<strong>OS</strong> <strong>PENSADORES</strong>madas sociais dominantes. Hoje, contudo, quando este po<strong>de</strong>rda banalida<strong>de</strong> se esten<strong>de</strong>u a toda a socieda<strong>de</strong>, sua funçãose modificou. A modificação <strong>de</strong> função atinge todos os tipos<strong>de</strong> música. Não somente a ligeira — reino em que o po<strong>de</strong>rda banalida<strong>de</strong> se faria notar comodamente como simplesmente"gradual", com respeito aos meios mecânicos <strong>de</strong> difusão.A unida<strong>de</strong> e harmonia das esferas musicais separadas<strong>de</strong>ve ser repensada e recomposta. A sua separação estática,tal como a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m e promovem ocasionalmente algunsconservadores da cultura antiquada, é ilusória — chegou-sea atribuir ao totalitarismo do rádio a tarefa <strong>de</strong>, por um lado,propiciar entretenimento e distração aos ouvintes, e por outro,a <strong>de</strong> incentivar e promover os chamados valores culturais,como se ainda pu<strong>de</strong>sse haver bom entretenimento ecomo se os bens da cultura não se transformassem em algo<strong>de</strong> mau, precisamente em virtu<strong>de</strong> do modo <strong>de</strong> cultivá-los.Assim como a música séria, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Mozart, tem a sua históriana fuga da banalida<strong>de</strong> e como aspecto negativo reflete ostraços da música ligeira, da mesma forma presta ela hoje emdia testemunho, nos seus representantes mais cre<strong>de</strong>nciados,<strong>de</strong> sombrias experiências, que se prefiguram, carregadas <strong>de</strong>pressentimentos, na <strong>de</strong>spreocupada simplicida<strong>de</strong> da músicaligeira. Inversamente seria igualmente cômodo ocultar a separaçãoe a ruptura entre as duas esferas e supor uma continuida<strong>de</strong>,que permitiria à formação progressiva passar semperigo do jazz e das canções <strong>de</strong> sucesso aos genuínos valoresda cultura. A barbárie cínica <strong>de</strong> forma alguma é preferívelà frau<strong>de</strong> cultural. O que alcança, quanto à <strong>de</strong>silusão do superior,é por ela compensado através das i<strong>de</strong>ologias <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong>e vinculação com o natural, mediante as quaistransfigura o mundo musical inferior: um submundo que jánão ajuda, por exemplo, na contradição dos excluídos dacultura, mas limita-se a se alimentar com o que lhe é dado<strong>de</strong> cima. A ilusória convicção da superiorida<strong>de</strong> da músicaligeira em relação à séria tem como fundamento precisamenteessa passivida<strong>de</strong> das massas, que colocam o consumo da— 72 —
ADORNOmúsica ligeira em oposição às necessida<strong>de</strong>s objetivas daquelesque a consomem. É habitual alegar, a este propósito, queas pessoas na realida<strong>de</strong> apreciam a música ligeira, e só tomamconhecimento da música séria por motivos <strong>de</strong> prestígio social,ao passo que o conhecimento <strong>de</strong> um único texto <strong>de</strong> canção<strong>de</strong> sucesso é suficiente para revelar que função po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenharo que é lealmente aceito e aprovado. Em conseqüência,a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambas as esferas da música resulta <strong>de</strong> umacontradição não resolvida. Ambas não se relacionam entresi como se a inferior constituísse uma espécie <strong>de</strong> propedêuticapopular para a superior, ou como se a superior pu<strong>de</strong>sse haurirda inferior a sua perdida força coletiva. Não é possível,a partir da mera soma das duas meta<strong>de</strong>s seccionadas, formaro todo, mas em cada uma <strong>de</strong>las aparecem, ainda que emperspectiva, as modificações do todo, que só se move emconstante contradição. Se a fuga da banalida<strong>de</strong> se tornasse<strong>de</strong>finitiva, reduzir-se-ia a zero a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> venda e<strong>de</strong> consumo da produção séria, em conseqüência <strong>de</strong> suas<strong>de</strong>mandas objetivas inerentes, e a padronização dos sucessosse efetua mais abaixo, <strong>de</strong> modo a não atingir <strong>de</strong> maneiraalguma o sucesso <strong>de</strong> estilo antigo, admitindo somente a meraparticipação. Entre a incompreensibilida<strong>de</strong> e a inevitabilida<strong>de</strong>não existe meio-termo possível: a situação polarizou-seem extremos que na realida<strong>de</strong> acabam por tocar-se. Entreeles já não há espaço algum para o "indivíduo", cujas exigências— on<strong>de</strong> ainda eventualmente existirem — são ilusórias,ou seja, forçadas a se amoldarem aos padrões gerais.A liquidação do indivíduo constitui o sinal característico danova época musical em que vivemos.Se as duas esferas da música se movem na unida<strong>de</strong> dasua contradição recíproca, a linha <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcação que as separaé variável. A produção musicai avançada se in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntizoudo consumo. O resto da música séria é submetidoà lei do consumo, pelo preço do seu conteúdo. Ouve-se talmúsica séria como se consome uma mercadoria adquiridano mercado. Carecem totalmente <strong>de</strong> significado real as dis-
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