexões que fez <strong>em</strong>função das análises das terapias, a oportunidade derever-se enquanto terapeuta. Assim, perceb<strong>em</strong>os queo trabalho fonoaudiológico acerca da linguag<strong>em</strong>,exige disposição por parte terapeuta. Disposição parase rever na linguag<strong>em</strong> e pela linguag<strong>em</strong> e, revendose,auxiliar os seus <strong>paciente</strong>s a ressignificar<strong>em</strong> suaspossibilidades linguístico-discursivas. Neste trabalho,ficou evidente que tal atitude teve <strong>um</strong> resultadopositivo e decisivo para que LF pudesse reorganizarsuas possibilidades <strong>com</strong>unicativas e interacionais.Tendo <strong>em</strong> vista que o objetivo do trabalho foirealizar <strong>um</strong>a reflexão de <strong>um</strong> processo terapêuticofonoaudiológico voltado ao caso de <strong>um</strong> sujeito<strong>com</strong> <strong>afasia</strong>, a partir da Neurolinguística Discursiva,perceb<strong>em</strong>os que as intervenções fonoaudiológicasnão se dão <strong>em</strong> situações descontextualizadas <strong>com</strong>otradicionalmente ocorre <strong>com</strong> atividades que consist<strong>em</strong><strong>em</strong> repetição de palavras, nomeação, discriminação defon<strong>em</strong>as, entre outros. Ao contrário, neste trabalho,perceb<strong>em</strong>os que as intervenções fonoaudiológicasocorreram <strong>em</strong> situações de construção conjunta quelevaram <strong>em</strong> consideração as d<strong>em</strong>andas do <strong>paciente</strong>,as quais servviram de base para o desenvolvimentode estratégias terapêuticas.Portanto, de nosso ponto de vista, é notável que<strong>um</strong> trabalho voltado a sujeitos afásicos, tendo <strong>com</strong>obase a Neurolinguística Discursiva, auxilia o terapeutaa reconhecer, valorizar e investir nas potencialidadeslinguístico-discursivas desses sujeitos, reconhecidos<strong>com</strong>o autores de suas histórias de vida.Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.


Suellen Cristina Carvalho, Giselle Massi e Ana Cristina Guarinello113ReferênciasCOUDRY, M.I. Diário de Narciso: discurso e <strong>afasia</strong>: análise discursiva de interlocuções <strong>com</strong> afásicos. 2. ed. São Paulo:Martins Fontes, 1996.COUDRY, M.I. Neurolinguística Discursiva: <strong>afasia</strong> <strong>com</strong>o tradução. Estudos da Língua(g<strong>em</strong>),Vitória da Conquista, vol. 6. nº 2, 2008.FARACO, C.A. Criação Ideológica e Dialogismo. In: FARACO C.A. Linguag<strong>em</strong> e Diálogo: as ideias lingüísticas do circulode Bakhtin. 1. ed. Curitiba: Criar, 2003. p.45-85.JAKUBOVICZ, R; CUPELLO, R. Introdução à Afasia. 1. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 1996.MACEDO, H.O. A Enunciação Discursiva na Clínica Fonoaudiológica <strong>com</strong> Afásicos. In: PASTORELLO L; ROCHAA.C. Fonoaudiologia e Linguag<strong>em</strong> Oral: os práticos do diálogo. 1. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2006. p. 49-63.MORATO, E.M. Linguag<strong>em</strong> e cognição: as reflexões de L. S. Vygotsky sobre a ação reguladora da lingug<strong>em</strong>. 1. ed. SãoPaulo: Plexus, 1996.MASSI, G.A.A. Linguag<strong>em</strong> e paralisia cerebral: <strong>um</strong> estudo de caso do desenvolvimento da narrativa. 1. ed. Curitiba: Maio,2001.PINTO, R.N; SANTANA, A.P. S<strong>em</strong>iologia das <strong>afasia</strong>s: implicações para clínica fonoaudiológica. In: MANCOPES R;SANTANA, A.P. Perspectivas na Clínica das <strong>afasia</strong>s: o Sujeito e o Discurso. 1. ed. São Paulo: Santos, 2009. p. 18-40.PIRES, S.C.F; LIMONGI, S.C.O. Estudo de caso: introdução de <strong>com</strong>unicação supl<strong>em</strong>entar <strong>em</strong> <strong>paciente</strong> <strong>com</strong> paralisiacerebral atetóide. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, São Paulo, vol. 14, nº 1, p. 51-60, 2002.REISDORFER, I.M.S. A caracterização das par<strong>afasia</strong>s na perspectiva da Neurolingüística. 2007. 200 p. Tese de Mestrado- Instituto de Estudos da Linguag<strong>em</strong>, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.SANTANA A.P. Escrita e Afasia: a linguag<strong>em</strong> escrita na afasiologia. 1. ed. São Paulo: Plexus, 2002.Tuiuti: Ciência e Cultura, n. 45, p. 97-113, Curitiba, 2012.

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